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DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

PARTE I
CONSIDERAÇÕES GERAIS

Natureza, titularidade e limites de um fenômeno que não pertence ao mundo do direito positivo!

1.Um dos conceitos centrais do Direito Constitucional é o do poder constituinte originário.


Trata-se de uma força/energia/potência, do fenômeno que sendo capaz de criar do nada e dispor de
tudo:
(i) cria a Constituição (documento escrito fruto do labor do constituinte)
(ii) funda o Estado (independência, cisão, fusão)
(iii) refunda o Estado (revolução, movimento golpista)
(iv) institui a ordem jurídica (o mundo jurídico só existe a partir da Constituição).

1.2.Étienne de La Boétie em (1.530/1.563) escreveu “Discurso da Servidão Voluntária”, onde


questionava o por que “os povos podem se submeter voluntariamente ao governo de um só
homem”. É dize, para todos se submeterem ao poder de um homem só necessário se mostrava a
existência de um poder a comandá-los.
1.3.Nada obstante, foi somente no fim do século XVIII com o advento do constitucionalismo moderno que
se buscou a explicação ao poder, enquanto fenômeno social e político, desenvolvendo uma teoria para
explica-lo fundada na racionalidade iluminista, do jusnaturalismo e do contratualismo.

PARTE II
DA NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE

2. A resposta a questão quem faz a lei? É simples: o legislador, que integra o Parlamento, que por sua
vez exerce a função legislativa, que ao lado do executivo e judiciário compondo o Estado, que por sua
vez foi criado pela Constituição. Então temos:
Constituição: cria o Estado-Função Legislativa (que faz a lei) -a qual toda a sociedade está compelida a
estrita observância.
cria a ordem jurídica- onde a lei vigorará, produzindo seus efeitos.
2.1. A explicação desse fenômeno de cunho político-social tem base teológica e jusnaturalista.
2.4.1. Fundo teológico: Tal qual a figura de Deus é desvinculada de qualquer antecedência, o poder
constituinte originário não se vincula a normas jurídicas anteriores. Tal qual Deus é onipotente, idem
quanto ao constituinte originário, pois é capaz de criar do nada e dispor de tudo. Deus se funda em si, o
poder constituinte não necessita de algo que lhe seja anterior, posto que originário. Por fim, tal qual Deus
é absoluto, o poder constituinte originário é um poder absoluto, existindo para limitar o poder absoluto,
através da constituição.
2.4.2. Fundo jusnaturalista: defende que há diretrizes que são anteriores e superiores a organização
do Estado, fruto de um poder divino/natureza. A teoria que explica a existência do poder constituinte se
ancora no a mesma linha. É dizer, o poder constituinte antecede e é superior ao poder constituído e a
ordem jurídica posta, pois trata-se de um fenômeno.

PARTE III
TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE

3. “O povo, titular do poder constituinte originário, apresenta-se não apenas como conjunto de
pessoas vinculadas por sua origem étnica ou pela cultura comum, mas além disso, ‘como um
grupo de homens que se delimita e se reúne politicamente, que é consciente de si mesmo como
magnitude política e que entra na história atuando como tal’. (Gilmar Mendes, Curso de Direito
Constitucional).
3.1. “ É a expressão da vontade política da nação” (Rousseau).
PARTE IV
LIMITES A ATUAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE

4. Convencionou-se afirmar que o poder constituinte é incondicionado e ilimitado quando confrontado


com o direito positivo posto, por força da teoria assentada no jusnaturalismo. Donde, só teria limitações
pelo direito natural. “Tal compreensão ainda que eventualmente reproduzida em alguma literatura,
não corresponde mais ao entendimento prevalente na quadra atual da evolução.” (Ingo Sarlet,
Curso de Direito Constitucional).
4.1. É possível impor condicionamentos pré-constituinte (antes da elaboração da Constituição) e pós-
constituinte (como condição para a existência/vigência).
CONDICIONAMENTOS PRÉ-CONSTITUINTE

4.2. As limitações jurídicas estão desde o início presentes:


(i) envolve a questão do ato convocatório (Luis XVI convocou em 1.788 a assembleia dos estados
gerais, nos EUA a decisão foi tomada pelo Congresso Continental, na Alemanha, pós 2ª guerra, pelas
forças aliadas, em Portugal, após fim da ditadura de Salazar, pelo Movimento das Forças Armadas, na
Africa do Sul, por negociações entre o Partido Nacional, patrocinador do apartheid e o CNA de
Mandela, no BR, o constituinte que elaborou a atual CF/88 fora convocado por ato jurídico de emenda –
EC 26/85).
(ii) envolve até mesmo questões de conteúdo: muitas vezes o seu criador externo, estabelece outras
condições: na Itália,1956, o ato convocatório constituinte previu que o povo,por referendum, que ocorreu
enquanto a assembleia trabalhava, decidiria sobre a forma do Estado(República ou Monarquia).
Na Africa do Sul,1994, no curso da transição do regime de apartheid, ficou acertado que o futuro texto da
nova Constituição deveria ser submetido ao Tribunal Constitucional que ‘certificaria” sua compatibilidade
com certos ‘princípios constitucionais’.
CONDICIONAMENTOS PÓS-CONSTITUINTE

4.3. Muitas vezes o poder externo que convocou o constituinte originário estabelece condições para a
confirmação da nova Constituição e posterior vigência.
Podendo ser referendum popular (hipótese não aventada por Sieyès, pois para ele a nação sendo
soberana, se manifestando através de seus representantes, cabe a eles a palavra final),
Ratificação pelas assembleias estaduais – como ocorreu nos EUA em 1787, só entrando em vitor após a
ratificação de pelo menos 2/3 das convenções estaduais.

OUTROS FATORES EXTERMOS CONDICIONANTES

4.4. Se a teoria que explica o constituinte originário se assenta na sua legitimidade democrática, não há
como imaginá-lo como algo ilimitado, livre da ideia de justiça (que diferencia o direito do ‘não direito’, ‘ a
extrema injustiça não é direito” (Gustav Radbruch-1.878/1.949) e do Direito que traz em si.
4.5.Na atual quadra da humanidade, o constituinte originário além dos próprios limites impostos por
quem o convoca, não pode desprezar (sob pena de perder sua legitimidade) nos valores éticos, culturais,
religiosos, igualdade e de liberdade daquele povo.
4.6. Outro limite externo imposto pela consciência internacional é o respeito aos direitos humanos,
notadamente a Declaração Universal da ONU pós 2ª guerra. Tais direitos funcionam como ‘patamar
mínimo” a ser observado no momento da feitura de uma constituição.

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