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Desconsideração da Personalidade
Jurídica – Perspetivas de tutela do
credor social
Dissertação de Mestrado na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses
Apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
janeiro/2016
DIANA PATRÍCIA LOPES SIMÕES
COIMBRA
2016
“Não sabemos, verdadeiramente, o que é a vida. Mas não a podemos, por isso,
excluir da Ciência. Sabemos, de facto, que a vida existe (…) . Assim,
construímos um conceito de vida com o qual operamos nas ciências da
natureza e nas do espirito”
(VON GIERKE)
2
Agradecimentos
Aos meus pais, que tanto sacrificaram para que eu pudesse ter uma formação de qualidade e
de prestígio.
Ao Rúben, por todas as vezes que dizia: - “Oh mana, já não tens mais exames, podemos
brincar? Não tens de estudar mais?”
A toda a família, pelo apoio incondicional e preocupação durante todos estes meses.
Aos meus colegas de curso, pelas partilhas e experiências vivenciadas. Aos meus Amigos
mais próximos ao lado de quem vivi, da forma mais intensa e única, estes anos; que ouviram
todas as minhas lamúrias e estiveram lá sempre, de mão estendida para apoiar e ainda, por
todas as gargalhadas.
3
Siglas de revistas e publicações periódicas
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça
BOA – Boletim da Ordem dos Advogados, Lisboa (Centro Editor Livreiro da Ordem dos
Advogados)
ROA – Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, (Ordem dos Advogados Portugueses)
Abreviaturas
A – Autor
Ac./Acs. – Acórdão/Acórdãos
Cfr. – Confira
4
DL – Decreto-Lei
ed. – edição
i.é – isto é
nt – Nota
n.º – Numero
ob. obra
p. – Página
reimp –reimpressão
ss. – Seguintes
Vol. – Volume.
Nota: esta dissertação segue o novo acordo ortográfico, exceto na citação direta de autores,
bem como na alusão aos títulos das obras, que ainda mantém o acordo anterior.
5
Índice
Agradecimentos ..................................................................................................................... 3
Abreviaturas ........................................................................................................................... 4
Índice ..................................................................................................................................... 6
1. Introdução .......................................................................................................................... 7
4.1. História...................................................................................................................... 16
6. Dissecação ....................................................................................................................... 31
8. Conclusões ....................................................................................................................... 57
Bibliografia .......................................................................................................................... 62
Webgrafia............................................................................................................................. 67
Jurisprudência ...................................................................................................................... 68
6
1. Introdução
A desconsideração, como temática escolhida, aparece interligada com uma ideia de
necessidade de tutela dos credores que mantêm relações com as sociedades, máxime, com as
sociedades por quotas, atendendo às recentes alterações legislativas que poderão ter criado
algumas fragilidades para estes (ou, pelo menos, para alguns). Neste sentido, o objetivo
primordial é o de perceber qual a reação da nossa Ordem Jurídica, i.é. dos tribunais, na
presença de comportamentos dos sócios, qualificados como abusadores da personalidade
jurídica, causadores de prejuízos para com terceiros (no caso, sub judice, credores).
Neste sentido, para dar início a esta “viagem”, é importante começar com o que
consideramos o “alfa e o ómega” da questão, uma vez que é o ponto de partida e o ponto de
sustento, tendo em conta que, se falhar esta base, todas as considerações tecidas em seu
torno, desaparecerão. A este respeito, fala-se da aquisição de personalidade jurídica coletiva,
que tem como consequência a atribuição, aos sócios, do “benefício” da responsabilidade
limitada, traduzido na autonomia patrimonial entre o seu património e o da Sociedade.
Contudo, se, por um lado, este “benefício” tem a vantagem de minimizar o risco
dos sócios, por outro lado, não pode exonerá-los de qualquer risco, ou, mais especificamente,
transferir a totalidade ou a maioria dos riscos para os credores sociais, funcionando como
1
Estas viram o seu aparecimento na Alemanha, por criação do legislador do Reich Alemão, em 1892. Em
Portugal, (primeiro país a seguir o exemplo alemão), foram introduzidas com a lei de 11 de Abril de 1901, com
a epígrafe de “sociedade por quotas de responsabilidade limitada” Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de
Direito Comercial. Vol. II. Das Sociedades, 4ª ed, Almedina, Coimbra 2014, p. 83-84
7
“arma de arremesso” contra os credores, mediante a instrumentalização da figura societária,
obtendo resultados ilícitos.
Com a alteração ao art.º 201 do Código das Sociedades Comerciais2, imposta pelo
Decreto-Lei3 nº 33/2011, de 07 de março, relativo ao capital social mínimo, algumas
questões começaram a ecoar e carecem de resposta. Uma delas era a de saber como admitir
a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica num ordenamento que,
atualmente, não exige um capital mínimo para a constituição da sociedade por quotas. A par
desta, manteve-se a interrogação no sentido de perceber se a mera insuficiência de capitais
de uma sociedade poderá ser motivo para lançar mão deste mecanismo por si só ou se, pelo
contrário, será preciso mais do que a mera insuficiência, nos casos de subcapitalização.
2
Doravante, CSC.
3
Doravante, DL.
8
2. Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas
Personalidade jurídica define-se como sendo a suscetibilidade de ser titular de
direitos e obrigações e é reconhecida pelo Direito a toda a pessoa humana, sendo por isso
designada por personalidade singular4. Não obstante, são também suscetíveis de
personalidade jurídica as organizações de pessoas e/ou bens, sendo in casu, intitulada por
personalidade coletiva. Desta forma, subentende-se que nos referimos à personalidade
jurídica das pessoas coletivas quando falamos de personalidade coletiva. Nos primórdios
entende-se que esta apareceu, no direito privado, no seio das sociedades anónimas, por causa
do comércio com as Índias Orientais e Ocidentais e tinha como finalidade a justificação do
benefício da responsabilidade limitada, concedida aos sócios5.
A hipótese do tratamento como pessoa de algo que não respira, que não vive6,
impõe-nos, ainda hoje, um grande esforço para compreender os motivos que estiveram na
sua génese. Compreensão essa que consideramos de maior relevância, pois, como afirma
LAMARTINE CORRÊA: “o reconhecimento da importante influência da História do
Direito sobre as formulações teóricas não nos dispensa a tarefa teórica. Mas a História do
Direito serve de contraprova da correção da fórmula teórica”7/8. Este reconhecimento das
pessoas coletivas traduz a satisfação das necessidades que transcendem o interesse do ser
humano, individualmente considerado.9 Considere-se, para tanto, a frase de ULPIANO10:
“Si quid universitati debetur singulis no debetur, nec quod debet universitas, singuli debent”.
4
Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. por António Pinto
Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 201.
5
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração da
Personalidade Jurídica”, Almedina, Coimbra, 2009, p. 77, nt. 15.
6
“A personalidade coletiva é uma criação do Direito, mas não uma criação arbitrária. Menos ainda uma ficção
[…]”. Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. II, 10ª ed. (Reimpressão),
Coimbra Editora, 2001, p. 187.
7
Cfr. A dupla crise da Pessoa Jurídica, Edição Saraiva, São Paulo, 1979, pág. 7.
8
A referência a pessoas coletivas surge na edição Das Instituições, em 1907, por Guilherme Alves Moreira.
Cfr. GUILHERME ALVES MOREIRA, Instituições de Direito Civil Português – Vol. I, Parte Geral, Imprensa
da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1907, p. 153ss.
9
Cfr. ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano – I, Parte Geral, (Introdução. Relação Jurídica.
Defesa dos Direitos), 4ª Edição, Coimbra Editora, 2008 p.151.
10
Apud A. SANTOS JUSTO. Traduzindo: “o que é devido a uma corporação não é devido aos seus membros;
nem o que a corporação deve, devem os seus membros”, Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 153, nt. 701.
9
que se perpetuou até à modernidade. De salientar que as suas obras têm servido de inspiração
a variadas “leituras” 11. É notável o pensamento deste A. que só no séc. XIX12 ganhou o seu
lugar na ciência do direito como categoria genérica da Parte Geral do Direito Civil. Não
obstante, foi posta em causa por FLUME13.
11
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento da Personalidade Coletiva, No Direito Civil e Comercial,
Almedina, Coimbra, 2000, p. 40. Do mesmo A. cfr. Manual de Direito das Sociedades I, I volume, Das
Sociedades Geral, 2ª ed., (atualizada e aumentada), Almedina, Coimbra, 2007 p. 305.
12
Apesar disso, há quem considere que já no séc. XIII, por forma a resolver os problemas do foro eclesiástico
que surgiam, os canonistas notaram a existência de entes representativos de interesses e grupos de pessoas que
não se confundiam com os seus membros – as “universitates”. Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 153.
13
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 41.
14
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 47-48. Este autor questionou se a personalidade
coletiva não seria um mero recurso técnico para atingir determinados objetivos. Cfr. RUDOLF VON
JHERING, Geist des römischen Rechts auf den verschiendenen Stufen seiner Entwicklung, 3º Vol., p. 338 e
ss.
15
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit, p. 53.
16
Cfr. Deutsches Privatrecht, Vol I – Allegemeiner Teil und Personnentecht, 1895, p. 470-472, apud
MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 54.
17
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, 2ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2007, p. 527e ss.
18
Não obstante este Autor defender que nos encontramos perante uma “pessoa” que não se confunde com as
pessoas singulares que a compõem, o mesmo considera que a pessoa coletiva apresenta semelhanças com as
pessoas singulares. Cfr. OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht…cit., p. 603, apud MENEZES
CORDEIRO, O levantamento…cit., p. 53
10
personalidade coletiva é expediente utilizável por uma série de diferenciadas organizações,
pelo qual a ordem jurídica atribui às mesmas a qualidade de sujeitos de direito, de autónomos
centros de imputação de efeitos jurídicos”19. Tal circunstância conduziu ORLANDO DE
CARVALHO a considerar que estamos perante uma: “teoria da personalidade idêntica à
personalidade jurídica do Homem"20.
19
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade. (As empresas no Direito), Almedina, Coimbra, 1996,
p. 198 e ss.
20
Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Relatório sobre o Programa. Conteúdo e Métodos de Ensino, ed.
Datilografada, Coimbra, 1976, p. 45.
21
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores …cit., p.112, nt. 88.
22
No âmbito desta investigação, a questão não assume importância de maior. Porém, a posição sustentada
resulta de um estudo das diversas posições dos diversos autores, postulada na obra de FÁTIMA RIBEIRO, A
Tutela dos Credores …cit., p. 87 e ss.
23
Art.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, doravante, CSC.
24
“ […] ele não pode ter a posição dum feitiço (fétiche) ” Cfr. COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito.
Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais. Almedina, Coimbra, 1983 (reimp. 2006),
p. 102.
25
Cfr. COUTINHO DE ABREU, art.º 201…cit., p.98
26
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.171-172.
11
Não obstante, somos concordantes em que esta não deve ser absolutizada27 porque,
mesmo antes de a sociedade adquirir personalidade, já tem uma caraterística muito
importante, que COUTINHO DE ABREU denomina por “subjetividade jurídica”28. O Autor
introduz este patamar de sujeito de direito que ainda não tem personalidade jurídica, mas já
tem subjetividade jurídica e há certas normas que a consideram já como centro de imputação
de algumas relações jurídicas. Logo, não devemos considerar esta personalidade jurídica
como absoluto porquanto, mesmo sem ela, já existem sujeitos de direito.
27
Neste sentido, cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.176; PEDRO
CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, AFFDL 2ª ed.,
Universidade Lusíada Editora, 2005, p. 297 e CATARINA SERRA, “Desdramatizando o afastamento da
personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial) ”, Julgar, n.º9, 2009, p. 112.
28
Cfr. “Art.º 5” in Código das Sociedades Em comentário, coord.: J. M Coutinho de Abreu, Volume I (Artigos
1º a 84º), Códigos, n.º1, IDET, Almedina, Coimbra, 2010, p. 98.
29
Cfr. Ob. Cit. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 199 e ss.
30
Cfr. SOVERAL MARTINS, “Da personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais”, in,
Estudos de Direito das Sociedades, coord.: Jorge Coutinho de Abreu, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2013, p.88.
31
Cfr. Lições de Direito Comercial II, João Abrantes, Coimbra, 1968, p. 62 e ss.
12
seguir determinado objeto, através da constituição de uma sociedade comercial. Destarte,
desde que respeitem o que resulta expressamente no nº3 do art.º 197 do CSC, no que
concerne às sociedades por quotas, não verão as dívidas da sociedade imputadas ao seu
património pessoal.
3. Responsabilidade Limitada
O regime-regra das sociedades de capitais é o da responsabilidade limitada, de tal
modo que, na Doutrina são mormente, designadas por sociedades de responsabilidade
limitada, considerando a responsabilidade dos sócios pelas dívidas societárias35. Não
obstante, somos alertados para o facto de que poderá não ser esta denominação a mais
correta, tendo em conta que, não é a sociedade que tem responsabilidade limitada, mas sim
os sócios36.
32
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do contrato de Suprimento. O Financiamento entre capital próprio e
capital alheio, Almedina, Coimbra, 2002, p. 123.
33
Esta é a posição assumida por HANS KELSEN. Cfr. HANS KELSEN, Teoria Pura do Direito, Tradução:
João Baptista Machado, 6ª ed. São Paulo-Martins Fontes, 1984, p. 215.
34
Daqui em diante, CC.
35
Neste sentido, TARSO DOMINGUES, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, p. 38.
36
Idem.
13
Historicamente, a limitação da responsabilidade surge no séc. XVI como incentivo
aos empresários, por forma a garantir a promoção do investimento na exploração do
comércio na India Oriental e Ocidental37.
Apesar disso, o art.º 5 do CSC não deixa dúvidas quanto ao facto de que a sociedade
apenas adquire personalidade coletiva após o registo do ato constituinte40. Ora, tal qual
mencionado supra, como unitários sujeitos de direitos e deveres, as pessoas coletivas têm
autonomia patrimonial, que, no caso das Sociedades por Quotas, é uma autonomia
patrimonial perfeita, o que equivale à responsabilidade limitada.
37
No mesmo sentido, FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 77, nt. 15.
38
Vide A. SANTOS JUSTO, Direito Privado…cit., p. 154-156.
39
Como COUTINHO DE ABREU, Cfr. “Art.º 5…”cit., p.99 e FÁTIMA RIBEIRO, “A personalidade jurídica
das pessoas coletivas apareceu, no âmbito do direito privado, para justificar a atribuição da responsabilidade
limitada aos sócios das sociedades anónimas”, Cfr. A tutela dos Credores …cit., p. 77, nt 15.
40
Em sentido diverso, Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. IV, Sociedades Comerciais.
Parte Geral, Lisboa, 2000, p.170.
41
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 5º…”cit., p. 99.
42
Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral…cit., p. 347 -348.
43
Cfr. neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito…cit., p.105.
14
Lograr-se-á dizer que o CSC prevê duas exceções à autonomia patrimonial perfeita
(nas sociedades por quotas). A primeira encontra-se logo no art.º 197, nº1 do CSC,
estabelecendo que os sócios, “para além da realização da sua entrada, são ainda responsáveis
por todas as entradas convencionadas no contrato”44 e a segunda resulta do art.º 198 do CSC,
que prevê, em alguns casos, a responsabilidade direta dos sócios para com os credores
sociais45.
44
No mesmo sentido TARSO DOMINGUES, Do Capital Social, Noção, Princípios, E Funções, Studia
Jurídica 33, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p.99.
45
Padece desta opinião FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos credores…cit., p. 148.
46
Cfr. PEDRO MAIA, “Contrato de Sociedade e risco no exercício de atividade económica” in O contrato na
gestão do risco e na garantia da Equidade, (Coord. António Pinto Monteiro), Instituto Jurídico – Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 261. Acresce que o autor, por via de discurso oral
in Workshop organizado pelo Grupo de Investigação “Contrato e desenvolvimento social” ministrado no dia
20/11/2015 na FDUC, enunciou que “nas sociedades por quotas, nada se cria, nada se perde, tudo se transfere”.
47
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 55.
48
Na obra de FÁTIMA RIBEIRO verifica-se uma solução Durchgriff, proposta pela doutrina e jurisprudência
alemãs, como forma de responsabilização direta dos sócios, maxime, para tutela dos interesses dos credores
15
género se concretiza no afastamento da separação patrimonial, levando os sócios a
responderem por dívidas da sociedade, perante credores sociais. Para tanto, encontramos
apoio em VERRUCOLI, no sentido de negar o privilégio concedido pela aquisição da
personalidade jurídica, se este servir para dissimular situações injustas49. Sendo o instituto
da desconsideração da personalidade jurídica gerador de grande discussão doutrinal, infra
desenvolvida, num plano ainda desvanecido, dever-se-á retirar somente que o recurso a ele
deverá ser ponderado de forma responsável, evitando deixar transparecer a ideia de “prémio”
por comportamentos “ingénuos” dos terceiros que se possam relacionar com a sociedade50.
sociais. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p.133. No mesmo sentido, COUTINHO DE
ABREU, Curso de Direito comercial…cit., p. 178.
49
Cfr. Il Superamento della Personalità Giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law,
Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1964, p. 76. (Tradução nossa). “Ove questa strumentalità rispetto al
perseguimento” dei fini tipicizzati dal legislatore venga a mancare, o porti a situazioni di ingiusto danno per lo
Stato o per la collectivitá in esso organizzata, si potrà far lougo al superamento dello schermo rappresentato
dalla personalità giuridica”.
50
Apesar de opinião diversa, dever-se-á concordar com FÁTIMA RIBEIRO, quando atrai a atenção para esta
possibilidade, funcionando apenas como argumento de cautela, não de afastamento tout court da solução
proposta. Cfr. “O capital Social das Sociedades por Quotas e o Problema da Subcapitalização Material”, in
Capital Social livre e ações sem valor nominal, coord.: Tarso Domingues/Maria Miguel Carvalho, Almedina,
Coimbra 2011, p. 67, nt. 58.
51
Expressão equivalente ao “Durchgriff bei juristicher personen” ou simplesmente “Durchgriff” da doutrina
alemã; ao “Disregard of the legal entity” ou “Lifting the corporate veil ” da doutrina anglo-saxónica; ao
“Superamento della personalitá giuridica” da doutrina italiana; ao “Transparence” da doutrina francesa e,
finalmente, à “Desestimación de la personalidade jurídica” da doutrina espanhola.
52
Ainda que subsidiariamente.
53
Cfr. FERRER CORREIA, “O problema das Sociedades Unipessoais de Responsabilidade Limitada”, in
Estudos de direito Civil, Comercial e Criminal, Almedina, Coimbra, 1985, p.209.
16
A teoria da desconsideração foi acolhida, em Portugal, em 199354, apesar de serem
tecidas considerações no sentido de que essa altura faz já parte da receção no seu segundo
momento, isto é, a receção formal, tendo sido o primeiro momento, o da receção prática, em
1976, através do acórdão do STJ de 06/01/197655. Ainda assim, a aplicação deste instituto
tem sido avaliada pelas instâncias ao longo dos anos56. De frisar que o STJ, em decisão de
10 de janeiro de 2012 proferida, afirmou que “a desconsideração da personalidade jurídica
é efetivamente um instituto não regulamentado na lei portuguesa”, pelo que, em caso de
“utilização abusiva da personalidade jurídica, a doutrina e a jurisprudência respondem com
a solução jurídica conhecida por desconsideração da personalidade jurídica”57.
Contudo, a sua origem vem, anteriormente, dos Estados Unidos da América, séc.
XX58, sendo denominada por “piercing the veil”. Outras expressões foram empregues no
direito anglo-saxónico, como doutrina do “disregard of legal entity” ou “lifting the corporate
veil”59/60. Existe, neste âmbito, uma conexão muito acentuada com a teoria da ficção, nela
assentando a conceção de personalidade jurídica e serve de base a várias decisões em que a
desconsideração da personalidade jurídica tem vindo a ser aplicada, por forma a evitar
“desonestidades” por parte dos sócios61. Esta doutrina foi aplicada num caso de
subcapitalização societária, dando “origem à comummente designada Deep Rock
Doctrine”62.
54
Pelo Ac.13/5/93 da RP, CJ, 1993, t. III, p.199, ss. Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit.,
p. 206, nt. 533.
55
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 113.
56
Vide, v.g., os Acs. do TRL, de 03 de março de 2005, Proc. n.º 1119/2005-6, Relator: Gil Roque; do TRP, de
22 de junho de 2009, Proc. n.º 1201/09, Relator: Maria de Deus Correia; do TRG, de 09 outubro de 2014, Proc.
n.º 516/06.5TCGMR.G1, Relator: Manuel Bargado e do TRC, de 10 de fevereiro de 2015, processo, n.º
1279/08.5TBCBR.C1, Relator: Moreira do Carmo, disponíveis em www.dgsi.pt.
57
Cfr. Ac. do STJ, de 10 de janeiro de 2012, Proc. n.º 434/1999.L1.S1, Relator Salazar Casanova, (ponto H e
41,) disponível em, www.dgsi.pt.
58
Porém, a primeira decisão judicial norte-americana ocorreu em 1809, no caso Bank of the United States v.
Devenaux, tendo como objetivo a justificação dos tribunais federais sobre as sociedades. In casu, a decisão foi
no sentido de atender às pessoas singulares, componentes da sociedade em questão. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela dos credores…cit., p.95, nt. 29.
59
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.176, nt. 32.
60
A Jurisprudência inglesa, contudo, não se tem mostrado tão receptícia como a norte-americana à conceção
do levantamento do véu. Neste sentido, o desenvolvimento da doutrina e jurisprudência em torno desta ideia é
posterior aos EUA. Cfr. SOVERAL MARTINS, Op. cit., p. 94, nt. 32.
61
Segundo LAMARTINE CORRÊA, esta doutrina mantém-se no ordenamento jurídico norte-americano. Cfr.
LAMARTINE CORRÊA, A dupla crise …cit., p.268.
62
Vide TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p.168, nt. 636.
17
Todavia, é após a II Guerra Mundial que se observa um aprofundamento do tema,
falando-se assim em “Durcgriff durch die juristische Person”, destacando-se SERICK
(1955) que, tendo como ponto de partida a doutrina da desconsideração da personalidade
jurídica entaizada na doutrina alemã, “procura saber quais as condições que têm que se
verificar para se prescindir da estrutura formal da pessoa jurídica e penetrar no respetivo
substrato pessoal”, tendo como critério “a existência de uma utilização abusiva da forma da
pessoa jurídica”63/64.
63
Cfr. SOVERAL MARTINS, Op. Cit. p. 94-95, nt.33.
64
Decisão no 3º Senado do Reichsgericht (RG) de 22 de Junho de 1920.
65
Cfr. VERRUCOLI, Il Superamento …cit., p. 90-91.
66
Ibidem, p. 93-94.
67
Ibidem, p.96
68
Ibidem, p.101
18
Este A. alerta-nos, entre os vários grupos de casos de desconsideração69, para o caso
Smith, Stone & Knigth v. Birmingham Corporation (1939). Neste, a desconsideração teve
por base o reconhecimento de uma relação denominada por agency ou trusteeship70.
Reconhece VERRUCOLI que esta figura proporciona a manutenção, em simultâneo, da
personalidade da sociedade “parent company” e do sócio “subsidiary company”. Acresce
ser seu entendimento que o recurso à “agency” não carece, tendencialmente, de uma
circunstância de “disregard”, destacando, nesse sentido, o facto de que, em alguns casos,
“disregard […] ed agency disregard rispondono ad uno stesso intento e pervengono allo
stesso effetto, ma constituiscono techiche diverse”71.
69
Para uma descrição pormenorizada da divisão dos casos de desconsideração, proposta por VERRUCOLI
vide Il Superamento…, cit., p. 108 e ss.
70
Cfr. p. 104
71
Cfr. VERRUCOLI, op. cit., p. 106, i,é. Apresentam o mesmo efeito, sendo díspar a técnica aplicada (tradução
nossa).
72
Ibidem, p. 118.
73
Ibidem, p. 120
74
Ibidem, p. 120-121
75
Idem.
76
Ibidem. 124.
77
Ibidem, 146.
19
Após a comparação supracitada, entende este A. que na, Common Law, deparamo-
nos perante um sistema com maior elasticidade, pelo que, não existe uma grande rigidez na
procura de uma norma para aplicação da desconsideração. Por sua vez, por ser um sistema
menos aberto, na Civil Law a desconsideração só opera quando sustentada por uma lei ou
princípio consagrado legislativamente78. Desta dissimilitude conclui-se que, no Direito
Americano, há uma possibilidade mais vasta de adequação das exigências e circunstâncias,
do que nos países de Civil Law, uma vez que estes se veem limitados à lei, impedindo que,
perante o caso concreto, se possa encontrar uma solução praeter legem. Todavia, não deixa
de ressalvar que os sistemas apresentam um ponto de contato, relativamente à previsão da
desconsideração da personalidade jurídica como privilégio concedido a alguns grupos.
4.3. Fundamento
Esta técnica jurídica tem sido construída doutrinal e jurisprudencialmente entre nós,
isto é, praeter legem, diversamente da ordem jurídica brasileira que consagra, pelo exposto
78
Ibidem, p. 200-201.
79
Vide COUTINHO DE ABREU, Op. cit., p. 176.
80
Vide. FÁTIMA RIBEIRO, Op. cit. p. 67.
81
Cfr. “Desconsiderar ou não desconsiderar: eis a questão”, in BOA, Jan./Fev. 2004, p.11.
82
Idem.
83
Vide PEDRO CORDEIRO, Op. cit., p.19.
20
no art.º 50 da Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 do Código Civil84, a “suspensão da
eficácia da personalidade jurídica, no caso concreto, por decisão judicial, estendendo-se os
efeitos subjetivos do título executivo a um sócio ou administrador da sociedade, fazendo-o
responder patrimonialmente pelas obrigações desta”85.
84
Que dita: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
85
Cfr. ANA FRAZÃO, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela dos credores” in Questões do
direito societário em Portugal e no Brasil, Coord.: Fábio Ulhoa Coelho/ Maria de Fátima Ribeiro, Almedina,
Coimbra, 2012, p. 483. No mesmo sentido, FÁTIMA RIBEIRO/RUI PEREIRA DIAS, “Desconsideração de
personalidade jurídica de sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios
portugueses – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.06.2014, Proc. 93/13” in, CDP, n.º49,
Janeiro/Março 2015 p. 56.
86
Expressão utilizada por MENEZES CORDEIRO.
87
Cfr. Op. cit. p. 176.
88
Idem.
89
Idem.
21
princípio da separação entre a pessoa coletiva e os seus membros” 90. Perante este
pensamento, surgem rumores de ser por esta via que tende a doutrina germânica, acerca desta
solução, i.é. envereda pela não admissão do recurso a soluções desconsiderantes, se a
solução estiver consagrada na lei91.
Igualmente, RICARDO COSTA refere ser uma “operação complexa” que “não é
de fácil interiorização no foro”, por ser uma técnica que “não oferece em absoluto segurança
a quem decide, desconfortável por não dispor de claros pressupostos de aplicação da
medida”. Neste sentido, “compete ao interessado provar as manifestações de conduta
societária reprovável, que estão hoje razoavelmente sistematizadas”95.
90
Apud MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “Contrato de Franquia (franchising): o recurso à “desconsideração”
para tutela dos interesses do franquiador. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.6.2001, Proc. n.º
1201/09” in RLJ, n.º35 Julho/Setembro 2011, p.35, nt. 21.
91
Idem.
92
Cfr. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 9ª reimpressão, Almedina,
Coimbra, 1996, p. 199.
93
Cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 76, nt. 12.
94
Ibidem p. 99 e ss.
95
Cfr. op. cit., loc. cit.
22
verificação judicial. Ou seja, apenas se consagra praeter legem, por ser um expediente que
não tem positivação genérica de tutela do credor, também perante os sócios, mais
especificamente, perante os desvios dos sócios, a não ser que venha a ser positivado, de iure
condendo.
De considerar que o art.º 78 não é o único expediente que visa o mesmo efeito. A
par dele encontramos a interpretação teleológica das normas e o recurso ao abuso de direito.
Será através destes que se irá fornecer e proteger os credores.
96
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 205.
97
Cfr. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, “Artigo 78º” in Código das Sociedades em
Comentário, coord.: J. M. Coutinho de Abreu, Volume I (Artigos 1º a 84º) Códigos n.º 1, IDET, Coimbra,
2010, p.894
98
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O capital social… cit, p. 77.
99
Cfr. COUTINHO DE ABREU/ MARIA ELISABETE RAMOS, Op. cit. p. 899.
100
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2ª ed., IDET,
Cadernos n.º5, Almedina, Coimbra 2010, p. 76.
23
In secundis, relativamente aos problemas atinentes às situações de unipessoalidade,
os arts.º 84 e 270-F indagam estabelecer uma forma de responsabilização dos sócios,
prevendo-se a responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais contraídas, no período de
unipessoalidade, nos casos em que a sociedade se encontre insolvente101. Entende-se,
contudo, que esta situação apenas poderá ser equacionada perante a sociedade unipessoal
superveniente102, considerando, além disso, que estamos perante uma norma
“desconsiderante” da personalidade jurídica da sociedade unipessoal superveniente a que só
se deverá recorrer subsidiariamente103.
Por outro lado, o regime que pretende regular as sociedades por quotas unipessoais
originais encontra-se previsto no art.º 270º-A a 270º-G, sendo que a responsabilização
ilimitada do sócio único encontra fundamento no art.º 270-F do CSC para um determinado
número de problemas105.
101
Cfr. RICARDO COSTA, “Art.º 84º” in Código das Sociedades Em comentário, Coord. J. M Coutinho de
Abreu, Volume. I (Artigos 1º a 84º), Códigos nº1, IDET, Almedina, Coimbra, 2010, p. 972. No mesmo sentido,
RAÚL VENTURA, Dissolução e liquidação das sociedades. Comentário ao Código das Sociedades
Comerciais, Almedina, Coimbra, 1993, p.192.
102
Cfr. RICARDO COSTA, Op. cit., p. 978.
103
Idem
104
Ibidem, p. 972-973
105
Cfr. RICARDO COSTA, A sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Português. Contributo para o
estudo do seu regime Jurídico, Almedina, Coimbra, 2002, p. 678.
106
Ibidem p. 683.
24
societário107. Ainda que esta norma preveja, prima facie, a tutela da sociedade, não
poderemos deixar de lhe atribuir, paralelamente, uma função de tutela dos credores
sociais108.
Por último, surge a análise aos casos em que uma sociedade é controlada por outra
(ou outras), no âmbito de um grupo de sociedades, cujo regime está previsto nos arts.º 488
a 508 do CSC. A problematização da tutela dos credores sociais assume especial relevância
nos grupos de subordinação e nos grupos de domínio total (original ou superveniente),
maxime, quando estejamos perante uma situação em que se verifica o exercício de influência
dominante. O caso de as sociedades que detêm o controlo puderem dar instruções
(consideradas vinculantes110) que protejam o interesse do grupo, proveniente de contrato de
subordinação pelas partes celebrado, não obstante o prejuízo das sociedades dominadas,
ameaça, evidentemente, a garantia patrimonial dos credores destas últimas111.
Perante isto, o art.º 501 circunscreve que seja a sociedade diretora solidariamente
responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou
posteriormente à celebração do contrato de subordinação112. De salientar que, nos grupos de
sociedades, também o credor se encontra protegido, uma vez que o legislador criou
instrumentos que possibilitam uma tutela adequada113. In casu, a tutela dos credores admite
que a sociedade subordinada possa exigir da diretora uma compensação pelas perdas anuais,
107
Ainda que a norma apenas consagre esta hipótese para os contratos, RICARDO COSTA faz uma extensão
teleológica do art.º 270-F, “alargando a sua aplicação a todas as situações em que se possibilitou a uma pessoa
singular” ou a uma pessoa colectiva o exercício de uma atividade empresarial com as vantagens da pessoa
societária e esta apresentou comportamentos abusivos e ilegítimos que extravasam a medida de atribuição de
um privilégio que só pode atuar na presença de determinadas condões […]” tendo por “[…] finalidade prevenir,
persuadir e reprimir condutas abusivas. Cfr. Ob. cit., p. 689.
108
Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 686.
109
FÁTIMA RIBEIRO admite existir um grupo de casos “para o qual o art.º 270 F do CSC […] nunca constitui
resposta suficiente”, Cfr. A tutela dos credores…cit., p. 402.
110
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade… cit., p 247.
111
FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 408.
112
Cfr. Art.º 501, não obstante o art.º 498º, ambos do CSC.
113
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 501” in Código das Sociedades Em comentário, Coord. J. M Coutinho
de Abreu, Volume VII (Artigos 481º a 545º), Códigos, nº7, IDET, Almedina, Coimbra, 2014, p. 266.
25
sendo assim transparente uma proteção aos credores, podendo esta ser designada de dupla
proteção, ainda que através de um aproveitamento indireto que lhes cabe, ao abrigo do art.º
502114.
Quando todos estes mecanismos, que preveem a tutela dos credores sociais, não
forem eficazes, urge a necessidade de recorrer à desconsideração extrapositiva, por forma a
realizar a justiça do caso concreto. Nessa altura, será a vontade de justiça que nos indicará o
caminho ao direito119. Adita-se ainda dever recorrer-se a este instituto, se o pretendido for
114
Sobre esta circunstância, considera FÁTIMA RIBEIRO “que o legislador português consagrou um regime
jurídico particularmente agressivo”. Cfr. Op. cit, p. 420-421.
115
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O levantamento…cit., p. 81-82. Em sentido divergente, COUTINHO DE
ABREU, cfr. op. cit., p. 270.
116
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores…cit. p, 35, nt 68, Do mesmo
autor, Cfr. Da Empresarialidade…cit., p. 268 e ss.
117
Cfr. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2010 p. 183.
118
Cfr. Ibidem, p. 185-186.
119
Cfr. VERA CRUZ, Curso livre de Ética e Filosofia do Direito, Almedina, Lisboa, 2010 p. 20
26
responsabilizar os sócios pelos comportamentos adotados, enquanto sócios e não enquanto
gerentes – uma vez que estamos objetivamente perante um sócio120.
Parece-nos pertinente sublinhar uma outra questão, relativamente à qual, sem ela se
perde o efeito prático do labor até ao momento. Conquanto tudo o exposto seja verídico,
apenas terá efetividade, na prática, se existirem mecanismos preventivos da preservação do
património dos sócios.
120
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade Civil dos administradores…cit., p, 77.
121
Cfr. REMÉDIO MARQUES, op. cit., p. 171.
122
Idem.
123
Veja-se, v.g., os Acs. do TRL, de 28/05/2008, Proc. n.º 2402/2008-4, Relator: Seara Paixão e de 08/11/2012,
Proc. n.º 1988/11.1TVLSB-B.L1-2, Relator: Pedro Martins, disponíveis em www.dgsi.pt. Nestes casos, as
ações de responsabilização tiveram por fundamento c arresto, como forma de garantir o pagamento da dívida
peticionada.
27
Conclusão intercalar:
Perante o exposto, tomando por exemplo GALGANO124 sustentamos que a
desconsideração da personalidade jurídica é, no fundo, um retorno à regra geral do Direito
Civil, ex vi, art.º 601 CC. Numa breve concretização (pois será desenvolvida infra)
poderemos dizer que o sócio responderá pelas dívidas como se fossem suas, quando tenham
contribuído, com o seu comportamento, para aquele estado. Analisada a situação numa ótica
puramente objetiva, não se trata de mais do que um retorno à regra geral, ou seja, à situação
que existiria se, ao invés de os sócios terem usado a sociedade (cujo património iria
responder), tivessem contraído uma dívida em compropriedade ou individualmente125. Desta
forma, assumimos a posição (que defenderemos mais pormenorizadamente infra), de que
estamos perante cumprimento de dívida alheia, resultante da supressão do privilégio da
separação patrimonial, pelo que se trata de responsabilidade patrimonial subsidiária.
A tutela dos credores é, sem dúvida, a preocupação constante que nos trouxe até
aqui. Nestes termos, considera-se pertinente fazer uma distinção entre credores, de modo a
124
Apud RICARDO COSTA, A Sociedade por quotas…cit. p. 661-662 e, do mesmo autor, cfr. “A
responsabilidade dos gerentes…” cit., p. 64-65.
125
Neste sentido diz-nos GALGANO que “o sócio responde por débitos que já lhe pertenciam e relativamente
aos quais ele respondiam limitadamente em virtude da disciplina compreendida no conceito de pessoa jurídica”
Cfr. “L´abuso della personalità giuridica nella giurisprudenza di mérito (e negli «obter dicta» della
Cassazione)”, CI, p.381, apud RICARDO COSTA, A sociedade por quotas…cit. p. 666, nt 853.
126
Vide TARSO DOMINGUES, “O Novo regime do capital social nas sociedades por quotas” in DSR, Ano
3, Vol. 6, Semestral, Almedina, Outubro, 2011, p. 117.
28
haver um efetivo respeito pelo princípio da Igualdade, plasmado no art.º 13 da Constituição
da República Portuguesa127, maxime, na aplicação do direito.
Nestes termos, importa distinguir entre credores fortes e credores fracos 128, não
sendo esta uma mera distinção formal, mas uma distinção que revela possuir importantes
efeitos práticos. Haverá sempre desigualdades de informação, de poder negocial, de
condicionamento e influência dos credores sobre os sócios da sociedade e sua gestão e tudo
isso leva, porventura, a que, em certas situações, a tutela não seja a mesma.
127
Não olvidemos que se trata de igualdade material, devendo-se “tratar igual o que é igual e desigualmente o
que é desigual”, na medida dessa diferença. Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p.427-428.
128
Neste sentido, Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p, 162.
129
ENGRÁCIA ANTUNES afirma terem vindo os grupos de sociedades despoletar uma inversão da
distribuição dos riscos inerentes à atividade empresarial. Para o A. “credores débeis ou involuntários” são, por
exemplo, consumidores, trabalhadores e pequenos fornecedores e “credores fortes ou voluntários” são, os
bancos e os grandes fornecedores. Cfr. ENGRÁCIA ANTUNES, Os grupos de Sociedades. Estrutura e
organização jurídica da empresa plurissocietária, 2ª ed, Almedina, Coimbra, 2002, p. 114.
130
Cfr. PAZ-ARES, Cândido, “Sobre la Infracapitalización de las sociedades”, in Anuário de Derecho Civil,
36, Artes Gráficas y Ediciones, S.A, Madrid, 1983, p. 1601.
131
Cfr. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Sobre as cartas de conforto na concessão de crédito, in, Ad Vno
Omnes – 75 anos da Coimbra Editora, (Org. de Antunes Varela, Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda e J.
J. Gomes Canotilho), 1920-1995, 1998, p. 415.
29
Neste sentido, será imperativo a fixação de um critério que permita ao Juiz a
distinção entre diferentes credores sociais132, em ordem à prossecução da Justiça do caso
concreto. Porém, numa perspetiva discordante há quem julgue que a responsabilidade dos
sócios é para com a sociedade, considerando que a “alegada vantagem” da distinção se perde,
uma vez que o beneficiário direto será o património social (e não os credores)133.
Mais uma vez deparamo-nos com o abuso de direito a operar como instrumento de
fundamentação para o impedimento do benefício da desconsideração, por parte dos credores
fortes. Isto é, sempre que se possa concluir que os credores tinham conhecimento da situação
financeira empresarial e que, não obstante, houve uma assunção voluntária do risco, deve
esse comportamento revelar-se abusivo na pretensão de tutela através da desconsideração.
Poder-se-á dar outro passo em diante e tecer que o credor forte, que em concreto tenha sido
forte, quando invoca a desconsideração, tem um comportamento abusivo, ou seja, é abusivo
invocar o abuso de direito porque conhecia manifesta e objetivamente que os
comportamentos que estavam a ser tomados eram abusivos.
Estes, como indicado acima, dispõem de meios e/ou regalias contratuais que,
funcionando por si só, desencadeiam-se antes, se quer, do recurso à desconsideração da
132
Vide. Ac. TRC, de 04 de junho de 2002, Proc. nº 590/02, relator: Hélder Roque, em que a jurisprudência
consentiu na diferenciação entre credores, disponível em www.dgsi.pt
133
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores …,cit., p. 169 e ss. Não obstante, admite que “subsiste a
questão da tutela dos chamados “credores fracos”, que são credores involuntários, uma vez que as
circunstâncias da constituição do seu crédito não lhes permitem a possibilidade de se informarem acerca da
situação da sociedade e causam ou reagirem convenientemente a essa informação”. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela dos credores…cit., nt. 180, p. 201.
134
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p. 187. No mesmo sentido, TARSO DOMINGUES,
O Novo Regime…cit., p. 116-117.
30
personalidade jurídica para efeitos de responsabilidade. Não pode considerar-se justo que
estes consigam mais pela via da interpretação da lei do que teriam conseguido pela via
negocial, tendo em conta os meios de que dispunham. Se da autonomia das partes não
resultou nenhuma das garantias previstas ex lege, (e não esquecendo os meios de que
dispunham), não deve o esforço interpretativo dos juristas e do julgador beneficiar a favor
desse tipo de credores.
6. Dissecação
6.1. Grupos de casos
135
Cfr. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração…cit., p 25.
136
gCfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das sociedades I, I Volume, Parte Geral, 3ª ed. Ampliada e
actualizada, Almedina, Coimbra, 2011 p. 448 e ss
137
Vide FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p. 76, nt. 12.
138
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p.178.
31
responsabilidade limitada, que beneficia certos sócios, é quebrada”139. Neste grupo de casos
(de responsabilidade), o aparente consenso140 que se verifica na Doutrina justifica a sua
maior relevância para o estudo sub judice.
Contudo, nem todos os autores optam pela mesma sistematização e/ou nomem iuris.
Por um lado, podemos encontrar uma divisão entre controlo da sociedade por um só sócio,
subcapitalização da sociedade e mistura de patrimónios144. Por sua vez, numa sistematização
mais complexa145, podemos observar uma sistematização que contempla a confusão de
esferas jurídicas, a subcapitalização, o atentado a terceiros e abuso de personalidade.
Finalmente, há que proceda apenas a uma dupla divisão entre subcapitalização e mistura de
patrimónios146.
139
Idem.
140
Neste sentido, vide COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 208.
141
Cfr. op. cit., p. 78.
142
COUTINHO DE ABREU apenas admite os primeiros três casos. Cfr. Curso de Direito Comercial...cit., p.
180 e ss.
143
Sobre o domínio qualificado, RICARDO COSTA defende ser um dos grupos de casos e acrescenta ser
defensável que o administrador de facto seja enquadrado como um instituto. Cfr. Os administradores de facto
das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014, p. 144.
144
Cfr. op. cit., p. 177.
145
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades…cit., p. 445.
146
Cfr. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade…cit., p.66 e ss.
147
Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial…cit., p. 80.
32
Neste sentido, falamos de mistura de patrimónios quando os sócios de uma
sociedade utilizam o património desta como património pessoal próprio, não respeitando as
regras societárias, nomeadamente as contabilísticas.
148
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p.184.
149
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade …cit., p. 208.
150
Art.º 270-A CSC: “A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular
ou coletiva, e que é titular da totalidade do capital social”.
151
Segundo RICARDO COSTA, será mais correto utilizar a expressão “Sociedade por Quotas Unipessoal” a
unipessoalidade é uma característica da sociedade por quotas. Em discurso oral, proferido no Curso de Direito
Comercial II da Faculdade de Direito de Coimbra, Ano letivo de 2013-2014.
152
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p.261. nt. 276.
153
Em sentido concordante, FÁTIMA RIBEIRO assume a posição de, nos casos de a mistura de património
ser reveladora da inexistência de uma “organização contabilística”, tal poderá “requerer o recurso a soluções
desconsiderantes”. Cfr. A tutela dos credores…cit., p. 265 e ss, bem como, p. 641, ponto 15. Ainda da mesma
A., pode retirar-se a posição de que, nestes casos, “a autonomia patrimonial deixou de existir pela atuação do
(s) sócio (s), logo, está justificada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a fim de se fazer
responder pelas obrigações o património do (s) sócio (s)”. Cfr. “Desconsideração da personalidade
jurídica…”cit., p. 62.
154
Cfr., entre outros, FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 641; MENEZES CORDEIRO, O
levantamento…cit., p. 117; COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p. 184 e
LAMARTINE CORRÊA, A Dupla Crise…cit., p. 610-611.
155
Neste sentido foi também o Ac. da Relação de Lisboa, de 8 de novembro de 2012, Proc. n.º
1988/11.1TVLSB-B.L1-2, Relator: Pedro Martins, cujo sumário consigna que “se os bens arrestados
pertencem à sociedade embargante, mas esta é uma sociedade por quotas unipessoal, sendo sua sócia única
a sociedade arrestada, devedora do arrestante, que decidiu vender os bens daquela (sociedade totalmente
dominada) para pagar as suas (da sociedade totalmente dominante) dívidas, justifica-se que se desconsidere
a personalidade jurídica da embargante e se tratem os bens arrestados como se fossem da sociedade
arrestada, não se levantando o arresto dos bens”. Vide em www.dgsi.pt.
33
Finalmente, quanto ao grupo de casos enquadrado no domínio qualificado, já se
referiu que alguns autores o excluíram do elenco. Não obstante, RICARDO COSTA não
considera caso para exclusão, uma vez que admite ser “um caminho alternativo a outros dois
modelos hermenêuticos de correção da ingerência indevida […] na administração das
sociedades comerciais156. Quer uma via, quer a outra são “técnicas corretivas que
prescindem da forma […]” em ordem a “[…] realizar a justiça do caso concreto”157. Ora, é
entendimento de que o administrador de facto é um dos mecanismos, ao lado de outros que
beneficiam os credores em função de lesões feitas por comportamentos abusivos e
ilegítimos. Não percamos o norte e atentemos que, de facto, ele é uma ilegitimidade, que
apenas surge ao mesmo nível do administrador de direito quando o legitimamos. Neste
contexto, se os requisitos estiverem verificados, os administradores da sociedade dominante,
bem como a sociedade dominante para efeitos de responsabilidade podem ser considerados
administradores de facto158. Ainda assim, tal não significa que os credores não possam
recorrer à desconsideração da personalidade jurídica, para responsabilizar pelas dívidas da
sociedade dominada, a sociedade dominante.
Bem vistas as coisas, considera-se que todos os grupos de casos irão encerrar num
ponto comum: a tutela dos credores perante comportamentos abusivos e ilegítimos.
6.2. Subcapitalização
156
Cfr. op. cit., p 167.
157
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 211
158
Ibidem, p. 235-236. Do mesmo autor, Cfr. “Responsabilidade dos gerentes…” cit., p. 58, nt 22.
159
Cfr. PAZ-ARES, op. cit., p. 1587.
34
Citando COUTINHO DE ABREU, a subcapitalização, grosso modo, consiste numa
“desproporção anormal entre o capital social e o volume de negócios da sociedade”160. No
mesmo sentido, encontramos esclarecimentos, referindo que uma sociedade se encontra
subcapitalizada quando “o capital próprio (incluindo o capital social e as reservas) é
insuficiente face às suas reais necessidades de capital próprio, tais como resultam do tipo,
volume e riscos da atividade social”161.
160
Cfr. Da Empresarialidade…cit., p. 208.
161
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do Contrato de suprimento…cit., p. 107.
162
Sobre o contrato de suprimento, menciona ALEXANDRE MOTA PINTO, ser esta a resposta do nosso
ordenamento jurídico face a situações de subcapitalização nominal. Deste regime diverge, porém, o recurso à
desconsideração da personalidade jurídica. Cfr. ult. Ob. Cit. p. 133 e ss e 392.
163
COUTINHO DE ABREU menciona que os problemas da subcapitalização formal ou nominal são resolvidos
com recurso aos arts.º 243 e ss do CSC. Vide Da Empresarialidade …cit., p. 178. No mesmo sentido adita
ALEXANDRE MOTA PINTO que a subcapitalização nominal “já nada tem a ver com a penetração da
personalidade coletiva”, sendo a solução imposta pela ordem jurídica. Cfr, op. cit., p. 108.
164
Cfr. Capitale Sociale e Società per Azioni Sottocapitalizzata, Milano – Dott. A. Giufrè Editore, 1991, p.
29.30.
165
Tradução nossa: “dotada de capital desproporcional com o objeto social, nem sequer é coberto por
empréstimos de acionistas”.
166
Distinção igualmente adotada por TARSO DOMINGUES, Cfr. “Do capital social…”cit., p. 223 e por PAZ-
ARES, Cfr. op. cit., p. 1594. No entanto, PINTO DUARTE ainda distingue entre subcapitalização absoluta e
relativa. Cfr. RUI PINTO DUARTE, “A subcapitalização das Sociedades no Direito Comercial no Direito
Comercial”, in Fisco, n.º 76/77, ano VIII, Lex, Março/Abril, 1996, p. 56
167
Cfr. RICARDO COSTA, A Sociedade por Quotas…cit., p. 708, nt. 939.
168
No mesmo sentido dita TARSO DOMINGUES: a subcapitalização pode ser formal “quando os sócios,
proporcionando à sociedade os recursos necessários ao exercício da sua atividade, o fazem, não através do
35
não proporciona situações de risco de liquidez), uma vez que é àquele nível que poderá surgir
a problemática da desconsideração da personalidade jurídica, se ela for considerada
abusiva169 e sê-lo-á se for “evidente e facilmente reconhecida pelos sócios” e estes nada
fizeram para a suprir, ou seja, fala-se em subcapitalização material qualificada ou
manifesta170.
Será assim pertinente averiguar quem deverá ser responsável pelo abuso da
personalidade coletiva. Desta forma, existindo abuso da personalidade coletiva da sociedade
e estando diante de um caso de subcapitalização original, todos177 os sócios serão
capital social mas mediante outros instrumentos de financiamento (v.g., empréstimos)”. Cfr. “O Novo
regime...” cit., p.110.
169
Em Portugal, com a alteração introduzida no artigo 201º do CSC, pelo DL n.º 33/2011, de 7/Março, o capital
social das sociedades por quotas passou a ser fixado livremente, pelos sócios, no contrato de sociedade,
deixando por isso de haver capital mínimo obrigatório.
170
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.185.
171
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 700, nt. 925.
172
PORTALE adverte para o facto de que “um direito das sociedades de capitais que deixa a dotação do capital
social de uma sociedade de responsabilidade limitada exclusivamente nas mãos dos fundadores pode encorajar
a entrada no mercado de empresas sem meios e, portanto, propensas à insolvência e em qualquer caso conduz
a uma fatal subcapitalização”. Cfr. “Sociedade de Responsabilidade Limitada sem Capital Social e empresário
em nome individual com «capital destinado» (capital social quo vadis?)”, in DSR, (Artigo traduzido do italiano
por TARSO DOMINGUES). Vol. 6, Almedina, Outubro, 201, Ano 3 p.274.
173
Cfr. entre outros, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.185; FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela de credores…cit., p.188-189 e TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit.,, p. 390, nt. 1518.
174
Vide, neste sentido, TARSO DOMINGUES, ult. ob. cit., p. 392, nt. 1529; COUTINHO DE ABREU, op.
cit., p.185; FÁTIMA RIBEIRO, op. cit., p. 188 e PAZ-ARES, op. cit,. p. 1594.
175
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, ult. op. cit, p. 189.
176
Aprofundando o regime da “perda grave do capital social” vide, entre outros, TARSO DOMINGUES,
Variações sobre…cit., p. 328 e ss; FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p.194 e ss.
177
Padece da mesma opinião, PAZ-ARES, op. cit., p.1618.
36
responsáveis (sócios fundadores178) pelas obrigações societárias, por via do recurso à
desconsideração da personalidade jurídica, num “carácter nitidamente excecional”179/180.
Diferentemente, numa situação de subcapitalização superveniente, a responsabilidade recai
sobre aqueles que mantêm a sociedade dentro do comércio jurídico, apesar de sofrer de
manifesta subcapitalização material (sócios controladores181), sejam estes sócios os que
tenham intervenção de facto na gestão societária, ou que decidam pela continuação da
atividade desta, menosprezando os interesses dos credores sociais. Mais acrescenta
COUTINHO DE ABREU afirmando que, se numa situação de subcapitalização, a sociedade
cair em insolvência através deste abuso de personalidade, “serão os sócios chamados a
responder (subsidiária mas) ilimitadamente perante os credores sociais”182/183.
Sobre esta solução para onde nos inclinamos, há vozes discordantes, entendendo
que o dilema da subcapitalização material não deve ser decidido mediante o recurso a
soluções ″desconsiderantes″, devendo sê-lo, porém, nos termos da responsabilidade interna,
endereçada contra os administradores e gerentes, com fundamento na gestão culposa,
máxime, pela violação do “dever de apresentação pontual da sociedade à insolvência”184.
Observa-se ainda, uma posição mais extremista, no sentido em que deste recurso deve ser
excluída a subcapitalização material, “uma vez que sobre os sócios não recai a obrigação
legal de capitalização adequada da sociedade”185. Nesta opinião, foi o próprio Legislador
quem quis favorecer projetos empresariais com um certo risco, pelo que, assumir a
possibilidade de desconsideração seria um “entorse” ao princípio da Responsabilidade
Limitada186.
178
Vide COUTINHO DE ABREU, op. cit., p. 186.
179
Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p.170, nt. 642.
180
No mesmo sentido envereda o Ac. da Relação de Lisboa, de 29/03/2012 Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2,
in www.dgsi.pt. No ponto VIII do sumário pode ler-se: “No caso de subcapitalização material originária
respondem subsidiária e ilimitadamente todos os sócios. No caso de subcapitalização superveniente só
responderão subsidiária e ilimitadamente os sócios «controladores» da sociedade.”
181
Em concordância, para além de COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p.186, vide, igualmente,
PAZ-ARES, op. cit. p. 1618.
182
Vide, op. cit. p. 185.
183
Similarmente, PAZ-ARES admite que os casos de subcapitalização material originária poderão conduzir à
responsabilização de todos os sócios, diferentemente dos casos de subcapitalização material superveniente, que
conduzirão apenas à responsabilização dos sócios controladores. Vide, op. cit., p.1618.
184
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social…cit., p. 74.
185
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 640.
186
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social …cit., p. 69.
37
Todavia, refuta-a COUTINHO DE ABREU ao considerar que “a observância da
exigência legal do capital social mínimo (muito baixo para muitíssimos casos, se pensarmos
nas Sociedades por quotas, hoje estas apresentam a modalidade de capital social livre187)
não impede o abuso da personalidade jurídica em prejuízo dos credores, não da própria
sociedade”, daí que se fale de responsabilidade externa, i.é, responsabilidade para com os
credores188.
Poder-se-á dar outro passo e concluir, relativamente ao art.º 201 do CSC, que o
legislador só permitiu esta situação “bizarra”, porque existe o mecanismo da
desconsideração como corretor, ou seja, os sócios são livres de escolher o capital social
mínimo que entenderem mas, se não dotarem a sociedade de meios para o exercício da
atividade, têm a sanção da desconsideração.
Aqui volvidos, impõe-se uma breve análise das alterações procedentes do Decreto-
lei nº 33/2011, de 7 de março, respeitante ao regime do capital social mínimo189.
A alteração de maior magnitude deu-se ao nível do art.º 201 do CSC, que outrora
determinara um capital social mínimo de €5 000, para as sociedades por quotas, aparecendo
este como contrapartida à responsabilidade limitada, de que beneficiam os respetivos sócios.
Não obstante, tomando por exemplo o Reino Unido e vários estados dos EUA190,
cujo capital social mínimo não é exigido191, vem o preâmbulo do DL n.º 33/2011 sublinhar
que “atualmente, o capital social não representa uma verdadeira garantia para os credores
e, em geral, para quem se relaciona com a sociedade.” Com isto quer-se afirmar que o
capital social deixou de ser uma ferramenta de tutela dos credores sociais. Note-se que, desde
sempre, houve um entrave na sua utilização como meio de defesa, uma vez que, como o
tinha mencionado já TARSO DOMINGUES, “se determinado valor de €5 000 pode ser
idóneo a constituir a dita «caução» para terceiros no caso de uma mercearia, será com
187
Artigo 201º do CSC.
188
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit.., p. 186.
189
Sobre este tema Cfr. MARIA MIGUEL CARVALHO, “O Novo Regime Jurídico do Capital Social das
Sociedades Por Quotas”, in Capital Social Livre e Ações sem Valor Nominal, Coord. Paulo de Tarso
Domingues/Maria Miguel Carvalho, Almedina, 2011, p. 9 e ss.
190
Desde a década de 60 do séc. XX, começou por ser extinta em alguns Estados. A partir da década de 80 foi
suprimida do “Revised Model Business Corporation Act”. Cfr. TARSO DOMINGUES, “Art.º 201” in Código
das Sociedades Em comentário, coord.: J. M Coutinho de Abreu, Volume. III (Artigos 175º a 245º), Códigos
n.º3, IDET, Almedina, Coimbra, 2011, p. 202.
191
Cfr. MARIA MANUEL CARVALHO, Op. Cit. p. 14.
38
certeza, para esse efeito, desadequado se se tratar de uma siderurgia, hipermercado ou duma
fábrica de automóveis”192, podendo funcionar como “uma restrição, injustificada, à
liberdade contratual, impedindo a criação de novas sociedades para a exploração de
pequenas empresas que, com o desenvolvimento da sua actividade social, poderiam assumir
considerável importância económica”193. Foi, aliás, esta a fundamentação mobilizada no já
referido preâmbulo do DL nº 33/2011.
Ainda assim, mesmo que o sentido legislativo nos apresente uma livre fixação do
capital social, tal não significa que, para a prossecução do objeto social, não recaia sobre os
sócios a exigência de dotação da sociedade com capital social adequado. De outra forma,
seriam os credores sociais a suster o risco de perda para além do capital social194 e esse risco
não deve sofrer uma limitação tal que possa gerar “benefícios só ou sobretudo para os sócios
e gerar prejuízos principalmente para os credores”195. A este propósito, defendemos uma
responsabilidade externa, para com os sócios (e não interna, para como a sociedade)196.
192
Cfr. Do capital Social…cit., p. 212.
193
Idem.
194
PAULO TARSO DOMINGUES refere que a responsabilidade limitada perde o seu sentido quando os seus
beneficiários criam uma “organização extremamente fraca e débil”, visando unicamente evitar os riscos de
perda. Cfr. op. cit. p. 235. No mesmo sentido, PEDRO CORDEIRO afirma que é “um absurdo” serem os
credores sociais quem suportam os riscos de perda de determinada sociedade. Cfr., A desconsideração…cit.,
p.161.
195
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Subcapitalização de Sociedade e Desconsideração da Personalidade
Jurídica”, in Capital Social Livre e Acções sem Valor Nominal, coord.: Paulo Tarso Domingues/Maria Miguel
Carvalho, Almedina, 2011, p.39.
196
Posição defendida por COUTINHO DE ABREU, Cfr. op. cit., p. 39 e TARSO DOMINGUES, O Novo
regime…cit., p.111-112. Em sentido contrário, vide ALEXANDRE MOTA PINTO, Do contrato de
suprimento…,cit., p. 127.128 e FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos Credores…cit., p. 234.
197
Como refere TARSO DOMINGUES, “este regime não eliminou a figura do capital social […] este passa a
corresponder ao número de sócios multiplicado pelo valor mínimo da quota, i.é, 1€”. Cfr. “Capital e Património
Sociais, Lucros e Reservas” in Estudos de Direito das Sociedades, Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu,
11ª ed., Almedina, 2013, p.185.
198
Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre …cit., p. 171.
39
autores199 que excluem desta problemática a hipótese de subcapitalização, em virtude de
considerarem existir um “problema de gestão”200, portanto, de responsabilidade interna201.
6.3. Descapitalização
199
Nomeadamente, VAN WILHELM, apud TARSO DOMINGUES, Ult. Ob Cit.
200
Cfr. TARSO DOMINGUES, op. cit., p.171, nt. 644.
201
Na doutrina nacional, FÁTIMA RIBEIRO utiliza a mesma linha argumentativa, acrescentando não existir,
na lei, nenhuma obrigação de dotação da sociedade com os meios necessários à prossecução do objeto social.
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social…cit., p. 69-70.
202
Como supracitado, discorda desta tese FÁTIMA RIBEIRO, op. cit., p. 56 e ss. Em sentido oposto, TARSO
DOMINGUES, O Novo regime…cit., p.97 e ss.
203
PAZ-ARES defende que “cuando (…) los sócios infringen los limites que a la autonomia provada impone
la normativa del capital y constituyen una sociedad infracapitalizada (…) deben responder”. Cfr. op. cit., p.
1612.
204
Já no final da década de 60, RAÚL VENTURA assumia que o recurso à desconsideração seria a “solução
possível, ou até mesmo a única” que resolveria os casos de subcapitalização. Cfr. “Apontamentos para a
reforma das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada”, in, BMJ, n.º182 1969, p.120.
205
BRITO CORREIA afirma, neste sentido que “a desconsideração significa uma derrogação do princípio
legal da separação que só pode admitir-se a título excecional para certos casos concretos”. Cfr. LUÍS BRITO
CORREIA, Direito Comercial, 2º Vol., AAFDL, 1992, p. 240.
206
Cfr. ELISEU FIGUEIRA, “Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades de Capitais” in,
Tribuna da Justiça: Conselheiro Ricardo Velha, 4-5, Junho-Setembro, 1990, M. P. Fernandes Rei, Edições, p.
865.
207
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do Contrato de Suprimento…,cit., p. 127.
40
agravada) pelos sócios. Esta distingue-se da descapitalização simples, ou furtuita
relativamente à qual “o património social sofre uma redução […] mas tal fica a dever-se às
vicissitudes e aos azares da vida patrimonial”208, encontrando-se sujeita ao regime do art.º
35 do CSC, relativo a situações de “perda grave” do capital social.
208
Neste sentido, conclui-se pela exclusão das hipóteses de desconsideração as situações de descapitalização
fortuita, que não deverão constituir fonte de responsabilização societária nos mesmos termos que a
descapitalização provocada deliberadamente pelos sócios. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O capital social…cit., p.
70 e TARSO DOMINGUES, “Art.º 201”…cit.,, p. 220.
209
Cfr. “Diálogos com a Jurisprudência II – Responsabilização dos Administradores para com os Credores
Sociais e Desconsideração da Personalidade Jurídica” in DSR, Ano 2, Vol. 3, Semestral, Março, 2010, p. 56.
210
Idem, p. 56-57.
211
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, “Desconsideração da personalidade jurídica e “descapitalização ” da Sociedade”,
in «Direito e Justiça, Direito Comercial e das Sociedades, Estudos em memória do Prof. Doutor Paulo M.
Sendim», Especial, Lisboa, 2012, FDUCP, p. 309.
212
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos Credores …cit., p. 641 pontos 13 e 14.
213
Cfr. Ac. do TRP, de 29/11/2007, Proc. n.º 0735578, Relator: José Ferraz, disponível em www.dgsi.pt.
41
uma responsabilização dos sócios face aos credores, pelo “aniquilamento” da “existência da
sociedade” (da doutrina alemã, Existenzvernichtung)214.
Urge tomar conta que, a nossa Ordem Jurídica, efetivamente, atribui aos sócios de
uma sociedade por quotas o “benefício” da responsabilidade limitada, contudo, a sua
interpretação não permite a utilização da figura da sociedade como “instrumento de inflição
de danos aos credores”, como diria COUTINHO DE ABREU218. Se a sociedade está em
estado crítico, jamais será permitido que, deliberada e voluntariamente, os sócios agravem
ou espoletem essa mesma crise, “liquidando a sociedade a frio,” continuando a prossecução
da atividade empresarial noutra sociedade. Se há interesse em dar continuidade a essa mesma
atividade, ao invés de descapitalizar a sociedade (uma vez que, nestes casos, há um
214
Cfr. “Responsabilidade dos gerentes de sociedade por quotas perante credores e desconsideração da
personalidade jurídica” in CDP, n.º 32, 2010, p. 57 e ss.
215
Cfr. Neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p. 181.
216
Idem.
217
Idem.
218
Idem
42
investimento noutra sociedade), então deverá o sócio (ou sócios) reinvestir na primeira, na
ótica de acautelar os direitos e deveres dos seus credores219.
RICARDO COSTA acrescenta uma visão diferente, sob o mesmo prisma, por nós
conjuntamente aplaudida. Para este A., a descapitalização é bem mais do que o descrito hic
et nunc; é um sintoma ou comportamento do desinteresse censurável pelo projeto
empresarial. Isto é, não se trata apenas (e tão só) de descapitalizar a sociedade, mas cometer
actos de desvio ou apropriação dos bens societários em benefício próprio; revogar contratos
com os fornecedores e/ou bancos; despedir altos quadros; extinguir relações negociais e
ainda, privar-se de oportunidades de negócio e/ou de parcerias negociais, prejudicando a
Sociedade. Neste sentido, apresentam-se “manifestações de desinteresse censurável” que
deixam “morrer” o projeto empresarial. Estas circunstâncias podem dar origem à
desconsideração, nomeadamente, quando tais comportamentos são decididos por via dos
sócios, uma vez que será sobre estes que irá recair a responsabilização, em especial se esses
mesmos desvios e perdas subjetivas e sociais conduzirem a um estado de insolvência221.
219
Ibidem.
220
Cfr. RICARDO COSTA, “Responsabilidade dos gerentes …”, cit., p. 59.
221
Idem.
222
Deste acórdão surge a confirmação da Teoria “Existenzvernichtungshaftung” (aniquilamento da existência
da sociedade).
223
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 60.
224
Ibidem, p. 61.
43
atuação de modo contrário aos bons costumes225. Esta é uma responsabilidade puramente
interna, mais tarde utilizada pelos credores.
É a fraude à lei, consubstanciada na atuação dos sócios que irá, nos termos do art.º
601 do CC, subverter a responsabilidade limitada, resultante de um princípio de separação
225
Note-se que nem todos os casos que na doutrina alemã são apontados como descapitalização provocada (ou
seja, existenzvernichtungshaftung) cabem no nosso conceito de descapitalização. Para mais informação, vide
COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p. 182, nt. 41.
226
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Op. Cit. p. 183.
227
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 61.
228
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p. 183.
229
Idem.
230
Cfr. RICARDO COSTA, “Responsabilidade dos gerentes…”, cit., p. 62.
231
Ibidem, p. 63.
44
patrimonial e levar os sócios ao “cumprimento de obrigações perante terceiros”, numa
relação de meio-fim, respetivamente232. Importa identificar um conjunto de atos negociais e
jurídicos suscetíveis de “revogar” a regra da responsabilidade limitada, pelos encargos
imputados à sociedade; atos determinados “pela procura de satisfação desse interesse
concreto, que se afigura ilegítimo”. Para tanto, é imprescindível observar as condutas
societárias com o desígnio de determinar se os seus atos, “ainda que formalmente lícitos”,
tenham sido tomados para “atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso” de
“delapidação do património social e da capacidade empresarial da sociedade”233. Não se
torna “espinhosa”, portanto, a conclusão no sentido de uma atuação fraudulenta, maxime, se
“o complexo de interesses perseguido pelos sócios, dentro da sociedade, são diversos
daqueles “próprios do esquema de organização societária”234.
232
Cfr. RICARDO COSTA, Os administradores de facto…cit., p.184.
233
Ibidem, p. 185.
234
Idem.
235
Cfr. Responsabilidade dos gerentes…, p. 66-67.
236
Cfr. Op. cit. p. 68-69.
45
Alguns consideram que a responsabilidade dos sócios perante a sociedade deve-se
fundar no desrespeito do dever de lealdade, derivado da aniquilação da sociedade237. Se
olharmos com atenção para os casos de descapitalização provocada, somos forçados a
admitir que, de facto, existe uma violação do dever de lealdade, uma vez que os sócios atuam
de modo incompatível com o interesse social, o que pode levar a uma responsabilidade
interna por parte daqueles que violaram o referido dever.
Ainda assim, apesar de haver esta via, COUTINHO DE ABREU prefere adotar o
caminho da desconsideração da personalidade jurídica, e por esta responsabilizar os sócios.
Isto porque, nos casos de descapitalização provocada os sócios, que quase sempre atuam
dolosamente, causam graves danos aos credores sociais, e havendo nexo de causalidade entre
os sócios e o comportamento que causou o dano, deverá ser-lhes (aos credores) dada a
possibilidade de responsabilizar os sócios diretamente238.
237
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit. p. 183
238
Idem.
239
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 295.
240
Neste sentido foi o Ac. do STJ de 3 de fevereiro de 2009, Proc. n.º 08A3991, Relator: Paulo Sá, disponível
em www.dgsi.pt.
241
Nos casos em que os sócios acumulem funções de gerentes, a autora diz-nos que existe uma “proibição legal
de concorrência, sancionável no âmbito da responsabilidade civil dos gerentes e administradores”. Cfr. Art.º
72, n.º1 e 254 do CSC
46
de indemnização. Nestes termos, para a autora, jamais existiria a possibilidade de
responsabilização dos sócios, nas hipóteses de descapitalização provocada, sendo esta
reconduzida aos casos de “desinteresse” pela sociedade ou aos casos de “concorrência dos
sócios” em relação à sociedade242.
242
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p. 296 e ss.
243
Cfr. entre outros, TARSO DOMINGUES, “Art.º 201…”, cit., p. 219-220.
47
origina a insuficiência de meios. Finalmente, poderão ser fenómenos cumulativos, se
simultaneamente a sociedade não tem, nem meios financeiros, nem forma de os angariar,
nem património.
244
Ibidem.
245
TARSO DOMINGUES, O novo regime do capital social…cit., p.113.
246
Ibidem, p. 115.
48
ilícito” e “se houver também […] culpa dos sócios, […] dano para os credores e nexo de
causalidade […] temos os pressupostos para responsabilizar os sócios para com os credores
sociais”247. Através dos escritos deste A. depreende-se que a sua visão não é, em parte,
concordante com a que defendemos, uma vez que reclama os requisitos da responsabilidade
delitual ou extracontratual, como fundamento da responsabilidade externa, que sob os sócios
incide.
Não é este o entendimento, pelo menos numa primeira abordagem que perfilhamos.
Pugnamos, aceitando (e apoiando) a visão de RICARDO COSTA pela reflexão de que a
desconsideração será, acima de tudo, um problema de responsabilidade contratual
(negocial). É nesta premissa que assenta a nossa posição, não invalidando o exposto infra.
Importa também, e desde já, clarificar dois tipos de responsabilidade distintos entre
si que, frequentemente são confundidos e usados imprecisamente. Isto é, uma coisa é a
responsabilização dos sócios nessa qualidade, - ou seja, não atendendo à circunstância de
poderem cumular (ou não) a qualidade de gerente, - que lhes será imputada por
desconsideração da personalidade jurídica. Outra coisa é a responsabilização pela atuação
enquanto gerente (que pode ou não ser sócio), nos termos do art.º 78, nº1 do CSC, sendo esta
uma responsabilização pelo “exercício ilícito e culposo das suas funções de gestão e/ou
representação”249.
247
Cfr. Curso de Direito Comercial …cit., p. 182.
248
Neste sentido, Cfr. RICARDO COSTA, Responsabilidade dos gerentes…cit., p. 61.
249
Ibidem, p. 56.
49
segundo, dirigido ao administrador, sendo esta a visão adotada, igualmente, pelos acórdãos
da relação de Évora, de 25/5/1998 e da relação do Porto, de 15/10/2011250/251.
Nesta sede, podemos reputar estas vias como “caminhos possíveis, mas
alternativos”252. Neste sentido, explica que, se estiver em causa o comportamento dos
administradores, estes responderão para com os credores, em virtude de violação culposa de
normas legais cuja função é a de proteção dos credores, ex vi, art.º 6, nº1 do CSC e o art.º 18
do CIRE se dessa violação resultou uma escassez do património societário para satisfação
dos débitos253.
Por sua vez, se foi o comportamento enquanto sócio (e não como administrador)
que despoletou ou piorou o estado de “subcapitalização material e manifesta da sociedade”,
não tendo enveredado esforços para reverter tal situação, será derrogado o “benefício” da
responsabilidade limitada dos sócios e serão chamados a responder perante os credores, por
abuso da personalidade coletiva, em sede de desconsideração desta. Contudo, COUTINHO
DE ABREU não coloca de parte a possibilidade de “concorrentemente, responderem (…)
os administradores (sócios ou não) nos temos do art.º 78, nº1 e os sócios (não
administradores), em virtude de desconsideração da personalidade da sociedade”, maxime,
se forem “sócios controladores”254/255.
Ainda assim, deve ficar claro e inequívoco que por via da desconsideração jurídica
apenas256 serão abrangidos e, consequentemente responsabilizados, os sócios nessa exata
qualidade, não importando se, cumulativamente ou não, apresentam a qualidade de
gerente257/258.
250
Para maiores desenvolvimentos vide, RICARDO COSTA, ob. cit., p. 56-57, nt. 15 e 16, respetivamente.
251
Idem.
252
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 78º”… cit., p. 899.
253
Idem.
254
Acerca da responsabilização dos sócios controladores, vide, para maior desenvolvimento, COUTINHO DE
ABREU/ELISABETE RAMOS, “Responsabilidade Civil de administradores e de sócios controladores (Notas
sobre o art. 379º do Código de Trabalho) ”, Miscelâneas n.º3, IDET, Almedina, Coimbra, 2004 p. 49 e ss
255
Ibidem, p.79
256
Neste sentido, Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, “Desconsideração da personalidade Jurídica…” cit., p.56.
257
Cfr. COUTINHO DE ABREU/ELISABETE RAMOS, “Art.º 78”…cit., p. 899.
258
De igual forma enveredou a Relação de Lisboa, ao versar no sumário que “A responsabilização por via da
desconsideração da personalidade colectiva é dos sócios, enquanto tais, e não dos gerentes”. Ac. do TRL, de
29 de março de 2012, Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2, Relator: Teresa Albuquerque, disponível em
www.dgsi.pt.
50
Falta apenas tomar partido quanto à natureza da responsabilidade resultante da
desconsideração, e neste ponto, consideramos ser subsidiária. Outra não poderá ser a
resposta no sentido de a vermos “como responsabilidade que constitui uma garantia para
terceiros, que funcionará depois de rateada a garantia principal, constituída pelos bens da
sociedade”259.
259
Cfr. RICARDO COSTA, A sociedade por quotas unipessoal…cit., p. 693-694, n, 911.
260
Idem, p. 64.
261
Que RICARDO COSTA designa por Redução Teleológica, Cfr.. op. cit. p.64.
262
Segundo CASTANHEIRA NEVES, há interpretação restritiva sempre que “a letra (o imediato ou o natural
significado gramatical) é mais ampla do que o espírito”. Para tal, “restringe-se o sentido naturalmente textual
da lei para o fazer coincidir com o seu espírito”. Cfr. CASTANHEIRA NEVES, Introdução ao Estudo do
Direito, Interpretação jurídica, Coimbra, 1979, p.67-68.
51
responsabilidade limitada vigora plenamente, exceto se os sócios abusarem da personalidade
jurídica. Deste modo, verificado o abuso nos termos do art.º 334 CC, haverá uma
incontornável obrigação de indemnizar, sempre que se verificarem os requisitos do art.º 798
do CC263, “repristinando-se o regime comum da responsabilidade ilimitada”, que convoca a
aplicação dos art.º 601 do CC e 735 (alteração nossa) do CPC 264. Dito de outra forma,
sempre que da atuação dos sócios se conclua que há a violação dos requisitos que servem de
sustentação ao benefício da responsabilidade limitada, há um reingresso ao regime normal
(que seria o aplicável não fosse a previsão do art.º 197, nº3 e 271 do CSC), da
responsabilidade ilimitada e os bens do devedor (que passa a ser o sócio) suscetíveis de
penhora (para o qual se convoca o art.º 735 do CPC), responderão pelo cumprimento da
obrigação vencida265.
De salientar que, “para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o
titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda
manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam
a concessão desse poder”270. Se transpusermos o mencionado para a realidade comercial (ou
seja, para o exemplo supra construído), é exatamente o que acontece quando o sócio, munido
263
Diz o artigo: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo
prejuízo que causa ao credor”.
264
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p.661-662.
265
Resultado da uma leitura conjunta dos respetivos artigos.
266
Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 545.
267
MANUEL DE ANDRADE, apud ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, p. 545.
268
Cfr. ANTÓNIO CASTANHEIRA Neves, Questão-de-facto – Questão-de-direito ou o problema
metodológico da juridicidade (Ensaio de uma reposição crítica), I, A crise, Almedina Coimbra, 1967p. 529.
269
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Da boa-fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1983 (3ª reimp. 2007), p.
1190 e ss.
270
Cfr. ANTUNES VARELA, op. cit., p. 545.
52
pela limitação da responsabilidade, excede os limites que a lei e a comunidade em geral
impõem, prejudicando os credores intencionalmente, existindo aquilo que se denomina por
“contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou
interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”271.
Conclui-se portanto que, abuso de direito e fraude à lei272 são, então, os requisitos
necessários para reduzir o “privilégio da responsabilidade limitada” e levar os sócios a
responder pelas dívidas da sociedade impossibilitadas de serem pagas pelas suas forças
patrimoniais, conduzindo à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica. Os sócios, hoc sensu, apresentam-se como sujeitos terceiros, pelo que irão
responder nos termos da responsabilidade civil contratual, um sujeito cuja responsabilidade,
originariamente, não lhe poderia ser imputada, uma vez que da conexão desses atos deriva a
lesão dos credores sociais, expondo o sócio à “reprovação do direito”273.
Neste âmbito, poder-se-á invocar a violação de normas que tutelam a proteção dos
credores (segunda modalidade de ilicitude) prevista no art.º 483, nº1 do CC, “residualmente
clausulada pelo art.º 334 CC” e/ou o abuso institucional do “poder – dever de os sócios
constituírem sociedades e atuarem adequada e cuidadosamente”, sujeitando-se às normas
vigentes, como fundamento da responsabilidade dos “sócios lesantes em face dos credores
sociais lesados”, nos termos daquele artigo. Adita-se ainda que, nesta ação, deveremos
271
Ibidem, p. 546.
272
Para uma clara distinção entre ambos, cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit. p. 84-85.
273
Idem.
274
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p.65.
275
Para um aprofundado desenvolvimento acerca do abuso de poder vide COUTINHO DE ABREU, Do abuso
de direito...cit.
53
averiguar se os atos dos sócios foram praticados culposamente e se são causalmente
adequados aos danos dos credores, verificados todos os “pressupostos constitutivos de
responsabilidade delitual por facto ilícito”276. Consideramos que será sob esta égide que
deveremos incluir, além dos casos de subcapitalização material manifesta, os casos de
descapitalização provocada”277.
Questiona-se se, enveredando por uma ou outra via, o credor poderá ter mais
benefícios em detrimento da outra. A resposta será de fácil conceção: apenas pela presunção
de culpa terá mais benefícios na responsabilidade contratual278, o demais é similar. Deste
modo, pela via da responsabilidade negocial, haverá incumprimento e, na segunda, abuso de
direito, nos termos formulados pela doutrina.
Desta forma, a nossa posição versa no sentido em que, ao propor-se uma ação de
responsabilidade por desconsideração, esta será no âmbito da responsabilidade contratual e,
276
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit. p. 65.
277
Ibidem, p.66-67
278
Vigora a regra oposta à invocada pelo art.º 342, n.º1 do CC, pelo que há a inversão do ónus da prova, ex vi,
art.º 344 do CC. Cfr. ANTUNES VARELA, op. cit., p. 589.
54
simultaneamente, poder-se-á fazer um pedido cumulativo ou subsidiário279, nomeadamente,
se o credor-autor tiver mais danos do que o dano emergente da dívida, pela ilicitude do abuso
de direito. Não se pode afastar a possibilidade de existência de lucros cessantes, v.g., nos
casos em que exista uma relação contratual de fornecimento (duradoura) entre ambos e que
se veja prejudicada. Poderá ocorrer que o credor que mantinha essa relação, confiando que
a boa organização (da estrutura societária) corresponderá a uma boa solvibilidade
patrimonial, crie ligações/investimentos, na expetativa da utilização devida da figura
societária e respetiva “saúde financeira” e mais tarde a veja frustrada pelo prejuízo que
obteve. Tal prejuízo, materializado em lucros cessantes, surgirá em consequência dos
comportamentos abusivos dos sócios que feriram o estado de solvência da sociedade.
Poderá ainda acrescer a tutela das expetativas jurídicas dos credores, que se poderão
encontrar, subitamente, surpreendidos com a atuação societária, no sentido de promoverem
o “naufrágio” da Sociedade para eludir e prejudicar credores. Evidentemente, são suposições
que apenas serão ponderadas e introduzidas em sede de indemnização mediante prova
inequívoca do nexo de causalidade280.
Resulta do exposto ser da nossa convicção que o credor-autor poderá malear a ação
condenatória da forma que melhor lhe aprouver, consoante o que pretender ver indemnizado.
Querendo ver-se ressarcido pelo dano emergente da dívida (ao qual poderá acrescer o valor
dos juros), a ação será sempre de responsabilidade contratual, à qual poderá aditar uma ação
de responsabilidade civil extracontratual, se os danos forem superiores aos danos da dívida.
279
Sobre a noção de pedido cumulativo e subsidiário vide REMÉDIO MARQUES, Ação declarativa à luz do
Código Revisto, 3ª ed, Coimbra Editora, 2011, p.137 e ss.
280
Acerca dos conceitos de dano emergente e lucro cessante, vide, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO,
Teoria Geral…cit., p.129.
55
Em causa poderá estar a existência de lucros cessantes, ou seja, se com o
comportamento abusivo a Sociedade começa a afundar-se e os credores tinham, por
exemplo, uma relação de fornecimento de mercadorias constante que lhes garantia
determinado lucro. Houve um dano emergente (do incumprimento), desde logo, que será
julgado em sede de responsabilidade contratual, mas o lucro cessante, aquilo que deixou de
ganhar pelo facto de haver um comportamento abusivo, será indemnizado pela via da
responsabilidade civil extracontratual, através do ilícito decorrente de uma responsabilidade
delitual.
Há porém Doutrina e Jurisprudência que ainda confunde esta questão com outra
diversa, a responsabilidade dos administradores/gerentes. Volvendo à questão da
responsabilidade dos administradores/gerentes frequentemente acontece que, na decisão
judicial, não se chega a dar uma resposta ao problema que poderia suscitar responsabilização
em sede de desconsideração da personalidade jurídica porque o pedido remete para a
responsabilidade destes e não dos sócios281. Não raras vezes, a maior parte dos
comportamentos dos administradores/gerentes presume a culpa grave do art.º 186 do CIRE
e a serem praticados por sócios, são comportamentos que se enquadram, nomeadamente, nos
grupos de casos de desconsideração. Afirma-se esta premissa como verdadeira mas, in casu,
estão em causa deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e muitos destes
comportamentos abusivos da desconsideração são praticados pelos sócios, em violação do
dever de lealdade dos sócios, numa atuação incompatível com o interesse da sociedade.
Simultaneamente, se alguns destes atos, por serem abusivos, levarem à desconsideração,
podem ser atos contrários à especialidade do fim do art.º 6 do CSC, sendo, nesse caso, atos
nulos, uma consequência de extrema importância para o credor, uma vez que a nulidade
reverte todos os atos praticados. Apesar disso, não é este o nosso objeto de estudo.
281
Veja-se v.g. os Acs. do TRL, de 29 de março de 2012, Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2, Relator: Teresa
Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt.
56
8. Conclusões
I. Prima facie - e quiçá a mais importante -, a personalidade jurídica das pessoas
coletivas revela-se, potencialmente, uma das mais relevantes em sede do Direito
Societário. De outra forma, não se teria admitido a autonomia patrimonial, atribuída
aos sócios aquando da constituição das sociedades por quotas, que lhes permitem
uma maior flexibilidade e potencia maiores oportunidades de investimento,
facilitando o surgimento de novas empresas, mediante a garantia de que os sócios
não arriscarão o seu património, ou, de outra forma, não arriscarão mais do que o
investido.
Atribui-se a denominação de “instituto” por ser esse o entendimento da maioria da doutrina. Cfr., v.g.,
282
VI. Numa viagem pelo espetro das perspetivas de tutela do credor, aferimos
encontrarem-se legalmente previstas algumas soluções “desconsideradoras”, nos
arts. 84, 270-F e 501 do CSC. Nestes casos, a solução será idêntica aos casos de
desconsideração extrapositiva, ou seja, far-se-ão responder os sócios abusadores,
por dívida alheia, com o seu património. Ao mesmo tempo, porém, concluiu-se que
estes casos não conseguem englobar e reprimir todas as situações de abuso, pelo
que, defendemos a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
283
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 639.
58
jurídica praeter legem, sempre que não nos podermos socorrer dos meios de tutela
legalmente previstos.
VII. Por outro lado, tendo em conta o efeito útil de uma ação de desconsideração para
efeitos de responsabilidade urge frisar que de nada valerá um esforço interpretativo
se, a par da sua fundamentação, não existir um percurso adjetivo-processual
direcionado para o convencimento do juiz da necessidade de instaurar uma
providência cautelar conservatória, em ordem à garantia da preservação do
património dos sócios devedores. Não obstante, da sua aplicação apenas deverão
beneficiar os “credores fracos”, por serem as figuras mais débeis, não lhes assistindo
a possibilidade de impor garantias que permitam a garantia do cumprimento da
dívida, considerando-se abuso do abuso de direito a circunstância em que um credor
materialmente forte, vir exigir o cumprimento da dívida por esta via.
59
ter património e bens suficientes para prosseguir com a sua atividade
empresarial.
iii. Por fim, focámo-nos no plano que apresenta a maior importância prática e que
encerra no objetivo principal, supra mencionado, da tutela dos credores. Neste
sentido, coube-nos demonstrar que a desconsideração da personalidade,
objetivamente, tratar-se-á de um problema de responsabilidade civil contratual-
negocial, nos termos do art.º 798 do CC. Este entendimento constrói-se através
de um labor interpretativo da norma atinente ao abuso de direito, i.é. do art.º
334 CC, conjugado com a restrição do art.º 197, nº3 CSC. Por via da
interpretação restritiva resulta que os sócios obterão proteção ao abrigo do
princípio da autonomia patrimonial desde que a sua atuação não fundamente
comportamentos abusivos do direito, em fraude à lei, revelando um fim ilícito.
60
vez que foi por causa da sua atuação em abuso da figura societária que a sociedade
se encontra em incumprimento debitório.
XII. Ainda assim, caberá sempre aos tribunais o exercício metodológico de verificação,
caso a caso, da justificação e admissibilidade da aplicação deste instituto.
61
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