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DIREITO
PENAL III

TEÓRICA
ANDRÉ ROSA - COM COLABORAÇÃO DE
CAROLINA MEDEIROS
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Sebenta de Direito Penal III – Teóricas

Nota Introdutória

Esta sebenta de Direito Penal III, disponibilizada pela Comissão de Curso do 3º Ano da
licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto no ano letivo
2022/2023, foi elaborada pelo estudante André Rosa, com base nos apontamentos
semanais elaborados pelo mesmo e pela estudante Carolina Medeiros.

Esta sebenta contém a compilação de toda a matéria lecionada pelo Sr. Professor André
Lamas Leite, no âmbito da Unidade Curricular de Direito Penal III.

Relembra-se, ainda, que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.

Bom estudo!

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Índice
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 3
PENAS ........................................................................................................................................... 4
Penas Principais ........................................................................................................................ 4
- Pena de Prisão ..................................................................................................................... 4
- Pena de Multa ..................................................................................................................... 6
Penas Acessórias ..................................................................................................................... 11
- Proibição do Exercício de Função ..................................................................................... 13
- Suspensão do Exercício de Função ................................................................................... 15
- Proibição de Conduzir Veículos Com Motor ..................................................................... 15
- Declaração de Indignidade Sucessória .............................................................................. 20
- Proibição do Exercício de Funções por Crimes Contra a Autodeterminação Sexual e a
Liberdade Sexual ................................................................................................................. 20
- Proibição de Confiança de Menores e Inibição de Responsabilidades Parentais ............. 21
Penas de Substituição ............................................................................................................. 22
- Admoestação .................................................................................................................... 24
- Multa de Substituição ....................................................................................................... 25
- Proibição do Exercício de Profissão, Função ou Atividade ............................................... 27
- Suspensão da Execução da Pena de Prisão ....................................................................... 28
- Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade .............................................................. 32
- Regime de Permanência na Habitação ............................................................................. 34
PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA .......................................... 36
Moldura Penal Abstrata ......................................................................................................... 37
Moldura Penal Concreta ........................................................................................................ 39
Medida Concreta da Pena ...................................................................................................... 41
Formas Especiais de Determinação da Pena ......................................................................... 44
- Reincidência ...................................................................................................................... 44
- Concurso de Crimes .......................................................................................................... 46
- Crime Continuado ............................................................................................................. 49
- Atenuação Especial da Pena ............................................................................................. 50
EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL .......................................................................... 51

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Nota prévia: verificar se o CP está conforme as alterações introduzidas pela Lei 94/2021, de 21 de
dezembro. Caso não esteja, colar essas alterações no código, ou adquirir um novo.

INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico português consagra duas grandes reações criminais:
• Penas;
• Medidas de segurança.

A pena baseia-se no princípio da culpa. Não há pena sem culpa, nem crime sem culpa,
mas pode haver culpa sem pena (dispensa de pena – art. 74.º CP). Se o agente é
inimputável no momento da prática do facto ilícito típico, não lhe pode ser aplicada uma
pena no momento da prolação da decisão final.

As medidas de segurança baseiam-se no pressuposto da perigosidade. A preocupação é a


de saber se o agente é perigoso, à data da prolação da decisão final pelo tribunal. Apenas
nesse momento se averigua se o agente se mantém perigoso, se ainda representa um
perigo para a comunidade. Se o agente tiver sido perigoso no momento da prática do
facto, mas no momento da decisão já não o for, não lhe poderá ser aplicada qualquer
medida de segurança, saindo ele em liberdade. Importa ainda referir que esta perigosidade
é aferida por peritos, presumindo-se este juízo subtraído à livre convicção dos tribunais
(necessidade de prova pericial – 163.º CPP, exceção ao princípio da livre apreciação da
prova).

Quanto às medidas de segurança, existem dois tipos:


• Detentivas/privativas da liberdade – apenas são aplicáveis aos inimputáveis;
• Não detentivas/não privativas da liberdade – são aplicáveis a qualquer um (ex.: o
art. 101.º CP prevê a possibilidade de se cassar o título de condução de um veículo
a motor). Estas medidas estão previstas nos arts. 100.º a 103.º do CP.

Nota: Em alguns casos, para além da pena principal aplicada, pode ser aplicada uma pena
acessória, que tem a finalidade de reforçar o efeito da pena principal (p.e., interdição de
conduzir veículos com motor – 69.º CP)

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PENAS

Classificação das penas:


• Penas principais:
❖ Pena de prisão;
❖ Pena de multa;
• Penas acessórias;
• Penas de substituição/substitutivas.

PENAS PRINCIPAIS

PENA DE PRISÃO

Importa, previamente, distinguir entre moldura penal abstrata e concreta:

Moldura penal abstrata – pena prevista, em abstrato, pelo legislador. Limites normais
estabelecidos, que dão respeito às finalidades da punição.

Moldura penal concreta – é a pena aplicável ao concreto caso. Existem várias hipóteses:
• Sistema em que o legislador preveja apenas pena de prisão, quando só a prisão dê
resposta às finalidades punitivas;
• Pena de multa alternativa (art. 193.º/1 CP) – (p.e., “a punição em pena de prisão
até dois anos ou multa até 240 dias”). O nosso ordenamento jurídico tem uma
preferência pela multa, ao abrigo do princípio da proporcionalidade (art.º 70.º CP),
por se tratar de uma sanção não detentiva. Se, numa situação concreta, tanto a
prisão como a multa derem resposta às finalidades punitivas do 40.º CP, deve o
juiz aplicar a pena não privativa da liberdade, em detrimento da pena detentiva.
Entende-se que a pena de prisão é criminógena, i.e., quando o agente é preso, tem
contacto com uma subcultura prisional que, em regra, contribui para o aumento
das taxas de reincidência. A partir de 95, o nosso legislador estabeleceu,
tendencialmente, uma equiparação entre o tempo de prisão e o tempo de multa.
Via de regra, um ano de prisão equivale a 120 dias de multa;
• Multa autónoma – crimes em que só se prevê pena de multa;
• Sistema de multa cumulativa – quando se aplica pena de prisão e pena de multa.
Este último sistema não é encontrado no CP, em nenhum artigo da parte especial,
embora seja encontrado noutros dispositivos, em legislação extravagante (ex.: DL
28/84). Críticas tecidas pelo Professor André Lamas Leite a respeito deste
sistema:

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1. Se alguém é condenado a pena de prisão e multa, há uma grande


incongruência dogmática. Penas principais são aquelas que por si só
cumprem as finalidade sancionatórias (40.º/1 CP). A prisão e a multa são
ambas penas principais, que não devem ser aplicadas cumulativamente às
mesmas situações;
2. É contrário à intenção na base da aprovação do CP. Foi objetivo do
legislador que a pena de multa tivesse a mesma dignidade da pena de
prisão, no que diz respeito ao cumprimento das finalidades punitivas.
3. Esta aplicação cumulativa pode ter um efeito criminógeno – se o agente é
privado de liberdade, sendo-lhe aplicada simultaneamente pena de multa,
será mais difícil liquidar o valor da multa (até porque a prisão implica que
o agente deixe de trabalhar e, por conseguinte, de auferir rendimentos).

Nota: nos termos do art. 41.º CP, o limite mínimo geral da pena de prisão é de 1 mês. Já
o art. 47.º/1 CP estabelece os limites normais da pena de multa que, em regra, tem como
limite mínimo 10 dias.

Pena de prisão única e simples:


• Simples – significa que a prisão não importa, por imperativo constitucional e
legal (165.º CP), a perda de nenhum direito civil, profissional ou político. O
cidadão terá os seus direitos fundamentais limitados, nos termos previstos na
decisão condenatória (direito à liberdade, essencialmente). Contudo, mantém
todos os outros direitos na sua plenitude (deve poder votar, prosseguir os seus
estudos, etc.). O princípio de proibição de automaticidade das penas tem
consagração nos artigos 30.º CRP e 65.º CP;
❖ Otto Bachof falava nas relações especiais de poder. Durante muito
tempo, entendeu-se que quem frequentava escolas públicas, estava
internado em hospital público ou estava nas prisões tinha uma relação
especial com o Estado, podendo este coartar direitos fundamentais que não
podia relativamente a outros cidadãos (ex.: poder-dever de correção,
obrigação de permanência no hospital, etc.). Num Estado de Direito
democrático, esta conceção é inadmissível. O recluso mantém a
titularidade de todos os DF, exceto os limitados pela decisão condenatória
transitada em julgado.
• Única – existe apenas um regime de pena de prisão, ao contrário do que
acontecia antes de 1982 (já não há prisão maior, dedicada a crimes mais graves, e
cujas condições de cumprimento eram mais gravosas, e prisão correcional,
dirigida a delitos menos graves, e cujo regime de cumprimento era mais leve).

Que limites comporta a pena de prisão?


Limites normais/comuns/gerais (artigo 41.º CP) – a pena de prisão tem, como regra, um
limite mínimo de um mês (n°1), e um limite máximo de vinte anos. Contudo, existem
outros limites especiais/excecionais da pena de prisão:

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•A outra pena principal, que é a pena de multa, terá várias formas de liquidação
fornecidas pelo legislador (p.e., pagamento de uma só vez, pagamento em
prestações, pagamento diferido). Não obstante, o ordenamento jurídico conhece o
ser humano, e sabe que se não houvesse um constrangimento, uma sanção mais
severa aplicável em casos de incumprimento da pena de multa, as pessoas não a
cumpririam. Assim, se todas as formas de liquidação da pena de multa se
revelarem infrutíferas, o Estado terá de converter a pena de multa em prisão
subsidiária, nos termos do artigo 49.º/1 CP. Caso contrário, o Estado estaria a
admitir o não cumprimento das suas decisões, sem qualquer consequência jurídica
associada a esse incumprimento. O legislador prevê ainda que, quando há
necessidade desta conversão, a pena de multa é reduzida a 2/3. Deste modo,
passar-se-ia, por exemplo, de 30 dias de multa, para 20 dias de prisão, devido à
maior severidade desta sanção. Verifica-se então que, nestes casos, a pena de
prisão pode ser inferior a um mês.

• Quanto ao limite máximo, o normal é de 20 anos. No entanto, o artigo 41.º CP


prescreve que, excecionalmente, a pena de prisão pode elevar-se até 25 anos de
prisão. É o “máximo dos máximos”. Quando é que isto acontece?
❖ Quando a lei di-lo expressamente (no artigo 132.º CP, por exemplo);
❖ Quando há um concurso efetivo de crimes, isto é, hipóteses em que o
agente pratica mais do que um tipo legal de crime, ou pratica várias vezes,
com vários projetos criminosos. o mesmo tipo legal de crime. A forma
como se pune o concurso está prevista no artigo 77.º CP, e pode levar a
que o agente seja condenado a uma pena de 25 anos de prisão.

PENA DE MULTA

O nosso legislador entendeu que a pena de multa devia ser um elemento central da
punição no ordenamento jurídico português. Por isso, previu a pena de multa enquanto
pena principal, ao lado da pena de prisão.
A pena pecuniária ou de multa tem antecedentes históricos. Vimos três grandes fases na
evolução da histórica do Direito Penal:

• Fase da vingança privada/de sangue - não havia centralização do poder punitivo


de administrar a justiça em qualquer estrutura estadual. Valia a retorsão, a lei do
mais forte, período da vingança de sangue ou vingança privada;

• Período da compositio - a forma de resolução dos conflitos penais era através de


uma composição pecuniária em dinheiro ou em bens, de modo a afetar o
património do condenado. Começa a surgir uma ideia de proporcionalidade entre
a gravidade do crime e a gravidade da sanção.

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•Temos, hoje, duas penas principais que afetam dois direitos fundamentais
distintos: pena de prisão (direito à liberdade - artigo 27.º CRP) e pena de multa
(afeta o direito à propriedade privada - artigo 62.º CRP).

A pena de multa remete sempre para o Estado, isto é, o valor da multa reverte a favor do
Estado. A multa conhece três modalidades:

• Multa autónoma - quando o tipo legal de crime apenas prevê a punição com
pena de multa, existindo poucos casos deste género no ordenamento jurídico
nacional;

• Multa alternativa - a mais comum no nosso CP e na legislação penal extravagante,


em que o legislador prevê a possibilidade de aplicar a pena de prisão ou de
multa (com preferência para a aplicação da pena de multa, por ser menos gravosa,
quando cumpra as finalidades punitivas).

• Multa cumulativa – existe apenas em legislação penal extravagante. Aplica-se


pena de prisão e pena de multa, cumulativamente.

A ideia que subjaz à pena de multa é a de atacar o património do condenado, como forma
de cumprir as finalidades da punição. Historicamente, a pena de multa surge de várias
formas:

• Sistema da multa global – consiste na fixação de quantitativos exatos para a


prática do crime. Independentemente da gravidade do crime em concreto e da
culpa do agente, este será condenado a uma pena de multa de valor fixo (p.e., pela
prática de um determinado tipo legal de crime, o agente é condenado a uma pena
de multa de 1000€). Este sistema de afastar à luz do ordenamento jurídico atual,
porque não respeita o princípio da culpa do artigo 40.º/2 CP. Não permite adequar
a pena de multa ao caso concreto.

• Sistema complexivo global – baseia-se em estabelecer uma moldura penal


abstrata, isto é, um limite mínimo e máximo de pena de multa para cada tipo
legal de crime (p.e., quem praticar o crime x é punido com pena de multa entre
100€ e 1000€). É mais respeitador do princípio culpa, porque o Tribunal já pode
adaptar a medida da pena às concretas circunstâncias em que o crime foi praticado,
mas ainda é de afastar, uma vez que mistura as razões de culpa e de prevenção
com a situação económica e financeira do condenado. O juiz deve ponderar estes
dois elementos, mas de forma separada.

• Sistema dos dias de multa/modelo escandinavo – é o que vigora no ordenamento


jurídico atual. Terá surgido pela primeira vez na Escandinávia, embora haja um
autor que se dedicou à história do DP, Jescheck, que encontrou dados históricos
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no sentido de que terá sido Portugal o primeiro país no mundo a aplicar este
sistema, no Brasil, quando este ainda era uma colónia portuguesa. O sistema dos
dias de multa é usado hoje por todos os países da UE. Parte da ideia de que a
aplicação da pena de multa faz-se em dois momentos distintos, que o Tribunal
não pode confundir:
❖ Primeiro, o julgador fixa o número de dias de multa em que será punido o
agente, de acordo com a culpa e as exigências de prevenção, geral e
especial, que se fazem sentir no caso concreto (art. 71.º/1 CP). Nos termos
do art. 47.º CP, os limites normais oscilam entre os 10 e os 360 dias de
multa, sem prejuízo de estes limites gerais poderem conhecer limites
especiais – quanto ao limite mínimo da pena de multa, não há nenhum tipo
legal de crime que preveja menos de 10 dias. Já quanto ao limite máximo,
este pode ser ultrapassado por expressa previsão legal ou por concurso
efetivo de crimes (limite de 900 dias, neste último caso, nos termos do
artigo 77.º/2 CP);
❖ A segunda fase é a determinação da taxa diária, isto é, o quantitativo diário
a liquidar por cada dia de multa. Na determinação da taxa diária, o
Tribunal tem de ter em conta não as exigências de culpa e de prevenção,
mas sim a situação económico-financeira do condenado. Se o indivíduo
ganha 2000 euros. Nos termos do artigo 47.º/2 CP, a taxa diária oscila
entre 5 e 500 euros por dia. Para determinar a pena de multa total, basta
multiplicar o nº de dias de multa pela taxa diária.

Como se determina a situação económico-financeira do condenado?

Esta tarefa é deixada nas mãos do juiz. Não parece uma boa solução do ponto de vista
legislativo. O Professor André Lamas Leite entende que o legislador devia dar mais
indicações sobre o que entende por “situação económica financeira do condenado”. Tem-
se em conta, do lado do rendimento:
• O rendimento bruto ou líquido?
• Os rendimentos provenientes do trabalho, ou também os provenientes de outras
fontes, como rendas?
• As pensões auferidas pelo condenado, como o RSI?
• O património do condenado?

Do lado da despesa:

• Apenas devem ser tidas em conta as despesas básicas, essenciais, ou também as


supérfluas?;
• Que despesas são consideradas essenciais, e quais as consideradas supérfluas?

- Do ponto de vista do rendimento, o Tribunal deve aferir o rendimento bruto ou o


líquido? – é consensual na nossa doutrina e jurisprudência que o Tribunal deve ter em
conta o rendimento bruto e não o líquido, isto é, o que é auferido antes dos impostos e
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contribuições para a segurança social. De facto, está expressamente prescrito no


Código Penal alemão que o juiz deve ter em conta o rendimento bruto.

- O património deve ser tido em conta, apesar de uma corrente doutrinal defender que
não, por entender que se trata, na prática, de um confisco, proibido pela CRP.

Não podem ser tidos em conta, para efeitos de determinação da situação económico-
financeira do condenado, os valores que lhe advenham por via de doação ou de herança.
O legislador pretende que a pena de multa seja efetivamente sentida pelo condenado, ou
seja, que aquilo que responde perante a pena de multa sejam os bens sobre os quais
o condenado tenha disponibilidade efetiva. Pelo contrário, se o condenado recorrer a um
contrato de mútuo, gratuito ou oneroso, os valores contraídos por via deste contrato
podem ser tidos em conta, porque há esforço por parte do condenado, que terá
de liquidar o montante mutuado e os juros respetivos. Pretende-se que a pena de multa
não se converta num “cómodo negócio em prestações” (expressão utilizada num
acórdão). Aquilo que o indivíduo já tem na sua esfera até a condenação deve ser tido em
conta, mas os bens que entram posteriormente já não.

Contrato a favor de terceiro – também não é admitido. Violaria o princípio da proibição


da transmissibilidade da responsabilidade penal. Não pode outra pessoa, através do seu
património, liquidar a multa aplicada ao condenado.

Na prática, como é que se determina a situação económica do condenado?

O juiz pergunta ao arguido se trabalha, quando ganha, se tem casa arrendada, se tem
filhos, as despesas da casa, água, luz, se tem outras prestações a liquidar, etc.
Normalmente, o Tribunal fica-se com isto, e é em função do que foi dito pelo arguido que
determina a taxa diária. Isto porque a lei não diz como se afere a situação económico-
financeira.

Ora, naturalmente, há sempre a tendência de o arguido inflacionar as despesas e


subvalorizar as receitas. Assim, pode haver um processo de averiguação da situação
económico-financeira do arguido, tendo as secretarias do acesso direto às finanças, à SS
e ao registo predial, embora seja raro que o juiz recorra a estes meios.

Uma vez notificado o condenado para liquidar a pena de multa, existem várias formas
de proceder a essa liquidação:

• Artigo 47.º/3 CP – o condenado pode pedir o pagamento fracionado (até ao limite


de dois anos, ou 24 prestações) ou o pagamento diferido (até ao limite de um ano),
se alegar e provar que a sua situação económica financeira não lhe permite liquidar
a pena de multa de uma vez só.

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• Há, ainda, a possibilidade prevista no artigo art. 48.º CP de o condenado requerer


a liquidação da pena de multa, através de trabalho. Neste caso, o condenado não
tem de provar que a sua situação económico-financeira não o permite liquidar a
pena de multa de uma só vez, ou de forma fracionada. A liquidação da pena de
multa por via do trabalho corresponde às finalidades punitivas. Não é uma
verdadeira pena de substituição (na medida em que não é determinada pelo
tribunal, em substituição de uma pena de prisão efetiva), tratando-se apenas de
uma forma alternativa de liquidação da pena de multa. Implica que o condenado
trabalhará numa instituição estadual ou numa IPSS, de forma gratuita, dando o
juiz preferência à instituição que seja indicada pelo condenado (em regra). O art.
48.º CP, em muito do seu regime, remete para o art.º 58.º (regime da prestação de
trabalho a favor da comunidade, que é uma verdadeira pena de substituição). Por
via da remissão para o art. 58.º/3 CP, há uma correspondência entre o nº de dias
de multa e o nº de horas de trabalho que o condenado há de cumprir, à razão de
um para um (1 dia de multa – 1 hora de trabalho). Já nos termos do art. 58.º/4 CP,
o condenado pode prestar esse trabalho aos fins de semana e feriados, bem como
nos dias úteis, sendo que neste último caso os períodos de trabalho não podem
nem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder o máximo de horas de
trabalho diárias permitidas, de acordo com o regime do trabalho suplementar
previsto no Código do Trabalho (em regra, são duas horas extraordinárias por dia).
O artigo 58.º/3 CP estabelece ainda um limite máximo de 480 horas de trabalho.
Assim, mesmo que o condenado tenha de cumprir 600 dias de multa, p.e., se pedir
a substituição da multa por trabalho, apenas poderá prestar 480 horas de trabalho,
por aplicação do limite estabelecido neste artigo (p.e., se alguém é condenado a
600 dias de multa, pela conversão,

• O que fazer quanto aos casos em que a situação económica e financeira do


condenado não lhe permite pagar a pena de multa, nem está em condições de
liquidar a pena de multa através do trabalho? Aplica-se o artigo 49.º/3 CP. Luigi
Ferrajoli defende que a pena de multa deveria ser eliminada, por introduzir
desigualdade no sistema jurídico-penal. O OJ tem resposta para este problema –
se o condenado alegar e provar que só não liquidou a pena através destas formas
porque não tem situação económico-financeira capaz, ou porque está
impossibilitado de trabalhar, então o juiz determina a conversão da pena de multa
em prisão subsidiária (os 120 dias de multa convertem-se, nos termos do artigo
49.º/1 CP, em 80 dias de prisão), mas esta pena de prisão subsidiária fica suspensa
na sua execução, durante um período de tempo fixado pelo tribunal, até ao
máximo de 3 anos, devendo o tribunal impor ao condenado deveres de caráter não
económico-financeiro (ex.: frequentar formações profissionais).

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PENAS ACESSÓRIAS

São aquelas que, necessariamente, se têm de aplicar ao lado, cumulativamente, de


uma pena principal de prisão ou de multa. As penas acessórias não cumprem, por si
só, as finalidades punitivas. As finalidades do artigo 40.º/1 CP são cumpridas de forma
única e exclusiva pelas penas principais. As penas acessórias apenas auxiliam no
cumprimento das finalidades das penas principais. São uma espécie de
complemento/aditivo das penas principais.

Quando falamos em penas acessórias, convém ressalvar que falamos de verdadeiras


penas no nosso ordenamento jurídico, coisa que entre nós sempre foi clara, mas que não
acontece noutros ordenamentos jurídicos, como o alemão, onde há ainda muitas dúvidas
a este respeito. Na medida em que estamos perante verdadeiras penas, regem-se pelo
disposto no artigo 71.º/1 CP, isto é, as penas acessórias, tal como qualquer outra pena,
também têm de se aplicar em função das exigências de culpa e de prevenção (geral e
especial).

Do ponto de vista histórico, as penas acessórias repousam no instituto da infâmia – já no


tempo das Ordenações, estas penas acessórias já existiam, mas eram habitualmente
tratadas pela doutrina da época como infames – havia crimes excecionalmente graves, em
que a pena principal aplicada não era suficiente para conter esse quantum da gravidade –
revelava-se necessário aplicar um aditivo, algo que fosse para além do conteúdo punitivo
da pena principal. Falamos, assim, em crimes infamantes, enquanto os brasileiros falam
na categoria dogmática dos crimes hediondos. Quanto a estes crimes mais graves, o que
hoje teríamos como criminalidade altamente organizada ou violenta (1.º CPP), para além
da pena principal aplicável, tudo o que era propriedade do condenado - casa, colheitas,
terras - era queimado. A ideia era apagar da história o facto de a pessoa ter sequer existido,
no contexto de uma época em que a responsabilidade criminal era transmissível, isto é,
toda a família do condenado era amaldiçoada, afastada do convívio social.

No DP, distinguimos três conceitos cujas fronteiras são muito fluidas, difíceis de definir
com clareza, por terem o mesmo lastro histórico no instituto da infâmia:
• Penas acessórias;
• Efeitos dos crimes;
• Efeitos das penas.

Em relação a estas três categorias, relevam os artigos 30.º CRP e 65.º CP – não pode
alguém, pelo simples facto ser condenado a cumprir determinada pena, automaticamente,
por essa circunstância, ser privado de direitos civis, profissionais ou políticos – princípio
da não automaticidade dos efeitos das penas.
Falamos aqui em efeitos das penas, pois o artigo 65.º/1 CP prescreve que “nenhuma pena
envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.” (esta
norma é uma transcrição da norma da CRP).

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O legislador ordinário acrescentou o artigo 65.º/2 CP que diz que “a lei pode fazer
corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou
profissões.” Ou seja, aqui, já não falamos em efeitos das penas, mas em efeitos dos crimes
(crimes em relação aos quais o legislador pode ligar a perda de determinados direitos
civis, profissionais ou políticos).

Portanto, é possível, em abstrato, distinguir as penas acessórias dos efeitos das penas.
A lei não proíbe que a aplicação de uma pena faça com que se perca determinados direitos,
mas sim que tal seja uma operação automática, sem intervenção do julgador. Na prática,
verificamos que apesar desta possibilidade de, em abstrato, distinguir penas acessórias de
efeitos das penas de efeitos dos crimes, a categoria com maior prevalência e aplicação
prática, a mais facilmente distinguível das demais é a categoria das penas acessórias, as
quais estão previstas na parte geral do CP, na parte especial e em legislação extravagante
– nesta UC, o estudo incidirá apenas sobre as penas acessórias previstas na parte geral do
CP – artigo 66.º (proibição de exercício de função), artigo 69.º (proibição de conduzir
veículos com motor) os artigos 69.º- A, B e C.

Existem penas acessórias previstas na parte especial do CP, como nos crimes de violência
doméstica (artigo 152.º CP) - aqui, vemos que para além da pena principal de prisão, que
oscila entre 1-2 anos de pena mínima e 5 anos de pena máxima, nos termos do 152.º/5
CP, pode haver possibilidade de se aplicar pena acessória de proibição de contacto com
a vítima, entre outras penas acessórias previstas no n.º4 e na lei 112/2009 (conjunto de
apoios de caráter social, económico ou laboral, que o Estado concede a quem é vítima de
violência doméstica) - esta lei trata de toda a questão da prevenção e repressão da
violência domestica. Há medidas de coação processual que se aplicam antes de haver
decisão transitada em julgado que visam evitar a perturbação do inquérito, fuga,
destruição das provas, perturbação da ordem da comunidade pública - artigos 204.º CPP.
Há mesmo determinadas medidas de coação processual especificas para a violência
doméstica (artigos 31.º e 35.º da lei 112/2009).

Percebe-se que existe, hoje em dia, um grande movimento de política criminal no sentido
de que, muitas vezes, mais importante do que a pena principal, para as vítimas, são as
penas acessórias. O grande foco da vítima de violência doméstica tende a ser o
afastamento do arguido, e não propriamente saber se o condenado o vai ser em pena de
prisão, em quantos anos, se vai ser pena de prisão efetiva, etc. Aí, como medida de coação
processual ou como pena acessória, a proibição de contactos com a vítima é bastante mais
importante, na ótica da vítima, do que a pena principal. Cada vez mais, há uma orientação
vitimo-dogmática (orientada para os interesses de proteção da vítima, que pode colidir
com a proteção das garantias do arguido. Deve haver sempre um equilíbrio entre estas
duas considerações).
A vítima de violência doméstica deve sempre constituir-se como assistente no processo
penal, sendo que o regulamento das custas processuais isenta as vítimas de violência
doméstica do pagamento das taxas de justiça, tal como as vítimas de mutilação feminina,
ou tráfico de pessoas.

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Há crimes eleitorais em que o condenado é também proibido de ter capacidade


eleitoral ativa ou passiva (artigos 336.º e ss. CP) – o legislador prescreve, no artigo 346.º,
que “quem for condenado por crime previsto no presente capítulo pode, atenta a concreta
gravidade do facto e a sua projeção na idoneidade cívica do agente, ser incapacitado
para eleger Presidente da República, membro de assembleia legislativa ou de autarquia
local, para ser eleito como tal ou para ser jurado, por período de 2 a 10 anos.”

As penas acessórias têm sempre de ter uma duração definida na lei, como verdadeiras
penas que são. Caso contrário, violar-se-ia o princípio da legalidade (artigo 29.º CRP).

CONCRETAS PENAS ACESSÓRIAS PREVISTAS NA PARTE GERAL DO CP

PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO (ART. 66.º CP)

É uma pena acessória de natureza específica, porque não se pode aplicar a todo e qualquer
indivíduo. A pena do artigo 66.º CP só pode ser aplicada a funcionário. Quem é que é
funcionário para efeitos penais? Todo o agente que seja subsumível à norma do artigo
386.º CP (norma definitória do conceito “funcionário”), a alguma das categorias deste
artigo. Trata-se de qualquer pessoa singular ou coletiva que tenha uma relação contratual
com o Estado, seja contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços ou até
concessionário de serviços públicos do Estado. Por exemplo, quando o Estado outorga o
estatuto de utilidade pública a um clube de futebol, este passa a ter uma série de vantagens
e, do ponto de vista criminal, passa a integrar o estatuto de funcionário, representando o
Estado. A sua conduta é mais censurável, logo a sua punição é mais grave.

Por outro lado, esta pena acessória tem de ser aplicada relativamente a crimes que sejam
praticados no exercício e por causa das suas funções

Em terceiro lugar, a medida concreta da pena aplicada ao crime, nos termos do artigo
66.º/1 CP, deve ser superior a 3 anos para que se possa aplicar esta punição acessória.
• Pode levantar-se a dúvida, que já se levantou na nossa jurisprudência, de saber se,
em caso de concurso de crimes em que a pena aplicada seja superior a 3 anos, por
efeito do concurso, o tribunal pode também aplicar a pena acessória do artigo
66.º/1 CP, sendo que a cada crime em concreto se aplica uma pena inferior a 3
anos. A resposta é negativa: neste caso, o tribunal não pode aplicar a pena
acessória, porque em relação a cada um dos crimes em concurso, nenhum deles
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ultrapassa o limite fixado no artigo 66.º/1. Seria fraude à lei que, por via do
concurso de crimes, o agente acabasse por ser prejudicado por lhe poder ser
aplicada, além da pena principal, uma pena acessória.
• Quando apenas um dos crimes ultrapasse a medida concreta da pena
correspondente a 3 anos de prisão, a jurisprudência entende que pode o tribunal
aplicar a pena acessória. Seria um benefício atribuído ao agente, sem qualquer
justificação dogmática, afastar a possibilidade de aplicar a pena acessória por via
do concurso.

Para além destes requisitos, é ainda necessário daqui derivar a consequência de a


comunidade, no seu conjunto, já não poder confiar na condição de funcionário
daquela pessoa. O condenado revelou-se indigno da sua qualidade de funcionário. Para
tal, basta que apenas uma das alíneas a) a c) do art. 66.º/1 CP se aplique no caso concreto.

A lei 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 21 março de 2022, veio transpor para a
nossa legislação aquilo que foi aprovado em Conselho de Ministros como a Estratégia
Nacional Anti-Corrupção 2021-2025, e introduziu uma alteração sensível ao artigo 66.º/1
CP, que diz respeito ao crime de recebimento ou oferta indevida de vantagem (artigo
372.º CP). Em relação a este crime, pode ser aplicada também esta pena acessória,
mesmo que não seja aplicada uma pena de prisão superior a 3 anos, quando o agente
seja dispensado de pena. O mesmo se aplica em relação aos crimes de corrupção ativa
e passiva, previstos nos artigos 373.º e 374.º CP. Ou seja, se o agente for, em relação a
esses crimes, dispensado de pena, mesmo assim pode ser-lhe aplicada a pena acessória de
proibição do exercício de função.

Nota: dispensa de pena – há casos em que o Tribunal pode determinar que o agente
praticou o crime, a sentença final é condenatória, todos os elementos do tipo legal de
crime estão preenchidos. É uma decisão que tem de ser inscrita no registo criminal, mas
o agente não vai cumprir efetivamente a pena de prisão, por tal não se justificar por
motivos de natureza preventiva, i.e., a prevenção geral e a prevenção especial em nada
exigem que o arguido seja encarcerado. Ele vai em liberdade, apesar de a decisão ser
condenatória e ser inscrita no registo. É um instituto importado do DP alemão

Crime de corrupção – o legislador, no artigo 374.º- B, veio gizar esta política na


estratégia nacional anticorrupção. A ideia era aumentar os casos em que o agente seja
dispensado de pena ou em que a pena seja especialmente atenuada, para incentivar o
agente a não consumar o crime de corrupção ou de recebimento indevido de
vantagem (ex.: o agente recebe a vantagem, mas entrega a vantagem ao Estado ou
denuncia à polícia aquilo que se passou). Se um funcionário pratica um crime de
corrupção, caindo no art. 374.º-B, e se estiver verificado algum dos requisitos das alíneas
a) a c) do art. 66.º/1, pode aplicar-se a pena acessória de proibição do exercício de função.

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O artigo 66.º CP também se aplica a pessoas que, não sendo funcionários,


exerçam profissões que são reguladas pelo Estado – artigo 66.º/2 CP – i.e, profissões
cujo exercício depende de uma habilitação pública.

A lei 94/2021 introduz o nº3 ao artigo 66.º CP - permite que se proíba o exercício de
função relativamente a gerentes ou administradores de sociedades comerciais,
previstas no CSC, que cometam os crimes de corrupção, de recebimento indevido ou de
oferta de vantagem. Ex.: A é administrador de um banco privado. No exercício das suas
funções, pratica um crime de corrupção. Não era possível, até aqui, aplicar qualquer
sanção para além da pena de prisão. Esta pessoa podia continuar a trabalhar no setor
bancário sem qualquer problema. Note-se que deve estar verificado, pelo menos, um dos
requisitos das alíneas a) a c) do art. 66.º/1 CP, bem como os do nº1, exceto o requisito de
ter de ser funcionário.

O art. 66.º/6 CP visa operacionalizar o nº 3 deste artigo - se se tratar de alguém que gere
uma sociedade comercial, essa condenação é comunicada ao registo comercial, para que
este possa controlar a proibição do exercício desta atividade.

SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO (ART. 67.º CP)

“O arguido definitivamente condenado a pena de prisão, que não for demitido


disciplinarmente de função pública que desempenhe, incorre na suspensão da função
enquanto durar o cumprimento da pena.” – As suas atividades ficam suspensas
(nomeadamente, na função pública). Não se trata de uma verdadeira pena acessória.
Figueiredo Dias diz que é um “efeito inabalável da pena”, i.e., um efeito evidente da
pena - se a pessoa está em cumprimento de pena de prisão, é evidente que a função não
poderá ser exercida durante o tempo de cumprimento da pena.

PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR (ART. 69.º CP)

Este artigo configura a pena acessória com maior aplicação prática na vida dos tribunais.
O artigo 69.º CP encerra em si vários problemas:

• Até 2013, só os crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º CP que levavam à
aplicação cumulativa de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos

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com motor (por um período fixado entre 3 meses e 3 anos). Existia uma lacuna
que os Tribunais vinham apontando e tentavam colmatar, violando o
princípio da legalidade, que contende com os crimes rodoviários/estradais, i.e.,
crimes que acontecem no âmbito da condução automóvel – homicídio por
negligência (artigo 137.º CP) e ofensas à integridade física por negligência (artigo
148.º CP).
❖ Até 2013, os Tribunais só tinham a possibilidade de aplicar a pena prevista
para o homicídio negligente - pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Só a negligência grosseira (artigo 137.º/2 CP) não admite a pena de multa.
Não se podia aplicar nada mais fora de uma pena principal de prisão ou de
multa, porque o artigo 69.º CP não previa estes casos. Os Tribunais diziam
que a lei, apesar de não prever expressamente, do ponto de vista da culpa
e das exigências de prevenção, era de todo necessário aplicar esta pena
acessória. Estas decisões eram inconstitucionais, por violação do princípio
da legalidade. Assim, foram revertidas no Tribunal da Relação ou no
Tribunal Constitucional.
❖ Se fosse favorável ao arguido, a lacuna podia ser preenchida por analogia.
Contudo, neste caso, era desfavorável ao arguido. A própria consciência
dos Tribunais repugnava que isto não estivesse previsto. Foi preciso
esperar por 2013 para que expressamente conste do art. 69.º/1 CP que
estes crimes levam à aplicação da pena acessória de inibição de
conduzir veículos com motor.

• Discutiu-se a seguinte questão, já colocada perante o Tribunal da Relação de


Évora: saber se se proíbe o condenado de conduzir apenas a categoria de
veículos utilizada para praticar o crime, ou toda e qualquer categoria de
veículos. O Tribunal da Relação de Évora entendeu que o princípio da
proporcionalidade justifica que se o indivíduo praticou o crime utilizando
determinada categoria de veículos, só pode ser proibido de conduzir veículos
dessa categoria. Mas, se isto se transformasse num princípio geral, não faria
sentido. Do ponto de vista da prevenção, tal seria desastroso. Logo, esta orientação
será de afastar. Quando a lei fala na inibição de conduzir, reporta-se a todas
as categorias de veículos que aquela pessoa esteja habilitada a conduzir.

• Quando é que se começa a contar o prazo para o cumprimento desta pena


acessória? Imaginemos que, hoje, é proferida uma sentença/acórdão
relativamente a um caso de homicídio por negligência na condução automóvel,
em que o Tribunal condena o agente a 2 anos de prisão suspensa na sua execução
(artigo 137.º/1 CP). A partir de que momento se conta o prazo para aplicação desta
pena acessória? Como se trata de uma situação que cabe no artigo 69.º/1 CP, o
Tribunal vai ter de ponderar se aplica a pena acessória de inibição de condução de
veículos a motor. Nessa ponderação, vai de 3 meses a 3 anos. Imagine-se que o
Tribunal aplica 2 anos de pena acessória. Qual é o termo a quo? Há duas posições
divergentes, embora uma seja largamente maioritária na jurisprudência:
❖ O Artigo 467.º CPP diz que as decisões penais são executórias (podem
começar a ser executadas) a partir do momento em que tenham transitado
em julgado. Se hoje é proferida a sentença pelo Tribunal, não é a partir da
data da prolação da decisão final que se começa a contar o prazo (artigo

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411.º/1/b) CPP). É a partir do depósito na secretaria. A partir desta data,


começa a contar o prazo de 30 dias para interpor recurso ordinário no
processo penal;
❖ Outra posição, largamente maioritária na jurisprudência, defende que não
é este o termo a quo, pelo qual se contabiliza o inicio da contagem da pena
acessória, mas sim a partir da entrega efetiva do título habilitador de
condução, pois desde esse momento, o agente passa a não ter a
disponibilidade fáctica sobre o instrumento que o permite conduzir
licitamente, e o meio mais utilizado para fiscalizar o cumprimento dessa
pena é através da requisição dos documentos pelos agentes policiais (o
legislador criou um tipo legal próprio, previsto no artigo 353.º CP - crime
de violação de imposições, proibições ou interdições: quem violar pena
acessória, é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até
240 dias).

O artigo 69.º CP remete para o artigo 500.º CPP, no que respeita à execução desta pena
acessória. Depois do trânsito em julgado, o condenado dispõe de um prazo de 10 dias
para entregar a carta de condução, na secretaria do Tribunal da condenação ou em
qualquer OPC. A partir daí, se o agente, depois dos 10 dias a contar do trânsito em julgado
da sentença condenatória, não entregar a carta de condução, comete um crime de
desobediência, e não de incumprimento de pena acessória, pois ainda está obrigado
ao ato de entregar a carta. Coisa diferente, é ter entregado a carta e conduzir na mesma,
incumprindo a pena acessória. Por ser a partir desse momento que o indivíduo deixa de
ter disponibilidade sobre o título de condução, defende-se na jurisprudência que o prazo
conta-se a partir da entrega do título de condução.

Se seguirmos a primeira orientação, a pena será cumprida mais rapidamente. Se


defendermos a segunda, que decorre mais diretamente da lei, vai demorar mais tempo a
ser cumprida. Há uma diferença temporal. Isto contende com a questão da fiscalização do
cumprimento, caso o condenado seja apanhado a conduzir neste intervalo de tempo. Pode
ser a diferença entre ser punido e não ser punido.

Surge um problema de constitucionalidade:


- O artigo 69.º CP tem sido objeto de muita polémica, porque há vários Acórdãos
Uniformizadores de Jurisprudência do STJ que dizem que o juiz não é livre de não aplicar
a pena acessória do artigo 69.º CP. Sempre que se verifique algum dos requisitos do artigo
69.º/1 CP, o Tribunal tem sempre de aplicar esta pena acessória de inibição de conduzir
veículos com motor.

- Ora, aparentemente, tal contraria o suprarreferido princípio da proibição da


automaticidade dos efeitos das penas. A hipótese mais correta seria permitir que os
tribunais façam um juízo prudencial, em cada caso concreto, de modo a verificar se se
justifica ou não a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor.

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- Contudo, o STJ concluiu que o facto de alguém ter praticado um crime previsto
no art. 69.º/1 CP demonstra que essa pessoa tem potencial de perigosidade, no que toca à
condução automóvel. Logo, a proteção do bem jurídico da segurança rodoviária
justifica a aplicação desta pena acessória.

- Esta questão já chegou, por várias vezes, ao TC, por aparente violação do artigo 30.º
CRP, que proíbe automaticidade dos efeitos das penas. O TC decidido no sentido de
considerar que não é inconstitucional o entendimento de que sempre que alguém comete
um crime previsto no art. 69.º/1 CP, é aplicável automaticamente esta pena acessória,
porque:

• Este entendimento tem amparo legal, no art. 65.º/2 CP, nos termos do qual a lei
pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados
direitos ou profissões. Logo, na medida em que o art. 69.º/1 prevê tipos legais de
crime, existe amparo legal para exigir que sempre que alguém seja condenado por
esses crimes, se aplique a pena acessória de proibição de conduzir veículos com
motor. Não obstante, o tribunal mantém um espaço de discricionariedade
vinculada, para aplicar um determinado quantum de pena acessória que oscile
entre 3 meses e 3 anos;
• O Professor André Lamas Leite discorda desta orientação jurisprudencial, por
violar aquela que é a hierarquia das normas. A CRP está acima do CP na
pirâmide normativa, logo, a possibilidade que o art. 65.º/2 CP abre, de a
determinados crimes se fazer corresponder determinada limitação do exercício de
direitos ou profissões, não tem fundamento na Constituição. Assim sendo, na ótica
do Professor, a interpretação do STJ e do TC é materialmente inconstitucional,
em nada adiantando afirmar que o tribunal mantém um espaço para determinar a
medida concreta da pena, visto que isso é o mínimo que tem de suceder em
qualquer pena.
❖ Atente-se, por exemplo, nos casos em que há concorrência de culpas, ou
seja, quando, para a produção de determinado resultado lesivo, não
concorra apenas a conduta do agente criminoso, mas também a conduta da
vítima (p.e., a vítima atravessou fora da passadeira, num local com pouca
visibilidade). Nestas situações, justificar-se-ia talvez a não aplicação da
pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, bastando a
pena principal para cumprir as finalidades punitivas;
❖ Por outro lado, se o legislador não obriga que o juiz aplique sempre a pena
acessória prevista no art. 66.º CP, permitindo que faça um juízo prudencial
no caso concreto, porque é que não adota a mesma lógica no que respeita
à aplicação do art. 69.º? O Professor afirma que pode ter que ver com o
facto de haver muitos acidentes de viação em Portugal, mas não é esta a
função do DP.

Note-se que nada adianta dizer que o arguido é motorista profissional e precisa da carta
de condução para trabalhar. Pelo contrário, os tribunais entendem que se a pessoa é
motorista profissional, há uma obrigação acrescida de cuidado na condução automóvel.
Exige-se especial atenção da sua parte.

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Artigo 69.º CP vs. Artigo 101.º CP


Surge a necessidade de distinguir entre artigo 69.º CP e o artigo 101.º CP que diz respeito
à medida de segurança aplicável a imputáveis e inimputáveis. I.e., pode acontecer que
uma pessoa já tenha sido condenada repetidas vezes à pena acessória do artigo 69.º CP e
continua a cometer estes mesmos crimes. A simples inibição de conduzir de 3 meses a 3
anos revela-se insuficiente, sendo essencial que se aplique, para além da pena principal,
a medida segurança do artigo 101.º CP não preventiva da liberdade – o título caduca, e a
pessoa tem de voltar a fazer os exames necessários para obter novo título. O condenado,
porque tem conduta reincidente, revelou que não está apto para condução automóvel. É
uma medida mais gravosa que a do artigo 69.º, por isso, o art. 69.º/7 diz que não se
aplica a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor se se aplicar a
medida de segurança do art. 101.º CP – tal seria uma violação do princípio ne bis in
idem - estaríamos a punir o agente duas vezes pelos mesmos factos.

Nota: O art. 69.º/5 CP fala em Direção Geral de Viação. Esta deixou de existir,
denominando-se, atualmente, Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Suspensão Provisória do Processo (arts. 281.º e 282.º CPP)


É uma forma de encerramento da fase de inquérito, com base num juízo de oportunidade,
em que há uma série de injunções e regras de conduta (que não têm natureza punitiva)
que podem ser aplicadas ao arguido, desde que este consinta nas mesmas e o MP, o JIC
e o assistente (se houver) concordem com a sua aplicação. Em 2013, fechou-se uma porta
que havia para o infrator – a SPP não implicava, necessariamente, a proibição de conduzir
veículos com motor. Isto era favorável para o arguido, pois se o mesmo fosse submetido
a julgamento e condenado, ficaria sem conduzir. Em 2013, o legislador fechou esta
benesse. Agora, o artigo 281.º CPP diz que sempre que se trate de crime do 69.º/1 CP, a
injunção de inibição de condução tem sempre de ser aplicada.

Questão prática: imagine-se que, em sede de SPP, é aplicada a inibição de conduzir


durante 6 meses, e o indivíduo, durante 5 meses, cumpriu. Ao 5.º mês, foi fiscalizado e
verificou-se que estava a conduzir sem título de condução. A questão que já se levantou
perante os Tribunais é a de saber se os 5 meses em que cumpriu a condenação, devem ou
não ser descontados na pena acessória que lhe for determinada:
→ Se sim, ele só tem de cumprir 1 mês de inibição;
→ Se não, significa que os 5 meses não têm importância e tem de cumprir 6 meses.

• Alguns Tribunais diziam que do ponto de vista material, estar inibido de conduzir
ao abrigo de uma SPP ou ao abrigo do 69.º CP é o mesmo; Tendo em conta o
instituto do desconto (artigos 80.º a 82.º CP), os Tribunais entendiam que apesar
de não estar expressamente prevista neste instituto, a possibilidade de descontar
uma injunção ou regra de conduta de SPP na pena acessória do artigo 69.º
CP aplica-se analogicamente, com base num fundamento de justiça material;

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• O STJ veio fixar jurisprudência no sentido contrário – não há desconto do tempo


cumprido de inibição de conduzir veículos com motor, em sede SPP, na pena
acessória do 69.º CP. O STJ avança um argumento de natureza dogmática: uma
coisa é a SPP, uma forma de encerramento do inquérito, instituto de natureza
processual que é uma manifestação de considerações de oportunidade e
conveniência, e outra coisa é uma pena acessória, que cumpre as finalidades
punitivas do artigo 40.º CP + artigo 70.º/1 CP. Têm naturezas dogmáticas diversas,
logo não podemos confundi-las. Quanto ao argumento segundo o qual pode
aplicar analogicamente o instituto do desconto, este justifica-se com base diga-se
que a analogia existe para situações que sejam similares. Se a natureza jurídico-
dogmática é diferente, não há similaridade, pelo que não se pode aplicar analogia.

DECLARAÇÃO DE INDIGNIDADE SUCESSÓRIA (ART. 69.º-A CP)

Os herdeiros legitimários são aqueles que não podem ser afastados da sucessão, sendo
a legítima a porção do património, deixado pelo de cujus, que é reservada a estes
herdeiros. São o cônjuge, os ascendentes e os descendentes. O herdeiro legitimário pode
ser afastado da sucessão quando é declarada a indignidade sucessória, por intermédio
de uma ação cível (que segue a forma de processo especial), p.e., quando o herdeiro
legitimário, podendo, não presta assistência de vida ao de cujus em vida.
Até à introdução do artigo 69.º-A ser introduzido no CP, se o herdeiro legitimário fosse
condenado por homicídio, ofensas à honra, etc., contra o de cujus, não podia o tribunal
criminal declarar a indignidade sucessória como pena acessória, sendo necessária uma
ação declarativa em processo especial cível para o efeito. Tal gerava uma perda de
celeridade processual injustificável.

Hoje, o tribunal criminal pode verificar se os requisitos previstos no CC para a


indignidade sucessória estão verificados no caso concreto e, se a resposta for positiva,
declara a indignidade, ficando o condenado afastado da sucessão.

PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES POR CRIMES CONTRA A


AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL E A LIBERDADE SEXUAL (ART. 69.º-B CP)

Imaginemos que alguém trabalha num infantário, é acusado e condenado pela prática de
crimes contra liberdade e autodeterminação sexual de menores. Para além da pena

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principal aplicada a essa pessoa, pode ser aplicada a pena acessória de não poder
exercer aquele tipo de funções junto de menores. Em nada releva se se trata de um
estabelecimento público ou privado, para efeitos de aplicação desta pena acessória.
Nos termos do n.º2, o prazo de duração desta pena acessória é de 5 a 20 anos. Por ser
muito larga a diferença entre o limite mínimo e o limite máximo, pode pôr-se em causa a
proporcionalidade desta norma. Talvez o legislador devesse ter previsto um prazo em que
a diferença entre os limites fosse mais curta. Contudo, o TC tem entendido que o
legislador ordinário goza de uma ampla margem de liberdade de conformação do tempo
de duração das penas.

PROIBIÇÃO DE CONFIANÇA DE MENORES E INIBIÇÃO DE


RESPONSABILIDADES PARENTAIS (ART. 69.º-C CP)

Quem pratica crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores pode ser
inibido de exercer responsabilidades parentais, por um período entre os 2 e os 20 anos.

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PENAS DE SUBSTITUIÇÃO

São aquelas que são aplicadas ao invés de uma pena principal, de prisão ou de multa.
Não pode haver substituição de uma pena acessória.

As penas de substituição têm um lastro histórico que radica na 2ª metade do séc. XIX,
época em que se verificava, por toda a Europa, um aumento do fenómeno da reincidência,
com muitos condenados que cumpriam penas curtas por delitos bagatelares. Face a esta
circunstância, alguns penalistas começaram a pensar em instrumentos para combater a
reincidência. Concluiu-se que as penas curtas de prisão são criminógenas, pelo que se
deve evitar ao máximo sua aplicação. Estas penas curtas de prisão são, manifestamente,
pouco úteis:

• Do ponto de vista ético-retributivo, a sua duração é tão curta que não chega para
retribuir o mal do crime;
• Do ponto de vista da prevenção, a sua curta duração também não faz face a estas
exigências;
• Do ponto de vista da ressocialização do agente, este trabalho também fica muito
limitado pela curta duração da pena e por o indivíduo ficar segregado do convívio
comunitário.

Sursis

Bonneville de Marsangy, juntamente com Bérenger, começaram por criar a primeira pena
de substituição em sentido moderno de que temos conhecimento – a sursis.
Estes autores partem da ideia de que há crimes e determinados criminosos relativamente
aos quais, tendo em conta a personalidade demonstrada no facto e no modo de execução
do crime, o Tribunal pode formular um juízo de prognose favorável, e toda a pena de
substituição se baseia nesse juízo – cumprirá as mesmas finalidades que a pena
principal.

Não podemos ver a pena de substituição como uma espécie de benesse a favor do
condenado, é uma verdadeira pena. Por isso, obedece aos requisitos do artigo 71.º/1
CP (exigências de culpa e de prevenção geral e especial). Significava a criação deste
instituto que há casos em que basta a mera ameaça do cumprimento efetivo da pena para
cumprir as finalidades punitivas e afastar o agente da reincidência.

Probation

Solução da Common law para reagir aos casos de reincidência. Em Portugal, o tribunal
procede ao julgamento, faz a condenação e determina o quantum da pena principal,
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estabelecendo um prazo de suspensão (art. 50.º/1 CP). Na probation, o arguido é


submetido a julgamento e a decisão é condenatória, mas a pena não é imediatamente
fixada, sendo o condenado acompanhado por um probation officer. Se as regras da
probation forem cumpridas, a pena dá-se como cumprida. Caso contrário, volta ao
tribunal, que fixará a pena que lhe vai ser aplicada. Em Portugal, este sistema não existe,
sendo o instituto mais próximo o da pena suspensa com regime de prova (art. 53.º CP)

Dentro das penas de substituição, existem:

• Penas de substituição em sentido próprio – são cumpridas no seio da comunidade,


e não contendem com o direito à liberdade;
• Penas de substituição em sentido impróprio – são cumpridas em estabelecimento
prisional ou no domicílio do condenado. Já se debateu se as penas de substituição
em sentido impróprio são verdadeiras penas de substituição, sendo a resposta
afirmativa.

Portugal é dos países da UE com o maior leque de penas de substituição, que têm
vindo a aumentar desde 1982 até aos dias de hoje. Pergunta-se, então, porque é que é
assim:

• A versão oficial é que o sistema penal português é humanitarista. Somos dos


poucos países em que não há prisão perpétua, e dos que tem o limite máximo da
pena de prisão mais baixo da UE. Relativamente ao tempo de duração média de
um processo penal na UE, Portugal está melhor do que países como a França, a
Alemanha e a Itália. Portugal é dos países mais seguros do mundo, objetivamente,
embora se registe uma tendência para o aumento da gravidade da criminalidade.
A má perceção da administração da justiça em Portugal tem que ver,
essencialmente, com os megaprocessos e com a jurisdição administrativa e fiscal,
que está francamente mal, com tempos de espera para haver uma decisão na 1ª
instância que rondam os 6, 7 ou até 10 anos. Tirando esses casos, todos os dias
são julgados processos que têm uma duração razoável;

• Existe, todavia, um discurso oficioso, que tem que ver com o movimento da
análise económica do Direito, que nasce nos EUA nos anos 60 ou 70. Um
economista norte-americano, de nome Posner, desenvolveu estudos sobre esta
matéria, chegando à conclusão de que o Direito, como qualquer coisa na
sociedade, tem um custo. Um objeto cada vez mais importante da criminologia
são os custos do crime. Assim sendo, segundo Posner, a justiça tem um
determinado valor na sociedade, que depende da forma como os cidadãos exigem
do Estado a justiça. Porém, a justiça não é a maior preocupação dos cidadãos, e
os governantes têm consciência disso. Existe sempre uma ponderação a fazer entre
o custo do crime e o custo da justiça. A título de exemplo, no sistema norte-
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americano, em que os prosecutors são eleitos pelos cidadãos, não são investigados
todos os crimes de que se tem conhecimento, por considerações de custo-
benefício. Adota-se, em Portugal, uma perspetiva economista, ficando mais
barato ao Estado aplicar uma pena de prisão domiciliária do que uma pena de
prisão preventiva, por exemplo.

PENAS DE SUBSTITUIÇÃO APLICÁVEIS À PRISÃO E À MULTA

PENA DE SUBSTITUIÇÃO APLICÁVEL À MULTA

A multa, como pena principal (artigo 47.º CP), só tem uma pena de substituição – a
admoestação (artigo 60.º CP). É uma solene censura, feita pelo Tribunal, em
audiência de julgamento. O artigo 60.º CP aplica-se para a pena de multa, mas não para
toda e qualquer pena de multa. As penas de substituição aplicam-se até uma dada medida
concreta da pena. No caso, até 240 dias. Se o Tribunal aplicar uma pena concreta superior
a 240 dias, não há nenhuma pena de substituição que se possa aplicar à pena de multa. O
artigo 60.º CP diz que, para além de se tratar de uma pena concreta até 240 dias, é preciso
que se verifiquem ainda os seguintes requisitos:

• O dano deve ter sido reparado, na medida do possível (art. 60.º/2 CP);
• O Tribunal concluir que as finalidades da punição do artigo 40.º/1 CP se
conseguem também cumprir por via de admoestação (artigo 60.º/2 CP);
• Artigo 60.º/3 CP - se o agente, nos 3 anos anteriores ao facto que originou aquela
condenação, já tiver sido condenado em qualquer pena ou admoestação, não se
aplica, em regra, esta admoestação, aplicando-se a pena de multa.

Artigo 497.º CPP – em regra, as penas só podem ser aplicadas depois de transitar em
julgado a decisão condenatória. A lei, neste artigo, no nº2, diz-nos que “a admoestação é
proferida de imediato se o MP, arguido e assistente declararem para a ata que renunciam
à interposição de recurso.”
É uma pena muito simbólica, pelo que está prevista para crimes de gravidade reduzida.

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

PENAS DE SUBSTITUIÇÃO APLICÁVEIS À PENA DE PRISÃO

Multa de substituição (artigo 45.º CP)

Se a medida concreta da pena for até 1 ano de prisão, como regra, essa pena de prisão
deve ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade aplicável. Conclui-
se, assim, que a pena de multa, em Portugal, pode revestir duas formas: pena principal
(art. 47.º CP) e pena de substituição da pena de prisão (art. 45.º CP).

O artigo 45.º CP é fulcral em matéria de penas de substituição, porque estabelece um


princípio geral de substituibilidade da pena principal de prisão por pena não
privativa da liberdade, desde que a medida concreta da pena não ultrapasse 1 ano de
prisão, que é uma derivação do princípio da preferência pela aplicação de pena não
privativa da liberdade. A lei dita que o tribunal deve procurar, dentro das penas de
substituição disponíveis, aquela que cumpre igualmente as finalidades punitivas.

A pena de substituição não é uma pena igual à pena principal, mas deve representar uma
igualdade normativa em relação à pena principal. Isto é, se a pena principal tem um
determinado quantum de peso para o agente, a pena de substituição não terá esse quantum,
mas também não pode criar na comunidade, no seu conjunto, uma ideia de
“descriminalização encapotada”. É um equilíbrio difícil, e fazer com que as penas de
substituição sejam efetivamente sentidas pela comunidade não é tarefa fácil.

Se alguém é condenado a pena de prisão (até 1 ano) ou de multa (até 240 dias) que
admitem, em abstrato, a possibilidade de aplicação de pena de substituição, há um poder-
dever do tribunal de se pronunciar quanto à possibilidade de substituir ou não essa
pena principal. Se não o fizer, há uma verdadeira nulidade da sentença ou do acórdão
(art. 379.º/1/c. CPP).
• A este respeito, já se discutiu se a existência deste poder-dever dita que o Tribunal
seja obrigado a passar revista a todas as penas de substituição que, em abstrato,
são aplicáveis àquele caso. Aquilo que os Tribunais têm vindo a dizer é que o
Tribunal não tem de passar uma por uma as várias possibilidades de penas de
substituição que se podem aplicar àquele caso, tendo sim de fazer um juízo de
prognose favorável e ver qual a pena de substituição mais adequada ao caso
concreto;
• Outra questão é a de saber se existe uma hierarquia das penas de substituição –
Há jurisprudência contrária nos nossos Tribunais, mas a resposta só pode ser
negativa. O Tribunal aplica a pena mais adequada a cumprir as finalidades da
punição (artigo 40.º/1 CP), apesar de ser um critério abstrato. Por isso, o Sr.
Professor André Lamas Leite defende que é de aplicar a pena de substituição
mais clara quanto aos critérios que o tribunal deve ter em conta para decidir
pela aplicação de pena de substituição, que são os da pena suspensa (art. 50.º/1
CP). Este artigo é muito mais preciso, na medida em que não se limita a dizer que
a pena suspensa se pode aplicar quando o tribunal entenda que é adequada a

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

cumprir as finalidades punitivas (“o Tribunal suspende a execução da pena de


prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à
personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e
posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do
facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades
da punição.”). O legislador, aqui, fornece ao juiz muito mais critérios para poder
elaborar o juízo de prognose favorável, devendo estes critérios poder ser
aplicados a todas as penas de substituição. Quanto mais precisa for a aplicação
da norma, mais se convence a comunidade do bom funcionamento da justiça.

Segundo o Professor, o art. 45.º/1 CP é uma norma mal redigida. Prescreve que a
substituição não se aplica se a execução da pena de prisão for exigida pela “necessidade
de prevenir o cometimento de futuros crimes”, ou seja, o legislador diz que não se aplica
uma pena de substituição quando haja risco de reincidência. Ora, esta perspetiva é
incompleta. O risco de reincidência aponta para uma ideia de prevenção geral, de proteção
de bens jurídicos. Contudo, nos termos do art. 40.º/1 CP, a reintegração do agente na
sociedade também faz parte das finalidades da punição. Logo, o art. 45.º/1 CP é
incompleto, por não respeitar todas as necessidades apontadas no art. 40.º/1, reportando-
se apenas à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Quanto à taxa de conversão entre os dias de prisão e os dias de multa, o art. 45.º/1, in fine,
manda aplicar o disposto no art. 47.º Nos termos do art. 47.º/1, a pena de multa é fixada
em dias , de acordo com os critérios do art. 71.º/1 (exigências de culpa e de prevenção),
sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias. Dá-se, aqui, uma
dupla remissão sistemática. Não existe nenhuma fórmula de um para um no que toca
aos dias de multa e de prisão. O tribunal pode entender que um dia de prisão equivale a
dois dias de multa, por exemplo, se as exigências de culpa e prevenção assim o
determinarem. Caberá, assim, ao tribunal determinar o critério de conversão.

Durante muito tempo, os tribunais, por uma questão de comodidade, faziam a conversão
de 1 para 1. Foi preciso um acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ vir dizer que
não existe qualquer regra que estabeleça que assim tem de ser necessariamente. O que
importa é que a determinação do nº de dias da pena de substituição corresponda às
exigências de culpa e prevenção. Assim, apesar de este acórdão vir reforçar a não
obrigatoriedade do critério de determinação de 1 para 1, tal continua a ser possível, e
ainda é feito frequentemente pelos tribunais.

Se for aplicada multa de substituição, como é possível ao condenado requerer o


pagamento diferido ou em prestações? – o artigo 45.º/1 CP, in fine, remete para todo o
artigo 47.º, inclusive o seu n.º3. Logo, a multa de substituição pode ser liquidada em
prestações ou de forma diferida, caso o condenado alegue e prove que a sua situação
económica e financeira não lhe permite liquidar a multa de uma só vez. Além do mais,
existe ainda a hipótese de quando o condenado não liquidou a pena de multa, por falta de
condições económicas para o efeito, pode requerer, uma vez convertida a pena de multa
em prisão subsidiária, a suspensão da execução da pena de prisão, no prazo máximo de 3
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André Rosa e Carolina Medeiros
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anos, mediante o cumprimento de injunções de caráter não económico ou


financeiro (art. 49.º/3 CP).

Nos termos do art.º 47.º/5 CP, quando o tribunal determine o pagamento fracionado da
pena de multa, a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das
demais. Se não liquidar a totalidade, a pena de substituição é revogada e o condenado
irá cumprir a pena de prisão fixada na sentença (art. 45.º/2), descontando-se o valor
que já pagou, que irá corresponder a determinado tempo de prisão. Exemplo prático:
• A é condenado a 1 ano de pena de prisão. O juiz determina a aplicação de multa
de substituição, nos termos do art.º 45.º/1 CP, e o condenado pede o pagamento
da multa em 10 prestações, pedido esse que é deferido pelo tribunal. Imagine-se
que o condenado paga a primeira prestação, mas não paga as demais. Ora, 10
prestações, neste caso, equivalem a 365 dias de prisão, pelo que 9 prestações
corresponderão a 328,5 dias de prisão (arredondado para 328 dias).

Surge outra questão: nestes casos, é ou não possível aplicar o art. 48.º CP? O art.º
45.º/1 não remete para este artigo. Em relação ao art. 47.º, o legislador teve o cuidado de
dizer que se aplica na sua totalidade, e remeteu ainda para o art.º 49.º/3, permitindo que
o condenado possa requerer ao tribunal a suspensão da pena de prisão subsidiária, durante
um período máximo de 3 anos, mediante o cumprimento de injunções não económicas ou
financeiras. Ou seja, o próprio sistema admite, aqui, uma dupla substituição (a pena de
multa de substituição é substituída pela suspensão da execução da pena de prisão).
• O STJ proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, no qual entende que
apesar de o art. 45.º CP não remeter para o 48.º, uma vez que a revogação da
pena de substituição deve ser uma sanção de ultima ratio, deve admitir-se a
possibilidade do art. 48.º CP como forma alternativa de liquidação da multa de
substituição. Isto leva a situações como o condenado em pena de prisão ver a pena
substituída por pena de multa, pedir o pagamento em prestações, não cumprir
algumas delas e requerer, posteriormente, a substituição por trabalho,
transformando-se o nº de dias por cumprir em horas de trabalho (note-se que,
tecnicamente, a substituição da multa por dias de trabalho não é uma verdadeira
pena de substituição, mas uma forma de liquidação da pena de multa).

Proibição do exercício de profissão, função ou atividade (artigo 46.º CP)

A pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos é substituída por pena
de proibição, por um período que pode ir de 2 a 5 anos, do exercício de profissão,
função ou atividade, quando o crime tenha sido cometido no respetivo exercício, sempre
que o tribunal concluir que, por este meio, se satisfazem adequadamente as finalidades
punitivas. É uma pena de substituição específica, pois só é aplicada relativamente a
crimes cometidos por causa do exercício de profissões, funções ou atividades, sejam elas
públicas ou privadas. Na prática, pode ser uma pena bastante dura, especialmente se o

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André Rosa e Carolina Medeiros
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agente estiver próximo da idade da reforma, pois terá mais dificuldade em


encontrar outra profissão.

O art. 46.º/2 CP manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 66.º/4
a 6 e 68.º CP.

Havendo revogação desta pena de substituição, i.e., quando o agente viole a proibição ou
cometa crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades da proibição
não puderam ser alcançadas (art. 46.º/3), cumpre a pena principal. Contudo, a decisão
condenatória, nos termos do n.º5, vai ser objeto de desconto, sendo descontados os
dias em que o agente efetivamente cumpriu a pena de substituição (p.e., se B for
condenado a 3 anos de prisão, determinando o tribunal a aplicação da pena de substituição
do art.º 46.º, também durante o período de 3 anos, caso B volte a exercer a
profissão/função/atividade que lhe foi interdita 2 dias antes do fim da pena de
substituição, apenas terá de cumprir 2 dias de prisão). Nos termos do art. 46.º/6,
estabelece-se uma razão de 1 para 1 entre os dias de prisão e os dias de interdição do
exercício de profissão, função ou atividade. Algumas notas a fazer:
• O facto de alguém cometer um crime durante este período não implica que se
revogue a pena de substituição automaticamente – não há um princípio de
revogação automática. A revogação está sujeita a uma ponderação do tribunal,
que terá de apreciar se as finalidades da proibição podem ou não ser alcançadas,
em função do crime cometido. O legislador não dá um critério ao juiz, mas os
tribunais adotam o critério da proximidade ou não da natureza do crime com
a do crime pelo qual o agente foi condenado. P.e., se o agente foi condenado
por um crime de abuso de confiança, que é um crime contra a propriedade, e é
posteriormente condenado por um crime de burla, que também é um crime contra
a propriedade, poderá o tribunal revogar a pena de substituição, e o agente cumpre
a pena principal;
• Não basta a notificação da prática do crime – é necessário que esta leve a uma
condenação com trânsito em julgado, para que o juiz possa revogar a pena de
substituição. O tribunal da condenação em que houve a pena de substituição não
pode declarar extinto o cumprimento da pena, porque não sabe se o agente será
ou não condenado pelo crime que atenta contra o mesmo bem jurídico (ou bem
jurídico próximo) contra o qual atenta o crime pelo qual foi condenado
inicialmente.

Arts. 50.º ss. CP (suspensão da execução da pena de prisão)

É a pena de substituição por excelência. Foi a primeira pena de substituição em sentido


moderno criada (sursis), de modo a combater o fenómeno da reincidência.

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A medida concreta da pena de prisão não pode ser superior a 5 anos (art. 50.º/1 CP).
Nos termos do art. 50.º/5, o tempo de suspensão não tem forçosamente de ser o mesmo
da medida concreta da pena. Não existe um sistema de indexação. Apesar de a medida
concreta da pena corresponder às exigências da culpa e da prevenção, pode ser necessário
que o agente esteja mais tempo sujeito a este tipo de fiscalização, pelo que a pena suspensa
pode durar mais tempo do que a pena de prisão.

Existem várias modalidades de pena suspensa:

• Pena suspensa simples (art. 50.º CP) – é a sursis na sua pureza, resumindo-se à
ameaça da punição. Durante o período de suspensão, o agente fica inibido de
cometer crimes, sob pena de cumprir a pena principal. É a forma menos exigente
de cumprimento da pena suspensa;

• Pena suspensa subordinada ao cumprimento de deveres destinados à


reparação do mal do crime (art. 51.º CP) – as obrigações aplicadas ao agente
relacionam-se diretamente com o facto passado, visando reparar o mal do crime.
Não se procura atuar em relação ao futuro (p.e., pagamento de uma indemnização
à vítima). A lei estabelece um catálogo exemplificativo de deveres aplicáveis ao
agente.
❖ Nos termos do art. 51.º/2, os deveres impostos não podem, em caso algum,
representar para o condenado obrigações cujo comprimento não lhe seja
razoavelmente exigível. Devem ser tidas em conta as reais capacidades
económicas e financeiras do condenado. Mesmo que determinado valor
seja adequado e justo do ponto de vista da reparação do mal do crime, se
o agente não tem capacidade para liquidar este valor, deve este ser
adequado às suas possibilidades.

• Pena suspensa com imposição de regras de conduta (art. 52.º CP) – destinam-
se a promover a reintegração do condenado na sociedade, têm uma visão
prospetiva. O que se procura através da imposição das regras de conduta, é agir
sobre as circunstâncias futuras da vida do agente (p.e., pagamento de um
determinado valor a uma IPSS). O n.º 1 estabelece regras de conduta de caráter
positivo, e o n.º2 de caráter negativo, importando salientar que, novamente, este
elenco é meramente exemplificativo.
❖ Surgem dúvidas quanto ao emprego do advérbio “complementarmente”,
no artigo 52.º/2 CP. Será que significa que, para se aplicar alguma das
regras de conduta previstas no n.º2, deve ser aplicada alguma das regras
de conduta de caráter positivo do n.º1? – A interpretação correta é a de que
o juiz é livre de aplicar qualquer uma das regras de conduta, não sendo
necessário que aplique primeiro uma das do elenco do n.º1, para que possa
aplicar as do n.º2;
❖ Nos termos do art. 52.º/3 CP, o tribunal pode ainda, obtido o
consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a
tratamento médico ou a cura em instituição adequada (a CRP não admite

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

tratamentos forçados). Pode ser importante, por exemplo, quando o


condenado se encontre numa situação de adição a substâncias psicoativas,
que contribuíram para a prática do crime;
❖ O art. 52.º/4 remete para os n.ºs 2, 3 e 4 do art. 51.º CP, ou seja, as regras
de conduta devem também obedecer ao princípio da proporcionalidade.

• Pena suspensa com regime de prova (arts. 53.º e 54.º CP) – é a modalidade de
pena suspensa que mais se aproxima da probation, dos sistemas de Common Law.
Na probation, o juiz determina que o agente cometeu um crime e submete-o a um
conjunto de regras e injunções, sendo acompanhado no cumprimento, em
liberdade, por um probation officer. A ideia é dar a oportunidade ao condenado
de provar ao juiz e à sociedade que tem a capacidade de não reincidir na prática
do crime. Se o agente cumpre todas as obrigações durante o período de probation
determinado pelo tribunal, o processo é arquivado. Se, pelo contrário, o agente
cometer um crime ou incumprir as obrigações impostas, será levado a tribunal
para que lhe seja aplicada uma pena. Em Portugal, a peça central é o plano de
reinserção social (artigo 54.º CP), elaborado pelo juiz na decisão condenatória,
onde se estabelece que tipo de injunções e regras de conduta quer que se aplique
àquele agente. O art. 54.º/3 CP fixa os objetivos a atingir com este regime de
prova.
❖ Surge a dúvida de saber se, na pena suspensa com regime de prova, se
podem também aplicar os deveres e regras de conduta previstos nos artigos
51.º e 52.º CP. A resposta é afirmativa – o art. 54.º/3 CP permite, no âmbito
do plano de reinserção, a sujeição do condenado quer a deveres, quer a
regras de conduta, quer a outro tipo de injunções que esta norma prevê.
Com efeito, este é o instituto mais maleável;
❖ O art. 53.º/3 CP estabelece uma obrigatoriedade de, no caso de o juiz
entender estarem preenchidos os requisitos do art. 50.º/1 CP, para a
suspensão da execução da pena de prisão (juízo de prognose favorável),
aplicar a suspensão de pena com regime de prova, nos casos em que o
condenado não completou ainda, no momento da prática do crime, 21 anos
de idade. O DL 402/82 (regime dos jovens adultos) estabelece a
possibilidade de atenuação especial da pena quando o agente tenha idade
compreendida entre os 16 e os 21 anos, fundada na ideia de que um
indivíduo neste intervalo etário ainda está num processo de formação da
sua personalidade, pelo que poderá ser demasiado oneroso aplicar-lhe uma
pena sem atenuação especial (art. 73.º CP). Já se o juiz decidir fixar a
suspensão da execução da pena de prisão, será de aplicar o regime
probatório;
❖ O art. 54.º/4 CP é uma inovação de 2015, trazida pela lei 103/2015, que
veio adaptar algumas normas do CP e do CPP a uma Convenção, aprovada
no âmbito das Nações Unidas, que visa eliminar todas as formas de
discriminação e violência contra as mulheres - “Nos casos previstos no n.º
4 do artigo anterior, o regime de prova deve visar em particular a
prevenção da reincidência, devendo para o efeito incluir sempre o
acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário,
designadamente através da frequência de programas de reabilitação para
agressores sexuais de crianças e jovens.”;

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

❖ De acordo com o art. 53.º/4 CP, caso o agente seja condenado por qualquer
um dos crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A, sendo a vítima menor,
deve ser ordenado o regime de prova. Parte da ideia de que muitos destes
crimes têm por base comportamentos influenciados por algum tipo de
patologias ou parafilias, e o regime de prova é mais adequado a que haja
algum tipo de intervenção psicológica ou psiquiátrica. O objetivo é evitar
a reincidência.
o Aqui, o legislador falhou num aspeto – também faria sentido que
o art. 176.º-B (crime de organização de viagens para fins de
turismo sexual com menores) estivesse incluído neste elenco. É um
crime contra menores, e a razão de ser do regime de prova em
relação ao art. 176.º-A (aliciamento de menores para fins sexuais)
é a mesma do 176.º-B.

Falta de cumprimento das condições da suspensão


Se o condenado não cumpre com os deveres e/ou regras de conduta impostos, o tribunal
deve notificar o condenado para que este preste os esclarecimentos que entender
convenientes (art. 495.º CPP). Se este nada disser no prazo assinalado pelo juiz (art. 75.º/1
CPP), o tribunal tem de tomar uma de duas posições:
• Considerar que aquela falta é tão grave que deve determinar a revogação da pena
suspensa e, por conseguinte, a aplicação da pena principal constante da sentença,
sem desconto (art. 56.º/2 CP);
• A lei criou, no art. 55.º CP, a possibilidade de o juiz, verificando que o regime de
cumprimento da pena suspensa não está a ser cumprido, não partir logo para a
revogação, se entender que não se trata de uma violação grosseira e repetida das
obrigações a que está sujeito:

Artigo 55.º
Falta de cumprimento das condições da suspensão
Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir
qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de
reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no
plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas
não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão
previsto no n.º 5 do artigo 50.º

Este artigo apresenta quatro alíneas, em forma crescente de gravidade.

Imagine-se uma situação hipotética em que o agente foi condenado a uma pena de prisão
de 5 anos, suspensa por 5 anos. Por muito que o tribunal entenda que o mais adequado

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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

seria prorrogar o período de suspensão (alínea d.), já não o poderá fazer visto que,
nos termos do art. 50.º/5 CP, o período de suspensão é fixado entre um e cindo anos.

Dependendo da gravidade da infração das obrigações impostas ao condenado, o tribunal


pode entender lançar mão do art. 55.º CP. Contudo, se o condenado continuar a incumprir,
terá de aplicar o art. 56.º CP. Note-se que o tribunal não tem sempre de passar primeiro
pelo art. 55.º CP, nomeadamente quando a infração seja especialmente grosseira.

Prestação de trabalho a favor da comunidade (arts. 58.º e 59.º CP)

Trabalho como recompensa que o condenado presta à sociedade, pela prática do


crime. Trata-se de uma sanção de natureza substitutiva, embora noutros ordenamentos
jurídicos,como no britânico, o trabalho seja, em alguns crimes, uma pena principal. No
nosso OJ, o trabalho não pode ser imposto, por imperativo constitucional. Por isso, é
uma pena desubstituição que exige o consentimento do condenado. Aliás, é a única
pena de substituição, das até agora estudadas, que o exige.

A PTFC é aplicada de uma de duas formas:


• O tribunal, na decisão final, pode perguntar ao condenado se consente na
aplicação da PTFC, quando o juiz considere que esta cumpre as finalidades
punitivas no caso concreto;
• Pode o condenado pedir a aplicação desta pena. Este pedido de substituição
tem lugar no momento das alegações orais.

Poder-se-ia pensar que o período entre a prolação da decisão final e o término do prazo
para a interposição de recurso seria o momento adequado para o arguido pedir a PTFC.
Não é a perspetiva correta, do ponto de vista processual, porque se dá o esgotamento do
poder jurisdicional a partir da prolação da sentença. A partir daí, apenas podem ser
corrigidos erros formais na sentença (art. 380.º CPP). Quanto muito, esta questão poderá
vir a ser discutida em sede de recurso (arts. 432.º e 427.º CPP).

Art. 58.º/3 CP – a conversão da pena de prisão em horas de trabalho é à razão de um


paraum, isto é, a cada dia de pena de prisão equivale uma hora de trabalho. Contudo,
o legislador estabelece uma limitação, na medida em que o máximo de horas trabalho
aplicáveis corresponde a 480 horas, equivalente a 480 dias de prisão (quando o tribunal
pode recorrer à PTFC sempre que ao agente deva ser aplicada pena de prisão não superior
a dois anos, ou seja, 730 dias, nos termos do art. 58.º/1 do CP).

O tribunal não pretende que esta prestação de trabalho afete a situação profissional
do condenado. Assim, este poderá trabalhar no final de cada jornada de trabalho, ou nos
finsde semana, se bem que este trabalho não pode ultrapassar o período que o CT prevê
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André Rosa e Carolina Medeiros
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

comolimite máximo de trabalho extraordinário, que em regra corresponde a 2


horas diárias.

Nota: importa referir que, na prática, a PTFC é a pena de substituição que se permite a
maiores fraudes à lei. Muitas vezes, observa-se que aquilo que é entregue ao condenado
em PTFC é um documento, a ser assinado pelo responsável pela instituição beneficiária
sempre que o condenado comparecer para trabalhar. Acontece que, não poucas vezes,
essas instituições são lideradas por pessoas com quem o condenado tem laços familiares
ou de amizade, e que assinam o documento sem que o condenado preste o trabalho ou
sequer compareça. Tal trata-se de crimes de favorecimento pessoal e de falsificação de
documento, se provado.

Art. 58.º/6 CP – possibilidade de se cumularem as regras de conduta do art. 51.º, tal se


for importante para promover a reinserção social do condenado. Aqui, convoca-se a ideia
de interchangeability/intercambiabilidade, isto é, podem ou não as penas de
substituição ser cumuladas entre si?
• Alguma doutrina defende que o legislador deveria dar uma possibilidade ao
juiz de cumular as penas de substituição da forma que entender, em cada
casoconcreto;
• O Professor entende que não se deve adotar uma posição de
interchangeability sem limites, por tal ferir a segurança jurídica, ao atribuir ao
juiz uma faculdade absoluta de aplicar as medidas de substituição que
entendesse. Ainda assim, não deixa de ser verdade que a própria lei, em casos
contados, permite esta interchangeability. Tal acontece no art. 58.º/6 CP.

Art. 59.º/2 CP – o tribunal revoga a PTFC e ordena o cumprimento da pena principal


determinada na sentença, caso se verifique alguma das hipóteses previstas nas alíneas
a) a c):
• a) – se se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
• b) – se se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir
grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado;
• c) – se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as
finalidades da pena de PTFC, por meio dela, não puderam ser alcançadas.

Art. 59.º/4 CP – o tempo de trabalho cumprido deve ser descontado da pena


principal, mesmo que haja lugar à revogação. Ou seja, p.e., se a PTFC for revogada e o
condenado já tiver cumprido 200 horas de trabalho, tendo sido condenado a um ano
de prisão, irá cumprir apenas 165 dias de prisão.

Art. 59.º/5 CP – se a PTFC for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta
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a pena não inferior a 72 horas, uma vez cumpridos 2/3 da pena (p.e., alguém é
condenado a 300 horas de PTFC, e cumpre 200. Se esse trabalho for considerado
satisfatório, e já tendo sido cumpridos 2/3 da pena, o tribunal pode declarar extinta a
pena).

Art. 59.º/6 CP – se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado, por
motivo superveniente que não lhe seja imputável, pode o tribunal fazer a substituição
da pena de substituição. Substitui-la-á por:
• a) – multa até 240 dias;
• b) – suspensão da execução da pena de prisão, por período entre 1 e 3 anos,
subordinando-a a deveres ou regras de conduta, nos termos dos arts. 51.º e
52.º CP.

Regime de permanência na habitação (arts. 43.º e 44.º CP)

Trata-se de uma pena de substituição detentiva/privativa da liberdade. Há uma


preferência legislativa, que deriva do art. 45.º/1 CP, para que o juiz aplique penas de
substituição de natureza não detentiva, apenas recorrendo à do art.º 43.º CP quando a pena
de substituição não detentiva não cumpra as finalidades punitivas.

Art.º 43.º/1 CP – a RPH pode aplicar-se quando o tribunal concluir que, por este
meio, se realizam as finalidades punitivas, com o consentimento do condenado, e
quando:
• a) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos;
• b) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos, resultante do desconto
previsto nos arts.º 80.º a 82.º;
• c) – a pena de prisão efetiva não seja superior a 2 anos, em caso de revogação
de pena de substituição não privativa da liberdade ou de não pagamento da
multa, previsto no art.º 45.º/2 CP (multa de substituição).

Art. 43.º/3 CP – o legislador estabeleceu um amplo conjunto de possibilidades de o


condenado sair da habitação, nomeadamente para frequentar programas de
ressocialização, para atividade profissional, para formação profissional ou para estudar.

Art. 43.º/4 CP – o tribunal pode subordinar este regime a medidas destinadas a promover
a reintegração do agente (regras de conduta).

Art. 43.º/5 CP – a liberdade condicional não se aplica quando a pena de prisão seja
executada em regime de permanência na habitação.

Art. 44.º/2/c) CP – Se o condenado for sujeito a prisão preventiva, pela prática de outro
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crime, o tribunal revoga a aplicação do RPH, por exigências de praticabilidade.

Art. 44.º/3 CP – a revogação do RPH determina a execução da pena de prisão ainda não
cumprida em estabelecimento prisional, havendo lugar a desconto do tempo já cumprido
em RPH.

Art. 44.º/4 CP – relativamente ao tempo de pena que venha a ser cumprido em


estabelecimento prisional, pode ser concedida liberdade condicional. Note-se que
existe aqui um aparente conflito com a norma do art.º 43.º/5 CP, que dispõe que não se
aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em RPH.
Importa, então, adiantar algumas considerações sobre a liberdade condicional:
• Art. 61.º/1 – não há liberdade condicional sem consentimento do condenado.
Por regra, o condenado não se irá opor, mas há casos em que pode não
pretender beneficiar da liberdade condicional, por não ter laços sociais e/ou
não saber como reconstruir a sua vida quando sair da prisão.
• Art.º 61.º/2 – deve haver, pelo menos, o cumprimento de 6 meses de prisão
efetiva (que podem ser 6 meses de RPH efetiva).
• A liberdade condicional pode dar-se em 3 momentos:
❖ A metade do cumprimento da pena (61.º/2);
❖ A 2/3 do cumprimento da pena (61.º/3);
❖ A 5/6 do cumprimento da pena (61.º/4).

Então, o agente que está em cumprimento de RPH pode ou não beneficiar de


liberdade condicional? A lei dispõe em sentido negativo (43.º/5 CP). Outra coisa é
haver a revogação da RPH e aplicação da pena principal, caso em que pode o
condenado beneficiar da liberdade condicional, nos termos do art. 44.º/4 CP (apenas
relativamente ao tempo de pena que venha a ser cumprido no estabelecimento
prisional).

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PROCESSO DE DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

Como é que o juiz chega a uma determinada medida, dentro da moldura penal
abstrata?

• Durante muito tempo, entendeu-se que a medida concreta da pena se inseria


na “arte de julgar”, ou seja, o juiz ia ganhando experiência nos concretos casos
com o passar do tempo;

• Esta ideia foi começando a ser posta em causa, principalmente a partir do


Iluminismo, época em que se contestava o poder absoluto. Pretendia-se que
os juízes tivessem um mínimo campo de manobra para a aplicação das leis
(o juiz devia ser “a boca que pronuncia as palavras da lei”), pelo que os códigos
penais do séc. XVIII previam essencialmente penas fixas. O legislador devia
ter o papel principal. A lei devia ser de tal forma clara, do ponto de vista da
sanção, de modo a que o juiz tivesse um exíguo espaço de conformação da
sanção judicial;

• No séc. XIX, com o surgimento do Positivismo, diz-se que o papel principal


deve caber ao juiz. O legislador deve fixar limites, mas quem decide qual a
medida concreta da pena é o juiz, com base na ideia de que todas as reações
criminais se baseavam na perigosidade (Direito Penal médico/terapêutico). O
papel do juiz era mais importante, mas tão importante seria o papel dos
médicos na administração da justiça penal;

Hoje em dia, defende-se que não há esta divisão talhante, mas sim uma
colaboração funcional entre o legislador e o juiz na determinação da
medidaconcreta da pena. Esta colaboração faz com que se tenha de definir
claramente as funções de cada um. No âmbito de um Estado de Direito
democrático, ao legislador cabe, em 1º lugar, definir qual a moldura penal
abstrata de cada crime, por ser detentor de legitimidade democrática direta,
que o juiz não tem. Cabe ainda ao legislador fixar as circunstâncias
modificativas e, facultativamente, fixar o sentido da aplicação das reações
criminais (entre nós, tal é feito no art. 40.º/1 CP). Ao juiz cabe, dentro da
moldura penal abstrata (MPA), determinar a moldura penal concreta
(MPC) e, dentro desta, a medida concreta da pena (tendo em conta as
exigências de culpa e de prevenção em cada caso concreto – art.º 71.º/1 CP),
devendo fundamentar o processo lógico seguido até à tomada de decisão (note-
se que grande parte dos recursos se limitam à dosimetria da pena, não
pretendendo o arguido discutir matéria de facto. Logo, a fundamentação dada
pelo tribunal para a determinação da MPC e da MCP é extremamente relevante,
sem prejuízo de cada juiz ter sempre um campo de discricionariedade vinculada
nesta matéria). Há uma 3ª fase eventual – o tribunal pode ter de se pronunciar
no sentido de haver lugar ou não à aplicação de uma pena de substituição.
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MOLDURA PENAL ABSTRATA

Uma das funções do legislador é determinar as circunstâncias modificativas:


• De acordo com o Doutor Figueiredo Dias, são fatores ou conjuntos de fatores
que, não contendendo diretamente com o tipo do ilícito, com a culpa ou com
a punibilidade, participam na formação da imagem global do facto. Isto é, há
institutos jurídicos (tentativa, cumplicidade, regime dos jovens adultos) que
não contendem diretamente com os elementos que habitualmente ligamos ao
conceito material de crime. Contudo, contribuem para que o tribunal forme
uma imagem global do facto. Ex.: quando alguém comete um crime na forma
tentada, a punição do agente será através de uma pena especialmente
atenuada (arts. 23.º e 73.º CP). O mesmo quando à cumplicidade, há uma
imagem global do facto (crime visto no seu conjunto, sem ver cada ponto em
particular) que aparece reduzida na sua gravidade;
• O Professor André Lamas Leite não concorda com esta noção. Entende que
estes fatores contendem com todas as categorias do conceito material de
crime, assim como também entende que dizer que o que caracteriza as
circunstâncias modificativas é agravar mais ou menos a imagem global do
facto é de difícil concretização.

O grande efeito das circunstâncias modificativas é contenderem com a moldura


penal abstrata, dada pelo legislador. Elas surgem historicamente para agravar ou
atenuar as molduras penais abstratas em função de circunstâncias que justificavam,
logoem abstrato, uma diminuição ou agravamento da pena. Há fatores que o legislador
pretende que o juiz tenha em conta logo ao nível da moldura penal abstrata, ainda fora
do âmbito do caso individual e concreto.

Nota: não confundir as circunstâncias modificativas com o termo “circunstâncias”,


que surge múltiplas vezes no CP. P.e., no art. 71.º/2 CP, as circunstâncias referidas não
são modificativas, pois atuam ao nível da medida concreta da pena. São factos da vida
social com relevância para o Direito. Aliás, o termo seria perfeitamente substituível por
“factos”.

As circunstâncias modificativas podem ser:

• Agravantes – se houver um aumento do limite mínimo ou máximo, ou de ambos;


• Atenuantes – se houver uma diminuição do limite mínimo ou máximo, ou dos
dois.

• Nominadas – expressamente previstas na lei;


• Inominadas – não expressamente previstas na lei.
❖ Em Portugal, não existem, pois seriam inconstitucionais. O princípio da
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legalidade compreende o subprincípio da determinabilidade penal;


❖ Contudo, o legislador utiliza a técnica dos exemplos-padrão, p.e., no
art. 132.º/2 CP, ou no art. 71.º/2 CP. Fica a meio caminho entre uma
circunstância modificativa nominada e inominada, pois não está
expressa na lei com toda a concretude.

• Comuns – aplicam-se a todos os tipos legais de crimes (ex.: cumplicidade,


omissão impura).
❖ A Doutora Maria João Antunes identifica a tentativa como uma
circunstância modificativa comum;
❖ O Professor discorda, entendendo que se trata de uma circunstância
modificativa específica, por apenas alguns crimes poderem ser
punidos por tentativa.
• Específicas – apenas se aplicam a determinados tipos legais de crime.

Concorrência de circunstâncias modificativas:


• Se todas as circunstâncias modificativas forem no sentido atenuante:
funcionam, sem nenhuma ordem especial, sucessivamente.
• Se forem todas no sentido agravante, introduz-se uma circunstância
modificativa agravante: a reincidência (a única prevista na parte geral do CP).
Éa “rainha” das circunstâncias, no sentido em que se aplica sempre em último
lugar;
• Quando há concorrência de circunstâncias de sinais diferentes: primeiro,
aplicam-se as circunstâncias modificativas agravantes, e depois as atenuantes.
Exceções:
❖ A reincidência aparece sempre em último lugar, mesmo que seja a
única circunstância agravante em concorrência com circunstâncias
atenuantes;
❖ Circunstâncias modificativas da parte especial do CP – a lei especial
derroga a lei geral.

Nota: o art. 73.º/1 CP explica em que termos se dá a atenuação especial da pena:


• a) – O limite máximo da pena de prisão é reduzido de 1/3;
• b) – O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a 1/5, se for igual ou
superior a 3 anos, e ao mínimo legal, se for inferior;
• c) – O limite máximo da pena de multa é reduzido de 1/3 e o limite mínimo
é reduzido ao mínimo legal;
• d) – se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos, pode a
mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais.

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André Rosa e Carolina Medeiros
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Princípio da proibição da dupla valoração (art. 71.º/2 CP)

É necessário analisar a razão de ser de cada uma das circunstâncias modificativas, de


modo a não valorar duas vezes a mesma realidade. É uma derivação do princípio ne
bis in idem (art. 39.º/5 CP), que proíbe que o agente seja punido duas vezes pelo mesmo
facto. Logo, quando temos várias circunstâncias modificativas aplicáveis, apenas podem
funcionar em simultâneo se tiverem natureza diferente, isto é, fundamento diferente.
Exemplo:
• Tentativa – atenua-se em sede de tentativa porque a consumação do crime ainda
está longe de acontecer. Trata-se apenas de um desvalor de ação, e não de
resultado;
• Cumplicidade – atenua-se em sede de cumplicidade porque a colaboração que o
agente deu à prática do crime teve menos peso no projeto criminoso;
• Regime dos jovens adultos – o fundamento desta atenuação tem que ver com o
facto de a personalidade do agente ainda não estar totalmente formada.

Estas três circunstâncias modificativas podem ser aplicadas cumulativamente, pois têm
fundamentos diferentes, não violando o princípio da proibição da dupla valoração.

Art. 71.º/2 CP – a expressão “não fazendo parte do tipo de crime” consagra o princípio
da proibição da dupla valoração. Por exemplo, no art. 136.º CP, que prevê o crime de
infanticídio, existem dois requisitos: um requisito temporal (no momento do parto ou
logo após), e o requisito da influência perturbadora do parto (alterações hormonais que
podem conduzir a perturbações de caráter psíquico, p.e., depressões pós-parto). Este
último requisito é uma circunstância modificativa atenuante, que influencia a moldura
penal abstrata, e que já está incluída no tipo legal de crime. Logo, valorar duplamente
esta circunstância viola o princípio da proibição da dupla valoração (isto é, a pena não
poderia ser atenuada, na determinação da moldura penal concreta, com base nas
circunstâncias previstas no art. 71.º/2/b., pois essas circunstâncias já se encontram
previstas no tipo legal de crime).

MOLDURA PENAL CONCRETA

Art. 71.º/1 CP – a medida da pena é dada por 2 critérios:


- Exigências de culpa;
- Exigências de prevenção.

O problema é saber como fazer funcionar estes 2 critérios, como relacionar estes 2
conceitos. Muitas vezes, estas exigências decompõem o caso concreto em direções
diversas (p.e., pode haver casos em que as exigências da culpa sejam poucas, mas as
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exigências de prevenção sejam muitas) – antinomias entre a culpa e a prevenção.

Houve várias teorias para concatenar estes 2 critérios:

• Teoria do valor da posição ou emprego – para determinar a moldura penal


concreta dentro da MPA, defende que não há antinomia entre as questões da culpa
e da prevenção, pois apenas se deve ter em conta considerações de culpa. As
considerações de prevenção são tidas em conta apenas ao nível da aplicação das
penas de substituição;

• Teoria da pena da culpa exata – a MPC e a medida concreta da pena (MCP)


apenas são dadas por considerações de culpa. Vai ainda mais longe do que a
teoria anterior, na medida em que defende que dentro da MPC, apenas existe um
único ponto em que a pena corresponde exatamente às exigências da culpa.
❖ Estas duas teorias já foram afastadas. Por um lado, seriam ilegais no
contexto do ordenamento jurídico atual, na medida em que o art. 71.º/1
CP exige que a determinação da medida da pena seja feita em função de
exigências de culpa e de prevenção;
❖ Por outro lado, são teorias profundamente ético-retributivas, por
apenas terem em conta a culpa do agente na determinação da medida
concreta da pena;
❖ Quanto à teoria da pena da culpa exata, esta é absolutamente
impraticável. O ponto que corresponde exatamente às exigências da culpa
no caso concreto é uma ideia de impossível concretização na prática. Além
do mais, é uma teoria exasperadamente ético-retributiva, afirmando que
as exigências de prevenção apenas têm ligação com o limite máximo da
moldura penal;

• Teoria da moldura da culpa – defendida pelo Doutor Eduardo Correia. Não é uma
teoria originariamente portuguesa, surgiu na Alemanha, onde ainda é maioritária
(teoria do espaço de liberdade). A MPC é nos dada apenas por exigências de
culpa. Contudo, também se confere algum espaço às exigências de prevenção:
❖ A prevenção geral é considerada, fundamentalmente, para justificar o
limite mínimo da MPC (o chamado “ponto de defesa do ordenamento
jurídico”, o limiar mínimo para garantir a afirmação contra fáctica da
norma jurídico-penal). Abaixo desse limiar mínimo, as exigências de
prevenção geral não seriam acauteladas.
❖ Quanto à prevenção especial, dentro do limite mínimo e do máximo, a
medida concreta da pena é dada por exigências de PE. Ou seja, em última
análise, dentro de uma MPC dada por exigências de culpa, são as
exigências de prevenção especial que vão determinar a MCP.
❖ Esta teoria está sujeita a críticas, fundamentalmente pela Professora
Anabela Miranda Rodrigues e pelo Professor Figueiredo Dias – é uma
posição que concede pouco relevo à prevenção geral, cujo único papel é
dizer que o limite mínimo da MPC corresponde às exigências de

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André Rosa e Carolina Medeiros
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prevenção geral. É muito pouco, no âmbito de uma conceção de prevenção


geral positiva. Por outro lado, concede demais às exigências de culpa.

Nota: posição particular de Claus Roxin – o limite mínimo da MPC pode baixar até ao
limite mínimo da MPA, quando exigências particularmente intensas de prevenção
especial se façam sentir no caso concreto. A crítica que se tece a esta posição é que
admitir que os limites mínimos da MPA e da MPC coincidam faça confundir dois juízos
completamente diversos. Acaba por ser uma confusão entre dois critérios opostos.

• Teoria da moldura da prevenção (aceite pela maioria da doutrina portuguesa) –


dentro da MPA, a determinação da MPC e da MCP é dada por exigências de
prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva/de integração. Pode
suceder que, no caso concreto, as exigências de prevenção geral sejam muito
elevadas (p.e., crime de violência doméstica – art. 152.º CP), mas a culpa do
agente seja diminuta. O essencial para determinar a MPC são as considerações de
prevenção geral, que seriam altíssimas neste caso, reclamando uma pena mais
severa. O papel da culpa é aquele que a lei obriga – o limite máximo da MPC
nunca pode ser superior à medida da culpa (art. 40.º/2 CP). Quanto à prevenção
especial, tal como na teoria da moldura da culpa, em última análise, serão as
exigências de prevenção especial que irão determinar a MCP, dentro da MPC.

Nota Importante: no que respeita à matéria das teorias de determinação da MPC e da


MCP, o Sr. Professor deixou uma recomendação:

- Em sede de exame, quanto às primeiras duas teorias (teoria do valor da posição ou


emprego e teoria da pena da culpa exata), basta mencioná-las e referir que já se encontram
afastadas, pelos motivos mencionados acima (nomeadamente, por serem ilegais à luz do
ordenamento jurídico atual – art. 71.º/1 CP);
- Depois, fazer referência às duas teorias mais recentes (teoria da moldura da culpa e
teoria da moldura da prevenção), optando por desenvolver apenas aquela a que cada um
adere pessoalmente, tendo em conta que a teoria da moldura da prevenção é aceite pela
maioria da doutrina e da jurisprudência.

MEDIDA CONCRETA DA PENA

Fatores de medida da pena

Estes fatores estão previstos no art. 71.º/2 CP, de forma exemplificativa. Dentro da MPC,
vão ajudar o juiz a determinar o quantum exato de pena.
- São dotados de forte ambivalência, por duas razões:
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•O mesmo fator de medida da pena pode servir para atenuar ou para agravar,
dependendo dos casos (p.e., as condições pessoais do agente);
• Há fatores que relevam por via da culpa, e fatores que relevam por via das
exigências de prevenção (p.e., os sentimentos manifestados no cometimento do
crime relevam por via da culpa).

Note-se que o juiz pode ter em conta outros fatores, que não aqueles que se encontram
expressamente previstos no art. 71.º/2 CP.

Fatores de medida da pena previstos no art. 71.º/2 CP:

• Al. a) – grau de ilicitude do facto. Tem que ver, fundamentalmente, com


exigências de prevenção. O modo de execução do crime tem que ver tanto com
as exigências de culpa, como com as de prevenção. O grau de violação dos
deveres releva por via da culpa;

• Al. b) – a intensidade do dolo ou da negligência são circunstâncias que relevam


por via da culpa (dolo direto/eventual/necessário, negligência
consciente/inconsciente);

• Al. c) – os sentimentos manifestados no cometimento do crime relevam


fundamentalmente por via da culpa (ex.: crime motivado por motivo torpe, i.e.,
fútil);

• Al. d) – as condições pessoais do agente podem relevar por via das exigências
da culpa e da prevenção, enquanto a situação económica apenas releva por via
da culpa. Em alguns crimes, não releva a situação económica do agente (p.e., em
crimes pessoais, como o crime de violação. Já relevará em crimes aquisitivos,
como o crime de furto);

• Al. e) – a conduta anterior ao facto, i.e., a existência ou não de inscrições no


registo criminal. Note-se que o facto de o agente ter inscrições no registo não
funciona automaticamente como um fator agravante, quando as ponderações
anteriores não tenham nada que ver com os bens jurídicos em causa no crime
atual. A conduta posterior ao facto (a sua relevância depende do tipo legal de
crime. Se estivermos a falar de um homicídio, o máximo que o agente poderá fazer
é auxiliar a família da vítima. Se for um crime de dano, as suas consequências já
poderão ser, em princípio, integralmente reparadas pelo agente), especialmente a
destinada a reparar as consequências do crime, tem que ver com as exigências de
culpa e de prevenção;

• Al. f) – a falta de preparação para manter uma conduta lícita. Em alguns


manuais, apresenta-se a ideia de que este fator apenas se aplica essencialmente
aos crimes negligentes. Não é verdade que só se aplique aos crimes negligentes,
pois alguém que pratique uma conduta dolosa também demonstra falta de

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preparação para manter uma conduta lícita. É uma questão que contende com
exigências de culpa.

Nota: Todos estes fatores de determinação da medida concreta da pena têm de ser
fundamentados, nos termos do art. 71.º/3 CP.

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FORMAS ESPECIAIS DE DETERMINAÇÃO DA PENA

São formas de determinação da pena que fogem do quadro geral visto até agora (MPA,
MPC, MCP, aplicação de penas de substituição).

REINCIDÊNCIA

• É um instituto com origens na época medieval. Nas Ordenações, chamava-se


recidiva. Esta ideia de recidiva, é a ideia de que quando alguém foi condenado a
uma pena (a reincidência é um instituto privativo da pena de prisão, excluindo-se
a pena de multa e as medidas de segurança), e comete outro crime, pelo qual é
condenado por decisão transitada em julgado, demonstra uma atitude de
contrariedade, ou pelo menos de leviandade, face ao OJ. Logo, o agente deve ser
mais gravemente punido, por não respeitar a solene censura feita pelo
ordenamento jurídico (reiteração criminosa);

• Qual é o fundamento para se punir mais gravemente um agente reincidente?


O fundamento maioritário na doutrina e na jurisprudência é que o agente
reincidente é mais culpado, ideia de culpa agravada/acrescida. Apesar da solene
censura feita pelo ordenamento jurídico, não orientou a sua conduta de acordo
com aquilo que lhe era exigível, continuando a praticar crimes;

• Não é o único fundamento da reincidência. Um indivíduo reincidente pode


revelar um conteúdo de perigosidade mais elevado. Aponta-se para uma ideia de
maior perigosidade do agente para a sociedade.

• O Professor André Lamas Leite tende para uma teoria mista, conjugando os
dois fundamentos (ideia de culpa agravada e de perigosidade).

Requisitos da reincidência (art. 75.º CP):

• Requisito material: o mais discutido ao longo de séculos. Discutia-se, no séc.


XIX, se o legislador devia prever um regime de homotropia (só havia reincidência
quando o agente repetisse a prática do mesmo crime – reincidência homótropa)
ou de politropia (a natureza dos crimes pode ser diversa – reincidência polítropa).
O legislador, nas sucessivas revisões, foi tendo esta dupla visão. No CP de 1852,
previa-se uma reincidência de natureza homótropa. Já no de 1982, passou-se a
prever uma reincidência polítropa. O requisito material está previsto no art. 75.º/1,
in fine, segundo o qual há reincidência se as anteriores condenações não
tiverem servido de suficiente advertência contra o crime. O Doutor Figueiredo
Dias diz que tal significa que entre os crimes anteriores e o crime que agora está
a ser julgado, pelo qual o agente pode ser punido enquanto reincidente, tem de
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haver uma íntima conexão. Há íntima conexão entre os crimes quando os crimes
têm natureza próxima, ou seja, proximidade do bem jurídico1.
❖ A doutrina maioritária defende que um regime politrópico;
❖ Contudo, se o legislador prevê que só há reincidência quando os crimes
têm natureza próxima, ao nível do bem jurídico, significa que não temos
uma total politropia. O Professor propõe que, na realidade, o legislador
prevê um regime de homotropia mitigada, pois é preciso que os crimes
anteriores visem bens jurídicos próximos daquele que é visado pelo crime
pelo qual o agente está a ser julgado.
Note-se que se o requisito material não estiver preenchido, não há
reincidência.

• Requisitos formais (art. 75.º). É necessário que se verifiquem os seguintes


requisitos cumulativos:
❖ O crime pelo qual o agente vai ser condenado seja punido com pena de
prisão efetiva, superior a 6 meses.
o Ou seja, havendo lugar à aplicação de uma medida de substituição,
detentiva ou não detentiva, não há reincidência;
o Aliás, mesmo nas hipóteses em que o agente incumpriu as
exigências da pena de substituição e há uma revogação da mesma,
ainda não se pode falar de uma pena de prisão efetiva;
o Também não relevam, para efeitos de reincidência, os casos em
que o agente é condenado em pena de multa principal, depois
convertida em pena de prisão subsidiária.
❖ O crime em relação ao qual o agente seja julgado como reincidente
também tenha sido punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;
❖ Todos os crimes em causa (o julgado e os que motivam a reincidência)
sejam dolosos (na medida em que a reincidência está reservada para os
crimes mais graves);
❖ Art. 75.º/2 CP – exige-se que o tempo que medeia entre a prática do crime
(tempus delicti – art. 3.º CP) que motiva a reincidência e a prática do crime
pelo qual o agente está a ser julgado não seja superior a 5 anos. Falamos,
aqui, da prescrição da reincidência. Este requisito existe devido a
considerações criminológicas, acolhidas pelo legislador penal – a partir
desses 5 anos, já não se pode estabelecer uma conexão intrínseca entre os
crimes, pelo que o agente não deve ser julgado como reincidente;
❖ Art. 75.º/4 CP – a aplicação de uma medida de graça ou clemência
(amnistia, indulto ou perdão genérico, previstos nos art. 127.º e 128.º do
CP) não obsta à reincidência. A lei não exige o efetivo cumprimento de

1
1 Ex.: O agente pratica um crime de sequestro (art. 158.º CP). Para que o agente possa ser julgado como reincidente,
as anteriores condenações não devem ter servido de suficiente advertência contra o crime, o que se avalia pela
proximidade da natureza dos crimes. Imagine-se que consta do registo criminal que esse agente já tinha sido
condenado pelo crime previsto no art. 292.º CP – a natureza deste crime em nada tem a ver com a natureza do crime
de sequestro (um trata-se de um crime contra o Estado, enquanto o outro se trata de um crime contra a liberdade
pessoal). Do ponto de vista material, não há conexão entre o art. 158.º e o 292.º, porque os bens jurídicos visados não
são próximos. Suponha-se agora que o crime pelo qual o agente já tinha sido condenado anteriormente, por decisão
transitada em julgado, foi um crime de perseguição, previsto no art.154.º CP. Neste caso, embora o bem jurídico não
seja exatamente o mesmo, o que está em causa é também a liberdade pessoal (estão ambos previstos no Capítulo IV –
Dos crimes contra a liberdade pessoal). Logo, há íntima conexão entre a natureza dos dois crimes, pelo que o agente
aqui já poderia ser julgado como reincidente.
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penas anteriores, mas sim que o agente tenha sido condenado em pena
anterior de prisão efetiva superior a 6 meses2.

Operações de determinação da reincidência (art. 76.º CP):

• Primeira operação: determinação da medida concreta da pena sem


reincidência, isto é, de acordo com as regras gerais. Tendo em conta a moldura
penal abstrata de um determinado tipo legal de crime, irá constituir uma moldura
penal concreta, e dentro dessa moldura penal concreta, atendendo aos fatores de
medida da pena (art. 71.º/2 CP), aplicará um quantum exato de pena;

• Segunda operação: determinação da moldura da reincidência. Sendo a


reincidência uma circunstância modificativa agravante, terá efeitos ao nível da
moldura penal abstrata. Prevê o art. 76.º/1 CP que o limite mínimo da pena
aplicável ao crime é elevado de um terço, enquanto o limite máximo permanece
inalterado;

• Terceira operação: determinação da medida concreta da pena com a


reincidência. Será, naturalmente, superior à aplicada anteriormente;

• Quarta operação: operação de comparação e eventual limitação. Nos termos


do art. 76.º/1 CP, 2ª parte, a agravação, isto é, a diferença entre a pena concreta
aplicada com reincidência e sem reincidência, não pode exceder a medida da pena
mais grave aplicada nas condenações anteriores (p.e., imagine-se que, em
determinado caso, a medida concreta da pena sem reincidência é de 3 anos de
prisão. Das condenações anteriores que constam do certificado de registo
criminal, a mais grave é de 2 anos. O agravamento da medida concreta da pena,
neste caso, não poderá ser superior a 2 anos, ou seja, o juiz poderá, no máximo,
aplicar uma pena de 5 anos de prisão).

CONCURSO DE CRIMES

Trata-se de outra forma especial de determinação da pena, prevista no art. 30.º/1 CP.
Note-se que apenas falamos do concurso efetivo de crimes, e não do concurso
legal/aparente de normas. Fala-se em concurso efetivo de crimes quanto o agente pratica
vários crimes, isto é, quando a sua conduta preenche vários tipos legais de crimes, ou
quando preenche várias vezes o mesmo tipo legal de crime.

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Para compreender melhor este requisito, ver o tema “extinção da responsabilidade criminal”.
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Punição do concurso

Há dois grandes sistemas de punição do concurso:

• Sistema da acumulação material – é o sistema mais comum nos ordenamentos


jurídicos da Common Law, mais concretamente nos EUA. A punição do concurso
resulta da soma aritmética das penas aplicadas aos crimes cometidos pelo agente.
❖ Nos EUA, vigora um sistema de acumulação material pura, sem limites.
Noutros ordenamentos jurídicos, como no Brasil ou em Espanha, adota-se
um sistema de acumulação material em sentido impróprio/mitigado,
impondo-se um limite de 40 anos.
❖ O sistema da acumulação material viola o princípio da culpa. A mera soma
aritmética das penas tem um efeito multiplicador, fazendo aumentar
injustificadamente a gravidade proporcional da culpa do agente, por força
da adição de várias culpas. Por outro lado, faz com que, na prática, pela
sua duração, penas temporárias se tornem em penas perpétuas.

• Sistema de punição única (art. 77.º CP) – em Portugal, apesar de as penas


aplicadas a cada um dos crimes manterem a sua autonomia, aplica-se uma pena
única aos crimes em concurso (art. 77.º/1 CP). É o sistema de cúmulo jurídico (do
qual se deve remeter para o art. 30.º CP). Operações de determinação da pena
aplicável ao concurso:
❖ Determinar a medida concreta da pena aplicável a cada um dos crimes;
❖ Construção da moldura do concurso (art. 77.º/1):
o O limite mínimo corresponde à mais grave das penas parcelares
(p.e., sendo as medidas concretas da pena 2, 3 e 4 anos de prisão,
o limite mínimo corresponderá a 4 anos);
o O limite máximo corresponde à soma aritmética das penas
parcelares, desde que não ultrapasse os 25 anos de prisão ou os 900
dias de pena de multa.
❖ Nos termos do art. 77.º/1, in fine, a determinação da medida concreta da
pena do concurso tem em conta um critério especial: os factos e a
personalidade do agente. A punição do concurso não resulta meramente
da soma das várias penas parcelares. O tribunal terá de ter em conta,
olhando para os crimes praticados na sua globalidade, o grau de ilicitude
que daí resulta, o que dará uma ideia mais ou menos agravada da ilicitude.

Nota: nos casos de concurso de crimes, quanto à aplicação de penas de substituição,


apenas se pode substituir a pena final do concurso. Não se fazem substituições parcelares.

- Art. 77.º/3 CP: se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão
e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única aplicável ao
concurso. As penas de prisão e de multa não se misturam.
• Imagine-se que estão em concurso 3 crimes:
❖ Crime 1: punido com 100 dias de multa;
❖ Crime 2: punido com 200 dias de multa;

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❖ Crime 3: punido com 3 anos de prisão.


• A doutrina e a jurisprudência, na sua esmagadora maioria, entendem que o
agente será condenado em pena compósita (multa + prisão). Ou seja, quanto aos
dois crimes punidos com pena de multa, o limite mínimo da moldura do concurso
corresponderá a 200 dias de multa (pena mais grave), e o limite máximo
corresponderá a 300 dias de multa (soma aritmética das penas). Dentro desta
moldura do concurso, a medida concreta da pena será, por exemplo, 250 dias de
multa, mais os 3 anos de prisão;
• Posição diversa: alguns autores, como Figueiredo Dias, entendem que não se
deveria abandonar o sistema do cúmulo jurídico, mesmo quando as penas
aplicadas aos crimes em concurso forem de diferente natureza, determinando-se
para o concurso uma única pena de prisão. Assim, defende que a pena de multa
deve ser convertida em pena de prisão, de acordo com o critério previsto no art.
49.º/1 CP. Neste caso, as penas de multa converter-se-iam 66 e 133 dias de prisão,
respetivamente.
❖ Esta posição não é de aceitar, por ser contrária à lei. Aliás, quando presidiu
à Comissão de Revisão do CP de 1995, Figueiredo Dias propôs a alteração
do art. 77.º/3, de modo a que a sua posição ficasse expressamente
consagrada na lei, sendo esta proposta recusada. Assim, o Professor André
Lamas Leite defende que se deve seguir o entendimento maioritário da
doutrina e da jurisprudência.

- Art. 77.º/4 – as penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao


agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis. Quando a vários crimes em
concurso se apliquem penas acessórias ou medidas de segurança, o Acórdão
Uniformizador de Jurisprudência do STJ 2/2018 estabelece que nada impede que, nestes
casos, se proceda ao sistema cúmulo jurídico quanto às penas acessórias, com a
ressalva de o seu limite máximo não poder ser superior ao legalmente permitido (ex.:
quanto à pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, nos termos do art.º
69.º/1 CP, 3 anos), apesar de alguma doutrina entender que, neste caso, se deveria
proceder à mera soma aritmética das várias penas acessórias parcelares para chegar ao
limite máximo da pena única aplicável ao concurso (posição de Faria Costa). Isto porque
o STJ entende que a razão de ser do cúmulo jurídico nas penas acessórias é a mesma que
nas penas principais

Conhecimento superveniente do concurso de crimes (art. 78.º CP)

Este instituto visa corrigir situações de ineficiência do sistema judicial:

• Em primeiro lugar, há que verificar se todos os processos transitaram em


julgado (art. 78.º/2);

• Art. 78.º/1 CP – se, depois de uma condenação transitada em julgado, se


mostrar que o agente praticou, antes daquela condenação, outro ou outros
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crimes, aplica-se o art. 77.º CP. A pena que já tiver sido cumprida é descontada
no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
❖ P.e., no Processo 1, o agente foi condenado a 5 anos de prisão. Vem-se a
descobrir, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, que 6
meses atrás, havia sido condenado a uma pena de prisão de 3 anos, também
transitada em julgado, no Processo 2, por crime praticado antes dos crimes
pelos quais foi condenado a 5 anos de prisão no P1. Isto significa que o
tribunal irá ter de determinar uma nova pena para o concurso
superveniente, de acordo com as regras do art. 77.º CP (o limite mínimo
da moldura do concurso irá corresponder a 5 anos, e o limite máximo a 8
anos);
❖ Note-se que se a data do tempus delicti for posterior à data da condenação,
não há conhecimento superveniente do concurso. Isto é, se o novo crime
não tiver sido praticado antes da data da condenação, não está preenchido
o requisito do art. 78.º/1 CP, e não estará o tribunal em condições de fazer
um acórdão cumulatório.

• O tribunal territorialmente competente para proceder ao cúmulo é, nos termos do


art. 471.º/2 do CPP, o tribunal da última condenação.

CRIME CONTINUADO

O crime continuado é uma ficção de um único crime, uma figura muito controvertida.
Existe em Portugal, Espanha, Itália e noutros países que receberam influência destes.
Contudo, em França, país onde nasceu esta figura, já não existe.

Exemplo: um indivíduo é furtado, por ter deixado a janela de casa aberta. O agente, por
ter sido um furto fácil, repete o mesmo cinco vezes. Ora, individualmente considerados,
estes seriam cinco crimes de furto qualificado em concurso efetivo. Todavia, como se
trata de crimes que protegem o mesmo bem jurídico (propriedade, embora também
pudesse ser apenas bens jurídicos próximos), como o modus operandi é homogéneo, e
como há uma situação externa ao agente que o tribunal considera diminuir
consideravelmente a sua culpa (a janela aberta), o art. 30.º/2 CP manda que sejam
estes crimes punidos como se de um único crime se tratasse, e não por concurso de
crimes. Tal é altamente vantajoso para o agente, embora, na ótica do Professor André
Lamas Leite, não faça qualquer sentido do ponto de vista da prevenção geral e especial.

Isto seria ainda mais grave, por exemplo, em crimes de abuso sexual de crianças, em que
estivessem preenchidos os requisitos para que se pudesse falar em crime continuado.
Contudo, no art. 30.º/3 CP, o legislador estabeleceu que o crime continuado não se
aplica quando se trate de crimes iminentemente pessoais.

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- Art. 79.º/1 – princípio da exasperação. O tribunal deverá partir da moldura penal


abstrata do crime mais grave que integra a continuação. As outras condutas funcionarão
apenas como fatores de medida da pena, no sentido da sua agravação. Se as molduras
penais abstratas forem idênticas, o tribunal poderá atender a qualquer uma delas.

- Art.º 79.º/2 – crime continuado e conhecimento superveniente do concurso. Se,


depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave
do que aquela que motivou a condenação, a pena aplicável substituirá a anterior. Se a
conduta for de gravidade igual ou inferior, não existe qualquer repercussão na pena a
cumprir pelo condenado (o que, do ponto de vista do Professor, é incompreensível)

ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA

Trata-se de outra forma especial de determinação da pena. Em princípio, as molduras


penais abstratas são as necessárias e suficientes para acautelar os bens jurídicos
protegidos por essas normas. Há, no entanto, casos extraordinários em que tal não é o
caso (aliás, na versão originária do CP, chamava-se “atenuação extraordinária da pena”).

Quando se provar que o agente atuou com acentuada diminuição da ilicitude, da


culpa ou das exigências de prevenção, há lugar a especial redução da pena (art. 72.º/1
CP). O legislador recorre à técnica dos exemplos padrão, exemplificando circunstâncias
em que pode haver lugar a especial atenuação da pena (art.º 72.º/2). Note-se que embora
se verifique qualquer uma destas circunstâncias, tem sempre de estar verificada a cláusula
geral do n.º1 para que haja atenuação especial da pena.

A moldura penal abstrata é diminuída nos termos do art. 73.º/1 CP.

Há duas modalidades de atenuação especial da pena:

• Obrigatória – casos em que o legislador obriga a que o julgador atenue a pena.


Não há qualquer tipo de discricionariedade do legislador, mesmo que vinculada
(“a pena é atenuada”);

• Facultativa (“a pena pode ser atenuada”).

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EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL (ART. 118.º SS.


CP)

São o pressuposto negativo da punição. Há três grandes obstáculos à punição:

• Morte do agente;

• Medidas de clemência ou de graça, que obstam à aplicação da pena:


❖ Amnistia;
❖ Indulto;
❖ Perdão genérico.

• Instituto da prescrição criminal, que tem duas modalidades:


❖ Prescrição do procedimento criminal;
❖ Prescrição das penas ou medidas de segurança.

Art. 118.º CP – entende-se que, por uma questão de segurança jurídica, não podem os
agentes esperar eternamente que o Estado diga se o seu crime é punido. Os arts. 118.º ss.
CP estabelecem que há um prazo máximo para que alguém possa ser condenado num
determinado processo criminal. Sendo este prazo ultrapassado e a prescrição declarada,
não pode o agente ser punido.

Quanto mais grave for a moldura penal abstrata de um determinado crime, mais tempo
será necessário para que prescreva (p.e., para o crime ce homicídio, exige-se mais tempo
para a prescrição do procedimento criminal. Já nos crimes de injúria ou de difamação, em
que a moldura penal abstrata é mais leve, o tempo de prescrição também é menor), com
base numa ideia de proporcionalidade.

Por outro lado, quando uma decisão transita em julgado e o agente é condenado a uma
pena de prisão efetiva, ou sendo-lhe aplicada uma medida de segurança, há um prazo para
que o condenado cumpra aquela pena de prisão ou medida de segurança. Caso esse prazo
seja ultrapassado, dá-se a prescrição da pena ou medida de segurança, e o agente já não a
poderá cumprir (ex.: casos em que o agente foge, e só é encontrado 30 anos depois). Este
instituto dá prevalência a considerações de certeza e segurança jurídica.

Em Portugal, não há crimes imprescritíveis (exceto, de forma reflexa, por via de


aplicação do Estatuto de Roma que aprova o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, os
crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis, mas não são julgados nos tribunais
portugueses), mas tal não é o caso em todos os ordenamentos jurídicos. O Sr. Professor
dá o exemplo do crime de homicídio qualificado que, em Cabo Verde, é de natureza
imprescritível.

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Quanto às três formas de clemência previstas na lei (amnistia, indulto e perdão


genérico), nos art. 127.º e 128.º do CP, distinguem-se:

• Quanto ao órgão de soberania com competência para as aplicar:


❖ Amnistia e perdão genérico – competência exclusiva da Assembleia da
República;
❖ Indulto – competência exclusiva do Presidente da República.

• Quanto aos efeitos:


❖ A medida de clemência com efeito mais lato é a amnistia
(esquecimento), é como se o crime não tivesse sequer existido. Nos termos
do art. 128.º/2 CP, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso
de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus
efeitos, como da medida de segurança. É de realçar que a amnistia é uma
válvula de escape do sistema e, como tal, pode ter efeitos perversos. Logo,
deve ser utilizada em situações muito excecionais;
❖ Em segundo lugar, temos o perdão genérico. Os Deputados da AR podem
perdoar, no todo ou em parte, uma determinada pena (art. 128.º/3 CP). Não
se trata de procedimento criminal. Se houver perdão genérico, se o
processo está em curso, continua a decorrer (ex.: no período da pandemia,
uma lei da AR que aprovou o perdão genérico a muitos condenados, de
modo a libertá-los dos estabelecimentos prisionais e evitar a propagação
do vírus COVID-19 nos mesmos);
❖ Quanto ao indulto, tradicionalmente, é concedido uma vez por ano, na
época natalícia. A tendência tem sido a aplicação de cada vez menos
indultos presidenciais. Tem sido fundamentalmente praticado
relativamente a penas acessórias de expulsão do território nacional, por
razões humanitárias (ex.: reagrupamento familiar, quando a família do
condenado reside em Portugal). Nos termos do art. 128.º/4 CP, o indulto
extingue a pena, no todo ou em parte, ou substitui-a por outra mais
favorável prevista na lei.

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