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DIREITO
PENAL III

PRÁTICA
FRANCISCA SÁ - COM COLABORAÇÃO DE
SOFIA RODRIGUES
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

NOTA INTRODUTÓRIA

Esta sebenta de Direito Penal III, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
estudantes do 3º Ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2022/2023, foi elaborada pela estudante Francisca Sá, com o apoio
e colaboração de Sofia Rodrigues, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular.

Esta sebenta contém a compilação das aulas práticas, lecionadas pela Dra. Tatiana
Santos e pelo Sr. Professor André Lamas Leite, relativas à matéria lecionada pelo mesmo
em sede de aulas teóricas. Além de se tratar de uma compilação das aulas práticas, este
documento possui ainda enquadramentos teóricos para ajudar os estudantes no processo
de estudo e enquadramento da matéria.

Relembra-se, ainda, que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo,


não dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura
da bibliografia obrigatória.

Bom estudo!

Francisca Sá e Sofia Rodrigues i


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Índice
1. Introdução ............................................................................................................ 1

2. Penas Principais ................................................................................................... 3

2.1. Pena de Prisão ............................................................................................................. 3

2.2. Pena de Multa ............................................................................................................. 4

2.3. Caso Prático Hipotético .............................................................................................. 6

2.4. Caso Prático nº 1 e 2 ................................................................................................. 13

3. Penas de Substituição ........................................................................................ 27

3.1. Penas de Substituição em Sentido Próprio ou Impróprio ......................................... 27

3.2. Penas de Substituição aplicáveis à Pena de Multa.................................................... 28

3.3. Penas de Substituição aplicáveis à Pena de Prisão ................................................... 28

3.4. Caso Prático nº 3 e 4 ................................................................................................. 35

3.5. Caso Prático nº 19 e 20 ............................................................................................. 39

4. Penas Acessórias................................................................................................. 43

4.1. Concretas Penas Acessórias previstas na Parte Geral............................................... 43

4.2. Caso Prático nº 4 alíneas d) e e), 5 e 6 ...................................................................... 47

5. Determinação da Medida Concreta da Pena ................................................... 53

5.1. Introdução ................................................................................................................. 53

5.2. Determinação da Moldura Penal Abstrata ................................................................ 54

5.3. Circunstâncias Modificativas .................................................................................... 54

5.4. Determinação da Moldura Penal Concreta ............................................................... 58

5.5. Caso Prático nº 7 e 9 ................................................................................................. 60

6. Concurso de Crimes ........................................................................................... 68

7. Crime Continuado ............................................................................................. 69

7.1. Caso Prático nº 14 ..................................................................................................... 70

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8. Atenuação Especial da Pena ............................................................................. 72

8.1. Caso Prático nº 12 ..................................................................................................... 73

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1. Introdução
O Ordenamento Jurídico Português contempla duas grandes reações criminais:

• Penas;
• Medidas de Segurança.

A pena baseia-se no princípio de culpa (não há pena sem culpa, mas pode haver culpa
sem pena, como disposto no artigo 74.º CP) ao passo que as medidas de segurança se
baseiam num pressuposto de perigosidade.

Reações Criminais

Penas Medidas de Segurança

Penas Principais Medidas de Segurança de


Internamento

Penas Acessórias Medidas de Segurança não


Privativas da Liberdade

Penas Substitutivas

Temos um conjunto de regras e princípios orientadores do programa político-criminal


de emanação jurídico-constitucional. Quanto às regras às quais qualquer programa
político-criminal em matéria de consequências jurídicas do crime deve obedecer,
consideram-se as seguintes:

• Em caso algum haverá pena de morte à Artigo 24.º/2 CRP;

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• Ninguém pode ser submetido a penas cruéis, degradantes ou desumanas à


Artigo 25.º/2, parte final CRP;
• Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da
liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida à
Artigo 30.º/1 CRP.

Quanto aos princípios orientadores do programa político-criminal em matéria de


consequências jurídicas do crime:

• Princípio da legalidade criminal à Artigo 29.º/3 e 4; 165.º/1/c) CRP;


• Princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica
constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal
à Artigo 18.º/2 CRP;
• Princípio da proibição do excesso:
o Princípio da culpa em matéria de penas à Artigos 1.º, 13.º e 25.º/1
CRP;
o Princípio da proporcionalidade em matéria de medidas de segurança
à Artigo 18.º/2 CRP;
o Princípio da proporcionalidade das sanções penais à A
jurisprudência constitucional também tem feito decorrer do artigo
18.º/2 CRP;
• Princípio da socialidade à Artigo 2.º, 9.º e 30.º/1 CRP;
• Princípio da preferência pelas reações criminais não privativas da liberdade
em face das privativas à Artigo 18.º/2 CRP;
• Princípio da aplicação da lei penal mais favorável à Artigo 29.º/4, parte final
CRP;
• Princípio da insuscetibilidade de transmissão da responsabilidade penal à
Artigo 30.º/3 CRP;
• Princípio da não automaticidade dos efeitos da pena à Artigo 30.º/4 CRP;
• Princípio segundo o qual os condenados em pena ou medida de segurança
privativas da liberdade mantêm a titularidade dos DF, salvas as limitações
inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva
execução à Artigo 30.º/5 CRP.

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2. Penas Principais

Penas Principais

Pena de Prisão Pena de Multa

2.1. Pena de Prisão


A pena de prisão surge nos finais do século XVIII. É dado, nesta fase do iluminismo,
grande relevo à liberdade e, por isso mesmo, a forma de sancionar o ser humano era privá-
lo desse mesmo direito fundamental.

Com o Código de 1982, passamos a ter um único regime da pena de prisão à Toda
a pena de prisão é uma pena única e simples e de duração limitada e definida. A pena
de prisão é única por não haver formas diversificadas de prisão (antes existia uma
diferenciação entre pena de prisão maior e pena de prisão correcional) e simples porque
à condenação em pena de prisão não se ligam, por força da sua natureza, efeitos jurídicos
automáticos que vão além da sua execução à Proibição da automaticidade das penas
à Artigo 30.º CRP e 65.º CP.

Limites da Pena de Prisão

Artigo 41.º CP à A pena de prisão tem como regra:

• Limite mínimo à 1 mês;


• Limite máximo à 20 anos.

Estes limites encontram exceções. Por vezes, a pena de prisão pode ser inferior a 1
mês, como pode acontecer por via da aplicação do artigo 49.º CP, bem como ser superior
a 20 anos, com o limite inultrapassável dos 25 anos à Artigo 41.º/2 e 3 CP. Tal limite
verifica-se nos casos em que a lei excecionalmente o prevê (Exemplo: Artigo 132.º CP)
ou nos casos de concurso de crimes, previstos no artigo 30.º e 77.º CP.

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Artigo 41.º/4 CP à “A contagem dos prazos da pena de prisão é feita segundo os


critérios estabelecidos na lei processual penal e, na sua falta, na lei civil.”

2.2. Pena de Multa


O alargamento do âmbito de aplicação da pena de multa, ligado à ideia de que deve
ter preferência em relação à pena privativa da liberdade (Artigo 70.º CP), constituiu um
dos objetivos mais marcantes da reforma penal portuguesa de 1982. O Código Penal de
1982 apostou na superioridade político-criminal da pena de multa relativamente à pena
de prisão no tratamento da pequena e média criminalidade como resposta à crise que
atingiu as penas de prisão de curta e média duração, a partir do final do século XIX. O
legislador quis uma aposta séria na pena de multa ao lado da pena de prisão.

A pena de multa enquanto instrumento privilegiado da política-criminal, pressupõe


que seja configurada como autêntica pena criminal e não como mero “direito de crédito
do Estado” contra o condenado à Efeito de natureza pessoalíssima:

• Não podem ser por ela responsáveis as forças da herança;


• Não pode ser paga por terceiro;
• O seu pagamento não pode ter lugar por via de doação ou negócio afim;
• Não pode haver um contrato de seguro relativamente a ela.

Artigo 30.º/3 CRP à “As penas são insuscetíveis de transmissão” à A


responsabilidade criminal não se transmite.

Âmbito de Aplicação

Enquanto pena principal, a pena de multa aparece na veste de multa autónoma, isto
é, encontra-se expressamente prevista para o sancionamento dos tipos de crime como
única espécie de pena e na veste de multa alternativa, aquela que se encontra
expressamente prevista para o sancionamento dos tipos de crime em alternativa à pena de
prisão.

Com as alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, o CP deixou de prever a pena de


multa complementar/cumulativa, a que sancionava com a pena de prisão e de multa os
tipos de crime à Juntamente com a prisão o agente era também punido com multa.
Tratava-se de uma solução político-criminalmente indefensável à Revelava
desconfiança quanto à eficácia político-criminal da pena de multa e exigia o pagamento

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a alguém que deixava de estar em condições de angariar os rendimentos necessários para


a pagar.

Limites

Sistema da Multa Global à É fixado um valor exato que o condenado tem que
liquidar pela prática daquele tipo legal de crime. É um sistema de afastar porque não
permite adequar a pena de multa ao caso concreto. Exemplo: Quem praticar o crime x, é
condenado ao pagamento de 10.000€.

Sistema de Multa com Limite Mínimo e Máximo à Neste caso, apesar de haver
uma adaptação, é ainda de afastar este sistema, porque mistura dois conceitos, razões de
culpa e prevenção e a situação económica do condenado. Exemplo: Quem praticar o crime
x, é condenado entre 10.000€ e 100.000€.

Sistema dos Dias de Multa à Sistema que é usado em Portugal. Parte da ideia de
que a aplicação da pena de multa se faz em dois momentos diferentes, porque qualquer
pena, seja principal, acessória ou de substituição responde às 2 questões do artigo 71.º/1
CP à Culpa e Exigências de Prevenção. Portanto, temos a determinação do número de
dias de multa e a determinação da taxa diária, do quantitativo diário à Artigo 47.º/1 e 2
CP.

Operação de Aplicação da Pena de Multa em Portugal

Determinação do Determinação da
número de dias taxa diária

A determinação do número de dias tem como limites gerais:

• Limite mínimo à 10 dias;


• Limite máximo à 360 dias.

Isto, sem prejuízo de poderem ser outros os limites previstos em legislação


extravagante e de se poder ultrapassar o limite máximo nos casos de concurso de crimes
à Artigo 77.º CP. Ainda assim, não podem ser ultrapassados os 900 dias de pena de
multa.

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A determinação da taxa diária tem como limites gerais:

• Limite mínimo à 5€;


• Limite máximo à 500€.

Esta segunda operação é feita tendo em conta a situação económica e financeira do


condenado à É pouco dizer que se tem em conta a situação económica e financeira do
condenado, porque na prática levantam-se muitas dúvidas em relação às receitas e
despesas a ter em conta para levar a cabo esta determinação.

Artigo 47.º/3 CP à Uma vez notificado para liquidar a pena de multa, o condenado
pode:

• Pagar de uma só vez;


• Pedir o pagamento fracionado (em prestações);
• Pedir o pagamento diferido (o pagamento é feito num momento posterior);
• Pedir a aplicação do artigo 48.º CP (em vez de pagar, o condenado liquida a
pena através do trabalho).

Quanto a esta possibilidade do artigo 48.º CP, cuja epígrafe é “Substituição de


Trabalho”, cumpre desde logo ressalvar que não se trata de uma verdadeira pena de
substituição, mas sim de uma das formas de liquidação da pena de multa.

Para saber como é feita a conversão de dias de multa para horas de trabalho, por via
da remissão do artigo 48.º para o artigo 58.º CP, no nº 3 tem-se que “cada dia de prisão
fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”.

No caso do condenado não ter nem capacidade económica, nem capacidade para
trabalhar, é de lhe aplicar o artigo 49.º/3 CP à Conversão da pena de multa não paga em
prisão subsidiária. No entanto, a pena fica suspensa até ao limite máximo de 3 anos, não
sendo esta uma suspensão simples. O tribunal deve impor deveres ou regras de conduta
de conteúdo não económico ou financeiro. Nesta hipótese, a conversão dá-se pela redução
a 2/3 do tempo correspondente à pena de multa.

2.3. Caso Prático Hipotético


Imaginemos que o Juízo Criminal do Porto condena um agente pela prática do crime
de ameaça do artigo 153.º/1 CP e o tribunal determina a aplicação de uma pena de multa
de 100 dias à taxa diária de cinco euros (5€). O tribunal estipula a taxa diária mais baixa,

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nos termos do artigo 47.º/2 CP, uma vez que o agente tem uma condição socioeconómica
muito desfavorável (vamos considerar que se trata de um sem-abrigo, numa condição
económica extrema).

Nota: Crítica quanto ao limite mínimo da pena de multa à Para a realidade


portuguesa é um limite muito elevado. Na Alemanha, por exemplo, o limite mínimo da
pena de multa é de 1€ e será um país mais rico.

O tribunal decide aplicar a pena de multa em detrimento da pena de prisão, pois esta
bastaria para realizar de forma adequada as finalidades da punição, de acordo com o artigo
70.º CP.

Contudo, mesmo o juiz estipulando a taxa diária mais baixa, nenhum sem abrigo tem
condições para pagar 500€ de multa. Por isso, é muito frequente que os juízes façam
aquilo que é uma entorse ao sistema. Provavelmente, a pena mais adequada a aplicar ao
caso concreto até seria os 100 dias, mas como o pagamento de 500€ é impossível para um
sem-abrigo, muitas vezes os juízes baixam a medida de pena mesmo que não seja a mais
adequada. Vamos considerar que no nosso caso o juiz em vez da aplicação da pena de
multa de 100 dias prevê uma pena de multa de 50 dias, portanto 250€ (mesmo assim
continua a ser um número elevado, para um sem-abrigo).

Esta decisão que o juiz toma já é executória? Depois de estipular a medida da pena,
o juiz procede ao depósito da decisão. Por via do artigo 411.º CPP, após o depósito da
decisão, as partes dispõem de 30 dias para interpor recurso. Assim sendo, a decisão
não é executória. Temos de esperar que transite em julgado.

Consideremos que a decisão foi depositada pelo juiz, no dia 02/03/2023. Temos de
contar trinta dias, para que ela transite em julgado. E como se contam esses trinta dias?

Nos termos do artigo 279.º/b) CC “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o
dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr”, pelo que o prazo começaria a contar-se a partir do dia 03/03/2023.

Para além disso, o prazo é contínuo, não se suspende nem nos feriados nem nos fim-
de-semanas, suspendendo-se apenas nas férias judiciais, se o processo não tiver natureza
urgente. Esta matéria está regulada no artigo 103.º e seguintes CPP. As férias judiciais
decorrem, de acordo com o artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário

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(LOSJ) entre 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de


Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.

Posto isto, os nossos 30 dias terminariam no dia 1 de abril, que calha a um sábado,
num dia não útil, e por isso, como decorre da regra de contagem de prazos em processo
penal, teríamos de esperar pelo próximo dia útil, que seria 3 de abril. Contudo, o Domingo
de Ramos é no dia 2 de abril, e, por isso, as férias judiciais este ano decorrem entre 3 de
abril e 10 de abril de 2023. Assim sendo, o último dia para interpor recurso seria o dia 11
de abril, que é a terça-feira subsequente à Páscoa.

Depois desta terça-feira, imaginemos que o advogado do condenado foi de férias, e


não conseguiu interpor recurso. O artigo 107.º e 107.º-A CPP, estabelece a possibilidade
de praticar atos processuais fora do prazo mediante o pagamento de multa, mais
concretamente nos 3 dias úteis subsequentes ao final do prazo. O nosso prazo acabou na
terça-feira, dia 11 de abril.

Assim, o advogado ainda teria, para interpor recurso, a quarta-feira, dia 12 de abril,
em que pagava meia unidade de conta (51€), tinha também quinta-feira, dia 13 de abril
em que pagava uma unidade de conta (102€) e ainda tinha a sexta-feira, dia 14 de abril
em que pagava duas unidades de conta (204€). Logo, já com a benesse do artigo 107.º
CPP, esta decisão transita em julgado no dia 14 de abril. A partir daqui só se houvesse
um justo impedimento, um internamento hospitalar, por exemplo.

Consideremos agora que ninguém interpôs recurso. Então o que se segue? Segue-se
aquilo que se chama abrir vista ao Ministério Público (MP) à Traduz o ato pelo qual a
secretaria apresenta os autos ao MP para ele proferir despacho. Esta entidade, o MP, tem
uma série de funções que estudamos no processo penal, que estão previstas no artigo 53.º
CPP. Uma das suas funções é promover a execução das penas e medidas de segurança,
nos termos do artigo 53.º/2/e) CPP.

A partir do momento em que o tribunal profere a decisão final, dá-se o esgotamento


do poder jurisdicional, o juiz não pode mexer mais na decisão (à exceção do artigo 380.º
CPP). A decisão só pode ser alterada por via de recurso. Sendo assim, o juiz nada faz
porque a tarefa dele acabou. Quem tem de promover a execução da pena é o Ministério
Público. A Secretaria Judicial está atenta aos prazos, verifica que não houve interposição
de recurso, e, por isso, no dia 14 de abril a decisão transita em julgado. O dia 14 de abril

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calha a uma sexta-feira. Deste modo, só na segunda-feira, dia 17 de abril, é que a


secretaria abre vista ao Ministério Público.

Nota: Quando os autos vão ser apresentados ao juiz chamamos conclusão, o processo
vai concluso ao juiz.

Assim, o procurador do MP verificava que não tinha sido interposto recurso, vai dizer
que nada tem a requerer, a secretaria tira a conta de custas (não vamos estudar agora à
Mas por curiosidade existe o Regulamento das Custas Processuais). É na própria conta
de custas que aparece a pena de multa, vamos imaginar que tinha sido 100 dias à taxa
diária mínima de 5€, a multa total é de 500€. A conta vai acompanhada da referência,
entidade e valor para se fazer o pagamento. Vão ser emitidas as vias de pagamento da
pena de multa e da unidade de conta em termos de custas.

Esta conta de custas tem de ser notificada ao arguido e ao seu defensor. Imaginemos
que o arguido foi notificado no dia 2 de maio de 2023 e o defensor só no dia 5 de maio.
De acordo com o artigo 113.º/1 CPP à Quando há datas diversas, o arguido beneficia do
prazo que termina mais tarde, neste caso, o do defensor. Será a partir daí que se começa
a contar o prazo para que o condenado faça alguma coisa. Que prazo é que a lei concede
e para quê?

Artigo 489.º CPP à “A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a
impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer
adicionais”. O nº 2 diz que o prazo é de 15 dias para liquidar a pena de multa a contar da
notificação.

Sendo notificado no dia 5 de maio, então o condenado tem 15 dias para liquidar a
pena de multa, mas é importante ter em atenção que o pagamento não é a única forma de
liquidação. Outra questão a ter em conta é o facto de algumas vezes a conta de custas
poder apresentar erros à O Regulamento das Custas Processuais estabelece o prazo de
10 dias para reclamar da conta de custas. Por isso, no caso de a conta de custas apresentar
erros o condenado teria até 15 de maio, para reclamar à Mais uma vez se não for um dia
útil passa-se para o dia útil seguinte. Só aqui é que se começa a contar o prazo de 15 dias
do artigo 489º/2 CPP.

Dentro deste prazo ou se paga de uma só vez, ou o artigo 47.º/3 CP prevê que o
condenado caso se encontre numa situação desfavorável possa requerer:

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• Ou o pagamento diferido à No prazo máximo de um ano;


• Ou o pagamento em prestações à No prazo máximo de dois anos.

É preciso, para ambas as situações, que o condenado alegue a sua situação económica
financeira desfavorável, ele tem de provar que não conseguiria pagar de uma só vez.

Mas ainda existe uma terceira hipótese à Ele pode liquidar a multa por trabalho,
nos termos do artigo 48.º CP (que remete para o artigo 58.º CP, esse sim uma verdadeira
pena de substituição), e, para isto não precisa de alegar a sua situação económica
financeira desfavorável. Uma pessoa pode ser muito rica e querer liquidar através da
prestação de trabalho. Nos termos do mesmo artigo um dia de multa corresponde a uma
hora de trabalho, com o limite de 480 horas. Serão então 100 horas de trabalho que o
nosso condenado vai ter de prestar. Pode trabalhar em qualquer altura, desde que não
ultrapasse as 8 horas por dia.

Vamos agora supor que este condenado não está a trabalhar porque não tem condições
de saúde para o fazer. O que pode acontecer? Durante estes 15 dias, não vai requerer
nenhuma das hipóteses do artigo 47.º/3 CP, uma vez que ele não consegue pagar nada.
Ele não vai fazer nada e passam os quinze dias. O que acontece? A Secretaria Judicial
verifica que findo os 15 dias, o condenado não pagou a pena de multa nem requereu nada.
Assim sendo, vai abrir vista ao MP. Muito provavelmente aquilo que o MP vai fazer é
requerer a aplicação do artigo 49.º/1 CP, a conversão da pena de multa em prisão
subsidiária reduzida a 2/3. Mas atenção à O MP vai promover, uma vez que ele não
decide nada.

Não obstante, antes de promover a conversão da pena de multa em prisão subsidiária,


a lei obriga a que primeiro se verifique se há património que o condenado tenha que
possa ser penhorado para responder pela multa (ainda que a multa não seja um crédito
civil, mas sim uma sanção criminal). O legislador quer que o tribunal se assegure que não
há bens passíveis de penhora e que sejam suficientes para a liquidação de pena de multa.

Assim, o MP vai primeiro averiguar se existem bens suficientes para responder por
aquela multa, é o que resulta do artigo 491.º/1 CPP. Na penhora pode haver nomeação de
bens à penhora pelo executado. Em vez do agente de execução chegar à casa da pessoa e
penhorar os bens que entenda necessários, o executado pode dizer que prefere que lhe
penhorem o carro, por exemplo.

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Claro que pode acontecer que o MP entenda, depois das averiguações necessárias,
não haver bens suscetíveis de penhora, logo não faz sentido promover a ação executiva
de bens. Consultada a base de dados, o condenado não desconta para a SS, não tem
inscrições no registo predial, automóvel, não é proprietário de nada, neste caso nem tem
sequer residência e, portanto, o MP diz que não há bens suficientes para a penhora.
Consequentemente o Procurador do MP vai promover nos termos do artigo 49.º/1 CP, a
conversão da pena de multa em prisão subsidiária reduzida a 2/3. Nas questões de penas,
o arredondamento é feito por defeito e não por excesso, pelo que seriam então 66 dias de
prisão subsidiária (2/3 de 100 dias).

Durante muito tempo, o procurador promovia esta conversão, ia concluso ao juiz e o


juiz concordando com o MP podia proferir um despacho simples: “como se promove”,
isto é, o juiz concorda com a promoção do MP. No entanto, vamos imaginar que o MP
entende que não há bens, mas o juiz consultando os autos verifica que a dada altura se
fala num prédio, o juiz pode discordar e promover a execução patrimonial (não seria o
caso do sem-abrigo e são situações muito raras). Se houver discordância, o MP pode
recorrer.

Nota: Há bens impenhoráveis, a cama, o fogão, o frigorífico, até a televisão.

Mas agora não acontecendo nada disto, e não sendo possível a execução patrimonial,
é convertida a pena de multa em prisão subsidiária. Anteriormente, os órgãos de polícia
criminal (OPC) tinham ordens para conduzir a pessoa ao estabelecimento prisional, que
seria imediatamente presa, tendo de cumprir os 66 dias de prisão subsidiária. Contudo, o
procedimento assim era inconstitucional. Numa situação como esta tem sempre de ser
ouvido o condenado. Ele pode ter algum motivo válido para não ter procedido ao
pagamento, por exemplo. E, por isso, não se pode já converter a multa em prisão
subsidiária. É um imperativo que resulta do artigo 32.º/1 CRP.

Por conseguinte, quando há a promoção do MP no sentido da conversão, o arguido


tem de ser notificado. E qual o prazo para se pronunciar? Nos termos do artigo 107.º/1
CPP, é o mesmo prazo que no processo civil, são 10 dias. Por isso, o arguido tem dez dias
para se pronunciar.

O nosso arguido vem dizer que é sem abrigo e não tem nada, junta outros colegas,
declaração da junta de freguesia e o juiz não tem dúvidas e, portanto, o defensor oficioso

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pode lançar mão do artigo 49.º/3 CP à Mostra que o nosso sistema da multa como pena
principal permite que o condenado quando há a conversão da pena de multa em prisão
subsidiária peça a suspensão da prisão subsidiária, pelo prazo máximo de 3 anos mediante
injunções não económico-financeiras (mas tem que aguardar pelo despacho que
determina a conversão). Finda a suspensão, a pena de multa é declarada liquidada por via
desta forma.

Vamos agora ver outras situações:

Primeira Situação à Alguém começa por pedir o pagamento em prestações e o juiz


ou defere ou indefere. Se defere é porque essa pessoa alegou que não pode pagar de 1 só
vez e o condenado propõe um número de prestações que o juiz pode concordar ou não e
pode reduzir (defere parcialmente). Assim, todos os meses são emitidas novas guias de
custas, há guias para todos os meses em se que tiver de pagar a prestação. Se cumprir, a
pena tem-se por extinta pelo cumprimento.

Agora imaginemos que paga a primeira e depois não paga mais.

1º aspeto à Artigo 47.º/5 CP à O não pagamento de 1 prestação implica o


vencimento das demais, perde-se o benefício do prazo. Se o condenado liquida o que
falta, a pena tem-se por extinta. Se não liquida, o tribunal notifica-o para ele se pronunciar
porque não liquidou e aí o tribunal pode ainda alterar os prazos para pagamento à Artigo
47.º/4 CP.

Mas imaginemos que o condenado não justifica, mas o que faz é quando notificado
requer a liquidação por trabalho (Artigo 48.º CP). Portanto, começou por pedir o
pagamento em prestações, não cumpre e agora pede a aplicação do artigo 48.º CP. Os
tribunais admitem que isto possa ser deferido pelo tribunal que o condenou. O Sr.
Professor não concorda, parece que o condenado anda a brincar com o sistema, mas
entende-se que há que evitar a pena de prisão subsidiária, deve funcionar em ultima ratio.

Imaginemos que a pena fixada foi então os 100 dias à taxa diária de 5€. O condenado
pede o pagamento em 5 prestações, portanto de 100€ cada uma. Se pagou 1 prestação, os
100€, já cumpriu uma parte. Faltam 400€. Há que fazer uma regra de 3 simples:

500€ ------------------ 66 dias de prisão subsidiária

400€ ------------------ x dias de prisão subsidiária

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x = 52,8 dias (portanto 52 dias)

Portanto, ao ter efetuado o pagamento de 100€ é como se tivesse cumprido 14 dias


de prisão (66 - 14 = 52).

Agora se o condenado incumpre e pede a aplicação do trabalho, do artigo 48.º CP, a


pergunta é quantas horas é que se tem de trabalhar? Teremos de fazer outra regra de 3
simples. Sabemos que 100€ corresponde a 14 dias, mas isto diz respeito à prisão
subsidiária. Se não tivesse procedido ao pagamento de nenhuma prestação seriam 100h
de trabalho (razão de 1 para 1 como define o artigo 58.º CP). Mas ele liquidou 100€,
portanto:

100h ------------------ 500€

x ------------------ 400€

x = 80 horas de trabalho

Outra possibilidade à Começa a pedir-se a aplicação do artigo 48.º CP, portanto da


liquidação através do trabalho. Se incumpre, por exemplo, trabalha 20h e não vai mais,
ainda pode lançar mão do artigo 47.º/3 CP, pelo que se trabalhou algumas horas também
se faz o desconto proporcional.

2.4. Caso Prático nº 1 e 2


Caso Prático nº 1

No Juízo Local Criminal do Porto, J3, A foi julgado e condenado pelo crime p. e
p. pelo artigo 143.º, n.º 1, em concurso efetivo com o delito do artigo 181.º, n.º 1,
ambos do CP, tendo o tribunal determinado a aplicação de uma pena única de 300 dias
à taxa diária de 5 €. A leitura e o depósito da sentença ocorreram em 4 de Setembro de
2019.

a) No dia 11 de Outubro de 2019, por ordem verbal, o Procurador da República,


determinou a abertura de vista e despachou: «tendo em conta que o condenado não
liquidou ainda a pena de multa a que foi condenado e nada requereu, promovo se
proceda à execução patrimonial de bens suficientes do condenado». Se fosse juiz(a),
como despacharia?

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 13


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A primeira coisa a fazer é determinar quando é que a decisão transitou em julgado.


Por via do artigo 411.º CPP, após o depósito da decisão, as partes dispõem de 30 dias para
interpor recurso. Já vimos como se contam os prazos:

Vimos que na contagem de qualquer prazo, nos termos do artigo 279.º/b) CC, não se
inclui o dia, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo se começa a contar. Desta
forma, o dia 04/09/2019, não entra para a contagem do prazo. Dia 5 de setembro será o
primeiro dia para a contagem do prazo.

O prazo conta-se de forma contínua, de acordo com os artigos 105.º e seguintes do


CPP, apenas se suspendendo nas férias judiciais, a não ser que se trate de um processo
urgente. Os processos urgentes estão previstos no artigo 103.º/2 CPP. No nosso caso, não
se trata de um processo urgente. Relativamente às férias judiciais não se colocam
problemas, uma vez que as férias mais próximas seriam entre os dias 22 de dezembro e 3
de janeiro, mas não vamos chegar lá.

Os 30 dias terminariam assim a uma sexta-feira, dia 4 de outubro. Esta é a data do


trânsito em julgado da decisão.

Depois disto, o que o Procurador da República fez foi, no dia 11 de outubro (aqui a
decisão já tinha transitado em julgado) por ordem verbal e não por escrito, requerer a
execução patrimonial dos bens do condenado. Já vimos que nos termos do artigo 53.º/2/e)
CPP, incumbe ao MP promover a execução das penas, mas quem decide é o Juiz do
Tribunal da Condenação. Portanto, o Procurador, sabendo que o condenado não tinha
liquidado a pena de multa, requer a execução patrimonial dos bens do condenado. Aquilo
que se segue é que o Escrivão de Direito (que é um funcionário judicial) abre conclusão
à Dra. Juíza para responder aquela promoção.

Sabemos também que depois de a decisão transitar em julgado, o condenado tem de


ser notificado da conta de custas (onde se inclui a multa). Depois tem 10 dias para
reclamar da conta de custas e só terminado esse prazo, é que se começa a contar o prazo
do artigo 489.º/2 CPP que noz diz que a partir do momento em que é notificado da conta
de custas, o condenado tem 15 dias para liquidar a multa ou para requerer outras formas
de liquidação.

Agora vejamos à Mesmo que o condenado tivesse sido notificado no dia 7 de


outubro (que era o primeiro dia útil para se proceder à notificação), o Procurador

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 14


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

pronuncia-se dia 11 de outubro. Tinham passado apenas 4 dias. Ainda está a decorrer o
prazo para ele reclamar, ou para requerer outra forma de liquidação. Assim, o conteúdo
da decisão da Juíza deveria ser o indeferimento do requerido pelo Procurador uma vez
que o requerimento é extemporâneo. O que significa um requerimento extemporâneo?
Significa que foi apresentado fora do prazo.

Nota: Fora do prazo não quer dizer apenas para além do prazo, mas também antes do
prazo.

b) Em 11 de Novembro de 2019, A considera-se notificado da conta de custas. No


dia 12 de Dezembro de 2019, veio requerer a substituição da multa por trabalho,
alegando a sua difícil situação económica. O tribunal decide «indeferir o requerido,
por extemporâneo, para além de a prova carreada para os autos não ser de molde a
concluir pela difícil situação económico-financeira do condenado. Em consequência,
determina-se a aplicação do artigo 49.º, n.º 1, do CP». Aprecie o despacho judicial.

Já sabemos o dia em que o condenado se considera notificado à No dia 11 de


outubro. Assim, conta-se a partir deste dia, nos termos do Regulamento das Custas
Processuais (RCP), 10 dias para a reclamação. Deste modo, teria até ao dia 21/11/2019
para reclamar da conta de custas.

A partir de 22 de novembro é que passa a contar o prazo para ele liquidar a pena de
multa, nos termos do artigo 489.º/2 CPP, que são 15 dias. No dia 6/12/2019 teria
terminado este prazo, que calhou a uma sexta-feira. Ele tinha até este dia para liquidar a
pena de multa ou requerer outra forma de liquidação.

Contudo, o enunciado diz-nos que só no dia 12 de dezembro é que ele veio requerer
a substituição da multa por trabalho. Quando se diz que o Tribunal indeferiu o requerido
por ser extemporâneo, está correto. Não podemos esquecer que há uma possibilidade de
prática extemporânea de atos, nos termos do artigo 107.º-A CPP. O condenado tem os 3
dias úteis seguintes posteriores ao termo do prazo, para praticar o ato, mediante o
pagamento de uma multa. Assim, no nosso caso o condenado podia praticar este ato:

• Na segunda-feira, dia 9 de dezembro, mediante o pagamento de meia unidade


de conta, que são 51€;

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 15


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• Terça-feira, dia 10 de dezembro, mediante o pagamento de 1 unidade de conta


que são 102€;
• E ainda na quarta-feira, dia 11 de dezembro, mediante o pagamento de duas
unidades de conta, que são 204€.

No entanto, no dia 12 de dezembro já não seria possível a prática de qualquer ato.

O nosso condenado veio requerer a aplicação do artigo 48.º CP à A substituição


da multa por trabalho. Sabemos que esta não é uma verdadeira pena de substituição. O
artigo 48.º CP é apenas uma das formas de liquidar a pena de multa. Para ser uma pena
de substituição o tribunal teria de ter chegado a uma medida concreta de pena e substituí-
la por outra. Quanto à pena de multa só existe uma pena de substituição, prevista no artigo
60.º CP à A admoestação.

Para tal, o condenado invocou razões de dificuldade económica. É importante


fazermos uma nota quanto a esta questão à Não é necessário alegar uma difícil situação
económica financeira, para solicitar a aplicação do artigo 48.º CP. O que o tribunal tem
de concluir é que as finalidades do artigo 40.º/1 CP serão cumpridas por via do trabalho.
Deste modo estava errado tanto o requerimento como o despacho da Senhora Juíza.
A juíza não andou bem neste aspeto.

Posteriormente, determina-se a aplicação do artigo 49.º/1 CP. A juíza andou bem


neste aspeto? Este artigo diz-nos que, decorrido o prazo para liquidação da pena de multa,
o que acontece é que se aplica a sanção de ultima ratio relativamente ao incumprimento
da pena de multa à A conversão da pena de multa não liquidada em prisão subsidiária
reduzida a 2/3. Se ele foi condenado a 300 dias de multa à taxa diária de 5€, a multa total
seria de 1500€. Convertendo para 2/3 o condenado vai cumprir 200 dias de prisão
subsidiária.

Não obstante, antes de se partir para esta forma de ultima ratio, ainda tem de se
verificar previamente, se existem bens suscetíveis de penhora, na esfera do condenado. O
Ministério Público tem de verificar se existem bens suficientes para serem penhorados à
Artigo 491.º/1 CPP. Se sim, com esse valor, o Estado vai acabar de liquidar a pena de
multa. Desta forma, a Sra. Juíza passou à frente uma fase que não deveria ter passado.

Se a Sra. Juíza tivesse procedido desta forma, o processo iria com vista ao Ministério
Público, e este iria promover a execução patrimonial, podendo chegar a 2 situações:

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 16


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• Ou encontrava bens suscetíveis de penhora, e assim haveria uma liquidação


da pena de multa;
• Ou verificava que não havia bens passíveis de penhora, comunicaria isso à
Sra. Juíza e aqui sim, a Sra. Juíza promovia a aplicação do artigo 49.º/1 CP.

c) Imagine, ao invés, mantendo os demais dados, que no dia 28 de Novembro de


2019, A apresenta requerimento em que requer «que o tribunal se substitua na posição
contratual do condenado num contrato de compra e venda que celebrara com B e em
que A figurava como vendedor ou, se assim não for entendido, que o valor da multa
saia precípuo do valor do quinhão hereditário que lhe couber pelo óbito da mãe do
condenado, encontrando-se a herança jacente». Sendo juiz(a), como despacharia?

Quanto à primeira parte da questão à O condenado tinha celebrado um contrato de


compra e venda e vem dizer que é titular de um direito de crédito. O que ele pretendia era
liquidar uma pena de multa por cessão de crédito. Portanto, a questão centra-se em saber
se é ou não admissível liquidar a pena de multa através de uma cessão de crédito. Não é
efetivamente possível. Esta questão já foi suscetível de pronúncia por parte do
Tribunal da Relação do Porto à O Tribunal veio dizer que esta forma de liquidação
não está prevista na lei e se aplicada, na prática, violaria o Princípio da Legalidade
Criminal. Sendo assim, o tribunal deveria indeferir o pedido.

Relativamente à segunda parte da questão à O que é uma herança jacente? É uma


herança que ainda não foi aceite ou declarada vaga a favor do Estado. É importante
perceber que os herdeiros não são obrigados a aceitar a herança, podem-na repudiar. As
dívidas da herança transmitem-se. Se a pessoa deixa património, esse património tem de
responder pelas dívidas. E, por isso, quando eu aceito a herança aceito tudo, quer a parte
ativa quer a passiva. Se toda a gente repudiar a herança, em última análise a herança é do
Estado.

Mas voltando ao caso à O que o nosso condenado vem dizer é que ele terá direito a
uma determinada parte da herança da mãe, e por isso, com essa parte, irá usá-la para
liquidação da pena de multa. Isto pode acontecer? Não. Os bens em favor da herança não
podem ser usados para liquidação da pena de multa. A herança é um negócio unilateral,
onde há apenas uma prestação, onde não há sacrifício nenhum por parte do herdeiro.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 17


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Assim sendo, este pedido deveria ser também indeferido pelo tribunal. Ambos os
requerimentos foram apresentados dentro do prazo, mas ambos teriam de ser julgados
improcedentes.

d) Tendo o prazo para liquidar a pena de multa terminado no dia 6 de Outubro de


2019, no dia 14 de Outubro, por intermédio do seu defensor, A requer o pagamento
prestacional da multa em 16 meses, o que foi deferido. Vencida a primeira prestação a
8 de Novembro de 2019, a mesma não foi liquidada, pelo que o Procurador promoveu
a emissão de mandados de detenção, o que foi deferido pelo juiz no dia 15 de
Novembro de 2019. No dia 19 de Novembro, a PSP deslocou-se ao domicílio de A
para cumprir o mandado judicial. Nesse momento, de entre familiares e amigos foi
recolhido o valor total da pena de multa, tendo-se o OPC recusado a receber tal
montante, conduzindo A ao EP do Porto. Aprecie toda a situação descrita.

Há algo que temos de dizer mais uma vez à Se diz no enunciado que o prazo para
liquidar a multa acabou no dia 6 de outubro, então, no dia 14, o condenado não podia
requerer nada. A partir daí tudo o que fosse requerido era extemporâneo. O que é certo é
que o juiz não se apercebeu e deferiu.

Nos termos do artigo 47.º/3 CP, tem de se alegar a insuficiência económica do


condenado, para requerer o pagamento prestacional da pena de multa, sendo que o prazo
máximo para a liquidação é de 24 meses, a contar do trânsito em julgado da decisão. Por
isso, se o tribunal deferiu o pedido é porque o condenado tinha apresentado prova dessa
situação. Não tendo sido liquidada a primeira prestação, o que acontece, nos termos do
artigo 47.º/5 CP é que a falta de pagamento de uma prestação importa o vencimento
das restantes. Assim, pode-se exigir o pagamento imediato dos tais 1500€. Mas o que é
que aconteceu?

O que aconteceu é que foi aberta vista ao Ministério Público e este promoveu a
emissão de um mandado de detenção e o juiz deferiu o requerido. Mas antes disto, o
condenado poderia ainda ter requerido a aplicação do artigo 48.º CP à A substituição da
multa por trabalho. E depois disto, ainda havia a possibilidade da execução patrimonial
de bens.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 18


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O Ministério Público só poderia promover o mandado de detenção se chegasse à


conclusão de que o condenado não tinha bens passíveis de penhora. Só depois de tudo
isto é que podia pedir a aplicação do artigo 49.º/1 CP e o Juiz teria sempre de mandar
notificar o condenado para, querendo, pronunciar-se relativamente àquela situação.

Se olharmos para o artigo 489.º e seguintes CPP, em nenhum momento se diz que
existe uma obrigação de notificar o condenado. Mas o artigo 495.º CPP tem sido estendido
de uma forma unânime a todas as hipóteses em que há incumprimento do condenado. Ele
obriga a uma coisa simples à Cumprir o Princípio do Contraditório à É necessário
notificar o arguido para este vir justificar o porquê de não ter liquidado a pena de multa.
Também o artigo 61.º/1/b) CPP, assim o impõe à O arguido tem direito a ser ouvido pelo
Tribunal.

Assim sendo estar-se-á a violar um princípio de consagração constitucional, o


Princípio do Contraditório. Apesar de no CPP não estar nenhuma consagração expressa
deste princípio, o Código do Processo Civil (CPC) prevê este princípio, nos termos do
artigo 3.º e sendo o CPC a legislação subsidiária face ao CPP, aplicar-se-ia ao caso o
artigo 3.º CPC, ex vi do artigo 4.º CPP. Por isso, o que o juiz deveria ter feito era formular
um despacho para notificação do arguido. E aqui poderia acontecer uma de três coisas:

• Ou o arguido oferece justificações que o tribunal entende atendíveis e aí não


promove a conversão da multa em prisão subsidiária;
• Ou o arguido nada diz;
• Ou o arguido justifica-se, mas os motivos não são atendíveis pelo juiz à
Aqui o processo vai novamente com vista ao Ministério Público.

Mas é importante ter em atenção que o Ministério Público não pode emitir logo o
mandado de detenção, tem de promover a aplicação do artigo 49.º/1 CP. Mediante a
conversão para 2/3 dos 300 dias de multa, o condenado teria de cumprir 200 dias de prisão
subsidiária. Mas primeiro o Ministério Público, vai mandar notificar este despacho ao
condenado, e ele pode querer recorrer dele. Só depois de o despacho transitar em julgado,
depois de 30 dias, é que o Ministério Público pode emitir um mandado judicial.

Posteriormente, a PSP deslocou-se ao domicílio do arguido, e recusa-se a receber o


montante da multa e leva o arguido até ao Estabelecimento Prisional (EP). A PSP agiu de
forma certa? No nosso caso, a polícia viu que o dinheiro não era do condenado, mas sim

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de amigos e familiares. Se aceitasse o montante, estaríamos a contrariar aquilo que


dissemos anteriormente à A pena de multa é uma pena pessoal. Só podem responder
os bens pelos quais o condenado tenha uma disponibilidade fáctica. Estaríamos a
incumprir um princípio previsto na CRP que nos diz que a responsabilidade criminal é
intransmissível. E por isso a PSP agiu bem. Isto é aquilo que devemos dizer em
cumprimento da lei. Mas não é bem isto que acontece na prática. O Estado não está
interessado quem vai liquidar a pena, a experiência diz que a polícia fecha os olhos e
aceita.

Durante muito tempo suscitava-se esta questão de saber, se um Órgão de Polícia


Criminal, no momento em que executava um mandado de detenção, podia ou não receber
o montante da pena da multa em falta. Só em 2019 é que as coisas ficaram claras, com a
introdução do artigo 491.º-A CPP. Hoje em dia, é claro que a polícia não se pode recusar
a receber o pagamento da multa. Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, nos 10 dias
imediatos, a entidade policial ou o estabelecimento prisional remetem ou entregam a
quantia recebida ao tribunal da condenação.

Nota: Diz-se sempre mandado e não mandato!

e) Suponha, por fim, que, validamente, A iniciava o cumprimento de prisão


subsidiária em 20 de Novembro de 2019. No dia 20 de Dezembro, A pretendeu pagar
a multa, mandatando C, sua cônjuge, para o fazer na secretaria judicial do tribunal da
condenação. Aí, foi-lhe dito que o tribunal competente para o efeito era o da execução
das penas do Porto. Neste último, liquidou o valor de 1.500 €, através de cheque sacado
sobre conta bancária de que C era a única titular. Comente toda a factualidade descrita.

O condenado pode, mesmo quando ainda não tenha acabado o período de


cumprimento da prisão subsidiária, liquidar a pena de multa, nos termos do artigo 49.º/2
CP. Ora, ele já iniciou o cumprimento da pena de prisão no dia 20/11/2019, e no dia
20/12/2019 ele quer pagar. Temos 1 mês de cumprimento de pena. Este mês vai ter de ser
descontado. O condenado não pode pagar a totalidade. Então temos de proceder ao
desconto e fazer uma regra de 3 simples:

200 dias ------------------ 1500€

170 dias ------------------ x

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 20


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x = 1275€

Este seria o valor que faltava liquidar à 325€ foi quanto ele conseguiu pagar com
um mês de prisão. Portanto, respondendo à questão à Primeiro ele não tinha de pagar os
1500€, mas sim 1275€.

E a cônjuge pode ser mandatada para pagar essa quantia? Sim, desde que não haja
dúvidas quanto à titularidade do dinheiro. Nestes casos, a Secretaria teria de aceitar.

Mas, a partir do momento em que paga com cheque bancário, a Secretaria podia, a
qualquer momento, pedir para visar o cheque. Com este mecanismo, o banco está a
garantir que na naquela conta existe aquela quantia, que fica logo cativa. Por isso, muitas
vezes neste tipo de negócios pede-se um cheque visado.

Concluindo, aquilo que acontece no nosso caso prático é que não era esse o valor a
liquidar, e o meio a pagar não pode suscitar duvidas. Além do mais, é claro que o Tribunal
competente para receber a quantia é o Tribunal da Condenação. Não há nenhuma
competência dos Tribunais de Execução das Penas. Os juízos de execução das penas são
juízos especializados.

Caso Prático nº 2

No Juízo Local Criminal de Valongo, J1, foi D julgado e condenado na pena de


120 dias de multa à taxa diária de 7,50 €, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 86.º,
n.º 1, al. d), do RJAM – Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º 5/2006, de
23/2).

Da sentença consta o seguinte trecho: «no que tange à situação económica do


arguido, o mesmo aufere um rendimento líquido mensal de 650 €, é proprietário de um
prédio urbano cujo valor matricial é de 155.221,50 €, de um veículo automóvel com
valor de mercado de cerca de 5.000 €, tem a expectativa jurídica de suceder a seu pai
e apresenta como encargos com bens essenciais no valor de 250 €/mês, a que acresce
uma prestação de um outro automóvel, adquirido em leasing, no valor de 120 €
mensais e a mensalidade do ginásio no valor de 25 €».

a) O defensor de D entende haver fundamento para recorrer da decisão, tendo em


conta o trecho acima transcrito. Concorda com ele?

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 21


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Crime de Posse Ilegal de Arma

O tribunal atende ao rendimento líquido mensal de 650€ à O artigo 47.º CP só refere


que se deve ter em conta a situação económica e financeira do condenado, os restantes
critérios para clarificar a determinação dessa mesma situação económica e financeira têm
advindo de construção jurisprudencial. Quanto ao rendimento, dissemos nas aulas
teóricas que se tem defendido à semelhança do que acontece com o CP alemão, onde se
encontra expressamente previsto, que se deve atender ao rendimento bruto, por uma
questão até de igualdade. Aquilo que permite concluir pela igualdade salarial é o
rendimento bruto (aferido antes da aplicação de impostos e taxas), porque em sede de
IRS, por exemplo, quem é trabalhador solteiro sem filhos paga mais taxa de IRS do que
alguém casado e com filhos, daí que se atenda ao rendimento bruto à Comparação mais
igualitária entre a situação económica dos condenados.

Proprietário do prédio urbano à Deve ser tido em conta? Sim, foi algo que foi
discutido no seio da comissão revisora do CP e houve duas grandes correntes:

• O Dr. Gomes da Silva defendia que não se podia ter em conta a riqueza de
natureza patrimonial, porque tal na prática seria um confisco, confisco esse
proibido pela CRP;
• Por outro lado, o Dr. Eduardo Correia defendia que mesmo sendo riqueza de
natureza imobiliária, poderia responder pela pena de multa, porque se não
haveria o contrassenso de alguém que não tem liquidez, não tem dinheiro, mas
tem uma série de bens no seu património, ser beneficiado com uma taxa diária
fixada no seu mínimo. Às vezes, quando o seu património estaria avaliado em
milhões de euros. É exigível a um condenado que não tenha liquidez que
venda ou arrende prédios, por exemplo, dos quais é proprietário.

Hoje é unânime na nossa jurisprudência que o património deve ser tido em


conta, neste ponto o tribunal andou bem.

Veículo automóvel à Acaba por ser a mesma questão, continuamos a falar de


património, um bem móvel sujeito a registo, portanto não há duvidas de que aqui o
tribunal também andou bem. O valor de mercado conta porque há bens que vão perdendo
valor e, por isso, não se tem em conta o valor no momento da aquisição, mas o valor no

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 22


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

momento em que o tribunal determina a situação económica, tem-se em conta a


depreciação do valor do automóvel.

Expectativa jurídica de suceder a seu pai à Não é tido em conta, as expectativas


podem ter valor jurídico de facto, mas são meras expectativas, não se trata de um direito,
não está na minha esfera jurídica. Para além disso, levanta-se um 2º problema à Como
quantifico o valor? Neste momento, podemos determinar um valor e no momento da
morte ser outro. Por outro lado, trata-se de uma sucessão mortis causa, um negócio
jurídico unilateral, portanto, são bens que poderiam advir por via da herança, não havendo
aqui uma contraprestação por parte do condenado em relação a esses bens, o condenado
não tem qualquer tipo de disponibilidade fáctica sobre os mesmos.

Quanto aos Encargos:

Bens essenciais à 250€/mês à Não há dúvida que é tido em conta.

Prestação de outro automóvel, adquirido em leasing, no valor de 120€ mensais à


Deve ser tido em conta? Não, seria um segundo automóvel ao serviço daquele condenado,
tal não diz respeito a uma prestação com caráter essencial. Se ele não tivesse outro
automóvel, atualmente o automóvel já não é considerado um bem de luxo, pelo que
deveria ser tido em conta, mas neste caso trata-se de um segundo veículo. Não parece
essencial.

Mensalidade do ginásio à Em sede de exame, o Sr. Professor aceitava as duas


soluções (de que deve ser tido em conta ou não) conforme a fundamentação, mas há que
ter noção das medidas. Se estivéssemos a falar de um gasto de 500€/mês com um
Personal Trainer, um indivíduo com rendimento de 650€ pagar 500€ por um Personal
Trainer seria absurdo. Hoje, a opinião maioritária dos tribunais é que consideram que a
mensalidade do ginásio não é supérflua, que faz parte do dia-a-dia. Entendem que não se
trata de um bem de luxo. É verdade que podemos fazer exercício sem gastar dinheiro,
mas talvez não tenha o mesmo efeito.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 23


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

b) Suponha que, no prazo legal, D apresenta requerimento em que pede o


pagamento diferido no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da decisão, o
qual foi deferido. Antes de cessar o dito prazo, apresenta novo requerimento em que
alega não estar em condições de liquidar a multa findos os 6 meses, requerendo, por
isso, que lhe seja deferido o pagamento em 12 prestações, juntando prova documental
da débil situação económico-financeira em que se encontra. Se fosse juiz(a), como
decidiria?

Qual é o fundamento legal para o condenado ter pedido o pagamento diferido? Artigo
47.º/3 CP à Esta disposição permite que se peça um pagamento diferido, num prazo que
não pode exceder 1 ano. Para este pagamento diferido ser deferido exige-se que o
condenado alegue e prove que não tem capacidade para liquidar a pena de multa de uma
só vez.

Antes de cessar o prazo, o condenado requer agora o pagamento em 12 prestações à


Isto é possível? A lei não dá diretamente uma resposta a esta questão, no entanto, os
nossos tribunais (o que é aliás criticável) têm sempre como ultima ratio a conversão da
pena de multa em prisão subsidiária, pelo que admitem a solução de alguém pedir o
pagamento diferido depois requerer o pagamento em prestações. A interpretação do artigo
489.º CPP tem sido nesse sentido. Sendo o limite máximo as 24 prestações. Deveríamos
deferir este requerimento.

Outra hipótese à O condenado pedia o pagamento em 6 meses, mas depois requeria


que o prazo fosse alargado para 12 meses, portanto, o limite máximo. Artigo 47.º/4 CP
à “Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o
justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados”
à O juiz podia e devia deferir este pagamento.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 24


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

c) Suponha que, na hipótese anterior, o pedido prestacional fora judicialmente


deferido. Contudo, pagas duas prestações, o condenado não liquidou a terceira. No dia
seguinte ao vencimento desta última, entrega requerimento em que pede a
«substituição da pena de multa por trabalho». Imagine que o tribunal defere,
fundamentando, entre o mais que «dado que a prisão subsidiária é sempre um
instrumento de ultima ratio, defiro o requerido, devendo o condenado prestar trabalho
gratuito de 120 horas». Se fosse defensor(a), encontra motivo(s) para recorrer?

A partir do momento que o condenado não liquida 1 prestação, tal importa o


vencimento das demais à Artigo 47.º/5 CP.

Mas o condenado vem pedir a liquidação através do artigo 48.º CP. Quanto a isto
também vimos que os tribunais são permissivos em admitir que se transite de uma forma
de liquidação para outra. O prazo de 15 dias está respeitado para requerimento de outra
forma de liquidação. Respeitado esse prazo, é possível esta alternativa, que não funciona
como pena de substituição como sabemos.

Quanto à aplicação do artigo 48.º CP à Há que determinar quantas horas é que este
agente iria trabalhar. O agente foi condenado a pena de multa de 120 dias à taxa diária de
7,5€. Portanto 120 x 7,5 = 900€ (valor da pena de multa).

900€/12 = 75€ (12 prestações de 75€)

900 – 150 = 750€ à Liquidou 150€, portanto, faltam liquidar 750€. Como é que
convertemos? Trabalhamos não com o valor, mas sim com o número de dias.

120 dias ------------------ 900€

x ------------------ 750€

x = 100 dias

Não cumpriria as 120h, mas sim as 100h que corresponderiam aos 100 dias de multa,
pelo que a resposta à segunda parte da questão seria que sim, há motivo para recorrer,
visto que o juiz se esqueceu de fazer o desconto do valor das prestações liquidadas que
se traduz num determinado número de horas. O tribunal não procedeu ao desconto das 2

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 25


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

prestações que o condenado tinha liquidado. Isto seria motivo para recurso, são menos
20h que o condenado teria de trabalhar.

d) Imagine agora que D se encontrava em cumprimento de pena no EP de Paços


de Ferreira, ligado a um processo a que havia sido condenado a 6 anos de prisão. O
crime pelo qual foi agora condenado havia sido praticado no interior do EP. Dado que
nada requereu quanto à multa, tendo apenas apresentado prova cabal da sua precária
situação económica, o juiz, depois de concluir pela inviabilidade da execução
patrimonial, proferiu despacho no qual se lia: «converto a pena de multa não liquidada
em 120 dias de prisão, cuja execução entendo suspender, atenta a situação económica
do arguido por 6 meses. Porquanto o mesmo se encontra em cumprimento de pena à
ordem de outro processo, não é possível aplicar qualquer dever ou regra de conduta».
Quid iuris?

Este caso tem por base uma situação real à Tínhamos uma senhora a cumprir pena
de prisão de 6 anos à ordem do processo X, que cometeu um crime dentro do
Estabelecimento Prisional (EP), a posse de arma dentro do EP, portanto, o mesmo crime
e foi condenada a uma pena de multa.

A reclusa nada requereu, mas juntou prova da sua situação económica precária. O
tribunal lançou mão do artigo 49.º/3 CP. Qual foi o pensamento do tribunal? Foi o
seguinte à Esta senhora não requereu nada, porque não podia liquidar por qualquer
forma, e então lanço mão do artigo 49.º/3 CP.

A conversão da multa em prisão subsidiária não foi feita corretamente. A conversão


é reduzida a 2/3, pelo que seriam 80 dias e não 120 à 1º erro do tribunal.

Para além disso, o tribunal suspende a execução da prisão subsidiária, mas o facto de
ser por 6 meses está incorreto, porque a lei diz que o período de suspensão tem de ser no
mínimo de 1 ano e no máximo de 3 anos à Artigo 49.º/3 CP à 2º erro do tribunal.

Por fim, diz o tribunal que não é uma suspensão simples, mas subordinada ao
cumprimento de regras de conduta de caráter não económico ou financeiro. Contudo, o
tribunal considera que a reclusa não pode ser sujeita a nenhuma regra de conduta por estar
no EP. Nunca poderia ser suspensão simples, porque a lei não o permite, é quase uma
questão de ser criativo, nem tinha de ser o tribunal, podia ser a Direção-Geral de

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Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Não faz sentido esta decisão, isto introduziria
um fator de discriminação (Violação do artigo 13.º CRP) à Dar-se-ia um tratamento mais
favorável a quem estava preso do que às pessoas condenadas em liberdade à 3º erro do
tribunal.

Por isso, concluindo à Não são 120 dias de trabalho, mas sim 80 dias. O período de
suspensão não podia ser de 6 meses. E, ainda, não poderia ser uma suspensão simples,
uma vez que é possível aplicar regras de conduta mesmo a quem se encontra a cumprir
pena num estabelecimento prisional.

3. Penas de Substituição
São penas de substituição aquelas que são aplicadas em vez de uma pena principal.
Estas penas têm um lastro histórico que radica na segunda metade do século XIX.
Reconduzem-se ao tempo de descrença na pena de prisão como instrumento de
ressocialização do condenado à Chegou-se à conclusão de que as penas curtas de
prisão teriam efeitos criminógenos. A criação deste instituto tinha por base a ideia de
que haveria casos em que a mera ameaça do cumprimento de pena seria suficiente para o
condenado voltar a criar um sentimento de fidelidade ao direito.

A pena de substituição é uma verdadeira pena e obedece aos requisitos do artigo


71.º/1 CP.

3.1. Penas de Substituição em Sentido Próprio ou


Impróprio
As penas de substituição em sentido próprio têm, por um lado, caráter não
institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade e pressupõem, por outro,
a determinação da medida concreta da pena de prisão, sendo aplicadas em vez desta.

As penas de substituição em sentido impróprio são cumpridas ou no estabelecimento


prisional ou no domicílio do condenado. Debateu-se se estas penas de substituição em
sentido impróprio seriam verdadeiras penas de substituição, mas a resposta é afirmativa,
no sentido em que participam no mesmo movimento de luta contra os efeitos que a pena
de prisão tem.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 27


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3.2. Penas de Substituição aplicáveis à Pena de Multa


À pena de multa como pena principal é somente aplicável uma pena de substituição,
no que toca às pessoas singulares à A admoestação à Artigo 60.º CP. Esta é uma pena
de substituição em sentido próprio, mas que não pressupõe o requisito da determinação
prévia da medida concreta da pena de prisão, mas ao invés, o da determinação prévia da
medida concreta da pena de multa.

A sua definição encontra-se no nº 4 do artigo 60.º CP à “A admoestação consiste


numa solene censura oral feita ao agente, em audiência pelo tribunal”.

Quanto aos requisitos da aplicação da admoestação:

• Ao agente tem de ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240
dias à Artigo 60.º/1 CP;
• O dano tem de estar efetivamente reparado (reparado na medida em que é
possível) à Artigo 60.º/2 CP;
• O tribunal tem de concluir que as finalidades do artigo 40.º CP se cumprem
igualmente por via da admoestação à Artigo 60.º/2 CP.

Para além destes três requisitos, o artigo 60.º/3 CP diz-nos ainda que “Em regra, a
admoestação não é aplicada se o agente, nos 3 anos anteriores ao facto, tiver sido
condenado em qualquer pena, incluída a admoestação” à Neste caso, não havendo mais
nenhuma pena de substituição aplicável à pena de multa, terá de ser efetivamente aplicada
a pena principal.

Artigo 497.º/1 e 2 CPP à “A admoestação só é proferida após trânsito em julgado


da decisão que a aplicar. A admoestação é proferida no imediato se o Ministério Público,
o arguido e o assistente declararem para a ata que renunciam à interposição de recurso”
à Portanto, em regra, o tribunal tem de aguardar 30 dias para saber se há ou não recurso,
mas como é uma pena tão leve, existe a possibilidade de aplicar de imediato a pena de
substituição, havendo acordo entre procurador, mandatário do assistente (se houver
assistente) e defensor do arguido.

3.3. Penas de Substituição aplicáveis à Pena de Prisão


Artigo 45.º CP à Substituição da prisão por multa

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 28


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Portanto, a primeira nota que cumpre fazer é que em Portugal a pena de multa pode
revestir uma de 2 formas à Pode ser uma pena principal ou uma pena de substituição da
pena de prisão.

De acordo com o artigo 45.º CP, existe no nosso ordenamento jurídico, uma
preferência em relação às penas de substituição, isto é, se a medida concreta da pena não
for superior a 1 ano, entende-se que deve ser substituída por outra, a não ser que tal não
seja possível à “exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir
o consentimento de futuros crimes” à Princípio geral de substituição da pena de
prisão por pena não detentiva da liberdade.

A segunda nota que importa reforçar é que apesar das penas de substituição não serem
iguais às penas principais, elas devem representar uma igualdade normativa em relação
às penas principais. Se a pena principal tem um determinado quantum de perigosidade
para o agente, as penas de substituição não podem ser sentidas pela comunidade e pelo
concreto agente como uma espécie de descriminalização encapotada.

A 3ª consideração a fazer prende-se com o facto de o tribunal ter o dever de se


pronunciar sobre a aplicação ou não da pena de substituição, no sentido em que não se
trata de uma discricionariedade mesmo que vinculada. Se o tribunal não o fizer, a
consequência é a nulidade da sentença à Artigo 379.º/1/c) CPP. O tribunal tem, por isso,
de fazer um juízo de prognose favorável.

Por fim, fica a nota de que apesar de haver jurisprudência contrária, não há nenhuma
hierarquia das penas de substituição, não encontramos nenhuma preferência por uma
pena de substituição em detrimento de outra.

Voltando ao artigo 45.º CP à Qual é a taxa de conversão da pena de prisão para a


pena de multa? A lei manda aplicar o artigo 47.º CP na sua totalidade, portanto é feita
uma remissão para o artigo 71.º/1 CP à Todas as penas devem ser determinadas tendo
em conta critérios de culpa e prevenção. Durante muito tempo e, por vezes, ainda hoje,
os tribunais por uma questão de comodidade utilizam a razão de 1 para 1. No entanto,
temos um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ que veio fixar que não tem
de ser assim.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 29


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Para além disso, uma vez que a remissão para o artigo 47.º CP é total, as hipóteses
que o condenado tem de pedir o pagamento da pena de multa em prestações ou através
de pagamento diferido também se aplicam a esta pena de multa de substituição.

O artigo 45.º/2 CP prevê que no caso da multa não ser liquidada, a pena de
substituição é revogada e tem de se aplicar a pena principal. As penas de substituição
são penas sob a condição resolutiva de se cumprir a pena de prisão.

Mas vamos imaginar que o condenado pede o pagamento em 10 prestações, liquida


uma e não liquida mais à Passa a ser exigível a sua totalidade (Artigo 47.º/5 CP) à Se
o condenado não liquida, vai cumprir a pena de prisão, descontando o valor da prestação
que pagou.

10 prestações ------------------ 365 dias

9 prestações ------------------ x dias

Por fim, há ainda a questão de saber se no caso desta pena de multa enquanto pena
de substituição, pode haver lugar à substituição por trabalho (Artigo 48.º CP). O STJ veio
dizer que apesar do artigo 45.º CP não remeter para o artigo 48.º CP, uma vez que a
revogação da pena de substituição e consequente cumprimento da pena principal deve
acontecer em ultima ratio, deve admitir-se também a possibilidade do artigo 48.º CP
como forma de liquidar a pena de multa de substituição. O Sr. Professor não concorda,
pois considera que o legislador acaba por diminuir a eficácia, certeza e efetivação das
penas de substituição.

Artigo 46.º CP à Proibição do exercício de profissão, função ou atividade

Requisitos:

• Ao agente tem de ser aplicada uma pena de prisão não superior a 3 anos;
• O crime tem de ter sido cometido no exercício de profissão, função ou
atividade;
• Têm de estar cumpridas as finalidades da punição.

O período de proibição é no mínimo de 2 anos e no máximo de 8 anos.

Quando o agente viola a proibição, a pena de substituição é revogada e há lugar


ao cumprimento da pena principal, nos termos do artigo 46.º/3 CP, sendo que o tempo
que tiver cumprido é descontado, como dispõe o nº 5 do mesmo artigo. A pena de

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substituição é ainda revogada quando o agente cometer outro crime. Contudo, é preciso
que o tribunal chegue à conclusão de que as finalidades da pena não foram cumpridas,
isto é, não é pelo simples facto de o agente ser condenado por outro crime, que há
revogação automática da pena de substituição. A lei não nos dá nenhum critério, mas tem
se entendido que tem que ver com a natureza do crime ser próxima ou não da do crime
pelo qual o agente foi condenado em 1º lugar e que levou à aplicação da proibição do
exercício de profissão, função ou atividade.

Ademais, a alínea b) do nº 3 do artigo 46.º CP refere “cometer crime pelo qual venha
a ser condenado”, pelo que não basta a notícia da prática do crime, tem de haver
condenação com trânsito em julgado.

Artigo 50.º CP e seguintes à Suspensão da Execução da Pena de Prisão

Esta é a pena de substituição por excelência. Podemos ter 4 modalidades de pena


suspensa:

• Pena Suspensa Simples à Artigo 50.º CP;


• Pena Suspensa com Deveres à Artigo 51.º CP;
• Pena Suspensa com Imposição de Regras de Conduta à Artigo 52.º CP;
• Pena Suspensa com Regime de Prova à Artigo 53.º e 54.º CP.

Pena Suspensa Simples

Requisitos:

• A medida concreta de pena não pode ser superior a 5 anos;


• Têm de estar cumpridas as finalidades da punição.

Nos termos do artigo 50.º/5 CP, o tempo da suspensão não tem de ser
concretamente o tempo de medida da pena. Alguém que é condenado a 1 ano de pena
de prisão, pode precisar de estar mais tempo “à prova”. Os critérios que estão na base da
determinação do tempo de suspensão são diversos daqueles que determinam o tempo da
pena.

Esta é a forma menos exigente de cumprimento da pena suspensa.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 31


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Pena Suspensa com Deveres VS Pena Suspensa com Imposição de Regras de


Conduta

Distinção entre deveres e regras de conduta:

Deveres Regras de Conduta

Quando o tribunal aplica um Quando o tribunal aplica uma


dever, está a olhar para o passado, regra de conduta, está a olhar para
os deveres visam reparar o mal o futuro, as regras de conduta
do crime. agem sobre circunstâncias
futuras da vida do agente.

Se o agente tem de pagar uma indemnização a favor da vítima estamos perante a


aplicação de um dever, já se, por exemplo, o agente é sujeito a um tratamento médico ou
de cura, numa situação de adição a qualquer tipo de substâncias, estamos perante a
aplicação de uma regra de conduta.

Artigo 50.º/3 CP à O tribunal pode combinar deveres com regras de conduta.

Pena Suspensa com Regime de Prova

Artigo 53.º/2 CP à “O regime de prova assenta num plano de reinserção social,


executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos
serviços de reinserção social.”

Nos termos do artigo 54.º/3 CP, o tribunal pode aplicar o regime de prova e
cumulativamente deveres e regras de conduta. Este regime é o instituto mais maleável.

Nota: O plano de reinserção social e o regime de prova são uma forma clara que
mostra que o nosso ordenamento jurídico se baseia na reinserção do agente na
comunidade.

Artigo 53.º/3 CP à “O regime de prova é ordenado sempre que o condenado não


tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade.” à Os 21 anos são uma
idade relevante, pela aplicação do DL 401/82 (Regime dos jovens adultos). Entende-se
que os agentes entre os 16 e 21 anos, sem terem completado os 21, por estarem ainda no
processo de formação de personalidade, merecem uma atenuação especial da pena.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 32


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Artigo 53.º/4 CP à “O regime de prova é também sempre ordenado quando o agente


seja condenado pela prática de crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, cuja vítima
seja menor.” à Muitos dos crimes desta natureza têm por base comportamentos que são
influenciados por algum tipo de patologias ou parafilias e, portanto, este regime de prova
é mais adequado para que haja intervenção psicológica ou psiquiátrica.

Agora vamos imaginar que determinado condenado vê a sua pena suspensa com a
obrigação de frequentar uma série de programas ligados à prevenção do uso de drogas. O
condenado aparece numa sessão e não aparece mais. Nos termos do artigo 495.º CP, o
tribunal tem de notificar o condenado para vir prestar esclarecimentos que entenda
convenientes.

Se o indivíduo nada diz, o tribunal toma uma de duas decisões:

• Se a falta é grosseira, determina a revogação da pena suspensa e aplica a


pena principal de prisão;
• Se não é uma violação grosseira ou repetida, aplica alguma das medidas
previstas no artigo 55.º CP (descritas de forma crescente de gravidade, sendo
que a mais grave é o prolongamento do tempo de suspensão).

Portanto, o tribunal, dependendo da gravidade da infração, pode primeiro lançar mão


de alguma das medidas do artigo 55.º CP. Se a infração tiver sido muito grave, não tem
outra hipótese se não aplicar o artigo 56.º CP.

Artigo 58.º e 59.º CP à Prestação de Trabalho a favor da Comunidade

O trabalho como forma de cumprir uma pena é uma ideia muito antiga de recompensa
que o condenado presta para com a sociedade que feriu.

Esta pena de substituição tem uma particularidade à O trabalho não pode ser imposto
de forma alguma, pelo que é necessário o consentimento do condenado. Não podemos ter
ao nível da execução das penas trabalho obrigatório. Ele existe, mas é facultativo. É
aplicado de 2 formas:

• O tribunal aquando do juízo de prognose em relação às penas de substituição,


pergunta ao condenado se consente na aplicação desta pena;
• O condenado pede a aplicação desta pena de substituição (momento das
alegações finais).

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 33


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Artigo 58.º/3 CP à “Para efeitos do disposto no nº 1, cada dia de prisão fixado na


sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”. Esta
conversão é criticável porque pode não ser proporcional, uma vez que existe este limite
de 480h.

Artigo 58.º/6 CP à “O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de


conduta previstas no n.º 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a
promover a respetiva reintegração na sociedade.”

Nota: As penas de substituição podem ser cumuladas entre si (Interchangeability).


No entanto, isto pode levar a um arbítrio excessivo do julgador, ferindo o princípio da
segurança jurídica.

Artigo 59.º/1 CP à “A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser


provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional,
social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30
meses.”

No nº 2 do artigo 59.º CP encontram-se previstas as razões que podem levar à


revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

O legislador é particularmente compreensivo no que toca a esta pena de substituição.


Em 1º lugar, estabeleceu a razão de 1 para 1 (1 dia de prisão equivale a 1 dia de trabalho)
e não permite que o condenado trabalhe mais de 480 horas. Em 2º lugar, nos termos do
artigo 59.º/4 CP, quando há revogação da pena e o condenado já tiver prestado trabalho,
esse tempo é descontado. Por fim, dispõe o nº 5 do mesmo artigo que “Se a prestação de
trabalho a favor da comunidade for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar
extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da
pena.”

Artigo 59.º/6 CP à Se o agente não conseguir prestar trabalho por causa que não lhe
seja imputável, o tribunal pode fazer uma de duas coisas:

• Fazer a substituição da substituição à Substitui a pena de prisão fixada na


sentença por multa até 240 dias;
• Suspender a execução da pena determinada na sentença (período de 1 a 3
anos), mas exigindo ao condenado o cumprimento de deveres ou regras de
conduta à Artigo 51.º e 52.º CP.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 34


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Artigo 43.º e 44.º CP à Regime de Permanência na Habitação

A única pena de substituição detentiva da liberdade que temos é o regime de


permanência na habitação. São executadas em regime de permanência na habitação:

• A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;


• A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto
previsto nos artigos 80.º a 82.º CP;
• A pena de prisão não superior a 2 anos, em caso de revogação de pena não
privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo
45.º CP.

Artigo 43.º/3 CP à “O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a


frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação
profissional ou estudos do condenado.” à Pretende evitar-se a dessocialização do
agente. Nos termos do nº 4, o tribunal pode ainda subordinar o regime de permanência
na habitação ao cumprimento de regras de conduta.

Agora vejamos um exemplo:

O agente é condenado a 2 anos de prisão, pena esta substituída pelo regime de


permanência na habitação. O agente cumpre durante 1 ano e ao fim de 1 ano incumpre à
O tribunal revoga o regime de permanência na habitação, sendo aplicada a pena principal
de prisão, mas com o desconto.

3.4. Caso Prático nº 3 e 4


Caso Prático nº 3

No Juízo Local Criminal da Maia, J1, E foi condenado a 3 meses de prisão pela
prática de um crime p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.

A juíza entendeu que não se verificavam exigências preventivas que justificassem


o cumprimento efetivo da pena privativa de liberdade, pelo que determinou substituir
a pena de prisão por 60 dias de multa à taxa diária de 5 €.

Artigo 348.º CP à Crime de desobediência

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 35


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Como é que se faz esta substituição de pena de prisão para uma pena de multa de
substituição? A juíza não fez à razão de 1 para 1, porque nesse caso, seriam 90 dias de
multa, baixou para 60 dias.

O artigo 45.º remete para o 47.º/1 que remete para o 71.º/1 CP à Remissão
sistemática.

Não há nenhuma regra de que a conversão tenha de ser à razão de 1 para 1, ainda que
durante um tempo tenha havido essa prática generalizada pelos tribunais e às vezes ainda
hoje. O que diz o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ é que não há
nenhuma razão de conversão estabelecida na lei, mas aplica-se a que o tribunal considera
adequada tendo em conta os critérios de prevenção e culpa.

Não é normal reduzir, isto é o tribunal considerar que 90 dias de prisão equivaleriam
a 60 dias de multa, porque 1 dia de multa custa menos do que custa 1 dia de prisão, mas
não é ilegal, não há nada que impeça. Mas de facto, pode ser recorrível, não é uma questão
de legalidade, mas sim o facto de o juiz não ter tido uma correta determinação da medida
da pena.

Nota: No artigo 348.º CP, há lugar a pena de prisão ou pena de multa alternativa. O
juiz pode decidir logo pela multa ou escolher a pena de prisão e depois substituí-la. Parece
contrassenso, mas o juiz tem uma garantia, se ele não liquidar a pena de multa, vai preso.
O ordenamento fica mais protegido.

a) Notificado da sentença, E apresentou requerimento no sentido de pedir o


pagamento fracionado da multa, juntando prova da incapacidade de o fazer uno ato.
Como deveria a juíza decidir?

A pena de multa de substituição admite o pagamento fracionado à Artigo 45.º +


47º/3 CP. Não há nada a dizer. O juiz deveria deferir.

b) Imagine que o condenado incumpriu o plano prestacional e requereu «a


substituição por trabalho, descontando-se as duas prestações liquidadas». Se fosse o/a
juiz(a) do processo, em que sentido decidiria

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 36


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O condenado terá pago 2 prestações, não pagou mais e depois requer a substituição
por trabalho à Artigo 45.º/2 CP à A própria substituição da substituição.

Para os tribunais, que no fundo são quem decide, é possível a aplicação do artigo 48.º
CP, mas de facto em lado nenhum do artigo 45.º CP se diz que se pode aplicar o artigo
48.º CP. Contudo, existe um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (Relatora:
Helena Moniz) que afirma mais ou menos o seguinte à O princípio geral é de que a pena
de prisão deve ser a reação de ultima ratio (cuidado que agora já não falamos da pena de
multa como pena principal, mas sim como de substituição) e, por isso, apesar de na
verdade não haver no artigo 45.º nenhuma remissão para o artigo 48.º CP devemos
entender que pode também ser aplicável. Existe este Acórdão, mas não temos de
concordar com ele, não se trata de um assento, não tem força obrigatória geral.

Para o Sr. Professor não é uma interpretação aceitável, é contra legem, desrespeita
completamente o juiz que determinou a pena de substituição, porque o juiz aplicou a pena
de prisão, substituiu pela pena de multa e não pela pena de substituição do trabalho a
favor da comunidade, desrespeitamos o juiz da 1ª instância. Por outro lado, estamos a ir
contra a ideia da efetividade das penas de substituição, já são pouco respeitadas, desta
forma ainda menos.

O Acórdão admitiria esta hipótese, mas podemos criticá-la. O Sr. Professor já


escreveu inclusive fundamentando a posição contrária.

Caso Prático nº 4

No dia 12/5/2016, F cometeu o crime p. e p. pelo art. 372.º, n.º 1, do CP. Julgado,
foi condenado a 4 anos de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, por sentença
lida e depositada na secretaria no dia 18/11/2021.

a) Encontra algum fundamento que justifique um eventual recurso pelo MP?

Suspensão de execução da pena à Pena de substituição à Artigo 50.º CP

Crime com medida concreta não superior a 5 anos à Artigo 50.º/1 CP à Verificado

Suspensão por 5 anos à Artigo 50.º/5 CP à Entre 1 e 5 anos à Verificado

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 37


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Não há nada que censurar com os elementos que temos, não há fundamento para
recurso.

b) Suponha, agora, que a sentença é lida no dia 25/3/2022. A sua resposta seria
diferente?

Isto tem que ver com a sucessão de leis no tempo. Hoje não é importante. Com a
antiga redação do artigo 50.º/5 CP, poderia colocar-se esta questão, mas com alteração de
2021 regressámos ao sistema inicial.

c) Imagine que, tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 372.º, n.º 1,
e 374.º-B, n.º 1, al. b), ambos do CP, F era condenado a 2 anos de prisão, sendo a
mesma dispensada.

F é condenado a 2 anos de prisão, sendo esta pena dispensada à A dispensa é


admitida de acordo com os artigos 372.º/1 e 374.º-B/1/b) CP. Hoje em dia é perfeitamente
possível haver a dispensa de pena. O artigo 74.º CP é a sede, na parte geral do código, da
dispensa de pena. O nº 3 diz-nos “Quando uma outra norma admitir, com carácter
facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos
contidos nas alíneas do n.º 1”.

Lendo o artigo 374.º-B CP, diz-se “o agente é dispensado de pena”, trata-se de um


poder dever para o juiz (dispensa obrigatória), diz que é dispensado e não que pode ser
dispensado. O juiz não tem nenhuma margem de atuação, tem apenas de dispensar a pena
sem verificar os requisitos do artigo 74.º/3 CP. O tribunal tinha de dispensar a pena,
havendo condenação. Na dispensa de pena, a decisão é condenatória na mesma, mas pela
não existência de razões de prevenção geral ou especial não se justifica que o condenado
efetivamente cumpra a pena à Manifestação do Direito Premial.

O artigo 374.º-B CP resulta da Estratégia Nacional Anticorrupção. O essencial desse


lei foi aumentar os casos de dispensa de pena a quem, apesar de ter cometido corrupção
ou crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, não tenha consumado o crime
na sua totalidade, portanto, uma espécie de prémio.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 38


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

A desistência da tentativa, por exemplo, quando assim o é voluntariamente, pode


resultar numa impunidade do agente à Artigo 24.º CP. Há aqui um prémio também.
Apesar de haver desvalor da ação, não há desvalor do resultado.

3.5. Caso Prático nº 19 e 20


Caso Prático nº 19

Z foi condenado a 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 4 anos, pela
prática de um crime p. e p. pelo art. 152.º, n.º 2, al. a), do CP, mediante «o dever de
não se aproximar da vítima, pagar-lhe uma indemnização de 5.000 €, frequentar um
programa de prevenção de violência doméstica, tudo isto no âmbito de um plano de
reinserção social a elaborar por um técnico da DGRSP».

1. Comente o conteúdo da pena aplicada a Z.

O que temos no presente caso prático é a aplicação de uma pena que caraterizamos
como uma pena de substituição, aplicada à pena principal de prisão à Suspensão da
execução da pena de prisão. O facto de a duração da pena de prisão ser de 3 anos e a
sua suspensão ser de 4 é admissível? Sim, nos termos do artigo 50.º/5 CP.

Dever de não se aproximar da vítima à Regra de conduta à Artigo 52.º CP à O


facto de no enunciado dizer dever não tem de nos levar a considerar que se trata de um
dever no sentido técnico-jurídico à Visa-se a ressocialização do agente.

Obrigação de pagar indemnização à vítima à Dever à Artigo 51.º CP.

Podem conciliar-se deveres com regras de conduta? Sim à Artigo 50.º/3 CP. Tudo
pode ser conjugado, regime de prova, regras de conduta e deveres à Artigo 54.º/3 CP.

Frequentar programa de prevenção de violência doméstica à Regra de Conduta à


Artigo 52.º/1/b) CP.

Tudo isto no âmbito de um plano de reinserção social à Não temos nada a censurar,
esta questão seria apenas para classificar o conteúdo da pena.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 39


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

2. Imagine que, ao fim de 2 anos após o trânsito em julgado da decisão, o


tribunal decidiu revogar a suspensão executiva da pena, na medida em que o técnico
da DGRSP havia comunicado ao juiz que Z faltara a uma reunião agendada com o dito
técnico. Nessa sequência, sem nunca ouvir o condenado, foram emitidos «mandados
de detenção e condução a EP para o cumprimento da pena de 1 ano e 6 meses de prisão,
dado que se procedera ao desconto de 2 anos em que Z cumpriu as obrigações que
sobre ele impendiam, sendo esse o desconto, visto que o tempo de suspensão fora de
4 anos, assim operando proporcionalmente na pena principal». Quid iuris?

Revogação da Pena Suspensa à Artigo 56.º CP à O fundamento é a violação


grosseira ou reiterada desta regra de conduta de se reunir com o técnico da DGRSP. No
entanto, o condenado faltou apenas a uma reunião, portanto, não se pode considerar um
comportamento repetido, mas poderá ser grosseiro? Sim, sem qualquer justificação pode.
Mas tem-se entendido que a revogação da suspensão é sanção de ultima ratio, por isso,
temos de provar que o juízo de prognose que esteve na base da determinação da suspensão
da execução da pena de prisão falhou à Decisão desproporcionada.

Quanto à não audição do condenado à Nos termos do CPP (livro X) é sempre


necessário ouvir o condenado para efeitos de eventual revogação à Artigo 495.º CPP, o
nº 2 obriga à audição do condenado, no sentido em que se tem de promover a notificação
do condenado. Se o mesmo não aparecer, o problema já é dele, mas tem de constar do
processo que o tribunal notificou o condenado, que foi dada essa possibilidade.

O tribunal violou este artigo que consagra o princípio do contraditório, princípio de


grande importância no DP e não só, por ter consagração constitucional à Violação grave
à Nulidade da decisão.

Na sequência dessa condenação, foram logo emitidos mandados de detenção e


condução a EP à No entanto, há que notar que o tribunal decide por despacho (452.º
CPP), despacho esse que tem de ser notificado ao condenado, havendo depois ainda prazo
para recurso à Artigo 411.º/1/a) CPP. Teria de se aguardar pelo trânsito em julgado
da decisão à O tribunal atribuiu a uma decisão, poder de caso julgado, decisão essa que
não o possuía.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 40


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Por fim, relativamente ao desconto de 2 anos à O tribunal manda cumprir 1 ano e 6


meses.

O agente foi condenado a 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 4 anos e
como tinha passado metade do tempo, portanto, o condenado tinha cumprido metade da
pena principal, o tribunal procedeu ao desconto. Porém, não há qualquer tipo de
desconto quando há incumprimento da pena suspensa à Artigo 56.º/2 CP à O
condenado tem de cumprir a pena fixada na sentença final.

Em algumas penas de substituição há lugar ao desconto, como a pena de multa de


substituição, a obrigação de permanência de habitação, a proibição de exercício de
profissão, função ou atividade, mas na pena suspensa não.

Não há qualquer desconto, o tribunal teria de cumprir os requisitos todos para poder
proceder à revogação e transitando, o despacho, em julgado, mandava emitir os mandados
de detenção e condução a EP para cumprimento total da pena.

Caso Prático nº 20

AA foi condenado a 1 ano de prisão pela prática do crime p. e p. pelo art. 270.º,
n.º 1, al. a), do CP. Durante o prazo para o recurso ordinário, o condenado requereu
que a pena fosse substituída por trabalho. O tribunal despachou favoravelmente,
constando o seguinte da fundamentação: «AA tem fracas condições económico-
financeiras, bem como baixa escolaridade, o que depõe no sentido de que o pretendido
pela prisão pode ser conseguido através de trabalho, o qual será de 390 horas, atenta a
elevada prevenção geral que o caso reclama».

1. Concorda com a fundamentação da decisão judicial?

Artigo 270.º/1/a) CP à Crime de pesos e medidas falsos

O agente foi condenado a 1 ano de prisão e requereu que a pena fosse substituída por
trabalho, requereu a aplicação da PTFC. O requisito formal encontra-se preenchido (pena
de prisão não superior a 2 anos). Para além disso, à luz do artigo 58.º/5 CP, só há aplicação
desta pena com o consentimento do condenado. Caso contrário, seria uma violação à CRP
que impõe que ninguém pode ser obrigado a trabalhar.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 41


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O procedimento mais normal é que, antes da decisão final, se o tribunal considerar


que é possível a aplicação desta pena de substituição, indague o arguido se este consente
na aplicação da mesma. Contudo, também há situações em que, no período em que a
decisão ainda não está firme, portanto, ainda não transitou em julgado, o condenado o
possa requerer. O tribunal pode ainda aplicar essa pena.

Fundamentos do Tribunal para admitir esta pena:

1º à Condenado tem fracas condições económico-financeiras à Não interessa


para efeitos de aplicação da PTFC à Artigo 58.º/1 CP. Esta primeira parte está errada. O
que interessa é que o juiz entenda que a PTFC de forma não remunerada é uma forma
adequada e suficiente para cumprir as finalidades de punição do artigo 41.º/1 CP.

2º à Baixa escolaridade à Não tem relevo, quando muito teria importância


aquando da escolha do lugar onde a pessoa iria trabalhar. Interessa que a pessoa cumpra
a pena num local onde, à partida, está mais motivada, a lei manda ouvir o condenado
quanto ao lugar onde vai cumprir a pena à Artigo 496.º CPP.

O tribunal conclui que é possível aplicar à Não deveria ser com base nestes
fundamentos, mas sim como base nas finalidades do artigo 41.º CP.

2. Suponha que, ao fim de 300 h de trabalho, AA deixou de comparecer no


local onde estava a cumprir a pena. Promovida a sua audição, tal revelou-se
impossível, por se desconhecer o paradeiro de AA. Nessa sequência, o MP promoveu
que, «atendendo ao número de horas já trabalhadas, justificava-se que o tribunal desse
a pena substitutiva por extinta». Se fosse juiz(a), como decidiria?

Quanto à conversão da pena de prisão em horas de trabalho à 1 ano de prisão e


390 horas de trabalho.

O cálculo faz-se com base na razão de 1 para 1, com o limite máximo de 480 horas
à Artigo 58.º/3 CP, pelo que deveriam ser 365h e não 390h. Há um tratamento muito
benéfico quanto à pena de substituição do trabalho a favor da comunidade à O trabalho
tem muitas externalidades positivas para a sociedade e pode ter uma forte componente de
prevenção especial. É uma excelente pena de substituição, mas também por ser tão boa,
não devemos exagerar nos benefícios.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 42


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Ao fim de 300h de trabalho (em relação a 365h), o agente deixou de comparecer no


local, promoveu-se a sua audição e o MP promoveu que se desse a pena extinguida por
cumprimento à Faltavam cumprir 65h, o MP terá razão na sua promoção?

Sim à Artigo 59.º/5 CP. Podia ou não o tribunal concordar com a promoção, trata-
se de uma faculdade. A promoção é sustentada na lei, mas tal não significa que tenha de
ser seguida pelo juiz.

4. Penas Acessórias
As penas acessórias são aquelas que se aplicam cumuladas com uma pena principal,
seja ela de prisão ou de multa, isto porque as penas acessórias não cumprem por si só as
finalidades punitivas. São apenas um complemento.

No entanto, são verdadeiras penas, regem-se pelo artigo 71.º/1 CP, no sentido que se
aplicam em função das exigências de culpa e prevenção.

Penas Acessórias Efeitos dos Crimes Efeitos das Penas

Verdadeiras penas Há crimes em relação A aplicação de uma


aplicáveis ao lado das aos quais, o legislador pena pode comprimir
penas principais. pode ligar a perda de direitos, ainda que tal
direitos. não seja automático.

Artigo 30.º CP + 65.º/1 CP à Não automaticidade dos efeitos das penas à


“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais
ou políticos.”

Artigo 65.º/2 CP à Quanto aos efeitos dos crimes à “A lei pode fazer corresponder
a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões.”

4.1. Concretas Penas Acessórias previstas na Parte Geral


Artigo 66.º CP à Proibição do Exercício de Profissão

Requisitos:

• O agente ser funcionário (nos termos do artigo 386.º CP);

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 43


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

• Cometer o crime no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado ou


por causa da atividade;
• Cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos;

Para além destes requisitos, o facto tem de ter sido praticado com flagrante e grave
abuso da função ou dos deveres que lhe são inerentes e o agente tem de revelar
indignidade no exercício do cargo, de tal forma que a comunidade no seu conjunto já não
possa confiar naquele funcionário.

Para além deste caso, com a entrada em vigor da Lei 94/2021, que transpôs para a
nossa legislação a estratégia nacional anticorrupção 22-25, pode ainda ser aplicada esta
pena acessória quando o agente cometer crime de recebimento ou oferta indevidos de
vantagem ou corrupção cuja pena de prisão seja superior a 3 anos, mas o agente seja
dispensado de pena.

O nº 2 do artigo 66.º CP estende a aplicação desta pena acessória aqueles que não
sendo funcionários, exerçam funções reguladas pelo Estado (“profissões ou atividades
cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da
autoridade pública”).

Artigo 66.º/3 CP à “O disposto no n.º 1 é ainda correspondentemente aplicável ao


gerente ou administrador da sociedade de tipo previsto no Código das Sociedades
Comerciais que cometa crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem ou
corrupção.”

Artigo 67.º CP à Suspensão do Exercício de Função

O cumprimento de uma pena implica o não exercer da função que até então o
condenado exercia. As atividades ficam suspensas. O Dr. Figueiredo Dias defende que
tal é um efeito evidente da pena e não uma verdadeira pena acessória.

Artigo 69.º CP à Proibição de Conduzir Veículos com Motor

Artigo 69.º/1 CP à “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por


um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no


exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito
rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 44


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por
este facilitada de forma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas


legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool,
estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.”

Até 2013 existia uma lacuna na nossa lei, no sentido em que esta pena acessória era
apenas aplicada aos crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º CP, deixando de fora os
crimes de homicídio ou ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução
de veículo com motor. Quanto a esses só tinha lugar a aplicação da pena principal.

Quanto a esta pena acessória, levantava-se também a questão de saber se ao agente


que praticava um destes crimes utilizando uma das categorias de veículos, deveria ser
proibido de conduzir somente essa categoria ou todas aquelas para as quais tivesse
habilitação. Hoje é evidente que a inibição de conduzir se reporta a todas as categorias.

Prazo para Cumprimento desta Pena Acessória

Nos termos do artigo 467.º CPP, as penas podem começar a ser executadas a partir
do momento em que transitam em julgado, em que se tornam firmes no ordenamento
jurídico. Mas, se a um agente for aplicada a proibição de condução de um veículo pelo
período de 2 anos, a partir de que momento é que se começam a contar esses 2 anos?

Parte da doutrina entende que esse momento será o momento do depósito da decisão
final na secretaria à Artigo 411.º/1/b) CPP.

Outra parte da doutrina, considera que os 2 anos se deveriam contar a partir da


entrega efetiva do título habilitador de condução, por ser a partir desse momento que
o agente deixa de ter disponibilidade fáctica sobre o instrumento que lhe permite conduzir
à Artigo 500.º CPP.

Por fim, cumpre ainda notar que este artigo tem sido alvo de muita polémica, no que
toca à obrigatoriedade, ou não, do tribunal aplicar esta pena quando se verifiquem os seus
requisitos. O STJ fixou jurisprudência no sentido de ser obrigatório, sustentando a sua
tese na ideia de que alguém que pratica estes crimes revela potencial risco para ameaçar
a segurança rodoviária e, por isso, deve ser-lhe aplicada esta pena acessória.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 45


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Esta questão chegou várias vezes ao Tribunal Constitucional, no sentido de esta


obrigatoriedade violar o artigo 30.º CRP, que prevê a proibição da automaticidade dos
efeitos das penas. Contudo, o TC tem apontado 2 argumentos:

• 1º à Existe amparo na lei para este entendimento no artigo 65.º/2 CP;


• 2º à Não há uma total arbitrariedade, porque o tribunal aplica esta pena
recorrendo a um juízo prévio no qual, de acordo com critérios de
discricionariedade vinculada, determina o quantum da duração da pena (entre
3 meses e 3 anos).

O Sr. Professor André Lamas Leite discorda desta fundamentação, em 1º lugar,


porque atendendo à hierarquia das normas, a CRP está acima do CP, pelo que o artigo
30.º CRP prevalece sobre o artigo 65.º/2 CP e em segundo lugar, porque considera que o
tribunal ter o poder de determinar o quantum da duração da pena é uma possibilidade que
existe em qualquer pena.

Artigo 69.º-A CP à Declaração de Indignidade Sucessória

“A sentença que condenar autor ou cúmplice de crime de homicídio doloso, ainda


que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente,
ascendente, adotante ou adotado, pode declarar a indignidade sucessória do condenado,
nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do artigo 2034.º e no artigo 2037.º do
Código Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 2036.º do mesmo Código.”

Artigo 69.º-B CP à Proibição do Exercício de Funções por Crimes contra a


Autodeterminação Sexual e Liberdade Sexual

O agente pode ser proibido de exercer a sua profissão, quando praticar crimes
previstos nos artigos 163.º a 176º-A e cujo exercício envolva contacto regular com
menores, por um período entre 2 e 20 anos, quando a vítima não seja menor e, um período
entre 5 e 20 anos quando a vítima seja menor.

A medida abstrata desta pena é muito ampla, é muito larga a distância entre o mínimo
e o máximo, pelo que pode colocar-se em causa a proporcionalidade desta norma.

Artigo 69.º-C CP à Proibição de Confiança de Menores e Inibição de


Responsabilidade Parentais

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 46


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

“Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a


adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou
confiança de menores, por um período fixado entre dois e 20 anos, atenta a concreta
gravidade do fato e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido
por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima não seja menor.”

4.2. Caso Prático nº 4 alíneas d) e e), 5 e 6


Caso Prático nº 4

d) Suponha agora que F era biólogo e que cometeu, no exercício da sua profissão,
um crime p. e p. pelo art. 205.º, n.º 1, do CP contra o cliente G. Julgado, foi condenado
a 1 ano de prisão efetiva. Vislumbra algum fundamento para o recurso?

Foi aplicada a F uma pena de prisão efetiva de 1 ano, que tecnicamente qualificamos
como uma pena principal. Dando por correta a decisão de juiz, há um poder dever do juiz
no caso das penas de prisão não superiores a 5 anos, verificar se há alguma pena de
substituição que possa ao caso ser aplicada à Artigo 379.º/1/c) CPP.

Acreditando que o juiz fez essa prévia avaliação e que ao caso concreto não poderia
ser aplicada nenhuma pena de substituição, será que poderia ser ainda aplicada outra
pena? A questão é esta à Temos F que comete, no exercício da sua profissão, um crime
de abuso de confiança, do artigo 205.º CP e é um biólogo. Existe a possibilidade de se
aplicar a pena acessória de interdição do exercício de uma profissão, do artigo 66.º CP?
Portanto não estamos em sede de penas de substituição, mas sim em sede de penas
acessórias.

Este artigo aplica-se a quem é funcionário, nos termos do nº 1 do artigo 66.º CP. A
verdade é que um biólogo não é funcionário, se considerarmos a noção do artigo 386.º
CP, não temos referência de que este agente tivesse algum tipo de relação contratual com
o Estado. Não obstante, o artigo 66.º/2 CP, ressalva que não tem apenas como
destinatários os funcionários, mas também aqueles que exerçam profissões
regulamentadas, profissões que exijam um título público (advogados, médicos,
engenheiros, arquitetos, biólogos). As ordens profissionais atuam por delegação de
competências do Estado.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 47


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O que devíamos dizer é que o juiz teria de equacionar esta possibilidade de aplicação
da pena do artigo 66.º CP, apesar de não haver uma obrigatoriedade de a aplicar, uma vez
que nenhuma pena pode de forma automática privar o condenado dos seus direitos civis,
profissionais ou políticos, de acordo com o artigo 65.º CP. O tribunal deveria ter
equacionado então se se justificava a aplicação do artigo 65.º/2 CP que remete para o nº
1.

No entanto, para aplicação deste preceito, era necessário que o agente fosse
condenado a uma pena de prisão superior a 3 anos, e neste caso F só foi condenado a uma
pena de prisão de 1 ano, portanto, esta hipótese devia ser colocada, mas depois devíamos
afastá-la, porque falta, desde logo, o requisito formal. Para além dos outros requisitos,
como a dispensa trazida pela lei 94/2021 à Mesmo que seja aplicada dispensa de pena
pode ser aplicada esta pena acessória do artigo 66.º CP.

Não havia, pois, nenhum fundamento para o recurso. Quando muito, como não se diz
nada na sentença, teríamos de ver se o tribunal teria ponderado a aplicação de penas de
substituição, a mais adequada seria a do artigo 46.º CP, que se trata de afastar alguém do
exercício de uma profissão porque praticou um crime no seu exercício.

e) Nesta última hipótese, imagine que da sentença constava a seguinte passagem:


«tendo em conta que F foi já condenado quatro vezes também por abuso de confiança
contra quatro diferentes ofendidos, e comprovada que está a sua perigosidade, entende
o tribunal aplicar-lhe a pena acessória do art. 66.º no seu limite máximo, a par da
medida a que alude o art. 100.º, ambos do CP». Quid iuris?

O que é que está aqui em causa? O tribunal diz que F, biólogo, já tinha sido condenado
4 vezes pelo mesmo crime de abuso de confiança. E daí pressupõe a sua maior
perigosidade. O facto de ele ter inscrições no Registo Criminal poderia relevar do ponto
de vista da reincidência, mas não temos dados suficientes no enunciado para saber se há
ou não reincidência, pelo que não podíamos falar deste aspeto.

A medida concreta da pena (MCP) continua a ser de 1 ano e, portanto, a primeira


coisa a apontar é que não é pelo facto de o agente ter 100 inscrições no Registo Criminal
pela prática do mesmo crime, que o requisito formal do artigo 66.º/1 CP deixa de se
aplicar, isto é, o limite mínimo da pena. Assim, falhava o requisito formal do artigo 66.º

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 48


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

CP. Tal facto novo introduzido não tem qualquer implicação, continua a não ser aplicado
o artigo 66.º CP. Era absolutamente ilegal esta decisão.

O tribunal quer ainda cumular a aplicação do artigo 66.º CP com o artigo 100.º CP,
mas tal não é possível de acordo com o artigo 66.º/5 CP. Este artigo 100.º é uma medida
de segurança não detentiva que se aplica a imputáveis e inimputáveis. O que não se pode
é cumular as duas sanções, porque o artigo 66.º configura uma pena baseada na culpa e o
artigo 100.º, uma medida de segurança baseada na perigosidade do agente. Uma vez que
o artigo 66.º não se podia aplicar, o que poderia ser aplicado era o artigo 100.º CP, não
temos elementos que permitam mostrar o contrário. F demonstrou que continua a exercer
funções com violação dos deveres a que está vinculado e isso é indício que poderá estar
na base de aplicação do artigo 100.º CP.

Concluindo, não poderia haver cumulação das duas sanções, sob pena de violação
do princípio ne bis in idem (Artigo 29.º/5 CRP). Na prática, estaríamos a punir com duas
sanções a mesma realidade de facto.

Caso Prático nº 5

No dia 12/1/2012, H atropelou mortalmente I, tendo-se provado em julgamento


que I atravessava a faixa reservada a peões e que H circulava em excesso de velocidade
para as condições da via (art. 137.º, n.º 1, do CP).

a) No dia 1/3/2013, a sentença foi proferida e depositada, tendo H sido condenado


em 1 ano de prisão suspensa pelo mesmo período, sujeito à obrigação de não conduzir
durante 1 mês. Que comentário(s) lhe sugere a decisão?

Crime de homicídio por negligência simples à Artigo 137.º CP.

Antes de resolvermos o caso prático, é importante recuperar uma informação à A


atual redação do artigo 69.º/1 CP foi introduzida pela Lei 19/2013 de 21 de fevereiro, e
entrou em vigor no dia 24.03.2013 à Durante muito tempo o legislador não punia com
esta pena acessória os casos que estavam ligados aos crimes de condução automóvel que
não fossem os dos artigos 291.º e 292.º CP à De fora, deixava o homicídio por
negligência e ofensas à integridade física por negligência. Esta lacuna só foi ultrapassada
em 2013. Até esta data, a lei que vigorou não permitia o sancionamento, com esta pena
acessória, de uma situação como a do enunciado, de homicídio por negligência simples.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 49


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Sabendo isto, e sendo a sentença proferida no dia 01.03.2013, a Lei 19/2013 ainda
não estava em vigor. Se não estava em vigor, há, desde logo, algo que devemos censurar
à A decisão que aplicou a obrigação de não conduzir durante 1 mês. Não estava previsto
na lei e, por isso, violar-se-ia o princípio da legalidade.

O que foi aqui aplicado foi pena de prisão de 1 ano substituída por pena suspensa
(Artigo 50.º e seguintes CP). Esta substituição seria classificada como? A pena suspensa
por ter 4 modalidades:

• Suspensão simples;
• Com imposição de deveres à O que carateriza os deveres é o facto de eles
serem voltados para o passado à Artigo 51.º CP;
• Com imposição de regras de conduta à Visam a reintegração do condenado
na sociedade à Artigo 52.º CP;
• Com regime de prova.

Estávamos perante a pena suspensa com imposição de regras de conduta. As regras


de conduta estão previstas no artigo 52.º CP, de forma exemplificativa, ou seja, pode o
tribunal aplicar outras que entenda aplicáveis ao caso concreto. No entanto, isto seria uma
forma de o tribunal contornar a redação anterior deste artigo. O tribunal não conseguia
impor a obrigação de não conduzir por via da aplicação da pena acessória, porque ainda
não estava em vigor (A regra é a aplicação da lei em vigor no momento da prática do
facto, só poderá ser retroativa se for favorável ao agente, sendo que neste caso seria o
contrário) e assim aplicava a proibição por via da regra de conduta do artigo 52.º CP.

O tribunal não aplicou diretamente o artigo 69.º CP, mas sim o 52.º CP. Isto não é
permitido, seria uma fraude à lei, se a lei não queria associar a estes crimes uma inibição
de conduzir, não podemos por via da pena de substituição e aplicando uma regra de
conduta, acabar por fazê-lo. Temos de ver o sistema como um todo e aqui o sistema não
previa esta possibilidade. A decisão é nula, poderíamos recorrer.

b) Se a sentença tivesse sido proferida a partir de 24/3/2013, para além da pena


principal, haveria algo mais que o tribunal devesse ou pudesse determinar?

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 50


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A sentença já foi proferida a partir de 24 de março de 2013. Se o artigo 69.º/1 CP já


passou a ter uma redação diferente, com a entrada em vigor da nova lei, então o tribunal
já podia aplicar a pena acessória do artigo 69.º/1 CP. Isto a uma primeira vista. Analisando
e ligando as matérias, o agente praticou o crime no dia 12.01.2012. As penas e medidas
de segurança aplicáveis são determináveis pelo momento da prática do facto, como
prescreve o artigo 2.º/1 CP.

Deste modo, a lei que é aplicável neste caso ao agente é a do momento da prática do
facto e nesse momento, o artigo 69.º CP ainda não tinha a redação atual. Não é pelo facto
de a sentença ser proferida já com a redação atual do artigo 69.º CP em vigor, que todos
os crimes que consubstanciam homicídios por negligência na condução automóvel
julgados a partir de 24.03.2013 passavam a ser punidos com esta pena acessória. Não
obstante, como refere o artigo 2.º/4 CP é possível a retroatividade in bonam partem. Não
é o nosso caso, visto que a redação atual do artigo seria desfavorável ao arguido. O
tribunal estava impedido de aplicar a pena acessória do artigo 69.º CP.

Caso Prático nº 6

Na sequência de uma operação de fiscalização, a PSP deteve J em flagrante delito,


porquanto, no teste de alcoolemia, acusava uma taxa de 1,5 g/l de sangue. Conduzido
à esquadra policial, noutro aparelho, foi registada a taxa de 1,6 g/l.

a) Imagine que, ao invés de expirar aquando do primeiro teste, J se recusara a fazê-


lo. Quid iuris? E se, ao ver a PSP, J tivesse aumentado a velocidade e, assim, impedido
o controlo policial?

Quanto à primeira parte da questão à Quando isto acontece, o agente pode ser punido
por um crime de desobediência à Artigo 348.º/1 CP. Se assim não fosse, todas as pessoas
se recusavam a fazer o teste de alcoolemia. Para além disso, o artigo 69.º/1/c) CP diz
expressamente que quem recusar submeter-se às “provas legalmente estabelecidas para
deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias
psicotrópicas ou produtos com efeito análogo”, para além da pena de prisão ou de multa
aplicável do artigo 348.º/1 CP, fica impedido de conduzir veículos a motor, por um
período entre 3 meses e 3 anos.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 51


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Quanto à segunda parte da questão à Configuraria na mesma um crime de


desobediência, a questão é à Será que se pode aplicar o artigo 69.º/1/c) CP ou não? Este
crime de desobediência fala na desobediência quando a pessoa se recusa a submeter-se às
provas, aqui diretamente ele não se recusou a fazer as provas, simplesmente fugiu,
portanto, da literalidade deste artigo, parece que não se pode. Contudo, há que interpretar
este artigo.

Não se pode dizer que há uma lacuna, porque se assim fosse, a aplicação analógica
seria favorável ao arguido, só se pode aplicar analogia se for in bonam partem. Parece
que a questão é saber se o artigo abrange apenas a recusa direta ou se abrange também o
aumento da velocidade e fuga à Estamos dentro da interpretação. Trata-se de uma
interpretação declarativa. Caso contrário, seria uma forma fácil de contornar a lei, fugindo
à sanção de ficar sem carta.

b) Julgado em processo sumário, o tribunal aplicou a J a pena de 100 dias de multa


à taxa diária de 10 €. Em alegações, a Procuradora da República havia ainda sustentado
a interdição de conduzir veículos com motor. Na sentença ditada para a ata, em relação
a este ponto, a juíza referiu: «não se aplica qualquer pena acessória ao arguido,
porquanto se deu como provado que este crime foi um facto isolado numa vida que se
tem pautado sempre por fidelidade ao Direito, para além de que o arguido é motorista
de profissão, sendo assim tal pena desproporcionada e, por isso, inconstitucional (art.
18.º, n.º 2, da CRP, e art. 40.º, n.º 2, do CP)». Se fosse o/a representante do MP, que
posição processual assumiria?

A Procuradora pediu a aplicação do artigo 69.º CP e a juíza não aplicou, com base
em duas justificações à O indivíduo era fiel ao direito e pelo facto de ele ser motorista
profissional, considerava a pena desproporcionada, mas isto não faz qualquer sentido à
Quando o motorista é profissional, ainda há uma obrigação acrescida de a pessoa não se
comportar dessa forma, há uma obrigação da pessoa não ter esse tipo de comportamento.
Mas mesmo que a pessoa não seja motorista profissional, esta argumentação de que a
pessoa precisa da carta não é atendível pelos tribunais.

Mas há ainda que saber se a juíza pode aplicar o artigo 69.º CP. Isto tem que ver com
o modo como os nossos tribunais têm interpretado o artigo 69.º/1 CP. O que diz o STJ é

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 52


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que os tribunais são obrigados a aplicar a pena acessória do artigo 69.º CP, desde que
se verifique um dos seus requisitos.

Isto já foi apreciado várias vezes pelo TC e este não encontra nenhum problema de
constitucionalidade, uma vez que o artigo 65.º/2 CP permite que a determinados crimes
se possa associar a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões.

Todavia, o Sr. Professor considera este entendimento inconstitucional, porque o que


está no nº 2 do artigo 65.º CP não está na Constituição e o caminho que temos de percorrer
é da CRP para o CP e não o contrário, o CP é que tem de estar de acordo com a CRP. O
professor entende que o juiz não deveria ser obrigado, mantendo um espaço de liberdade.

O que esta juíza fez foi ir contra o entendimento da jurisprudência, nomeadamente


contra um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que estipula exatamente a
obrigatoriedade de aplicação do artigo 69.º CP. Assim sendo, há duas consequências:

• Dever acrescido de fundamentação para o juiz;


• Recurso obrigatório para o MP.

A Procuradora é obrigada a recorrer desta decisão.

5. Determinação da Medida Concreta da Pena


5.1. Introdução
No que diz respeito à evolução ao longo do tempo do papel principal na determinação
da medida concreta da pena, tivemos duas grandes personagens à O legislador e o juiz.

Hoje não há uma divisão talhante entre ambas, mas sim uma cooperação funcional,
isto é, cooperam entre si na determinação da medida concreta da pena. Cabe ao legislador
definir qual a moldura penal abstrata, fixar as circunstâncias modificativas e pode fixar
qual o sentido da aplicação das reações criminais. Ao juiz, compete determinar, dentro
da moldura penal abstrata, a moldura penal concreta e dentro dessa a medida concreta da
pena.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 53


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5.2. Determinação da Moldura Penal Abstrata


1ª Fase à Determinação da Moldura Penal Abstrata (MPA) à A subsunção
jurídica cabe ao juiz, no sentido em que é o juiz que, mediante os factos que dá como
provados ou não, configura um tipo legal de crime.

5.3. Circunstâncias Modificativas


Não existe uma definição no CP, mas o Dr. Figueiredo Dias designa da seguinte
forma à São fatores ou conjunto de fatores que, não contendendo diretamente com o tipo
de ilícito, com a culpa ou punibilidade, participam, no entanto, na formação da imagem
global do facto (olhar para o crime no seu conjunto). As circunstâncias modificativas
servem para agravar ou diminuir a ideia de gravidade que se tem do crime.

O Sr. Professor André Lamas Leite não concorda com esta definição. Entende que
não se pode dizer que os fatores não contendem diretamente com o ilícito, culpa ou
punibilidade, porque a tentativa e comparticipação são problemas de ilicitude, desde logo.

Diz o Sr. Professor que as circunstâncias têm a ver com o tipo de crime e que o
seu grande efeito atua ao nível da MPA à É um instituto que tem tanta importância que
o legislador sentiu necessidade de o ligar a um aumento ou diminuição da pena.

Classificação

Circunstâncias Agravantes Circunstâncias Atenuantes

Agravam os limites máximos Atenuam os limites máximos


e mínimos e mínimos

Circunstâncias Nominadas Circunstâncias Inominadas

Têm previsão legal expressa Não têm previsão legal


expressa

Nota: Em Portugal, não existe nenhuma circunstância inominada à Tal seria


inconstitucional. As normas penais têm de ser determinadas, sob pena de ferirem o
princípio da segurança jurídica e serem materialmente inconstitucionais. O que faz o

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 54


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

legislador é utilizar uma técnica que fica a meio termo entre as circunstâncias
modificativas nominadas e inominadas à Técnica dos exemplos-padrão.

Circunstâncias Comuns Circunstâncias Específicas

Aplicam-se a todos os tipos Aplicam-se a alguns tipos


legais de crime legais de crime

• Tentativa à Artigo 23.º CP

Há um desvalor da ação, mas não do resultado. O agente é punido pela pena do crime
consumado, a qual é especialmente atenuada à Artigo 73.º CP:

“Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte


relativamente aos limites da pena aplicável:

a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;

b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior


a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;

c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo


reduzido ao mínimo legal;

d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser
substituída por multa, dentro dos limites gerais.”

• Cumplicidade à Artigo 27.º CP

A cumplicidade também serve de atenuação da MPA, novamente por referência ao


artigo 73.º CP.

• Regime dos Jovens Adultos à DL 401/82

De acordo com o artigo 4º DL 401/82, justifica-se uma atenuação especial da pena,


porque a personalidade do agente está ainda em processo de formação, podendo haver
vantagens na redução da pena.

• Reincidência à Artigo 75.º e 76.º

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 55


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A reincidência é uma circunstância modificativa agravante que funciona ao nível da


MPA e simultaneamente uma forma especial de determinação da medida da pena. Qual é
o fundamento para se punir mais gravemente um reincidente?

• O reincidente é mais culpado à Culpa agravada ou acrescida à


Entendimento maioritário;
• O reincidente é mais perigoso à Maior perigosidade do agente.

O Sr. Professor André Lamas Leite sustenta uma teoria mista, portanto, entende que
ambos os fundamentos justificam a reincidência.

Requisitos da Reincidência

Requisito Material à Artigo 75.º/1 para final CP à Há reincidência se a anterior ou


anteriores condenações não tiverem servido de suficiente advertência contra o crime. O
Dr. Figueiredo Dias entende que para se afirmar que as anteriores condenações não
serviram de suficiente advertência, tem de haver uma íntima conexão entre o crime ou
crimes anteriores e aquele que agora é julgado. E verifica-se essa íntima conexão quando
o bem jurídico seja o mesmo ou de natureza próxima.

Requisitos Formais:

• O crime pelo qual o agente vai ser condenado e o crime pelo qual seja julgado
reincidente têm de ser punidos com, pelo menos, 6 meses de prisão efetiva;
• Todos os crimes têm de ser dolosos;
• Entre a data da prática do crime pelo qual o agente é julgado reincidente e
aquele pelo qual está agora a ser julgado não podem ter decorrido mais de 5
anos.

Situações que não relevam para efeitos de reincidência:

• Casos em que há revogação de uma pena de substituição;


• Casos em que temos a conversão de uma pena em prisão subsidiária à Artigo
49.º CP;
• Casos em que se verificou a prescrição do procedimento criminal ou da pena.

Nota: Uma pena que é objeto de uma medida de clemência releva para efeitos de
reincidência, isto porque, para todos os efeitos, quando o tribunal aplicou a pena era uma
pena efetiva superior a 6 meses.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 56


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Depois de preenchidos os requisitos do artigo 75.º CP, há que ver os efeitos da


reincidência previstos no artigo 76.º CP à Como se determina a pena tendo em conta a
reincidência?

1ª Operação à Determinação da Medida da Pena sem Reincidência à Para


determinado crime, o tribunal estipula a medida adequada da pena efetiva de prisão.

2ª Operação à Medida Penal Abstrata tendo em conta a Reincidência à


Atendendo à MPA do crime apreciado, o limite máximo mantém-se inalterado, sendo que
o limite mínimo é agravado em 1/3.

3ª Operação à Medida Concreta da Pena com Reincidência à Dentro da MPA


da reincidência, sabendo o tribunal que o agente é reincidente, aplica a pena, tendo por
base que não se altera o limite máximo.

4ª Operação à Operação de Comparação e Eventual Limitação à O acréscimo


à pena inicial não pode exceder a medida mais grave aplicada nas anteriores condenações.

Regras da Concorrência de Circunstâncias

Se todas as circunstâncias forem no sentido atenuante, elas funcionam, sem nenhuma


ordem em especial, funcionam sucessivamente.

Se todas as circunstâncias foram no sentido agravante, é de notar que a reincidência


funciona sempre em último lugar.

Se forem circunstâncias de sentido diverso, em primeiro lugar funcionam as


circunstâncias agravantes e só depois as atenuantes.

Nota: As circunstâncias modificativas que surgem na parte especial do CP ou em


legislação penal extravagante funcionam em primeiro lugar à A lei especial derroga a
lei geral.

Artigo 71.º/2 CP à Princípio da Proibição da Dupla Valoração à É necessário


analisar a razão de ser de cada circunstância para não valorarmos duas vezes uma
realidade que beneficia o agente à Artigo 29.º/5 CRP (ne bis in idem). Se num caso
concreto, existirem várias circunstâncias modificativas, só as podemos fazer funcionar se
tiverem fundamentos diferentes.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 57


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5.4. Determinação da Moldura Penal Concreta


2ª Fase à Determinação da Moldura Penal Concreta (MPC) à Dentro da MPA,
tendo em conta o caso concreto e o concreto agente, o tribunal determina o limite mínimo
e máximo que considera responder às finalidades de punição (exigências de culpa e
prevenção). De seguida, com a MPC elaborada, fixa a medida concreta da pena (MCP).

Nota: Há quem autonomize a determinação da medida concreta da pena numa fase


distinta, mas o Sr. Professor André Lamas Leite não apoia essa divisão.

Existem várias teorias que tentam conciliar as exigências de culpa e prevenção que
relevam nesta fase para a determinação da moldura penal concreta:

• Teoria do Valor da Posição ou Emprego

Diz-nos esta teoria que se deve só ter em conta considerações de culpa, uma vez que
as considerações de prevenção devem fazer-se notar quando muito ao nível da aplicação
das penas de substituição. É de rejeitar esta teoria porque seria ilegal.

• Teoria da Pena da Culpa Exata

À semelhança da teoria anterior, defende que a MPC e a MCP só teriam em conta as


razões de culpa, mas vai ainda mais longe. Entendem os defensores desta teoria, que
existe apenas um ponto único em que a pena responde às exigências de culpa, mas como
é que se sabe esse ponto? Seria algo absolutamente impraticável. A prevenção funcionaria
quando muito ao nível do limite máximo da MPA. É novamente de afastar esta teoria.

• Teoria da Moldura da Culpa

O que nos diz esta teoria, defendida pelo Dr. Eduardo Correia é que a MPC é nos
dada por exigências de culpa, portanto, a baixo do limite mínimo significaria que a pena
já não responderia a exigências de culpa e a pena não pode em caso algum ultrapassar a
medida da culpa.

Sob pena de ser ilegal, o espaço conferido por esta teoria às exigências de prevenção
prende-se com o limite mínimo da MPC à Há um ponto que é o ponto de defesa do
ordenamento jurídico, um limiar mínimo abaixo do qual as exigências de prevenção não
estão acauteladas.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Quanto à prevenção especial, essa faz se sentir ao nível da medida concreta da pena
à Em último lugar, determinam a MCP, as exigências de prevenção especial.

• Teoria da Moldura da Prevenção

É maioritária na nossa doutrina e jurisprudência à A determinação da MPC é dada


tendo por base exigências de prevenção geral. O papel reservado para a culpa prende-se
com o facto de o limite máximo nunca poder ser superior à medida da culpa.

Da mesma forma que a teoria anterior, a prevenção especial tem efeitos na


determinação da medida concreta da pena.

Uma vez que as duas primeiras teorias são ilegais, só poderemos ter em conta as duas
últimas. Quer numa quer na outra, é preciso determinar o quantum exato de pena que vai
ser aplicada. Para isso, há que atender aos fatores de medida da pena à No artigo 71.º/2
CP temos um elenco exemplificativo. São factos da vida social que podem depor a favor
ou contra o agente e auxiliam o juiz na sua função. São dotados de grande ambivalência
essencialmente por 2 razões:

• O mesmo fator pode funcionar como atenuante ou agravante;


• Há fatores que relevam por via da culpa e outros por via das exigências de
prevenção.

3ª Fase do Processo de Determinação da MCP à Pronúncia quanto à Aplicação de


Pena de Substituição à Esta é uma fase eventual, porque só se aplica até 5 anos de
prisão e 240 dias de multa.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 59


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

5.5. Caso Prático nº 7 e 9

Num determinado processo-crime, o tribunal deu como provado os seguintes


factos:

1. O arguido K tem 20 anos e revela uma maturidade pouco desenvolvida para a


sua idade.

2. O resultado projectado não foi concretizado em virtude da actuação das forças


policiais.

3. O arguido K forneceu a L o pé-de-cabra com que este último estroncou a


fechadura do estabelecimento comercial Y, mas não conseguiu apropriar-se de nada,
devido ao aparecimento da polícia.

4. O arguido K é reincidente quanto ao crime de furto qualificado que lhe é


imputado.

Determine a medida concreta da pena a aplicar a K, pela prática do crime p. e p.


pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao art. 202.º, al. d), ambos do Código Penal.

A matéria que estamos aqui a tratar é das circunstâncias modificativas, ou seja, na


posição de Figueiredo Dias é um prossuposto ou conjunto de prossupostos que não
contendem nem com ilicitude nem com culpa nem com punibilidade, mas afetam a
imagem global do facto, seja no sentido de agravar ou no sentido de diminuir.

Em concreto:

• A idade de K suscita aplicação do DL 401/82 (jovens delinquentes) como


circunstância modificativa atenuante, específica e nominada;
• A tentativa à Artigo 22.º e 23.º CP como circunstância atenuante, nominada
e específica;
• A cumplicidade à Artigo 27.º CP como circunstância atenuante, comum e
nominada;
• A reincidência como circunstância agravante.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 60


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

J cometeu um crime contra propriedade na sua forma tentada. Este crime prossupõe
uma subtração podendo ser simples ou qualificada. Aplicamos o artigo 204.º/1/e) CP na
precisa medida em que há qualificação. Existe qualificação quando há aumento da
ilicitude ou da culpa ou de ambas.

Trata-se de um crime de execução vinculada, ou seja, tem de seguir um determinado


modus operandi.

Posto isto trabalhamos com MPA que prevê uma pena de prisão de 2 a 8 anos. Não
se prevê pena de multa pela gravidade do crime. Na opinião de Faria Costa estamos
perante uma hiperqualificação.

Quanto à idade de K seria aplicável o DL 401/82 na medida em que o seu artigo 1.º
prevê que é considerado jovem quem tenha entre 16 e 21 anos. K tinha 20 anos, logo
cumpria este requisito. Aplica-se assim, o artigo 4.º do respetivo regime que prevê a
possibilidade de atenuação especial da pena (Artigo 73.º CP). Na circunstância do agente
ter esta idade o legislador julga que a sua personalidade ainda não está desenvolvida e
como tal é possível a ressocialização.

Quanto à tentativa (Artigo 22.º e 23.º CP) à Existe tentativa quando não há
consumação do crime. Alguém tenta lesar um bem jurídico, mas por motivo estranho à
sua vontade não consegue consumar. Há um desvalor de ação a que não se segue desvalor
de resultado. Não há punição da tentativa a título de negligência. A tentativa só funciona
em crimes dolosos.

Quanto à comparticipação (Artigo 26.º CP) importa referir que há duas categorias à
A autoria e a participação.

Autoria:

• Autoria Imediata à A figura assenta no pressuposto de que o agente


preencha de mão própria todos os elementos do ilícito típico e, por
conseguinte, a sua conduta consubstancie o correspondente sentido de
antinormatividade, observando-se um juízo de caráter pessoal e individual,
que justifica, nos moldes assinalados, a autonomia da respetiva qualificação
típica no confronto com as restantes autorias dolosas que ocorram no concreto
universo comparticipativo;

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 61


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

• Autoria Mediata à O executor material é inimputável (Artigo 19.º e 20.º


CP) ou está em estado de necessidade desculpante ou erro sobre as
circunstâncias de facto. A conclusão a que se chegue na imputação ao autor
imediato constitui um mero pressuposto fáctico da valoração jurídico-penal
da conduta do homem de trás e, portanto, daquela operação pessoal individual
de imputação objetiva da punição como autor mediato;
• Coautoria à A qualificação de alguém como autor numa ponderação que
atende de modo cumulativo à participação no pactum sceleris e à importância
da sua colaboração na execução do delito. Recobre constelações em que dois
ou mais participantes na sequência de um acordo (expresso, tácito ou
concomitante) realizem de maneira conjunta o projeto conducente à lesão ou
colocação em perigo de um bem jurídico.

Quanto à participação podemos ter a cumplicidade e a instigação.

Cumplicidade (Artigo 27.º CP):

• Física, como dar instrumentos, ajudar na prática do crime;


• Psíquica, como quem ensina a desativa sistema de alarmes ou está apenas
presente a dar força.

A instigação ocorre quando alguém determina outrem à prática de crime, convence-


o a praticar o crime à Artigo 26.º/1, in fine CP.

Para Almeida Costa existe duas categorias à Domínio concomitante do facto, em


que autor tem controlo do como, do se e do quando e domínio não concomitante do facto,
onde entre a conduta e produção do delito medeia distância que retira ao agente a
experiência e o controlo da realização típica.

Assim, K seria cúmplice, nomeadamente cumplicidade física, com a cedência dos


instrumentos para a prática do crime e seria punido pelo crime previsto para o autor, mas
de forma atenuada.

Em relação à reincidência trata-se de uma circunstância modificativa agravante, nos


termos do artigo 75.º e 76.º CP. Teríamos de averiguar os requisitos formais e material.

Com efeito, abrange qualquer forma de comparticipação, autoria e cumplicidade, só


opera relativamente a crimes dolosos (não releva negligência), que deva ser punida com

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 62


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

pena de prisão efetiva, (não acontece com pena de substituição) e que tenha sido superior
a 6 meses (multa não releva), ter transitado em julgado por condenação anterior e essa
condenação anterior tem de ter sido em pena de prisão superior a 6 meses por outro crime
doloso.

Requisito da prescrição, constante no nº 2 do artigo 75.º CP à Tem de haver período


temporal em que se possa estabelecer nexo de ligação entre crime anterior e atual. Se tiver
decorrido mais do que 5 anos entre as datas das práticas dos crimes, então a reincidência
prescreveu e não se pode considerar que o agente é reincidente.

Quanto ao requisito material do artigo 75.º/1, parte final CP, se for de censurar a
condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência
contra o crime.

Neste âmbito, devemos resolver a questão quanto a saber se a reincidência segue o


modelo de homotropia ou de politropia.

Diz-se que nosso sistema é de politropia, mas o Sr. Professor Lamas Leite não
concorda, defendendo a homotropia mitigada, pois para averiguar este requisito da
suficiente advertência convoca-se a natureza do bem jurídico, então estamos perante
homotropia, mas também não é homotropia pura (que exige a violação do mesmo tipo
legal), porque se exige uma proximidade entre os bens jurídicos em causa.

Preenchidos os requisitos quanto à reincidência, aplica-se o artigo 76.º/1 CP, sendo


que ao nível da MPA agravar-se-á em 1/3 o limite mínimo e o limite máximo manter-se-
á inalterado.

Assim chegados, vemos que há concorrência de circunstâncias e suscita-se a questão


de como se vai fazer funcionar as circunstâncias modificativas. Se forem circunstâncias
todas no mesmo sentido, aplica-se de forma sucessiva e adicional, uma a seguir a outra,
sem nenhuma ordem especial. Se forem de sentido diferente, primeiro agrava-se e só
depois é que se atenua.

Contudo, esta regra conhece exceções:

• Se estivermos perante reincidência, esta opera sempre no final;


• Se alguma circunstância modificativa estiver na parte especial, faz-se
operar primeiramente a parte especial.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 63


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Desta forma, em termos de MPA, tínhamos pena de prisão que tinha como limite
mínimo 2 anos e como limite máximo 8 anos. Vamos proceder à atenuação especial da
pena, prevista no artigo 73.º do CP

Aplicação, em primeiro lugar, do decreto-lei 401/82, regime especial, fazendo-se uma


remissão do artigo 4.º para o artigo 73.º do CP à O limite máximo é reduzido em 1/3,
ficando em 5,34 (8x1/3), com o limite mínimo em 1 mês (porque o limite mínimo é
reduzido ao mínimo legal quando seja inferior ou igual a 3 anos), nos termos da alínea a)
e b) do artigo 73.º

Com a cumplicidade, aplica-se o artigo 27.º/2 e o artigo 73.º CP. O mínimo continua
em 1 mês (porque não se pode atenuar mais) e o limite máximo vamos reduzir em 1/3
ficando em 3,56.

Com a tentativa, o artigo 23.º/2 opera uma remissão para o artigo 73.º do CP à Assim
mantém-se o limite mínimo em 1 mês e o limite máximo será reduzido novamente em
1/3, ficando em 2,38 anos.

Arredonda-se à 2,4 anos. Agora, vamos ter de calcular quanto equivale os 0,4 à 0,4
em termos mensais (0,4x12), perfaz 4,8.

Por fim, determinar quanto são os 0,8 à Os 0,8 são 24 dias tendo em conta os dias
(0,8x30). Assim a MPA seria de 1 mês a 2 anos, 4 meses e 24 dias.

Finalmente, teríamos ainda de agravar, porque existiria reincidência. Com a


agravação, refere o artigo 76.º CP que se agrava o limite mínimo em 1/3, mantendo-se o
limite máximo, assim 1 mês passaria para 1 mês e 10 dias (30 dias x 1/3= 10 dias) até 2
anos, 4 meses e 24 dias.

Contudo, temos de fazer um exercício de comparação entre aquilo que foi a MCP
aplicável sem a reincidência e a MCP com a reincidência, isto porque o artigo 76.º/1 in
fine do CP prevê que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada
nas condenações anteriores.

Sem a reincidência à A MPA seria de 1 mês a 2 anos, 4 meses e 24 dias. Temos de


determinar a MPC, recorrendo à teoria da moldura da prevenção.

MPC à 2 meses a 1 ano e 5 meses

MCP à 1 ano

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 64


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Com a reincidência:

MPA à 1 mês e 10 dias até 2 anos, 4 meses e 24 dias

MPC à 1 ano até 2 anos e 2 meses

MCP à 2 anos

Nota: Os valores utilizados são hipotéticos.

Assim, a diferença entre as MCP (MCP de 2 anos – MCP de 1 ano) é de 1 ano. Poder-
se-ia agravar em 1 ano, aplicando-se assim a MCP de 2 anos, desde que a mais elevada
das condenações anteriores não fosse superior a 1 ano. O caso prático não nos dá dados
quanto a este aspeto.

Ou seja, suponhamos que a mais elevada das condenações fora de 7 meses. Não se
poderia agravar em 1 ano, só se poderia agravar em 7 meses. Ou seja, em vez de se aplicar
a MCP de 2 anos, só poderíamos aplicar uma MCP de 1 ano e 7 meses. O intuito é limitar
a medida da agravação.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 65


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Caso Prático nº 9

Imagine que hoje é juiz(a) do Juízo Central Criminal de Penafiel, J1 e que,


produzida a prova, conclui-se pela prática, por M, em 12/5/2020, de um crime p. e p.
pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 3, do CP. Delibera o coletivo que, para aquele delito, a pena
adequada e suficiente é de 12 anos de prisão.

Do certificado do registo criminal de M constam as seguintes inscrições:

i) Condenação em 20/3/2015, com sentença transitada em julgado em


13/3/2017, a pena de multa de 300 dias à taxa diária de 10 €, pela prática, em
11/1/2013, de um crime p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, pena essa que foi convertida
em prisão subsidiária que o condenado cumpriu a partir de 12/7/2018.

ii) Condenação em 11/2/2016, com trânsito em 14/3/2016, a pena de prisão de


1 ano, pela prática, em 2/1/2015, de um crime p. e p. pelo art. 205.º do CP, substituída
por multa que, entretanto, não foi cumprida, tendo o condenado recolhido ao EP em
4/1/2019.

iii) Condenação em 12/6/2019, transitada em julgado a 12/7/2019, a pena de


prisão efetiva de 1 ano e 6 meses, pela prática, em 11/4/2018, de um crime p. e p. pelo
art. 276.º do CP, pena esta cumprida entre 15/7/2019 e 15/1/2021.

Determine a medida concreta da pena a aplicar a M, explicitando todas as


operações que efetuar e recorrendo a valores hipotéticos para as ilustrar.

No presente caso, temos um crime ao qual foi aplicado uma pena de prisão de 12 anos
e temos Certificado do Registo Criminal (CRC). A questão que se coloca é à Há ou não
há reincidência?

• Inscrição i
Vejamos os requisitos do artigo 75.º CP:

O requisito material está preenchido à O bem jurídico é o mesmo, a propriedade à


Por aqui, a reincidência estaria preenchida.

Pelo quantum de pena de prisão também se encontrava preenchida à Pena de prisão


efetiva e superior a 6 meses.

Têm de ser crimes dolosos à Verificado igualmente.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 66


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Quantos dias de prisão subsidiária cumpriu o agente? Portanto, a 300 dias de multa,
convertidos em prisão subsidiária, reduzida a 2/3, correspondem 200 dias à Artigo 49.º/1
CP.

Tempus delicti à 11/01/2013 e 12/05/2020

Não havia prescrição da reincidência, então há reincidência ou não? Não, porque a


prisão subsidiária não releva para efeitos de reincidência. A pena principal aplicada
ao agente foi a pena de multa e não pena de prisão. A pena de prisão resulta da conversão
da pena de multa, trata-se da consequência da não liquidação da pena de multa.

Mas basta que haja reincidência em relação a 1 condenação, temos de as ver todas.

• Inscrição ii
Crime de abuso de confiança à Crime contra a propriedade.

O requisito material está preenchido. Além disso, é um crime doloso, a pena é de


prisão superior a 6 meses, mas foi substituída por multa à Falta um requisito, o de ser
uma pena de prisão efetiva. O agente foi condenado a 1 ano de prisão, mas a pena foi
substituída por multa.

Já vimos que não há uma regra geral para fazer a equiparação, o artigo 45.º CP manda
aplicar o artigo 47.º CP e, por sua vez, o artigo 47.º remete para o 71.º CP. Embora haja
a tendência de fazer a correspondência de 1 para 1, há um Acórdão Uniformizador de
Jurisprudência que determina que não tem de ser assim.

A multa de substituição não foi paga, portanto, dá-se a revogação da pena de


substituição e aplica-se a pena de prisão. O condenado cumpriu 1 ano de prisão, mas
aquilo que foi decidido na sentença foi aplicar-lhe pena de prisão não efetiva, se depois
incumpre a pena de multa e realmente vai para o EP, isto é outra questão que não releva
para efeitos da reincidência. Também não há reincidência.

• Inscrição iii
Crime do artigo 276.º CP à Crime de instrumentos de escuta telefónica

A proximidade de bens jurídicos para preencher o requisito material existe ou não?

Este crime encontra-se enquadrado nos crimes de perigo comum à Amálgama à


Não tratamos propriamente de um bem jurídico, à partida não sabemos quais são os
concretos ofendidos, crimes nucleares (quantas pessoas vão morrer?), crimes de escutas

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(quantas pessoas são ouvidas?) à Nada tem de ver com a propriedade. Logo, mesmo que
os requisitos formais estivessem preenchidos, não há reincidência porque, desde logo,
falha o requisito material.

Conclusão à Não há reincidência, a pena a aplicar é de 12 anos.

6. Concurso de Crimes
Artigo 30.º/1 e 77.º CP à Como é que se pune um agente que cometeu vários crimes?
O sistema português é um sistema de pena conjunta, na sub-modalidade de cúmulo
jurídico. Pena conjunta no sentido em que ao agente é aplicada uma pena única. No
entanto, previamente o tribunal tem de determinar cada uma das penas do respetivo crime
que está em concurso, pelo que cada uma das penas não perde a sua autonomia própria.

Operações de Determinação do Concurso:

1ª Operação à Determinar a Medida Concreta de cada um dos Crimes

2ª Operação à Construção da Moldura do Concurso à O limite mínimo do


concurso de crimes corresponde à mais grave das penas parcelares à Expressão do
princípio da exasperação, de acordo com o qual se deve trabalhar com a MPA mais
grave de entre os vários crimes. O limite máximo corresponde à soma das penas
parcelares, desde que não seja ultrapassado o limite de 25 anos no caso da pena de prisão
e 900 dias no caso da pena de multa.

3ª Operação à Determinação da Medida Concreta da Pena à Isto tendo em conta


um novo juízo de ilicitude, o conjunto dos crimes dão uma ideia mais ou menos agravada.

Nota: Quando tratamos de penas de diferentes naturezas, portanto, simultaneamente


penas de prisão e penas de multa, entende a doutrina e a jurisprudência que devemos
elaborar uma pena compósita, cumulando uma parte da pena de multa com uma parte da
pena de prisão. O Dr. Figueiredo Dias e a Dr. Maria João Antunes sustentam a tese de
que se deve converter as penas de multa em pena de prisão, elaborando depois dessa
conversão, uma nova determinação de concurso.

Conhecimento Superveniente do Concurso de Crimes

Artigo 78.º/1 CP à “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se


mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros

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crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido
cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”
à O artigo 78.º CP remete para o artigo 77.º CP.

Requisitos:

• As decisões em causa têm de ter transitado em julgado à Trânsito em


julgado de todos os processos;
• O crime tem de ter sido cometido antes de anterior condenação transitada
em julgado, do qual só se tem conhecimento mais tarde.

Portanto, o conhecimento superveniente do concurso de crimes visa corrigir uma


situação de ineficiência do próprio sistema, por não haver adequada comunicação entre
os processos. Assim, pretende-se colocar o tribunal na situação em que estaria se tivesse
julgado os dois crimes, por intermédio da conexão dos mesmos.

Nos termos do artigo 471.º CPP, é territorialmente competente para elaborar o


acórdão cumulatório, o tribunal da última condenação. Trata-se de um requisito de
natureza processual.

Verificados todos os requisitos do conhecimento superveniente do concurso de


crimes, o que faz o tribunal é elaborar uma nova pena de concurso, procedendo ao
desconto da pena que já tiver sido cumprida pela primeira condenação.

7. Crime Continuado
Artigo 30.º/2 CP à “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do
mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o
mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da
solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do
agente.” à Trata-se da ficção legal de um único crime, mediante a verificação de
determinados pressupostos:

• O(s) tipo(s) de crime(s) têm de proteger o mesmo bem jurídico ou bens


jurídicos de natureza próxima;
• O modus operandi tem de ser homogéneo;

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• Tem de se verificar uma situação externa ao agente que o tribunal considere


que diminui a culpa do agente.

Artigo 30.º/3 CP à “O disposto no número anterior não abrange os crimes


praticados contra bens eminentemente pessoais.” à Este instituto só se aplica a bens
patrimoniais.

No âmbito do crime continuado, há que atentar novamente ao princípio da


exasperação previsto no artigo 79.º/1 CP à “O crime continuado é punível com a pena
aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.” O que faz o tribunal é
trabalhar com a MPA do crime mais grave, utilizando as restantes condutas como fatores
da medida da pena, que servem para agravar a responsabilidade criminal do agente.

Crime Continuado e Conhecimento Superveniente de Conduta que integra o


Crime Continuado

O que é, essencialmente, criticável neste instituto é o nº 2 do artigo 79.º CP à “Se,


depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave
que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior.” Por
conseguinte, se for conhecida conduta mais grave que integre a continuação, a pena dessa
conduta substitui a anterior. Se não for mais grave, na prática, não se faz nada. Na
perspetiva do Sr. Professor André Lamas Leite, esta solução não faz qualquer sentido à
Há mais um crime, mas mantém-se tudo na mesma como se o tribunal não tivesse dele
conhecido.

7.1. Caso Prático nº 14


Caso Prático nº 14

Aproveitando um buraco na vedação, no dia 12/5/2020, R entrou no jardim da


residência de S e daí furtou mobiliário no valor de 500 €. Porquanto a vedação se
encontrava no mesmo estado, em 15/5/2020, R usou o mesmo estratagema e, desta
vez, estroncou a fechadura da lavandaria e entrou na habitação, tendo-se apoderado de
bens no valor de 5.500 €. No dia 1/6/2020, porquanto tudo se mantinha igual e a
fechadura da lavandaria nem sequer se achava reparada, de novo R penetrou no imóvel
e fez seus bens que ascendiam a 6.000 €.

a) Determine a medida concreta da pena a aplicar a R.

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O presente caso prático convoca a problemática do crime continuado, tratando-se


de uma forma especial de determinação da medida concreta da pena. Esta figura trata de
uma ficção legal em que apesar de existir uma pluralidade de crimes, o legislador ficciona
que estamos apenas perante um único. Como requisitos do crime continuado, temos
aqueles que constam do artigo 30.º/2 e 3 CP:

• Tem de se verificar a existência do mesmo bem jurídico ou próximo;


• Tem de existir uma diminuição da culpa;
• Tem de existir também uma circunstância exógena que propicie o
cometimento do crime;
• Não se pode tratar de bem jurídicos pessoais à Requisito negativo;
• Tem de existir o mesmo modus operandi.

Em concreto, estaríamos perante 3 furtos, todos cometidos da mesma forma e, como


tal, poder-se-ia equacionar o crime continuado. Assim, para o cálculo da medida concreta
da pena, teríamos de equacionar o artigo 79.º CP, que prevê o princípio da exasperação.
Para tal, precisamos de averiguar qual a MPA mais grave das 3 condutas.

Assim, em relação ao primeiro furto, estamos perante um furto simples, nos termos
do artigo 203.º CP, cuja MPA é de 1 mês a 3 anos. O segundo furto consiste num furto
qualificado nos termos do artigo 204.º/2/e) CP, cuja MPA é de 2 a 8 anos e um terceiro
furto, também um furto qualificado ao abrigo do artigo 204.º/1/a) e 202.º/1/a) CP, cuja
MPA é de 1 mês até 5 anos.

Daqui constatamos que a MPA mais grave é a de 2 a 8 anos e é essa essa que vai
servir para a determinação da MCP. A nossa moldura penal concreta será fixada segundo
a teoria da moldura da prevenção, pela qual se vai atender às exigências de prevenção
e a culpa dará o limite máximo (5 a 7 anos) e a MCP será de 5 anos, atendendo aos fatores
da medida da pena.

Como esta medida é igual ou inferior a 5 anos, poderíamos equacionar a aplicação de


uma pena de substituição, sob pena de existir omissão de pronúncia.

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b) Suponha que R foi julgado e condenado, por decisão prolatada em


21/11/2021, a 3 anos de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, pelo
mesmo período. Após o trânsito em julgado da decisão, chegou ao conhecimento do
tribunal que, a 13/5/2020, R entrara na mesma habitação, aproveitando-se da referida
abertura na vedação e furtara plantas raras que encontrara no jardim e que orçavam em
2.500 €. Tendo em conta este facto novo, o que deve o tribunal fazer?

Estamos perante o conhecimento superveniente de uma conduta que integra o


crime continuado. Para o efeito, devemos equacionar o artigo 79.º/2 CP, existindo uma
substituição da medida aplicada anteriormente, quando a nova conduta seja mais grave.

Esta nova conduta dizia respeito a mais um furto e poderia ser subsumida ao furto
simples, nos termos do artigo 203.º CP ou não se entendendo como tal, seria furto
qualificado de acordo com o artigo 204.º/1/f) CP.

Na precisa medida em que a MPA subjacente não é a mais grave do que a aplicada,
o julgador não tem de refazer a medida, só teria de o fazer no caso de existir uma MPA
mais grave. Portanto, manter-se-ia a medida fixada em 5 anos.

Contudo, há uma posição na doutrina que tem vindo a ser defendida que é a de dizer
que esta nova conduta, apesar de a MPA ser a mesma, pode ser tida em conta como fator
da medida da pena, agravando-se a responsabilidade criminal, portanto, em vez de se
aplicar 5 anos, fixaríamos em 5 anos e 6 meses, por exemplo, tendo esta conduta agravado
a responsabilidade. No entanto, é preciso ter cuidado porque esta posição não consta no
seu direito constituído, apenas é uma posição no direito a constituir, não existe nem tem
base legal.

8. Atenuação Especial da Pena


Em princípio, as molduras penais abstratas previstas são as necessárias e suficientes
para acautelar os bens jurídicos protegidos pelas respetivas normas. Há, no entanto, casos
extraordinários, em que há lugar à atenuação da pena.

No nº 2 do artigo 72.º CP, o legislador recorre a alguns exemplos-padrão, no entanto,


não tem de haver necessariamente atenuação sempre que se verifique uma destas
situações, já que tem de estar sempre preenchida a cláusula geral do nº 1 do mesmo artigo

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 72


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à “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente


previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou
contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa
do agente ou a necessidade da pena.”

Existem duas modalidades de atenuação especial da pena:

• Atenuação Obrigatória à Casos em que o julgador não tem espaço de


manobra à “A pena é atenuada”;
• Atenuação Facultativa à Discricionariedade do julgador (sujeita a recurso)
à “A pena pode ser atenuada”.

No artigo 73.º CP encontram-se previstos os cálculos a utilizar para proceder à


atenuação da pena.

8.1. Caso Prático nº 12


Caso Prático nº 12

P foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo art. 372.º, n.º 1, do CP.
Na sentença lia-se: «a pena que o tribunal considera justa, adequada e proporcional é
de 3 anos de prisão, que entende dever ser efetiva, atentas as fortíssimas exigências
preventivas-gerais e especiais no caso sentidas. É exatamente tendo em conta este
aspeto que se não aplica o disposto no art. 374.º-B, n.º 5, do CP».

O Ministério Público interpôs recurso da decisão, concluindo, de entre o mais,


que:

«1. O tribunal violou o art. 72.º do CP, na medida em que em momento algum
lhe fez referência e o instituto a que este inciso alude só se pode aplicar quando todos
os seus requisitos estão preenchidos.

2. Ora, no caso sub judice, a ilicitude e a culpa do arguido são apenas medianas,
pelo que deveria ter sido aplicado o art. 72.º do CP, tanto mais que este prevalece sobre
o art. 374.º-B, n.º 5, do mesmo diploma.».

Se fosse juiz(a) desembargador(a) relator(a), como elaboraria o projeto de


acórdão?

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 73


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O tribunal deve equacionar a pena de substituição quando a medida concreta da pena


seja inferior ou igual a 5 anos, sob pena de nulidade da sentença, nos termos do 379.º/1/c)
CPP à Não se aplica o 374.º-B/5 CP.

Estamos perante a matéria da atenuação especial da pena. Para o efeito, há que


distinguir entre a atenuação facultativa e a atenuação obrigatória. O artigo 72.º CP prevê
a atenuação facultativa e no artigo 73.º CP temos a atenuação obrigatória.

Exemplo: No artigo 22.º CP está prevista a tentativa, sendo que no nº 2 do artigo 23.º
CP dispõe-se à “A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado,
especialmente atenuada”. Portanto, estamos perante um caso de atenuação obrigatória,
pelo que nos direcionamos logo para o artigo 73.º CP à O legislador di-lo expressamente.
Pode haver situações em que diz “pode ser especialmente atenuada” e nesse caso temos
uma atenuação facultativa do artigo 72.º CP.

Artigo 374.º-B/5 CP à “A pena é especialmente atenuada se, até ao encerramento


da audiência de julgamento em primeira instância, o agente colaborar ativamente na
descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos.” à
Andou mal o tribunal quando nos diz que teríamos de verificar os requisitos do artigo 72.º
CP, visto que estaríamos perante uma atenuação obrigatória.

Portanto, estamos perante a matéria da especial atenuação da pena, na qual


distinguimos atenuação facultativa da atenuação obrigatória. O artigo 72.º CP prevê a
norma geral nesta matéria, contudo há normas especiais extravagantes para além desta.
Quanto ao artigo em questão, o artigo 374.º-B/5 CP à Trata-se de atenuação obrigatória
da pena, pelo que o tribunal o deverá proceder à aplicação do artigo 73.º CP.

Relativamente ao artigo 72.º/1 CP prevê-se uma cláusula geral e nos termos do nº 2


refere-se um conjunto de causas ou circunstâncias da vida social que consideram como
preenchido o nº 1. Já o nº 3 prevê um princípio de proibição da dupla valoração à
Apenas se pode atender uma única vez à circunstância que der lugar à atenuação.

Artigo 73.º CP à O mínimo da pena de prisão é reduzido a 1/5 se for igual ou superior
a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior. O limite máximo é reduzido a 1/3.

Francisca Sá e Sofia Rodrigues 74

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