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A LIMITAÇÃO MATERIAL DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

“La estabilidad de una Constitución es una cualidad muy deseable,


porque da a las conciencias de los ciudadanos una sensación de
seguridad que redunda en benefícios del orden”1 - James Bryce

I – Poder Constituinte : Natureza do Poder Constituinte, Tipos de


Poder Constituinte. II - Limitações Materiais do Poder
Constituinte Derivado : Tipos de Limites. III – Limites Materiais
na Constituição Federal de 1988 : A Teoria da Dupla Revisão,
Crítica à Teoria da Dupla Revisão, Poder Constituinte
Decorrente dos Estados-membros. IV – Bibliografia.

I – PODER CONSTITUINTE

Natureza do Poder Constituinte

É preciso antes de adentrarmos o tema da limitação material do Poder


Constituinte determinar exatamente sob que aspectos pode-se entender o próprio
Poder Constituinte e o porquê de estabelecer-se uma limitação as suas ações.
Sob esse aspecto vejamos onde podemos encontrar a natureza desse poder.

Basicamente podemos verificar duas teses sobre a origem do Poder


Constituinte que nos coloca frente a formulações filosóficas opostas : a
fundamentação positivista baseada, principalmente, no pensamento kelseniano
com forte influência kantiana, e a formulação jusnaturalista alicerçada em duas
correntes (Escola Tomista e Escola dos Direitos Natural e das Gentes).

O modelo de Kelsen apresentado ao mundo jurídico, principalmente, em


sua obra mais célebre : “A Teoria Pura do Direito”, apresenta o ordenamento
jurídico de uma forma escalonada em que cada norma tem seu âmbito de
validade conferido por uma norma de caráter mais generalista que se submete a
outra formando um estrutura normativa piramidal, na qual a Constituição se
encontra em seu ápice e, portanto, é a norma que validaria todo o sistema
normativo. A idéia kelseniana é ter na Constituição exatamente o ponto inicial e
originário do qual todo o direito posto baseará em sua força normativa.

1
In Constituciones Flexibles y Constituciones Rigidas. Centro de Estudios Constitucionales : Madri, 1988, pg.
92.

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A lógica positivista de Kelsen, no entanto, esbarrou em um grande


problema, no qual cada norma tem seu fundamento de validade em uma norma
posta anteriormente, mas como se pode validar a norma fundamental, qual a
força que dá base de sustentação normativa à Constituição ? A resposta do autor
austríaco foi o pressuposto lógico-transcendental. Essa criação serviu para
“fechar” seu sistema, na medida em que, não pertencendo ao ordenamento
jurídico, se pressupunha sua existência baseando-se em lógica, que como o autor
mesmo admite, se encontra na dimensão transcendental. O conteúdo dessa
norma fundamental lógica seria o enunciado seguinte : “devemos conduzir-nos
como a Constituição prescreve”.

Respondida a questão de “fechamento” do sistema kelseniano percebemos


uma natureza eminentemente positivista do Poder Constituinte, localizando a
ordem jurídica a partir de um fato jurídico, qual seja a “criação” da Constituição,
que desencadeará toda a ordem de normas do mundo jurídico. A natureza,
portanto, do Poder Constituinte, na tese positivista, é ser ele um poder de fato.

Por outro lado estrutura-se a corrente jusnaturalista que credita o


surgimento de todo o ordenamento jurídico, grosso modo, à natureza humana. A
concepção desses autores é de que o Direito nasce com o homem social, ou seja,
desde a primitiva organização social já podemos encontrar um ordenamento
jurídico, mesmo que rudimentar, que estabelecesse os limites do indivíduo frente
ao convívio em sociedade. No entanto, essa idéia de natureza humana tem dois
tipos de explicação que fundamentam a mesma natureza jusnaturalista.

Para a Escola Tomista, seguidora dos escritos de São Tomás de Aquino,


há dois tipos de ordens divinas, uma, a Lei Eterna, sob a qual toda a existência
está submetida que representa o próprio Ser Divino. Dessa Lei o homem, através
da religião e da Igreja, conhece apenas uma parcela, a Lei Natural, em que o
homem reuni-se em sociedade e determina direitos que lhe são inerentes e
provêm da própria existência humana. São Tomás de Aquino, apesar dessa visão
religiosa, admite no entanto, a existência de uma ordem positiva, mas que teria
apenas uma função declaratória do estabelecido pela Lei Natural, e em último
aspecto pelo próprio Criador e que dele tirava sua validade. Essa concepção
diverge da lógica kelseniana por encontrar exatamente no Direito Natural a
origem, o início do ordenamento jurídico, assim como sua validade e limitação.

Com o mesmo tipo de conclusão, mas sobre argumentos diversos


encontramos a Escola dos Direitos Naturais e das Gentes com Hugo Grócio que
estabelece a origem do ordenamento jurídico na própria razão humana,
afastando assim a concepção do direito divino. A argumentação de Grócio
ajudou à construção da doutrina do Contrato Social, estabelecendo de vez a

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razão humana e sua característica de sociabilidade, ou seja, algo que é inerente


ao próprio ser humano; em uma palavra o Direito Natural como o fundamento
do Poder Constituinte.

Tipos de Poder Constituinte

A par de sua natureza podemos encontrar duas modalidades de Poder


Constituinte :
i) Poder Constituinte Originário, e
ii) Poder Constituinte Instituído2.

O primeiro é “o poder que edita Constituição nova substituindo


Constituição anterior ou dando organização a novo Estado – este Poder
Constituinte é usualmente qualificado de originário. Isto sublinha que ele dá
origem à organização jurídica fundamental”3. Esse é o poder que de fato instituí
a ordem jurídica e tem as seguintes características : inicial, absoluto, soberano,
ilimitado e incondicionado.

O segundo tipo como revela o Prof. José Afonso da Silva4 deriva


exatamente da especialidade do Poder Originário que não podendo ser
convocado a todo o instante para manter a Constituição sempre afinada com o
dinamismo social atribui a um órgão, no caso brasileiro ao Congresso Nacional,
a competência para elaborar emendas a ela. Obviamente que em sendo seu poder
conferido pelo Poder Constituinte Originário a ele está submetido, limitado. O
estabelecimento de um Poder Constituinte Instituído com competência tal que
desconfigurasse a própria ordem constitucional originária é o que os franceses
chamam de fraude à la Constitution.

Georges Burdeau aduz outra razão para a existência do poder reformador :


“pour fondamental qu‟il soit, le statut organique de l‟Etat ne saurait prétendre à
une immutabilité absolute. Il importe, d‟autre part, que les changements
nécessaires puissent être apportés selon une procédure préétablie” e fundamenta
historicamente sua opinião trazendo à colação o artigo 1º, título VII da
Constituição francesa de 1791 : “L‟Assemblée nationale constituante déclare
que la nation a le droit imprescriptible de changer sa constitution; et néanmoins,

2
Rosah Russomano enumera três tipos de Poder Constituinte : a) Poder Constituinte Originário, b) Poder
Constituinte Derivado, Constituído, Instituído ou de Segundo Grau e c) Poder Constituinte Decorrente (in Curso
de Direito Constitucional, 2ª ed.. Saraiva : São Paulo, 1972, pg. 35 apud “Teoria Geral do Poder Constituinte”
in Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 52 jan/81, Univ. Federal de Minas Gerais, pg. 40). Em verdade as
letras „b‟ e „c‟ são apenas o desdobramento do Poder Constituinte Instituído.
3
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 24ª. ed., rev. Saraiva : São Paulo, 1997, pg.
22.
4
Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª. ed. Malheiros : São Paulo, 1998, pg. 67.

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considérant qu‟il est plus conforme à l‟intérêt national d‟user seulement, par les
moyens pris dans la constitution même, du droit d‟en réformer les articles dont
l‟expérience aurait fait sentir les inconvénients, décrète qu‟il y sera procédé par
une Assemblée de révision ...”5.

À primeira vista encontramos qualidades e características comuns, uma


similaridade grande entre os dois tipos de Poder Constituinte, no entanto uma
rápida passagem sobre as particularidades do segundo nós aclarará o assunto :

i. Como o próprio nome diz o Poder Constituinte Instituído é


parte do primeiro, foi criado, constituído por um poder maior que
legitima sua ação nos artigos reguladores encontrados na própria
constituição. Sua força é constituída no próprio seio constitucional.
ii. A sua competência e eficácia deriva não de outra ordem
senão da própria ordem constitucional, na qual a sua própria força
encontra-se no respeito material e formal ao processo constitucional
existente, o que importa em sua própria legalidade.
iii. O último traço do Poder Constituinte é o que o Prof. Manoel
Gonçalves Ferreira Filho chama de subordinação6, na qual se
estabelece uma relação de supraordenação e subordinação com o
Poder Constituinte Originário.

Partindo da tipologia inicial podemos ainda, nos Estados de Federação,


dividir o Poder Constituinte Instituído em duas formas de ação : o Poder de
Revisão ou de Emenda e o Poder Decorrente dos Estados-membros. O primeiro
tem a característica clássica, ou seja, tem a competência de rever as normas
constitucionais atualizando-as segundo a evolução dos conceitos sociais7. O
segundo fruto das características de autonomia e auto-organização dos Estados-
membros da Federação é instituído pelo Poder Constituinte Originário para
moldar a ordem estatal limitando-se aos parâmetros daquele, i. e., da
Constituição Federal.

5
Georges Burdeau, Fráncis Hamon, Michel Troper. Manuel Droit Constitutionnel, 21º ed. LGDJ : Paris, 1988,
pg. 80.
6
Cf. Poder Constituinte, 3ª. ed. Saraiva : São Paulo, 1999, pg. 112.
7
“La competencia, regulada en ley constitucional, de los cuerpos legisladores para emitir leyes en las vías
reguladas también por ley constitucional, es decir, la competencia legislativa ordinaria, no fundamenta por sí
sola ninguna competencia para reformar también prescriciones legal-constitucionales, que precisamente son base
de la competencia misma. La competencia para reforma la Constitución no es una competencia normal en el
sentido de un círculo de actividades regulado y delimitado. Reformar las leyes constitucionales no es una función
normal del Estado, como dar leyes, resolver processos, realizar actos función administrativos, etc. es una
facultad extraordinaria” in Carl Schmitt. Teoria de la Constitución. Alianza Universidad : Madri, 1982, pg. 118.

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II - LIMITAÇÕES MATERIAIS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

O Constitucionalismo é um fenômeno jurídico-social que tem suas bases


assentadas no Estado de Direito posterior a Revolução Francesa que reflete as
aspirações, desejos e opiniões de uma comunidade na forma de organizar-se, é o
que sintetiza Romagnosi : a Constituição é “una ley que un pueblo impone a sus
gobernantes com el objeto de protegerse contra el despotismo” 8. Interessante o
aspecto de proteção que Romagnosi explana em seu conceito, pois é ele de certo
modo, aliado a idéia de abuso de poder, autoritarismo, que introduz a
necessidade de limitar-se o Poder Constituinte Derivado.

A idéia de Schmitt de decisão política fundamental, que é a própria


Constituição em si, e leis constitucionais expõe mais precisamente o desejo de
limitar-se a ação do Poder Constituinte Reformador. Segundo Schmitt esse seria
capaz unicamente de modificar as leis constitucionais que se incluíram no texto
constitucional apenas sob o caráter formal, já que aquelas materialmente
constitucionais, que representam a decisão do conjunto populacional a cerca da
forma de organizar-se, não poderiam ser modificadas senão pelo próprio Poder
Constituinte Originário : “las decisiones políticas fundamentales de la
Constitución son asuntos proprios del Poder constituyente del pueblo alemán y
no pertenecen a la competencia de las instancias autorizadas para reformar y
revisar las leyes constitucionales. Aquellas reformas dan lugar a un cambio de
Constitución; no a una revisión constitucional”9.

Tipos de Limites

Assim estabelecida a necessidade de limitação do Poder Constituinte


Derivado encontramos na doutrina da limitação dois tipos bastante gerais de
limites ao Poder Instituído : os limites implícitos e os expressos. Esses tipos de
limites, como o próprio nome se refere, estão expressamente destacados na
Constituição, ex vi :

“Art. 47. Omissis


§ 1º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir a Federação ou a República”
Constituição brasileira de 1967 com a Emenda Constitucional nº 01/69

8
Cf. Rodrigo Borja. Derecho Político y Constitucional, 2ª. ed. Fondo de Cultura Económica : Cidade do
México, 1992, pg. 321.
9
Carl Schmitt. Ob. cit., pg. 120.

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É portanto, sob o aspecto da tendência à abolição da Federação ou da


República, inaceitável que se proponha emenda constitucional a esta
Constituição. Isto porque, o Poder Constituinte Originário cristalinamente não
confere tal competência ao poder revisor, ainda que em outras matérias seja
possível que a criatura modifique o próprio criador.

Esse tipo de situação – limitações expressas – é de tamanha clareza que


não encontra opositor na doutrina jurídica, porém o mesmo não acontece com a
possibilidade que alguns consideram de, no entrelinhas constitucional, haver
outras limitações que se apresentam implicitamente, ou seja, são fruto de uma
interpretação sistemática do texto constitucional. Isto se deve à hipótese lógica
na qual mesmo que a Constituição não determinasse quaisquer preceitos
limitativos à revisão, ainda assim existiriam “limites textuais implícitos,
deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa
ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta”10.
É também a conclusão, por meio de outra construção, que se pode tirar do
conceito sociológico de Constituição de Fernando Lasalle – “la Constitución de
un país”, em essência é “la suma de los factores reales de poder que rigen en ese
país” – e sua hipótese do incêndio na Prúsia, i. e., a não existência de uma
Constituição escrita, ou mesmo de limites expressos, não eliminariam a
existência dos fatores reais de poder11.

Ainda que seja atacável a extensão dos limites implícitos extraídos do


conjunto de normas constitucionais, não é, por outro lado, facilmente
descartável a hipótese da existência mesma dessas limitações. Um exemplo
ligeiro mostrará a força da tese : a Constituição brasileira de 1988 no seu artigo
exordial fala que a “República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado
Democrático de Direito”, mas o art. 60, § 4º - onde se encontra as limitações
expressas – em nenhum de seus incisos proíbe a proposta de emenda
constitucional que viesse a transformar o Estado brasileiro em uma Monarquia
Absolutista Hereditária, por exemplo, seria então possível a legitimidade de tal
emenda ? A resposta é não, pois, voltando-nos a Schmitt, a República e a
Democracia são decisões fundamentais que constituem o núcleo da
Constituição, fazem parte da identidade do Estado brasileiro. A simples tentativa
de mudança por emenda constitucional deve ser aprioristicamente evitada, pois
tal dimensão de mudança requer uma legitimação nacional através do Poder
Constituinte Originário.

10
J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª ed. Almedina : Coimbra, 1998, pg.
943.
11
Cf. ¿ Que es una Constitución ?. Siglo Veinte : Buenos Aires, 1957.

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Outra classificação de limites pode ser identificada na Constituição rígida,


em se tratando de limitações expressas : os limites circunstanciais, temporais e
materiais. O primeiro tipo de limites proíbe o processamento da emenda
constitucional em momentos de anormalidade democrática como por exemplo o
art. 47, § 2º da Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional nº 11/78 :

“§ 2º . A Constituição não poderá ser emendada na vigência de estado de


sítio ou estado de emergência”12

Esse tipo de limitação tem procedência democrática, vez que durante o


estado de sítio, por exemplo, são suspensas garantias constitucionais (art. 138
CF/88) na medida necessária para evitar comoção grave de repercussão nacional
ou fazer cessar estado de guerra ou agressão armada estrangeira. Logicamente,
esse não seria o momento adequado para que fossem realizadas modificações no
texto constitucional.

O segundo tipo de limitações são aquelas referentes ao tempo de edição


da Emenda Constitucional. Algumas Constituições limitaram temporariamente o
poder de reforma para que só possa ser legitimamente exercido depois de certo
prazo em que já se tenha deixado a Constituição ser vivida. O constituinte quer
evitar dois problemas : o casuísmo na modificação de um texto constitucional
no momento seguinte a sua promulgação, normalmente em favor de um grupo, e
a inexperiência da população quanto as reais virtudes ou defeitos do texto recém
aprovado; há necessidade de uma efetiva comparação com a realidade social das
regras opostas no texto constitucional, em outras palavras, ele precisa ser vivido,
sentido para que se possa perceber as necessidades de modificação de seu texto.

Esse tipo de limitação se encontra, como exemplifica o Prof. Manoel


Gonçalves Ferreira Filho13, na Constituição francesa de 1971 no título VII, art.
3º proibindo a modificação nas duas legislaturas seguintes à promulgação da
Constituição. Proibição equivalente está na Constituição norte-americana de
1787, art. 5º, porém com o prazo menor : um ano. A Constituição portuguesa de
1933 (art. 137) trabalha o limite temporal de uma maneira singular; ela permite a
modificação do texto, mas somente de dez em dez anos, permitindo, no entanto,
que por quorum de 2/3 possa se fazer modificações em prazo menor. A
Constituição brasileira de 1988 traz a limitação temporal, em termos de revisão
constitucional14, no art. 3º dos ADCT determinando que essa só será feita após
cinco anos contados da promulgação da Constituição.
12
Circunstancias que são repetidas na atual Constituição no art. 60, § 1º com a inclusão da intervenção federal.
13
Ob. cit., pg. 1338/139.
14
“Debatendo o problema dos conceitos de emenda, revisão e reforma, escreve com razão a respeito Alcino
Pinto Falcão, em sua Constituição anotada (Rio de Janeiro, 1957, v. 3, p. 232) : “Essa questão é tão-somente de
nomenclatura : não modifica a substância e não significa nada quanto ao alcance do poder de reforma. O próprio

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Francisco Cumplido Cereceda ao explicar a limitação de reforma no


tempo apresenta sua justificação nos estado novos em que haja necessidade de
lograr um desenvolvimento completo e a estabilização das instituições criadas,
mas, logo após propõe a seguinte pergunta : “¿ puede justificarse por esta
necesidad la privación del ejercicio del Poder Constituyente del Pueblo por un
lapso?” e apresenta sua opnião : “la experiencia demuestra la inutilidad de tal
pretensión. Desde el momento mismo en que la opinión pública se percata de
que una norma es eficaz, tiene que estar en condiciones de operar su reforma. Si
no es así, probablemente la derogará por medios violentos o dejará de aplicarla.
No puede garantizarse la estabilidad de una Constitución por una regla
mecánica que prohibe su reforma”15 (grifo nosso). Os argumentos do autor
são compreensíveis mas, até certo ponto, extremados, pois as limitações
temporais não se pretendem muito longas, pois considerando o próprio exemplo
dado da organização de um Estado novo, parece bastante salutar a proibição de
reformar-se a Constituição por um prazo de poucos anos.

As limitações materiais são, sem dúvida, as mais importantes das


limitações expressas, pois elas trabalham na dimensão do conteúdo da
modificação podendo alcançar um dimensão maior como novamente Cereceda
escreve : “en el ámbito de los límites de contenido están los que derivan de los
derechos humanos, del derecho internacional general ya aludido y de las
cláusulas pétreas que estableciera el constituyente originario” 16. Nessa
perspectiva trabalharemos em três frentes : as limitação na supressão da
Federação, da República e dos Direitos Fundamentais do Homem.

Quanto a limitação de supressão da Federação podemos encontrar o berço


dessa limitação na Constituição norte-americana, art. V17, por a forma
transversa, ao impedir a supressão da igualdade da representação dos Estados no
Senado, uma vez que sua diminuição ou aumento quebraria o efetivo equilíbrio
dos Estados-membros da Federação. A Constituição brasileira de 1988, art. 60 §
4º inciso I, proíbe emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.

atual art. 217 [da Constituição de 1946], que no caput se refere à emenda, já no § 5º prevê a reforma da
Constituição. O problema se apresenta também para os norte-americanos; o respectivo art. V só se refere a
amendment, mas a doutrina esclarece que o termo abrange as revisions. Assim, William Anderson e Edward W.
Weidmer : „In the Constitution itself there is definite provission for later amendments and revisions of the
document‟ ” in Luiz Pinto Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed. amp. e atual. Saraiva : São Paulo,
1991, pg. 383. Para maiores debates sobre o assunto Nélson de Sousa Sampaio. O Poder de Reforma
Constitucional. Livraria Progresso : Bahia, 1954, pg. 83.
15
Teoria de la Constitucion. Universidade Nacional Andres Bello : Santiago, 1994, pg. 118.
16
Cf. ob. cit., pg. 105.
17
“Provided that no Amendment which may be made (...) that no State, without its Consent, shall be deprived of
its equal Suffrage in the Senate”

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

A limitação de supressão da República tem sua origem histórica na lei


constitucional francesa de 14 de agosto de 1884 e se perpetuou no direito
francês nas Constituições seguintes18. No Direito brasileiro ela vem consignada,
como já foi dito anteriormente, na Constituição de 1969, art. 47 § 1º (Emenda
Constitucional n º 11/79), porém foi suprimida do texto da atual Constituição,
pelo menos expressamente, apesar de ser pacífico na doutrina a impossibilidade
de mudança via emenda constitucional, salvo o plebiscito do art. 2º dos ADCT
que, no entanto, já se esgotou no tempo com a vitória esmagadora da República.

A defesa dos Direitos Humanos Fundamentais também é razão de


limitação da ação reformadora do Poder Constituinte Instituído com o
preâmbulo da Constituição francesa de 1958 ao se referir ao chamado “bloco de
constitucionalidade” :

“Le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits


de l'homme et aux principes de la souveraineté nationale tels qu'ils ont été
définis par la Déclaration de 1789, confirmée et complétée par le
préambule de la Constitution de 1946.”

O povo francês assim se remete à Declaração dos Direitos do Homem e


do Cidadão de 1789 para determinar naquele rol de direitos a proteção dos
direitos fundamentais do homem, os quais não podem ser modificados ou
restringidos por emenda constitucional. De modo equivalente a Constituição
brasileira de 1988 dispõe no seu art. 60, § 4º alínea IV.

É, por fim, Manoel Gonçalves Ferreira Filho19 quem nos apresenta uma
“curiosidade histórica, a Constituição da Noruega, art. 112, proíbe as
modificações que atentem contra o espírito da Constituição”.

18
“La forme républicaine du Gouvernement ne peut faire l'objet d'une révision” Art. 89, alínea 5º da
Constituição francesa de 1958.
19
Cf. O Poder Constituinte, 3ª ed. Saraiva : São Paulo, 1999, pg. 138.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

III – LIMITES MATERIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Como dito ao início da parte I quando tratávamos da tipologia do Poder


Constituinte trabalhamos com duas hipóteses, para os Estados Federais, de
Poder Constituinte Instituído : o Revisional e o Decorrente dos Estados-
membros. Esta também será a metodologia que trataremos ao verificarmos
especificamente a limitação material na Constituição brasileira de 1988.

O art. 60, regulador das Emendas à Constituição prescreve em seu quarto


parágrafo o limites materiais a que o Poder de Revisão não pode ir além, ou
melhor, “não pode ser proposta emenda tendente a abolir” :

I. a forma federativa de Estado;


II. o voto direto, secreto, universal e periódico;
III. a separação dos Poderes;
IV. os direitos e garantias individuais.

É o que se convencionou chamar cláusulas pétreas ou núcleo rígido da


Constituição que estabelece uma rigidez maior aos assuntos explicitamente
tratados em que nem mesmo o procedimento especial de Emenda Constitucional
poderá modificá-las. É a explicação dada por Canotilho : “a constituição garante
a sua estabilidade e conservação contra alterações subversivas do seu núcleo
essencial através de cláusulas de irrevisibilidade e de um processo „agravado‟
das leis de revisão. Não se trata de defender, através destes mecanismos, o
sentido e características fundamentais da constituição contra adaptações e
mudanças necessárias, mas contra a aniquilação, ruptura e eliminação do próprio
ordenamento constitucional, substancialmente caracterizado”20.

Mas alguns problemas surgem da instituição das cláusulas pétreas, entre


eles podemos destacar principalmente o chamado paradoxo da democracia assim
apresentado por Siéyès : “Um povo tem sempre o direito de rever e de reformar
sua Constituição”, e por Rousseau : “revelar-se-á, assim, o constitucionalismo
de uma antidemocraticidade básica impondo à soberania do povo „cadeias para o
futuro‟ ?”, e mesmo na Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão de 24
de junho de 1793 – a Declaração Jacobina : “Uma geração não pode sujeitar a
suas leis as gerações futuras”.

A preocupação é justamente a possibilidade de o Poder Constituinte


Originário limitar a ação de seu congênere no futuro impondo regras as quais
não poderão ser ultrapassadas. A grande questão filosófica é como um poder

20
Ob. cit., pg. 782/783.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

caracterizado por ilimitado, inicial pode sofrer limitações tirando a legitimidade


da nação, na concepção de Siéyès, titular do Poder Constituinte de agir segundo
seu próprio desejo. A questão precisa de uma aproximação melhor. Inicialmente
deve-se questionar o fundamento de validade das cláusulas pétreas, ou melhor, o
porquê delas poderem impor-se com tal força frente ao Poder Reformador.

O constituinte quando da elaboração da Constituição, entendida como


organização do Estado, definiu certos valores, princípios que são o cerne, a
razão de ser de toda a ordem constitucional, assim, verbi gratia, quando o
preâmbulo constitucional de 1891 refere-se a reunião dos representantes do povo
brasileiro com o objetivo de “organizar um regime livre e democrático”
estabelece, decreta e promulga “a seguinte Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil” e o de 1988 fala do mesmo tipo de reunião de
representantes para “instituir um Estado Democrático destinado a assegurar (...)
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” promulga “a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil”. Esses representantes, no
exercício do Poder Constituinte Originário pretende manter esses preceitos
como fundamentais e sua modificação, na realidade, equivaleria a uma mudança
de ordem total do sentimento constitucional.

Assim surge a idéia de eleger as matérias próprias do sentido da


Constituição e limitar o Poder de Revisão na modificação dos termos originários
referentes a essas matérias, pois entende-se que sua alteração, em realidade,
representaria uma nova Carta Constitucional.

Outra concepção quanto às cláusulas pétreas deve ser, brevemente,


trabalhada. Argumenta-se que a Constituição ao selecionar certas matérias para
serem o núcleo da mesma, estaria construindo dentro da ordem constitucional
uma estrutura hierárquica, fazendo crer que pode-se falar em matérias
constitucionais com o maior legitimidade do que outras. É uma decorrência, por
exemplo, da leitura schmittinina das normas material e formalmente
constitucionais. Assim inclusive tem se orientado o Tribunal Constitucional
alemão para resolver algumas questões de antinomia do texto alemão,
privilegiando a idéia que o constituinte “does no wrong”.

Em que pese a concepção adotada por Schmitt e pelos juristas alemãs


resiste ainda uma incongruência lógica no sistema do ordenamento
constitucional, à maneira kelseniana, uma vez que a Constituição, como um
todo, resulta de um único ato do Poder Constituinte Originário que se reúne em
assembléia para discutir os seus termos e promulgar um texto uno que representa
a norma fundamental de todo um série de normas posteriores que se validarão
sobre ela. Não se poderia pretender uma hierarquia dentro dos termos do próprio

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

ordenamento constitucional. Mas tornar ortodoxamente imutável a concepção


kelseniana é perder o chão pragmático das antinomias existentes, porém essa é
uma discussão que não cabe nos objetivos desse trabalho21.

A Teoria da Dupla Revisão

Apesar da fundamentação das cláusulas pétreas há autores que, por meio


de uma releitura da doutrina de Siéyès, apresentam uma possibilidade lógico-
constitucional de superação da rigidez constitucional utilizando-se de uma dupla
revisão do núcleo cristalizado da Constituição; nomes de relevo apoiam essa
possibilidade como Mortati (Dottrine Generali), Cicconetti (La Revisione),
Biscaretti di Ruffia (Sui Limiti della Revisione Constituzionale), Jorge Miranda
(A Constituição de 1976 e Manual de Direito Constitucional)22, Duguit (Traité
de Droit Constitutionnel), Burdeau (Traité de Science Politique), Vedel (Manuel
Élementaire de Droit Constitutionnel)23 e, entre nós, Manoel Gonçalves Ferreira
Filho (O Poder Constituinte e Curso de Direito Constitucional).

Para esses autores a idéia de uma construção que proíba gerações futuras
de participar de algum aspecto da decisão constitucional através da limitação de
seu poder reformador, é ferir de frente o caráter democrático do próprio
ordenamento constitucional24. Isto porque a idéia das cláusulas pétreas, ao invés
de pretender manter a ordem social, forçará o rompimento de movimentos
revolucionários visando possibilitar a mudança. Manoel Gonçalves oferece-nos
sua opinião acerca das cláusulas pétreas, “o significado real e profundo da
proibição não é senão um agravamento da rigidez em seu favor” [a favor das
matérias ali incluídas], e continua expondo já sua idéia de modificação, “as
matérias abrangidas pela „cláusulas pétreas‟ seriam duplamente protegidas. Para
modificá-las, seria preciso, primeiro, revogar a „cláusula pétrea‟; depois,
segundo, alterar as disposições sobre a matéria em questão” 25.

Sendo assim sobre a idéia da Dupla Revisão podemos admitir dois


momentos constitucionais para a mudança das matérias incluídas no núcleo
rígido, admitindo-se a hipótese de que o conteúdo material desse núcleo pode
ser relativizado quanto aos limites revisionais. O primeiro momento seria da
modificação do próprio dispositivo impeditivo da modificação, no caso
21
Construção filosófica interessante propondo uma solução ao problema – e fugindo da construção de Kelsen – é
o trabalho do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior. Teoria da Norma Jurídica, 3ª. ed. Forense : Rio de Janeiro,
1999.
22
Cf. J. J. gomes Canotilho. Ob. cit., pg. 945, n. 22.
23
Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Ob. cit., pg. 179.
24
Francisco Cereceda também crê na mesma impossibilidade jurídica : “Jurídicamente tampoco tiene
justificación alguna, porque no es lícito considerar el órgano de un Poder Constituyente que actúa en un
momento dado, de superior valor a outro organismo futuro” in Ob. cit., pg. 119.
25
Ob. cit., pg. 179.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

brasileiro : “art. 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda


tendente a abolir”. O passo seguinte seria, já sem a existência de qualquer tipo
de proibição, a mudança constitucional seguiria o processo constitucional de
emenda constitucional normalmente como se estivesse emendando qualquer
outro dispositivo do texto. É a técnica proposta para que os limites da revisão
fossem ultrapassados sem a necessidade de um movimento revolucionário.

Os defensores dessa tese acrescentam, ainda, outra argumentação em sua


defesa, qual seja : a rigidez constitucional das cláusulas pétreas não sofreu
qualquer frustração, pois ela manteve seu caráter inicial pretendido pelo
constituinte originário, já que aumentou a dificuldade de modificação daquelas
matérias fazendo necessário que ocorressem duas votações de emenda
constitucional para que pudesse haver modificação de seus termos. Argumentar
que, ainda sim, a Dupla Revisão não encontra resguardo na Constituição é
pretender a imobilidade absoluta da Constituição, e pretendendo conferir
estabilidade a ela, na realidade estar-se-á potencializando a sua instabilidade.

Crítica à Teoria da Dupla Revisão

Por outro lado, nomes de renome também se enfileiram para criticar a tese
levantada, como Alf Ross (Diritto e Giustizia), Zagrebelsky (Il Sistema), Acosta
Sanchez (Teoria del Estado), Gomes Canotilho (Fundamentos da Constituição e
Direito Constitucional e Teoria da Constituição), Ignácio de Otto (Derecho
Constitucional – Sistema de Fuentes) e, entre nós, Josaphat Marinho (“Limites
do Poder de Revisão Constitucional” in Revista Trimestral de Direito Público,
n. 24, 1998), Paulo Bonavides (Direito Constitucional) e Nelson de Sousa
Sampaio (O Poder de Reforma Constitucional).

A argumentação dessa ala doutrinária é que a alteração das cláusulas


pétreas, inibidoras da modificação de certas normas constitucionais, situa-se
próximo dos limites de uma ruptura constitucional, podendo caracterizar-se
como uma real fraude à Constituição. Forte, sob o aspecto jurídico-
constitucional, é a argumentação de Canotilho, vendo um certo ilogismo no
procedimento de revisão em duas fases. Nessas palavras se expressa o autor :
“As regras de alteração de uma norma pertencem, logicamente, aos pressupostos
da mesma norma, e daí que as regras fizadoras das condições de alteração de
uma norma se coloquem num nível de validade (eficácia) superior ao da norma a
modificar”, e fecha seu pensamento, “acresce que o princípio básico atrás
referido sobre as fontes de direito vale também aqui : nenhuma fonte pode
dispor do seu próprio regime jurídico arrogando-se um valor que
constitucionalmente não tem” (grifo nosso).

13
A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

Josaphat Marinho em artigo crítico à ânsia revisional usa, além da lógica


de Canotilho, a argumentação da noção de Constituição Rígida e Flexível. O
valor da Constituição Rígida é justamente poder conferir maior estabilidade aos
designos constitucionais, garantindo ao cidadão a segurança suficiente para
poder planejar sua vida e ao Estado tempo suficiente para compreender
claramente suas instituições políticas. Portanto, “se a norma que comanda a
reforma e, portanto, a delimita, puder ser alterada, então a constituição não é
rígida, mas flexível, pois sua modificação se faz indeterminadamente, segundo
decisão de um poder secundário”26. E acrescenta a lógica de Ignácio Otto : “do
mesmo modo que a norma que confere um poder absoluto não pode servir de
fundamento à norma que o limita, a norma que confere um poder de reforma não
pode servir de fundamento à norma que estabelece outro poder de reforma” 27.

Nesse sentido é que Nelson de Sousa Sampaio confere caráter redundante


ao artigo 50 da Constituição do Estado alemão de Hesse que impede a alteração
do próprio preceito autorizador da reforma, em suas palavras : “se isso não
estivesse sempre subentendido, todas essas proibições antepostas ao poder
reformador seriam vãs, porque ele as poderia ladear sempre, embora fazendo um
caminho mais longo. Bastaria agir em duas etapas para afastar qualquer
obstáculo à sua atuação. Na primeira fase, suprimiria o dispositivo que veda
determinada reforma, e, na segunda, realizaria esta mesma reforma,
primitivamente inadmissível”28.

As contra-argumentações apresentadas tem fundamentos diversos


(filosófico, pragmático e político), para deixar de legitimar uma possibilidade de
superação do nucleamento rígido das decisões de caráter fundamental
encontradas na Constituição brasileira. Não é sem razão que os autores não
vêem grande vantagem em relativizar justamente as limitações materiais em um
Estado como o brasileiro, em que o furor revisional encontra-se exacerbado. São
11 anos de Constituição promulgada e já temos mais de duas dezenas de
modificações no texto, algumas inclusive bastante amplas. O que demonstra
que, mesmo com todo a dita rigidez constitucional, não foi muito difícil que se
empreendesse um esforço legislativo para emendar o texto constitucional,
algumas inclusive com claro sentido pessoal como a Emenda nº 16/97 que
permitiu a reeleição dos Chefes do Executivo nas três esferas federativas.

Também não se pode dizer que a rigidez constitucional brasileira seja


exacerbada e que tenha incluído em seu rol alguma norma que não seja
26
Cf. “Limites do Poder de Revisão Constitucional” in Revista Trimestral de Direito Público, n. 24, 1999, pg.
10.
27
Ignácio de Otto. Derecho Constitucional – Sistema de Fuentes. Ariel : Barcelona, 1986, pg. 66 apud Josaphat
Marinho. Ob. cit., pg. 10.
28
Nelson de Sousa Sampaio. Ob. cit., pg. 90/91 apud Josaphat Marinho. Ob. cit., pg. 11.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

materialmente constitucional e tenha grande relevância no sistema jurídico. No


sentido exposto pela doutrina não me parece útil à democracia brasileira a
existência de uma possibilidade de total flexibilização do ordenamento
constitucional, pois aí sim teríamos potencializado o surgimento de um processo
revolucionário, pois não seriam garantidas o mínimo de segurança jurídica à
população fazendo pairar sobre a nação o fantasma autoritário que não há muito
nos vimos livres.

Poder Constituinte Decorrente dos Estados-membros

Apenas por força de não deixar passar in albis a questão do Poder


Constituinte Decorrente dos Estados-membros tratemos de alguns aspectos
desse tipo de poder.

Inicialmente, deve-se colocar que as características de derivação,


subordinação e condicionamento têm a mesma amplitude dada ao Poder
Constituinte Reformador, ou seja, a legitimidade da Constituição dos Estados-
membros decorre da legitimidade da própria Constituição Federal, pelo que
subordina-se aos seus termos e se condiciona às normas federais. É certo, no
entanto, que em termos de Federação as duas últimas características são
relativizadas em favor da auto-organização e auto-administração dos Estados-
membros frente a união federativa.

É sabido que dois são os tipos de processo de formação federativa : por


agregação e por segregação. O primeiro tem como origem vários Estados
independentes e, portanto, soberanos que por razões de temor a invasão externa
(Suíça) ou por similitudes (Estados-Unidos da América) abrem mão de sua
independência em nome da Federação, trazendo cada qual sua própria
Constituição que será derrogada parcialmente nos pontos em que convergir com
o pacto federativo. O segundo tipo surge da separação em Estados-membros de
um Estado centralizado, ou melhor, é a descentralização de um governo central
para entes federativos que trabalharão no âmbito regional. Esse último é o caso
brasileiro (Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889) em que a própria
Constituição Federal de 1891 determinou em seu art. 3º, ipsis litteris :

“Art. 3. Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania,


decretará oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus
corpos deliberantes e os seus governos locais”

O fenômeno da separação de um Estado unitário acaba por formar uma


Federação com características predominantes de simples descentralização
administrativa, na qual o maior poderio decisional continua residindo na União.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

Apesar do que, dogmaticamente, a União não intervirá nos Estados, exceto nas
hipóteses do art. 34 CF/88. O que, no entanto, não impede que um certa
“intervenção branca” acontece para manter as linhas da política federal,
utilizando como arma de persuasão, principalmente, as verbas orçamentárias29.

Por fim, fato singular do Federalismo brasileiro é a elevação do Município


à categoria de ente federativo, submetido hierarquicamente as normas federais e
estaduais, mas que não o impede de ele próprio se organizar por meio de Leis
Orgânicas Municipais. O que não deixa de ser a positivação de mais um Poder
Constituinte Decorrente de competência local, mas ainda assim derivado da
norma fundamental.

29
O que não autoriza se extremar posição de que os governadores são meros fantoches perante a Presidência.

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A Limitação Material do Poder Constituinte Derivado

IV – BIBLIOGRAFIA

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. “Teoria Geral do Poder Constituinte” in


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Constituição, 2ª ed. Almedina : Coimbra, 1998.

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Constitución. Universidade Nacional Andres Bello : Santiago, 1994.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 24ª ed.


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___________, _______________. O Poder Constituinte, 3ª ed. Saraiva : São


Paulo, 1999.

__________, ________________. “Anotações sobre o Direito Adquirido do


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SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Alianza Universidad : Madri, 1982.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª. ed.
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