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D I R
E I T O
PENAL
José Santos
Com os apontamentos de
Maria Luís Carvalho
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Nota introdutória:
Esta sebenta de Direito Penal, disponibilizada pela Comissão de Curso dos alunos do 2º ano da
licenciatura em Direito, foi elaborada pelo estudante José Santos e revista pelos estudantes:
Filipa Moreira, Mariana Coelho e André Rosa. Esta sebenta tem por base as aulas teóricas
lecionadas pelo Sr. Professor Almeida Costa, os apontamentos semanais da estudante Maria
Luís Carvalho (com ajuda da estudante Rafaela Paralvas), os apontamentos pessoais da
estudante Maria Inês Costa e o Manual de Direito Penal do Doutor Figueiredo Dias, sendo que
constitui um mero complemento do estudo, não dispensando, por isso, a leitura das obras
obrigatórias e a frequência das aulas teóricas e páticas.
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Índice
Sebenta de Direito Penal ............................................................................................................ 4
Parte I – Introdução ao Direito Penal ......................................................................................... 4
Título I – O sentido e a função do direito penal: definição formal de Direito Penal ............. 4
1.1 Direito penal em sentido material: a tutela das condições necessárias à convivência
comunitária e à livre realização da pessoa. O conceito de bem jurídico. ........................... 5
1.2 Conceito material de crime ........................................................................................... 8
1.3 Conceito material de sanção ....................................................................................... 11
1.3.1 Teorias absolutas ou ético-retributivas ............................................................... 11
1.3.2 Teoria relativa ou preventiva .............................................................................. 13
1.3.2.1 Prevenção Geral ........................................................................................... 13
1.3.2.2 Prevenção Especial ...................................................................................... 14
1.3.3 Doutrinas da Prevenção Integral: ........................................................................ 17
1.3.3.1 Prevenção geral positiva ou de integração: .................................................. 20
1.4 Inserção do Direito Penal no ordenamento jurídico global ........................................ 23
Título II – A Lei Penal e a sua aplicação ............................................................................. 27
1.1 O Princípio da Legalidade em Direito Penal. ............................................................. 27
1.2 A Interpretação da Lei Penal e a Integração das Lacunas. ......................................... 28
1.3 A aplicação da Lei Penal no Tempo. .......................................................................... 29
1.4 A aplicação da Lei Penal no Espaço ........................................................................... 34
Parte II – A Teoria Geral do Crime ......................................................................................... 40
Título I – O significado metodológico da doutrina geral do crime. As grandes
construções dogmáticas da atualidade .............................................................................. 40
1.1 As grandes construções gerais do crime ................................................................ 41
1.1.1 Sistema Clássico ............................................................................................. 41
1.1.2 Sistema Neoclássico ou Normativista ............................................................. 44
1.1.3 Sistema finalista .............................................................................................. 47
1.1.4 A luta de escolas ............................................................................................. 50
1.1.5 Sistema teleológico ou racional ...................................................................... 51
Título II – Teoria Geral dos Crimes de Ação Dolosa .......................................................... 54
1.1 Conceito dogmático de ação ....................................................................................... 54
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1.2 A figura do ilícito-típico ............................................................................................. 56
1.2.1 Tipos incriminadores e tipos justificadores ................................................. 57
Elementos estruturantes do tipo: .............................................................................. 58
1.2.2 O Tipo Objetivo .................................................................................................. 60
Doutrinas contemporâneas desde o século XX. ....................................................... 61
Três figuras especiais de imputação objetiva: ......................................................... 65
1.2.3 O Tipo Subjetivo ................................................................................................. 67
Elemento intelectual: ............................................................................................... 67
Elemento volitivo:.................................................................................................... 74
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De forma muito ampla e geral, Direito Penal é o ramo do Direito que define as condutas
que constituem crimes e que, por outro lado, estabelecem as sanções. Estas podem ser: penas
ou medidas de seguranças.
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Perspetiva histórica:
Entre nós, no velho código penal de 1852 e também no de 1886, consagrava-se uma divisão
bipartida, por influência do código brasileiro. A distinção era apenas entre: crime e
contravenção.
Esta divisão e distinção entre as penas, a par de serem de índole quantitativa, permeavam
uma filosofia que se materializava em penas degradantes. Ora, por força da Constituição de
1974, as penas degradantes são estritamente proibidas – o agente, com o cumprimento da pena,
paga tudo aquilo a que estava obrigado, e daí não fazer sentido desencadear efeitos degradantes,
difamantes, que era uma das consequências ligadas à divisão bipartida dos velhos códigos
penais portugueses de 1852 e de 1886.
Avançada esta primeira definição formal, percebemos rapidamente que é insuficiente para
obtermos uma visão substancial do Direito Penal. Essa só será possível através da definição
material.
O crime traduz-se numa lesão de bens jurídicos essenciais à livre realização da pessoa
em comunidade. Ou seja, numa conduta humana violadora de uma norma de determinação que
seja essencial para proteger os bens jurídicos supramencionados.
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Diferença entre bem jurídico e valor:
O bem é o concreto objeto que participa desse valor – o valor é o justo; o bem é a
decisão justa. O valor é o bom ou o mal; o bem é a decisão boa ou a conduta boa, eticamente
louvável.
O bem jurídico, portanto, é todo o quid que pode ser objeto de relação ou sistema de
relações, de natureza individual ou supraindividual, que se mostra socialmente valioso e por
isso digno da tutela do direito em geral. O Direito Penal irá tutelar apenas, de entre todos esses
bens jurídicos, os essenciais à convivência comunitária.
Desta conclusão resulta um problema: como determinar que bens são essenciais à
sociedade, dado que vivemos numa comunidade extremamente plural e diversificada, com
inúmeras opiniões sobre o assunto. A resposta avançada é a seguinte: através do consenso
comunitário.
Todas as pessoas são diferentes; numa sociedade plural, existem múltiplas mundividências;
todavia, por trás destas diferenças, existe um conjunto de valores que toda a gente acredita,
algo que nos une a todos; apelando ao consenso comunitário, devemos determinar quais os
bens jurídicos essenciais que devem constituir o objeto da tutela do Direito Penal.
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Critério do consenso comunitário:
Este apelo para o consenso comunitário deve ser feito numa perspetiva minimalista
ou maximalista?
® Não deve ser esta seguida num quadro de um Estado de Direito onde a liberdade é a
regra e a restrição da liberdade, a exceção.
Perspetiva minimalista: não se trata de quais os valores para a maioria devem ser
protegidos, mas devemos perguntar ao consenso comunitário as condições mínimas e
indispensáveis à vida em sociedade.
As sanções do DP são as mais pesadas, afetam o núcleo íntimo das pessoas: há limitações
de Direitos Fundamentais constitucionalmente protegidos.
O Direito Penal está aqui para proteger as condições mínimas e essenciais à convivência
comunitária, não para defender uma religião, tradição etc. – só deve intervir quando necessário.
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Duas ideias decorrentes do princípio da proporcionalidade:
O legislador, sempre que estiver a regular matéria penal, tem de atender cumulativamente
a estes dois requisitos, caso contrário, incorrerá numa inconstitucionalidade material, por
violação do artigo 18º/2 e do princípio da proporcionalidade em sentido amplo.
Exemplo: Álcool – entre 0.5 e 1.2g; Caráter fragmentário – o DP não vai tutelar a segurança
rodoviária contra todos os atentados; só contra os mais graves, neste caso, em que a taxa de
álcool é superior a 1.2 gramas de álcool por litro de sangue.
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O Direito Penal tutela bens jurídicos, realidades concretas, de natureza material ou
imaterial, individual ou supraindividual, mas que correspondam a bens essenciais à
convivência comunitária no presente, isto é: o DP está preso ao seu contexto histórico.
● Descriminalização: havia condutas que antes eram vistas como crimes e hoje em dia
não.
● A evolução das mundividências, das condições sociais e económicas, fizeram com que
condutas que antes eram consideradas crimes hoje já não o sejam (ex.: adultério).
● Também há o fenómeno inverso; o da neocriminalização: por exemplo, crimes
ambientais.
Há normas que mudam com o tempo; o direito penal está dependente do contexto
histórico, social e económico.
Os bens jurídicos também são tutelados por outros ramos do direito - o direito civil também
tutela a vida. Um homicídio no DP é um atentado à vida. No plano do direito civil, um
homicídio dá aso a uma indemnização.
➔ Não há dupla punição, simplesmente são coisas diferentes que estão em causa: tem a
ver com a perspetiva de intervenção do Direito Penal. Tanto o Direito Civil como o
Penal, intervêm para proteger o património e a vida, mas protegem à luz de
terminologias diferentes.
Destas 2 ideias resulta o caráter subsidiário da tutela penal, que apenas deve intervir como
ultima ratio. Daqui resulta a fragmentariedade, pois o Direito Penal nunca pretende regular
toda a vida social, nem um setor social, nem cobrir a totalidade de um bem jurídico. Assim
sendo, o âmbito do Direito Penal é menor do que o do Direito Civil.
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O Direito (ordem jurídica na generalidade) analisa-se em 2 planos:
As sanções têm por objetivo repor a situação tal qual se verificava antes da lesão, repor a
tal ordem de justiça distributiva.
O que está em causa é a tutela da esfera jurídica dos cidadãos, pelo que o ilícito só se
verifica quando existe um dano. Por mais censurável ou reprovável que a conduta seja, se não
lesou a esfera jurídica e, portanto, não lesou a ordem jurídica distributiva, a conduta é
indiferente para o Direito Privado. Ex.: A dispara contra B (surdo), mas não acerta – causou
zero danos, é indiferente para o direito civil porque não houve dano efetivo.
Não é necessário verificar-se o dano, é pura desobediência à norma, basta a tentativa – por
isso existem crimes de perigos / tentativa. O desrespeito da norma já chega para ser considerado
crime. O núcleo não está no desvalor do resultado, mas sim no desvalor de ação.
O ilícito é a desobediência à norma, por isso é que não é preciso verificar-se o dano – a
pura desobediência à norma é o que conta. Para o Direito Civil a tentativa não conta, para o
DP, sim.
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Desta forma aproximamo-nos do conceito material de crime. Não se limita à lesão de um
bem jurídico (especialmente porque há bens que são tutelados por outros ramos do Direito).
Há um crime quando a lesão resulta de uma desobediência de uma norma de determinação.
O que o Direito Penal tutela é realmente a vigência da norma – protege os bens jurídicos
de forma mediata, de forma a proteger e garantir a segurança da norma e os bens jurídicos para
o futuro, uma vez que já foram violados.
Objeto de proteção da norma - o DP intervém depois do crime ter sido praticado. O objeto
de proteção da norma é o bem jurídico.
Objeto de proteção da sanção - é a própria norma. Faz com que no futuro haja menos
violações da norma, logo há menos violações de bens jurídicos.
O conceito material de crime é constituído por uma conduta humana, violadora de uma
norma de determinação, que tem por objeto a tutela de bem jurídico essencial (obedecendo aos
critérios de dignidade penal e necessidade), desde que a intervenção do Direito Penal seja
necessária.
FG: “... para definir materialmente o crime, a verdade é que um preceito legal pertencerá
apenas ao nosso ramo do direito se e quando, para sancionamento de um certo comportamento
ilícito ou antijurídico que prevê, for prescrita uma pena ou uma medida de segurança
criminais…”.
A pena viria a ser, por isso, proporcional à gravidade do crime. Uma exigência de
justiça.
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Não é uma proporcionalidade na espécie olho por olho, dente por dente, mas sim uma
proporcionalidade axiológica. A gravidade da pena corresponde à gravidade do crime.
Nesta teoria, o DP não pretende prevenir crimes futuros, mas sim reprovar os que já
foram cometidos; funciona com os olhos postos no passado.
3. Críticas aos efeitos práticos: a retribuição não atende aos imputáveis normais ou
por tendência/delinquentes especialmente perigosos. Eles chegam a ser menos livres que
o criminoso comum, pois têm menos escolha quando praticam o crime, fará parte da sua
própria natureza; são menos livres, são menos culposos, portanto, o crime é menos grave e
a pena tem de ser, também, menos grave. Porém, estamos a esquecer-nos que esses
criminosos “menos livres” são precisamente os mais perigosos: paradoxalmente esta teoria
acaba por aplicar aos criminosos mais graves as sanções mais levianas, deixando a
sociedade completamente indefesa contra estes fenómenos. Deste modo, tem de chamar em
seu auxílio a prevenção especial.
4. Revela insuficiências quanto aos inimputáveis, a doutrina não lhe dá resposta, tem de
chamar a doutrina da prevenção especial.
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A retribuição ou compensação da culpa não é nem pode constituir uma finalidade da pena.
A sanção não é um fim em si. A sanção pretende evitar uma repetição do dano e da
violação da norma. A pena é um meio de defesa social contra a criminalidade.
Imagine-se que crime x começa a ser muito recorrente; nesta teoria, perante esse
crescimento, deve-se aplicar uma sanção mais grave de forma a evitar que as pessoas o repitam,
tendo por base a intimidação geral. Trata-se, atualmente, de uma prevenção geral negativa ou
de intimidação.
Entende-se que a sanção pode ser muito mais grave do que a que resultaria da simples
proporcionalidade; porque o crime constituiu um exemplo que pode levar outros a praticá-los,
então, a função seria a de intimidar a generalidade das pessoas, aplicando uma pena severa em
ordem a que os potenciais criminosos ficassem dissuadidos de cometer o crime.
O crime continua a ser pressuposto da sanção, mas já não é medida, porque a pena não
pretende ser a justa paga, pretende antes defender a comunidade, pois a medida ser-nos-á dada
pela necessidade de prevenção geral.
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Críticas à teoria da prevenção geral:
2. A prevenção geral é contraditória porque pode levar ao efeito que pretende evitar: a
movimentos de solidarização com o concreto crime; solidarização pelo delinquente.
3. A teoria afirma que para prevenir o crime é preciso aplicar sanções pesadas. No entanto,
provou-se que a brutalidade/severidade das penas não equivale a prevenção. O que é de
facto importante são as instâncias de controlo. Se as instâncias formais de controlo
funcionarem devidamente, a pena pode limitar-se ao justo e proporcional à gravidade do
crime, sem ter de incorrer em penas brutais para dissuadir o potencial criminoso.
5. A prevenção geral deixa de fora os delinquentes que são mais perigosos, porque os
imputáveis com tendência/delinquentes especialmente perigosos não se deixam intimidar
como o homem comum, precisam de medidas mais enérgicas, daí que tenham chamar em
seu auxílio a prevenção especial.
A prevenção geral é sem dúvida importante – só o medo da sanção, por vezes, evita crimes.
É uma dimensão importante no âmbito da sanção penal; mas precisa de limites,
nomeadamente de justiça que têm de ser retirados das doutrinas ético-retributivas.
A pena é um simples meio de defesa social e não um fim em si mesmo. Defende que a
prevenção deve atuar sobre o concreto delinquente. Se houve quem cometeu um crime, também
há o risco deste ser repetido, por isso deve atuar-se de forma a evitar crimes futuros.
Como atuar?
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➔ Incapacitação: procura incapacitar o delinquente, privando-o daquele espaço de
liberdade em que revelou a perigosidade da prática de crimes. Ex.: Num caso de
pedofilia, a solução seria retirar o poder paternal, impedir de ser professor/a de menores,
etc.
Não confundir este conceito com regeneração moral – uma vez que o Direito Penal
apenas defende bens jurídicos essenciais, não atende a nenhuma moral social. Pretende-
se evitar a reincidência – prevenção de futuros crimes.
A prevenção especial teve uma expressão extrema no virar do século XIX para o século
XX, apoiando-se no positivismo naturalista, que também se expressou no Direito Penal.
Delinquente nato: o sujeito que nascia predestinado para o crime. O autor pretendia
identificar estes sujeitos antes que praticassem o crime, atuando, assim, o Direito Penal
de modo ex ante.
Assim, seria necessário descobrir, através de métodos científicos, quem seriam essas
pessoas dentro da sociedade.
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carácter médico e seriam indeterminadas – tal como o médico não estabelece uma terapia
definitiva, o mesmo sucederia nas sanções penais; seriam ajustáveis durante a sua execução.
Vamos ver que, tirando algumas exceções ao longo da história, não surgem teorias
puras unilaterais só de prevenção geral ou só de prevenção especial. Nenhuma das teorias
responde de forma completamente satisfatória. Dada a insuficiência de cada uma destas
orientações para por si só darem conta do problema de delinquência, sempre houve a
necessidade de as combinar.
Explanadas as teorias supra, importa deixar claro que a ordem de exposição não
corresponde a uma sequência histórica. Há períodos em que se verifica a prevalência da
prevenção especial ou geral e outros da retribuição.
2. Também a prevenção especial revela insuficiências para dar resposta a certos setores
da delinquência, nomeadamente da delinquência ocasional.
Isto levou a alguns autores que partiam dos pressupostos extremos da prevenção especial a
introduzir alguns limites.
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Devido a estas insuficiências, temos de combinar as três teorias de forma a dar uma resposta
satisfatória ao crime.
Quando nos referimos às teorias absoluta e relativa, não estamos a falar de teorias acabadas.
Os Estados e legisladores não conseguem evitar sempre a criminalidade, e por isso
escolhem um destes para ponto de partida. Daí vão associando com outras teorias e ideias,
de forma a criar uma resposta satisfatória ao problema da criminalidade.
Por si só consideradas, todas as teorias têm insuficiências. Cada uma das teorias,
isoladamente, não responde de forma completamente satisfatória ao problema da
criminalidade. E por isso funcionam em conjunto umas com as outras.
Sintetizando:
Houve uma primeira orientação que pretendeu combinar as teorias da prevenção geral
e especial – prevenção integral.
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Foram tentativas falhadas, pretendiam deixar de parte a retribuição, não considerando
a ideia da justiça e proporcionalidade, pretendendo apenas combinar a prevenção geral e
especial. Assim, têm apenas valor histórico.
Assim, aplicam-se as críticas da prevenção geral, uma vez que as penas não estão
sujeitas ao princípio da proporcionalidade e justiça, o que leva ao perigo do “Direto Penal do
Terror”. A pena excessiva pode gerar movimentos de solidariedade para com o criminoso,
como já vimos, não tem em consideração a importância das instâncias de controlo e não se
consideram os criminosos especialmente perigosos.
Prevenção integral de Lizt – parte da prevenção especial extrema. A pena deveria ser
totalmente indeterminada e não deve ser estabelecida pela gravidade ou necessidade, mas em
função do delinquente ser perigoso ou não. Tal leva à libertação de um agente que tenha
praticado um crime no passado, mas que no momento do julgamento já não seja considerado
perigoso. Por outro lado, se continuasse sucessivamente perigoso, a pena poderia ser perpétua.
Deste modo, estabelece penas indeterminadas, algo inadmissível. Não oferece, também,
resposta à criminalidade ocasional.
Para dar resposta às críticas, Lizt introduziu uma alteração na teoria – haveria sempre
um mínimo de pena aplicável. Satisfazia as exigências da prevenção geral, para evitar a prática
de delitos ocasionais. A pena passa a ser indeterminada só no seu máximo e já não no mínimo,
independentemente de o sujeito ser perigoso ou não, mas apenas porque cometeu um crime.
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● Partia da ideia de que o crime era o pressuposto e a medida da sanção, não há pena sem
culpa, mas também não há culpa sem pena;
● Pretende aplicar ao criminoso uma pena proporcional à gravidade do crime;
● Ele era sensível à crítica de que esta doutrina não dava resposta à delinquência
extremamente perigosa. O criminoso por tendência é menos livre, pelo que seria menos
culpado, os seus crimes teriam um peso menor de culpa. Deixava-se a sociedade
indefesa, aplicando penas menos severas aos criminosos mais perigosos.
Por saber da incompletude da sua doutrina, introduziu uma modificação nos seus
pressupostos: a pena justa é suficiente para produzir a intimidação geral. Introduz também uma
modificação que consiste no apelo à teoria da culpa na formação da personalidade.
Como seres humanos, somos responsáveis pelas nossas atitudes ao longo da vida; a
experiência tem impacto em quem somos. A partir desta ideia assenta a culpa da formação da
personalidade, na qual este autor vai prender a sua ramificação da teoria. O criminoso passa
pela culpa do facto e pela culpa da formação da personalidade; ele é culpado por essa tendência
ou hábito que o arrasta para o crime. Introduz aqui aquilo que se tinha perdido na culpa do
facto, podendo chegar a uma pena que considerasse a perigosidade na totalidade. Por força da
existência da tendência do agente, a culpa do facto é diminuída, mas segundo esta ideia, o que
era perdido na culpa do facto, compensava-se na culpa da formação da personalidade,
considerando-se que o agente tinha culpa da sua tendência para o crime e, por isso, juntando
ambas as culpas era possível aplicar uma pena adequada ao agente.
➔ Esta ideia já vem de Aristóteles e é algo que experienciamos todos os dias. É uma ideia
respeitável, mas inquinada pela sua utilização para resolver um problema de fundo.
➔ É natural, quando uma pessoa sofre um ataque, querer atacar de volta. Porém, não pode
ser o sustentáculo do funcionamento da justiça penal.
Como determinar se é ou não responsável pelo hábito que o arrasta para o crime?
● Isto é um exercício de engenharia jurídica a que Eduardo Correia recorreu para salvar
o seu ponto de vista.
o A prática do crime não pode ser a única razão para a aplicação de uma sanção.
o Eduardo Correia pretendia encontrar um artifício de engenharia jurídica que lhe
permitisse, sem sair da pureza ético-retributiva, resolver os seus problemas. Mas,
em concreto, não é possível.
o Em suma, não pode ser aceite qualquer ideia ético-retributiva stricto sensu no
Direito Penal.
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Esta é uma perspetiva mais moderna, com maior adesão em Portugal (na atualidade) e a
adotada no curso de Direito.
● Esta doutrina parte ou adota um ponto de partida que parece não visar os fins das penas,
mas que os satisfaz;
● O ponto de partida é o seguinte: a finalidade primeira da sanção é a reafirmação
contrafática da norma; o reforço da vigência prática da norma violada e na restauração
da paz social – o crime constitui a violação de uma norma, essa norma, aos olhos da
comunidade, perde força, podendo, pelo fenómeno da imitação, gerar uma maior
criminalidade.
O crime é a violação de uma norma, retirando força vinculativa à mesma, pelo que pode
haver multiplicação da delinquência. O juiz ao aplicar a pena diria que a norma mantém o seu
valor e força – vertente simbólica de aplicação da pena.
Defende uma pena de acordo com os critérios de justiça – limites de justiça. Penas que
não sejam justas geram maior desconfiança da comunidade no Direito – a pena tem de ser
proporcional à gravidade do crime.
Limites da justiça:
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Artigo 74.º e 40.º do CP (Código Penal) – concretização da conceção unilateral da culpa,
ou seja, a culpa é só um limite, não fundamento da punição. A haver pena, não pode ultrapassar
o limite da gravidade da conduta culposa.
Se a pena tem de ser conforme à justiça, então tem de atender às circunstâncias do caso
concreto e ao agente específico. Esta doutrina permite dar resposta às exigências da prevenção
especial, ajustando as sanções ao limite dessa perigosidade.
Desta forma afasta-se o perigo do Direito Penal de terror (prevenção geral no seu extremo)
e o perigo do Direito Penal terapêutico (prevenção especial no seu extremo).
Para se poder atender a critérios de justiça, tem que se atender a cada caso individualmente,
então é possível, como desejava a teoria de prevenção especial, verificar a perigosidade de cada
agente. Mais ainda, a análise caso a caso permite distinguir o imputável do inimputável,
podendo aplicar-se a diferenciação de tratamento – i.e medidas de segurança. Acomoda
exigências de prevenção especial e geral.
O legislador, contudo, vai estabelecer limites – artigo 40º CP (doutrina da prevenção geral
positiva ou de integração).
2: a culpa é limite e não fundamento; a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, mas
pode ficar aquém; conceção unilateral ou unívoca do princípio da culpa (observa-se repúdio do
legislador por uma conceção puramente retributiva);
As medidas de segurança também têm limites, uma vez que não atendem à culpa, e
assentam na ideia de proteção dos direitos dos arguidos perante o próprio Estado. Aplicam-se
maioritariamente a inimputáveis (a quem não pode ser atribuído culpa), mas não só.
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Aplicam-se os seguintes princípios às medidas de segurança:
Artigo 40º: tanto umas como outras estão ao serviço da prevenção geral ou especial; a culpa
como limite e não fundamento.
Esta querela visa responder à seguinte questão: poderemos aplicar, pela prática de um só
crime e de forma cumulativa, penas e medidas de segurança?
Os monistas dirão que não – medidas de segurança para inimputáveis e penas para os
imputáveis.
Os dualistas dirão que em relação a um mesmo agente e pela prática de um mesmo facto
pode verificar-se a prática cumulativa de uma pena e uma medida de segurança, sempre que se
verificar uma perigosidade que o justifique.
Defende-se que o nosso sistema é monista. Razões históricas para tal:
è Razões gerais – no passado, a medida de segurança era aplicada com finalidades
terapêuticas, sem garantias, havendo o esforço da doutrina para restringir as medidas
de segurança aos inimputáveis.
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è Razão ligada ao circunstancialismo histórico – antes do 25 de abril tínhamos um regime
autoritário; relativamente ao DP, este regime respeitava os princípios democráticos,
excluindo a questão dos crimes políticos, utilizando medidas de segurança como
“arma” do Regime. Pretendia-se, então, restringir ainda mais a aplicação das mesmas.
Estas razões não procedem nem relevam nos dias de hoje. Assim, aparenta não haver
motivos para manter o monismo. Contraditoriamente, muitos autores continuam a afirmá-lo.
O ramo jurídico que regula toda a atividade de prova e julgamento do facto é o direito
processual penal ou direito penal adjetivo – que será objeto de disciplinas futuras. No direito
processual penal regulam-se os caminhos para aplicar a pena, mas com valores próprios.
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Vamos estudar o direito penal substantivo, apenas o que regula e define os crimes e estabelece
as penas.
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particular. Quando não há ação propriamente dita, a intenção é indiferente para o direito
civil, mas a intenção muito importa para o DP.
Tal como o DP, também as normas do direito disciplinar têm natureza de determinação.
Pretendem comandar a atuação dos funcionários públicos em ordem à correta
prossecução dos interesses públicos. A diferença entre o penal e o disciplinar está na
natureza dos bens jurídicos em causa. Neste caso, são bens jurídicos internos –
disciplina, competência, hierarquia; são bens jurídicos muito relevantes, com natureza
pública, mas que têm um relevo inferior aos bens jurídicos criminais. Esta diferença
repercute-se na modelação das condutas.
A natureza sancionatória do direito disciplinar é revelada pelo facto do direito penal
ser direito subsidiário do direito disciplinar – tudo o que não for regulado pelo direito
disciplinar, aplicar-se-á a lei penal e a lei processual penal.
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Este ramo tutela a vida em sociedade, os cidadãos; então, a diferença entre o DP
e o Direito de mera ordenação social está na gravidade das infrações do bem jurídico –
critério qualitativo (é ou não necessária a atuação do DP? Porque ainda que o bem tenha
dignidade penal, o DP só pode atuar, baseando-se no critério da proporcionalidade, ou
seja, se for necessário).
Olhar para o Direito Penal como fonte de rendimento do Estado é perverter o próprio DP, no
pior dos sentidos.
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Título II – A Lei Penal e a sua aplicação
1.1 O Princípio da Legalidade em Direito Penal.
Princípio da legalidade
Este enunciado não deriva do direito romano, pois este não reconhecia o princípio da
legalidade como o conhecemos hoje. Deriva, sim, do Direito Penal moderno.
Para haver crime, tem de existir uma lei anterior que estabeleça o ato como tal,
juntamente com a respetiva sanção.
Decidir o que é crime ou não é da soberania do povo e, por isso, deve ser o órgão com
representação do povo a tomar essas decisões – poder legislativo; em Portugal, a AR (art.165º/b
da CRP).
è É ao poder legislativo que compete a qualificação dos atos como crimes e as respetivas
sanções.
Este princípio da legalidade é um limite ao ius puniendi estatal, impedindo que o Leviatã
do Estado persiga os privados – segurança dos particulares.
Os crimes, as penas e as medidas de segurança têm de estar previstas em lei anterior. Esta
ideia traduz-se no seguinte: lei prévia (que preveja), escrita (retira-se os usos e costumes da
definição de crime e pena), restrita (formal, o Governo só pode legislar sob autorização) e
certa (determinada).
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Artigo 1º: - Princípio da legalidade
Nº1: princípio da legalidade dos crimes e princípio da legalidade das penas; é necessária
lei anterior;
Nº2: de acordo com o regime do velho código, a lei nova poder-se-ia aplicar; de acordo
com o regime atual, a lei nova não se pode aplicar, no sentido de proteger os privados da burla
de etiquetas e da própria certeza e segurança.
Nº3: Não se pode recorrer à analogia para colmatar as lacunas penais; não se pode usar a
analogia para aumentar a pena, dizer que um ato é crime, etc. – aplicação de penas, de medidas
de segurança, de agravantes (ou seja, matéria desfavorável ao arguido). Não se aplica a
analogia legis (o regime está previsto na lei, que se aplicaria a uma situação análoga) nem a
analogia iuris (cria-se uma “norma” nova, de acordo com o espírito do sistema).
Em matéria favorável ao arguido, a analogia é aplicável.
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As normas de interpretação e integração de lacunas, presente no CC, que valem para todo
o Direito, também se aplicam inteiramente ao Direito Penal (exceto a analogia iuris e a
analogia legis, que não se aplica em matéria desfavorável ao arguido)
Existe um princípio geral da irretroatividade da lei penal – qualquer conduta só pode ser
crime em virtude de lei anterior.
2 - O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma
lei nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda
que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.
3 - Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser punível o
facto praticado durante esse período.
4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem
diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que
concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que
transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena
que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.
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Artigo 3.º - Momento da prática do facto
Lei concretamente mais favorável – se há uma lei nova, e em princípio melhor, não faz
sentido continuar a aplicar a lei do momento na prática, então aplica-se a lei concretamente
mais favorável.
Ex.:
è Porém, suponhamos que apesar de estabelecer em abstrato uma pena mais pesada,
contempla uma cláusula de exclusão de pena que não existia na 1ª.
Neste caso, a lei concretamente mais favorável seria a segunda, caso se verificasse os
pressupostos para efetivar a cláusula de exclusão.
Lei posterior pode ser mais favorável de uma destas 2 maneiras: ou uma conduta que era
crime deixa de ser crime; ou consagra uma sanção mais favorável/menos grave para o agente.
A nossa lei estabelece regimes diversos: nem todas as hipóteses de descriminalização vão
estar previstas.
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uma condenação transitada em julgado, a pena cessa imediatamente, assim como os
efeitos da sua culpa – esta é a descriminalização pura e simples.
• Despenalização, onde a ordem jurídica continua a considerar o ato crime, mas define
uma pena menos severa, aplica-se o nº4.
Artigo 2.º número 4/parte 2 do CP (após o ponto e vírgula): a redação originária tinha
razões de ordem prática, mantendo a pena da lei anterior, isto porque os tribunais não tinham
capacidade para re-julgar todos os casos transitados em julgado que, entretanto, pudessem ser
alterados por uma lei nova. Atualmente, há respeito pelo trânsito em julgado, sendo que o
agente continua a cumprir a pena aplicada pela lei velha, terminando a mesma no limite da
pena determinada pela lei nova. Por exemplo: Sr. A foi condenado a 5 anos por um respetivo
crime com pena entre os 4 e 6 anos. Entretanto, saiu nova lei que baliza a pena do mesmo crime
entre os 2 e os 4 anos. Quando o Sr. A tiver cumprido 4 anos de prisão, será libertado
automaticamente.
Leis intermédias
Imagine-se o seguinte:
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L2 e L3 são leis intermédias, que não estão em vigor nos momentos mais cruciais do
processo.
Para a determinação da lei aplicável, relevam as leis intermédias? A doutrina diz que
sim. O juiz deve “julgar” à luz das 4 leis e aplicar a lei mais favorável, isto porque o arguido
não tem culpa da demora do processo.
São leis que à partida fixam um determinado tempo de vigência; respeitam a situações de
crise/exceção (guerra, fome, etc.).
A lei de emergência suscita alguns problemas. Esta lei é de prazo fixo e o processo criminal
é prolongado; isto significa que os crimes ocorridos em tempo de vigência da lei de emergência
seriam julgados no fim dessa vigência, ou seja, em regime normal, que é mais favorável. Os
crimes ocorridos na crise em questão, aplicando-se a retroatividade das leis mais favoráveis,
nunca seriam julgados pela lei de emergência (porque a lei normal é sempre mais favorável).
Por exemplo: considere-se que num período de crise temos, inicialmente a L1 e, mais tarde,
L1 é revogada por L2, no mesmo período de emergência.
Pessoa A cometeu um crime ao abrigo da L1 e quando estava a ser julgado, estava em vigor
a L2, mais favorável ao arguido. Qual se aplica? Depende, teremos de verificar os pressupostos
que levaram à L2:
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• Se L2 surgiu após a mudança de conceção do legislador (ex.: recebeu críticas pela
sanção que determinou), que considerou que os interesses em questão podiam ser
salvaguardados por uma menor sanção, aplica-se L2.
Entre duas leis de emergência só se aplica a lei mais favorável, somente quando essa lei
nova decorre de uma mudança de conceção do legislador.
Sintetizando:
Um crime praticado à luz de uma lei de emergência, será sempre julgado pela mesma.
Contexto: Até 1990, o cheque sem provisão era considerado um crime que lesava a
“confiança pública no cheque”, sendo esse o bem jurídico que a sua criminalização visava
defender. No entanto, em 1990, o legislador muda a sua conceção e vem considerar o cheque
sem previsão uma burla especial. Esta alteração muda o bem jurídico que se visa proteger, mas
não altera o facto do mesmo crime continuar a ser punido, ou seja, não existe qualquer tipo de
vazio de punição, como alguns alegaram na altura.
Outros exemplos surgiram, como com o crime de violação (e outros de índole sexual),
onde antes se considerava um atentado aos bons costumes e depois, que se mantém atualmente,
passou a ser um atentado à liberdade de autodeterminação.
Concluindo: o facto de existir uma alteração do bem jurídico que se visa proteger não
significa que haja uma alteração do ilícito; nestas situações não há descriminalização e
neocriminalização – existe, sim, continuidade do ilícito.
Já vimos que o momento relevante para determinar a lei a aplicar é o momento do ato
(art. 3.º do CP). A questão que se coloca é como determinar a lei a aplicar quando estamos
perante crimes permanentes, ou seja, aqueles cuja execução se prolonga no tempo.
Se a regra é a aplicação não retroativa da lei penal, importa saber qual é o momento da
prática do facto.
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Vejamos um exemplo: num sequestro de uma semana, temos uma constante repetição
do crime, ou seja, a execução do ato ocorre todos os dias. Ao 3º dia do sequestro surge uma lei
nova; se a lei nova for mais favorável, aplicamos essa (não há dúvidas, seguimos o princípio
de aplicação da lei mais favorável ao arguido). O problema releva quando a lei nova é mais
severa para o arguido.
• Uns defendem que devemos aplicar a lei em vigor no início do ato (pouco acolhimento);
• Outros – doutrina maioritária – defendem que devemos julgar o crime (por exemplo,
um sequestro) como se na verdade fossem dois, ou seja, até à entrada em vigor da lei
nova, estaríamos perante um crime, depois da entrada da lei nova, estaríamos perante
outro. Julgaríamos o arguido acumulando os dois crimes.
• Finalmente, existe a doutrina avançada pelo Sr. Professor Almeida Costa, que defende
a aplicação da lei nova independentemente de ser desfavorável ao arguido. A ideia por
trás deste critério prende-se com a assunção que o criminoso aceitou tacitamente a lei
nova quando continuou a praticar o crime. Esta solução revela-se mais vantajosa, em
comparação com a da doutrina maioritária, para o arguido, uma vez que a aplicação
cumulativa de dois crimes será sempre mais severa que a de apenas um.
Importa ressalvar que o legislador equipara os crimes permanentes aos crimes continuados.
Isto prende-se com a habilidade do legislador fundir a pluralidade de crimes num só, o que se
prova favorável para o arguido. Assim, a doutrina (incluindo o Sr. Professor Almeida Costa)
aplica aos crimes permanentes as mesmas soluções que utiliza para os crimes continuados.
Esta problemática é abordada pelo Direito Penal Internacional (remissão para os artigos
4.º e 7.º do CP), e poderá dizer-se que esta tem um objeto muito mais específico do que o
1
Esta matéria não foi lecionada no âmbito das aulas teóricas, remeter-se-á, então, para o manual do Doutor
Figueiredo Dias e à Sebenta Prática de Direito Penal de Vítor Costa.
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Direito Internacional Penal, dado que abarca apenas as regras de aplicação espacial da lei penal
interna, enquanto este último abrange virtual e indistintamente todas as normas de Direito
Internacional que versam sobre matéria penal.
Sem dever esquecer-se que o Direito Internacional Penal leva por vezes à consagração
de certas soluções no âmbito do Direito Penal Internacional, no que toca ao se e ao como da
competência estadual para conhecimento de certos crimes, nomeadamente através da
vinculação dos Estados em convenções internacionais sobre o assunto.
O DP português assume como princípio basilar de aplicação da sua lei penal no espaço
o princípio da territorialidade e não o da nacionalidade.
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Estados aceita este princípio, está então descoberto o melhor caminho para que não se gerem
conflitos internacionais – positivos ou negativos – de competência interestadual. Se a
generalidade dos Estados aceitar o princípio-base da territorialidade, um Estado que aceite o
princípio pessoal ver-se-á a cada passo confrontado com aqueles conflitos e com a acusação da
respetiva ingerência.
Torna-se assim indispensável determinar, por um lado, o que é “território português” e, por
outro, qual o locus delicti - dizer qual o lugar onde um facto é praticado. A primeira questão é
do âmbito do direito constitucional – artigo 5º CRP, por isso apenas nos debruçaremos sobre a
segunda.
Para determinação do locus ou sedes delicti rege o artigo 7.º, onde o legislador,
diferentemente do que sucede com a determinação do tempus delicti (legislador optou pelo
critério da conduta em desfavor do do resultado), cumulou os dois critérios no sentido daquilo
que doutrinalmente corre como solução mista ou plurilateral. Assim, considera-se
competente para regular um crime face a uma conduta praticada ou a resultado verificado em
território português. O mesmo é dizer que considera que o crime foi praticado em Portugal
quer se tenha verificado aqui a conduta (ato central ou não) ou o resultado. Ao falarmos
de conduta, não nos referimos apenas ao ato central do delito, mas também a qualquer ato de
comparticipação.
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A complementaridade do princípio da nacionalidade relativamente ao da
territorialidade logo significa que não se pretende, por meio dele, obviar a todo e qualquer
crime que possa ser cometido por um português fora do seu país. Apenas se reconhece existirem
casos perante os quais, se tudo repousasse no princípio português da territorialidade, poderiam
abrir-se novas lacunas de punibilidade indesejáveis para uma política criminal internacional
concertada e eficiente. E isto porque existe uma máxima aceite pelo direito internacional: da
não extradição de cidadãos nacionais.
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detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o
Estado Português;
De acordo com este artigo, a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do
território nacional por portugueses (princípio da personalidade ativa) ou por estrangeiros contra
portugueses (princípio da personalidade passiva), sob uma tríplice condição:
Este princípio visa permitir a aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no
estrangeiro que atentem contra bens jurídicos carecidos de proteção internacional ou que, de
todo o modo, o Estado português se obrigou internacionalmente a proteger.
2
Ter em atenção as exceções do artigo 33/3.º da CRP.
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razão da supletividade na administração da justiça - é de atuação do juiz nacional em vez ou
em lugar do juiz estrangeiros, não deixando de aplicar a ordem jurídico-penal nacional.
O objetivo é fazer com que Portugal não incorra no risco de se tornar num “valhacouto
de criminosos estrangeiros”. Isto porque este princípio, consagrado no artigo 5.º/1/e), apenas
foi introduzido na revisão de 1998. Até então, podia suceder que um cidadão estrangeiro, tendo
praticado um crime, normalmente grave, no estrangeiro, viesse buscar refúgio a Portugal, onde,
por um lado, não podia ser julgado, dada a ausência de uma conexão relevante com a lei
portuguesa, e de onde, por outro lado, não podia ser extraditado, dadas as proibições de
extraditar em função da gravidade da consequência jurídica impostas pelo sistema nacional.
No artigo acima mencionado, encontram-se as três condições dentro das quais, segundo
este princípio, a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos por estrangeiros no
estrangeiro.
• Segue-se o princípio da defesa dos interesses nacionais, que limite uma competência
sem reservas.
• Depois, o princípio da nacionalidade, nas suas duas modalidades, com os seus três
requisitos e com exigência de impossibilidade de extradição.
• O princípio da universalidade,
Elencados os casos onde existe competência da lei portuguesa para regular determinado
crime, importa, também, ressalvar as situações onde apesar da lei portuguesa ser competente,
não será aplicada. Estas situações encontram-se expostas no artigo 6.º do CP.
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Parte II – A Teoria Geral do Crime
Título I – O significado metodológico da doutrina geral do crime. As grandes
construções dogmáticas da atualidade
Podemos falar das TGDCrimes em vários momentos históricos, mas atenderemos à dogmática
moderna, do século XX à atualidade.
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Daqui, destacar-se-ão as três grandes construções da TGCrime:
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→ Ação causal: uma ação, que era definida em termos causais; este conceito era
estritamente objetivo e descritivo (axiologicamente neutro). O que releva é a descrição
fáctico-exterior da conduta. Esta ação casual não pretendia explicar o crime omissivo
(quando alguém está vinculado ao dever jurídico de proteger x e não o faz; omissão de
auxílio, por exemplo). Se todo o crime partia de uma ação casual, uma omissão fica de
fora das previsões normativas, umas vez que este não interveio/não modificou o mundo
exterior.
Em suma:
O crime era toda a modificação do mundo exterior, causalmente ligada a uma vontade
e cega de valores.
estritamente objetiva;
vontade como motor do processo causal;
descritivo/axiologicamente neutra;
não se atende a aspetos valorativos.
Os seus contratipos:
- Descritivos
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- Estritamente objetivos (não se atende à vontade do agente)
Exemplo:
Arrufo entre senhor A e senhor B, vizinhos. Por vingança, o senhor A parte a janela do
senhor B. Porém, existia uma fuga de gás na casa de B e aquele acabou por salvar este
da morte.
A intenção desta conduta era causar o dano, não era salvar a vida de B, por isso o ato
não é justificável. A conduta humana não é objetiva, a subjetividade e intenção relevam
no DP e, ainda que pudessem existir atenuantes, a conduta não seria ignorada ou
valorada positivamente só por ter, no fim, um resultado positivo.
→ Culpa: conceito psicológico de culpa. Nexo psicológico que liga o agente ao seu facto.
Só aqui, na última etapa da Teoria, é que entra a subjetividade do agente, sendo esta
“suscetível de legitimar a imputação do facto ao agente a título de dolo (conhecimento
e vontade de realização do facto) ou de negligência (deficiente tensão de vontade
impeditiva de prever corretamente a realização do facto).”
- Dolo
- Negligência
Distinção
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Este sistema centra-se numa perspetiva causalista e objetiva, não exprimindo o sentido
valorativo das condutas jurídico-criminais.
Assim, o sistema clássico, pela sua construção, deixa de fora dos conceitos-chave diversas
previsões e subtipos:
O conceito de ação causal, deixa de fora o crime de omissão.
O conceito de culpa deixa de fora a distinção entre imputável e inimputável e a
negligência inconsciente.
A subjetividade da conduta humana passa ao lado deste sistema, por este assentar na
causalidade e em aspetos estritamente objetivos.
Sistema
Clássico
Culpa
Ilícita ou
Ação Causal Tipicidade antijurídica Conceito
Psicológico de culpa
Descritiva/
Objetiva Axiologicamente Objetiva Descritiva Objetiva "Subjetiva"
neutral
É de grande influência alemã, sendo que nos anos 30 e 40 ela vem influenciar a doutrina
portuguesa, pelas mãos de Eduardo Correia, Cavaleiro Ferreira e Beleza dos Santos. Teve uma
importância enorme porque marcou a separação dos postulados do positivismo naturalista (base
do sistema clássico).
Este sistema partia da radical oposição dos universos da natureza e do universo social
e humano; a realidade da vida prática. Universo de realidade de valorações, de normas –
universo da conduta humana.
Enquanto os fenómenos naturais se explicavam pela regra da causalidade; a conduta
humana tinha subjacente o fenómeno da valoração – a valoração é o nosso critério de ação.
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→ Ilicitude: a letra da lei não vale por si vale apenas como meio de mostrar a ilicitude
(interpretação teleológica); a ilicitude só vale quando prevista na lei.
Esta é entendida em termos objetivos, focando-se no desvalor de resultado. O juízo
material de ilicitude, que determina quais os bens e valores importantes e daí as
condutas relevantes para o DP, deve ser feita da forma mais precisa possível. Essa
precisão é conseguida através do tipo.
→ Tipo/tipicidade: deixa de ser uma categoria autónoma e une-se à ilicitude, gerando o
ilícito-típico ou o tipo de ilícito.
O ilícito típico esgota-se no desvalor de resultado, sendo estritamente objetivo (não
atende a padrões subjetivos).
Como se explica a tentativa (em que não há resultado); como se distinguem os crimes
de dano e os crimes de perigo?
Teoria dos elementos subjetivos do tipo:
O ilícito é estritamente objetivo, não se atende à subjetividade do agente (continua com
os mesmos problemas da teoria clássica). Excecionalmente e por força do princípio da
legalidade, podíamos atender a alguns elementos subjetivos. Por exemplo, no furto,
exige-se a intenção de apropriação, na burla, a intenção de enriquecimento. Esta Teoria
dos elementos subjetivos do tipo é uma tentativa de adaptar e adequar a teoria
neoclássica à lei.
Sumário do sistema:
Prometeu uma total rutura com os quadros anteriores e um método referencial a valores.
Porém, ficou aquém das suas promessas, não se desprendendo completamente da
causalidade e do desvalor do ato, continuando a não dar resposta à tentativa e aos crimes
de perigo.
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Onde este sistema deu um contributo quase definitivo foi no conceito normativo de
culpa (autores principais: Frank e Freudenthal); a culpa não é um facto psicológico
(como foi outrora), não se esgotando num facto empírico.
Sistema
Neoclássico
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Se Welzel se tivesse mantido fiel às posições que tomou até cerca de 1935, a sua dogmática
não incorreria em tantos problemas, mas por esta altura alterou a sua doutrina, por razões
estranhas ao DP (relacionadas com a experiência totalitária do regime nazi, que partia de
premissas algo semelhantes na sua aplicação do DP).
Assim, temos duas vertentes da dogmática de Welzel.
Por esta apropriação das ideias de Welzel, este viu-se obrigado a fechar a sua teoria, de
forma a não se associar ao nazismo. Assim, a partir de 1935, muda de perspetiva – passando a
ser um “segundo Welzel”, numa segunda parte da sua carreira. Sentiu-se obrigado a abandonar
aquele ponto de partida inicial e fechou o sistema.
Foi isso que levou a uma 2ª fase do seu pensamento, afirmando a partir de 1935, com ponto
alto em 1939 – “Estudos sobre o Sistema do Direito Penal”, mantendo a ideia de que a ação é
uma unidade subjetivo-objetiva e de que para se entender o ato, tem que se atender à
intencionalidade.
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O tipo já abrangia elementos objetivos e subjetivos; a contradição aqui é que não consegue
encaixar o crime negligente.
Este pensamento levava ao crime puramente descritivo; Welzel dizia que era a pura
matéria de proibição. Se o legislador usasse uma cláusula geral – ex.: boa fé; ele dizia que era
um tipo incompleto – tipos carentes de complementação, já que para ele o tipo era uma
descrição.
A valoração vinha mostrar que a ilicitude era matéria de proibição. Esta ilicitude já não era
objetiva; a ilicitude era um ilícito pessoal que pretendia retratar o sentido do ato como unidade
subjetivo-objetiva. Este formalismo metodológico aproxima-se do formalismo do sistema
clássico.
3. Ilicitude: se o tipo é a descrição formal das ações humanas relevantes para o DP, então
a ilicitude é o conteúdo do tipo, a proibição em si.
o Esta ilicitude não era objetiva, pois tratava-se de um ilícito pessoal que pretendia
retratar o sentido do ato como unidade objetivo-subjetiva. Atende-se
primeiramente à intencionalidade por detrás da conduta do agente.
4. Culpa: conceito normativo de culpa.
o O dolo e a negligência, no plano da culpa, surgiam como graus de culpa, agora
considerados no plano pessoal.
No plano da ilicitude e da culpa atende-se ao mesmo substrato valorativo e por isso se
faz a mesma distinção (negligência e dolo).
No plano do ilícito, valora-se a ação sem subjetivação do agente. Ou seja, com
referência ao “homem comum”.
No plano da culpa, a valoração é feita em função das características daquele
concreto agente (subjetividade).
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que pudesse chegar a um conceito fechado, respondendo à crítica de que a sua teoria cedia a
arbitrariedades.
Apesar das suas contradições, foi um sistema extremamente importante.
Sistema finalista
Estes três sistemas marcaram os três primeiros quarteis do seculo XX, com uma luta
acesa. Quando esta luta de escolas acalmou, veio implantar-se um sistema que passou a
constituir a generalidade da doutrina; sistema esse que aproveitou aspetos de cada um destes
três sistemas.
Herdou, do sistema clássico, as categorias (ação, tipo, ilicitude, culpa); do sistema
neoclássico, a perspetiva material, normativa, em que as categorias exprimam essencialmente
conteúdos de valor e, sobretudo, a conceção normativa de culpa (ultrapassou-se
definitivamente o conceito psicológico de culpa do sistema clássico); finalmente, do
finalismo, herdou a conceção do ilícito pessoal – para se determinar o significado objetivo e o
sentido do ato, não podemos ficar pelos aspetos externo-objetivos da conduta: a conduta
humana não é objetiva, mas antes uma unidade subjetiva-objetiva.
Essencial:
Ação – ação referencial a valores/ação humana (unidade objetivo-subjetiva)
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Ilícito – ilícito pessoal (atende-se à intencionalidade por detrás da conduta, não apenas à sua
configuração no plano externo-objetivo); distingue-se entre ilícito doloso e ilícito negligente.
Reconduz o ilícito penal ao desvalor da ação que permite fazer tal distinção.
Culpa – manteve-se o conceito normativo de culpa (referencial a valores)
Este sistema vai contruir-se sobre esta base supramencionada que resultou da luta de
escolas, já com a divisão dogmática dos crimes de ação dolosos e negligentes.
Tem influência de Klaus Roxin e atende às considerações de pena.
Roxin: mantém o sistema intocado - ação, tipo, ilícito – mas substitui a categoria da
culpa pela categoria da responsabilidade. Analisar-se-ia em dois momentos, por um lado, para
haver responsabilidade, tinha de haver culpa (1) – censurabilidade individual do agente. Mas
a culpa não bastava. Para haver responsabilidade penalmente relevante, era preciso que
houvesse necessidade de pena (2). Com esta categoria remonta-se ao conceito unilateral
unívoco de culpa (não há crime sem culpa, mas pode haver culpa sem crime).
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– Doutrina Maioritária
Jorge Figueiredo Dias e maioria dos autores: mantém tudo igual até à culpa e depois
introduzem mais uma categoria, a da punibilidade, onde interviriam as considerações da
necessidade de pena. É preciso que a ação seja punível no sentido de ser necessária a pena.
Portanto, difere da teoria de Roxin apenas na separação dos conceitos que ele já tinha criado
dentro da responsabilidade (distinção meramente formal). Em vez do raciocínio da culpa e da
necessidade de pena serem feitos ao mesmo tempo, encontram-se divididos em dois momentos
estanques.
1. Ação
2. Ilícito
3. Tipo
4. Culpa
5. Punibilidade: a pena é necessária.
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Teleológico/racional
Roxin Bernd
(não é a via mais Figueiredo Schunemann
seguida pelos que Dias + maioria (pela qual o
adotam este da doutrina professor se guia)
sistema)
Substitui a categoria da
A dignidade penal e a
culpa pela categoria da Introduzem necessidade de pena devem
responsabilidade. mais uma projetar-se ao longo de todo
Analisa-se em 2 categoria: o sistema, em cada categoria.
momentos: PUNIBILIDADE.
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Recapitulando: todas estas teorias gerais do delito foram relevantes para a chegada final à
communis opinio. O sistema adotado pelo nosso curso é o teleológico-racional, que se irá
desmembrar em três dogmáticas distintas: a dos crimes dolosos de ação; a dos crimes de ação
negligentes e a dos crimes de omissão.
Método categorial classificatória a que obedece a teoria geral do crime, vamos começar
pelo requisito menos exigente e avançar para categorias mais exigentes.
Classificação: Conceito de ação deve ser suficiente para abarcar todas as formas de
ação jurídico-penalmente relevantes.
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Definição: Apesar de ser um conceito suficientemente amplo, a ação deve ser
determinável.
Ligação: Deve ser suscetível de suportar todas as posteriores predicações.
Delimitação: Afastar, logo numa primeira abordagem, todas aquelas situações que
não sendo ações humanas, não se provam como jurídico-penalmente relevantes; não
podem ser violações de normas de determinação e portanto jamais poderão ser crimes.
Este conceito de ação e as suas funções valem para todas as outras categorias (como o
conceito de tipicidade), ou seja, este conceito nada nos diz concretamente sobre a ação,
mas sim sobre todo o método da teoria geral do crime doloso.
Conceito de ação cumpre duas funções, de forma correta (do ponto de vista do
Professor):
- Função positiva: este conceito de ação coloca a tónica na ideia de que o núcleo do crime
está no desvalor da ação; é um comportamento humano, logo, vincula a construção do sistema
à perspetiva valorativa do DP. As normas penais têm como exclusivos destinatários pessoas
humanas.
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o No século XIX, afirmava-se que as pessoas coletivas não podiam ter responsabilidade
penal. Esta máxima foi abandonada no século XX, passando a admitir-se a
responsabilidade penal das pessoas coletivas, através da analogia com o comportamento
humano.
o Visou ultrapassar graves dificuldades de prova. Sabe-se que nas pessoas coletivas a
decisão não é fruto de uma pessoa só. Quando são todos responsáveis, regra geral não
é nenhum – é difícil provar a responsabilidade.
Levanta sérios problemas porque a sanção aplicada à pessoa coletiva, regra geral é a multa –
multas elevadas, responsabilizando os sócios que muitas vezes não têm peso na vida da
empresa. No fundo, são estas pessoas que vão sofrer as consequências, ainda que não sejam
diretamente responsáveis pelas decisões da empresa.
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Numa 1.ª abordagem temos de avaliar a conduta humana como ato geral. Aqui podemos
distinguir entre ação dolosa e ação negligente.
O ilícito doloso é uma unidade subjetiva-objetiva. A definição das ações dolosas
penalmente relevantes tem de ser feita com a maior precisão possível, no momento da
tipicidade.
O tipo é a forma através da qual se exprime a ilicitude. É preciso precisar o conceito
do tipo. O momento da tipicidade coincide com o próprio princípio da legalidade. Todos os
pressupostos da punição têm de estar previstos na lei. O tipo no plano do sistema tem um
sentido mais restrito – abrange apenas aqueles elementos da descrição da lei que contendem
com o valor subjetivo do sentido do ato.
O legislador, ao descrever um crime, fá-lo na generalidade.
Para que exista um ilícito é necessário que a conduta por um lado preencha os elementos do
tipo incriminador e por outro que não preencha nenhum requisito do tipo justificador.
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Ambos concorrem para concretizar o juízo de ilicitude em cada caso concreto. Porém,
a doutrina portuguesa trata-os em separado, porque apesar de serem complementares, fazem-
se de maneira diversa.
O tipo justificador – de modo geral: os tipos justificadores não estão destinados a uma
determinada figura-delito, pelo contrário, valem para todos estes (por exemplo, a legítima
defesa e o estado de necessidade aplicam-se à generalidade dos crimes). Pela negativa: para
termos um ilícito é preciso que não se verifiquem nenhuns dos pressupostos do tipo
justificador.
Daqui resulta que estes tipos possam ter regimes diversos porque têm estruturas distintas.
Por isso é que, sem abandonar a função dos dois momentos do ilícito típico, iremos
tratar primeiro os tipos incriminadores e depois os justificadores.
Tipo incriminador:
Unidade subjetivo-objetiva
Agente
Conduta
Bem jurídico
Agente:
Existem duas modalidades no que ao agente concerne: crimes comuns e crimes específicos
ou especiais.
● Crimes comuns: podem ser praticados por qualquer agente. São a norma.
● Crimes especiais: nestes crimes, o legislador circunscreve o alcance dos destinatários
da norma para agentes com características específicas. São a exceção.
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o Crimes específicos impuros ou impróprios: a característica não é fundamento da
incriminação, mas serve de agravante ou atenuante da pena aplicável à prática do
crime (ex.: homicídio simples e homicídio qualificado – a relação de parentesco
agrava o crime).
Conduta:
Dentro da conduta existem várias tipificações:
1. Quanto à execução
● Crimes de execução imediata: crimes que cuja execução e subsequente consumação se
verificam num momento (por exemplo, no homicídio a consumação verifica-se com a
morte).
● Crimes duradouros: crimes cuja consumação se prolonga no tempo. Há uma sucessão,
isto é, a cada fração de tempo que passa ele está a ser executado e consumado
simultaneamente (por exemplo, sequestro).
2. Quanto à vinculação
o Crimes de execução livre ou não vinculada: a maioria dos delitos são desta natureza. O
legislador, na maioria dos casos, proíbe condutas que possam atentar contra
determinado bem jurídico. O que releva é a produção da situação de perigo ou de uma
lesão ao bem jurídico protegido; o modo de execução é irrelevante. Desde que a conduta
seja idónea e tenha posto em perigo o bem jurídico, está completo o pressuposto.
Bem jurídico:
Como já houve oportunidade de mencionar, o bem jurídico é essencial na ótica do DP,
uma vez que este visa, em último caso, tutelá-los. É, portanto, em função do bem-jurídico que
determinamos o sentido do ilícito específico de cada crime que o distingue dos demais.
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Distinção entre crimes de perigo e crimes de dano:
o Crimes de perigo – muitas vezes, dada a específica importância dos bens jurídico-
criminais protegidos, legislador antecipa a tutela do bem-jurídico e desenha o crime em
termos que a consumação não depende da lesão, basta o simples pôr em perigo do bem-
jurídico. Este perigo divide-se entre: perigo abstrato vs. perigo concreto.
● Perigo abstrato: são crimes de perigo presumido. Não é necessário que o bem
jurídico tenha sido, na situação concreta, colocado em perigo. Não admite prova
em contrário (é uma presunção iuris et de iure) porque o legislador entende que
em qualquer situação, mesmo que não seja lesado nenhum bem jurídico
específico, essa situação é perigosa. Ex.: ultrapassar numa rotunda.
● Perigo concreto: aqui, o perigo é elemento do tipo. Por isso, é necessário provar-
se, em concreto, que a conduta do agente pôs em perigo um determinado bem-
jurídico. É uma prova ex post do perigo. O ónus da prova não cabe ao agente,
mas à contraparte.
● Crimes abstrato-concretos: introduz uma categoria intermédia. Seriam crimes
de perigo abstrato, mas que admitiriam prova em contrário; se o arguido
provasse que no caso específico não existiu perigo, não haveria crime. Envolvia
uma inversão do ónus da prova (o agente é que teria de provar que não tinha
havido dano, o que não é aceite no DP, visto que deve ser o tribunal a provar a
existência de dano e perante a falta de prova atua o princípio in dubio pro reu.
Devido a esta crítica inultrapassável, surgiram os crimes de aptidão.
● Crimes de aptidão: exige que a conduta ex ante seja perigosa. Então, teremos de
provar, sem inversões do ónus da prova, de uma perspetiva ex ante que naquela
situação concerta a conduta era perigosa. Se não se provar que a conduta ex ante
naquela situação concreta fosse perigosa, fica absolvido. Nos delitos de aptidão
é possível uma pessoa, desde que tome as devias providências e indague sobre
a situação concreta, praticar uma conduta que em abstrato seria perigosa, mas
que naquele caso não era por via da prova em contrário. Neste caso, o ónus da
prova cabe ao agente.
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de uma concreta figura-delito. O legislador ao desenhar as várias figuras-delito joga sempre
com algum ou todos estes três elementos (o agente, a conduta e o bem-jurídico).
Problema específico dos crimes materiais, dos crimes cuja consumação depende da
consequência, mas o resultado é espácio-temporalmente autónomo (maioria dos delitos) – ex.:
furto, homicídio. Pretende responder a seguinte questão: Qual é o nexo que tem de interceder
entre o resultado e a conduta para se dizer que o resultado foi mesmo proveniente da conduta?
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É uma doutrina descritiva, alheia a valores. O DP valora e o que está em causa é o crime
que tem o seu núcleo no desvalor da ação. Este critério alarga o conceito de causa de
forma incompatível com as valorações jurídico-criminais de modo a suportar resultados
absurdos. Por exemplo: Sr. A bate no Sr. B e este vai ao hospital. No hospital, Sr. B
recebe a medicação errada, devido a negligência do médico e morre. A morte não seria
imputada ao médico, porque se o Sr. A não tivesse batido no Sr. B este não tinha ido ao
hospital e recebido a medicação errada – mas se assim fosse, a morte podia ser imputada
aos pais do Sr. A porque se ele não tivesse nascido não tinha batido no Sr. B e este não
tinha morrido. Mas se assim fosse podia-se imputar a morte a “Adão e Eva”. Por isso
surge a limitação da culpa. Esta teoria acabaria assim por levar à punição de indivíduos
que praticaram ações causalmente relacionadas com o resultado, mas que nem
previsivelmente nem possivelmente teriam levado a tal resultado na perspetiva do
conhecimento geral e do próprio agente.
Esta doutrina é, por si só, insuficiente para dar uma resposta ao problema da
causalidade.
Teoria da conexão do risco: (defendida por Figueiredo Dias, mas da qual o Professor
discorda)
Aproveita aspetos das duas teorias anteriores, mas junta-lhe um terceiro elemento.
Perante uma situação concreta há que percorrer 3 degraus:
1. Nexo causal-naturalístico: de acordo com o critério de condição conforme às leis
naturais, que diz que a uma conduta corresponde um resultado (no entanto, em
situações de ponta há divergências).
Aqui vale a teoria da equivalência das condições, aplicando-se conjuntamente o
critério de condições conforme às leis naturais.
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2. Nexo de adequação: tem de haver um nexo causal, mas nem todo o nexo causal é
relevante. Uma conduta só pode imputar o resultado se, de acordo com as regras da
experiência e tendo em consideração os conhecimentos concretos do agente e gerais
da situação, nos termos do juízo de prognose póstumo, deixe antever a produção de
um resultado como uma consequência normal ou pelo menos não impossível.
3. Corretores de conexão de risco:
o Risco permitido: há setores de atividade necessários, mas que envolvem
riscos (ex.: tráfego rodoviário). Devido à importância social desses setores,
esses riscos não podem impedir que a atividade se desenrole de todo. Assim
sendo, o legislador faz uma ponderação de custo-benefício; na base dessa
ponderação estabelece normas de cuidado (legislação propriamente dita,
códigos deontológicos, regras técnico-científicas, etc.). Se a conduta
respeitar as normas de cuidado, não se imputa o resultado, ainda que
possível (ex.: se A conduz dentro das regras, mas há óleo na estrada e
atropela alguém, o crime não lhe é imputado).
o Princípio da diminuição do risco: sempre que a concreta lesão do bem
jurídico se mostra necessária para evitar uma lesão maior a conduta é lícita.
Por exemplo: A, para impedir que B seja atropelo, empurra-o causando-lhe
uma fratura. A fratura é uma lesão da integridade física mas preveniu uma
lesão superior. Neste caso não imputaremos A.
o Comportamento lícito alternativo: o agente age de forma ilícita, mas, a
posteriori, sabe-se que se tivesse agido de forma lícita, o resultado seria o
mesmo (que decorreu da ação ilícita), o agente pode ser apenas punido por
desvalor de ação (a título de tentativa, que se aplica apenas no dolo).
o Fim/âmbito de proteção da norma: só há crime quando a conduta viola o
fim/âmbito de proteção da norma. Se o resultado naturalístico não
corresponder à conduta ilícita praticada pelo agente, esse não lhe poderá ser
imputado. Por exemplo, numa certa estra existe um limite de velocidade de
50km/h devido apenas a um cruzamento. A circula nessa estrada a 80km/h
e, por acaso, rebenta-lhe um pneu causando um despiste e
consequentemente o atropelamento de B. Como o limite é 50km/h e A
estava a andar a 80, estaria já no risco proibido e poderíamos pensar que
deveria ser imputado. No entanto, a finalidade da norma deve-se ao
cruzamento e este não teve causa alguma no atropelamento, portanto, pela
teleologia da norma não deveríamos imputar o sr. A.
De acordo com esta teoria, há que percorrer os três momentos:
1. Verificar se há nexo causal-naturalístico: se não existir, não se imputa; se existir passa-
se para o 2º nível;
2. Verifica-se se há nexo de adequação: se não houver, não há imputação; se houver passa-
se para o 3º nível;
3. Verifica-se se algum dos corretores de conexão de risco é aplicável.
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O Sr. Professor Almeida Costa discorda desta teoria e propõe outra3:
3
Em sede de exame, definir, no início de cada pergunta, qual será a doutrina pela qual nos iremos guiar no que
toca à imputação objetiva: se será a Teoria da Conexão do Risco ou a Teoria advogada pelo Sr. Professor
Almeida Costa.
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equivalência das condições integrada pelo critério da condição conforme às leis
naturais.
Assim, o agente tem de ter controlo sobre o ato, pelo que não basta a mera
previsibilidade. É necessário estabelecer a diferença entre o nexo desta e o nexo de
dominabilidade.
● Nexo de previsibilidade
● Nexo de dominabilidade
Ex.: Sr. A quer matar Sr. B e vai ter com C, pedindo-lhe uma pistola emprestada. Este
empréstimo deixa claro o nexo de previsibilidade, mas isto não é suficiente. É necessário um
nexo de dominabilidade, que não está previsto neste exemplo, para que se possa falar de ilícito
doloso (ou seja, associado a este elemento volitivo, seria necessária a produção de um resultado
naturalístico, ou seja, a morte de B às mãos de A)
Portanto, o critério basilar que exprime o desvalor da ação característico do ilícito
doloso (e por isso tem de ser o critério da imputação objetiva aplicável tanto aos crimes
materiais como aos crimes formais), é o domínio do facto.
O domínio do facto exige um juízo de prognose póstuma análoga da teoria da
adequação. Sendo que neste teoria a pergunta do juiz seria algo como: “Será que é previsível
o resultado como consequência desta conduta?”
Contudo, nesta teoria será diferente, uma vez que a teoria de adequação exprime um
nexo de previsibilidade. No entanto, há situações em que um determinado crime é previsível,
sem, todavia, se poder dizer a respeito dele que constitui a concretização de uma decisão da
vontade do agente. Portanto, a pergunta do juiz realmente deveria ser: “Naquela situação,
atendendo às circunstâncias do caso, aquela conduta dá ao agente ou não o controlo sobre se,
quando e como - se dá o domínio do facto ou não?” É este o critério de imputação objetiva.
Este raciocínio é semelhante, mas não igual à teoria da adequação, pois não pergunta
se é um resultado previsível, mas se a conduta dá ao agente o controlo sob a verificação ou não
do resultado.
● Interrupção do nexo causal: são situações em que existem dois processos causais, que
concorrem entre si para a produção de um resultado, mas um deles antecipa-se e
interseta o processo causal original (dá origem ao resultado previamente).
o Por exemplo, sr. A dá um veneno para matar o sr. B. O sr. C também quer matar
o sr. B e também lhe dá um veneno. O veneno de C é mais potente. O veneno
de A demora 4h a atuar. O veneno de C atua, por sua vez, em 15 minutos.
Imputa-se o resultado a quem? A C, enquanto A será punido por tentativa,
porque o processo causal posto em marcha foi interrompido, ultrapassado por
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outro processo causal totalmente independente. C é o causador efetivo do
resultado.
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Mas, na opinião do Professor, se há efetivamente uma lesão do bem jurídico (a
morte) então não há fundamento para a diminuição da pena, porque o alarme
social é tanto quanto se a lesão fosse cometida por uma só pessoa. Assim, nos
casos de causalidade alternativa, o resultado deveria ser imputado a todos os
agentes intervenientes, consequentemente punidos a título de crime consumado.
Por norma, o elemento subjetivo do tipo doloso é o próprio dolo. O dolo consiste numa
designação – conhecimento e vontade de realização do crime; o agente conhece as
circunstâncias em que está a atuar. Ele conhece e quer realizar o tipo objetivo. A abordagem
do tipo subjetivo isoladamente considerado é pedagógica, porque na avaliação concreta, parte-
se sempre da perspetiva subjetivo-objetiva.
Elemento intelectual:
O legislador muitas vezes socorre-se de conceitos descritivos (homem, casa, etc.); mas
por vezes socorre-se de elementos normativos – que convocam uma valoração – conceitos
normativos de índole técnico-jurídica.
O legislador recorre a conceitos técnico-jurídicos de outros ramos do direito (boa fé,
ato administrativo válido ou inválido, etc.)
O que está em causa é a realidade fáctica que ele quer retratar.
O problema que se coloca ao recorrer a estes conceitos é saber que tipo de conhecimento
iremos exigir ao agente. Temos de exigir o conhecimento técnico, dogmático ao agente
comum? Se assim fosse, só juristas especializados poderiam cometer esses crimes. Por isso é
que a generalidade da doutrina diz que se exige o conhecimento à esfera do leigo. A mesma
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ideia foi expressa por Beleza dos Santos (professor prefere esta perspetiva) – deve atender-se
às consequências práticas que se atribui a esses conceitos jurídicos.
Concluímos, portanto, que não pode haver dolo sem elemento intelectual.
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Punição a título de negligência:
Artigo 13º:
“Dolo e negligência:
Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei,
com negligência.”
● Material: na negligência o agente não quer praticar um crime, mas, por descuido, não
pondera convenientemente o circunstancialismo fáctico em que atua, ou seja, sem
querer acaba por lesar o bem jurídico. Deste modo, o erro só poderá ser punido a título
de negligência se se provar que o agente, se tivesse atuado conforme ao dever objetivo
de cuidado (cuidado exigido ao homem médio), teria conhecido corretamente a
situação fáctica em que estava a atuar e assim não teria errado, podendo ter evitado
a lesão do bem-jurídico. Este requisito deriva do fundamento material que subjaz à
punição da negligência.
Artigo 16/3.º:
“Erro sobre as circunstâncias de facto:
3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.”
Ressalva a possibilidade de o agente vir a ser punido a título de negligência.
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Artigos 13.º (caráter excecional da punição por negligência – requisito formal de lei) e
15.º (requisito material da punição a título de negligência).
Artigo 15.º:
“Negligência:
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime
mas actuar sem se conformar com essa realização (negligência consciente); ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto. (negligência
inconsciente)”
É necessário que o erro se tenha ficado a dever a descuido do agente; se ele tivesse
agido com o cuidado mínimo, tinha conhecido o tipo e ter-se-ia, portanto, abstido da prática
dessa ação.
Existindo, assim:
● Erro sobre a pessoa: o agente pratica o crime sobre pessoa diferente do que o
que tinha planeado.
Exemplo: Sr. A quer matar Sr. B. Vê um vulto, achando que era B e dispara, mas era
C.
● Erro sobre objeto: o agente pratica o crime sob um objeto diferente do
intencionado.
Exemplo: Sr. A quer roubar uma caixa de latão. Após furtar, repara que a caixa era de
ouro – queria praticar um furto simples, mas acaba por praticar um furto qualificado.
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Devemos fazer uma questão prévia: há ou não identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado? Há coincidência entre o desvalor intencionado e o desvalor
de resultado?
Se houver identidade típica entre o crime projetado e o crime consumado (se o crime
praticado couber no mesmo tipo legal do crime intencionado) o erro não releva, vai ser punido
pelo crime consumado a título de dolo.
Quanto ao 1º exemplo – é sempre homicídio; Sr. A quer matar uma pessoa e mata uma
pessoa.
● Erro sobre a execução: O agente tem um projeto criminoso, mas vem a praticar um
diverso do intencionado, porque tem uma execução defeituosa. O agente tem uma
intenção criminosa, mas vem a consumar um crime diferente: isto não é
resultado de um indevido conhecimento da realidade, mas da deficiente execução.
Assemelha-se, de certa forma, ao erro sobre pessoa – tanto que se tentou aplicar o
mesmo regime desse erro (a teoria da identidade típica), mas essa ideia foi
descartada.
Exemplo: A quer matar B. A vê B a conversar com C. Ele sabe quem é o senhor B e
o senhor C, portante não há nenhum erro de representação da realidade. Mas ao
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disparar para B acerta em C e mata C em vez de B. Há uma execução defeituosa. Se
ele tem um exato conhecimento sobre a realidade, é um erro de execução e não
sobre a pessoa ou objeto. Nestes casos, a doutrina considera que o agente deve ser
punido sempre por concurso de crimes (tentativa face ao crime projetado, e crime
consumado face ao resultado que efetivamente se verificou);
● Erro sobre o processo causal: O sr. professor Almeida Costa considera que este
erro é igual ao anterior, mas a doutrina maioritária entende que neste o agente
produz o resultado que queria no objeto que queria, só que num processo causal
distinto do projetado.
Exemplo: O senhor A quer matar o senho B por afogamento, atirando-o da ponte de
D. Luís, só que ele acaba por morrer, mas não de afogamento, antes por o embate
num dos pilares. O objeto e o resultado são o mesmo, mas produzido por um
processo causal diferente do projetado.
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solução anterior (caso o agente, tanto na perspetiva do homem médio
como na sua própria perspetiva subjetiva, tenha conhecimento de uma
série de resultados possíveis em consequência da sua conduta, para além
do projetado, e um deles se verifique, é lhe imputado esse resultado a
título de dolo)
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Esta questão não será abordada em sede de exame
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Artigo 16º/1/2.ª parte:
“Erro sobre as circunstâncias do facto:
1 - O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre
proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o
agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.”
Artigo 17.º:
“Erro sobre a ilicitude:
1 - Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro
lhe não for censurável.
2 - Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao
crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada.”
A natureza dos ilícitos em causa. No caso do artigo 17.º estão em causa ilícitos
cuja aprendizagem resulta dos próprios processos normais de integração
(roubar, matar, violar, etc. é proibido); já estão interiorizados na consciência
axiológica comunitária.
Se o erro sobre as tais proibições já interiorizadas na comunidade for censurável,
será punido a título de dolo.
No erro sobre proibições trata-se de erros de caráter técnico que escapam ao
conhecimento do homem comum. Em alguns setores de atividade social os
ilícitos adquirem carácter especializado.
Para que o agente tome consciência dessa ilicitude, alguém tem de lhe mostrar
essa tal norma. O erro sobre as proibições, embora não seja um erro sobre as
circunstâncias de facto, é também um erro intelectual, daí que se aplique o
regime do erro das circunstâncias de facto (caso o desconhecimento da norma,
de carácter técnico, lhe seja censurável, pode ser punido a título de negligência).
Elemento volitivo5:
5
O elemento volitivo não será objeto de hipóteses práticas no exame. Pode, no entanto, ser questionado em
perguntas teóricas, por exemplo: distinga dolo eventual e negligência consciente; qual é o regime aplicado no
dolo; etc.
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elemento volitivo que distingue o dolo da negligência; é aqui que encontramos o
elemento distintivo do dolo jurídico-penalmente relevante. Só através do elemento
volitivo é que podemos dizer quando é que o agente quis o facto.
Artigo 14.º:
“Dolo:
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar
com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um
tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada
como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se
com aquela realização.”
A tem um ódio tremendo a B. A decidiu, portanto, lançar fogo à casa de B. Sucede que
o senhor C tinha o carro estacionado na garagem de B.
A nem tem nada contra C, mas continua a querer lançar fogo à casa de B. B tem uma
empregada (D) que aparece muito raramente, nunca se sabe quando estará por casa: A sabe
desta situação. Apesar disto, A ateia fogo a casa da B. O carro de senhor C fica destruído, a
empregada (D) encontrava-se em casa e morreu.
Temos, então, as 3 hipóteses de dolo:
● Direto em relação à casa de B;
● Necessário em relação ao automóvel de C;
● Eventual em relação à empregada (D).
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A diferença entre o necessário e o eventual está na maior ou menor probabilidade da
conduta.
Tal como está prevista na lei, a negligência consciente tem um elemento intelectual
idêntico ao do dolo eventual, como dissemos anteriormente.
Artigo 15.º/a):
“Negligência:
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias,
está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas
actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.”
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elemento volitivo. Na negligência, o agente não se conforma (ex.: ultrapassar – achar
que dá tempo, e depois afinal não dá; ele analisou e sabe do que pode acontecer, apesar
de não o querer). No dolo eventual, o agente coloca os seus interesses acima da norma
jurídica; ele não se conforma com o resultado, mas acredita que este não iria acontecer.
Dolo eventual – agente não confia que o resultado não se vai reproduzir
Negligência – agente confia que o resultado não vai acontecer
O Professor Almeida Costa também defende que existe uma valoração gradativa. Sugere que
se termine com a gradação bipartida das condutas (dolo/negligência), passando a uma distinção
tripartida:
1. Dolo de resultado (onde se insere o dolo direto e o dolo indireto).
2. Dolo de perigo (onde se insere o dolo eventual e a negligência consciente). Esta
seria uma categoria intermédia, entre o dolo de resultado e negligência. O
professor Figueiredo Dias apresenta uma proposta semelhante onde aborda a
classificação da temeridade (numa semelhança ao sistema anglo-americano
onde existe a categoria da recklessness). Isto porque a distinção entre
negligência consciente e dolo eventual baseia-se nas características psicológicas
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do concreto agente (deverá o otimista desmesurado ser punido face a outro
agente mais pessimista, ou com maior consciência da realidade?)
3. Negligência (onde se insere a negligência inconsciente).
● Dolus alternativus ou dolo alternativo: caso em que alguém empreende uma conduta
e antevê como possíveis dois ou mais resultados alternativos. Quando há duas ou mais
hipóteses de resultado da conduta, ocorrendo um deles, o agente conforma-se com este
resultado. Como se lida com estes crimes? Na doutrina alemã verifica-se alguma
doutrina divergente:
o Concurso ideal entre o crime tentado (a título de tentativa) e o crime consumado
(a título de negligência) – não é defendida por ninguém, porque em Portugal
nem sequer existe a figura de “concurso ideal”;
o Posição de Figueiredo Dias – julga unicamente o crime consumado a título de
dolo;
o Deve aplicar-se a pena mais pesada. O Professor Almeida Costa defende esta
ideia – aplica-se a norma que melhor se relaciona com a conduta do agente –
consunção. Ou seja, temos de aplicar o tipo que melhor retratará o desvalor ou
o sentido jurídico-penal da própria situação, que pode ser a norma
correspondente ao crime consumado ou a norma correspondente ao crime que
era alternativo. Tudo dependerá do caso concreto.
Ex.: Quem mata o pai pratica um homicídio simples e um qualificado. Vai ser
punido por apenas um crime. Deve ser punido por qual? Pelo mais gravoso.
● Dolus antencedens ou dolo antecedente: pretende-se com uma conduta projetada com
um certo resultado, mas esse resultado é realizado com um ato anterior, preparatório.
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Não é dolo, devido à falta do elemento volitivo – o ato em questão, que alcançou o
resultado, não tinha o objetivo de conseguir esse resultado. Ou seja, o agente, com esse
ato preparatório não queria cometer o resultado. Não releva juridicamente.
Ex.: Sr. A está a ver a sua casa ser assaltada pelo Sr. B e só tem intenção de pegar na
sua arma e disparar fazer quando B começar a furtar, mas, ao pegar na arma para se
preparar, a mesma dispara e mata B. Nesse momento, A não queria matar e por isso
pode ser acusado apenas por negligência. A vontade de consumar tem de estar sempre
presente para que haja dolo. Aqui temos simplesmente um ato preparatório e não um
ato que efetue o crime.
● Dolus subsequens ou dolo subsequente: sr A tem uma qualquer conduta não dolosa.
Tem uma arma e está a exercitar-se com a arma, mas absolutamente sem querer um dos
tiros atinge alguém. Vai lá ver a vítima e vê o seu antigo inimigo e fica contente por até
sem querer o atingir (um agente, através de uma determinada conduta, chega a um
resultado que não previa nem intencionava, mas posteriormente acaba por se conformar
com esse mesmo resultado). O ato que consuma o crime não é acompanhado do
conhecimento e vontade, a felicidade vem a posteriori, pelo que é jurídico-penalmente
irrelevante.
Estes dois últimos (dolus antencedens e dolus subsequens) não são penalmente
relevantes.
Não iremos estudar este problema. Muitos destes elementos subjetivos especiais
resultam, pela história, de critérios de ordem moralista, por muito que de forma inconsciente.
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José Santos
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Não estamos a abandonar o elemento do facto do DP, é necessário haver uma conduta
com lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico, é ainda necessário, que o ato tenha sido
praticado com um determinado fim – ex.: no crime de furto não basta produzir o dano, é
necessário que a conduta seja praticada com intenção de apropriação, de fazer ilegitimamente
seu e é isso que distingue o furto tout court do furto de uso; na burla é necessário que esta seja
feita com a intenção de enriquecimento; art. 132º alínea e, f e j por força do art. 145º, nº 2
também se aplicam às ofensas da integridade física qualificadas.
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José Santos