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Poder Constituinte

1 – Poder constituinte

1.1 – Disposições gerais

O poder constituinte, segundo José Afonso da Silva, consiste na mais alta manifestação
do poder político, caracterizado como o poder de estruturação constitucional do Estado,
mediante a definição dos princípios e direitos fundamentais e das limitações e competências
estatais.

1.2 – Natureza do poder constituinte

A natureza do poder constituinte diverge entre os naturalistas e positivistas. Os


jusnaturalistas defendem a natureza jurídica do poder constituinte, fundamentada em um
poder de direito, ou jurídico, anterior e superior ao Estado e a ordem constitucional,
proveniente da natureza humana e dos ideais de justiça, Tomás de Aquino e Manoel Gonçalves
Ferreira Filho. Os juspositivistas defendem a natureza política do poder constituinte,
fundamentada em um poder de fato, ou pré-jurídico, posterior ao Estado e a ordem
constitucional, Hans Kelsen. Há uma terceira corrente que defende a natureza mista,
possuindo a natureza de fato no momento da ruptura da ordem constitucional e de direito na
elaboração de um novo documento, ao revogar a ordem anterior. (o direito positivo é o que o
direito natural constitui)

1.3 – Características do poder constituinte

O poder constituinte, tradicionalmente classificado como originário, é um poder de


fato, inicial, ilimitado, incondicional e autônomo para constituição da ordem jurídica
constitucional. O poder constituinte é inicial pelo fato de inaugurar a ordem constitucional,
ilimitado por não ser submetido a limites jurídicos definidos em ordem anterior,
incondicionado por não ser submetido a formalidades legais e autônomo pela ausência de
poder jurídico colateral. O poder constituinte possui ainda a característica a permanência, no
sentido de não se esgotar com a elaboração da Constituição, permanecendo em estado de
latência e apto a se manifestar a qualquer momento.

2 – Sistematização teórica

2.1 – Disposições gerais

O poder constituinte, segundo a corrente positivista majoritária, é um poder de fato e


correlato à própria existência do Estado, presente em todos os atos sociais de fundação e
estruturação de uma comunidade política. No entanto, a sistematização teórica do poder
constituinte somente foi proposta no período anterior à Revolução Francesa, pelo Abade
Emmanuel Josef Sieyes na obra O que é o Terceiro Estado, que distingue o poder constituinte
de poder constituído, garantindo a titularidade da nação para criação de uma nova
Constituição formal, mediante representação extraordinária em uma Assembleia Nacional
Constituinte.

2.2 – Estados Gerais do Reino

Os Estados Gerais do Reino foi o órgão consultivo de deliberação estamental


convocado em 1788 pelo rei Luís XVI, diante da crise econômica e política, e reunido para
apresentação de propostas em 1789.

2.3 – Proposta de Sieyes

A proposta apresentada por Sieyes previa a equiparação entre os representantes dos


primeiro e segundo estados com os do terceiro, garantia de representação real do terceiro
estado, abandono da deliberação estamental e adoção da deliberação por cabeça. A proposta
foi contestada com base na natureza imutável da constituição histórica francesa e na sua
vinculação dos Estados Gerais do Reino. A contra argumentação de Sieyes foi baseada na
legitimidade de alteração constitucional por meio de representação extraordinária da nação
em Assembleia Nacional Constituinte, com a finalidade de criação de um novo contrato social.

2.4 – Assembleia Nacional Constituinte

A abertura dos Estados Gerais do Reino ocorreu mediante consenso sobre a


equiparação entre os representantes dos estados, havendo 566 representantes do primeiro e
segundo estados e 555 do terceiro. No entanto, o voto por cabeça não foi adotado, gerando
um conflito entre os representantes do primeiro e segundo estados com os do terceiro, que
resultando na tentativa de dissolução da Assembleia pelo primeiro e segundo estados e na
instituição da Assembleia Nacional pelo terceiro estado, em 15 de junho, autoproclamada
Assembleia Nacional Constituinte em 9 de julho, que resultou na decretação de isonomia
tributária e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como na
deposição e execução do rei pela recusa do cumprimento.

2.5 – Precedentes históricos

A sistematização teórica do poder constituinte encontra precedente histórico na obra


Dois Tratados Sobre o Governo de John Locke. No entanto, Locke faz menção a poder supremo
em vez de poder constituinte, titularidade da sociedade em vez da titularidade da nação,
limitação no contrato social em vez da limitação na constituição e corpo político do povo em
vez de assembleia constituinte.
3 – Limites metajurídicos

3.1 – Disposições gerais

O poder constituinte possui natureza jurídica ilimitada, no sentido de não ser submisso
a uma ordem jurídica anterior ou colateral. No entanto, o poder constituinte não é absoluto,
sendo submetido a limites metajurídicos, ou suprapositivos. O autor português Jorge Miranda
classifica os limites metajurídicos em ideológicos, institucionais e substanciais, sendo os
substanciais de três ordens, transcendentes, imanentes e heterônomos.

3.2 – Limites ideológicos e institucionais

Os limites ideológicos impõem obrigação de observação do contexto e dos fatores


ideológicos da sociedade, enquanto os limites institucionais garantem a conservação das
instituições consagradas na sociedade, propriedade, família.

3.3 – Limites transcendentes

Os limites transcendentes advêm dos imperativos do direito natural e dos valores


sociais que transcendem o direito positivo, gerando uma consciência de natureza jurídico-
coletiva que impede o poder constituinte de suprimir ou de reduzir direitos fundamentais
solidificados na ordem jurídica.

3.3 – Limites imanentes

Os limites imanentes são referentes à forma de Estado adotada no momento da


manifestação do poder constituinte, provem da noção de que o poder constituinte formal,
enquanto um poder situado, que se manifesta em certas circunstâncias, está limitado pela sua
origem e finalidade histórico-social.

3.4 – Limites heterônomos

Os limites heterônomos são decorrentes do direito internacional e podem ser gerais


ou especiais. Os limites heterônomos gerais são relacionados ao direito internacional cogente,
enquanto os especiais aos valores firmados em tratados e convenções internacionais.

4 – Atores do poder constituinte

4.1 – Disposições gerais


A titularidade do poder constituinte é determinada pela teoria da soberania popular e
exercida de forma direta, mediante procedimento constituinte aprovado por plebiscito ou por
referendo, ou de forma indireta, por representação eleita ou não eleita. O exercício indireto do
poder constituinte por representação eleita é caracterizado pela escolha do povo dos
representantes para a formação de uma Assembleia Constituinte, enquanto o exercício
indireto por representação não eleita é caracterizado pela atuação autocrática de um ditador
ou líder revolucionário que usurpa o exercício do poder constitucional, conferido por outorga.

4.2 – Povo real

O professor Canotilho amplia o conceito de povo para além do corpo eleitoral, o


denominado povo real, que abrange toda a pluralidade de forças sociais e políticas com
influência nos momentos pré-constituintes ou constituintes. (partidos políticos, grupos,
associações, igrejas, personalidades, igrejas)

4.3 – Assembleia Nacional Constituinte

A Assembleia Constituinte pode ser soberana ou não soberana. A Assembleia soberana


é caracterizada pela ausência de limitações do poder constituinte por plebiscito ou referendo,
enquanto a Assembleia não soberana é limitada por plebiscito ou referendo. A Assembleia
pode ser ainda exclusiva, mediante a ausência de participação partidária, ou não exclusiva,
com a participação partidária.

5 – Classificação do poder constituinte

5.1 – Disposições gerais

O poder constituinte, de acordo com a doutrina moderna, não comporta a classificação


tradicional em poder constituinte originário e derivado, mediante sua natureza política, ou de
fato, para a constituição da ordem jurídica constitucional nova e desconstituição correlata da
ordem antiga. Logo, a classificação em poder constituinte originário é redundante, enquanto a
classificação em poder constituinte derivado é indevida.

5.2 – Poder constituinte material e formal

A classificação do poder constituinte em material e formal é fundamentada na sua


dimensão. Nesse sentido, o poder constituinte material consiste na delimitação dos valores
das forças político-sociais geradoras da nova ordem constitucional que serão manifestados no
novo ordenamento, enquanto o formal consiste na positivação estruturada em normas
jurídicas dos referidos valores. Logo, o poder constituinte material possui natureza histórica,
anterior ao formal, enquanto o formal possui natureza lógica, posterior ao material.
5.3 – Poder constituinte fundacional e reconstituinte

A classificação do poder constituinte em fundacional e reconstituinte é fundamentada


no momento da manifestação. Nesse sentido, o poder constituinte fundacional, ou histórico, é
manifestado na fundação do Estado, produzindo sua primeira Constituição, enquanto o poder
constituinte reconstituinte é manifestado após a fundação do Estado, em momento de ruptura
da ordem constitucional, produzindo uma nova Constituição e revogação da antiga.

6 – Manifestação do poder constituinte

6.1 – Disposições gerais

O poder constituinte se manifesta com a ruptura da ordem constitucional, em


momentos excepcionais de elevada consciência política e mobilização popular. A ruptura da
ordem constitucional pode ser violenta ou belicosa, quando houver golpe de Estado ou
revolução, ou pacífica ou não belicosa, quando houver transição constitucional pelo abandono
do autoritarismo ou pela independência de uma colônia. O período entre a ruptura da ordem
jurídica constitucional e a manifestação do poder constituinte é denominado hiato
constitucional.

6.2 – Positivação do poder constituinte

A positivação do poder constituinte pode ocorrer por promulgação, por outorga ou por
referendo. A positivação por promulgação decorre de ato final da Assembleia Constituinte. A
positivação por outorga consiste na imposição do texto constitucional pela força. A positivação
por referendo é feita mediante a deliberação do texto constitucional por referendo popular,
que pode ser justo ou injusto, mediante presença ou ausência de ambiente de liberdade
democrática.

6.3 – Constituição Federal de 1988

A positivação da Constituição federal de 1988 ocorreu pela transição constitucional por


abandono do autoritarismo. A doutrina constitucional critica alguns fatores dessa positivação,
como vício formal pela convocação da Assembleia Nacional mediante emenda da Constituição
Federal 1967, ausência de natureza constituinte baseada na identidade entre os integrantes da
assembleia e do poder legislativo, e pela presença de integrantes não eleitos.

6.4 – Prorrogação e desconstitucionalização


A positivação de uma nova Constituição, em regra, resulta na revogação da
Constituição anterior. No entanto, as normas constitucionais antigas podem ser mantidas no
novo ordenamento mediante previsão expressa, sendo mantido ou não o status constitucional.
Nesse sentido, a desconstitucionalização consiste na manutenção da norma mediante
rebaixamento do status constitucional em lei ordinária, enquanto a prorrogação na
manutenção da norma e do status constitucional.

6.5 – Recepção e não recepção

A positivação de uma nova Constituição resulta nos fenômenos da recepção ou da não


recepção das normas infraconstitucionais. Nesse sentido, a recepção consiste na validação das
normas mediante a compatibilidade material com a Constituição nova, enquanto a não
recepção na incompatibilidade, garantida a incidência sobre as emendas constitucionais e a
vedação de não recepção por incompatibilidade formal. O STF, contrariando a lógica jurídica
de revogação por lei nova, considera a norma não recepcionada como revogada. A recepção
pode ser implícita, mediante cláusula geral, ou explícita mediante cláusula específica,
manutenção temporária do sistema tributário na Constituição Federal de 1988.

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