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O que é uma Constituição?

Uma Constituição é uma lei fundamental, uma lei suprema, na qual


todas as outras leis se devem basear. Contém os direitos essenciais e básicos dos cidadãos.
Delimita os poderes do Estado.
Funções que a Constituição desempenha: apresentação dos direitos dos cidadãos; uma função
de delimitação do poder; individualiza a comunidade, ou seja, traça as fronteiras da própria
comunidade política; divisão do exercício do poder e legitimidade do poder; estabelece os
valores, princípios e aspirações de uma comunidade política que a torna diferente das demais
comunidades políticas. A Constituição define a comunidade a que se destina e uma das
principais funções da Constituição é a delimitação de quem é o povo e qual é o território a que
aquela Constituição se vai dedicar.
Constituição em sentindo formal é a tradução por escrito, numa lei de ordem fundamental da
comunidade política, da forma como se organiza o poder político e do catálogo dos direitos
fundamentais. Segundo Maria Lúcia Amaral uma Constituição em sentindo formal é um
documento escrito com autor e data, ou seja, é a lei fundamental do país vertida num documento
que é escrito, que não permanece nos usos, nas praxes e nas tradições, é um texto que tem um
autor que pode ser um Monarca ou a Assembleia Constituinte, e que tem data, isto é, sabemos
qual a contingência histórica da qual resulta aquele texto constitucional. Por exemplo, a
Constituição em sentindo formal de Portugal, a Constituição Portuguesa de 1976, foi o
resultado do trabalho da Assembleia Constituinte eleita em 25 de abril de 1975 e que decidiu criar
esta Constituição, portanto a Constituição portuguesa tem um autor e uma data (foi aprovada no
dia 2 de abril de 1976 e entrou em vigor no dia 25 de abril de 1976). A identificação do documento
escrito com autor e data é algo que só uma Constituição em sentido formal tem, sendo esse um
escrito que condensa e positiva a ordem fundamental daquela comunidade política.
Constituição em sentindo material é a ordem fundamental de uma comunidade política, e
qualquer comunidade política organizada tem uma Constituição, tem um conjunto de regras, de
usos, de praxes, que são consideradas e exercidas com consciência de que são legítimas, e são
aceites como legítimas pelos seus destinatários. Isso existe mesmo antes de existir a Constituição
em sentindo formal e mesmo quando essas Constituições em sentido formal não existem. Ainda
hoje existem estados que não têm Constituição escrita como o Reino Unido, Nova Zelândia e
Israel, que não têm uma Constituição em sentindo formal, no entanto tem Constituição em
sentindo material.
Constitucionalismo ou movimento Constitucional – movimento que reclama que cada e todo
o Estado disponha de uma lei fundamental positivada, disponha de uma Constituição formal.
Movimento Constitucional é o movimento que surge, que tem uma data, que tem uma
contingência histórica.
Constitucionalismo material – conjunto de leis que foram aprovadas ao longo do tempo e que
toda a sociedade reconhece como leis fundamentais.
Constitucionalismo formal – documento escrito validado ou positivado

Qualquer comunidade politicamente organizada tem Constituição em sentido material, e depois


a partir de determinado período da história tem Constituição em sentido formal (leis positivadas).
Qual a importância do texto escrito onde se projeta a ordem fundamental da comunidade
política? A ideia fundamental que perpassa todo o movimento constitucional é uma ideia do
Governo limitado, a limitação do poder. As Constituições servem para, sendo documentos
escritos, enquadrarem e limitarem o poder dos agentes políticos. O movimento de
Constitucionalismo é o movimento histórico que essencialmente reclama que cada comunidade
política deve estar dotada de uma constituição escrita com o objetivo de instituir formas de
governo limitado. Assim, o Constitucionalismo opõe-se ao autoritarismo, ao absolutismo e a todo
o que sejam formas de concentração de poder que favorecem os abusos e o descontrolo do
exercício do poder.
Constituição dos Estados Unidos da América – 1787
A Constituição Americana começa com a frase “We the people” (Nós o Povo).
Esta Constituição fundadora surgiu em que contexto? O arranque do movimento
Constitucionalista deu-se na América e resultou de um movimento de independência de treze
colónias contra o Colonialismo Britânico. As colónias individualmente consideradas declararam
independência e criaram a sua base Constitucional. Na Convenção de Filadélfia, dá-se
essencialmente o movimento agregador, o movimento criador dos Estados Unidos da América.
A Constituição Americana resulta da Convenção de Filadélfia. Esta Constituição e o processo
emancipatório das colónias britânicas em território americano marca a primeira declinação
histórica do movimento constitucional. Surge no contexto das declarações de independência e da
necessidade de federar, de unir, de tornar estas colónias num ente político maior que é a
Constituição Federal dos Estados Unidos que surge em 1787 e que ainda hoje vigora. Os sete
artigos que resultaram do trabalho dos “founding fathers” (pais fundadores) da Nação Americana
reunidos na Convenção de Filadélfia, ainda vigoram nos dias de hoje. Foram acrescentados 27
aditamentos.
Opções Constitucionais Fundamentais que constam da Constituição Americana: federalismo,
equilíbrio do poder entre a federação e cada um dos Estados (cada Estado tem a sua própria
Constituição que articula com a Constituição dos Estados Unidos da América, mas a Constituição
da Federação não invalida o poder constituinte de cada um dos Estados, por exemplo, alguns
Estados praticam pena de morte e outros não). Este equilíbrio vertical de poderes entre Estados e
Federação foi uma das preocupações dos Pais Fundadores da Nação Americana. Além disso,
havia a preocupação de criar na Federação uma adequada representação dos diferentes Estados e
isso faz-se no quadro do Senado através de uma igual representação dos Estados (dois Senadores
por cada Estado), apesar dos Estados terem densidades populacionais completamente diferentes,
e instituiu-se que o processo de alteração constitucional deve ser aprovado por cada Estado.
Porém, a Constituição Americana que resultou da Convenção de Filadélfia não tinha catálogo de
Direitos Fundamentais. Só em 1791 é que são aprovados os primeiros dez aditamentos que são o
primeiro catálogo de Direitos Fundamentais da Federação.

Qual o problema da separação de poderes no sistema americano? O Sistema Americano


assenta fundamentalmente numa distinção entre o poder executivo que compete ao Presidente e
o poder legislativo que compete ao Congresso. Aquilo que é característico da organização do
poder político americano é a circunstância de estes dois poderes terem que se respeitar, isto é,
serem independentemente recíprocos. O Presidente Americano tem a mesma legitimidade que o
Congresso (ambos são eleitos de acordo com a vontade popular). Esta ideia de independência
recíproca entre os dois poderes não significa que os poderes vivam numa situação de abstração.
O Presidente precisa do Congresso, e o Congresso precisa do Presidente. O Presidente não tem
poder legislativo e para cumprir o seu programa político carece que haja leis e orçamentos
aprovados pelo executivo que permitam executar o seu programa eleitoral. O executivo precisa
do Presidente porque o Presidente pode vetar leis do Congresso. Apesar da independência de
ambos, para que o sistema tenha agilidade e funcione tem que haver um sistema de entendimento
entre os dois. O sistema de checks and ballances (controlos e equilíbrios) que caracteriza o
Governo criado nos Estados Unidos, e que se transpôs com o movimento constitucional para os
países dotados de Constituição, isto é, há separação de poderes, cada polo do poder é diferenciado
dos outros, mas os poderes não vivem numa lógica de abstração mútua, há controlos e uma
interdependência recíproca entre os polos do poder.

O Constitucionalismo português foi essencialmente marcado pela experiência constitucional


francesa. Na experiência francesa o que determinou o surgimento do movimento constitucional,
foi a Revolução Francesa, o combate às monarquias absolutas. No documento fundador da
Revolução Francesa, o artigo 16 dita que numa sociedade em que não exista um catálogo de
direitos do cidadão e em que não exista separação de poderes, não existe Constituição. O
Constitucionalismo defende um Governo limitado com dois pilares fundamentais: por um lado,
assenta na separação de poderes e na existência de um sistema de controlo e equilíbrio entre os
poderes; e por outro lado, os direitos dos cidadãos, a emancipação das pessoas que deixarem de
ser súbditos do poder e passaram a ser cidadãos titulares de direitos e deveres, o que constitui um
limite ao exercício do poder político.
A Constituição Francesa nasce de uma revolução ao contrário da Constituição Americana que
nasce do movimento agregador, dois contextos históricos completamente diferentes, no entanto
ambos partilham o mesmo conceito de Constituição: documento escrito que consagra uma
organização do poder político segundo o princípio da separação de poderes e um catálogo com os
direitos dos cidadãos.

O que distingue o Constitucionalismo Francês do Constitucionalismo Americano?


 Estabilidade Constitucional – A Constituição americana vigora até hoje, enquanto, as
Constituições Francesas tiveram uma sucessão vertiginosa.
 No Sistema Americano há uma grande insistência nas liberdades cívicas (na liberdade de
religião, de expressão, de imprensa), no contexto francês o conceito de liberdades no
momento inicial é muito redutor (direito à liberdade, à propriedade, à segurança deviam
ser reconhecidos aos cidadãos).
Na Constituição Francesa e em todas as Constituições que sofreram influência da Constituição
Francesa, há uma distinção entre os três poderes: o poder executivo, o poder legislativo e o poder
judicial. Poder legislativo é entregue às Assembleias que devem ser representativas da sociedade,
devem escolher a lei (elementos organizadores da sociedade para além da Constituição). O poder
executivo no contexto francês é um poder subordinado à lei, estabelecendo-se não tanto a ideia
de independência recíproca de poderes, mas a ideia de subordinação entre os poderes, em que o
poder legislativo é o poder maior e os poderes executivo e judicial são poderes subordinado à lei.

HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DE PORTUGAL


A História Constitucional Portuguesa pode ser analisada em três períodos fundamentais: o
Período Liberal Monárquico, o Período Republicano e o Período Democrático. O primeiro
período iniciou-se com a Revolução Liberal de 1820 e durou até à Implementação da República
em 1910. O segundo período iniciou-se no ano de 1911 em que foi aprovada a primeira
Constituição não monárquica, e dura até maio de 1926, data em que se dá o golpe de Estado e em
que se inicia o período autoritário que só terminará em 1974, com a Revolução dos Cravos a que
sucederia o Constitucionalismo Democrático.

Constitucionalismo no Período Liberal Monárquico


 Período Pré-Constitucional
O movimento Constitucional português afirmou-se como reação ao absolutismo, tendo sido
os primeiros anos do século XX propícios aos ideais revolucionários. Com as Invasões
Francesas dá-se a transferência da Corte para o Brasil - o que deu origem a um
descontentamento generalizado da população e ajudou à expansão do ideal liberal e à adesão
ao movimento Constitucional que se seguiu à independência dos Estados Unidos da América
e à Revolução Francesa. O Movimento Constitucional teve uma influência decisiva na
evolução de Portugal e foi um movimento bastante desejado pelas elites portuguesas, o que
só aconteceu na sequência da Revolução Liberal de 1820, sendo que depois da Revolução
Liberal se procedeu em 1821, à eleição das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes,
de cujos trabalhos resultou a Constituição de 1822, primeira Constituição Portuguesa.
 Constituição de 1822
A primeira Constituição Portuguesa de 1822, sofre influência direta e indireta das
Constituições Francesas, isto é, os constituintes (pessoas que integravam as cortes
constituintes) conheciam e defendiam soluções para Portugal inspiradas diretamente das
Constituições Francesas. Além disso, sofre uma importante influência indireta da
Constituição Francesa, o que ocorre por via da Constituição Espanhola de 1812,
Constituição de Cádiz, (fonte de inspiração principal e mais direta dos constituintes de
Portugal) e que ela própria recebe muitas influências francesas.
Opções constituintes fundamentais da Constituição de 1822: a Constituição de 1822
cumpre os requisitos do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, isto é, é uma Constituição que tem uma organização do poder político segundo
uma divisão de poderes e um catálogo de direitos fundamentais. A Constituição arranca com
a proclamação dos direitos dos cidadãos portugueses nos primeiros artigos e organização do
poder político limita significativamente os poderes do monarca. O poder executivo é muito
reduzido e os poderes centralizam-se na Assembleia e nas Cortes, no Parlamento. O sistema
instituído mantém a Monarquia (Monarquia Constitucional), mas o Monarca passa a estar
subordinada á Constituição, às leis do Parlamento (as leis aprovadas nas cortes (supremacia
das Cortes)). Nesta Constituição assumem particular importância o Princípio Democrático,
o Princípio Representativo e o Princípio da Separação de Poderes

 Carta Constitucional de 1826


A Carta Constitucional de 1826 foi o texto constitucional que durante mais tempo vigorou
em Portugal, vigorando praticamente de forma ininterrupta até 1910 (não vigorando durante
a vigência da Constituição de 1838). Foi em torno da Carta que veio a estruturar-se a
monarquia Parlamentar Constitucional Portuguesa, que dominou a segunda metade do
século XIX. A Carta Constitucional teve como influência mais direta a primeira Constituição
brasileira de 1824. É obra pessoal de Dom Pedro IV, antes de abdicar da Coroa Portuguesa,
que outorgou a Carta Constitucional à Nação Portuguesa.
Em matéria de direitos individuais, a Carta manteve a opção de inserir um catálogo de
direitos. O catálogo está localizado na parte final do texto constitucional, mas isso não
significa uma menorização dos direitos individuais. A grande novidade, do ponto de vista
da organização do poder político, é a consagração de um quarto poder, o poder moderador,
que pertence apenas ao Rei. A Carta está toda ela “estruturada sobre a base da soberania do
monarca”. O Rei, visto como entidade neutra e mediadora deve estar no centro dos restantes
três poderes, visando a manutenção do equilíbrio entre eles. Este poder permitia ao Rei
dissolver as Cortes, demitir os Ministros e atenuar ou comutar penas (substituir por uma
pena menor). No exercício deste poder, o Rei era assessorado pelo Conselho de Estado,
constituído por Conselheiros vitalícios. O Poder Legislativo cabia às Cortes, estando
consagrado um sistema bicameral, com uma Câmara dos Deputados, eleita, e uma Câmara
dos Pares, composta de membros vitalícios, transmitidos hereditariamente, nomeados pelo
Rei. Não existia um número limite para os Pares do Reino. Esta última Câmara iria ser objeto
de grandes críticas dos sectores mais progressistas que veem nela um retrocesso face à
Constituição vintista.
A principal diferença entre a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826 é
que, no caso da primeira o Rei foi obrigado a respeitar uma Constituição que foi adotada
pelas cortes, e, no caso da segunda foi o Rei que redigiu e que deu a Constituição á nação.
Outra diferença é a conceção de divisão tripartida dos poderes (judicial, executivo, e
legislativo (poder supremo)) na Constituição de 1822, a que a Constituição de 1826
acrescenta o poder moderador, que segundo o artigo 71 da Carta Constitucional " é a chave
de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, o chefe supremo da nação,
para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia
dos demais poderes políticos.". O poder que o rei não tinha na Constituição de 1822 e que
passa a ter com a Carta Constitucional de 1826 é o poder de dissolver as cortes, demitir
Ministros e atenuar ou comutar penas.
 Constituição de 1838
Durante o século XIX, esteve ainda em vigor um terceiro texto Constitucional
durante quatro anos, na sequência da Revolução de setembro de 1836, que foi a
Constituição de 1838 que vigorou até 1842. Este terceiro texto Constitucional
regressava à tripartição dos poderes e foi influenciado pelas duas Constituições
Portuguesas anteriores, das quais pretendeu ser uma espécie de síntese. A
Constituição de 1838 não foi outorgada pelo monarca, mas foi uma Constituição
pactuada entre o monarca e a Nação. Da Constituição de 1822 reteve a teoria da
soberania nacional, a inexistência do poder moderador e o sufrágio direto e da Carta
de 1826, manteve o bicameralismo do Parlamento e a vastidão dos poderes do
monarca, que detinha poder de veto absoluto e podia dissolver a Câmara dos
Deputados e demitir os Ministros. Teve ainda influências externas, nomeadamente,
das Constituições Brasileira e Espanhola, ambas de 1837. O catálogo de direitos
fundamentais é mais desenvolvido do que o da Constituição de 1822, consagrando a
liberdade de associação, a liberdade de reunião e o direito de resistência. Vigorou
apenas quatro anos, tendo sido restaurada a vigência da Carta em 1842 com o golpe
de Estado de Costa Cabral.

 O Retorno à Carta Constitucional de 1826 e os Atos Adicionais.


De 1842 até 1910 vigorou a Carta Constitucional dado que, na segunda metade do século
XIX, dá-se uma certa normalização, pacificação do regime, criando-se um certo consenso à
volta da Carta Constitucional de 1826, que vai sendo aperfeiçoada por sucessivos Actos
Adicionais. No Ato Adicional de 1852, reduzem-se os limites da versão originária da Carta
Constitucional para o sufrágio censitário (concessão do direito ao voto apenas aos cidadãos
que atendem a determinados critérios económicos), alargando-se a base eletiva da Câmara
dos Deputados, reforça-se o poder das Cortes vão-se dando alguns avanços civilizacionais
importantes, como a abolição da pena de morte para os crimes políticos. Esta abertura às
tendências democratas é continuada pelo Ato Adicional de 1885, em que se suprime a
hereditariedade do membros da Câmara dos Pares, se fixam limites ao número de mandatos
nesta Câmara, se restringe o poder moderador e o poder do Rei de dissolver as Cortes. Os
últimos anos de vigência da Carta, que correspondem ao período final do Liberalismo
Monárquico, entre 1891 e 1910 são um período de “crise da Monarquia Constitucional”. O
Ato Adicional de 1895 é bem representativo dessa fase, sendo de “’sinal contrário” ao 1885”,
atribuindo ao Rei o poder de arbitrar as divergências entre as Câmaras e a reforçar o seu poder
através da faculdade de dissolução das Cortes.

Constitucionalismo Período Republicano


 Constitucionalismo Republicano
A primeira Constituição não monárquica foi elaborada, discutida e aprovada por uma
Assembleia Nacional Constituinte eleita pelos cidadãos maiores de 21 anos que soubessem
ler e escrever ou que fossem chefes de família. A Constituição de 1911 recebeu influências
das Constituições Suíça e da Constituição Brasileira de 1891, que instituiu a Primeira
República no Brasil. Na República brasileira instituiu-se o casamento civil, secularizaram-se
os cemitérios, laicizou-se o ensino nos estabelecimentos públicos, separou-se o Estado da
Igreja. Até 1911, todas as Constituições monárquicas estabeleciam uma religião oficial do
Estado, a nova Constituição Republicana veio a prever a separação oficial da Igreja do Estado,
a “igualdade política e civil de todos os cultos” (artigo 3º nº5 da Constituição de 1911), com
as mesmas implicações. O laicismo foi um dos traços mais característicos da Primeira
República Portuguesa. Em matéria de direitos e garantias individuais, estes assumem novo
protagonismo ao passarem para o início da Constituição, de acordo com a tradição vintista,
constando o catálogo de direitos fundamentais de um artigo único, o artigo 3º. Da
Constituição Brasileira reteve-se também o habeas corpus, enquanto meio de defesa da
liberdade dos cidadãos, e a equiparação de direitos entre portugueses e estrangeiros. É em
1911 que se consagra constitucionalmente, em termos absolutos, a abolição da pena de morte
em Portugal (artigo 3º nº 22 da Constituição de 1911). Discutiu-se, desde logo, se existia ou
não dever de os tribunais oficiosamente conhecerem da inconstitucionalidade caso esta não
tivesse sido suscitada por nenhuma das partes. Os próprios tribunais não assumiram como sua
a vocação de guardiães da Constituição. Nesta Constituição adere-se a uma organização do
poder político parlamentar, de sistema bicameral em que convivem o Senado e a Câmara dos
Deputados, que, em conjunto, se designam – mais uma vez, por influência brasileira – por
Congresso da República. Às Câmaras compete o exercício do Poder legislativo, o poder de
eleger o Presidente da República e o poder de o destituir (por maioria de dois terços das
Câmaras reunidas em Congresso). A figura do Presidente da República está envolta de uma
certa ambiguidade constitucional. Por um lado, segundo a letra da Constituição, é o Presidente
quem chefia o Executivo, ao Presidente competia a nomeação dos Ministros e a sua demissão.
Por outro lado, as suas funções, face à intenção constituinte originária, devem ser funções
essencialmente representativas. A função executiva deveria caber aos Ministros, havendo
entre eles um Presidente do Ministério, responsável pela coordenação das políticas sectoriais,
nos termos ao artigo 53º da Constituição. Os Ministros respondiam politicamente perante o
Congresso. O Princípio Democrático tem afirmação vigorosa na Constituição de 1911,
acabando-se com o sufrágio censitário e, embora se defendesse em teoria o sufrágio universal,
este não veio a ser consagrado, pois se persistiu na exclusão das Mulheres e dos analfabetos
do exercício do direito de voto. A Primeira República Portuguesa marcou um período político
de enorme instabilidade política.

 Período Autoritário
A Constituição de 1911 vigorou até ao golpe de Estado de 28 de maio de. De 1926 a 1933
vigorou o "Constitucionalismo autoritário", houve uma interrupção da história
Constitucional, só começando em 1931 a ser preparada a nova Constituição. De 1933 em
diante passou a existir Constituição, que se inseria no grupo de Constituições semânticas, ou
seja, a Constituição não era um elemento organizador da sociedade, a Constituição não
cumpria uma função de delimitação dos poderes do Governo. A Constituição existia, mas não
cumpria as funções normalmente atribuídas a uma Constituição. Apesar de a Constituição
conter, no seu artigo 8º, um elenco de “direitos e garantias individuais dos cidadãos
portugueses”, as liberdades foram fortemente cerceadas durante o Salazarismo. A
qualificação do estado como corporativo e a criação da Câmara Corporativa refletem a
atenção prestada ao Fascismo Italiano. A Constituição, logo no seu artigo 1º, projetava na
“Nação Portuguesa” a dimensão de um Império. A organização do poder político instituída
tinha como principais traços característicos: um Executivo exercido pela Presidência da
República e pelo Conselho; tendência Presidencialista na letra da Constituição, que, no
entanto, se haveria de apagar face à preeminência da figura do Presidente do Conselho,
António de Oliveira Salazar; amplos poderes legislativos do Governo. Ao longo das várias
décadas de “vigência” – ainda que meramente formal – da Constituição de 1933, o regime foi
perdendo a sua vertente presidencialista - tendo até, em 1959, sido eliminada a eleição direta
do Presidente da República. A Constituição foi objeto de várias reformas constitucionais, mas
“todas as revisões constitucionais desenvolveram a tendência autoritária inicial”. Só a última
revisão, de 1971, após a substituição de António de Oliveira Salazar por Marcello Caetano na
Presidência do Conselho, teve um pendor mais liberal.

Constitucionalismo no Período Democrático


 A versão originária da Constituição de 1976
No dia 25 de Abril de 1974, deu-se, em Portugal, um golpe militar que derrubou o regime
autoritário que se tinha instalado em 28 de Maio de 1926. O símbolo da Revolução de Abril
são os cravos vermelhos, que os populares ofereceram aos militares que estavam nas ruas e
que estes colocaram nos canos das espingardas. Iniciou-se então um processo revolucionário
em que logo no próprio dia 25 de Abril é anunciada em comunicado a intenção de “promover
eleições gerais de uma Assembleia Nacional Constituinte, cujos poderes, por sua
representatividade e liberdade na eleição, permitam ao País escolher livremente a sua
forma de vida social e política”. Essas eleições viriam a acontecer um ano depois da
Revolução e, na sequência das mesmas, iniciaram-se os trabalhos da Assembleia
Constituinte. Esta foi a primeira Constituição Portuguesa, em que a base territorial do Estado
estava circunscrita ao “território historicamente definido no continente europeu e os
arquipélagos dos Açores e da Madeira”. Já fora reconhecido o direito das antigas colónias à
independência pela Lei 7/74, de 27 de Julho. Em 2 de Abril de 1976 foi aprovada a
Constituição da República Portuguesa de 1976, que entrou em vigor a 25 de Abril do mesmo
ano. A “construção de uma sociedade sem classes”, a “transição para o socialismo”,
expressas nos primeiros artigos da Constituição, fazem assumidamente parte do programa
Constitucional. O texto constitucional aprovado prevê uma nova organização do poder
político, em que, ao lado de órgãos com legitimidade democrática, persiste o Conselho de
Revolução, enquanto órgão de soberania composto exclusivamente por militares, com
funções “de Conselho do Presidente da República e de garante do regular funcionamento
das instituições democráticas, de garante do cumprimento da Constituição e de fidelidade
ao espírito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril de 1974 e de órgão político e legislativo
em matéria militar” (artigo 142º da Constituição Portuguesa de 1976, na sua versão
originária). Com a Constituição de 1976, Portugal passa a integrar o conjunto de Estados do
Ocidente que aderiram a uma forma de governo Semipresidencialista: um presidente eleito
por sufrágio universal, como é próprio de um regime presidencial, e um primeiro-ministro
dirigindo um governo que os deputados podem demitir, como num regime parlamentar. O
catálogo de direitos fundamentais assumiu protagonismo e extensão muitíssimo relevante
constando da Parte I da Constituição, que distinguiu os “direitos, liberdades e garantias” dos
“direitos económicos, sociais e culturais”.

 A Revisão Constitucional de 1982


A Constituição de 1976 tem a sua versão original e uma segunda versão pós revisão
Constitucional de 1982. A primeira Revisão Constitucional de 1982 é uma revisão extensa
e profunda, que reduz as marcas ideológicas de referência ao socialismo, extingue o
Conselho de Revolução, cria o Tribunal Constitucional (até 1982 as funções do Tribunal
Constitucional eram desempenhadas pelo Conselho da Revolução). Muitas bibliografias
consideram que o movimento Constituinte só cessou verdadeiramente em 1982 com a
primeira Revisão Constitucional. No que à organização do poder político diz respeito, a
principal mudança consistiu na extinção do Conselho da Revolução, havendo necessidade
de redistribuir os poderes atribuídos àquele órgão por outros órgãos constitucionais. Assim,
no que diz respeito às competências legislativas em matéria militar, estas foram entregues à
Assembleia da República, as atribuições de natureza consultiva foram atribuídas ao
Conselho de Estado, criado por esta revisão constitucional, as suas funções enquanto
“guardião da Constituição” foram entregues ao Tribunal Constitucional, também criado por
esta revisão constitucional e que veio a assumir funções normais enquanto verdadeiro órgão
jurisdicional vocacionado para dirimir litígios em matéria jurídico-constitucional em 1983.
O Tribunal Constitucional é composto por treze Juízes, todos juristas e dos quais seis têm
de ser magistrados. Não se prevê na Constituição Portuguesa o amparo constitucional para
defesa de direitos fundamentais. A única porta pela qual os cidadãos podem aceder ao
Tribunal Constitucional é pela via do recurso de constitucionalidade.

 As posteriores revisões Constitucionais


Após 1982, houve mais seis revisões constitucionais sendo que, nenhuma destas revisões,
assumiu relevância comparável à revisão de 1982. Determinantes para esses processos de
revisão constitucional foram quase sempre evoluções a nível internacional. Assim, o
processo de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, que se consumou em
1986, haveria de ser determinante para a Revisão Constitucional de 1989, essencialmente
voltada para a liberalização da economia exigida pela integração no mercado comum
europeu com liberdade de circulação de trabalhadores, de bens, de serviços e de capitais. A
evolução do projeto europeu para uma união de natureza política, iniciada em Maastricht
em 1992 determinou a revisão constitucional ocorrida nesse ano. A revisão constitucional
de 1997 foi, do ponto de vista da organização do poder político, aquela que pretendeu tocar
mais profundamente as opções constituintes de 1976, nomeadamente no que diz respeito ao
órgão parlamentar e à necessidade de aproximar eleitores e eleitos, reforçando assim o
sistema representativo. Esta revisão não veio, no entanto, a transformar o funcionamento
do sistema político, porque se ficou à espera de alterações legislativas que deveriam ser
aprovadas no Parlamento por uma maioria de dois terços e estas, até hoje, nunca sucederam.
Em 2001, foi, essencialmente, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional que motivou mais
uma revisão Constitucional, muito embora tenham sido igualmente tocadas as matérias
relativas à União Europeia, e, pontualmente, alguns direitos fundamentais. Em 2004, a Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a expectativa – não consumada – da adoção
de uma Constituição Europeia também estiveram entre os fatores que motivaram a revisão
ocorrida nesse ano. A última revisão constitucional, ocorrida em 2005, visou eliminar os
obstáculos constitucionais à realização de uma consulta popular sobre “aprovação de tratado
que vise a construção e aprofundamento da União Europeia” – que nunca veio a efetivar-se.

PRINCÍPIOS CONSTITUINTES FUNDAMENTAIS


Princípio do Estado de Direito
Portugal é um Estado de Direito regido por normas jurídicas. ≠ Estado de Arbítrio que não é
regido por normas jurídicas
O artigo 2º da CRP diz-nos que Portugal é um Estado de Direito. Não basta a existência de uma
Constituição, independentemente do seu conteúdo, para que possamos considerar a existência de
um Estado de Direito. Para que um Estado seja verdadeiramente considerado um Estado de
Direito, tem de se organizar de modo que não haja, por parte dos entes públicos, abusos no
exercício do poder.
Num Estado de Direito quem exerce autoridade está obrigado a exercer o poder nos estritos
limites das normas jurídicas existentes, e não de acordo com preferências pessoais. Essas normas
jurídicas têm de ser definidas previamente de modo claro, de maneira a permitir que os cidadãos
possam antever as consequências jurídicas das suas ações.
A doutrina constitucional tem estabelecido uma distinção entre elementos formais e elementos
materiais, nos quais se pode analisar o Princípio do Estado de Direito. Dentro dos Elementos
Formais existem:
 Princípio da Separação (e interdependência) de Poderes (legislativo, executivo e
judicial) que visa garantir organização do poder político e pretende que o poder não seja
centralizado numa só pessoa, o que evita abusos de poder. Os poderes não existem numa
relação de abstração mútua, controlam-se mutuamente. A ideia de interdependência vem
do facto de os poderes se controlarem mutuamente. O oposto de Estado de Direito é o
Estado de Arbítrio (Estado Autoritário) onde os poderes não são submetidos a nenhuma
norma heterónima (norma definida por outrem) e consequentemente os cidadãos estão
numa situação de subjugação á vontade do poder sem nenhuma capacidade de preverem
as normas que regem a sua própria vida.
 Princípio da Constitucionalidade das leis – as leis (poder legislativo) não podem ir
além do disposto na Constituição, ou seja, as leis estão subordinadas à Constituição, que
é uma lei soberana que exige que as outras leis e o próprio legislador estejam em
harmonia com ela.
 Princípio da legalidade da administração (administração = executivo)– há uma
subordinação do poder administrativo ao poder legislador. Prevalência ou primado da
lei: a administração quando age está obrigada a respeitar a lei.
 Princípio de reservado ou precedência da lei – a atuação da administração tem que
estar prevista na lei, ou seja, as entidades administrativas só podem agir se estiver
expresso na lei antecipadamente.
 Princípio da Independência do Poder Judicial – os tribunais têm de ser independentes,
pois caso algum dos poderes do Estado atuar de forma abusiva ou excessiva, os tribunais
(os únicos que podem exercer o poder judicial) apresentam formar de garantir direitos.
A expressão mais direta do Princípio do Estado de Direito está no artigo 3º nos números 2, “O
Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática”, e 3 “A validade das
leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras
entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição”, ou seja, se uma atuação
dos poderes públicos contraria a Constituição é desprovida de valor jurídico.
No que se refere aos Elementos Materiais, tem-se entendido que um Estado de Direito tem
necessariamente de respeitar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da
Igualdade (que remete para a ideia de Justiça), o Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da
Proteção da Confiança dos cidadãos.
Porquê que a liberdade é um elemento central num Estado de Direito que nunca está
garantida num Estado que não é de Direito? O uso da força que permite deter um cidadão,
existe em qualquer Estado, mas num Estado de Direito essa força é aplicada e exercida segundo
regras que estão pré-estabelecidas, e que os cidadãos podem conhecer e planear as suas vidas em
liberdade, sabendo que, se não cometerem determinados atos não vão ser privados da sua
liberdade. O que distingue o exercício do poder coercitivo num Estado de Direito e num Estado
que não é de Direito é a previsibilidade, e essa previsibilidade decorre da existência de normas
pré-definidas que enquadram o exercício de cada um dos poderes. Num Estado de Direito, o
Estado tem poder, mas tem que o exercer segundo normas.

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana consagrado no artigo 1º da CRP e é um princípio
estruturante do Ordenamento Jurídico Português uma vez que traduz a ideia fundamental de toda
a ordem jurídico-constitucional: a pessoa enquanto fundamento e fim do Estado.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico, o que implica que o seu
desrespeito é uma violação da Constituição. Aos Princípios Constitucionais e, neste caso
concreto, ao princípio da dignidade da pessoa humana, não é atribuída apenas uma função.
Também os princípios, enquanto normas constitucionais, são dotados de uma
multifuncionalidade. De facto, o Tribunal Constitucional tem atribuído funções diferenciadas ao
princípio da dignidade da pessoa humana. Na sua jurisprudência o Tribunal tem entendido que
este princípio é fundamento de outras regras ou princípios, desempenhando uma função
normogenética, ou seja, de princípio gerador de outras normas. Por outro lado, tem também
servido como critério de interpretação ou enquanto ferramenta auxiliar na
concretização/densificação do âmbito de proteção das normas de direitos fundamentais.
Finalmente, é ainda utilizado como fonte diretamente aplicável.
O princípio da dignidade da pessoa humana exerce uma função normogenética na medida em
que é fundamento de regras ou princípios já expressamente consagrados no nosso ordenamento
jurídico, constituindo a sua razão de ser, e, para além disso, é dotado de uma vertente criadora,
sendo princípio gerador de novas normas. Esta função assume uma particular importância no que
se refere a matéria de direitos fundamentais pois tem-se entendido que a dignidade é o fundamento
destes direitos, não só dos direitos liberdades e garantias, mas também dos direitos económicos
sociais e culturais. Também no domínio do Direito Criminal o princípio da dignidade da pessoa
humana assume uma grande importância. Este ramo do Direito assenta na dignidade, uma vez
que toda a sua construção gira em torno de uma conceção do homem como ser digno e livre, que
deve poder ser responsabilizado pelas suas condutas, sendo suscetível de um juízo de
censurabilidade, isto é, de culpa. A culpa pressupõe a liberdade e a dignidade da pessoa humana,
na medida em que a pena se funda num juízo de reprovação do agente por não ter agido em
conformidade com o dever jurídico, quando poderia e deveria tê-lo feito.
Sendo a dignidade da pessoa humana um princípio ético-jurídico, cabe-lhe também um papel
especialmente importante na interpretação e na integração de preceitos normativos,
particularmente no que se refere aos direitos fundamentais e na concretização do seu âmbito de
proteção. Assim sendo, ele servirá como princípio interpretativo destes direitos e como
instrumento metódico de resolução de conflitos. Na perspetiva jurídica a dignidade da pessoa
humana é assegurada pela Jurisprudência (decisões judiciais) do Tribunal Constitucional.
Finalmente, o princípio da dignidade também tem sido invocado por si só para se aferirem
eventuais violações da Constituição. A utilização do princípio enquanto instrumento metódico de
resolução de conflitos entre direitos fundamentais ou na concretização do âmbito de proteção
destes direitos, por exemplo, poderá conduzir a resultados diferentes consoante a interpretação
que se faça do conceito de dignidade. Este é um conceito que se concretiza historicamente,
assumindo um valor eminentemente cultural. O contexto cultural não é estático, estando em
constante mutação, até porque, cada vez mais, este conceito se desenvolve através de um
intercâmbio com outras culturas.
Por outro lado, o conceito de dignidade não é um conceito descritivo, o que tem como
consequência que as controvérsias quanto à sua aplicação sejam necessariamente controvérsias
de valoração ética. O princípio da dignidade pode, consequentemente, ser passível de diferentes
interpretações e muitas vezes até de interpretações antagónicas.
Entendemos que a interpretação mais correta do princípio deve ter em conta a consagração
constitucional de um direito ao desenvolvimento da personalidade e que se funda numa presunção
a favor da liberdade individual. A “imagem do homem” que perpassa a nossa constituição tem de
ser compatível com diferentes modos de vida e por isso tem de ser necessariamente pluralista.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também utilizado, em algumas decisões, a “fórmula
do objeto” para densificar o conceito de dignidade. Esta “fórmula” tem a sua origem na doutrina
alemã, e considera que é possível delimitar um núcleo material mínimo de dignidade pessoal, que
deve constituir uma garantia irredutível num Estado de Direito e que não depende da conceção
que a própria pessoa tenha da sua dignidade. Esse núcleo abrange as situações em que o homem
concreto é reduzido à condição de objeto ou de um simples meio. Por outro lado, a posição
defendida por Jorge Reis Novais considera que só haverá violação da dignidade quando a
instrumentalização seja particularmente gravosa, degradante ou humilhante, o que pode resultar
da intencionalidade de quem instrumentaliza ou do próprio contexto do caso.
Como é que as normas se distinguem dos princípios? O princípio é mais abstrato e a regra ou
norma é mais concreta (princípio do grau de conceção). Os princípios estão mais próximos dos
valores fundamentais da comunidade (critério da fundamentalidade). Os princípios têm um
conteúdo mais indeterminado, indefinido do que as regras (critério do grau de determinabilidade).
A partir dos princípios retiram-se regras, os princípios podem decantar-se numa série de normas
(natureza normogenética dos princípios – função criadora de normas ou de outros princípios). Os
princípios são normas complexas que dão origem a outras normas que se decompõem em várias
normas.

Princípio da Igualdade
O Princípio da Igualdade é associado à ideia de Justiça. Justiça consiste em tratar todos de acordo
com aquilo que são as suas exigências de modo a não haver privilégios, mas também não haver
atuações que ignoram a desigualdade de oportunidades que existem á partida na sociedade. O
Estado de Direito é um estado ao serviço da igualdade e da sua realização entre todas as pessoas.
O Princípio da Igualdade está intimamente relacionado com o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. De facto, a dignidade do indivíduo só é verdadeiramente respeitada se este for tratado
em condições de igualdade relativamente aos restantes indivíduos. Há referências a critérios de
igualdade em várias disposições da Constituição, mas é no artigo 13.º que este princípio está
consagrado em termos mais abrangentes. Este princípio também é uma exigência que decorre já
do princípio do Estado de Direito, entendido em sentido material, isto é, como um Estado
comprometido com a realização da justiça. Tal significa que os poderes públicos, no exercício de
todas as suas funções (seja a executiva, a legislativa ou a judicial) estão vinculados ao respeito do
princípio da igualdade.
Artigo 13.º (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. – Conceito de igualdade
em sentido formal
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Conceito de igualdade em sentido material – “Tratar o que é igual de forma igual e o que é diferente de
forma diferente na medida dessa diferença”

Assim, o princípio da igualdade poderá inclusivamente justificar ou até exigir tratamentos


diferenciados quando haja fundamento objetivo para tal diferenciação. A questão que se coloca é
a de saber até onde se pode ir ao estabelecer regimes diferenciados, isto é, como pode o julgador
determinar se a diferenciação e a sua medida são legítimas ou se se consubstanciam numa violação
do princípio da igualdade. Para esta avaliação tem-se entendido que é útil o elenco de fatores de
discriminação presente no n.º 2 do artigo 13.º da CRP, uma vez que estando em causa uma
diferenciação com base em algum desses fatores o escrutínio levado a cabo pelo Tribunal
Constitucional deve ser mais exigente. Estas são as consideradas “categorias suspeitas”, ou seja,
são os fatores que historicamente têm sido motivadores de tratamentos discriminatórios e,
havendo uma diferenciação de tratamento que se baseie numa destas categorias há autores que
entendem que se deve considerar a existência de uma presunção de inconstitucionalidade. Esta
seria uma presunção afastável mediante prova em contrário, desde que se comprove que o que
justifica o tratamento desigual são outras razões que não se confundem já com a “categoria
suspeita”.
Quando não seja esse o caso, isto é, quando não esteja em causa uma diferenciação de tratamento
que assenta numa categoria suspeita, há autores, como é por exemplo o caso de Maria Lúcia
Amaral, que entendem que a margem a atribuir ao legislador deve ser mais ampla, sendo apenas
de avaliar se a discriminação em causa é arbitrária, isto é, destituída de um qualquer fundamento
objetivo razoável.

Princípio da Segurança Jurídica (ou da Proteção da Confiança)


O Princípio da Segurança Jurídica consiste na possibilidade de os cidadãos poderem conformar
as suas vidas em liberdade sabendo que, as consequências das suas atuações são previsíveis. Num
Estado de Direito a atuação dos poderes públicos é previsível e as pessoas sabem quais as
consequências e os pressupostos que estão na base da atuação, por vezes coercitiva, dos poderes
políticos. Este princípio é garantido através da publicidade dos atos estaduais (os atos legislativos
são públicos), o que dá garantia aos cidadãos da possibilidade de antecipar as consequências das
suas atuações (artigo 119 CRP). Para que as consequências dos nossos atos sejam
verdadeiramente antecipáveis, precisamos de compreender o que está no Diário da República. Os
atos jurídicos devem expressar-se de uma forma acessível e compreensível quanto ao seu
conteúdo e alcance. Quanto atuamos temos de conhecer as regras aplicáveis, naquele momento,
aos atos que praticamos. Porém as normas jurídicas estão sempre a mudar, o que dificulta a
Segurança Jurídica que o Estado de Direito deve apresentar aos cidadãos. O equilíbrio consegue-
se evitando situações de retroatividade da lei, isto é, em princípio as leis aplicadas hoje não se
podem aplicar a factos ocorridos e consumados no passado. Na nossa Constituição, há três
situações em que a Constituição expressamente exclui a possibilidade de intervenções normativas
de carácter retroativo: as leis penais (artigo 29º); as leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias (artigo 18º) e as leis fiscais (artigo 103º).
Prospetividade – a norma só se aplica a acontecimentos futuros
Retroatividade pura ou Autêntica– a norma aplica-se a um acontecimento consumado no
passado e que vai ter um novo enquadramento legal, devido a uma norma que surgiu
posteriormente.
Retrospetividade ou Retroatividade Inautêntica - Leis que se aplicam a situações jurídicas
duradouras constituídas no passado, mas que continuam no presente e previsivelmente
continuarão no futuro. A lei vale para o futuro, mas afeta relações jurídicas constituídas no
passado, que perduram no presente e perdurarão no futuro.
Pressupostos que permitem avaliar se há lesão do Princípio do Estado de Direito em situações de
retrospetividade:
1. Para que se considere haver uma violação do Princípio da Proteção da Confiança dos
Cidadãos é necessário que os poderes públicos tenham atuado de modo a gerar nos cidadãos
uma expectativa de continuidade e estabilidade do quadro legal. Só quando existem
expectativas legítimas a salvaguardar é que o Princípio da Proteção da Confiança interfere.
2. É necessário que os cidadãos tenham construído os seus planos de vida de acordo com essas
expectativas.
3. É necessário que essas expectativas sejam verdadeiramente legítimas, fundadas em boas
razões.
4. Para que a expectativa sobreleve a necessidade de alteração do quadro jurídico é necessário
que o interesse público que determinou a alteração da lei, não se sobreponha às expectativas
privadas. É necessário fazer uma ponderação entre, por um lado, qual foi o interesse público
que determinou uma alteração da lei, e, por outro lado, quais são as expectativas privadas.
Dessa ponderação chega-se á conclusão sobre se valem mais as expectativas privadas, e então
a Proteção da Confiança foi violada, ou se o interesse público tem um peso maior então a
Proteção da Confiança não foi violada.
Exercício:
1 – O que é o Governo? Artigo 182º
2 – Como se forma o Governo? Artigo 183º, nº 1
3 – O que é o Conselho de Ministros? Artigo 184º, nº 1
4 – Quais as funções do Conselho de Ministros? Artigo 200º, nº 1
5 – quantas vezes se pode ser Primeiro-Ministro? Não há limite de vezes para se ser Primeiro-
Ministro.
6 – Quem pode demitir um Ministro ou um Secretário de Estado? O Presidente da República
7 – Quem nomeia os Ministros e os Secretários de Estado? Artigo 187º, nº 1
8 – Quando termina o mandato de um Governo? Artigo 195º, nº 1
9 – Qual é a relação entre o Governo e a Assembleia da República? O programa do Governo tem
de ser apreciado pela Assembleia da República. O Governo precisa da Assembleia da República
para aprovar as leis, e o Governo depende da Assembleia da República.
10 – Quem tem a primazia no exercício da função legislativa? A Assembleia da República. A
intervenção legislativa do Governo é secundária relativamente á função legislativa da
Assembleia da República.

Princípio da Proporcionalidade (ou da Proibição do Excesso)


Há uma ligação muito estreita entre o princípio da dignidade e o princípio da proporcionalidade.
A dignidade funda a autonomia individual, esta autonomia só poderá ser limitada quando tal seja
efetivamente necessário para tutelar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
e na estrita medida dessa necessidade. Este é um princípio nos termos do qual o grande problema
do Direito, é o problema da medida. O Estado tem de manter uma intervenção equilibrada ou
proporcional ás realidades com que se defronta. Este princípio foi desenvolvido no domínio do
Direito da Polícia. A Polícia anda armada e tem de saber usar as armas de modo proporcional e
adequado às situações com que se defronta. Num Estado de Direito, que respeita o espaço de
liberdade dos cidadãos não se “usam canhões para atirar a pardais”, não se age perante uma ofensa
menor com os canhões da ordem jurídica. A atuação do Estado tem de ser mensurável (a reação
tem de ser proporcional á situação). Quando lidamos com os poderes públicos, quando lidamos
com o Estado num Estado de Direito temos de ter a garantia de que a atuação do Estado é
equilibrada e proporcional, e que podemos antecipar o grau de força que a nossa ação vai suscitar
como reação. O Princípio da Proporcionalidade tem expressão na Constituição, é ínsito (incluído)
no Princípio do Estado de Direito. A ideia de Estado de Direito não é compatível com um Estado
em que os poderes não se exerçam de uma forma equilibrada e proporcional, por isso, a ideia de
que os poderes públicos têm de agir de modo proporcional está presente no artigo 2º da
Constituição, quando se diz que a República Portuguesa é um Estado de Direito. O Princípio da
Proporcionalidade também está ínsito: no artigo 18º, nº 2 quando se diz “devendo as restrições
limitar-se ao necessário”, o legislador pode restringir direitos de liberdades e garantias de uma
forma proporcional (por vezes o legislador tem de limitar o direito à greve para garantir o direito
á saúde, por exemplo); artigo 19º; artigo 272, nº 2. Apesar de o Princípio da Proporcionalidade
ser um princípio geral da atuação do Estado, ínsito no Princípio do Estado de Direito, ele é tão
importante que em algumas matérias a Constituição afirmou a necessidade de naquele domínio
em particular haver uma atenção especial ao Princípio da Proporcionalidade. O Princípio da
Proporcionalidade aplica-se a qualquer atuação do Estado, dado que os atos do Estado nunca
devem ser excessivos.
Como se averigua se não se respeitou o Princípio da Proporcionalidade? Temos de averiguar
se o uso da força ou do poder, foi ou não orientado para a prossecução do interesse público. Se
foi satisfeito um interesse privado, ao invés do interesse público, o Princípio da Proporcionalidade
foi violado. Para se verificar se uma medida estatal supera o teste da proibição do excesso importa
conferir se esta é idónea, necessária e equilibrada. Existem três critérios que ajudam a determinar
se houve ou não violação do Princípio da Proporcionalidade:
 Princípio da Idoneidade, aptidão ou da adequação – temos de saber se o meio usado é ou
não adequado, apto ou idóneo ao fim que se pretende agir. A idoneidade pressupõe,
evidentemente, que tanto o fim que se visa prosseguir como o meio utilizado sejam legítimos.
 Princípio da Necessidade – trata-se de apreciar se não existe outra menos gravosa capaz de
assegurar o objetivo com o mesmo grau de eficácia. O que se pretende agora avaliar é se não
haverá outro meio igualmente apto para a prossecução do fim mas que seja menos
oneroso/gravoso para os particulares. Assim, mesmo que uma medida estatal seja adequada,
ela poderá revelar-se violadora do princípio da proporcionalidade nesta segunda dimensão,
por existirem meios igualmente eficazes de prosseguir a finalidade pretendida e que são
menos agressivos para a esfera dos cidadãos.
 Proporcionalidade em sentido estrito – podemos chegar á conclusão de que não havia outro
meio capaz de concretizar o objetivo com maior grau de eficácia. Mas ainda assim, em nome
do Princípio da Proporcionalidade temos de voltar a isolar o meio concretamente utilizado e
o fim prosseguido, e ver se o fim justifica ou não o meio, isto é, se na relação direta entre o
meio e o fim, o que estava em causa justificava o uso daquele meio. Temos de analisar se os
benefícios que se retiram do uso daquela força são superiores aos prejuízos que ela implica.
Existe uma ligação estreita que se estabelece entre o Princípio da Proporcionalidade e os
Princípios da Igualdade e da Proteção da Confiança, uma vez que na concretização destes últimos
também se têm vindo a utilizar critérios de proporção.

Princípio da Socialidade
Artigo 2.º - Estado de direito democrático
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no
pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de
efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes,
visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da
democracia participativa.
Embora a formulação deste artigo remeta para o Princípio Democrático, devido à referência à
organização política do poder, este artigo apresenta uma dimensão social, a Democracia não é
só política, mas é também económica, social e cultural.
Nos termos da nossa Constituição, o Estado tem, entre as suas funções essenciais, de empenhar-
se na criação de condições económicas e sociais para haver efetivamente igualdade de
oportunidades entre todos.
Na versão originária da Constituição o pendor ideológico era muito forte no sentido de que o
objetivo da Constituição era o caminho para o Socialismo, e por isso, o Princípio da Socialidade
tinha aí uma associação necessária à construção de uma sociedade sem classes e de uma
aproximação ao ideal Socialista. Com as sucessivas revisões Constitucionais, as referências ao
Socialismo foram desaparecendo. O Princípio da Socialidade subsistiu dado que, o Estado não se
pode demitir de tentar criar estruturas sociais e económicas que favoreçam a igualdade real entre
os Portugueses (artigo 9º d), artigo 81).
O Princípio da Socialidade é um princípio que tem algumas condicionantes na sua realização e
efetivação prática, porque é um princípio sempre condicionado á reserva do possível, ou seja, os
recursos do Estado são limitados e, consequentemente políticas que promovem a igualdade real
entre as pessoas, são políticas que envolvem avultadas somas de dinheiro, e por isso é possível
minorar as desigualdades mas não é possível criar as condições ótimas de igualdade real entre
todos. Por isso, mitigam-se as desigualdades e não se cria necessariamente uma sociedade em que
a igualdade esteja garantida para todos. Na sequência disto, num Sistema Jurídico como o
Português, que é um sistema de democracia em que o legislador tem a liberdade de conformação,
diferentes forças políticas têm diferentes visões de como isto se realiza na prática. Umas visões
defendem uma maior participação do Estado e outras defendem uma menor participação do
Estado na realização de Direitos, devendo o Estado submeter-se mais a uma posição subsidiária.
Quando há uma alternância Democrática e, sucede, a um partido que tenha implementado um
programa de grande participação do Estado na Economia e nas estruturas sociais, um partido que
tem um programa diferente e que pretende liberalizar a Economia e remeter o Estado para um
papel regulador e subsidiário, o problema que se coloca é se este Governo liberalizador pode
provocar o chamado retrocesso social, isto é, pode retirar do Estado funções que este já estava a
assumir, em função de uma realização do Princípio da Socialidade. Aqui, entende-se que não há
um Princípio de Proibição do Retrocesso Social, porque isso invalidaria a liberdade de
conformação do legislador. No entanto, também não há uma total liberdade de retrocesso social,
há elementos mínimos de realização pretérita dos direitos que não podem ser afetados. O Princípio
da Proteção da Confiança também interfere, protegendo os cidadãos de realizações pretéritas dos
direitos, e por isso a atuação dos Governos e dos legisladores tem uma liberdade limitada. A
liberdade de conformação do legislador não é absolta, mas é limita pelo Princípio da Proteção da
Confiança, pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a garantia de uma existência
condigna, ideias que confluem numa intensificação da proibição do retrocesso social. Pode haver
retrocesso social, mas este retrocesso social tem que ser orientado por alguns princípios básicos
porque de outra maneira o oposto de um Estado social de Direito é o Estado Liberal, em que o
Estado entrega ao mercado a resolução de problemas sociais.
Princípio da Socialidade tem uma associação direta com o Princípio da Igualdade Material. A
igualdade material proíbe que se trate igualmente o que é diferente e diferentemente o que é igual,
e com o Princípio da Socialidade, dizemos que a Igualdade impões atuações diferenciadas no
sentido de repor a igualdade de oportunidades. Dimensão dinâmica do Princípio da Igualdade
Material no sentido de obrigar a políticas concretas de redução das desigualdades.
A República Portuguesa é, portanto, um Estado de Direito democrático e social que deve
promover a justiça social. Há uma estreita ligação desta dimensão social com o princípio da
dignidade da pessoa humana que é o fundamento constitucional de todos os direitos fundamentais,
sejam direitos, liberdades e garantias, sejam direitos económicos, sociais e culturais.

Princípio Democrático
Princípio Democrático é um Princípio da Democracia Política que é essencialmente relevante
para a organização do poder político que existe na Constituição (artigo 108º e seguintes). No
entanto, este Princípio é insistentemente afirmado nos primeiros 11 artigos da Constituição,
nomeadamente os artigos 1º e 2º. No artigo 3º, consagra-se o Princípio da Soberania Popular. No
artigo 10º, refere-se o Princípio do Sufrágio Universal e o Princípio da Pluralidade dos Partidos
Políticos enquanto elementos centrais para o Princípio da Democracia.
Princípio Democrático consiste no “governo do povo, pelo povo e para o povo” (Fórmula de
Lincoln). Este princípio pressupõe o Princípio de Soberania Popular, pressupõe que o titular
último do poder é sempre o povo (conjunto das pessoas que constituem a população de um Estado
num dado momento). Este Princípio da Soberania Popular pode conviver com diversas formas de
manifestação do Princípio Democrático. A forma básica no Sistema Português é a Democracia
Representativa, em que o poder não é exercido diretamente pelo povo, mas é mediado através de
institutos de representação pública do povo, em que quem exerce o poder recebeu por alguma via
mais direta (eleições) ou indireta (mandato popular) legitimidade para exercer esse poder. Há, no
entanto, outras formas de Democracia que se apresentam como alternativa à Democracia
Representativa que são as formas de Democracia direta, onde as pessoas são chamadas
diretamente a tomar decisões políticas importantes. Em Portugal, não existe um Sistema de
Democracia Direta, existe um Sistema de Democracia Representativa, no entanto, tem sido
reforçado um recurso a alguns mecanismos de Democracia Semidirecta, nomeadamente os
referendos, onde os representantes devolvem uma questão política ao corpo eleitoral, ao Povo,
pedindo que este se pronuncie sobre uma dada questão e tome uma decisão. Por isso, a
Democracia Representativa é oposta á Democracia Direta, mas podem conviver de alguma
maneira, e convivem em Portugal através da Democracia Semidirecta, sendo dada a possibilidade
e dar a palavra aos cidadãos através de referendos. Tanto a Democracia Representativa como a
Democracia Direta são concretizações do Princípio Democrático.

Princípio da Integração Europeia e da abertura ao Direito Internacional


Até 1974 a situação de Portugal relativamente ao Direito Internacional e á Comunidade
Internacional, era uma posição de isolamento. No entanto, nos discursos políticos se referir
“orgulhosamente sós.” Portugal tinha um problema com a Organização das Nações Unidas e com
a Comunidade Internacional, que eram as colónias. A Comunidade Internacional exigia de
Portugal a abertura ao direito da autodeterminação dos povos, abertura essa que Portugal não
estava disposto a dar, porque queria manter as colónias e estava a mantê-las à custa da Guerra
Colonial. Por isso, a forma que Portugal tinha de defender essa política, era rejeitando o Direito
Internacional e a participação na Comunidade Internacional.
Até 1974, Portugal tinha uma participação muito limitada nas Nações Unidas. Quando se dá a
Revolução dos Cravos, apoiada por forças internacionais, há uma vontade de fazer com que
Portugal participe do desenvolvimento do Direito Internacional. Depois da 2ª Guerra Mundial,
diversos autores e políticos tiveram a perceção de que a forma de evitar a repetição das Guerras
Mundiais, era criando, organismos de cooperação entre os Estados Europeus, e fizeram-no através
das organizações: Conselho da Europa criado em 1949 e a Comunidade Económica Europeia.
Este processo internacional que se iniciou durante o Estado Novo, era um processo em que
Portugal não participou e, depois em 1974, há a atitude oposta que é de grande abertura ao Direito
Internacional. Cortando com um passado de isolamento internacional, os constituintes, em 1976,
quiseram incluir entre os princípios constitucionais fundamentais da Constituição Portuguesa a
abertura internacional. Os artigos 7º e 8º da Constituição revelam inequivocamente essa marca, a
vontade de fazer Portugal participar dos esforços de cooperação internacional, quer a nível global,
quer a nível regional europeu, quer no espaço da lusofonia. O artigo 7º tem os princípios básicos
que devem orientar as relações internacionais de Portugal, e o artigo 8º trata da existência em
Portugal do Direito Internacional e da forma como em Portugal se projeta o Direito Internacional.
Em 1976 definiu-se a abertura de Portugal ao Direito Internacional e em 1986 dá-se a adesão de
Portugal á Comunidade Económica Europeia que em 1992 se converte em União Europeia. Essa
realidade não existia em 1976 e incluíram-se essas normas nos artigos 7º e 8º da Constituição.
O artigo 7º nº 1 tem normas que advêm essencialmente da versão da Constituição de 1976
(súmula dos princípios fundamentais das Nações Unidas). Nos nos 2, 3 e 4 existem normas que
dizem respeito á Comunidade Internacional Geral e que estão na Constituição de 2019 como
estavam na Constituição de 1976. O artigo 7º nº 7 aborda a questão de que no final dos anos 90,
se entendeu que um dos problemas que não estava resolvido ao nível da manutenção da
Comunidade Internacional, era a circunstância de haver crimes muito graves que ficavam
impunes. Então foi criado o Estatuto de Roma que tipificou quatro crimes: crimes contra a
Humanidade, crimes de guerra (não são ilícitos praticados durante a guerra, mas a declaração de
guerra em si mesma), crime de genocídio e crime de agressão. Entendeu-se que estes quatro tipos
de crimes não deveriam estar na absoluta disponibilidade dos Estados decidir punir ou não e, por
isso, em princípio compete aos Estados punir estes crimes, mas caso os Estados não possam ou
não queiram punir estes crimes, a Comunidade Internacional dispõe de uma instância, que é o
Tribunal Penal Internacional que pode julgar os autores destes crimes.
O artigo 7º, números 5 e 6, da Constituição Portuguesa é expressão da decisão de integrar na
Constituição Portuguesa, entre os seus princípios fundamentais, a integração na União Europeia.
De acordo com tais enunciados, a Constituição autoriza a participação de Portugal na União, ou
seja, consente a transferência de poderes para órgãos supranacionais. O artigo 8º trata das
consequências diretas da abertura de Portugal á Comunidade Europeia, que são as normas que
regem Portugal e que não são criadas por órgãos de soberania portuguesa. Por força deste
Princípio de abertura ao Direito Internacional, a Ordem Jurídica Portuguesa tem muitas normas
que não são da autoria de órgãos de soberania nacional, mas que devido á subscrição á Convenção
Internacional passam a sê-lo como uma lei da Assembleia da República.
Ao nível da União Europeia temos:

 Direito Primário – tratados, que são convenções Internacionais. Isto significa que são
textos acordados entre os Estados, que estes assinam e que são ratificados, e que vigoram
na Ordem Jurídica Portuguesa, a partir do momento em que Portugal ratifica (aprova) um
tratado. Isso acontece com qualquer tratado. (artigo 8º nº2)
 Direito Secundário essencialmente composto por dois tipos de normas emanadas pelas
Instituições Europeias: regulamentos e as diretivas. O Regulamento, é um ato da União
Europeia, que é diretamente aplicável nos 28 Estados Membros, o que significa que é um
ato normativo europeu que é publicado no Jornal Oficial da União Europeia e que é
aplicado diretamente. Um Regulamento não tem um ato mediador nacional, enquanto as
Diretivas pelo contrário são dirigidas aos Estados Membros da União Europeia, para que
estes façam a transposição da Diretiva. A transposição é cumprir a Diretiva convertendo-
a num ato de Direito Interno. O que vai vigorar em cada Estado é o ato Legislativo Interno
de transposição, que não é uma tradução da diretiva, mas é um modo pelo qual cada
Estado Membro se propõe atingir os objetivos da Diretiva. A União Europeia entende
que em relação a algumas matérias é conveniente uma margem de adaptação dos Estados
(Diretivas) e em relação a outras situações entende que é preferível exigir uma aplicação
uniforme em todo o espaço da União Europeia (Regulamento).

Organização do poder político e (ainda) alguns princípios fundamentais


A matéria relativa á organização do poder político que deve pautar-se pelo Princípio da
Separação de Poderes (Direito Constitucional Organizatório) encontra-se na Parte III.
Como é que a nossa Constituição dá resposta á organização do poder político, isto é, como é que
se formam os Órgãos Constitucionais, quais são esses Órgãos Constitucionais, quais são os
órgãos de soberania e que competências e funções é que têm, bem como se organizam e quais
são os procedimentos pelos quais exercem as funções que a Constituição lhes confia.
Direito Constitucional Organizatório – conjunto de princípios e regras constitucionais que
regulam a formação dos órgãos constitucionais – sobretudo dos órgãos de soberania – e respetivas
competências e funções, bem como a forma e procedimento da sua atividade.

Princípios Constitucionais Fundamentais relevantes que projetam a sua relevância no


domínio da organização do poder político:
– Princípio do Estado de Direito (artigos 2º e 108º da CRP) a ideia fundamental do Estado de
Direito é a sujeição do poder a normas jurídicas
– Princípio da separação de poderes (artigos 2º e 111º da CRP) – princípio basilar do Direito
Constitucional Organizatório.
– Princípio democrático (artigos 2º, 3º, 10º, 108º e 109º da CRP) – na Constituição Portuguesa
a organização do poder político é uma organização destinada ao respeito pela vontade popular,
ou seja, o respeito pelo Princípio Democrático.
Princípio da separação de poderes está previsto no artigo 2º da Constituição: – A República é
um Estado de direito “baseado no princípio da separação e interdependência dos poderes”. Este
princípio também está previsto parte da Constituição destinada á organização do poder político
(Parte III) no artigo 111º da Constituição.
Se as Constituições existem fundamentalmente para colocar limites ao exercício do poder, as
Constituições existem também para garantir o Princípio da Separação de Poderes, isto é, para
garantir que os poderes são efetivamente limitados, e que esses limites são controlados por
alguém. Não é possível pensar numa organização do poder político, em que o poder seja limitado
sem haver um Princípio de Separação e controlo mútuo dos poderes.
Este princípio consiste na distinção dos diversos poderes que o Estado deve exercer e na
atribuição a organismos diferentes, de todos esses poderes. O princípio da separação de poderes,
tem como ideia base, decompor o poder do Estado nas suas manifestações mais importantes, e
pensar qual é o órgão, sendo todos órgãos diferentes, que vai exercer essas funções do Estado.
Os autores clássicos que pensaram acerca do Princípio da Separação de Poderes, consideraram
este princípio com base numa separação tripartida dos poderes legislativo, executivo e judicial, e
depois pensaram na criação de um corpo organizativo adequado ao exercício de cada uma destas
funções. Deve ser criado um órgão ou órgãos que exercem determinadas funções, e que têm que
estar vocacionados e estruturados em função desse poder que lhes compete exercer. Para o
exercício do poder legislativo, entendeu-se que o órgão mais adequado é o órgão plural, em que
haja representação das diversas sensibilidades políticas, que se afirmam como mais adequadas
para o exercício da função legislativa, seja uma Assembleia, um Congresso ou Parlamento. Para
o exercício da função executiva ou administrativa, entende-se que o órgão mais adequado, é
aquele que tem uma estrutura hierarquizada e mantém uma estrutura coesa para o exercício da
função executiva, e responda às necessidades dos cidadãos através de uma organização
administrativa vocacionada para essa mesma função. O exercício da função judicial, entende-se
que essencialmente tem de ser entregue a órgãos (tribunais), em relação ás quais esteja garantida
a sua independência porque a independência é que vai predispor aquele órgão ao exercício da
função de resolver litígios entre as pessoas.
O princípio da Separação de Poderes postula que cada um destes poderes seja entregue a órgãos
diferentes, e que também esses órgãos estejam funcionalmente preparados para o exercício da
especificidade daquela função. Além disso, existe uma dimensão do Princípio da Separação de
Poderes, que é que não há separação e efetivo funcionamento da separação de poderes, se os
poderes existirem numa relação de abstração mútua. Só há separação de poderes, se os poderes
se controlarem uns aos outros, por isso é que a ideia de separação de poderes se associa sempre á
ideia de interdependência de poderes. Tanto no artigo 2º como no artigo 110º da Constituição se
refere que o princípio de separação de poderes subentende a interdependência dos poderes para
garantir que há um controlo mútuo entre os poderes.

Princípio democrático exige essencialmente a legitimação do poder, que em última instância, é


resultado da vontade popular. A soberania reside no povo, que a exerce nos termos previstos na
Constituição no artigo 3º, nº 1. Tal como o Princípio da Separação de Poderes, o Princípio
Democrático repete-se na Parte III da Constituição que se refere á organização do poder político.
O Princípio Democrático diz-nos que a vontade política é a vontade da maioria e este princípio
assenta no respeito pela maioria, e que a vontade da maioria é a vontade expressa segundo uma
conceção igualitária do povo, isto é, a maioria pressupõe, para a formação dessa vontade, que
cada uma das pessoas tem o mesmo poder na determinação da vontade final dos órgãos que
representam a soberania nacional (artigo 108º).
No entanto, o Governo Democrático não é apenas um Governo da maioria, e necessário que haja
respeito pelos princípios jurídicos e pelas minorias. A democracia é também um dever de respeito
pelas minorias e um dever de respeito da vontade das maiorias, mas nunca ignorando os princípios
fundamentais do Estado (artigo 114 nº 2). Ainda que a vontade da maioria seja, por exemplo, no
sentido de exterminar uma parte da população, isso não é aceitável porque desrespeita os
princípios Fundamentais do Estado. Essencial para a formação da vontade da maioria é o direito
ao sufrágio (escolha manifestada por votação) que tem de ser livre, igual, direto, universal,
periódico e secreto que são as condições de voto expressas no artigo 10º da Constituição. Por
exemplo, nos Estados Unidos o voto não é direto, mas sim indireto porque o voto de um indivíduo
que resida num Estado com uma menor densidade populacional tem maior valor do que o voto de
um indivíduo que viva num Estado com maior densidade populacional. Ao utilizar o voto indireto
não se está a respeitar a vontade da maioria. O voto indireto pode ser utilizado, contudo, desde
que haja uma justificação fundamentada.
Parte III da Constituição trata todas as matérias relacionadas com a organização do poder político.
Esta Parte da Constituição está dividida em 10 títulos:
 Princípios gerais – Princípio do Estado de Direito, Princípio Democrático e Princípio da
Separação de Poderes
 Presidente da República
 Assembleia da República Estrutura da Separação de Poderes
 Governo
 Tribunais
 Tribunal Constitucional
 Regiões autónomas
 Poder local
 Administração Pública
 Defesa Nacional

Os sistemas matriciais, ou seja, os sistemas inicialmente existentes para a organização do poder


político foram Parlamentarismo e o Presidencialismo

PRESIDENCIALISMO como é o caso Americano


onde o voto é indireto
POVO

Presidente Parlamento – exerce o


Chefe do Executivo, poder legislativo (no caso
exerce o poder executivo Americano é Congresso)

No Sistema Presidencialista, há dois órgãos com legitimidade democrática direta, ou quase


direta, que são o Presidente e o Parlamento. Os dois órgãos têm a mesma legitimidade e,
consequentemente, o Presidente não decide quem vai constituir o Parlamento nem pode dissolve-
lo, e o mesmo acontece com o Parlamento em relação ao Presidente (só a via do impeachment
pode permitir ao Parlamento destituir o Presidente). O Parlamento e o Executivo funcionam de
forma paralela, com legitimidade democrática, o que não significa que o Presidente não precise
do Parlamento e o Parlamento não precise do Presidente. O Presidente precisa do Parlamento para
realizar o seu programa político, precisa de ver aprovados determinados atos legislativos, e por
isso depende do poder legislativo que compete ao Parlamento. O Parlamento depende da
colaboração do Presidente para que os seus atos produzam efeitos, e existe a possibilidade de o
Presidente vetar atos do Parlamento.
como é o caso Britânico, Italiano,
PARLAMENTARISMO Espanhol onde as pessoas só votam
para o Parlamento
POVO

Elege

PARLAMENTO (poder legislativo)


Único órgão com legitimidade Democrática Direta

É em função da composição do Parlamento Nos Sistemas Parlamentares Republicanos,


que se forma o GOVERNO, que tem o poder há um PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
executivo. O Governo forma-se em função que não tem funções executivas. Este
dos resultados eleitorais parlamentares e em Presidente da República não é eleito pelo
função das maiorias que se formam no povo, é designado pelo Parlamento.
Parlamento em determinado momento. Isto é
assim, apenas nos Sistemas Parlamentares
Republicanos.

Portugal não se situa em nenhum dos sistemas matriciais de organização do poder político. Num
Sistema como o Português o povo é chamado a votar para o Parlamento e para o Presidente, e
aparentemente isto deveria significar que somos um Sistema Presidencial. Não somos um Sistema
Presidencial porque o Presidente não tem competência executiva. Das eleições para o Parlamento
decorre a formação de um Governo, e este Governo é o órgão que não tem legitimidade
democrática direta (não é votado diretamente pelas pessoas) mas que, há semelhança dos Sistemas
Parlamentares, espelha o resultado das Eleições Legislativas ou Parlamentares. O Governo exerce
competências executivas. Assim, o Sistema que regula o poder político em Portugal tem
semelhanças com o Sistema Presidencial, mas também tem semelhanças com o Sistema
Parlamentar. Como se designa o Sistema de Organização do Poder Político que vigora em
Portugal? Há uma designação que é o Semi-Presidencialismo. No entanto, há quem considere
que este nome transmite uma visão errada do Sistema que vigora em Portugal, porque este Sistema
(entende autores como Gomes Canotilho e Vital Moreira) tem mais afinidades com o Sistema
Parlamentar do que com o Sistema Presidencial, uma vez que o nosso Presidente da República
não chefia o Executivo. Esses autores consideram que o Sistema Português é de base Parlamentar
com elementos Presidenciais, mas o que define este Sistema é a base Parlamentar e não os
elementos Presidenciais. O Presidente da República tem essencialmente as funções dos
Presidentes da República dos Sistemas Parlamentares, ou seja, funções essencialmente
representativas. No entanto, também é característico dos Sistemas Semi-Presidenciais, até para
justificar a necessidade da sua eleição direta, atribuir aos Presidentes poderes mais significativos
que se traduzem, no poder da dissolução da Assembleia da República.
Este é um poder impensável em qualquer um dos Sistemas Matriciais:
 no Sistema Presidencial é impensável porque, com que legitimidade ia o Presidente
dissolver o Congresso, dado que ambos têm a mesma legitimidade democrática;
 no Sistema Parlamentar isto não teria qualquer sentido porque quem determina a entrada
em funções do Governo é o Parlamento, e o Parlamento é que escolhe o Presidente,
portanto o centro da vida política é o Parlamento, que pode por termo ao Governo, mas o
Presidente não tem legitimidade democrática direta para dissolver o Parlamento.
SISTEMA SEMI-PRESIDENCIAL
OU
SISTEMA DE BASE PARLAMENTAR COM ELEMENTOS PRESIDENCIAIS

POVO

Elege dois órgãos com legitimidade democrática direta

PRESIDENTE PARLAMENTO – das eleições para o


DA REPÚBLICA Parlamento decorre a formação de um
Governo, que não tem legitimidade
democrática direta

Nos sistemas Semi-Presidenciais o Presidente pode dissolver o Parlamento, se entender que a


solução Parlamento-Governo não está a funcionar. O Presidente da República tem a mesma
legitimidade política que o Parlamento, são ambos eleitos de forma democrática e direta, mas ele
tem a chave de poder dissolver o Parlamento.
O Governo só existe enquanto durar aquela Legislatura, o que significa que uma consequência
automática de o Presidente dissolver o Parlamento é convocar novas eleições. Com a entrada em
vigor do novo Parlamento, vai escolher-se o novo Governo. A Constituição, condiciona o ato de
dissolução a uma prévia audição de todos os partidos representados na Assembleia da República,
e a uma prévia audição do Conselho de Estado.

O artigo 110º da Constituição identifica os Órgãos de Soberania: Presidente da República,


Assembleia da República, Governo, Tribunais
Artigo 110.º - Órgãos de soberania
1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e
os Tribunais.
2. A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os
definidos na Constituição.

A configuração do Sistema Português ficou mais ou menos estabilizada em 1976, ou seja, desde
a Constituição de 1976 que as grandes opções constituintes são as mesmas e não sofreram grandes
alterações. O sistema sofreu, no entanto, algumas alterações, que não foram alterações estruturais,
mas que traduziram algumas mudanças no sistema:
 a 1ª Revisão Constitucional de 1982 foi a mais relevante do ponto de vista de alteração do
sistema político, porque de 1976 a 1982 existia entre os órgãos estaduais, o Conselho da
Revolução. O Conselho de Revolução é um órgão composto exclusivamente por militares, e
que tinha uma legitimidade revolucionária e não democrática, isto é, tendo sido um golpe
militar o que devolveu a liberdade e democracia a Portugal, os constituintes entenderam que
era conveniente que esse órgão perdurasse durante algum tempo, o que aconteceu até 1982,
ano em que o Conselho de Revolução foi extinto. Na substituição do Conselho de Revolução
foram criados dois órgãos: o Tribunal Constitucional e o Conselho de Estado. Além disso,
nesta Revisão Constitucional há um reforço da Assembleia da República e uma contenção
ligeira dos poderes Presidencias.
 Em 1989, a Constituição sofre uma ligeira alteração que foi a introdução da possibilidade de
referendos, de consultas populares a nível nacional. Na versão da Constituição de 1976 não
se previa a possibilidade de a Assembleia da República, sobre uma qualquer matéria, entender
devolver a decisão sobre essa matéria ao corpo eleitoral (povo). Esta possibilidade foi
introduzida em 1989 através da figura do referendo nacional.
 Têm havido algumas alterações Constitucionais que visam reforçar as autonomias dos Açores
e da Madeira, que se iniciaram em 1989.
 Na Revisão Constitucional de 1997, á figura do referendo, que já existia, acrescenta-se uma
outra possibilidade que é que o referendo não tem de ser decidido pela Assembleia da
República, podem ser os eleitores a propor a realização de um referendo. É introduzida a
possibilidade de os referendos terem iniciativa popular, assim como é criada a possibilidade
de os eleitores subscreverem uma iniciativa legislativa, isto é, se os eleitores entenderem que
deve haver uma lei sobre uma determinada matéria, podem propor isso à Assembleia da
República. Estes mecanismos visam enriquecer um Sistema de Democracia Representativa
com elementos de Democracia Semidirecta, isto é, elementos que permitem aos cidadãos
participarem e exercerem diretamente os poderes. Também foram realizadas algumas
alterações importantes para os portugueses residentes no estrangeiro, que de acordo com a
Revisão de 1988 não podiam participar dos referendos, e esta Revisão torna possível que os
portugueses residentes no estrangeiro possam participar nos referendos, e admite-se também
que participem nas eleições para o Presidente da República.
 A Revisão Constitucional de 1997 abriu a porta a uma alteração. A Assembleia da República
é constituída por 230 deputados que são eleitos através de círculos plurinominais. O país está
dividido em círculos que correspondem aos antigos distritos, e em cada distrito são eleitos
deputados. Cada lista apresentada a esse círculo eleitoral é uma lista que inclui vários nomes
ordenados pelo Partido, e depois a pessoa vota na lista do Partido que entender, elegendo com
isso, os deputados. A circunstância das listas serem plurinominais, apresentadas e ordenadas
pelos Partidos, faz com que as pessoas votem em deputados que não identificam ou
reconhecem, porque essencialmente o que fazem é votar em Partidos, querendo com isso
influenciar a formação do Governo. Para evitar essa situação nesta Revisão Constitucional
não se alterou este sistema, mas admitiu-se que o número de deputados pudesse ser inferior a
230 deputados. O número de deputados veio a ser definido entre 180 e 230 deputados, por
uma lei que veio a ser criado diminuindo o número de deputados, e admitiu-se que passassem
a conviver no sistema eleitoral círculos plurinominais e círculos uninominais, ou seja, as
pessoas quando votam, votam num partido, mas votariam também numa pessoa que
escolhiam como seu deputado, e por isso havia a conciliação entre a votação em lista
partidária e a votação em deputados individualmente considerados. A vantagem era aumentar
a proximidade entre eleitos e eleitores, as pessoas passariam a conhecer o seu representante,
pelo menos aquele em quem tinham votado na lista uninominal. Nenhuma destas
possibilidades foi introduzida na prática, apesar de permanecer a sua possibilidade na
Constituição. Os artigos 148 e 149 da Constituição contemplam estas possibilidades. Houve
uma reforma eleitoral, que iria resolver a distância entre representantes e representados,
porém, não foi feita a lei eleitoral que consumaria essa reforma.
 As Revisões Constitucionais mais recentes não tocaram fundamentalmente em matérias de
organização do poder político, mas focaram-se em matérias relacionadas com a limitação de
mandatos para os presidentes das Câmaras e Juntas. Em 2004 passou a existir a limitação dos
mandatos, os presidentes podem fazer três mandatos consecutivos, mas depois não de podem
apresentar novamente a eleições (Revisão Constitucional de 2004).

Porque é que Portugal em 1976 não criou um sistema parecido com aquelas que foram as
realidades constitucionais que nos inspiraram? Estas eram essencialmente a realidade alemã,
italiana e espanhola. Porque é que não se instituiu um Sistema Parlamentar Simples? As grandes
razões para isto são:
 Por um lado, tendo sido criada em 1976 uma Constituição Democrática, é normal que se tenha
pretendido criar um sistema muito centrado no Parlamento, isto é, restaurar a posição dos
Parlamentos enquanto órgãos democráticos por excelência e órgãos de representação
eleitoral. Isto podia justificar a opção contrária: porque é que não se optou por um Sistema
Parlamentar Puro? Há essencialmente duas razões históricas que podem justificar isso:
 Já tínhamos tido um Sistema Parlamentar Puro em Portugal, durante a Primeira
República. Na Primeira República, a Constituição de 1911 instituía um Sistema
Parlamentar Puro. Nos Sistemas Parlamentares Puros o povo só elege o Parlamento,
e depois o Parlamento, em função dos resultados parlamentares, escolhe o Governo
e elege o Presidente da República. Este sistema vigorou em Portugal de 1911 a 1926,
período de muita instabilidade política. Por isso, associava-se o Parlamento Puro ao
resultado de instabilidade política.
 O golpe de Estado que deu origem ao Estado Novo deu-se em maio de 1926. Nos
termos da Constituição de 1933 havia eleições para o Presidente da República. Foram
marcadas eleições Presidenciais para o ano de 1958, e nesse ano de 1958, é candidato
o General Humberto Delgado. Durante a campanha eleitoral, Humberto Delgado foi
confrontado com questões sobre o que é que faria caso viesse a ser eleito, e ele disse
que a primeira coisa que faria era demitir o Governo e o Primeiro-Ministro Salazar,
e exercer os poderes constitucionais tal como estes estavam previstos na Constituição
de 1933 (que era meramente semântica). A campanha de Humberto Delgado, teve
uma adesão popular enorme e houve uma votação massiva neste candidato. No
entanto, houve uma fraude eleitoral, e consequentemente, Humberto Delgado não foi
eleito, perdendo as eleições de acordo com os resultados eleitorais, e hoje é mais ou
menos certo afirmar-se que foi assassinado por agentes do Estado Português. Em
1959 deu-se uma Revisão Constitucional para acabar com a eleição direta do
Presidente, uma vez que, devido à eleição direta do Presidente, o Sistema Autoritário
do Estado Novo foi abalado em 1958. Isto fez com que, da parte da oposição
Democrática ao regime houvesse sempre a exigência de que viesse a ser restaurada a
Democracia. A oposição considerava que devia ser o povo a escolher o Presidente,
porque ainda havia a memória da possibilidade de escolher o Presidente,
possibilidade que afirmava a vontade popular. E, por isso, quando em 1974 se decide
que vai ser criada uma nova Constituição, e a Assembleia Constituinte é eleita em
1975 e começa a trabalhar, a decisão de que o Presidente da República havia de ser
eleito diretamente estava mais ou menos tomada, porque a oposição democrática ao
regime consistentemente exigia isso. Porque é que com esta decisão não se decidiu
optar por um Sistema Presidencialista? Um Sistema Presidencialista concentra o
poder numa só pessoa, o que não ia de encontro com aquilo que era o sentimento
político dominante na altura.

As normas que a Constituição Portuguesa dedica ao Presidente da República são as normas dos
artigos 120 a 146, sendo que os artigos 141 e 146 são dedicados a um órgão que existe na órbita
do Presidente, que é o conselho de Estado. O Conselho de Estado é um órgão não permanente,
um órgão consultivo do Presidente, que este pode convocar, quando assim entender, para ouvir
os seus conselhos. A nossa Constituição exige para alguns atos mais graves do Presidente, que
este não possa agir sem ouvir o Conselho de Estado.
Em traços Gerais podemos caracterizar o Presidente como:
- Tendo legitimidade democrática direta;
- Não tendo poderes gerais de direção política, não chefia o Governo, não é um órgão executivo.
Quem exerce o poder executivo é o Governo, que é um órgão autónomo do Presidente, mas é um
órgão em cuja constituição o Presidente da República intervém ao nomear o Primeiro-Ministro
que nomeia os Ministros que irão integrar esse Governo. Há uma intervenção direta do Presidente
na escolha do Governo.
- Para além disso, o Presidente da República é um órgão autónomo da Assembleia da República,
mas tem o poder de dissolução da Assembleia da República, isto é, o Presidente da República tem
a capacidade e o poder que a Constituição lhe confere, de decidir pôr termo à legislatura e
convocar novas eleições legislativas.
- Poderes especiais nas Relações Internacionais
- Poderes especiais na defesa nacional
- Presidente da República pode demitir o Governo, quando tal seja necessário para assegurar o
regular funcionamento das instituições democráticas

Artigo 120º define Presidente da República. O Presidente da República tem funções de:
Representação da República; Garantia da independência nacional; Garantia da unidade do Estado;
Garantia do regular funcionamento das instituições democráticas; Comandante Supremo das
Forças Armadas.
Artigo 120.º - Definição
O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional,
a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência,
Comandante Supremo das Forças Armadas.

O Presidente é eleito nos termos do artigo 121º, de forma direta por todos os portugueses, por
sufrágio universal, direto e secreto, que abrange todos os portugueses recenseados em território
nacional, e além disso, os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, desde que tenham laços
de efetiva ligação à Comunidade Nacional. No território nacional vota-se presencialmente e os
cidadãos portugueses residentes no estrangeiro podem votar, por exemplo, nos Consulados.
Artigo 121.º - Eleição
1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos
portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses
residentes no estrangeiro nos termos do número seguinte.
2. A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro,
devendo ter em conta a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional.
3. O direito de voto no território nacional é exercido presencialmente.

Quem é que pode ser eleito? As condições de elegibilidade estão previstas no artigo 122º. Para
ser eleito Presidente da República, tem que se ser português de origem e não português
naturalizado, com mais de 35 anos.
Artigo 122.º - Elegibilidade
São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos.

Pode ser-se candidato a Presidente da República por duas vezes consecutivas, mas não se pode
ser candidato três vezes, ou seja, uma pessoa só se pode apresentar a eleições duas vezes e se for
eleito em ambas à terceira vez, não se pode apresentar a eleições durante os 5 anos seguintes.
Depois disso pode apresentar-se novamente a eleições. É proibida a reeleição consecutiva por
mais de três vezes – Artigo 123º
Artigo 123.º - Reelegibilidade
1. Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio
imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.
2. Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não poderá candidatar-se nas eleições
imediatas nem nas que se realizem no quinquénio imediatamente subsequente à renúncia.

Ao contrário do que acontece nas eleições legislativas, onde as listas são partidárias, no caso das
candidaturas a Presidente da República as listas não são partidárias. As candidaturas a
Presidente da República são diretamente propostas pelos cidadãos, nos termos do artigo
124º. Quem controla as candidaturas é o Tribunal Constitucional. O candidato não pode ser
proposto por partidos. Mesmo os Presidentes que tenham um passado comprometido com
determinado partido, quando são eleitos, entregam o cartão partidário.
Artigo 124.º - Candidaturas
1. As candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de 7 500 e um
máximo de 15 000 cidadãos eleitores.
2. As candidaturas devem ser apresentadas até trinta dias antes da data marcada para a eleição,
perante o Tribunal Constitucional.
3. Em caso de morte de qualquer candidato ou de qualquer outro fato que o incapacite para o
exercício da função presidencial, será reaberto o processo eleitoral, nos termos a definir por lei.

Para a eleição do Presidente da República existe um Sistema eleitoral maioritário típico, isto é, é
eleito o candidato que tiver mais votos. Se não houver um candidato com a maioria absoluta dos
votos na primeira volta das eleições, os dois candidatos mais votados vão a uma segunda volta
das eleições e será eleito aquele que tiver mais de metade dos votos. Artigo 126º
Artigo 126.º - Sistema eleitoral
1. Será eleito Presidente da República o candidato que obtiver mais de metade dos votos
validamente expressos, não se considerando como tal os votos em branco.
2. Se nenhum dos candidatos obtiver esse número de votos, proceder-se-á a segundo sufrágio até
ao vigésimo primeiro dia subsequente à primeira votação.
3. A este sufrágio concorrerão apenas os dois candidatos mais votados que não tenham retirado a
candidatura.

Depois da eleição, o Presidente da República toma posse perante a Assembleia da República,


simbolizando a Assembleia da República todo o país, e jura cumprir a Constituição. Artigo 127º
Artigo 127.º - Posse e juramento
1. O Presidente eleito toma posse perante a Assembleia da República.
2. A posse efetua-se no último dia do mandato do Presidente cessante ou, no caso de eleição por
vagatura, no oitavo dia subsequente ao dia da publicação dos resultados eleitorais.
3. No ato de posse o Presidente da República eleito prestará a seguinte declaração de
compromisso:
Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender,
cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

O mandato tem uma duração de 5 anos. Se o Presidente cumprir os 5 anos cumpre-se o mandato
por completo. Se por alguma razão pessoal ou se morrer, o Presidente interrompe o mandato -
Artigo 128º
Artigo 128.º - Mandato
1. O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e termina com a posse do
novo Presidente eleito.
2. Em caso de vagatura, o Presidente da República a eleger inicia um novo mandato.
No entanto, o Presidente pode renunciar ao mandato. A renúncia dá origem a um novo processo
eleitoral, no qual o Presidente que renunciou não se pode apresentar a eleições. Artigo 131º
Artigo 131.º - Renúncia ao mandato
1. O Presidente da República pode renunciar ao mandato em mensagem dirigida à Assembleia da
República.
2. A renúncia torna-se efetiva com o conhecimento da mensagem pela Assembleia da República,
sem prejuízo da sua ulterior publicação no Diário da República.

A mais importante competência do Presidente da República tem a ver com o processo de formação
do Governo em que, nos termos da Constituição, o Presidente da República tem de facto um
conjunto de poderes importantes, que são aqueles que resultam da conjugação do que consta no
artigo 133º alíneas f) e h) e o artigo 187º da Constituição.
Artigo 133.º - Competência quanto a outros órgãos
Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos:
f) Nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º;
h) Nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro;
Artigo 187.º - Formação
1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos
representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
2. Os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta
do Primeiro-Ministro.
Da conjugação destas normas resulta que é ao Presidente da República que compete nomear
alguém para formar Governo, para ser Primeiro-Ministro. Para este efeito o Presidente tem de
ouvir todos os Partidos representados na Assembleia da República, e tem de ter em conta os
resultados eleitorais. Nos primeiros tempos da Democracia Portuguesa, na vigência da
Constituição de 1976, tivemos vários Governos de Iniciativa Presidencial, isto é, situações em
que o Presidente entendeu chamar para formar Governo, não o líder de um partido representado
na Assembleia da República, mas outra personalidade que entendia estar em condições para
formar Governo. Desde os anos 80, nunca mais tivemos um Governo de Iniciativa Presidencial,
tivemos sempre Governos que foram o resultado da escolha do Presidente, mas escolha essa,
condicionada por aquilo que era a vontade dos Partidos representados na Assembleia da
República. Apesar disso, a Constituição ainda prevê a possibilidade de um Governo de Iniciativa
Presidencial, mas na prática isto não se realiza.
O Presidente da República não tem poderes gerais de direção política, não tem funções de decidir
como vai ser a política na área da Segurança Social ou na área da Saúde. No entanto, há duas
áreas em particular em que o Presidente tem alguma interferência política, atendendo aquilo que
são as funções do Presidente da República elencadas no artigo 120:
 Enquanto representante da República, do ponto de vista das relações internacionais, o
Presidente da República tem algum poder, e por isso, ele tem poderes que lhe permitem, por
exemplo, ratificar convenções internacionais, acreditar (dar credibilidade) aos
representantes estrangeiros diplomáticos em Portugal e nomear os representantes
diplomáticos portugueses no Estrangeiro.
 Na área da Defesa Nacional enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, o
Presidente tem poderes especiais em matéria de defesa, nomeadamente, tem assento no
Conselho de Defesa Nacional e em tudo o que sejam questões de defesa o Presidente tem
uma voz ativa (isto não significa que substitua o Ministro da Defesa).

Poderes políticos importantes que o Presidente da República tem para além da nomeação
do Governo: o poder de demissão do Governo e o poder de dissolução da Assembleia da
República. Nos termos do artigo 195º nº 2 da Constituição, o Presidente da República pode por
termo ao mandato político do Governo.
Artigo 195.º - Demissão do Governo
2. O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para
assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.

De acordo com aquilo que é a alteração introduzida com a Revisão Constitucional de 1982, o
artigo 195º nº2, o Presidente só o pode fazer quanto tal seja necessário para assegurar o regular
funcionamento das instituições democráticas. A leitura do que seja necessário para assegurar o
regular funcionamento das instituições democráticas é a leitura que o Presidente fizer, por isso
em rigor é um poder bastante discricionário do Presidente de decidir ou não a demissão do
Governo. O Presidente também pode dissolver a Assembleia da República, artigo 133 alínea e),
observando o disposto no artigo no artigo 172, e ouvindo os partidos representados na Assembleia
da República e o Conselho de Estado. O artigo 172 refere que a Assembleia da República não
pode ser dissolvida nos seis meses posteriores á sua eleição, nem no último semestre do mandato
do Presidente da República, para evitar o vazio de poder. Á exceção destes dois elementos
temporais o Presidente pode dissolver a Assembleia da República, sem apresentar nenhum
motivo, desde que cumpra os dois requisitos procedimentais de ouvir os Partidos representados
na Assembleia da República e ouvir o Conselho de Estado.
Artigo 133.º - Competência quanto a outros órgãos
Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos:
e) Dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos
nela representados e o Conselho de Estado;
Artigo 172.º - Dissolução
1. A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição,
no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de
sítio ou do estado de emergência.
2. A inobservância do disposto no número anterior determina a inexistência jurídica do decreto
de dissolução.
3. A dissolução da Assembleia não prejudica a subsistência do mandato dos Deputados, nem da
competência da Comissão Permanente, até à primeira reunião da Assembleia após as
subsequentes eleições.

Qual é a diferença entre poder de demissão do Governo e poder de dissolução da Assembleia


da República? O poder de demissão do Governo não implica novas eleições, implica que se
encontre uma solução governativa dentro do quadro parlamentar existente. A dissolução da
Assembleia da República implica convocar novas eleições. Quando o Presidente da República
demite o Governo, a Assembleia da República fica intocada, os mandatos dos deputados mantêm-
se. Quando se dissolve a Assembleia da República isto implica que se realizem novas eleições
legislativas e que se forme um novo quadro parlamentar.

Porque é que num caso se chama poder de demissão e noutro caso se chama poder de
dissolução? Órgãos colegiais podem ser dissolvidos, órgãos pessoais não podem ser dissolvidos,
as pessoas é que se demitem.

As Funções Presidenciais definem-se mais pela negativa: por exemplo, no exercício da função
legislativa, o Presidente da República não legisla nem faz propostas legislativas, não tem poder
de intervenção. Os Poderes do Presidente da República são poderes negativos: poder de requerer
a fiscalização da Constitucionalidade Preventiva (artigo 278º) e Sucessiva (artigo 281)
(apreciação da Constitucionalidade antes e depois das normas entrarem em vigor,
respetivamente); e poder de voto. O Governo ou a Assembleia da República aprovam determinado
ato, mas o Presidente pode vetá-lo. O Presidente quando recebe um ato legislativo pode:
promulga-lo (artigo 136º), pedir a Apreciação Preventiva (artigo 278º) da Constitucionalidade ao
Tribunal Constitucional ou vetá-lo politicamente (artigo 136º). A única forma do Presidente
intervir para colmatar um vazio legal, que entenda existir, é pedir ao Tribunal Constitucional que
aprecie uma situação de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283º). O Presidente da
República não cria normas, não participa do processo de enriquecimento do Ordenamento
Jurídico.
No que diz respeito aos referendos quem os convoca é sempre o Presidente da República, a
Assembleia da República e o Governo podem propor, mas é o Presidente que decide convocar
referendos. O Presidente tem também uma função importante no sentido de nomear algumas
pessoas para cargos importantes, nomeadamente para os órgãos de Governo das Magistraturas,
os Conselhos Superiores de Magistraturas, e elege também membros para o Conselho de Estado.
A figura do Conselho de Estado está prevista nos artigos 141 e seguintes. O Conselho de Estado
tem membros: por inerência de funções (Presidente da Assembleia da República, Primeiro-
Ministro, Presidente do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Presidentes dos Governos
Regionais), os chamados membros honoríficos (antigos Presidentes da República), e há cinco
membros que são designados pelo Presidente e cinco que são eleitas pela Assembleia da
República – artigo 142º.

O Conselho de Estado tem funções de consulta política, mas o que o Conselho de Estado decide
não pode obrigar o Presidente a agir de uma determinada forma. O Presidente não fica vinculado
à decisão do Conselho de Estado.

ASSEMBLEIA DA RÉPUBLICA
A Assembleia da República é um órgão que está descrito na Constituição no artigo 147º como a
“assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses”. A Assembleia da República é um
órgão que se pretende que seja plural, onde todas as forças políticas que, consigam reunir o
número de votos necessários, podem ter os seus deputados a representá-las na Assembleia da
República. As eleições Legislativas têm listas que só podem ser apresentadas por Partidos
previamente constituídos. Não existem candidaturas independentes á Assembleia da República,
só pode haver candidaturas partidárias ou candidaturas de coligações partidárias.
Uma coligação partidária é uma aliança entre dois ou mais partidos políticos, normalmente de
ideias afins, para governar um país, uma região ou outra entidade administrativa.
Movimentos de cidadãos podem apresentar candidatura ás autarquias, mas não podem apresentar
candidatura às eleições legislativas.
É característica da Assembleia da República e a própria Constituição o afirma expressamente no
artigo 152º nº2, que os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos,
ou seja, o Princípio da Representação é um princípio que dá aos deputados uma vez eleitos
liberdade no exercício do mandato. Os deputados têm liberdade no exercício do seu mandato, e é
a própria Constituição que protege essa liberdade porque os deputados são eleitos por Partidos,
mas uma vez eleitos não estão vinculados, no exercício desse mandato, a ordens dos Partidos,
podem segui-las ou podem não as seguir. Os deputados podem desvincular-se dos Partidos pelos
quais foram eleitos, e manter o seu mandato de deputado. A Constituição protege os deputados e
a liberdade do seu mandato, de acordo com o previsto nos artigos 156, 157, 158 e 159 que preveem
os poderes dos deputados, as imunidades, os direitos e regalias dos deputados e os deveres dos
deputados, respetivamente. Os deputados só perdem os seus mandatos excecionalmente ou se
renunciarem voluntariamente aos seus mandatos ou se se verifica uma das circunstâncias previstas
no artigo 160º nº 1. Se um deputado se desvincular do seu Partido isso não implica perda do
mandato, só implica perda de mandato se se inscrever num Partido diverso. A circunstância dos
deputados apresentaram uma excessiva submissão ás disciplinas partidárias impostas é um dos
fatores salientado como contribuindo para a desvalorização do Parlamento, isto é, a ausência de
vozes próprias e independentes no Parlamento e o facto de os deputados muitas vezes se limitarem
a cumprir as diretivas Partidárias esvazia de sentido as funções que compete ao Parlamento
desempenhar.
O país está dividido em círculos eleitorais, correspondendo cada círculo aos antigos distritos,
existindo ainda um círculo eleitoral da Madeira, um círculo eleitoral dos Açores, um círculo
eleitoral dos portugueses residentes na Europa (elege 2 deputados) e um círculo eleitoral para os
portugueses residentes fora da Europa (elege 2 deputados). Cada círculo eleitoral apresenta um
número de mandatos que lhe compete eleger. As listas para cada um destes círculos são listas
plurinominais, isto é, os diversos Partidos apresentam listas com um conjunto diversificado de
nomes. No nosso Sistema são os Partidos que definem a ordem em que cada um dos deputados
se encontra, o que significa que quando se vota num determinado Partido, não podemos escolher
o deputado do Partido que vai ser eleito com o nosso voto. Existem países onde existe voto
preferencial e as pessoas podem escolher dentro da lista Partidária o deputado que querem eleger,
mas no Sistema Português vota-se apenas no Partido. Os círculos são de tamanho muito
diferenciado. É em função da População residente que se decide o número de deputados que cada
círculo eleitoral elege, e as assimetrias populacionais em Portugal refletem-se no número de
deputados que cada círculo elege: por exemplo o território de Lisboa é inferior ao território de
Bragança, no entanto como a densidade populacional de Lisboa é superior, Lisboa elege muitos
mais deputados do que Bragança. Assim, as escolhas eleitorais efetivas são diferentes nos círculos
eleitorais pequenos e grandes. Nos círculos eleitorais grandes os Partidos pequenos têm alguma
possibilidade de eleição o que não acontece nos círculos eleitorais pequenos. As listas
apresentadas pelos Partidos são fechadas, os cidadãos não têm a possibilidade de alterar a
composição da lista ou inverter a ordem.
O apuramento de votos é feito segundo um sistema proporcional, o sistema da média mais alta
de Hondt. Por exemplo: apuram-se todos os votos, e conclui-se que o Partido mais votado tem
1200 votos, o seguinte tem 800 votos. Se naquele círculo eleitoral existirem três mandatos para
aplicar, aplica-se a fórmula matemática para saber quantos deputados elege cada Partido. O
círculo eleitoral de Lisboa elege mais de 50 deputados, e nesse círculo eleitoral pode ocorrer a
situação de um deputado ter uma votação muito boa neste círculo eleitoral, e no resto do país ter
uma votação inexpressiva, como por exemplo 1% dos votos. Esse deputado pode ser eleito pelo
círculo eleitoral de Lisboa. Na Alemanha existe a cláusula-barreira, que significa que nenhum
partido com menos de 5% dos votos pode eleger deputados. Na Constituição Portuguesa, o artigo
152º nº1 exclui a cláusula-barreira. Em Portugal, qualquer força política que tenha condições para
obter o mandato, ainda que em termos nacionais não tenha uma votação expressiva pode eleger
deputados.
Características da Assembleia da República:

 O Parlamento (Assembleia da República) é um órgão unicameral, só existe uma câmara. Em


muitos países existem duas câmaras como o Senado e a Assembleia dos Representantes, por
exemplo.
 Assembleia da República é um órgão colegial, isto é, a Assembleia é composta pela
pluralidade dos deputados e todos os membros têm igual valor e poderes. O órgão funciona
ou pode funcionar em Plenário (o conjunto de todos os deputados) ou em comissão. Existem
dez comissões permanentes no Parlamento que tratam das mais variadas matérias discutidas
no Parlamento, como a Comissão da Agricultura ou Comissão com competência em matéria
financeira e orçamental. O trabalho das comissões é o trabalho mais árduo dos deputados, o
trabalho do hemiciclo (Plenário) está limitado a decisões mais simbólicas de forma não tão
aprofundada. As decisões mais importantes têm de ser tomadas em plenário. Existem
comissões permanentes criadas no início da Legislatura e que vão acompanhar durante aquela
Legislatura a atividade do Parlamento e a atividade do Governo. Podem existir comissões
eventuais para discutir um problema qualquer que se entende que deve ser tratado numa
convenção eventual: por exemplo: Portugal vai integrar uma Convenção Internacional sobre
o Combate á Criminalidade e se entende que é útil uma Comissão só para essa questão. As
comissões de inquérito destinam-se a apurar responsabilidades políticas relativas a uma
questão em concreto.
 Assembleia da República é órgão autónomo o que significa que tem as suas próprias regras
que constam do Regimento da Assembleia da República, que é um instrumento adotado pela
Assembleia para definir as suas regras de funcionamento.
 A Assembleia elege o Presidente da Assembleia da República e quem vão ser os deputados
que integram a Mesa da Assembleia.
 A Assembleia da República tem autonomia administrativa e financeira que é garantida pelo
orçamento próprio da Assembleia.
 A Assembleia da República é um órgão permanente (artigo 179º) o que nem sempre
aconteceu. Durante muito tempo os Parlamentos foram órgãos de soberania que não tinham
uma existência permanente, os deputados reuniam alguns meses num ano para tratar de
questões relevantes como a aprovação de leis, e depois cada um voltava á sua vida
profissional.

Funções da Assembleia da República:

 Fiscalização / controlo político do Governo. A vigilância do Parlamento relativamente


á atuação do Governo traduz-se num conjunto de mecanismos:
 Perguntas e interpelações ao Governo
 Inquéritos Parlamentares
 Apreciação do programa do Governo (artigo 192º). Nenhum Governo entra em
funções sem passar pela fiscalização da Assembleia da República quanto ao seu
programa de Governo.
 Moções de censura (artigo 194º). Da aprovação de moções de censura resulta a
demissão do Governo, ou seja, a permanência do Governo em funções depende
da vontade da Assembleia da República. Para as Moções de Censura serem
aprovadas é necessária a maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções (116 deputados).
 Moções de confiança (artigo 193º). O Governo pode pedir á Assembleia da
República que lhe de um voto de confiança, se a maioria que o apoia no
Parlamento não for expressiva. A apresentação de uma Moção de Confiança
obriga todos os Partidos a pronunciarem-se no sentido do Governo continuar ou
não em funções. Moções de censura são de iniciativa dos deputados, e a Moções
de Confiança são de iniciativa do Governo.
 Orçamental. É ao parlamento que compete a aprovação do Orçamento (artigo 161º g)).
A proposta de Orçamento é elaborada pelo Governo que a submete à Assembleia da
República para que esta aprove. O poder de aprovação do Orçamento de Estado é um
poder parlamentar, mas este é um poder que se tem esvaziado porque hoje a função
orçamental é controlada pela União Europeia. A proposta do Governo dificilmente é
alterada pela Assembleia da República, porque a proposta do Governo já obteve o acordo
internacional e porque a proposta é tão complexa que se a Assembleia da República
quisesse aprovar cada uma das opções orçamentais precisaria de vários anos para discutir
o Orçamento de Estado. O Poder Orçamental é assim mais simbólico do que real porque
quem aprova e decide o Orçamento não é a Assembleia da República.
 Eletiva (artigo 163º g) e h)) Há muitos órgãos que são escolhidos pela Assembleia da
República:
 Tribunal Constitucional. Dez dos juízes que constituem o Tribunal
Constitucional são eleitos pela Assembleia da República.
 Provedor de Justiça
 Conselho de Estado que é constituído por membros por inerência, antigos
Presidentes da República (membros vitalícios), cinco membros designados pelo
Presidente e cinco membros designados pela Assembleia da República.
 Entidade Reguladora da Comunicação Social
 Conselho Económico e Social
 Legislativa e Constitucional (artigo 161º a), b) e c) – artigo 161 c) remete para artigos
164º e 165º). O poder fundamental dos Parlamentos é o poder Legislativo, mas hoje esse
poder tende a ser subalternizado. Os Parlamentos são cada vez menos órgãos legislativos
porque o seu poder legislativo se esvaziou porque grande parte da legislação não é
aprovada em Portugal, mas sim na União Europeia. Por outro lado, em Portugal o
Governo tem amplos poderes legislativos, por isso a função legislativa da Assembleia
está reservada para um conjunto de matérias que se entendem mais sensíveis do ponto de
vista político. A função legislativa consiste na aprovação de leis, e a função constitucional
consiste na revisão Constitucional. Nos artigos 164 e 165 especificam-se as funções
legislativas da Assembleia da República. O artigo 164 trata das matérias de reserva
absoluta de competência legislativa, que são matérias sobre as quais só a Assembleia da
República pode legislar. O artigo 165 trata das matérias de reserva relativa de
competência legislativa, que são matérias sobre as quais pode a Assembleia da República
legislar ou pode autorizar o Governo a legislar.

GOVERNO
O Governo está descrito no artigo 182º da Constituição. É o órgão constitucional a quem
compete a condução da política geral do país e a execução das leis através do exercício de
poderes de direção, supervisão e tutela na Administração Pública. A Administração Pública é
uma estrutura hierarquizada cujo topo está no Governo.
Composição do Governo (artigo 183º): Primeiro-Ministro, Vice-Primeiro(s)-Ministro(s) (se
existirem, pois podem não existir), Ministros (os Ministros que o Primeiro-Ministro entenda que
são importantes para organizar o órgão Executivo, não existe um número definido de Ministros),
Secretários de Estado, Sub-secretários de Estado.
Características do Governo em Portugal:
 Órgão constitucional autónomo. Não é assim no Sistema Presidencial, onde quem
exerce a função executiva, a função de direção política e a função de órgão que dirige a
Administração Pública é o Presidente.
 Órgão colegial á semelhança da Assembleia da República, mas é um órgão colegial
complexo. Enquanto que na Assembleia da República temos 230 deputados e o poder de
deliberação está distribuído equitativamente entre os 230 deputados, no Governo isto não
é assim, o Primeiro Ministro, por exemplo, tem algumas competências só dele assim
como, o Conselho de Ministros – artigo 184º - (formação colegial do Governo). O
Governo pode ter várias formações e várias fases e no exercício das suas competências o
Governo não exerce essas competências sempre colegialmente.
 Órgão Solidário, característica que resulta do artigo 189º da Constituição. Ao contrário
do que acontece na Assembleia da República que é um órgão colegial, e onde reina a
pluralidade de opiniões, a divergências, a oposição de interposições entre as diversas
perspetivas de cada um dos deputados, o Governo é um órgão que tendo funções de
copula da Administração Pública e de direção politica do país, tem de ser um órgão coeso,
e por isso, o Programa do Governo e as deliberações do Conselho de Ministros vinculam
todos os Ministros. Todos os Ministros têm que solidariamente a acompanhar essas
deliberações e esse Programa.
 Órgão hierarquicamente organizado. Os membros do Governo não estão numa posição
paritária, uns para com os outros, ao contrário do que acontece na Assembleia da
República.

Formação do Órgão – artigo 187º


Nomeação do Primeiro Ministro é feita pelo Presidente da República atendendo aos resultados
das eleições legislativas. Os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da
República por indicação do Primeiro Ministro.
Posição de preeminência do Primeiro Ministro no conjunto do Governo (artigo 201º): poder de
escolha dos outros membros do Governo; Poder de direção do Conselho de Ministros; Poder de
direção política geral (e não sectorial); Responsável pela conexão com outros órgãos e instituições
externas.
Relações com outros Órgãos (artigo 190º)
Responsabilidade política perante a Assembleia da República. Os mesmos poderes que
permitem a fiscalização da Assembleia da República sobre o Governo, obrigam o Governo a
responder perante a Assembleia da República

 Apreciação do Programa do Governo (artigo 192º)


 Apreciação de voto de confiança (artigos 193º, 195º nº1 e))
 Moções de censura (artigos 194º, 195º nº1 f))
 Perguntas, interpelações ao Governo e debates parlamentares (artigos 156º c), d), e), f),
177º nº2, 180º nº2 c) e d))
 Inquéritos parlamentares (artigo 178º)
Responsabilidade política perante Presidente da República. O Governo é obrigado a informar
o Presidente da República sobre a condução da política geral do país. Além disso, no nosso
Sistema o Presidente da República tem o poder de demissão do Governo sem concomitantemente
dissolver a Assembleia da República

 Poder de o Presidente da República pedir contas ao Primeiro Ministro (artigo 201º c))
 Poder de o Presidente da República demitir o Governo (artigo 195º nº2)

Poderes do Governo (artigos 197º a 199º):

 Poder de direção política


 Definir objetivos e decidir da alocação de meios à sua realização, através de
planos, programas, cooperação internacional ou outros meios.
 Negociar convenções internacionais.
 Poder administrativo
 O governo é o órgão de cúpula da Administração, a quem compete executar as
decisões constantes de actos legislativos, programas ou planos de Governo
 Executa o Orçamento
 Adapta as leis ás circunstâncias concretas a que vai ter aplicação através de atos
Regulamentares, como Portarias.
Poder legislativo previsto no artigo 198º da Constituição, onde se preveem três domínios
de competência legislativa do Governo:
 Domínios de competência legislativa concorrente, prevista no artigo 198º nº1
alínea a. Fora das matérias que sejam competência reservada da Assembleia da
República, o Governo pode fazer decretos-leis.
 Domínios de competência derivada ou dependente. Domínios em que quer o
Governo, quer a Assembleia da República concorrem para a obtenção do poder
legislativa, podendo ambos legislar. Quem legisla sobre estas matérias pode ver
a sua legislação revogada pelo outro órgão.
 Domínios de competência exclusiva do Governo, prevista no artigo 198 nº 2.
Quem decide quantos Ministérios ou quantas Secretarias de Estado vão existir é
o Governo, não pode ser decidido pela Assembleia da República.
A repartição de Competências Legislativas entre a Assembleia da República e o Governo
Em Portugal há três entidades com competência Legislativa: a Assembleia da República, o
Governo e as Assembleias Legislativas Regionais (dos Açores e da Madeira). A Assembleia da
República quando legisla, legisla para todo o território nacional, diferentemente as Assembleias
Legislativas Regionais emitem leis que valem apenas na respetiva região. Há uma diferença
substantiva entre aquilo que são as leis gerais da República e aquilo que são as leis de âmbito
regional, por exemplo, no domínio criminal não podem haver Decretos Legislativos Regionais.
As Assembleias Legislativas Regionais tratam da adaptação das leis gerais da República á
condições dos arquipélagos. As normas da Assembleia da República e do Governo são normas
que têm validade em todo o território e que abrangem os aspetos fundamentais da República. A
Assembleia da República produz leis, o Governo produz decretos-lei.
Nos termos do artigo 161º c), a Assembleia da República pode legislar sobre todas as matérias
salvo as matérias reservadas pela Constituição ao Governo. As matérias reservadas pela
Constituição ao Governo são as do artigo 198º nº 2, que são da competência exclusiva do
Governo. A Assembleia da República tem competências diferenciadas, nos termos do artigo 164º
há matérias que são da reserva absoluta, isto é, só a Assembleia da República é que pode legislar.
Existem matérias de reserva relativa que estão previstas no artigo 165º, que são matérias que
compete á Assembleia da República legislar, mas excecionalmente o Governo, desde que tenha
uma prévia autorização do Parlamento, também pode legislar sobre estas matérias. Fora deste
domínio de reserva relativa quer a Assembleia da República, quer o Governo têm poder
legislativo. O Governo tem o poder legislativo que advêm do artigo 198º nº 1 alínea a, e a
Assembleia da República tem o poder legislativo que advêm do artigo 161 alínea c. O domínio
que não pertence nem á reserva da Assembleia da República, nem á competência exclusiva do
Governo é o domínio de competência concorrencial. Sabemos se uma matéria pertence à
competência concorrencial do Governo e da Assembleia da República, verificando se essa matéria
consta das reservas da Assembleia da República ou da reserva do Governo, ou seja, as matérias
que não constam dos artigos 164º, 165º ou 198º nº2. Por conjugação do artigo 161º alínea c) e
artigo 198 nº1 alínea a), conclui-se que quer a Assembleia da República, quer o Governo são
competentes para emitir atos legislativos sobre essa matéria. A Constituição garantiu uma função
proeminente á Assembleia da República ao reservar algumas matérias mais sensíveis e
determinantes do ponto de vista político para a Assembleia da República legislar, e fê-lo através
de dois instrumentos: a reserva absoluta e a reserva relativa. A reserva absolta, reserva em
absoluto as matérias á intervenção legislativa da Assembleia da República (artigo 164º) e a reserva
relativa, que reserva as matérias em princípio à Assembleia da República, mas dando a
possibilidade da Assembleia de legislar ou conceder autorização legislativa ao Governo. O
Governo pode legislar em princípio com liberdade sobre as matérias que não constam dos artigos
164º e 165º, mas segundo o artigo 198º nº 1 b) o Governo pode excecionalmente legislar sobre as
matérias de reserva relativa da Assembleia mediante autorização desta. Quando a Assembleia da
República emite uma lei de autorização pede ao Governo que apresente logo qual é o decreto-lei
que está a pensar fazer com base naquela lei. Na prática há um controlo muito intenso por parte
da Assembleia da República, sobre a forma como o Governo utiliza os seus poderes legislativos
autorizados. Nos artigos 164º alínea i) e 165º alíneas f), g), n), t), u) e z), verificamos que a reserva
prevista nestas normas não abrange todo o regime jurídico, mas abrange apenas o regime jurídico
relativamente às opções políticas fundamentais ou básicas, às grandes diretrizes que devem reger
essas matérias. Nestas alíneas não se aplica uma reserva de regime mas uma reserva restrita às
bases, isto é, nas situações em que a reserva parlamentar se restrinja ás bases, estas bases depois
são desenvolvidas pelo Governo e eventualmente, pelas Assembleias Legislativas Regionais -
artigo 198º nº1 alínea c).
Na nossa Constituição a matéria de Direitos Fundamentais é essencial e o catálogo de Direito
Fundamentais é muito extenso, rico e variado. O artigo 16º nº1 da Constituição prevê a cláusula
aberta dos Direitos Fundamentais, ou seja, para além dos Direitos Fundamentais que constam do
catálogo pode haver outros Direitos Fundamentais de fonte legal ou de fonte de Direito
Internacional. Na Constituição existe uma distinção entre dois tipos de Direitos Fundamentais: os
Direitos, Liberdades e Garantias e os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Todos os direitos
existem na relação do indivíduo com a Comunidade. No domínio de Direitos, Liberdades e
Garantias, temos uma exigência do indivíduo face ao Estado no sentido de este não interferir ou
condicionar a liberdade das pessoas. Quando os cidadãos invocam Direitos, Liberdades e
Garantias pedem que o Estado não interfira, que o Estado não venha manifestar ingerências no
seu espaço de liberdade. Pelo contrário, quando falamos de direito á saúde os indivíduos não
pedem ao Estado uma abstenção, mas uma ação, uma prestação concreta que dê conteúdo a este
Direito. Nos Direitos de Liberdades e Garantias a relação entre o indivíduo e o Estado é uma
relação onde o indivíduo quer proteger a sua liberdade de ingerências do Estado, pedindo ao
Estado que se abstenha de intervir no seu espaço de liberdade. Nos Direitos Económicos, Sociais
e Culturais o indivíduo exige uma ação do Estado, exige prestações que satisfaçam os seus
Direitos Fundamentais.

Controlo da Constitucionalidade
O artigo 221º define Tribunal Constitucional. Tribunal Constitucional é composto por treze
juízes, constituição que se encontra prevista no artigo 222º. Dos juízes que constituem o Tribunal
Constitucional: dez são designados pela Assembleia da República, e três são
cooptados/escolhidos pelos restantes juízes. Nos termos do artigo 222º nº 2 todos os juízes do
Tribunal Constitucional têm de ser juristas, sendo que, obrigatoriamente 6 juízes têm de ser juízes
dos restantes tribunais e juristas. O mandato doi juízes do Tribunal Constitucional é de 9 anos
(após a revisão constitucional de 1997), artigo 222º nº3, não podendo haver renovação do
mandato. Até 1997 os juízes do Tribunal Constitucional tinham mandatos de 6 anos que podiam
ser renovados, entendeu-se que isso era prejudicial para a imparcialidade dos juízes, e na revisão
constitucional de 1997 isso acabou. O Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional
são eleitos entre os seus pares e o Presidente tem assento no Conselho de Estado.
A função essencial do Tribunal Constitucional é fiscalizar a constitucionalidade das normas. Do
artigo 3º nº3 podemos concluir que se um ato for inconstitucional é nulo, e a função do Tribunal
Constitucional é a função de vigiar para que normas desconformes á Constituição não sejam
válidas.
O nosso Sistema de fiscalização da constitucionalidade é um sistema em que existe um Tribunal
Constitucional, mas ele não é o único com competências para a fiscalização da
constitucionalidade também os outros tribunais podem controlar a constitucionalidade das
normas. O artigo 204º a Constituição dá a todos os tribunais o poder de recusar a aplicação de
normas contrárias á Constituição. No Sistema Português qualquer tribunal tem o poder de recusar
a aplicação de uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade. As decisões dos
tribunais em matéria de constitucionalidade são recorríveis para o Tribunal Constitucional.
O sistema de fiscalização concreta (artigo 280º) da constitucionalidade convive com o sistema
de fiscalização abstrata (artigos 278º e 281º) da constitucionalidade. Na fiscalização abstrata da
constitucionalidade o Tribunal Constitucional é confrontado com uma norma independentemente
da sua aplicação a um caso concreto. Por exemplo, o Governo decide criar um novo tipo de crime,
como a corrupção desportiva, criando um decreto-lei. Este decreto-lei é inconstitucional porque
o Governo não tinha competência para criar esta norma, a não ser que tivesse uma lei de
autorização prévia. Supondo que o decreto-lei é publicado no Diário da República, e há um
sentimento generalizado de que esta norma deve ser alvo de fiscalização pelo Tribunal
Constitucional, para que este torne evidente a inconstitucionalidade subjacente. Isto pode chegar
ao Tribunal Constitucional por duas vias: pode chegar ao Tribunal Constitucional porque há um
conjunto de entidades que a Constituição prevê que podem levar diretamente esta questão ao
Tribunal Constitucional (Presidente da República, Provedor de Justiça, …) ou, então, pode chegar
ao Tribunal Constitucional envolvido numa situação concreta, situação em que por exemplo o
senhor A é acusado de corrupção desportiva, onde a pessoa A pode alegar que a norma pela qual
está a ser acusado é inconstitucional, e portanto não é válida, e o senhor A tem de ser absolvido.
A norma que criminaliza a corrupção desportiva pode chegar ao Tribunal Constitucional por uma
via de fiscalização abstrata onde, por exemplo, o Presidente da República tem conhecimento da
norma e envia-a para o Tribunal Constitucional para esta ser apreciada, ou porque num caso
concreto em que a norma iria ter aplicação é invocada a sua inconstitucionalidade. Em qualquer
processo podem colocar-se questões de inconstitucionalidade, só que nesses casos essas questões
não se colocam em abstrato, mas nos casos concretos a que as normas têm aplicação – fiscalização
concreta. Na fiscalização abstrata a norma é apreciada independentemente de qualquer caso a que
ela possa eventualmente ter aplicação. Nos casos de fiscalização concreta a norma é apreciada
quanto á sua constitucionalidade, porque essa questão de constitucionalidade se suscitou num
caso concreto, e é relevante para a solução do caso concreto.

Controlo abstrato: a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita


independentemente de qualquer litígio concreto.
→ controlo direto/por via principal: permite-se a determinadas entidades a impugnação
de uma norma inconstitucional, independentemente da existência de qualquer controvérsia a
que a norma tenha aplicação.
No controlo por via de incidente: a inconstitucionalidade só pode ser invocada no decurso de
uma ação submetida à apreciação dos Tribunais. A questão da inconstitucionalidade é discutida
na medida em que seja relevante para a decisão do caso concreto.

O Tribunal Constitucional pode ter quatro tipos de competências de fiscalização de


Constitucionalidade:

 Controlo preventivo - controlo feito antes das normas entrarem em vigor. Quando uma
norma é aprovada, o Presidente da República pode promulgar ou vetar. Antes de promulgar
o Presidente da República pode pedir ao Tribunal Constitucional que aprecie preventivamente
a constitucionalidade da norma. O controlo preventivo da constitucionalidade é a
possibilidade que é dada ao Presidente da República (ou no caso dos Decretos Legislativos
Regionais, aos Representantes do Presidente da República nas regiões autónomas) de antes
de uma norma entrar em vigor, a fiscalizarem quanto á sua constitucionalidade. A fiscalização
preventiva é necessariamente abstrata porque a norma ainda não terminou o seu processo de
criação, estamos perante normas que só podem ser objeto de controlo abstrato porque são
normas que ainda não entraram em vigor.
 Controlo sucessivo – relativamente a uma qualquer norma que esteja em vigor há um
conjunto de entidades que pode pedir a respetiva fiscalização de constitucionalidade
(Presidente da República, Provedor de Justiça, Procurador Geral da República). Por exemplo:
o exercício sobre os prémios dos atletas paraolímpicos chegou ao Tribunal Constitucional, o
Procurador-Geral da República teve dúvidas sobre se a norma era compatível com a
Constituição e submeteu-a ao controlo por parte do Tribunal Constitucional. Esta norma
estava em vigor e estava a ser aplicada e nem existiu um litígio em Tribunal por causa desta
norma, mas uma entidade suscitou o controlo sucessivo abstrato desta norma.
 Controlo da inconstitucionalidade por omissão – eventual violação de normas
constitucionais, não por ação do legislador, mas por omissão do legislador. Por exemplo:
supondo que a norma constitucional que consta do artigo 35º da Constituição existe, mas o
legislador não criou essa lei. Os direitos podem ser exercidos sem lei? Nestas situações o
incumprimento da Constituição não se relaciona com uma ação desconforme da Constituição,
mas está relacionada com a inércia ou omissão do legislador, tendo como consequência deixar
as normas constitucionais sem exequibilidade.
 Recursos de constitucionalidade – voltando ao caso do senhor A que é acusado do crime de
corrupção desportiva, e invoca a inconstitucionalidade da norma que tipifica este crime. O
Tribunal ou decide usar o poder que o artigo 204º lhe confere, recusando a aplicação da
norma, absolvendo o senhor A, ou decide que a norma não é inconstitucional e aplica-a, e
admitindo que estão reunidas as circunstâncias suficientes que permitem punir o senhor A. O
senhor A, se for absolvido não vai recorrer, mas se não for absolvido vai recorrer e no limite
pode recorrer para o Tribunal Constitucional, uma vez que se suscitou uma questão de
inconstitucionalidade naquele processo, a decisão que o Tribunal venha a tomar naquele
processo é suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional.

Fiscalização Preventiva
Na Fiscalização prevista na Constituição nos artigos 278º e 279º, o objeto de controlo da
constitucionalidade são normas imperfeitas. Normas imperfeitas são normas cujo processo
legislativo ainda não terminou, são normas alvo de controlo de constitucionalidade apesar de o
seu processo de criação ainda não estar concluído, não estar perfeito. A fiscalização preventiva,
por definição, pretendendo prevenir inconstitucionalidades tem por objeto normas imperfeitas.
Normas imperfeitas já foram aprovados pelo órgão próprio, ou a Assembleia da República ou o
Governo (Conselho de Ministros), mas ainda não foram promulgadas pelo Presidente, nem foram
publicadas em Diário da República, são normas que ainda estão em processo de criação.
Nos termos do artigo 278º nos 1 e 2, nem todas as normas podem ser alvo de fiscalização
preventiva, só as normas mais importantes do Ordenamento Jurídico (tratados internacionais, leis,
decretos-lei, acordos internacionais, decretos legislativos regionais). Nota: regulamentos não
são leis, não podem ser submetidos a fiscalização preventiva.
Artigo 278.º - Fiscalização preventiva da constitucionalidade
1. O Presidente da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva
da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado internacional que lhe tenha sido
submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou
como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido
para assinatura.
2. Os Representantes da República [Representantes do Presidente na República nas regiões
autónomas] podem igualmente requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional que lhes tenha
sido enviado para assinatura.
Quem pode requerer a apreciação preventiva? O controlo não obrigatório, é promovido pela
entidade à qual incumbe a ratificação, promulgação ou assinatura do diploma normativo: o
Presidente da República ou, no tocante a normas regionais, o Representante da República na
Região Autónoma em causa.
Esta fiscalização tem a sua tramitação tratada numa lei própria que é a lei do Tribunal
Constitucional, artigos 57º a 60º. Na Constituição estão tratados aspetos de tramitação
relacionados com prazos: nos termos do artigo 278º nº 3 o Presidente da República quando recebe
um ato para promulgação tem oito dias para pedir ao Tribunal Constitucional o controlo da
constitucionalidade. Nos termos do artigo 278º nº 8, o Tribunal Constitucional tem vinte e cinco
dias para responder, mas por uma questão de urgência o Presidente da República pode pedir para
encurtar a decisão.
Os efeitos da fiscalização abstrata e preventiva estão previstos no artigo 279º da Constituição.
Neste artigo preveem-se as situações em que o Tribunal Constitucional efetivamente entende que
há inconstitucionalidade, não está aqui prevista a possibilidade do Tribunal Constitucional
entender que não há inconstitucionalidade da norma. Suponto que o Presidente da República teve
dúvidas quanto á constitucionalidade da norma e o Tribunal Constitucional entendeu que as
dúvidas do Presidente não têm razão de ser, e que a norma não é inconstitucional, nesta situação
o Tribunal Constitucional remete a decisão ao Presidente da República, e o Presidente ou
promulga ou veta por razões políticas. No artigo 136º nº 1 refere-se que o Presidente da República
perante uma decisão de não inconstitucionalidade, ou promulga ou veta por razões políticas. Os
efeitos da decisão previstos no artigo 279º são os efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade,
e no artigo 136º estão previstos os efeitos de uma decisão de não inconstitucionalidade. Se por
outro lado, as dúvidas do Presidente da República sobre a inconstitucionalidade de uma norma,
que o levam a pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva se revelarem verdadeiras,
existe um problema de inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional decide que a norma é
inconstitucional e remete a decisão para o Presidente da República, que nos termos do artigo 279º
nº 1, tem duas possibilidades: perante uma decisão de inconstitucionalidade do Tribunal
Constitucional, o Presidente está obrigado a vetar por inconstitucionalidade e a devolver o
diploma ao órgão que o tiver aprovado. Qualquer órgão (Assembleia da República, Assembleia
Legislativa Regional ou Governo) que aprove um diploma, que foi apreciado pelo Tribunal
Constitucional e foi vetado por inconstitucionalidade, pode desistir daquele processo legislativo
ou podem decidir expurgar a norma inconstitucional. Numa situação em que a
inconstitucionalidade está localizada numa norma, retirando a norma o diploma pode continuar.
Também existe a possibilidade de reformular, isto é, repensar todo o diploma e recriá-lo, é como
se iniciasse um processo legislativo próprio e o Presidente da República pode voltar a suscitar
novas dúvidas de inconstitucionalidade ao diploma formulado. Existe uma quarta possibilidade
que só a Assembleia da República pode fazer, que é decidir confirmar o diploma, isto é, nos
termos da nossa Constituição a Assembleia da República pode decidir relativamente a um ato
legislativo ou um tratado que tenha sido vetado por inconstitucionalidade, confirma-lo por
maioria de dois terços dos deputados (artigo 279 nº 2). Perante o veto de um diploma por
inconstitucionalidade a Assembleia da República pode desistir, expurgar, reformular ou
confirmar, enquanto que o Governo só pode desistir, expurgar ou reformular.
Notas: As decisões do Tribunal Constitucional em casos de fiscalização preventiva são pronúncias. As
decisões do Tribunal Constitucional podem ser no sentido da inconstitucionalidade ou da não
inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional nunca diz positivamente que uma norma é conforme á
Constituição, diz se as dúvidas de inconstitucionalidade são lógicas ou não.

Fiscalização abstrata sucessiva


Fiscalização abstrata sucessiva está prevista nos artigos 281º e 282º da Constituição. Ao
contrário do que acontece com o objeto da fiscalização abstrata preventiva, que tinha por objeto
normas imperfeitas e só normas particularmente importantes, a fiscalização abstrata sucessiva é
passível de incidir sobre quaisquer normas (artigo 281º nº1 a)). A fiscalização sucessiva é a
fiscalização relativamente a diplomas que já foram aprovados, que estão a vigorar e por isso esta
fiscalização sucede-se a um processo de criação legislativa normal. Quem pode requerer a
fiscalização abstrata sucessiva: as entidades que constam do artigo 281º nº2. Os cidadãos não
podem fazer chegar ao Tribunal Constitucional um processo de fiscalização abstrata sucessiva
diretamente, mas podem a uma das entidades enunciadas no artigo 281º nº2 que utilize esta
competência. As decisões do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização abstrata sucessiva
são declarações de inconstitucionalidade das normas, o que significa que a norma é invalidada.
Quando o Tribunal Constitucional é chamado a apreciar uma norma em sede de fiscalização
abstrata sucessiva e chega á conclusão de que a norma é inconstitucional, a decisão do Tribunal
Constitucional é uma decisão que declara a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória
geral. O Tribunal Constitucional funciona como uma espécie de legislador negativo, ou seja,
subtrai normas ao Ordenamento Jurídico. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral, não são efeitos meramente invalidatórios. Uma lei X é aprovada que
entrou em vigor, e sofre um processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade e
a norma é considerada inconstitucional. O primeiro efeito desta decisão é que a lei X nunca mais
pode ser aplicada no futuro, é invalidada. Nos termos do artigo 282º os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade reportam-se ao momento da entrada em vigor da norma considerada
inconstitucional, ou seja, todos os efeitos que a norma tenha produzido são apagados, o objetivo
é que se possa agir como se aquela norma nunca tivesse existido. Aos efeitos invalidatórios
juntam-se os efeitos retroativos. Por outro lado, uma declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral produz um abalo ao Ordenamento Jurídico e que produz efeitos retroativos,
o que cria um vazio na resolução de um determinado problema que era regulado pela X, que foi
considerada inconstitucional. A Constituição prevê que para além de efeitos invalidatórios e
retroativos, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral também tem efeitos
repristinatórios. Admitindo que a lei X revogou e substituiu a lei Y, para evitar o vazio legal a
declaração de inconstitucionalidade implica que a lei não mais poderá ser aplicada no futuro,
implica que essa invalidade deve ter efeitos retroativos e implica que há a repristinação (reposição
da vigência) da lei que tinha sido afastada por revogação, ou seja, para evitar o vazio legal até que
o legislador volte a pronunciar-se é revigorada a lei que tinha sido revogada (lei Y) – artigo 282º
nº1. Segundo o artigo 282º nº3, se ocorreram sentenças que transitaram em julgado, no período
em que a norma inconstitucional vigorou, em princípio ressalvam-se os casos julgados. Se uma
controvérsia em que a norma foi aplicada já transitou em julgado (já se consolidou a decisão
jurídica), em princípio não se vai rever esse julgamento. No artigo 282º nº3 prevê a exceção á
exceção: se o Tribunal Constitucional entender que se trata de uma norma em matéria
sancionatória e se a revisão da sentença for favorável ao arguido, nesses casos podem rever-se os
casos julgados. No artigo 282º nº 4 a Constituição prevê que o Tribunal Constitucional pode
regular os efeitos da decisão, ou seja, em princípio a declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral implica efeitos invalidatórios, retroativos e repristinatórios, mas o Tribunal
Constitucional pode por exemplo, afastar a eficácia retroativa. Por exemplo: uma norma relativa
á liquidação de IRS, que está em vigor durante 3 anos, e durante esse tempo milhões de
declarações de IRSS foram liquidadas com base naquela norma. Se a norma vier a ser declarada
inconstitucional com força obrigatória geral, têm de se rever a liquidação de milhões de
contribuintes em três anos fiscais, o que é impossível. Neste caso, o Tribunal Constitucional
declara a inconstitucionalidade apenas para o futuro. Assim, os efeitos retroativos podem ser
afastados, assim como, os efeitos repristinatórios, se o Tribunal Constitucional chegar á conclusão
de que a repristinação não faz sentido.

Fiscalização Concreta
Nos casos de Fiscalização Abstrata, a questão da constitucionalidade da norma coloca-se
independentemente de qualquer caso concreto a que essa norma possa ter aplicação. Já nos casos
de Fiscalização Concreta, a questão de constitucionalidade surge a propósito de um caso concreto
a que a norma é aplicada. Os processos de Fiscalização Concreta começam sempre quando perante
um qualquer tribunal se suscita a questão da constitucionalidade de uma norma aplicável daquele
processo, a isto se chama um incidente de inconstitucionalidade. Num qualquer processo, dentro
da discussão que se está a desenvolver surge uma questão de constitucionalidade, que pode e deve
surgir perante um qualquer tribunal. Quando perante um qualquer tribunal se suscita a
constitucionalidade de uma norma que é aplicável aquele caso concreto, nos termos do artigo 204º
da Constituição, esse qualquer tribunal tem o poder-dever de decidir a questão de
constitucionalidade. Sempre que um Tribunal tenha que julgar um caso ele está proibido de aplicar
normas inconstitucionais. Ora, para o tribunal poder cumprir esta imposição constitucional, o
tribunal tem de apreciar se a norma é ou não é inconstitucional, e no nosso Sistema qualquer
tribunal tem de fazer isso devido ao artigo 204º. Quem é pode suscitar o incidente de
inconstitucionalidade? As partes do processo, o Ministério Público, ou por força daquilo que é
o artigo 204º da Constituição oficiosamente pelo próprio juiz do processo. Os juízes têm de
controlar oficiosamente por iniciativa própria a constitucionalidade das normas que aplicam. Uma
vez existindo este poder-dever o tribunal pode, perante um incidente de inconstitucionalidade,
fazer uma de duas coisas: ou exerce o poder que a Constituição lhe dá, nos termos do artigo 204º,
e considera a norma inconstitucional, e consequentemente recusa a sua aplicação; ou considera
que a norma não é inconstitucional e aplica-a ao caso concreto. O tribunal pode afastar a aplicação
de uma lei com fundamento na sua inconstitucionalidade. Por exemplo: o senhor A é acusado do
crime de corrupção desportiva, suscita o incidente de inconstitucionalidade. O juiz se entende que esse
incidente é procedente, que há razões para considerar a norma inconstitucional, vai recusar a aplicação
da norma e absolver o senhor A. Se pelo contrário o juiz entender que a norma não é inconstitucional
então aplica-a ao caso concreto. Esta é a fase de fiscalização da constitucionalidade que se chama
fiscalização difusa, isto é, feita por qualquer tribunal devido ao artigo 204º.
Qual é o sentido de termos um Tribunal Constitucional se qualquer tribunal decide questões
de constitucionalidade? Estas decisões dos tribunais sobre a inconstitucionalidade ou não
inconstitucionalidade, a aplicação ou não aplicação de uma norma, são decisões passíveis de
recurso para o Tribunal Constitucional, ou seja, quer num caso quer no outro, há recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões proferidas ao abrigo do artigo 204º, recurso esse que está
previsto no artigo 280º da Constituição. Os tribunais estão obrigados a tomar decisões, mas essas
decisões são recorríveis para o Tribunal Constitucional, ou seja, a pronúncia de qualquer tribunal
sobre uma questão de constitucionalidade não é uma pronúncia definitiva. O artigo 208º nº 1 prevê
que tanto as decisões de recusa de aplicação como as decisões de aplicação são suscetíveis de
recurso para o Tribunal Constitucional, no entanto, o recurso está previsto em termos diferentes.
No caso dos recursos de decisão de recusa de aplicação da norma (previsto no artigo 280º nº1 a)),
este recurso é na maior parte dos casos obrigatório para o Ministério Público, nos termos do artigo
208º nº3, e são os chamados recursos per salto. Quando há uma decisão de um qualquer tribunal
que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, essa é uma
decisão grave, é uma decisão que abala a Ordem Jurídica. Sempre que haja a recusa de aplicação
de uma norma constante de ato legislativo, decreto regulamentar, ou convenção internacional
(normas mais importantes do Ordenamento Jurídico) o Ministério Público está obrigado a recorrer
para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280º nº3. Se houver uma decisão de recusa
de aplicação proferida por um qualquer tribunal, o acesso ao Tribunal Constitucional é imediato.
Por exemplo: uma decisão de 1ª instância, e a decisão é passível de recurso para a 2ª instância
antes mesmo de se proceder a esses recursos vai imediatamente para o Tribunal Constitucional,
isto é, salta todas as instâncias do recurso para chegar ao Tribunal Constitucional.

Nos termos dos recursos da alínea b) do nº 1 do artigo 280º, que são os recursos de decisão de
recusa de não inconstitucionalidade da norma. Estes recursos para chegarem ao Tribunal
Constitucional requerem que primeiro se esgotem as vias ordinárias de recurso, e além disso, nos
termos do artigo 280º nº 4 só a parte que suscitou o incidente de inconstitucionalidade é que pode
recorrer. O Sistema não se preocupa que o processo chegue ao Tribunal Constitucional, a questão
só chega se a pessoa que invocar o incidente de inconstitucionalidade estiver disposta a ir até ás
últimas consequências e levar o caso ao Tribunal Constitucional. Se a parte não o fizer a decisão
do tribunal de aplicação da norma é válida.
Nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, aquilo que o Tribunal
Constitucional vai apreciar é apenas o segmento da decisão quer nos recursos da alínea a) ou b),
o Tribunal Constitucional vai apreciar a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade da
norma, nos termos do artigo 280º nº6. O Tribunal Constitucional não se vai pronunciar sobre a
matéria de facto, ou sobre outras matérias, não vai julgar o caso. O Tribunal Constitucional ou
confirma o entendimento do tribunal que primeiro se pronunciou, e nesse caso confirma s decisão
do tribunal, ou altera essa decisão.
Os efeitos da Fiscalização Concreta quer nos casos da apreciação feita pela generalidade dos
tribunais, quer nos casos da apreciação do Tribunal Constitucional, os efeitos de decisão em sede
de fiscalização concreta são efeitos limitados ao caso concreto, ou seja, o Tribunal Constitucional
considera que a norma é inconstitucional, mas quando decide em sede de fiscalização concreta o
Tribunal Constitucional não toma decisões para o Ordenamento Jurídico. Em consequência disto,
a norma não se aplica ao caso concreto, mas a norma continua a vigorar. No artigo 281º nº 3 refere
que se a mesma norma for considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional por três
vezes (três casos concretos), á quarta vez o processo é convertido num processo de fiscalização
abstrata sucessiva, aí não se vai ver se a norma vai ser aplicado ou não ao caso concreto, mas a
norma vai pondera-se de modo abstrato se a norma deve continuar a vigorar.

Inconstitucionalidade por omissão


Inconstitucionalidade por omissão consiste numa determinada norma constitucional que precisa
da atuação do legislador para se tornar exequível. Se o legislador não der forma aos direitos
fundamentais, estes ficam destituídos de eficácia ou efetividade. Nestas situações a inércia do
legislador configura uma inconstitucionalidade. A maior parte das inconstitucionalidades são
inconstitucionalidades por ação, mas também podem existir inconstitucionalidades por omissão.
A Constituição apresenta uma norma que permite reagir a situações de inconstitucionalidade por
omissão, que é o artigo 283º da Constituição onde se prevê um processo específico de reação ás
inconstitucionalidades por omissão. Prevê-se que um número muito restrito de autoridades
(Presidente da República, Provedor de Justiça e quanto aos direitos das regiões autónomas um
conjunto de entidades regionais) podem dirigir-se ao Tribunal Constitucional para que este
aprecie uma situação de inconstitucionalidade por omissão. O Tribunal Constitucional ou decide
que não há inconstitucionalidade por omissão, e nesse caso não há nenhum efeito, ou decide que
há inconstitucionalidade por omissão, e o Tribunal Constitucional limita-se a verificar a existência
de inconstitucionalidade por omissão e a reportar esse conhecimento ao órgão competente (artigo
280º nº 3).
Acórdão nº 287/90
Desde o momento em que entra a ação até ao momento em que sai a sentença há uma relação
jurídica duradoura em que as pessoas, as partes, querem que o quadro jurídico se mantenha
estável. É muito importante para que as pessoas possam recorrer aos tribunais em segurança, para
que possam saber aquilo com que podem contar juridicamente, que não hajam grandes alterações
do quadro legal na vigência dos processos, para que no momento em que é proposta a ação, as
partes saibam aquilo com que podem contar. Por isso, á semelhança do que acontece num contrato
de arrendamento, numa ação judicial o tempo em que ela dura é um tempo em que em princípio
a estabilidade legal deve ser mantida.
Numa ação jurídica duradoura a estabilidade do quadro legal é fundamental e por isso, as
situações de retrospetividade são graves, isto é, quando há uma alteração desse quadro legal, isso
pode por em causa todo o plano que esteve na base da propositura da ação. É por isso, que a Lei
2, não sendo retroativa, pode afetar a confiança dos cidadãos na manutenção da estabilidade de
determinado quadro legal, e por isso é que este caso se assemelha a um contrato de arrendamento,
pois é uma relação jurídica duradoura durante a qual é vantajoso para as partes que a manutenção
do quadro legal se faça. Se A tivesse ganho a ação provavelmente os herdeiros de B tentariam
recorrer. A apelaria em resposta ao valor das alçadas. As pessoas utilizam os argumentos que lhes
são convenientes.
Exercícios
Caso Prático 1
Imagine que a Assembleia da República (AR) aprovou um projeto de lei prevendo a proibição
de contratação de pessoas do sexo masculino para a docência em escolas do ensino básico, dada
a preocupante incidência nacional de casos de pedofilia. Nesse mesmo projeto, estabeleceu-se
também a proibição de docência nessas escolas a todos aqueles que tivessem sido condenados
pela prática de um crime de abuso sexual de menores. A AR justificou estas medidas com a
necessidade de proteger as crianças.
João, de 25 anos, tendo acabado o curso que o habilitava para a profissão de professor de
primeiro ciclo do ensino básico, foi impedido de se inscrever para o concurso de colocação de
professores desse ano. Indignado, recorreu dessa decisão para as entidades competentes, tendo o
caso chegado a um tribunal, onde suscitou a questão da inconstitucionalidade do diploma. O juiz,
contudo, não lhe deu razão.

1. As normas em causa violam o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade?


Justifique a sua resposta. A primeira norma, que proíbe que a contratação de pessoas do sexo
masculino para a docência em escolas de ensino básico, coloca um problema relativamente ao
princípio da igualdade, implica uma categoria suspeita do artigo 13º nº2, a diferenciação de
tratamento baseada no sexo. Esta diferenciação de tratamento é arbitrária então é diretamente
violadora do princípio da igualdade. Quanto á questão do princípio da proporcionalidade esta
norma também é excessiva, porque é uma norma que proíbe mais do que é necessário para atingir
o fim que se pretende. O fim de proteção da criança não justifica excluir da docência do Ensino
Básico todas as pessoas do sexo masculino. No entanto a segunda norma que proíbe a docência
em escolas de todos aqueles que tivessem sido condenados pela prática de um crime de abuso
sexual de menores, também apresenta diferenciação de tratamento. Distinguem-se aqueles que
foram condenados pela prática de um crime de abuso sexual de menores dos que não foram, mas
essa diferenciação não é arbitrária, tem uma justificação razoável. Quem já tenha sido
condenado em Processo Penal por abuso sexual de menores, que é um crime com percentagens
de reincidência muito elevadas, há razões que justificam a diferenciação de tratamento. Assim,
esta norma não viola o Princípio da Igualdade porque a diferenciação de tratamento que a norma
promove não é arbitrário. Do ponto de vista do Princípio da Proporcionalidade esta norma é:
adequada porque é uma medida idóneo para atingir o fim que se pretende; de entre medidas
disponíveis não existe outra que permite com o mesmo grau de eficácia atingir o mesmo fim; os
benefícios que se retiram desta medida são superiores aos prejuízos que decorrem da sua
aplicação, ou seja, esta norma não viola o Princípio da Proporcionalidade.

2. Poderia o caso de João vir a ser apreciado pelo Tribunal Constitucional? Justifique.
O caso do João poderia ser apreciado no Tribunal Constitucional porque uma vez que, suscitou
um incidente de inconstitucionalidade, estava aberta a porta para a possibilidade de recurso
para o Tribunal Constitucional.

Caso Prático 2
Suponha que o Presidente da República requereu, em 7 de outubro de 2019, a apreciação
preventiva da constitucionalidade de um diploma que lhe havia sido enviado pela Assembleia da
República para promulgação como lei. O Tribunal Constitucional pronunciou-se pela
inconstitucionalidade em 23 de novembro de 2019. Quid iuris se, entretanto, em 6 de novembro,
o Presidente da República veta politicamente o diploma e o veto é superado, por confirmação de
3/5 dos deputados em efetividade de funções em 18 de novembro?
Neste caso a apreciação preventiva da constitucionalidade foi requerida em 7 de outubro pelo
Presidente da República e a decisão do Tribunal Constitucional é de 23 de novembro. Este
período de tempo ultrapassa largamente o período de 25 dias previsto na Constituição. O veto
do Presidente de 6 de novembro é anterior á decisão do Tribunal Constitucional de 23 de
novembro. O Presidente não pode vetar um diploma que está em apreciação no Tribunal
Constitucional. Quando o Presidente recebe um diploma pode promulga-lo, vetar politicamente
ou pedir a apreciação do Tribunal Constitucional. Se pedir a apreciação do Tribunal
Constitucional, enquanto o Tribunal Constitucional aprecia o Presidente não tem nenhum poder
sobre o diploma. O Presidente tem de aguardar o resultado da apreciação preventiva da
constitucionalidade e se for uma decisão no sentido da inconstitucionalidade o Presidente é
obrigado a vetar, se for uma decisão no sentido da não inconstitucionalidade o Presidente pode
promulgar ou vetar politicamente. Neste caso, o Presidente vetou politicamente o diploma não
tendo poder para isso, logo este veto é inconstitucional. O artigo 136º prevê qual a maioria
exigida na Assembleia para superar um veto político que é a maioria absoluta (metade dos
deputados mais um), logo neste caso se o veto político fosse legítimo a maioria de 3/5 em si é
suficiente para confirmar o diploma, porque 3/5 é mais do que a maioria absoluta dos deputados.

Caso Prático 3
O Governo aprovou, em Conselho de Ministros, um decreto para ser promulgado como decreto-
lei através do qual se criava a Secretaria de Estado da Reforma da Instituição Militar.
O Presidente da República, não concordando com a oportunidade e a conveniência do diploma
exerceu o direito de veto, previsto no artigo 136º da Constituição. Quid iuris?
Segundo o artigo 198º nº2, “É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria
respeitante á sua própria organização e funcionamento”, a criação de uma Secretaria de Estado
é matéria de organização do Governo. Esta é matéria não só o Governo tinha competência para
legislar como era o único órgão de soberania com poder para legislar sobre esta matéria. É
matéria da competência exclusiva do Governo, legislar sobre a sua própria organização e
funcionamento. A ideia de uma Secretaria de Estado significa que dentro da organização do
Governo, vai existir uma Secretaria de Estado com competências nesse domínio, o que não
significa uma alteração substantiva na organização. A criação de Secretarias, a criação de
Ministérios, a articulação entre Ministérios, a articulação entre Secretarias de Estado é a única
matéria exclusiva do Governo. O Governo tinha competência exclusiva para legislar sobre esta
matéria. O Presidente da República não tem dúvidas acerca da inconstitucionalidade do decreto,
senão teria pedido a apreciação da constitucionalidade. Neste caso o Presidente pode vetar
decretos-lei do Governo por razões políticas o que não infringe o artigo 136º.

Caso Prático 4
A Assembleia da República concedeu ao Governo autorização legislativa para legislar sobre as
bases gerais do sistema de ensino.
No uso de tal autorização, o Governo emitiu um Decreto-Lei no qual, além de revogar as bases
gerais constantes da legislação em vigor, estabelecia regulamentação desenvolvida das matérias
em causa. Quid iuris?
As bases do Sistema de Ensino fazem parte da reserva absoluta da Assembleia da República,
artigo 164º alínea i), logo não pode existir uma lei de autorização da Assembleia da República
sobre esta matéria. Quando no uso de tal autorização o Governo emite um Decreto-Lei no qual
revoga as bases gerais, esse diploma é inconstitucional, porque essa matéria é de reserva
absoluta da Assembleia da República. No que diz respeito á circunstância de o Governo ter
estabelecido regulamentação desenvolvida das matérias em causa, essa legislação desde que,
esteja de acordo com as bases gerais desenvolvidas pela Assembleia da República não apresenta
nenhum problema. Segundo o artigo 198º nº1 alínea c) o Governo pode desenvolver as bases
gerais desde que as respeite, o Governo não pode revogar bases.

Caso Prático 5
Em 10 de novembro, a Assembleia da República concedeu ao Governo uma autorização
legislativa para que este órgão pudesse legislar sobre bases gerais do sistema de segurança social.
Em 30 de novembro, no uso da autorização, o Governo fez aprovar um Decreto-Lei que
claramente discriminava os cidadãos de etnia cigana.
O que pode o Presidente da República fazer para impedir a entrada em vigor de tal Decreto-Lei?
A Assembleia da República pode conceder ao Governo uma autorização legislativa para
legislar sobre as bases gerais do sistema de segurança social, pois esta é uma das matérias que
consta do artigo 165 na alínea f) que define as matérias sobre as quais a Assembleia da República
tem legitimidade para legislar, mas que pode autorizar o Governo a legislar. O Presidente da
República pode pedir fiscalização preventiva da constitucionalidade, nos termos do previsto
278º, ou vetar politicamente nos termos dos poderes conferidos no artigo 136º.

Caso Prático 5.1


Suponha que o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade ao
Tribunal Constitucional e que este se pronunciou pela inconstitucionalidade. O Governo,
querendo levar avante aquela legislação, apresentou uma proposta de lei na Assembleia da
República. Tal proposta foi aprovada por mais de 2/3 dos Deputados. Quid iuris?
Esta pronúncia pela inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional não é superável
pelo Governo. O Governo converteu aquela legislação numa proposta de lei e apresenta-a á
Assembleia da República que a vai votar. A Assembleia da República vota-a favoravelmente
aprovando-a com mais de 2/3 dos deputados. O Governo iniciou um novo processo legislativo
em que pôs o ónus da legislação na Assembleia da República que tem poderes para superar o
Presidente. Quando a Assembleia da República aprova não está a confirmar o Decreto-Lei, está
apenas a aprovar um ato legislativo proposto pelo Governo, sendo que o Presidente formalmente
continua a ter todos os poderes pode vetar, pedir a fiscalização preventiva da
inconstitucionalidade ou promulgar. O Presidente ao pedir a fiscalização da constitucionalidade,
que virá a ser outra vez na pronúncia pela inconstitucionalidade, e o Presidente veta por
inconstitucionalidade. No entanto, quer no caso de veto por razões políticas, quer no caso de
veto por inconstitucionalidade, esta maioria parlamentar é suficiente para superar o veto do
Presidente. O Presidente pode vetar, pode pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade,
repetir o veto (agora não a um diploma do Governo, mas a um diploma da Assembleia da
República) mas esse veto é inconsequente, porque a Assembleia da República tem uma maioria
favorável capaz de o superar (quer o veto político, quer o veto por inconstitucionalidade). Neste
caso, o Presidente da República formalmente, pode vetar, mas neste caso a probabilidade desse
veto ser definitivo é muito reduzida.
Caso Prático 6
O Reitor de uma universidade pública portuguesa propôs uma alteração ao Regulamento de
Atribuição de Diplomas, através da qual se institui uma nova taxa de emissão de diploma, no
valor de 5000 Euros, cobrada uma única vez aos estudantes que, tendo finalizado um ciclo de
estudos, pretendam obter o respetivo diploma. Assim, pretendia o Reitor fazer face aos cortes
orçamentais ao financiamento das universidades.
Os estudantes ficaram revoltados com a criação de uma tal taxa, que acresce ao valor
anualmente cobrado em propinas, elevando de modo muito substancial o financiamento do
ensino superior a cargo dos estudantes e das suas famílias. Um grupo de estudantes da dita
universidade, entendendo que a alteração do Regulamento constitui uma violação do princípio da
proteção da confiança, contactou-o/a, pedindo-lhe que ajudasse a articular uma exposição
ao Conselho Geral, alertando para a “flagrante violação” do princípio da proteção da
confiança.
Redija o texto da dita exposição.
O Princípio da Segurança Jurídica ou Princípio da Proteção da Confiança consiste na
possibilidade de os cidadãos poderem conformar as suas vidas em liberdade sabendo que, as
consequências das suas atuações são previsíveis. Num Estado de Direito a atuação dos poderes
públicos é previsível e as pessoas sabem quais as consequências e os pressupostos que estão na
base da atuação, por vezes coercitiva, dos poderes políticos. Quanto atuamos temos de conhecer
as regras aplicáveis, naquele momento, aos atos que praticamos. Porém as normas jurídicas
estão sempre a mudar, o que dificulta a Segurança Jurídica que o Estado de Direito deve
apresentar aos cidadãos. O equilíbrio consegue-se evitando situações de retroatividade da lei,
isto é, em princípio as leis aplicadas hoje não se podem aplicar a factos ocorridos e consumados
no passado. Retrospetividade ou Retroatividade Inautêntica são leis que se aplicam a situações
jurídicas duradouras constituídas no passado, mas que continuam no presente e previsivelmente
continuarão no futuro. A lei vale para o futuro, mas afeta relações jurídicas constituídas no
passado, que perduram no presente e perdurarão no futuro. Neste caso, o Reitor de uma
universidade propôs uma alteração ao Regulamento de Atribuição de Diplomas, através da qual
se institui uma nova taxa de emissão de diploma, no valor de 5000 Euros, cobrada uma única vez
aos estudantes que, tendo finalizado um ciclo de estudos, pretendam obter o respetivo diploma.
No entanto, esta taxa (a que acrescem o valor anualmente cobrado das propinas) foi proposta
depois da maior parte dos alunos iniciar os seus estudos naquela universidade, e desse modo,
esta alteração de Regulamento constitui uma “flagrante violação” do princípio da proteção da
confiança.
Existem quatro pressupostos que permitem avaliar se há lesão do Princípio do Estado de Direito
em situações de retrospetividade:

 Para que se considere haver uma violação do Princípio da Proteção da Confiança dos
Cidadãos é necessário que os poderes públicos tenham atuado de modo a gerar nos cidadãos
uma expectativa de continuidade e estabilidade do quadro legal. Só quando existem
expectativas legítimas a salvaguardar é que o Princípio da Proteção da Confiança interfere.
Neste caso, os estudantes iniciaram os seus estudos naquela Universidade segundo a
expectativa de pagar anualmente apenas as propinas da universidade e não uma taxa de
emissão do diploma. Assim, o Regulamento da Universidade gerou nos estudantes uma
expectativa legitima de pagar apenas as propinas anualmente.
 É necessário que os cidadãos tenham construído os seus planos de vida de acordo com essas
expectativas. Neste caso os alunos e as suas famílias organizaram as suas vidas e finanças
de acordo com a expectativa de que não teriam de pagar uma taxa de emissão do diploma.
 É necessário que essas expectativas sejam verdadeiramente legítimas, fundadas em boas
razões. As expectativas dos alunos, são legitimas e fundadas no Regulamento que existia no
momento em que ingressaram na Universidade.
 Para que a expectativa sobreleve a necessidade de alteração do quadro jurídico é necessário
que o interesse público que determinou a alteração da lei, não se sobreponha às expectativas
privadas. É necessário fazer uma ponderação entre, por um lado, qual foi o interesse público
que determinou uma alteração da lei, e, por outro lado, quais são as expectativas privadas.
Dessa ponderação chega-se á conclusão sobre se valem mais as expectativas privadas, e
então a Proteção da Confiança foi violada, ou se o interesse público tem um peso maior então
a Proteção da Confiança não foi violada. Neste caso, o interesse que determinou a alteração
do Regulamento, no sentido de passar a incluir uma taxa de emissão do diploma, não se
sobrepõe às expectativas dos alunos, pois esta alteração poderia significar que muitos alunos
não conseguiriam terminar o curso a que dedicaram anos de estudo, devido a uma alteração
de Regulamento que não existia no momento em que ingressaram na Universidade.
Assem, esta alteração regulamentar, viola o Princípio da Proteção da Confiança.

Caso Prático 6.1


Na mesma universidade, os estudantes internacionais, recrutados nos seus países de origem,
constataram que pagavam 4500 Euros de propinas anuais, enquanto os estudantes portugueses
pagavam pouco mais de 1000 Euros exatamente pelo mesmo serviço. Acham injusto, estão
conscientes de que o ensino é um direito fundamental, mas não sabem muito bem como
argumentar face ao Direito Português.
Um dos estudantes internacionais, a frequentar a licenciatura em Direito, exprimiu a seguinte
posição: “No meu país existe um Tribunal Constitucional e tenho a certeza de que não deixaria
passar uma tal situação.”. Como é aqui em Portugal? Esclareça, brevemente, o seu Colega quanto
às possibilidades existentes, em geral, de controlo da constitucionalidade pelo Tribunal
Constitucional Português.
O Tribunal Constitucional pode ter quatro tipos de competências de fiscalização de
Constitucionalidade:
 Controlo preventivo - controlo feito antes das normas entrarem em vigor. Quando uma
norma é aprovada, o Presidente da República pode promulgar ou vetar. Antes de promulgar
o Presidente da República pode pedir ao Tribunal Constitucional que aprecie
preventivamente a constitucionalidade da norma. O controlo preventivo da
constitucionalidade é a possibilidade que é dada ao Presidente da República (ou no caso dos
Decretos Legislativos Regionais, aos Representantes do Presidente da República nas regiões
autónomas) de antes de uma norma entrar em vigor, a fiscalizarem quanto á sua
constitucionalidade. A fiscalização preventiva é necessariamente abstrata porque a norma
ainda não terminou o seu processo de criação, estamos perante normas que só podem ser
objeto de controlo abstrato porque são normas que ainda não entraram em vigor.
 Controlo sucessivo – relativamente a uma qualquer norma que esteja em vigor há um
conjunto de entidades que pode pedir a respetiva fiscalização de constitucionalidade
(Presidente da República, Provedor de Justiça, Procurador Geral da República). Por
exemplo: o exercício sobre os prémios dos atletas paraolímpicos chegou ao Tribunal
Constitucional, o Procurador-Geral da República teve dúvidas sobre se a norma era
compatível com a Constituição e submeteu-a ao controlo por parte do Tribunal
Constitucional. Esta norma estava em vigor e estava a ser aplicada e nem existiu um litígio
em Tribunal por causa desta norma, mas uma entidade suscitou o controlo sucessivo abstrato
desta norma.
 Controlo da inconstitucionalidade por omissão – eventual violação de normas
constitucionais, não por ação do legislador, mas por omissão do legislador. Por exemplo:
supondo que a norma constitucional que consta do artigo 35º da Constituição existe, mas o
legislador não criou essa lei. Os direitos podem ser exercidos sem lei? Nestas situações o
incumprimento da Constituição não se relaciona com uma ação desconforme da
Constituição, mas está relacionada com a inércia ou omissão do legislador, tendo como
consequência deixar as normas constitucionais sem exequibilidade.
 Recursos de constitucionalidade – voltando ao caso do senhor A que é acusado do crime de
corrupção desportiva, e invoca a inconstitucionalidade da norma que tipifica este crime. O
Tribunal ou decide usar o poder que o artigo 204º lhe confere, recusando a aplicação da
norma, absolvendo o senhor A, ou decide que a norma não é inconstitucional e aplica-a, e
admitindo que estão reunidas as circunstâncias suficientes que permitem punir o senhor A.
O senhor A, se for absolvido não vai recorrer, mas se não for absolvido vai recorrer e no
limite pode recorrer para o Tribunal Constitucional, uma vez que se suscitou uma questão
de inconstitucionalidade naquele processo, a decisão que o Tribunal venha a tomar naquele
processo é suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional.

Pergunta Teórica 1
Dois dos princípios constitucionais fundamentais são o Princípio do Estado de Direito e o
Princípio da Separação de Poderes. Localize-os na nossa Constituição e esclareça se existe alguma
relação entre eles. Justifique.
O artigo 2º da CRP diz-nos que Portugal é um Estado de Direito. Não basta a existência de uma
Constituição, independentemente do seu conteúdo, para que possamos considerar a existência de
um Estado de Direito. Para que um Estado seja verdadeiramente considerado um Estado de
Direito, tem de se organizar de modo que não haja, por parte dos entes públicos, abusos no
exercício do poder.
Num Estado de Direito quem exerce autoridade está obrigado a exercer o poder nos estritos
limites das normas jurídicas existentes, e não de acordo com preferências pessoais. Essas normas
jurídicas têm de ser definidas previamente de modo claro, de maneira a permitir que os cidadãos
possam antever as consequências jurídicas das suas ações.
A doutrina constitucional tem estabelecido uma distinção entre elementos formais e elementos
materiais, nos quais se pode analisar o Princípio do Estado de Direito. Dentro dos Elementos
Formais existem o Princípio da Separação (e interdependência) de Poderes (legislativo,
executivo e judicial) presente nos artigos 2º e 111º da Constituição que visa garantir
organização do poder político e pretende que o poder não seja centralizado numa só pessoa, o
que evita abusos de poder. Os poderes não existem numa relação de abstração mútua, controlam-
se mutuamente. A ideia de interdependência vem do facto de os poderes se controlarem
mutuamente. O oposto de Estado de Direito é o Estado de Arbítrio (Estado Autoritário) onde os
poderes não são submetidos a nenhuma norma heterónima (norma definida por outrem) e
consequentemente os cidadãos estão numa situação de subjugação á vontade do poder sem
nenhuma capacidade de preverem as normas que regem a sua própria vida.
Assim, o Princípio do Estado de Direito relaciona-se com o Princípio da Separação e
Interdependência dos Poderes, porque num Estado de Direito não podem existir abusos, por
parte das entidades detentoras do poder, abusos no exercício do mesmo, o que só é garantido se
existir o Princípio da Separação (e Interdependência) de Poderes.

Pergunta Teórica 2
Diga se estas afirmações são verdadeiras ou falsas e justifique a sua resposta indicando sempre as
disposições constitucionais relevantes:
• As decisões dos tribunais quanto à inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de
normas não são passíveis de recurso.
Falsa. Os processos de Fiscalização Concreta começam sempre quando perante um qualquer
tribunal se suscita a questão da constitucionalidade de uma norma aplicável daquele processo,
a isto se chama um incidente de inconstitucionalidade. Quando perante um qualquer tribunal se
suscita a constitucionalidade de uma norma que é aplicável aquele caso concreto, nos termos do
artigo 204º da Constituição, esse qualquer tribunal tem o poder-dever de decidir a questão de
constitucionalidade. Sempre que um Tribunal tenha que julgar um caso ele está proibido de
aplicar normas inconstitucionais. Uma vez existindo este poder-dever o tribunal pode, perante
um incidente de inconstitucionalidade, fazer uma de duas coisas: ou exerce o poder que a
Constituição lhe dá, nos termos do artigo 204º, e considera a norma inconstitucional, e
consequentemente recusa a sua aplicação; ou considera que a norma não é inconstitucional e
aplica-a ao caso concreto. Estas decisões dos tribunais sobre a inconstitucionalidade ou não
inconstitucionalidade, a aplicação ou não aplicação de uma norma, são decisões passíveis de
recurso para o Tribunal Constitucional, ou seja, quer num caso quer no outro, há recurso para
o Tribunal Constitucional das decisões proferidas ao abrigo do artigo 204º, recurso esse que está
previsto no artigo 280º da Constituição.

• As decisões positivas de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional em sede de


fiscalização abstrata podem não ter eficácia retroativa.
Fiscalização abstrata sucessiva está prevista nos artigos 281º e 282º da Constituição. A
fiscalização sucessiva é a fiscalização relativamente a diplomas que já foram aprovados, que
estão a vigorar e por isso esta fiscalização sucede-se a um processo de criação legislativa
normal. Quando o Tribunal Constitucional é chamado a apreciar uma norma em sede de
fiscalização abstrata sucessiva e chega á conclusão de que a norma é inconstitucional, a decisão
do Tribunal Constitucional é uma decisão que declara a inconstitucionalidade da norma com
força obrigatória geral. O Tribunal Constitucional funciona como uma espécie de legislador
negativo, ou seja, subtrai normas ao Ordenamento Jurídico. Os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não são efeitos meramente invalidatórios.
Uma lei X é aprovada que entrou em vigor, e sofre um processo de fiscalização abstrata sucessiva
da constitucionalidade e a norma é considerada inconstitucional. O primeiro efeito desta decisão
é que a lei X nunca mais pode ser aplicada no futuro, é invalidada. Nos termos do artigo 282º os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade reportam-se ao momento da entrada em vigor da
norma considerada inconstitucional, ou seja, todos os efeitos que a norma tenha produzido são
apagados, o objetivo é que se possa agir como se aquela norma nunca tivesse existido. Aos efeitos
invalidatórios juntam-se os efeitos retroativos. Por outro lado, uma declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz um abalo ao Ordenamento Jurídico e
que produz efeitos retroativos, o que cria um vazio na resolução de um determinado problema
que era regulado pela X, que foi considerada inconstitucional. A Constituição prevê que para
além de efeitos invalidatórios e retroativos, a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral também tem efeitos repristinatórios. Admitindo que a lei X revogou e substituiu
a lei Y, para evitar o vazio legal a declaração de inconstitucionalidade implica que a lei não mais
poderá ser aplicada no futuro, implica que essa invalidade deve ter efeitos retroativos e implica
que há a repristinação (reposição da vigência) da lei que tinha sido afastada por revogação, ou
seja, para evitar o vazio legal até que o legislador volte a pronunciar-se é revigorada a lei que
tinha sido revogada (lei Y) – artigo 282º nº1. No artigo 282º nº 4 a Constituição prevê que o
Tribunal Constitucional pode regular os efeitos da decisão, ou seja, em princípio a declaração
de inconstitucionalidade com força obrigatória geral implica efeitos invalidatórios, retroativos
e repristinatórios, mas o Tribunal Constitucional pode por exemplo, afastar a eficácia retroativa.
Por exemplo: uma norma relativa á liquidação de IRS, que está em vigor durante 3 anos, e
durante esse tempo milhões de declarações de IRSS foram liquidadas com base naquela norma.
Se a norma vier a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral, têm de se rever a
liquidação de milhões de contribuintes em três anos fiscais, o que é impossível. Neste caso, o
Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade apenas para o futuro.

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