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PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - “SISTEMA DE FREIOS E

CONTRAPESOS”

O princípio da separação de poderes assume papel central desde a origem do


constitucionalismo, tendo surgido na época da formação do Estado Liberal,
baseado na livre iniciativa e na menor interferência do Estado nas liberdades
individuais, conforme entendimento construído no artigo 16 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “A sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes
não tem Constituição”.

O primeiro filósofo a elaborar a divisão dos poderes do Estado foi Aristóteles na


Grécia Antiga, em sua obra “A política”, com função deliberante, executiva e
jurisdicional.

No entanto, quem realmente é autor original da doutrina separacionista é John


Locke, em sua obra “Two Treatives Of Goverment” (Segundo Tratado sobre o
Governo), em 1690, definindo a separação das funções estatais, propondo uma
separação dual: Legislativo (responsável de fazer as leis) e Executivo (com o
dever de executá-las).

Considerado o “pai do iluminismo”, Locke defende a razão e a liberdade dos


cidadãos (os direitos naturais à vida, à propriedade e à liberdade - direitos de
1ª geração), garantindo, dessa forma, o direito de cada um e o direito de todos
(Estado liberal – surgiu durante o iluminismo séc. XVIII, baseando-se na
liberdade do cidadão).

Inspirado na obra de Locke (iluminista e liberal-burguês na época),


Montesquieu escreveu o clássico tratado "L’Espirit des lois" (O Espírito das
Leis, 1748), propondo uma divisão do poder em três, com autonomia como
característica principal de cada um deles: Legislativo (responsável de criar as
leis), Executivo (com o dever de executá-las) e o Judiciário (com o poder de
julgar de acordo com as leis), visando interconectar as funções estatais, a fim
de manter a autonomia e independência que lhes são típicas, nascendo daí a
famosa teoria dos freios e contrapesos (“checks and balances”).

A teoria do checks and balances prevê que a cada função foi dado o poder
para exercer um grau de controle direto sobre as outras, mediante a
autorização para o exercício de uma parte, embora limitada, das outras
funções. Assim, cada poder é considerado autônomo e deve exercer
determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros
poderes, já que o sistema constitucional de freios e contrapesos prevê a
interferência legítima de um poder sobre o outro, nos limites estabelecidos
constitucionalmente.

Na precisa descrição de Konrad Hesse, no sentido da divisão de poderes, são


criadas funções e órgãos estatais, que, por sua vez, devem levar a efeito tais
funções nos limites de suas respectivas competências constitucionalmente
estabelecidas e mediante regras de procedimento vinculativas e suficiente
claras. De todo modo, em rigor, cuida-se de uma distribuição e/ou divisão entre
as funções típicas do poder estatal, visto que o poder do Estado como tal é uno
e indivisível, assim como é uma indivisível a soberania.

A obra de Montesquieu teve grande difusão não apenas na Europa, mas


também na América, influenciando a Constituição da Filadélfia de 1787
(primeira Constituição escrita do mundo moderno, possuidora de apenas sete
artigos originais, sendo sintética quanto a sua extensão), que consagrou a
fórmula da especialização dos órgãos e da recíproca limitação entre os
poderes. A repartição equilibrada dos poderes entre os diferentes órgãos é feita
de modo que nenhum deles possa ultrapassar os limites estabelecidos pela
Constituição sem ser contido pelos demais.

No Brasil, o primeiro texto constitucional foi outorgado por D. Pedro I, em 25 de


março de 1824, tendo como uma de suas características principais o
estabelecimento da separação de poderes (funções), em quatro (Teoria
Quadripartita dos Poderes, quais sejam: Poder Moderador (considerado a
chave de toda a organização política e exercido privativamente pelo
Imperador), Poder Legislativo (composto pela Câmara dos Deputados eletiva e
temporária e pelo Senado composto de membros vitalícios nomeados pelo
imperador dentre integrantes de uma lista tríplice eleita pela província), Poder
Executivo (que tinha como chefe o Imperador), Poder Judicial (composto pelo
Supremo Tribunal de Justiça, com sede na capital do Império, pelos Tribunais
de relação nas províncias e pelos juízes de direito).

Após, o Brasil no ano de 1889 com a grande extensão do território brasileiro, a


criação de poderes locais, efetivos e autônomos, associados a ideias
republicanas e democráticas, foram decisivos para, em 15 de novembro de
1889, por meio do Decreto nº 1, ser proclamada no Brasil uma República
Federativa (em que o exercício é sempre temporário, escolhido pelo voto
exercido pelos cidadãos). Em conformidade com esse Decreto, as províncias
foram convertidas em Estados-Membros da recém-instituída federação e,
juntos, formaram os Estados Unidos do Brasil.
No ano seguinte, em 15 de novembro de 1890, foi eleita uma Assembleia
Nacional Constituinte que, em 15.11.1890, iniciou seus trabalhos para
elaboração de uma nova Constituição. Com isso, em 24.02.1981, foi
promulgada a Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil (nossa
primeira Constituição republicana e federativa), que teve influência Norte-
Americana e também foi de viés liberal.

Com o advento da Constituição de 1891, além da adoção da forma de governo


republicana e da forma federativa de Estado (províncias transformaram-se em
Estados), a Tripartição dos Poderes (diferentemente da Constituição do Império
de 1824), adotou-se o modelo de Separação de Poderes proposto por
Montesquieu (Executivo, Legislativo e Judiciário), tornado extinto o Poder
Moderador.

Em 1934, a Constituição democrática (promulgada pelo então Presidente


Getúlio Vargas) instituiu um constitucionalismo social, inspirado pela
Constituição da República de Weimar (1919), sendo o primeiro documento
constitucional do Brasil a disciplinar os direitos sociais (direitos de 2ª geração),
nota-se que a separação de poderes também foi por ela mantida nos moldes
do documento anterior.

Já a Carta Magna de 1937, que teve seu texto redigido pelo jurista Francisco
Campos, foi outorgada por Getúlio Vargas (um golpe de Estado sob pretexto de
preservar a ordem interna) em 10.11.1937, essa nova Constituição ficou
conhecida como “polaca” (influência da Constituição da Polônia de 1935), é
marcada por agitações ideológicas protagonizadas por nazifascistas e
comunistas, profundamente autoritária.

Quanto a separação dos poderes, fora mantido a definição formal dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, porém, na prática, a Constituição de 1937,
dissolveu o Poder Legislativo da União (com o fechamento do Congresso
Nacional), bem como dos Estados (Assembleias Legislativas) e dos Municípios
(Câmaras Municipais). Com isso, o Poder Executivo foi fortalecido pelo vasto
rol de competências atribuídas ao Presidente da República, fazendo com que o
Executivo funcionasse como um ‘superpoder’, o qual deveria legislar por meio
de decretos-lei.

A Constituição de 1946 (promulgada por General Eurico Gaspar Dutra),


reinaugurou o período democrático no Brasil, e se afastou dos retrocessos
adotados pela Carta anterior, tendo sido responsável pela renovação
democrática do país, contemplado um rol de direitos e garantias fundamentais,
bem como estabeleceu o equilíbrio entre os três Poderes (Executivo,
Legislativa e Judiciário). A Constituição de 1967 e a EC nº 01/1969,
mantiveram a Tripartição dos Poderes.

A última e atual Constituição democrática e cidadã de 1988, além de consagrar


expressamente o princípio da separação dos poderes (art. 2º) e protegê-lo
como cláusula pétrea (art. 60, § 4, III), estabeleceu toda uma estrutura
institucional de forma a garantir a independência entre eles, matizada com
atribuições de controle recíproco.

Salienta-se que o princípio da separação de poderes, elencado no art. 2º da


CF/88, estabelece uma repartição das funções estatais entre órgão distintos
com a finalidade de tutelar as liberdades dos particulares por meio da limitação
do poder do Estado. No célere sistema dos "freios e contrapesos" (checks and
balances) a repartição do exercício do poder entre diferentes órgãos tem por
finalidade evitar que sejam ultrapassados os limites impostos pela constituição.
Não se trata de uma rígida e estanque separação de atribuições, mas sim de
uma repartição equilibrada de funções típicas e atípicas, visando à fiscalização
e controle recíprocos, fundados na independência e harmonia entre os
poderes.

A Constituição Federal é a lei mais importante de um país democrático. O


desrespeito a ela sinaliza pecado capital ao sistema de “checks and balances”
e diagnostica a doença letal disseminada naquilo que temos de mais precioso:
a garantia de o Poder Judiciário julgar de acordo com os direitos fundamentais.

No âmbito federal, o Legislativo adotou o sistema bicameral, com a Câmara


dos Deputados com representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional
para um mandato de quatro anos, e o Senado Federal, com representantes dos
Estados e DF, eleitos pelo sistema majoritário para mandato de 8 anos com
uma alternância de 1/3 ou 2/3 de 4 em 4 anos. Na esfera estadual (Assembleia
Legislativa), distrital (Câmara Legislativa) e municipal Câmara Municipal dos
vereadores), optou-se pelo sistema unicameral.

A cláusula da separação de poderes (§ 4º, III, da CF/88), prevê que não haverá
inconstitucionalidade se o novo arranjo preservar o núcleo político do princípio
da separação dos poderes, como ocorreu, v.g., com a criação do CNJ pela EC
nº 45/04, órgão administrativo de caráter nacional, exerce o controle da
atuação administrativa e financeira do Judiciário, bem como fiscaliza os juízes
no cumprimento de seus deveres funcionais. Embora incluído na estrutura
constitucional do Judiciário, não dispõe de atribuições institucionais para
exercer atividade jurisdicional.

Nas lições de José Afonso da Silva, “a harmonia entre os poderes verifica-se


primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às
prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado,
cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem
sua independência são absolutas. Há interferências que visam ao
estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio
necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o
arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados”.

Enfim, a independência entre os poderes tem por finalidade estabelecer um


sistema de “freios e contrapesos” para evitar o abuso e o arbítrio por qualquer
dos Poderes. A harmonia, por sua vez, exterioriza-se no respeito às
prerrogativas e faculdades atribuídas a cada um deles. No Brasil, o judiciário
realiza o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos; o executivo
veta projetos legislativos aprovados, além de nomear membros do judiciário; já
o legislativo detém poderes de investigação e analisa os aspectos financeiros
orçamentários.

Atuação dos Poderes na CF/88:

Legislativo (Art. 44 ao 75)

Funções típicas: Legislar (art. 48, CF/88) e Fiscalizar (CPIs e contábil,


financeira, orçamentária e patrimonial do Estado, arts. 70 e 71, da CF/88).
Função atípica de natureza executiva: definir sua organização, prover cargos,
gerenciar servidores (conceder férias, licenças etc.);
Função atípica de natureza jurisdicional: julgamento pelo Senado nos crimes
de responsabilidade, nos termos do art. 52, inc. I e II da CF/88.

Executivo (Art. 76 ao 91)

Função típica - Chefia de Estado, de Governo e da Administração Pública


Função atípica de natureza legislativa: editar medidas provisórias com força de
lei (art. 62, da CF/88) e Leis Delegadas (art. 68 da CF/88);
Função atípica de natureza Jurisdicional: exercício do contencioso
administrativo.
Judiciário (Art. 92 ao 126)

Função típica: Julgar – função jurisdicional (juris dicere), atividade pela qual o
Estado substitui as partes em conflito para dizer quem tem o direito (caráter
substitutivo). O Judiciário é uno e indivisível: não é federal, nem estadual, mas
nacional.
Função atípica de natureza legislativa: elaborar regimento interno para cada
tribunal (art. 96, I, alínea a da CF/88);
Função atípica de natureza executiva: administrativa, concessão de
licença/férias para magistrados e serventuários, provimento dos cargos de
magistrados, entre outras nos termos do art. 96, I, alíneas b, c, d, e, f, da
CF/88.

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