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Diana Patrícia Lopes Simões

Desconsideração da Personalidade
Jurídica – Perspetivas de tutela do
credor social
Dissertação de Mestrado na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses
Apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Orientador: Professor Doutor Ricardo Alberto Santos Costa

janeiro/2016
DIANA PATRÍCIA LOPES SIMÕES

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA –


PERSPETIVAS DE TUTRLA DO CREDOR SOCIAL

Dissertação apresentada à faculdade de direito da universidade de Coimbra


no âmbito do 2.º Ciclo de estudos em direito (conducente ao grau de mestre),
na Área de especialização em ciências jurídico-forenses.

ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR RICARDO ALBERTO SANTOS


COSTA

COIMBRA
2016
“Não sabemos, verdadeiramente, o que é a vida. Mas não a podemos, por isso,
excluir da Ciência. Sabemos, de facto, que a vida existe (…) . Assim,
construímos um conceito de vida com o qual operamos nas ciências da
natureza e nas do espirito”
(VON GIERKE)

2
Agradecimentos
Aos meus pais, que tanto sacrificaram para que eu pudesse ter uma formação de qualidade e
de prestígio.

Ao Rúben, por todas as vezes que dizia: - “Oh mana, já não tens mais exames, podemos
brincar? Não tens de estudar mais?”

Ao João, por me acompanhar incondicionalmente ao longo de toda esta jornada.

A toda a família, pelo apoio incondicional e preocupação durante todos estes meses.

Aos meus colegas de curso, pelas partilhas e experiências vivenciadas. Aos meus Amigos
mais próximos ao lado de quem vivi, da forma mais intensa e única, estes anos; que ouviram
todas as minhas lamúrias e estiveram lá sempre, de mão estendida para apoiar e ainda, por
todas as gargalhadas.

À Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra por me ter proporcionado um ensino


de excelência.

A alguns Professores, em especial, pela dedicação e disponibilidade que me dedicaram.

Ao meu orientador, Professor Doutor Ricardo Costa, pela ajuda, acompanhamento e


conselhos assertivos, fundamentais para a realização desta dissertação.

Finalmente, a Coimbra, simplesmente por ter sido Coimbra.

A todos, um obrigado será pouco para expressar a minha gratidão!

3
Siglas de revistas e publicações periódicas
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça

BOA – Boletim da Ordem dos Advogados, Lisboa (Centro Editor Livreiro da Ordem dos
Advogados)

CDP – Cadernos de Direito Privado (CEJUR)

CI – Contratto e Imprensa, Padova (CEDAM)

CJ – Coletânea de Jurisprudência, Coimbra (Associação de solidariedade social “Casa do


Juiz”)

DSR – Direito das Sociedades em Revista, Coimbra (Almedina)

IDET – Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho

RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra (Coimbra Editora)

ROA – Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, (Ordem dos Advogados Portugueses)

Abreviaturas
A – Autor

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

Ac./Acs. – Acórdão/Acórdãos

BGB –Bürgerliches Gesetzbuch (Alemanha)

CC – Código Civil (Portugal)

Cfr. – Confira

CIRE – Código de Insolvência e Recuperação de Empresas

coord. – coordenação, coordenador (a)

CPC – Código do Processo Civil

CSC – Código das Sociedades Comerciais

4
DL – Decreto-Lei

ed. – edição

FDUCP – Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto

i.é – isto é

loc. cit – local citado

nt – Nota

n.º – Numero

ob. obra

ob. cit. – obra citada

p. – Página

reimp –reimpressão

ss. – Seguintes

últ. – último (a)

v.g. – verbi gratia

Vol. – Volume.

TRC/TRG/TRL/TRP – Tribunal da Relação de Coimbra/Guimarães/Lisboa/Porto

Nota: esta dissertação segue o novo acordo ortográfico, exceto na citação direta de autores,
bem como na alusão aos títulos das obras, que ainda mantém o acordo anterior.

5
Índice
Agradecimentos ..................................................................................................................... 3

Siglas de revistas e publicações periódicas............................................................................ 4

Abreviaturas ........................................................................................................................... 4

Índice ..................................................................................................................................... 6

1. Introdução .......................................................................................................................... 7

2. Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas ................................................................... 9

3. Responsabilidade Limitada .............................................................................................. 13

4. Desconsideração da Personalidade Jurídica Coletiva ...................................................... 16

4.1. História...................................................................................................................... 16

4.2. Contributo de Verrucoli ............................................................................................ 18

4.3. Fundamento .............................................................................................................. 20

5. Perspetivas de tutela dos credores sociais........................................................................ 22

5.1. A desconsideração como expediente de tutela ......................................................... 22

5.2. A distinção entre credores......................................................................................... 28

6. Dissecação ....................................................................................................................... 31

6.1. Grupos de casos ........................................................................................................ 31

6.2. Subcapitalização ....................................................................................................... 34

6.3. Descapitalização ....................................................................................................... 40

6.3.1. Distinção entre subcapitalização e descapitalização provocada .......................... 47

7. Fundamento legal e dogmático em torno da responsabilização. ..................................... 48

8. Conclusões ....................................................................................................................... 57

Bibliografia .......................................................................................................................... 62

Webgrafia............................................................................................................................. 67

Jurisprudência ...................................................................................................................... 68

6
1. Introdução
A desconsideração, como temática escolhida, aparece interligada com uma ideia de
necessidade de tutela dos credores que mantêm relações com as sociedades, máxime, com as
sociedades por quotas, atendendo às recentes alterações legislativas que poderão ter criado
algumas fragilidades para estes (ou, pelo menos, para alguns). Neste sentido, o objetivo
primordial é o de perceber qual a reação da nossa Ordem Jurídica, i.é. dos tribunais, na
presença de comportamentos dos sócios, qualificados como abusadores da personalidade
jurídica, causadores de prejuízos para com terceiros (no caso, sub judice, credores).

O tema assume especial importância no âmbito das sociedades por quotas1,


tipicamente denominadas de sociedades de responsabilidade limitada em que, regra geral,
os sócios não respondem pelas dívidas da sociedade para além do valor das entradas. É nestas
que as grandes debilidades do sistema se têm feito sentir, no que concerne à tutela dos
credores sociais. Não obstante, porque também apresentam problemas similares à sociedade
por quotas, algumas das conclusões a que chegarmos poderão, de igual formal, ser aplicadas
às sociedades anónimas.

Neste sentido, para dar início a esta “viagem”, é importante começar com o que
consideramos o “alfa e o ómega” da questão, uma vez que é o ponto de partida e o ponto de
sustento, tendo em conta que, se falhar esta base, todas as considerações tecidas em seu
torno, desaparecerão. A este respeito, fala-se da aquisição de personalidade jurídica coletiva,
que tem como consequência a atribuição, aos sócios, do “benefício” da responsabilidade
limitada, traduzido na autonomia patrimonial entre o seu património e o da Sociedade.

Contudo, se, por um lado, este “benefício” tem a vantagem de minimizar o risco
dos sócios, por outro lado, não pode exonerá-los de qualquer risco, ou, mais especificamente,
transferir a totalidade ou a maioria dos riscos para os credores sociais, funcionando como

1
Estas viram o seu aparecimento na Alemanha, por criação do legislador do Reich Alemão, em 1892. Em
Portugal, (primeiro país a seguir o exemplo alemão), foram introduzidas com a lei de 11 de Abril de 1901, com
a epígrafe de “sociedade por quotas de responsabilidade limitada” Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de
Direito Comercial. Vol. II. Das Sociedades, 4ª ed, Almedina, Coimbra 2014, p. 83-84

7
“arma de arremesso” contra os credores, mediante a instrumentalização da figura societária,
obtendo resultados ilícitos.

Para evitar injustiças, será analisada a admissibilidade do recurso à desconsideração


da personalidade jurídica, também conhecida por “Disregard Doctrine”, sempre que esta
seja a única solução que permita a tutela dos direitos do credor contra comportamentos
ilícitos, em fraude à lei, desrespeitadores da boa-fé, que originam graves prejuízos para os
credores.

Com a alteração ao art.º 201 do Código das Sociedades Comerciais2, imposta pelo
Decreto-Lei3 nº 33/2011, de 07 de março, relativo ao capital social mínimo, algumas
questões começaram a ecoar e carecem de resposta. Uma delas era a de saber como admitir
a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica num ordenamento que,
atualmente, não exige um capital mínimo para a constituição da sociedade por quotas. A par
desta, manteve-se a interrogação no sentido de perceber se a mera insuficiência de capitais
de uma sociedade poderá ser motivo para lançar mão deste mecanismo por si só ou se, pelo
contrário, será preciso mais do que a mera insuficiência, nos casos de subcapitalização.

Para tanto, invoca-se a necessidade de aprofundar os comportamentos que mais


problemas revelam nos dias de hoje, particularmente, os casos de subcapitalização, distintos
porém, dos casos de descapitalização (ainda que possam levar a consequências idênticas).
Trata-se de perceber se é possível, ou não, concluir pela quebra da autonomia privada,
fazendo os sócios responder perante os credores (responsabilidade externa), oferecendo a
estes uma tutela mediante um instituto que, apesar do seu não reconhecimento ope legis, é
reclamado pela ordem jurídica, numa ótica de atribuição de um verdadeiro sentido de justiça.

Teremos contudo de desmistificar equívocos e preconizar o que significa, em


termos práticos, admitir a desconsideração da personalidade jurídica, para efeitos de
responsabilidade, dando aos credores uma hipótese de trajeto a percorrer, tendo em conta o
caso concreto, não olvidando o caráter excecional deste instituto.

2
Doravante, CSC.
3
Doravante, DL.

8
2. Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas
Personalidade jurídica define-se como sendo a suscetibilidade de ser titular de
direitos e obrigações e é reconhecida pelo Direito a toda a pessoa humana, sendo por isso
designada por personalidade singular4. Não obstante, são também suscetíveis de
personalidade jurídica as organizações de pessoas e/ou bens, sendo in casu, intitulada por
personalidade coletiva. Desta forma, subentende-se que nos referimos à personalidade
jurídica das pessoas coletivas quando falamos de personalidade coletiva. Nos primórdios
entende-se que esta apareceu, no direito privado, no seio das sociedades anónimas, por causa
do comércio com as Índias Orientais e Ocidentais e tinha como finalidade a justificação do
benefício da responsabilidade limitada, concedida aos sócios5.

A hipótese do tratamento como pessoa de algo que não respira, que não vive6,
impõe-nos, ainda hoje, um grande esforço para compreender os motivos que estiveram na
sua génese. Compreensão essa que consideramos de maior relevância, pois, como afirma
LAMARTINE CORRÊA: “o reconhecimento da importante influência da História do
Direito sobre as formulações teóricas não nos dispensa a tarefa teórica. Mas a História do
Direito serve de contraprova da correção da fórmula teórica”7/8. Este reconhecimento das
pessoas coletivas traduz a satisfação das necessidades que transcendem o interesse do ser
humano, individualmente considerado.9 Considere-se, para tanto, a frase de ULPIANO10:
“Si quid universitati debetur singulis no debetur, nec quod debet universitas, singuli debent”.

Foi a conceção de SAVIGNY, “tal como se depreenderia do System” que se tornou


como referência indispensável no “estudo sobre a dogmática da personalidade colectiva”, o

4
Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. por António Pinto
Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 201.
5
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “Desconsideração da
Personalidade Jurídica”, Almedina, Coimbra, 2009, p. 77, nt. 15.
6
“A personalidade coletiva é uma criação do Direito, mas não uma criação arbitrária. Menos ainda uma ficção
[…]”. Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. II, 10ª ed. (Reimpressão),
Coimbra Editora, 2001, p. 187.
7
Cfr. A dupla crise da Pessoa Jurídica, Edição Saraiva, São Paulo, 1979, pág. 7.
8
A referência a pessoas coletivas surge na edição Das Instituições, em 1907, por Guilherme Alves Moreira.
Cfr. GUILHERME ALVES MOREIRA, Instituições de Direito Civil Português – Vol. I, Parte Geral, Imprensa
da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1907, p. 153ss.
9
Cfr. ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano – I, Parte Geral, (Introdução. Relação Jurídica.
Defesa dos Direitos), 4ª Edição, Coimbra Editora, 2008 p.151.
10
Apud A. SANTOS JUSTO. Traduzindo: “o que é devido a uma corporação não é devido aos seus membros;
nem o que a corporação deve, devem os seus membros”, Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 153, nt. 701.
9
que se perpetuou até à modernidade. De salientar que as suas obras têm servido de inspiração
a variadas “leituras” 11. É notável o pensamento deste A. que só no séc. XIX12 ganhou o seu
lugar na ciência do direito como categoria genérica da Parte Geral do Direito Civil. Não
obstante, foi posta em causa por FLUME13.

A teorização em torno da personalidade coletiva dividiu a Doutrina,


fundamentalmente, em duas grandes correntes: os negativistas da personalidade coletiva,
como RUDOLF JHERING14; e os seus defensores, nomeadamente, VON GIERKE15,
postulando que a personalidade jurídica da pessoa coletiva produz efeitos, pelo que estamos
perante uma pessoa “composta”, que não se confunde com as pessoas singulares que a
compõem, pese embora este Autor considerasse que a pessoa coletiva apresentava
semelhanças com as pessoas jurídicas singulares16.

Desta forma, no seio da corrente doutrinária que perfilha, à existência de


personalidade jurídica coletiva (i.e., que admitiu a “personificação” da sociedade enquanto
pessoa), apontam-se duas teorias, uma, inicialmente imputada a SAVIGNY17, como sendo
a teoria da ficção e a outra, atribuída a VON GIERKE18, como sendo a teoria da realidade
jurídica.

Atualmente, na doutrina, é dominante a compreensão técnico-jurídica da pessoa


coletiva. “Produto da técnica jurídica, abstraindo de considerações éticas, sociais e politico-
gerais, não baseando nos substratos meta-jurídicos o seu específico modo de ser, a

11
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento da Personalidade Coletiva, No Direito Civil e Comercial,
Almedina, Coimbra, 2000, p. 40. Do mesmo A. cfr. Manual de Direito das Sociedades I, I volume, Das
Sociedades Geral, 2ª ed., (atualizada e aumentada), Almedina, Coimbra, 2007 p. 305.
12
Apesar disso, há quem considere que já no séc. XIII, por forma a resolver os problemas do foro eclesiástico
que surgiam, os canonistas notaram a existência de entes representativos de interesses e grupos de pessoas que
não se confundiam com os seus membros – as “universitates”. Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 153.
13
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 41.
14
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 47-48. Este autor questionou se a personalidade
coletiva não seria um mero recurso técnico para atingir determinados objetivos. Cfr. RUDOLF VON
JHERING, Geist des römischen Rechts auf den verschiendenen Stufen seiner Entwicklung, 3º Vol., p. 338 e
ss.
15
Apud MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit, p. 53.
16
Cfr. Deutsches Privatrecht, Vol I – Allegemeiner Teil und Personnentecht, 1895, p. 470-472, apud
MENEZES CORDEIRO, op. cit., p. 54.
17
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, 2ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2007, p. 527e ss.
18
Não obstante este Autor defender que nos encontramos perante uma “pessoa” que não se confunde com as
pessoas singulares que a compõem, o mesmo considera que a pessoa coletiva apresenta semelhanças com as
pessoas singulares. Cfr. OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht…cit., p. 603, apud MENEZES
CORDEIRO, O levantamento…cit., p. 53
10
personalidade coletiva é expediente utilizável por uma série de diferenciadas organizações,
pelo qual a ordem jurídica atribui às mesmas a qualidade de sujeitos de direito, de autónomos
centros de imputação de efeitos jurídicos”19. Tal circunstância conduziu ORLANDO DE
CARVALHO a considerar que estamos perante uma: “teoria da personalidade idêntica à
personalidade jurídica do Homem"20.

Em nosso entender concordamos em não parecer admissível a negação da


personalidade jurídica às pessoas coletivas. Apesar disso, não poderemos olvidar os
argumentos da Doutrina21 que defendeu tal posição, porque apenas esta postura nos permitirá
optar por uma solução que não seja redutora. Note-se que, sem o reconhecimento de todas
as possibilidades na resolução do problema, ninguém pode formar juízos exatos. O
afastamento das teorias negativistas é para nós uma realidade inquestionável22, desde logo
pelo facto de a personalidade jurídica ser reconhecida ope legis, no ordenamento jurídico
Português23. Na verdade, estas pessoas são realidade, não são fictícias, numa criação muito
recente do direito24.

A personalidade jurídica desempenha uma função normativa e uma função


ideológica. Relativamente à primeira, esta, ainda que fraca, traduz-se na atribuição, pela lei,
da “autonomia patrimonial perfeita das sociedades por quotas e anónimas” 25. A função
ideológica tem que ver com o benefício da responsabilidade limitada dos sócios. Faz sentido
que a sociedade tenha as suas dívidas e os sócios também as suas (porque são sujeitos
diferentes), pelo que, não devem os sócios responder pelas dívidas da sociedade. Contudo,
há sociedades nas quais os sócios respondem, a par da sociedade, pelas dívidas sociais.
Ainda assim, a função ideológica refere-se à separação de dívidas 26.

19
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade. (As empresas no Direito), Almedina, Coimbra, 1996,
p. 198 e ss.
20
Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Relatório sobre o Programa. Conteúdo e Métodos de Ensino, ed.
Datilografada, Coimbra, 1976, p. 45.
21
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores …cit., p.112, nt. 88.
22
No âmbito desta investigação, a questão não assume importância de maior. Porém, a posição sustentada
resulta de um estudo das diversas posições dos diversos autores, postulada na obra de FÁTIMA RIBEIRO, A
Tutela dos Credores …cit., p. 87 e ss.
23
Art.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, doravante, CSC.
24
“ […] ele não pode ter a posição dum feitiço (fétiche) ” Cfr. COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito.
Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais. Almedina, Coimbra, 1983 (reimp. 2006),
p. 102.
25
Cfr. COUTINHO DE ABREU, art.º 201…cit., p.98
26
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.171-172.
11
Não obstante, somos concordantes em que esta não deve ser absolutizada27 porque,
mesmo antes de a sociedade adquirir personalidade, já tem uma caraterística muito
importante, que COUTINHO DE ABREU denomina por “subjetividade jurídica”28. O Autor
introduz este patamar de sujeito de direito que ainda não tem personalidade jurídica, mas já
tem subjetividade jurídica e há certas normas que a consideram já como centro de imputação
de algumas relações jurídicas. Logo, não devemos considerar esta personalidade jurídica
como absoluto porquanto, mesmo sem ela, já existem sujeitos de direito.

A este propósito questiona-se: qual a necessidade da personalidade jurídica? A


resposta recai no facto de se reconhecer às sociedades, enquanto unitários sujeitos de direitos
e deveres, a possibilidade de terem um nome, uma sede e mesmo património autónomo.
Observa-se também nestas entidades capacidade de gozo (através de órgãos) e de exercício
de direitos. Dizendo de outra forma, “as pessoas colectivas são organizações juridicamente
autónomas: organizações com aparelho orgânico para agirem, organizações que respondem
pelos seus atos, dotadas de entidade jurídica própria”29.

Nota importante é a que serve para perceber o significado prático da atribuição da


personalidade jurídica às sociedades. Assim, tal atribuição impõe um reconhecimento do
“carácter autónomo do respetivo património”, ou seja, quando se afirma constituir o
património social, um património social autónomo, quer-se transmitir exatamente que este
pertence à sociedade e não o oposto 30.

Não é necessário que essa autonomia patrimonial seja perfeita. Parafraseando


FERRER CORREIA, “[…] o que o referido conceito pressupõe é unicamente […] a
insensibilidade da massa dos bens separados às dívidas contraídas por outro sujeito
económico e jurídico no prosseguimento dos seus fins pessoais”31. Poder-se-á afirmar que a
personalidade jurídica é um meio de exoneração de responsabilidade, por quem pretender

27
Neste sentido, cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.176; PEDRO
CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, AFFDL 2ª ed.,
Universidade Lusíada Editora, 2005, p. 297 e CATARINA SERRA, “Desdramatizando o afastamento da
personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial) ”, Julgar, n.º9, 2009, p. 112.
28
Cfr. “Art.º 5” in Código das Sociedades Em comentário, coord.: J. M Coutinho de Abreu, Volume I (Artigos
1º a 84º), Códigos, n.º1, IDET, Almedina, Coimbra, 2010, p. 98.
29
Cfr. Ob. Cit. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 199 e ss.
30
Cfr. SOVERAL MARTINS, “Da personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais”, in,
Estudos de Direito das Sociedades, coord.: Jorge Coutinho de Abreu, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2013, p.88.
31
Cfr. Lições de Direito Comercial II, João Abrantes, Coimbra, 1968, p. 62 e ss.
12
seguir determinado objeto, através da constituição de uma sociedade comercial. Destarte,
desde que respeitem o que resulta expressamente no nº3 do art.º 197 do CSC, no que
concerne às sociedades por quotas, não verão as dívidas da sociedade imputadas ao seu
património pessoal.

Reclama-se, neste sentido, o encontro de um ponto de equilíbrio entre, por um lado,


o mínimo de segurança que a personalidade jurídica requer e, por outro, a repressão de
utilizações abusivas da Sociedade. Admitimos que, ao fazer os sócios responder por dívidas
sociais que, inicialmente não seriam suas, - estando estes confiantes quanto ao “meio de
realizar a actividade empresarial” contemplado ex lege, - poderá tornar-se num “factor
gerador de insegurança e, até, refreador da iniciativa empresarial”32.

Sublinhamos, desta forma, que a personalidade coletiva é um elemento


fundamental, pois permite a separação da esfera patrimonial entre a pessoa coletiva e seus
sócios. Não se pode confundir a pessoa coletiva com a figura dos sócios 33. Ainda assim, a
vontade jurídica da sociedade depende, unicamente, da vontade dos sócios, vivendo em
função do escopo ou fim dela, ex vi do art.º 980 do Código Civil34, rectius, é um elemento
essencial da sua constituição e exprime-se na obtenção de lucros e respetiva repartição pelos
sócios.

3. Responsabilidade Limitada
O regime-regra das sociedades de capitais é o da responsabilidade limitada, de tal
modo que, na Doutrina são mormente, designadas por sociedades de responsabilidade
limitada, considerando a responsabilidade dos sócios pelas dívidas societárias35. Não
obstante, somos alertados para o facto de que poderá não ser esta denominação a mais
correta, tendo em conta que, não é a sociedade que tem responsabilidade limitada, mas sim
os sócios36.

32
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do contrato de Suprimento. O Financiamento entre capital próprio e
capital alheio, Almedina, Coimbra, 2002, p. 123.
33
Esta é a posição assumida por HANS KELSEN. Cfr. HANS KELSEN, Teoria Pura do Direito, Tradução:
João Baptista Machado, 6ª ed. São Paulo-Martins Fontes, 1984, p. 215.
34
Daqui em diante, CC.
35
Neste sentido, TARSO DOMINGUES, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, p. 38.
36
Idem.
13
Historicamente, a limitação da responsabilidade surge no séc. XVI como incentivo
aos empresários, por forma a garantir a promoção do investimento na exploração do
comércio na India Oriental e Ocidental37.

Encontram-se divergências na Doutrina sobre o que justificou o aparecimento de


tal responsabilidade. Se, de um lado, se considera que o surgimento da responsabilidade
limitada é posterior ao instituto da personalidade coletiva38, outros39 afirmam que a
personalidade coletiva não é mais do que uma justificação dada, à posteriori, e como tal,
aparecendo cronologicamente em primeiro lugar a responsabilidade limitada.

Apesar disso, o art.º 5 do CSC não deixa dúvidas quanto ao facto de que a sociedade
apenas adquire personalidade coletiva após o registo do ato constituinte40. Ora, tal qual
mencionado supra, como unitários sujeitos de direitos e deveres, as pessoas coletivas têm
autonomia patrimonial, que, no caso das Sociedades por Quotas, é uma autonomia
patrimonial perfeita, o que equivale à responsabilidade limitada.

Apoiando COUTINHO DE ABREU, deixamos de ver a responsabilidade limitada


como um “privilégio”, ou seja, a exceção à responsabilidade ilimitada dos sócios, passando
a considerar-se como “ […] aplicação do Princípio geral”, ou seja, neste tipo societário, se a
sociedade e seus sócios configuram pessoas jurídicas distintas, não se confundindo os
respetivos direitos e deveres de cada uma, não fará sentido que os sócios respondam por
dívidas da sociedade e vice-versa41. Diz-se, hoc sensu, pelas dívidas da sociedade, só o seu
património responde e só este pode responder por aquelas dívidas 42. Desta forma, as
obrigações sociais não poderão afetar o património pessoal dos sócios, pelo que, tal
património está, inegavelmente, ao serviço dos sócios43. Hoje apresenta-se, entre nós,
“enraizado” como um real direito no caso das sociedades de capitais.

37
No mesmo sentido, FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 77, nt. 15.
38
Vide A. SANTOS JUSTO, Direito Privado…cit., p. 154-156.
39
Como COUTINHO DE ABREU, Cfr. “Art.º 5…”cit., p.99 e FÁTIMA RIBEIRO, “A personalidade jurídica
das pessoas coletivas apareceu, no âmbito do direito privado, para justificar a atribuição da responsabilidade
limitada aos sócios das sociedades anónimas”, Cfr. A tutela dos Credores …cit., p. 77, nt 15.
40
Em sentido diverso, Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. IV, Sociedades Comerciais.
Parte Geral, Lisboa, 2000, p.170.
41
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 5º…”cit., p. 99.
42
Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral…cit., p. 347 -348.
43
Cfr. neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito…cit., p.105.
14
Lograr-se-á dizer que o CSC prevê duas exceções à autonomia patrimonial perfeita
(nas sociedades por quotas). A primeira encontra-se logo no art.º 197, nº1 do CSC,
estabelecendo que os sócios, “para além da realização da sua entrada, são ainda responsáveis
por todas as entradas convencionadas no contrato”44 e a segunda resulta do art.º 198 do CSC,
que prevê, em alguns casos, a responsabilidade direta dos sócios para com os credores
sociais45.

Não olvidaremos que a limitação da responsabilidade societária determina uma


“transferência de risco” para os credores sociais, que o veem aumentado46. Porém, o art.º
994 do CC proíbe o pacto leonino, na medida em que não é lícita qualquer cláusula que
exclua o sócio da participação nas perdas da sociedade, não sendo, nesse sentido, admissível
uma transferência unilateral desse risco. “Trata-se de uma limitação, não de uma isenção de
responsabilidade”, muito menos que essa transferência tenha o propósito de causar prejuízos,
“externalizando” os riscos para os credores sociais, principalmente os credores fracos,
(temática a desenvolver infra) estando presente a ideia de limitação dessa transferência47.

Por vezes, perante sociedades materialmente insolventes, os sócios fundamentam a


sua irresponsabilidade pelas dívidas societárias com o argumento de que, perante a lei, não
devem mais nada à sociedade, tendo em conta o plasmado no art.º 197, nºs 1 e 3 (para as
sociedades por quotas) e art.º 271, (para as sociedades anónimas) ambos do CSC. A ser
assim, seriam os credores penalizados perante um resultado confirmado de insolvência
material da sociedade, em consequência da não apresentação de um meio de cumprimento
obrigacional.

Questiona-se, a este respeito, se não será de exigir o recurso à desconsideração da


personalidade jurídica da pessoa coletiva, tendo em vista a tutela dos direitos dos credores
sociais48, por forma a garantir a prossecução da Justiça. Defendemos que uma solução deste

44
No mesmo sentido TARSO DOMINGUES, Do Capital Social, Noção, Princípios, E Funções, Studia
Jurídica 33, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p.99.
45
Padece desta opinião FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos credores…cit., p. 148.
46
Cfr. PEDRO MAIA, “Contrato de Sociedade e risco no exercício de atividade económica” in O contrato na
gestão do risco e na garantia da Equidade, (Coord. António Pinto Monteiro), Instituto Jurídico – Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 261. Acresce que o autor, por via de discurso oral
in Workshop organizado pelo Grupo de Investigação “Contrato e desenvolvimento social” ministrado no dia
20/11/2015 na FDUC, enunciou que “nas sociedades por quotas, nada se cria, nada se perde, tudo se transfere”.
47
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 55.
48
Na obra de FÁTIMA RIBEIRO verifica-se uma solução Durchgriff, proposta pela doutrina e jurisprudência
alemãs, como forma de responsabilização direta dos sócios, maxime, para tutela dos interesses dos credores
15
género se concretiza no afastamento da separação patrimonial, levando os sócios a
responderem por dívidas da sociedade, perante credores sociais. Para tanto, encontramos
apoio em VERRUCOLI, no sentido de negar o privilégio concedido pela aquisição da
personalidade jurídica, se este servir para dissimular situações injustas49. Sendo o instituto
da desconsideração da personalidade jurídica gerador de grande discussão doutrinal, infra
desenvolvida, num plano ainda desvanecido, dever-se-á retirar somente que o recurso a ele
deverá ser ponderado de forma responsável, evitando deixar transparecer a ideia de “prémio”
por comportamentos “ingénuos” dos terceiros que se possam relacionar com a sociedade50.

4. Desconsideração da Personalidade Jurídica Coletiva


4.1. História

Nesta abordagem, adotaremos a expressão “desconsideração da personalidade


coletiva”51 por considerarmos aquela que traduz, da melhor forma, a situação de facto, isto
é, “não ter em consideração” a limitada responsabilidade societária. Tal nomenclatura foi
adotada por FERRER CORREIA, autor que, primeiramente em Portugal, se debruçou sobre
a necessidade de responsabilização do sócio único pelas obrigações societárias, de forma
pessoal e ilimitada52, em certos casos53.

sociais. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p.133. No mesmo sentido, COUTINHO DE
ABREU, Curso de Direito comercial…cit., p. 178.
49
Cfr. Il Superamento della Personalità Giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law,
Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1964, p. 76. (Tradução nossa). “Ove questa strumentalità rispetto al
perseguimento” dei fini tipicizzati dal legislatore venga a mancare, o porti a situazioni di ingiusto danno per lo
Stato o per la collectivitá in esso organizzata, si potrà far lougo al superamento dello schermo rappresentato
dalla personalità giuridica”.
50
Apesar de opinião diversa, dever-se-á concordar com FÁTIMA RIBEIRO, quando atrai a atenção para esta
possibilidade, funcionando apenas como argumento de cautela, não de afastamento tout court da solução
proposta. Cfr. “O capital Social das Sociedades por Quotas e o Problema da Subcapitalização Material”, in
Capital Social livre e ações sem valor nominal, coord.: Tarso Domingues/Maria Miguel Carvalho, Almedina,
Coimbra 2011, p. 67, nt. 58.
51
Expressão equivalente ao “Durchgriff bei juristicher personen” ou simplesmente “Durchgriff” da doutrina
alemã; ao “Disregard of the legal entity” ou “Lifting the corporate veil ” da doutrina anglo-saxónica; ao
“Superamento della personalitá giuridica” da doutrina italiana; ao “Transparence” da doutrina francesa e,
finalmente, à “Desestimación de la personalidade jurídica” da doutrina espanhola.
52
Ainda que subsidiariamente.
53
Cfr. FERRER CORREIA, “O problema das Sociedades Unipessoais de Responsabilidade Limitada”, in
Estudos de direito Civil, Comercial e Criminal, Almedina, Coimbra, 1985, p.209.
16
A teoria da desconsideração foi acolhida, em Portugal, em 199354, apesar de serem
tecidas considerações no sentido de que essa altura faz já parte da receção no seu segundo
momento, isto é, a receção formal, tendo sido o primeiro momento, o da receção prática, em
1976, através do acórdão do STJ de 06/01/197655. Ainda assim, a aplicação deste instituto
tem sido avaliada pelas instâncias ao longo dos anos56. De frisar que o STJ, em decisão de
10 de janeiro de 2012 proferida, afirmou que “a desconsideração da personalidade jurídica
é efetivamente um instituto não regulamentado na lei portuguesa”, pelo que, em caso de
“utilização abusiva da personalidade jurídica, a doutrina e a jurisprudência respondem com
a solução jurídica conhecida por desconsideração da personalidade jurídica”57.

Contudo, a sua origem vem, anteriormente, dos Estados Unidos da América, séc.
XX58, sendo denominada por “piercing the veil”. Outras expressões foram empregues no
direito anglo-saxónico, como doutrina do “disregard of legal entity” ou “lifting the corporate
veil”59/60. Existe, neste âmbito, uma conexão muito acentuada com a teoria da ficção, nela
assentando a conceção de personalidade jurídica e serve de base a várias decisões em que a
desconsideração da personalidade jurídica tem vindo a ser aplicada, por forma a evitar
“desonestidades” por parte dos sócios61. Esta doutrina foi aplicada num caso de
subcapitalização societária, dando “origem à comummente designada Deep Rock
Doctrine”62.

54
Pelo Ac.13/5/93 da RP, CJ, 1993, t. III, p.199, ss. Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit.,
p. 206, nt. 533.
55
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento…cit., p. 113.
56
Vide, v.g., os Acs. do TRL, de 03 de março de 2005, Proc. n.º 1119/2005-6, Relator: Gil Roque; do TRP, de
22 de junho de 2009, Proc. n.º 1201/09, Relator: Maria de Deus Correia; do TRG, de 09 outubro de 2014, Proc.
n.º 516/06.5TCGMR.G1, Relator: Manuel Bargado e do TRC, de 10 de fevereiro de 2015, processo, n.º
1279/08.5TBCBR.C1, Relator: Moreira do Carmo, disponíveis em www.dgsi.pt.
57
Cfr. Ac. do STJ, de 10 de janeiro de 2012, Proc. n.º 434/1999.L1.S1, Relator Salazar Casanova, (ponto H e
41,) disponível em, www.dgsi.pt.
58
Porém, a primeira decisão judicial norte-americana ocorreu em 1809, no caso Bank of the United States v.
Devenaux, tendo como objetivo a justificação dos tribunais federais sobre as sociedades. In casu, a decisão foi
no sentido de atender às pessoas singulares, componentes da sociedade em questão. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela dos credores…cit., p.95, nt. 29.
59
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.176, nt. 32.
60
A Jurisprudência inglesa, contudo, não se tem mostrado tão receptícia como a norte-americana à conceção
do levantamento do véu. Neste sentido, o desenvolvimento da doutrina e jurisprudência em torno desta ideia é
posterior aos EUA. Cfr. SOVERAL MARTINS, Op. cit., p. 94, nt. 32.
61
Segundo LAMARTINE CORRÊA, esta doutrina mantém-se no ordenamento jurídico norte-americano. Cfr.
LAMARTINE CORRÊA, A dupla crise …cit., p.268.
62
Vide TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p.168, nt. 636.
17
Todavia, é após a II Guerra Mundial que se observa um aprofundamento do tema,
falando-se assim em “Durcgriff durch die juristische Person”, destacando-se SERICK
(1955) que, tendo como ponto de partida a doutrina da desconsideração da personalidade
jurídica entaizada na doutrina alemã, “procura saber quais as condições que têm que se
verificar para se prescindir da estrutura formal da pessoa jurídica e penetrar no respetivo
substrato pessoal”, tendo como critério “a existência de uma utilização abusiva da forma da
pessoa jurídica”63/64.

4.2. Contributo de Verrucoli

VERRUCOLI faz uma análise entre o sistema inglês e o americano, indicando-nos


o seu modus operandi. Começando pelo sistema inglês, este autor declara que a
desconsideração da personalidade jurídica difere dos EUA, uma vez que, como afirmado
supra, não foi um mecanismo que lhes tenha suscitado muita atenção. Neste sentido a
jurisprudência pautou-se pelo respeito pela autonomia privada, servindo-se apenas (e tão só)
da desconsideração em casos raros. Não obstante, o caso Salomon v. Salomon & Co. provem
de Inglaterra65.

Na sua investigação socorre-se de casos de desconsideração legislativa e


jurisprudencial, existentes no direito inglês e conclui que os casos mais importantes surgem
no Direito tributário, relativos a impostos de renda e de sucessão. Paralelamente, no direito
comercial, “nella sect. 31 e nella sect. 332 del Companies Act, 1948.”, verificam-se outros
66
grupos de casos . In casu, poderá o tribunal responsabilizar diretamente os sócios na
hipótese de terem, deliberadamente, recorrido a fins falaciosos para atingir determinado
objetivo67. Diz-nos ainda que a possibilidade mais relevante de desconsideração é a que
“concerne la holding e le subsidiary companies”, mas tal não proíbe a holding impeça a
insolvência da sua subsidiary”68.

63
Cfr. SOVERAL MARTINS, Op. Cit. p. 94-95, nt.33.
64
Decisão no 3º Senado do Reichsgericht (RG) de 22 de Junho de 1920.
65
Cfr. VERRUCOLI, Il Superamento …cit., p. 90-91.
66
Ibidem, p. 93-94.
67
Ibidem, p.96
68
Ibidem, p.101
18
Este A. alerta-nos, entre os vários grupos de casos de desconsideração69, para o caso
Smith, Stone & Knigth v. Birmingham Corporation (1939). Neste, a desconsideração teve
por base o reconhecimento de uma relação denominada por agency ou trusteeship70.
Reconhece VERRUCOLI que esta figura proporciona a manutenção, em simultâneo, da
personalidade da sociedade “parent company” e do sócio “subsidiary company”. Acresce
ser seu entendimento que o recurso à “agency” não carece, tendencialmente, de uma
circunstância de “disregard”, destacando, nesse sentido, o facto de que, em alguns casos,
“disregard […] ed agency disregard rispondono ad uno stesso intento e pervengono allo
stesso effetto, ma constituiscono techiche diverse”71.

Por outro lado, nos EUA, é possível encontrar inúmeras manifestações de


desconsideração da personalidade, ao longo da jurisprudência. A predisposição para
reconhecer esta temática com maior ênfase surge pelo desenvolvimento económico muito
complexo e acentuado que o país apresenta72. O caso United States vs. Milwaukee
Refrigerator Transit Co. (1905) é o apontado pelo autor, como aquele que serviu de sustento
para a aplicação desta figura73. Para VERRUCOLI, a decisão não esgota as diversas
possibilidades de aplicação da desconsideração, contudo, tem como finalidade prevenir e
eliminar situações de fraude e/ou comportamentos ilícitos74.

Conclui então que, inexiste, no ordenamento norte-americano, uma preocupação


com vista na qualificação jurídica da técnica utilizada. Não obstante, o mesmo não se poderá
dizer no que respeita à observação de imperativos de Justiça75. Finalmente, diz-nos o A.
considerar que HORNSTEIN apresenta a melhor classificação jurisprudencial das
circunstâncias que reconduziram à desconsideração76. Além disso, direciona-nos para a
grande flexibilidade da jurisprudência norte-americana, que admite a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade em múltiplas situações77.

69
Para uma descrição pormenorizada da divisão dos casos de desconsideração, proposta por VERRUCOLI
vide Il Superamento…, cit., p. 108 e ss.
70
Cfr. p. 104
71
Cfr. VERRUCOLI, op. cit., p. 106, i,é. Apresentam o mesmo efeito, sendo díspar a técnica aplicada (tradução
nossa).
72
Ibidem, p. 118.
73
Ibidem, p. 120
74
Ibidem, p. 120-121
75
Idem.
76
Ibidem. 124.
77
Ibidem, 146.
19
Após a comparação supracitada, entende este A. que na, Common Law, deparamo-
nos perante um sistema com maior elasticidade, pelo que, não existe uma grande rigidez na
procura de uma norma para aplicação da desconsideração. Por sua vez, por ser um sistema
menos aberto, na Civil Law a desconsideração só opera quando sustentada por uma lei ou
princípio consagrado legislativamente78. Desta dissimilitude conclui-se que, no Direito
Americano, há uma possibilidade mais vasta de adequação das exigências e circunstâncias,
do que nos países de Civil Law, uma vez que estes se veem limitados à lei, impedindo que,
perante o caso concreto, se possa encontrar uma solução praeter legem. Todavia, não deixa
de ressalvar que os sistemas apresentam um ponto de contato, relativamente à previsão da
desconsideração da personalidade jurídica como privilégio concedido a alguns grupos.

4.3. Fundamento

São diversas as definições deste “instituto” na doutrina nacional. Para COUTINHO


DE ABREU, a desconsideração da personalidade jurídica é definida como “a derrogação ou
não observância da autonomia jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face
dos respectivos sócios”79. Por seu turno, outras vozes identificam-na como a “operação pela
qual a personalidade jurídica de uma pessoa colectiva é afastada, retirada”80 e RICARDO
COSTA descreve-a como a “técnica que permitirá subtrair o património (pessoal ou social)
dos sócios ao benefício da responsabilidade limitada”81. Para este Autor, “[…] a rutura da
responsabilidade limitada dá-se por aplicação de normas respectivas e depende do
preenchimento dos seus requisitos”82. Poderemos ainda indicar outra perspetiva que
menciona representar “o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e
os seus sócios […]” i.é., “[…] desconsiderar significa derrogar o princípio da separação
entre a pessoa colectiva e aquelas que por detrás dela actuam”83.

Esta técnica jurídica tem sido construída doutrinal e jurisprudencialmente entre nós,
isto é, praeter legem, diversamente da ordem jurídica brasileira que consagra, pelo exposto

78
Ibidem, p. 200-201.
79
Vide COUTINHO DE ABREU, Op. cit., p. 176.
80
Vide. FÁTIMA RIBEIRO, Op. cit. p. 67.
81
Cfr. “Desconsiderar ou não desconsiderar: eis a questão”, in BOA, Jan./Fev. 2004, p.11.
82
Idem.
83
Vide PEDRO CORDEIRO, Op. cit., p.19.
20
no art.º 50 da Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 do Código Civil84, a “suspensão da
eficácia da personalidade jurídica, no caso concreto, por decisão judicial, estendendo-se os
efeitos subjetivos do título executivo a um sócio ou administrador da sociedade, fazendo-o
responder patrimonialmente pelas obrigações desta”85.

Contudo, independentemente do modus operandi, facto é que esta doutrina consiste


em ″penetrar″86 a separação existente entre património da sociedade e dos sócios, negando
a personalidade coletiva destes, o que os leva a responder pessoal e ilimitadamente pelas
dívidas da sociedade.

Consideramos, na linha de pensamento de COUTINHO DE ABREU, que “as


sociedades – pessoas jurídicas - são […] autónomos sujeitos de direito; estão “separadas”
dos seus membros (sócios) ”. Porém, tal cisão não deve “obnubilar-nos”, uma vez que “a
sociedade não vive por si e para si, antes existe por e para o (s) sócio (s); destes é ela
instrumento […]87. Tal como dito supra, teremos de negar uma absolutização conceitual da
personalidade coletiva, construindo, dessa forma, a linha condutora para aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, com vista à derrogação do “princípio da
separação” (Trennungsprinzip)88. Esta personalidade, porque fundada em critérios de
oportunidade, é suscetível de ser mais ou menos estendida, limitada ou fracionada”89.

Não obstante, autores alemães, como EKARD REH-BINDER, defendem


expressamente que “só deverá existir recurso a soluções Durchgriff, […] quando esta tutela
não seja possível através da aplicação das regras gerais que permitam manter intacto o

84
Que dita: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
85
Cfr. ANA FRAZÃO, “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela dos credores” in Questões do
direito societário em Portugal e no Brasil, Coord.: Fábio Ulhoa Coelho/ Maria de Fátima Ribeiro, Almedina,
Coimbra, 2012, p. 483. No mesmo sentido, FÁTIMA RIBEIRO/RUI PEREIRA DIAS, “Desconsideração de
personalidade jurídica de sociedade brasileira por tribunal brasileiro, para responsabilização de sócios
portugueses – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.06.2014, Proc. 93/13” in, CDP, n.º49,
Janeiro/Março 2015 p. 56.
86
Expressão utilizada por MENEZES CORDEIRO.
87
Cfr. Op. cit. p. 176.
88
Idem.
89
Idem.
21
princípio da separação entre a pessoa coletiva e os seus membros” 90. Perante este
pensamento, surgem rumores de ser por esta via que tende a doutrina germânica, acerca desta
solução, i.é. envereda pela não admissão do recurso a soluções desconsiderantes, se a
solução estiver consagrada na lei91.

Em Portugal, defende-se que “sempre que seja possível resolver um problema


dentro dos quadros jurídicos mais precisos e rigorosos, é metodologicamente incorreto
recorrer a quadros do pensamento de contornos mais fluidos”92.

Versa-se, deste modo, sobre um Princípio de Subsidiariedade, numa visão de última


ratio, excecional ou complementar. Entende-se que, a contrario, poderia ser “uma ameaça
a um instituto sedimentado na prática e essencial para o desenvolvimento económico”93. Não
é pacífica a fundamentação desta solução nos casos em que se entenda ser admissível94.
Aditando, é consensual que apenas se poderá recorrer a tal mecanismo, resultado de
elaboração da doutrina e jurisprudência, quando o resultado pretendido – a tutela dos
credores sociais – não possa ser alcançado através da aplicação do direito positivo.

Igualmente, RICARDO COSTA refere ser uma “operação complexa” que “não é
de fácil interiorização no foro”, por ser uma técnica que “não oferece em absoluto segurança
a quem decide, desconfortável por não dispor de claros pressupostos de aplicação da
medida”. Neste sentido, “compete ao interessado provar as manifestações de conduta
societária reprovável, que estão hoje razoavelmente sistematizadas”95.

5. Perspetivas de tutela dos credores sociais


5.1. A desconsideração como expediente de tutela

A desconsideração da personalidade jurídica, materialmente, consubstancia um


mecanismo de tutela do crédito (do credor social); um mecanismo extrapositivo, dirigido à

90
Apud MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “Contrato de Franquia (franchising): o recurso à “desconsideração”
para tutela dos interesses do franquiador. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.6.2001, Proc. n.º
1201/09” in RLJ, n.º35 Julho/Setembro 2011, p.35, nt. 21.
91
Idem.
92
Cfr. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 9ª reimpressão, Almedina,
Coimbra, 1996, p. 199.
93
Cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 76, nt. 12.
94
Ibidem p. 99 e ss.
95
Cfr. op. cit., loc. cit.
22
verificação judicial. Ou seja, apenas se consagra praeter legem, por ser um expediente que
não tem positivação genérica de tutela do credor, também perante os sócios, mais
especificamente, perante os desvios dos sócios, a não ser que venha a ser positivado, de iure
condendo.

A proteção dos credores sociais requer uma reação do Legislador, no sentido de


conseguir uma coerência entre, por um lado, os interesses dos sócios e por outro lado, os
interesses dos credores. A desconsideração, como mecanismo de tutela é, em muitas
circunstâncias, a única forma válida de tutelar os interesses dos credores sociais que, no caso
em específico, se reconduzem à satisfação do crédito através de inobservância da autonomia
patrimonial96. Essa satisfação concretiza-se, na prática, através da responsabilização dos
sócios pelas obrigações societárias, como se de dívidas suas se tratasse. Neste sentido, a
nossa ordem jurídica consagra, positivamente, mecanismos de tutela, resultantes da
preocupação do legislador perante estes, maxime, art.º 78, 84, 270-F e 501 do CSC.

In primis, encontramos, no CSC, o art.º 78, como um mecanismo de tutela do


crédito, perante os “desvarios” de gestão dos administradores-gerentes. Neste caso, os
credores sociais lograrão ver tutelados os seus créditos, através do recurso a determinadas
normas constantes do CSC. Desta forma, sob o art.º 78 impende a responsabilidade direta97
dos gerentes ou administradores, porquanto sob estes recai a obrigação de informação dos
sócios, aquando do estado de subcapitalização material, desde que não tenham conseguido
meios de financiamento adequados para dar seguimento à atividade social98. Não obstante,
não se rejeita o recurso à desconsideração99 da personalidade jurídica nos casos em que aos
sócios-gerentes, enquanto sócios, couber a responsabilização direta pelas suas condutas100.

De considerar que o art.º 78 não é o único expediente que visa o mesmo efeito. A
par dele encontramos a interpretação teleológica das normas e o recurso ao abuso de direito.
Será através destes que se irá fornecer e proteger os credores.

96
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 205.
97
Cfr. COUTINHO DE ABREU/MARIA ELISABETE RAMOS, “Artigo 78º” in Código das Sociedades em
Comentário, coord.: J. M. Coutinho de Abreu, Volume I (Artigos 1º a 84º) Códigos n.º 1, IDET, Coimbra,
2010, p.894
98
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O capital social… cit, p. 77.
99
Cfr. COUTINHO DE ABREU/ MARIA ELISABETE RAMOS, Op. cit. p. 899.
100
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2ª ed., IDET,
Cadernos n.º5, Almedina, Coimbra 2010, p. 76.
23
In secundis, relativamente aos problemas atinentes às situações de unipessoalidade,
os arts.º 84 e 270-F indagam estabelecer uma forma de responsabilização dos sócios,
prevendo-se a responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais contraídas, no período de
unipessoalidade, nos casos em que a sociedade se encontre insolvente101. Entende-se,
contudo, que esta situação apenas poderá ser equacionada perante a sociedade unipessoal
superveniente102, considerando, além disso, que estamos perante uma norma
“desconsiderante” da personalidade jurídica da sociedade unipessoal superveniente a que só
se deverá recorrer subsidiariamente103.

Nota importante é a de que se nas sociedades em geral, há um enorme risco de


mistura de património, nas sociedades unipessoais esse é acrescido, tendo em conta que,
sendo um único sócio a assegurar a organização e coordenação da sociedade, torna-se mais
difícil apurar da transparência contabilística. A solução desconsiderante justifica-se,
exatamente, pela carência daquela transparência104.

Por outro lado, o regime que pretende regular as sociedades por quotas unipessoais
originais encontra-se previsto no art.º 270º-A a 270º-G, sendo que a responsabilização
ilimitada do sócio único encontra fundamento no art.º 270-F do CSC para um determinado
número de problemas105.

Nestes termos, o art.º 270º-F dedica-se à garantia do respeito do fim da Sociedade,


isto é, sanciona com invalidade todos os negócios celebrados entre o sócio único e a
sociedade, que não tenham como fim a prossecução do objeto social. Assim, todos esses
negócios serão nulos pelo art.º 6, nº1 do CSC, por força do art.º 294 do CC, e o sócio
responderá ilimitadamente106. Poder-se-á entender, deste modo, que o art.º 270-F plasma
uma exteriorização da proibição do negócio consigo mesmo, recusando-se a similitude entre
os interesses do sócio único e os da sociedade, quando tais não tenham que ver com o fim

101
Cfr. RICARDO COSTA, “Art.º 84º” in Código das Sociedades Em comentário, Coord. J. M Coutinho de
Abreu, Volume. I (Artigos 1º a 84º), Códigos nº1, IDET, Almedina, Coimbra, 2010, p. 972. No mesmo sentido,
RAÚL VENTURA, Dissolução e liquidação das sociedades. Comentário ao Código das Sociedades
Comerciais, Almedina, Coimbra, 1993, p.192.
102
Cfr. RICARDO COSTA, Op. cit., p. 978.
103
Idem
104
Ibidem, p. 972-973
105
Cfr. RICARDO COSTA, A sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Português. Contributo para o
estudo do seu regime Jurídico, Almedina, Coimbra, 2002, p. 678.
106
Ibidem p. 683.
24
societário107. Ainda que esta norma preveja, prima facie, a tutela da sociedade, não
poderemos deixar de lhe atribuir, paralelamente, uma função de tutela dos credores
sociais108.

As normas em causa demonstram a inquietação do Legislador na defesa dos


interesses dos credores sociais. Contudo, não deixa de ser manifesto que o recurso ao art.º
270-F não oferece uma solução para todos os problemas que se colocam no âmbito do direito
societário109.

Por último, surge a análise aos casos em que uma sociedade é controlada por outra
(ou outras), no âmbito de um grupo de sociedades, cujo regime está previsto nos arts.º 488
a 508 do CSC. A problematização da tutela dos credores sociais assume especial relevância
nos grupos de subordinação e nos grupos de domínio total (original ou superveniente),
maxime, quando estejamos perante uma situação em que se verifica o exercício de influência
dominante. O caso de as sociedades que detêm o controlo puderem dar instruções
(consideradas vinculantes110) que protejam o interesse do grupo, proveniente de contrato de
subordinação pelas partes celebrado, não obstante o prejuízo das sociedades dominadas,
ameaça, evidentemente, a garantia patrimonial dos credores destas últimas111.

Perante isto, o art.º 501 circunscreve que seja a sociedade diretora solidariamente
responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou
posteriormente à celebração do contrato de subordinação112. De salientar que, nos grupos de
sociedades, também o credor se encontra protegido, uma vez que o legislador criou
instrumentos que possibilitam uma tutela adequada113. In casu, a tutela dos credores admite
que a sociedade subordinada possa exigir da diretora uma compensação pelas perdas anuais,

107
Ainda que a norma apenas consagre esta hipótese para os contratos, RICARDO COSTA faz uma extensão
teleológica do art.º 270-F, “alargando a sua aplicação a todas as situações em que se possibilitou a uma pessoa
singular” ou a uma pessoa colectiva o exercício de uma atividade empresarial com as vantagens da pessoa
societária e esta apresentou comportamentos abusivos e ilegítimos que extravasam a medida de atribuição de
um privilégio que só pode atuar na presença de determinadas condões […]” tendo por “[…] finalidade prevenir,
persuadir e reprimir condutas abusivas. Cfr. Ob. cit., p. 689.
108
Cfr. Ult. Ob. Cit. p. 686.
109
FÁTIMA RIBEIRO admite existir um grupo de casos “para o qual o art.º 270 F do CSC […] nunca constitui
resposta suficiente”, Cfr. A tutela dos credores…cit., p. 402.
110
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade… cit., p 247.
111
FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 408.
112
Cfr. Art.º 501, não obstante o art.º 498º, ambos do CSC.
113
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 501” in Código das Sociedades Em comentário, Coord. J. M Coutinho
de Abreu, Volume VII (Artigos 481º a 545º), Códigos, nº7, IDET, Almedina, Coimbra, 2014, p. 266.
25
sendo assim transparente uma proteção aos credores, podendo esta ser designada de dupla
proteção, ainda que através de um aproveitamento indireto que lhes cabe, ao abrigo do art.º
502114.

É defendido que a sociedade dominante poderá ser responsabilizada, pelo recurso


à desconsideração da personalidade da sociedade dominada115 se, concomitantemente,
determinadas imposições se verificarem, ou seja, no caso de a instrução emanada não ter
sido no interesse do grupo, se dela resultaram danos a credores, trabalhadores e outos
intervenientes e se tais danos não se mostrarem salvaguardados por uma norma concreta do
CSC. A ser assim, conclui-se que a sociedade dominante fez um uso abusivo do regime das
sociedades, bem como da divisão entre ela e a sociedade subordinada, o que fundamenta o
recurso à desconsideração116.

Do exposto ressalta que, preenchidos os pressupostos da aplicação dos respetivos


regimes que conduzem à revogação do princípio da responsabilidade limitada, consta-se a
responsabilização direta dos sócios perante os credores sociais. Portanto, encontramo-nos
diante do que a Doutrina julga ser uma “desconsideração legal”117, sendo o seu regime
fundamentado e justificado pela necessidade da desconsideração, in casu, mediante uma
decisão apoiada juridicamente (pela lei). Concretizando o exposto, dos casos mencionados
nos arts.º 84, 270-F e 501 resultará que o sócio, a título de exceção, irá responder por dívidas
da sociedade, isto é, que não são suas. Assim, sejam qual forem os requisitos a verificar, a
consequência será sempre a mesma118.

Quando todos estes mecanismos, que preveem a tutela dos credores sociais, não
forem eficazes, urge a necessidade de recorrer à desconsideração extrapositiva, por forma a
realizar a justiça do caso concreto. Nessa altura, será a vontade de justiça que nos indicará o
caminho ao direito119. Adita-se ainda dever recorrer-se a este instituto, se o pretendido for

114
Sobre esta circunstância, considera FÁTIMA RIBEIRO “que o legislador português consagrou um regime
jurídico particularmente agressivo”. Cfr. Op. cit, p. 420-421.
115
Cfr. MENEZES CORDEIRO, O levantamento…cit., p. 81-82. Em sentido divergente, COUTINHO DE
ABREU, cfr. op. cit., p. 270.
116
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores…cit. p, 35, nt 68, Do mesmo
autor, Cfr. Da Empresarialidade…cit., p. 268 e ss.
117
Cfr. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2010 p. 183.
118
Cfr. Ibidem, p. 185-186.
119
Cfr. VERA CRUZ, Curso livre de Ética e Filosofia do Direito, Almedina, Lisboa, 2010 p. 20
26
responsabilizar os sócios pelos comportamentos adotados, enquanto sócios e não enquanto
gerentes – uma vez que estamos objetivamente perante um sócio120.

Parece-nos pertinente sublinhar uma outra questão, relativamente à qual, sem ela se
perde o efeito prático do labor até ao momento. Conquanto tudo o exposto seja verídico,
apenas terá efetividade, na prática, se existirem mecanismos preventivos da preservação do
património dos sócios.

Neste sentido, a desconsideração é um expediente que implica a verificação dos


seus pressupostos ao nível do abuso do direito mas, paralelamente, carece da verificação de
um percurso adjetivo-processual, ao nível dos procedimentos cautelares, maxime, de
garantia do património. A este respeito falamos, especificamente, do arresto (previsto no
art.º 391 e ss do CPC e no art.º 619 do CC), uma providência cautelar conservatória, que
pode ser requerida “por todo aquele que se arroga na qualidade de credor do requerido”,
desde que “demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e fundado ou justo receio
da perda da sua garantia pessoal”121, ex vi, arts.º 601 e 619, nº1 do CC. Desta forma,
procede-se a uma preservação cautelar do património dos sócios cuja condenação se
pretende, garantindo o “efeito útil da ação principal”122.

Jurisprudencialmente, as “desconsiderações” que colheram provimento nos


tribunais advieram de arrestos cautelares123. Não havendo património para o respetivo
cumprimento da sentença, esta apenas servirá de “ganho moral”. Como já mencionado supra,
sendo a desconsideração da personalidade jurídica um expediente de última ratio, destinado
a reprimir comportamentos abusivos em ordem à proteção dos credores sociais, só fará
sentido se for acompanhado por uma prova muito clara do caso abusivo e se enveredar
esforços no sentido de criar no julgador a convicção de que é merecedor de tutela cautelar,
ou seja, do arresto preventivo.

120
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade Civil dos administradores…cit., p, 77.
121
Cfr. REMÉDIO MARQUES, op. cit., p. 171.
122
Idem.
123
Veja-se, v.g., os Acs. do TRL, de 28/05/2008, Proc. n.º 2402/2008-4, Relator: Seara Paixão e de 08/11/2012,
Proc. n.º 1988/11.1TVLSB-B.L1-2, Relator: Pedro Martins, disponíveis em www.dgsi.pt. Nestes casos, as
ações de responsabilização tiveram por fundamento c arresto, como forma de garantir o pagamento da dívida
peticionada.
27
Conclusão intercalar:
Perante o exposto, tomando por exemplo GALGANO124 sustentamos que a
desconsideração da personalidade jurídica é, no fundo, um retorno à regra geral do Direito
Civil, ex vi, art.º 601 CC. Numa breve concretização (pois será desenvolvida infra)
poderemos dizer que o sócio responderá pelas dívidas como se fossem suas, quando tenham
contribuído, com o seu comportamento, para aquele estado. Analisada a situação numa ótica
puramente objetiva, não se trata de mais do que um retorno à regra geral, ou seja, à situação
que existiria se, ao invés de os sócios terem usado a sociedade (cujo património iria
responder), tivessem contraído uma dívida em compropriedade ou individualmente125. Desta
forma, assumimos a posição (que defenderemos mais pormenorizadamente infra), de que
estamos perante cumprimento de dívida alheia, resultante da supressão do privilégio da
separação patrimonial, pelo que se trata de responsabilidade patrimonial subsidiária.

Note-se que, não obstante os meios de tutela enunciados, a prestação de garantias é


outra das formas que possibilita a tutela dos credores sociais, no âmbito de uma sociedade
por quotas. Essa prestação poderá ser efetuada pelos sócios, ou mesmo, por terceiros,
podendo traduzir-se em garantias pessoais ou reais. A grande interrogação colocada é a de
que tal prestação de garantias aos credores sociais, só ocorrerá quando (e se) o credor social
detiver capacidade negocial para as impor e/ou exigir dos sócios. Daqui se constata, sem
grande dificuldade, que apenas uma parte dos credores sociais beneficiará desta
possibilidade, pois os credores fracos, dificilmente, - ou quase nunca - poderão impor a
prestação de garantias que assegurem os seus créditos perante a sociedade126.

5.2. A distinção entre credores

A tutela dos credores é, sem dúvida, a preocupação constante que nos trouxe até
aqui. Nestes termos, considera-se pertinente fazer uma distinção entre credores, de modo a

124
Apud RICARDO COSTA, A Sociedade por quotas…cit. p. 661-662 e, do mesmo autor, cfr. “A
responsabilidade dos gerentes…” cit., p. 64-65.
125
Neste sentido diz-nos GALGANO que “o sócio responde por débitos que já lhe pertenciam e relativamente
aos quais ele respondiam limitadamente em virtude da disciplina compreendida no conceito de pessoa jurídica”
Cfr. “L´abuso della personalità giuridica nella giurisprudenza di mérito (e negli «obter dicta» della
Cassazione)”, CI, p.381, apud RICARDO COSTA, A sociedade por quotas…cit. p. 666, nt 853.
126
Vide TARSO DOMINGUES, “O Novo regime do capital social nas sociedades por quotas” in DSR, Ano
3, Vol. 6, Semestral, Almedina, Outubro, 2011, p. 117.
28
haver um efetivo respeito pelo princípio da Igualdade, plasmado no art.º 13 da Constituição
da República Portuguesa127, maxime, na aplicação do direito.

Nestes termos, importa distinguir entre credores fortes e credores fracos 128, não
sendo esta uma mera distinção formal, mas uma distinção que revela possuir importantes
efeitos práticos. Haverá sempre desigualdades de informação, de poder negocial, de
condicionamento e influência dos credores sobre os sócios da sociedade e sua gestão e tudo
isso leva, porventura, a que, em certas situações, a tutela não seja a mesma.

Dada a realidade da conjetura económica e empresarial, não é verdade que


possamos afirmar que os credores sociais se encontram numa mesma situação de paridade,
uma vez que um credor pode ser um simples agricultor, com uma produção de pequena
dimensão ou, ao invés, um banco, detentor de fortíssimas garantias creditórias129. Neste
sentido, PAZ-ARES faz a mesma distinção entre credores fortes e credores fracos,
considerando unânime a reclamação de proteção adequada a estes últimos. Na sua visão,
considera como credores fortes as instituições financeiras uma vez que, pela sua estrutura,
conseguem impor garantias pessoais ou reais por forma de assegurar os seus direitos130.
Note-se que um credor fraco dificilmente poderá impor e/ou exigir prestações de garantias
aos sócios, pois não possuem influência e/ou credibilidade suficiente para, a título de
exemplo, verem ser-lhes subscritas confort letters, (porque têm acesso a informação,
condicionam gestão, monitoriza a sociedade) que, por definição, são uma “figura própria
dos grupos de sociedades e do direito bancário”131.

127
Não olvidemos que se trata de igualdade material, devendo-se “tratar igual o que é igual e desigualmente o
que é desigual”, na medida dessa diferença. Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p.427-428.
128
Neste sentido, Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p, 162.
129
ENGRÁCIA ANTUNES afirma terem vindo os grupos de sociedades despoletar uma inversão da
distribuição dos riscos inerentes à atividade empresarial. Para o A. “credores débeis ou involuntários” são, por
exemplo, consumidores, trabalhadores e pequenos fornecedores e “credores fortes ou voluntários” são, os
bancos e os grandes fornecedores. Cfr. ENGRÁCIA ANTUNES, Os grupos de Sociedades. Estrutura e
organização jurídica da empresa plurissocietária, 2ª ed, Almedina, Coimbra, 2002, p. 114.
130
Cfr. PAZ-ARES, Cândido, “Sobre la Infracapitalización de las sociedades”, in Anuário de Derecho Civil,
36, Artes Gráficas y Ediciones, S.A, Madrid, 1983, p. 1601.
131
Cfr. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Sobre as cartas de conforto na concessão de crédito, in, Ad Vno
Omnes – 75 anos da Coimbra Editora, (Org. de Antunes Varela, Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda e J.
J. Gomes Canotilho), 1920-1995, 1998, p. 415.
29
Neste sentido, será imperativo a fixação de um critério que permita ao Juiz a
distinção entre diferentes credores sociais132, em ordem à prossecução da Justiça do caso
concreto. Porém, numa perspetiva discordante há quem julgue que a responsabilidade dos
sócios é para com a sociedade, considerando que a “alegada vantagem” da distinção se perde,
uma vez que o beneficiário direto será o património social (e não os credores)133.

Decorre do exposto, partilhando nós do entendimento maioritário da doutrina, que


não pode deixar de se afastar a responsabilidade dos chamados “credores fortes” do regime
do Durchgriff, maxime, fornecedores de grande dimensão ou financiadores que tinham
consciência da “situação de subcapitalização e/ou assumiram com espoco lucrativo, os
riscos” 134. A ideia que está subjacente a esta posição refere-se ao facto de os credores fortes,
(entidades bancárias), terem o ónus de avaliar a situação e recusar o crédito e/ou exigir
garantias, quando haja indícios da existência de possíveis riscos de não pagamento, evitando
assim a via da desconsideração. Já de credores fracos, pequenos fornecedores que veem a
sua posição negocial diminuída, não se pode fazer a mesma exigência.

Mais uma vez deparamo-nos com o abuso de direito a operar como instrumento de
fundamentação para o impedimento do benefício da desconsideração, por parte dos credores
fortes. Isto é, sempre que se possa concluir que os credores tinham conhecimento da situação
financeira empresarial e que, não obstante, houve uma assunção voluntária do risco, deve
esse comportamento revelar-se abusivo na pretensão de tutela através da desconsideração.
Poder-se-á dar outro passo em diante e tecer que o credor forte, que em concreto tenha sido
forte, quando invoca a desconsideração, tem um comportamento abusivo, ou seja, é abusivo
invocar o abuso de direito porque conhecia manifesta e objetivamente que os
comportamentos que estavam a ser tomados eram abusivos.

Estes, como indicado acima, dispõem de meios e/ou regalias contratuais que,
funcionando por si só, desencadeiam-se antes, se quer, do recurso à desconsideração da

132
Vide. Ac. TRC, de 04 de junho de 2002, Proc. nº 590/02, relator: Hélder Roque, em que a jurisprudência
consentiu na diferenciação entre credores, disponível em www.dgsi.pt
133
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores …,cit., p. 169 e ss. Não obstante, admite que “subsiste a
questão da tutela dos chamados “credores fracos”, que são credores involuntários, uma vez que as
circunstâncias da constituição do seu crédito não lhes permitem a possibilidade de se informarem acerca da
situação da sociedade e causam ou reagirem convenientemente a essa informação”. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela dos credores…cit., nt. 180, p. 201.
134
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p. 187. No mesmo sentido, TARSO DOMINGUES,
O Novo Regime…cit., p. 116-117.
30
personalidade jurídica para efeitos de responsabilidade. Não pode considerar-se justo que
estes consigam mais pela via da interpretação da lei do que teriam conseguido pela via
negocial, tendo em conta os meios de que dispunham. Se da autonomia das partes não
resultou nenhuma das garantias previstas ex lege, (e não esquecendo os meios de que
dispunham), não deve o esforço interpretativo dos juristas e do julgador beneficiar a favor
desse tipo de credores.

Conclui-se portanto, aparecer-nos a desconsideração como “um dos remédios


possíveis para evitar o abuso do instituto da sociedade comercial”135. Sem previsão legal
expressa, a sua utilização provem de uma construção dogmática e jurisprudencial e poderá
ser reconduzida a “grupos de casos”, através do recurso a institutos como a responsabilidade
civil, interpretação de normas e abuso de direito136.

6. Dissecação
6.1. Grupos de casos

Como exposto supra, recorre-se à desconsideração da personalidade jurídica das


sociedades numa ótica de responsabilização dos sócios, pelas dívidas sociais, mesmo que, à
partida, estes estivessem isentos dessa responsabilidade. A supressão do benefício da
responsabilidade limitada justifica-se, in casu, pelo desrespeito dos princípios societários,
tendo em vista a tutela dos credores sociais.

Antes da análise detalhada destas questões é pertinente uma compreensão


sistemática do instituto e, neste sentido, considera-se premente proceder-se à distinção
(proveniente da Doutrina Alemã) entre dois “grupos de casos”137: a Durchgriff de imputação
(leia-se, Zurechnungsdurchgriff), em que “determinados conhecimentos, qualidades ou
comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice-versa”138; da
Durchgriff de responsabilidade (leia-se, Haftungsdurchgriff), cuja “regra da

135
Cfr. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração…cit., p 25.
136
gCfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das sociedades I, I Volume, Parte Geral, 3ª ed. Ampliada e
actualizada, Almedina, Coimbra, 2011 p. 448 e ss
137
Vide FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p. 76, nt. 12.
138
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p.178.
31
responsabilidade limitada, que beneficia certos sócios, é quebrada”139. Neste grupo de casos
(de responsabilidade), o aparente consenso140 que se verifica na Doutrina justifica a sua
maior relevância para o estudo sub judice.

Relativamente aos “casos de imputação”, não se vislumbra interesse para o estudo


presente. Porém, no que concerne aos casos de responsabilização, nas palavras de
OLIVEIRA ASCENSÃO, esta é “a figura que mais interessou aos intérpretes”141.
Comummente, ainda que de forma não unânime, reconduzem-se às situações de
subcapitalização, descapitalização da sociedade (ou “desinteresse patrimonial censurável”),
mistura de patrimónios dos sócios e sociedade142 e, por fim, domínio qualificado143 sob
sociedades.

Contudo, nem todos os autores optam pela mesma sistematização e/ou nomem iuris.
Por um lado, podemos encontrar uma divisão entre controlo da sociedade por um só sócio,
subcapitalização da sociedade e mistura de patrimónios144. Por sua vez, numa sistematização
mais complexa145, podemos observar uma sistematização que contempla a confusão de
esferas jurídicas, a subcapitalização, o atentado a terceiros e abuso de personalidade.
Finalmente, há que proceda apenas a uma dupla divisão entre subcapitalização e mistura de
patrimónios146.

Independentemente da sistematização adotada, não poderemos olvidar que “estão a


ser transferidos os riscos para os outros […] – os credores, (acrescentado nosso) - […] e isso
justifica o recurso à desconsideração”147. Importa debruçarmo-nos nas hipóteses de
subcapitalização e descapitalização (numa ótica de distinção), tendo em conta que é em torno
daquela que surge a grande discussão doutrinal. Contudo, impõe-se uma singela descrição
dos casos de mistura de patrimónios e do domínio qualificado.

139
Idem.
140
Neste sentido, vide COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit., p. 208.
141
Cfr. op. cit., p. 78.
142
COUTINHO DE ABREU apenas admite os primeiros três casos. Cfr. Curso de Direito Comercial...cit., p.
180 e ss.
143
Sobre o domínio qualificado, RICARDO COSTA defende ser um dos grupos de casos e acrescenta ser
defensável que o administrador de facto seja enquadrado como um instituto. Cfr. Os administradores de facto
das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014, p. 144.
144
Cfr. op. cit., p. 177.
145
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades…cit., p. 445.
146
Cfr. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração da Personalidade…cit., p.66 e ss.
147
Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial…cit., p. 80.
32
Neste sentido, falamos de mistura de patrimónios quando os sócios de uma
sociedade utilizam o património desta como património pessoal próprio, não respeitando as
regras societárias, nomeadamente as contabilísticas.

Ao desrespeitarem o “princípio da separação do património”, há a inobservância da


autonomia patrimonial da sociedade, respondendo estes (os sócios) perante os credores da
mesma. Nesta ótica, não poderão os sócios invocar a responsabilidade limitada e
consequentemente, a irresponsabilidade pelas dívidas societárias148. Estes casos aparecem,
sobretudo, nas sociedades unipessoais por quotas,149 ex vi, art.º 270-A do CSC150/151.
Todavia poder-se-á, igualmente, considerar um problema que atinge as sociedades
pluripessoais152. Assim, nos casos em que, pela análise concreta do julgador, se verifique
inexistência de uma separação patrimonial, subjacente às regras societárias, em prejuízo da
sociedade, deve este, excecionalmente, tutelar os credores sociais através do recurso à
desconsideração da personalidade jurídica153. Para tanto será necessário que os sócios sejam
responsabilizados pelas dívidas da sociedade, sendo, na opinião de vários autores154, o
recurso à desconsideração a única via que efetiva a tutela dos credores sociais155.

148
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p.184.
149
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade …cit., p. 208.
150
Art.º 270-A CSC: “A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular
ou coletiva, e que é titular da totalidade do capital social”.
151
Segundo RICARDO COSTA, será mais correto utilizar a expressão “Sociedade por Quotas Unipessoal” a
unipessoalidade é uma característica da sociedade por quotas. Em discurso oral, proferido no Curso de Direito
Comercial II da Faculdade de Direito de Coimbra, Ano letivo de 2013-2014.
152
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p.261. nt. 276.
153
Em sentido concordante, FÁTIMA RIBEIRO assume a posição de, nos casos de a mistura de património
ser reveladora da inexistência de uma “organização contabilística”, tal poderá “requerer o recurso a soluções
desconsiderantes”. Cfr. A tutela dos credores…cit., p. 265 e ss, bem como, p. 641, ponto 15. Ainda da mesma
A., pode retirar-se a posição de que, nestes casos, “a autonomia patrimonial deixou de existir pela atuação do
(s) sócio (s), logo, está justificada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a fim de se fazer
responder pelas obrigações o património do (s) sócio (s)”. Cfr. “Desconsideração da personalidade
jurídica…”cit., p. 62.
154
Cfr., entre outros, FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 641; MENEZES CORDEIRO, O
levantamento…cit., p. 117; COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p. 184 e
LAMARTINE CORRÊA, A Dupla Crise…cit., p. 610-611.
155
Neste sentido foi também o Ac. da Relação de Lisboa, de 8 de novembro de 2012, Proc. n.º
1988/11.1TVLSB-B.L1-2, Relator: Pedro Martins, cujo sumário consigna que “se os bens arrestados
pertencem à sociedade embargante, mas esta é uma sociedade por quotas unipessoal, sendo sua sócia única
a sociedade arrestada, devedora do arrestante, que decidiu vender os bens daquela (sociedade totalmente
dominada) para pagar as suas (da sociedade totalmente dominante) dívidas, justifica-se que se desconsidere
a personalidade jurídica da embargante e se tratem os bens arrestados como se fossem da sociedade
arrestada, não se levantando o arresto dos bens”. Vide em www.dgsi.pt.
33
Finalmente, quanto ao grupo de casos enquadrado no domínio qualificado, já se
referiu que alguns autores o excluíram do elenco. Não obstante, RICARDO COSTA não
considera caso para exclusão, uma vez que admite ser “um caminho alternativo a outros dois
modelos hermenêuticos de correção da ingerência indevida […] na administração das
sociedades comerciais156. Quer uma via, quer a outra são “técnicas corretivas que
prescindem da forma […]” em ordem a “[…] realizar a justiça do caso concreto”157. Ora, é
entendimento de que o administrador de facto é um dos mecanismos, ao lado de outros que
beneficiam os credores em função de lesões feitas por comportamentos abusivos e
ilegítimos. Não percamos o norte e atentemos que, de facto, ele é uma ilegitimidade, que
apenas surge ao mesmo nível do administrador de direito quando o legitimamos. Neste
contexto, se os requisitos estiverem verificados, os administradores da sociedade dominante,
bem como a sociedade dominante para efeitos de responsabilidade podem ser considerados
administradores de facto158. Ainda assim, tal não significa que os credores não possam
recorrer à desconsideração da personalidade jurídica, para responsabilizar pelas dívidas da
sociedade dominada, a sociedade dominante.

Bem vistas as coisas, considera-se que todos os grupos de casos irão encerrar num
ponto comum: a tutela dos credores perante comportamentos abusivos e ilegítimos.

Chegados a este ponto, importa, sem mais demora, dar preferência à


subcapitalização e à descapitalização, por serem, na nossa opinião, os grupos em que o
credor pode encontrar maior tutela e ver-se ressarcido com maior segurança, por o abuso ser
mais evidente e manifesto.

6.2. Subcapitalização

A subcapitalização é considerada pela Doutrina como um dos dilemas que o Direito


Societário apresenta ainda por resolver159.

156
Cfr. op. cit., p 167.
157
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 211
158
Ibidem, p. 235-236. Do mesmo autor, Cfr. “Responsabilidade dos gerentes…” cit., p. 58, nt 22.
159
Cfr. PAZ-ARES, op. cit., p. 1587.
34
Citando COUTINHO DE ABREU, a subcapitalização, grosso modo, consiste numa
“desproporção anormal entre o capital social e o volume de negócios da sociedade”160. No
mesmo sentido, encontramos esclarecimentos, referindo que uma sociedade se encontra
subcapitalizada quando “o capital próprio (incluindo o capital social e as reservas) é
insuficiente face às suas reais necessidades de capital próprio, tais como resultam do tipo,
volume e riscos da atividade social”161.

No seio das situações de subcapitalização, a utilização do instituto da


desconsideração deve ser recusada quando esta seja meramente nominal (ou formal), uma
vez que apenas fará sentido o recurso a este mecanismo quando aquela seja material.
Relativamente ao primeiro caso, trata-se de uma insuficiência meramente contabilística, i.é.,
não obstante inexistir uma dotação de capital suficiente para a prossecução do objeto social,
tal insuficiência foi suprida através de capitais alheios, dos sócios (suprimentos162) ou
terceiros (empréstimos)163. Será material se essa insuficiência não for suprida por qualquer
forma (aumento de capital ou capitais alheios, ainda que assegurados pelos sócios através de
garantias pessoais). Sobre esta, diz-nos PORTALE que uma sociedade está materialmente
subcapitalizada quando “dotada di un capitale del tutto sproporzionato rispetto all´oggetto
sociale, non è coperto nemmeno con prestiti dei soci”164/165.

Esta distinção166 é importante, tendo maior relevo o conceito de subcapitalização


material (manifesta e qualificada167) do que o de subcapitalização formal168 (que, regra geral,

160
Cfr. Da Empresarialidade…cit., p. 208.
161
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do Contrato de suprimento…cit., p. 107.
162
Sobre o contrato de suprimento, menciona ALEXANDRE MOTA PINTO, ser esta a resposta do nosso
ordenamento jurídico face a situações de subcapitalização nominal. Deste regime diverge, porém, o recurso à
desconsideração da personalidade jurídica. Cfr. ult. Ob. Cit. p. 133 e ss e 392.
163
COUTINHO DE ABREU menciona que os problemas da subcapitalização formal ou nominal são resolvidos
com recurso aos arts.º 243 e ss do CSC. Vide Da Empresarialidade …cit., p. 178. No mesmo sentido adita
ALEXANDRE MOTA PINTO que a subcapitalização nominal “já nada tem a ver com a penetração da
personalidade coletiva”, sendo a solução imposta pela ordem jurídica. Cfr, op. cit., p. 108.
164
Cfr. Capitale Sociale e Società per Azioni Sottocapitalizzata, Milano – Dott. A. Giufrè Editore, 1991, p.
29.30.
165
Tradução nossa: “dotada de capital desproporcional com o objeto social, nem sequer é coberto por
empréstimos de acionistas”.
166
Distinção igualmente adotada por TARSO DOMINGUES, Cfr. “Do capital social…”cit., p. 223 e por PAZ-
ARES, Cfr. op. cit., p. 1594. No entanto, PINTO DUARTE ainda distingue entre subcapitalização absoluta e
relativa. Cfr. RUI PINTO DUARTE, “A subcapitalização das Sociedades no Direito Comercial no Direito
Comercial”, in Fisco, n.º 76/77, ano VIII, Lex, Março/Abril, 1996, p. 56
167
Cfr. RICARDO COSTA, A Sociedade por Quotas…cit., p. 708, nt. 939.
168
No mesmo sentido dita TARSO DOMINGUES: a subcapitalização pode ser formal “quando os sócios,
proporcionando à sociedade os recursos necessários ao exercício da sua atividade, o fazem, não através do
35
não proporciona situações de risco de liquidez), uma vez que é àquele nível que poderá surgir
a problemática da desconsideração da personalidade jurídica, se ela for considerada
abusiva169 e sê-lo-á se for “evidente e facilmente reconhecida pelos sócios” e estes nada
fizeram para a suprir, ou seja, fala-se em subcapitalização material qualificada ou
manifesta170.

A subcapitalização material poderá verificar-se (sob o ponto de vista temporal171)


em dois momentos, ou seja, ab initio aquando da constituição da sociedade172 i.é., inicial, ou
supervenientemente173. Considera-se que existe subcapitalização material originária quando
os sócios não dotam a sociedade com o capital necessário que permita o desenvolvimento
da sua atividade social, sem que essa insuficiência seja suprida mediante qualquer meio de
financiamento, por parte dos sócios (empréstimos)174. Noutro prisma, há subcapitalização
material superveniente nos casos em que a sociedade deixa de ter meios suficientes à
prossecução do objeto social, - em virtude de uma alteração do objeto social175 e/ou perante
uma situação de perda grave do capital social176, ex vi art.º 35 do CSC - e os sócios fiquem
inertes.

Será assim pertinente averiguar quem deverá ser responsável pelo abuso da
personalidade coletiva. Desta forma, existindo abuso da personalidade coletiva da sociedade
e estando diante de um caso de subcapitalização original, todos177 os sócios serão

capital social mas mediante outros instrumentos de financiamento (v.g., empréstimos)”. Cfr. “O Novo
regime...” cit., p.110.
169
Em Portugal, com a alteração introduzida no artigo 201º do CSC, pelo DL n.º 33/2011, de 7/Março, o capital
social das sociedades por quotas passou a ser fixado livremente, pelos sócios, no contrato de sociedade,
deixando por isso de haver capital mínimo obrigatório.
170
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.185.
171
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 700, nt. 925.
172
PORTALE adverte para o facto de que “um direito das sociedades de capitais que deixa a dotação do capital
social de uma sociedade de responsabilidade limitada exclusivamente nas mãos dos fundadores pode encorajar
a entrada no mercado de empresas sem meios e, portanto, propensas à insolvência e em qualquer caso conduz
a uma fatal subcapitalização”. Cfr. “Sociedade de Responsabilidade Limitada sem Capital Social e empresário
em nome individual com «capital destinado» (capital social quo vadis?)”, in DSR, (Artigo traduzido do italiano
por TARSO DOMINGUES). Vol. 6, Almedina, Outubro, 201, Ano 3 p.274.
173
Cfr. entre outros, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p.185; FÁTIMA RIBEIRO,
A tutela de credores…cit., p.188-189 e TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit.,, p. 390, nt. 1518.
174
Vide, neste sentido, TARSO DOMINGUES, ult. ob. cit., p. 392, nt. 1529; COUTINHO DE ABREU, op.
cit., p.185; FÁTIMA RIBEIRO, op. cit., p. 188 e PAZ-ARES, op. cit,. p. 1594.
175
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, ult. op. cit, p. 189.
176
Aprofundando o regime da “perda grave do capital social” vide, entre outros, TARSO DOMINGUES,
Variações sobre…cit., p. 328 e ss; FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p.194 e ss.
177
Padece da mesma opinião, PAZ-ARES, op. cit., p.1618.
36
responsáveis (sócios fundadores178) pelas obrigações societárias, por via do recurso à
desconsideração da personalidade jurídica, num “carácter nitidamente excecional”179/180.
Diferentemente, numa situação de subcapitalização superveniente, a responsabilidade recai
sobre aqueles que mantêm a sociedade dentro do comércio jurídico, apesar de sofrer de
manifesta subcapitalização material (sócios controladores181), sejam estes sócios os que
tenham intervenção de facto na gestão societária, ou que decidam pela continuação da
atividade desta, menosprezando os interesses dos credores sociais. Mais acrescenta
COUTINHO DE ABREU afirmando que, se numa situação de subcapitalização, a sociedade
cair em insolvência através deste abuso de personalidade, “serão os sócios chamados a
responder (subsidiária mas) ilimitadamente perante os credores sociais”182/183.

Sobre esta solução para onde nos inclinamos, há vozes discordantes, entendendo
que o dilema da subcapitalização material não deve ser decidido mediante o recurso a
soluções ″desconsiderantes″, devendo sê-lo, porém, nos termos da responsabilidade interna,
endereçada contra os administradores e gerentes, com fundamento na gestão culposa,
máxime, pela violação do “dever de apresentação pontual da sociedade à insolvência”184.
Observa-se ainda, uma posição mais extremista, no sentido em que deste recurso deve ser
excluída a subcapitalização material, “uma vez que sobre os sócios não recai a obrigação
legal de capitalização adequada da sociedade”185. Nesta opinião, foi o próprio Legislador
quem quis favorecer projetos empresariais com um certo risco, pelo que, assumir a
possibilidade de desconsideração seria um “entorse” ao princípio da Responsabilidade
Limitada186.

178
Vide COUTINHO DE ABREU, op. cit., p. 186.
179
Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre…cit., p.170, nt. 642.
180
No mesmo sentido envereda o Ac. da Relação de Lisboa, de 29/03/2012 Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2,
in www.dgsi.pt. No ponto VIII do sumário pode ler-se: “No caso de subcapitalização material originária
respondem subsidiária e ilimitadamente todos os sócios. No caso de subcapitalização superveniente só
responderão subsidiária e ilimitadamente os sócios «controladores» da sociedade.”
181
Em concordância, para além de COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p.186, vide, igualmente,
PAZ-ARES, op. cit. p. 1618.
182
Vide, op. cit. p. 185.
183
Similarmente, PAZ-ARES admite que os casos de subcapitalização material originária poderão conduzir à
responsabilização de todos os sócios, diferentemente dos casos de subcapitalização material superveniente, que
conduzirão apenas à responsabilização dos sócios controladores. Vide, op. cit., p.1618.
184
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social…cit., p. 74.
185
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos credores…cit., p. 640.
186
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social …cit., p. 69.
37
Todavia, refuta-a COUTINHO DE ABREU ao considerar que “a observância da
exigência legal do capital social mínimo (muito baixo para muitíssimos casos, se pensarmos
nas Sociedades por quotas, hoje estas apresentam a modalidade de capital social livre187)
não impede o abuso da personalidade jurídica em prejuízo dos credores, não da própria
sociedade”, daí que se fale de responsabilidade externa, i.é, responsabilidade para com os
credores188.

Poder-se-á dar outro passo e concluir, relativamente ao art.º 201 do CSC, que o
legislador só permitiu esta situação “bizarra”, porque existe o mecanismo da
desconsideração como corretor, ou seja, os sócios são livres de escolher o capital social
mínimo que entenderem mas, se não dotarem a sociedade de meios para o exercício da
atividade, têm a sanção da desconsideração.

Aqui volvidos, impõe-se uma breve análise das alterações procedentes do Decreto-
lei nº 33/2011, de 7 de março, respeitante ao regime do capital social mínimo189.

A alteração de maior magnitude deu-se ao nível do art.º 201 do CSC, que outrora
determinara um capital social mínimo de €5 000, para as sociedades por quotas, aparecendo
este como contrapartida à responsabilidade limitada, de que beneficiam os respetivos sócios.

Não obstante, tomando por exemplo o Reino Unido e vários estados dos EUA190,
cujo capital social mínimo não é exigido191, vem o preâmbulo do DL n.º 33/2011 sublinhar
que “atualmente, o capital social não representa uma verdadeira garantia para os credores
e, em geral, para quem se relaciona com a sociedade.” Com isto quer-se afirmar que o
capital social deixou de ser uma ferramenta de tutela dos credores sociais. Note-se que, desde
sempre, houve um entrave na sua utilização como meio de defesa, uma vez que, como o
tinha mencionado já TARSO DOMINGUES, “se determinado valor de €5 000 pode ser
idóneo a constituir a dita «caução» para terceiros no caso de uma mercearia, será com

187
Artigo 201º do CSC.
188
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit.., p. 186.
189
Sobre este tema Cfr. MARIA MIGUEL CARVALHO, “O Novo Regime Jurídico do Capital Social das
Sociedades Por Quotas”, in Capital Social Livre e Ações sem Valor Nominal, Coord. Paulo de Tarso
Domingues/Maria Miguel Carvalho, Almedina, 2011, p. 9 e ss.
190
Desde a década de 60 do séc. XX, começou por ser extinta em alguns Estados. A partir da década de 80 foi
suprimida do “Revised Model Business Corporation Act”. Cfr. TARSO DOMINGUES, “Art.º 201” in Código
das Sociedades Em comentário, coord.: J. M Coutinho de Abreu, Volume. III (Artigos 175º a 245º), Códigos
n.º3, IDET, Almedina, Coimbra, 2011, p. 202.
191
Cfr. MARIA MANUEL CARVALHO, Op. Cit. p. 14.
38
certeza, para esse efeito, desadequado se se tratar de uma siderurgia, hipermercado ou duma
fábrica de automóveis”192, podendo funcionar como “uma restrição, injustificada, à
liberdade contratual, impedindo a criação de novas sociedades para a exploração de
pequenas empresas que, com o desenvolvimento da sua actividade social, poderiam assumir
considerável importância económica”193. Foi, aliás, esta a fundamentação mobilizada no já
referido preâmbulo do DL nº 33/2011.

Ainda assim, mesmo que o sentido legislativo nos apresente uma livre fixação do
capital social, tal não significa que, para a prossecução do objeto social, não recaia sobre os
sócios a exigência de dotação da sociedade com capital social adequado. De outra forma,
seriam os credores sociais a suster o risco de perda para além do capital social194 e esse risco
não deve sofrer uma limitação tal que possa gerar “benefícios só ou sobretudo para os sócios
e gerar prejuízos principalmente para os credores”195. A este propósito, defendemos uma
responsabilidade externa, para com os sócios (e não interna, para como a sociedade)196.

Hoje poderemos afirmar que a imposição de um capital social livre197, nas


sociedades por quotas, irá, com grande probabilidade, aumentar o fenómeno da
subcapitalização material. Desta forma, parafraseando, novamente, TARSO DOMINGUES,
a partir de agora, “os sócios deverão ter um redobrado cuidado em financiar e proporcionar
à sociedade os meios minimamente adequados ao exercício do objeto social”, sob pena de
uma possível responsabilidade pessoal198. Destarte, será de refutar o entendimento de alguns

192
Cfr. Do capital Social…cit., p. 212.
193
Idem.
194
PAULO TARSO DOMINGUES refere que a responsabilidade limitada perde o seu sentido quando os seus
beneficiários criam uma “organização extremamente fraca e débil”, visando unicamente evitar os riscos de
perda. Cfr. op. cit. p. 235. No mesmo sentido, PEDRO CORDEIRO afirma que é “um absurdo” serem os
credores sociais quem suportam os riscos de perda de determinada sociedade. Cfr., A desconsideração…cit.,
p.161.
195
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Subcapitalização de Sociedade e Desconsideração da Personalidade
Jurídica”, in Capital Social Livre e Acções sem Valor Nominal, coord.: Paulo Tarso Domingues/Maria Miguel
Carvalho, Almedina, 2011, p.39.
196
Posição defendida por COUTINHO DE ABREU, Cfr. op. cit., p. 39 e TARSO DOMINGUES, O Novo
regime…cit., p.111-112. Em sentido contrário, vide ALEXANDRE MOTA PINTO, Do contrato de
suprimento…,cit., p. 127.128 e FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos Credores…cit., p. 234.
197
Como refere TARSO DOMINGUES, “este regime não eliminou a figura do capital social […] este passa a
corresponder ao número de sócios multiplicado pelo valor mínimo da quota, i.é, 1€”. Cfr. “Capital e Património
Sociais, Lucros e Reservas” in Estudos de Direito das Sociedades, Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu,
11ª ed., Almedina, 2013, p.185.
198
Cfr. TARSO DOMINGUES, Variações sobre …cit., p. 171.
39
autores199 que excluem desta problemática a hipótese de subcapitalização, em virtude de
considerarem existir um “problema de gestão”200, portanto, de responsabilidade interna201.

Do nosso ponto de vista, perante uma subcapitalização material manifesta, os sócios


serão, com grande probabilidade202, responsabilizados203, sendo aquela um dos grupos de
casos em que a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica terá
maior pertinência204. Contudo, estamos cientes de que a aplicação será sempre excecional205,
tendo em foco a Justiça do caso concreto. Repare-se que “a não intervenção do legislador,
para adequar a disciplina particular das sociedades às novas exigências, será entretanto
suprida pela Jurisprudência […] à qual caberá definir os limites e os critérios da superação,
operador este que se oferece como um eficaz instrumento de realização da justiça
material”206. Conclui-se, deste modo, que “temos, pois, por solução mais correta a que
consiste na possibilidade de, em casos de subcapitalização manifesta, facultar aos credores
sociais a quebra da separação para satisfazer os seus créditos à custa do património dos
sócios que sejam culpados por essa situação financeira”207.

6.3. Descapitalização

Um dos casos considerados típicos pela doutrina da desconsideração da


personalidade jurídica é o caso de descapitalização provocada (no sentido de causada ou

199
Nomeadamente, VAN WILHELM, apud TARSO DOMINGUES, Ult. Ob Cit.
200
Cfr. TARSO DOMINGUES, op. cit., p.171, nt. 644.
201
Na doutrina nacional, FÁTIMA RIBEIRO utiliza a mesma linha argumentativa, acrescentando não existir,
na lei, nenhuma obrigação de dotação da sociedade com os meios necessários à prossecução do objeto social.
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O Capital Social…cit., p. 69-70.
202
Como supracitado, discorda desta tese FÁTIMA RIBEIRO, op. cit., p. 56 e ss. Em sentido oposto, TARSO
DOMINGUES, O Novo regime…cit., p.97 e ss.
203
PAZ-ARES defende que “cuando (…) los sócios infringen los limites que a la autonomia provada impone
la normativa del capital y constituyen una sociedad infracapitalizada (…) deben responder”. Cfr. op. cit., p.
1612.
204
Já no final da década de 60, RAÚL VENTURA assumia que o recurso à desconsideração seria a “solução
possível, ou até mesmo a única” que resolveria os casos de subcapitalização. Cfr. “Apontamentos para a
reforma das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada”, in, BMJ, n.º182 1969, p.120.
205
BRITO CORREIA afirma, neste sentido que “a desconsideração significa uma derrogação do princípio
legal da separação que só pode admitir-se a título excecional para certos casos concretos”. Cfr. LUÍS BRITO
CORREIA, Direito Comercial, 2º Vol., AAFDL, 1992, p. 240.
206
Cfr. ELISEU FIGUEIRA, “Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades de Capitais” in,
Tribuna da Justiça: Conselheiro Ricardo Velha, 4-5, Junho-Setembro, 1990, M. P. Fernandes Rei, Edições, p.
865.
207
Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Do Contrato de Suprimento…,cit., p. 127.
40
agravada) pelos sócios. Esta distingue-se da descapitalização simples, ou furtuita
relativamente à qual “o património social sofre uma redução […] mas tal fica a dever-se às
vicissitudes e aos azares da vida patrimonial”208, encontrando-se sujeita ao regime do art.º
35 do CSC, relativo a situações de “perda grave” do capital social.

O seu nomem juris é atribuído a COUTINHO DE ABREU209. De acordo com este


A., os casos de descapitalização provocada são aqueles em que os sócios (cumulando a
qualidade de gerentes, ou não) de uma sociedade de responsabilidade limitada “deslocam a
produção (ou boa parte dela) para uma sociedade nova […] por eles constituída […] ou para
sociedade já existente e que deles são sócios”. Esta nova sociedade terá um objeto que será,
senão idêntico, bastante similar210.

Poder-se-á cumulativamente, reconduzir a descapitalização a um grupo de casos


cujos “bens, trabalhadores e oportunidades de negócio de uma determinada sociedade são
“transferidos” para a esfera de um dos sócios ou para outra sociedade entretanto constituída
por estes […] em prejuízo dos seus credores”211. Porém, numa visão de discordância com a
solução que invoca a desconsideração da personalidade jurídica, como forma de
responsabilização dos sócios, nos casos que qualificaremos de descapitalização provocada,
há quem prefira a subsunção destes casos a situações de “concorrência dos sócios”212.

RICARDO COSTA, em anotação ao Ac. da Relação do Porto de 29/11/2007213,


menciona que, na fundamentação do pedido de desconsideração efetuado pelo credor estaria
uma “falta de recursos da sociedade para realizar o objeto social, prosseguir a sua atividade
e solver as suas dívidas, que não foi entretanto colmatada por outros meios”. Se tal “falência
de meios” for imputável a condutas dos sócios, será um dos casos merecedores de
desconsideração. Situações que se identificam com as características acima descritas exigem

208
Neste sentido, conclui-se pela exclusão das hipóteses de desconsideração as situações de descapitalização
fortuita, que não deverão constituir fonte de responsabilização societária nos mesmos termos que a
descapitalização provocada deliberadamente pelos sócios. Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, O capital social…cit., p.
70 e TARSO DOMINGUES, “Art.º 201”…cit.,, p. 220.
209
Cfr. “Diálogos com a Jurisprudência II – Responsabilização dos Administradores para com os Credores
Sociais e Desconsideração da Personalidade Jurídica” in DSR, Ano 2, Vol. 3, Semestral, Março, 2010, p. 56.
210
Idem, p. 56-57.
211
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, “Desconsideração da personalidade jurídica e “descapitalização ” da Sociedade”,
in «Direito e Justiça, Direito Comercial e das Sociedades, Estudos em memória do Prof. Doutor Paulo M.
Sendim», Especial, Lisboa, 2012, FDUCP, p. 309.
212
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A tutela dos Credores …cit., p. 641 pontos 13 e 14.
213
Cfr. Ac. do TRP, de 29/11/2007, Proc. n.º 0735578, Relator: José Ferraz, disponível em www.dgsi.pt.
41
uma responsabilização dos sócios face aos credores, pelo “aniquilamento” da “existência da
sociedade” (da doutrina alemã, Existenzvernichtung)214.

Defendemos, como mencionado supra, que não será necessária a constituição de


uma nova sociedade por parte dos sócios para que possamos estar perante um caso de
desconsideração; basta que os mesmos transfiram o património da sociedade para outra já
existente e de que eles são sócios. Quanto à primeira sociedade, esta ou irá cessar a sua
atividade ou irá diminuí-la grandemente, impossibilitando-a de cumprir as suas obrigações
perante os credores215.

Nestes casos, admitimos que deverá ser desconsiderada a personalidade jurídica da


primeira sociedade, uma vez que não foi observada a regra da autonomia do património
social, face ao património dos sócios. Apresentando a sociedade evidências de um estado
atual ou iminente de crise, deverão os sócios investir na sociedade em vez de pegar em todo
o seu património e constituir uma nova, em que será exercida a mesma atividade, ”inanindo-
a em detrimento dos credores sociais”216. Podem, em alternativa, dissolver a sociedade ou
declarar a sua insolvência (resultante de um dever dos administradores), evitando assim a
sua descapitalização, uma vez aos sócios não é exigido o dever de recapitalização da
sociedade217.

Urge tomar conta que, a nossa Ordem Jurídica, efetivamente, atribui aos sócios de
uma sociedade por quotas o “benefício” da responsabilidade limitada, contudo, a sua
interpretação não permite a utilização da figura da sociedade como “instrumento de inflição
de danos aos credores”, como diria COUTINHO DE ABREU218. Se a sociedade está em
estado crítico, jamais será permitido que, deliberada e voluntariamente, os sócios agravem
ou espoletem essa mesma crise, “liquidando a sociedade a frio,” continuando a prossecução
da atividade empresarial noutra sociedade. Se há interesse em dar continuidade a essa mesma
atividade, ao invés de descapitalizar a sociedade (uma vez que, nestes casos, há um

214
Cfr. “Responsabilidade dos gerentes de sociedade por quotas perante credores e desconsideração da
personalidade jurídica” in CDP, n.º 32, 2010, p. 57 e ss.
215
Cfr. Neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito…cit., p. 181.
216
Idem.
217
Idem.
218
Idem
42
investimento noutra sociedade), então deverá o sócio (ou sócios) reinvestir na primeira, na
ótica de acautelar os direitos e deveres dos seus credores219.

Esta circunstância torna-se especialmente grave quando, da atuação dos sócios, o


património da Sociedade (que serve de garantia da satisfação dos credores sociais) fique
“exposto a riscos elevados, com lesão do seu próprio interesse, comprometendo a capacidade
de respeito por compromissos debitórios à custa do credor”220.

RICARDO COSTA acrescenta uma visão diferente, sob o mesmo prisma, por nós
conjuntamente aplaudida. Para este A., a descapitalização é bem mais do que o descrito hic
et nunc; é um sintoma ou comportamento do desinteresse censurável pelo projeto
empresarial. Isto é, não se trata apenas (e tão só) de descapitalizar a sociedade, mas cometer
actos de desvio ou apropriação dos bens societários em benefício próprio; revogar contratos
com os fornecedores e/ou bancos; despedir altos quadros; extinguir relações negociais e
ainda, privar-se de oportunidades de negócio e/ou de parcerias negociais, prejudicando a
Sociedade. Neste sentido, apresentam-se “manifestações de desinteresse censurável” que
deixam “morrer” o projeto empresarial. Estas circunstâncias podem dar origem à
desconsideração, nomeadamente, quando tais comportamentos são decididos por via dos
sócios, uma vez que será sobre estes que irá recair a responsabilização, em especial se esses
mesmos desvios e perdas subjetivas e sociais conduzirem a um estado de insolvência221.

Os casos designados de descapitalização provocada ganharam importância na


Doutrina e Jurisprudência alemãs, sendo o caso mais relevante o acórdão de 16/7/2007,
referente ao caso “Trihotel”222. Neste, a “insolvência “apareceu como efeito da “retirada de
valores” do património social e o comportamento do sócio, desrespeitador do dever de
honrar o compromisso funcional do património da sociedade, […] em prejuízo da satisfação
dos credores durante a vida útil da sociedade”223. As conclusões retiradas deste caso, em
termos de responsabilização dos sócios perante os credores sociais, têm o apoio de grande
parte da doutrina alemã, sendo uma responsabilidade fundada no § 826 do BGB224, numa

219
Ibidem.
220
Cfr. RICARDO COSTA, “Responsabilidade dos gerentes …”, cit., p. 59.
221
Idem.
222
Deste acórdão surge a confirmação da Teoria “Existenzvernichtungshaftung” (aniquilamento da existência
da sociedade).
223
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 60.
224
Ibidem, p. 61.
43
atuação de modo contrário aos bons costumes225. Esta é uma responsabilidade puramente
interna, mais tarde utilizada pelos credores.

Não obstante, não se recomenda a importação do resultado do “Trihotel”, por se


entender justificar-se uma responsabilidade externa, ou seja, direta para com os credores226.
RICARDO COSTA objetiva que, neste sentido, interessa “perceber que essas formas de
desinteresse […] que expõe a sociedade a um risco ameaçador para a sua existência, devem
poder ainda fundamentar uma responsabilidade externa dos sócios em face dos credores-
terceiros, com base no instrumento praeter legem da desconsideração”227.

Na procura de responsabilização dos sócios através da descapitalização provocada,


tendencialmente, a arguição foca-se no art.º 334 do CC, ou seja, no abuso de direito por
violação dos bons costumes, o que, “apesar da indefinição do termo “bons costumes”, não
nos obriga a exigir o dolo dos sócios”228. No entanto, continua a eleger-se “a ideia de abuso
institucional – associada à derrogação da autonomia patrimonial da sociedade devedora”,
cujo património dos sócios, com o intuito de satisfazer os credores sociais, se junta ao da
sociedade, como preferível e/ou mais aceitável229.

Novamente, RICARDO COSTA atenta que “a desconsideração nestas


circunstâncias, não deixa de ser mais uma resposta a uma manifestação de abuso
institucional […] na utilização e funcionamento da “forma jurídica societária”230.
Consequentemente, tal traduzir-se-á na perda da possibilidade de alegação no sentido da
irresponsabilidade (que em situações normais seria a regra), aquando da demanda para
“responder pelas obrigações sociais, na qualidade de um terceiro obrigado ao cumprimento
de uma dívida alheia”231.

É a fraude à lei, consubstanciada na atuação dos sócios que irá, nos termos do art.º
601 do CC, subverter a responsabilidade limitada, resultante de um princípio de separação

225
Note-se que nem todos os casos que na doutrina alemã são apontados como descapitalização provocada (ou
seja, existenzvernichtungshaftung) cabem no nosso conceito de descapitalização. Para mais informação, vide
COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial…cit., p. 182, nt. 41.
226
Cfr. COUTINHO DE ABREU, Op. Cit. p. 183.
227
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p. 61.
228
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit., p. 183.
229
Idem.
230
Cfr. RICARDO COSTA, “Responsabilidade dos gerentes…”, cit., p. 62.
231
Ibidem, p. 63.
44
patrimonial e levar os sócios ao “cumprimento de obrigações perante terceiros”, numa
relação de meio-fim, respetivamente232. Importa identificar um conjunto de atos negociais e
jurídicos suscetíveis de “revogar” a regra da responsabilidade limitada, pelos encargos
imputados à sociedade; atos determinados “pela procura de satisfação desse interesse
concreto, que se afigura ilegítimo”. Para tanto, é imprescindível observar as condutas
societárias com o desígnio de determinar se os seus atos, “ainda que formalmente lícitos”,
tenham sido tomados para “atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso” de
“delapidação do património social e da capacidade empresarial da sociedade”233. Não se
torna “espinhosa”, portanto, a conclusão no sentido de uma atuação fraudulenta, maxime, se
“o complexo de interesses perseguido pelos sócios, dentro da sociedade, são diversos
daqueles “próprios do esquema de organização societária”234.

Mantendo-nos na direção deste Autor, acolhemos ser nessa categoria de casos


censurável que devemos integrar todas aquelas situações de constituição de sociedades com
descapitalização provocada (ou intencional) da primeira sociedade constituída pelos mesmos
sócios, ou pessoas da sua influência (por exemplo, cônjuges, filhos e outros familiares), com
os mesmos trabalhadores, mesmo objeto social, mesmos clientes, “usufruindo da
transferência dos bens e factores produtivos da sociedade que os sócios deixaram cair, por
sua iniciativa deliberada”235.

A discussão prossegue, entendendo-se que o procedimento societário estará


habitualmente relacionado com a “actuação dos administradores ou gerentes, em especial se
eles acumulam essa qualidade.” Nestas circunstâncias, o A. considera alcançar-se com maior
clareza “ […] a possibilidade de ser pedida a responsabilidade por desconsideração aos
sócios ou a responsabilidade civil aos administradores (ainda que sócios) da sociedade
devedora – ou perante a sociedade (pelo desrespeito de deveres legais gerais ou específicos),
sub-rogando-se os credores na posição ativa social (art.º 78, nº2 CSC), ou diretamente
perante os credores”236.

232
Cfr. RICARDO COSTA, Os administradores de facto…cit., p.184.
233
Ibidem, p. 185.
234
Idem.
235
Cfr. Responsabilidade dos gerentes…, p. 66-67.
236
Cfr. Op. cit. p. 68-69.
45
Alguns consideram que a responsabilidade dos sócios perante a sociedade deve-se
fundar no desrespeito do dever de lealdade, derivado da aniquilação da sociedade237. Se
olharmos com atenção para os casos de descapitalização provocada, somos forçados a
admitir que, de facto, existe uma violação do dever de lealdade, uma vez que os sócios atuam
de modo incompatível com o interesse social, o que pode levar a uma responsabilidade
interna por parte daqueles que violaram o referido dever.

Ainda assim, apesar de haver esta via, COUTINHO DE ABREU prefere adotar o
caminho da desconsideração da personalidade jurídica, e por esta responsabilizar os sócios.
Isto porque, nos casos de descapitalização provocada os sócios, que quase sempre atuam
dolosamente, causam graves danos aos credores sociais, e havendo nexo de causalidade entre
os sócios e o comportamento que causou o dano, deverá ser-lhes (aos credores) dada a
possibilidade de responsabilizar os sócios diretamente238.

Porém, nem toda a Doutrina considera necessário o recurso à figura da


desconsideração da personalidade jurídica, admitindo que “o resultado que pretende atingir-
se pela via do recurso à aplicação da técnica de “desconsideração da personalidade jurídica”,
pode ser alcançado, em muitos casos, através da aplicação de normas jurídicas
especificamente formuladas pelo legislador239. Devido à sua natureza subsidiária, o instituto
da desconsideração da personalidade jurídica só deverá ser invocado quando “inexistir outro
fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou sociedade que se pretende atacar”240.

Marcando a sua posição extremista, FÁTIMA RIBEIRO defende que, em casos


desta natureza, devem ser qualificados de “concorrência dos sócios” em relação à sociedade,
por considerar que uma tal atuação dos sócios “não constitui uma violação do dever da
lealdade para com a sociedade, a menos que aqueles acumulem as funções de gerente241.
Além disso, a legislação portuguesa apresenta, atualmente, mecanismos que preveem a
proteção dos credores, nos casos de descapitalização, não existindo, por isso, qualquer dever

237
Cfr. COUTINHO DE ABREU, op. cit. p. 183
238
Idem.
239
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 295.
240
Neste sentido foi o Ac. do STJ de 3 de fevereiro de 2009, Proc. n.º 08A3991, Relator: Paulo Sá, disponível
em www.dgsi.pt.
241
Nos casos em que os sócios acumulem funções de gerentes, a autora diz-nos que existe uma “proibição legal
de concorrência, sancionável no âmbito da responsabilidade civil dos gerentes e administradores”. Cfr. Art.º
72, n.º1 e 254 do CSC
46
de indemnização. Nestes termos, para a autora, jamais existiria a possibilidade de
responsabilização dos sócios, nas hipóteses de descapitalização provocada, sendo esta
reconduzida aos casos de “desinteresse” pela sociedade ou aos casos de “concorrência dos
sócios” em relação à sociedade242.

A este respeito, apraz-nos frisar que, independentemente do entendimento que os


autores tenham sobre esta temática, facto é que, de novo as situações afunilam-se num fim
comum da proteção do credor social contra comportamentos abusivos. Se, perante o
enquadramento das situações, for de concluir pela violação do dever de lealdade, essa não
será refutada e responsabilizar-se-á o sócio pela violação desse dever.

6.3.1. Distinção entre subcapitalização e descapitalização


provocada
Aqui volvidos, cabe, por fim, fazer a distinção243 entre estes “grupos de casos”
porquanto defendemos não se poder confundir um com o outro. Se, ao versarmos sobre a
subcapitalização (manifesta e qualificada) está em causa a insuficiência de meios financeiros
para a prossecução de uma atividade, isto é, há uma relação instrumental, no caso da
descapitalização provocada, esta tem que ver com o património, ou seja, é a retirada do
património que torna insubsistente a prossecução dessa mesma atividade.

Saliente-se que, na visão que sustentamos, poderemos estar perante distintos


fenómenos, ou seja, da conjugação da subcapitalização e descapitalização podem resultar
fenómenos independentes, subsequentes ou cumulativos. No primeiro caso, são fenómenos
que não contendem um com o outro, funcionando isoladamente, podendo ocorrer um ou
outro. Para o efeito note-se que uma sociedade pode não estar subcapitalizada mas ver os
bens serem-lhe retirados, (ficando sem património) tal como poderão os sócios retirar todo
o património da sociedade, descapitalizando-a e, não obstante, conseguir meios de
financiamento, não chegando à situação de incumprimento. Relativamente ao segundo caso,
regra geral, a descapitalização está associada à subcapitalização antecedente ou procedente,
isto é, poderá ser a situação de falta de capital que origina a descapitalização, com vista à
fuga das responsabilidades debitórias, ou, de contrário, ser a descapitalização tout court, que

242
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, op. cit. p. 296 e ss.
243
Cfr. entre outros, TARSO DOMINGUES, “Art.º 201…”, cit., p. 219-220.
47
origina a insuficiência de meios. Finalmente, poderão ser fenómenos cumulativos, se
simultaneamente a sociedade não tem, nem meios financeiros, nem forma de os angariar,
nem património.

Contudo, conclui-se que o efeito prático, em princípio, será o mesmo, ou seja,


seguindo de muito perto a opinião de TARSO DOMINGUES, “deve aplicar-se a
desconsideração da personalidade jurídica, nos termos atrás analisados para a
subcapitalização manifesta, relativamente aos sócios […] que participam naquele
“esvaziamento” do património social”244. De referir que, sendo provocada, a
descapitalização tem como único objetivo o “óbito” da Sociedade.

7. Fundamento legal e dogmático em torno da responsabilização.


Não raras vezes foi aqui proferido que o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica deve revestir um caráter excecional245. Chegando a este ponto, resta-
nos apurar o fundamento jurídico e respetivo enquadramento dogmático que possibilite a
responsabilização do sócio (perante os credores), uma vez que a ratio desta investigação
assenta no facto de inexistir, ope legis, consagração legal para os casos merecedores de
desconsideração, supra referidos.

Hodiernamente, a Doutrina e Jurisprudência apoiam-se no abuso de direito como


fundamento para a responsabilização dos sócios pela via da desconsideração da
personalidade jurídica. Este abuso, nos termos gerais, constitui uma das possíveis fontes da
responsabilidade civil extracontratual.

Assim, a opinião maioritária vai no sentido de que apenas é admitida a


responsabilização do sócio (cujo comportamento seja culposo246) através daquele
mecanismo, mediante a conjugação do princípio do abuso de direito com a disciplina
atinente à responsabilidade civil extracontratual, ex vi, art.º 483 do CC. Parece ser esta a
opinião de COUTINHO DE ABREU quando afirma que “havendo abuso do direito […] há

244
Ibidem.
245
TARSO DOMINGUES, O novo regime do capital social…cit., p.113.
246
Ibidem, p. 115.
48
ilícito” e “se houver também […] culpa dos sócios, […] dano para os credores e nexo de
causalidade […] temos os pressupostos para responsabilizar os sócios para com os credores
sociais”247. Através dos escritos deste A. depreende-se que a sua visão não é, em parte,
concordante com a que defendemos, uma vez que reclama os requisitos da responsabilidade
delitual ou extracontratual, como fundamento da responsabilidade externa, que sob os sócios
incide.

Não é este o entendimento, pelo menos numa primeira abordagem que perfilhamos.
Pugnamos, aceitando (e apoiando) a visão de RICARDO COSTA pela reflexão de que a
desconsideração será, acima de tudo, um problema de responsabilidade contratual
(negocial). É nesta premissa que assenta a nossa posição, não invalidando o exposto infra.

Antes da justificação desta tomada de posição, teceremos algumas considerações


preliminares. Já se afirmou, aquando do desenvolvimento da temática da subcapitalização,
que a imputação de responsabilidade aos sócios será numa ótica de responsabilidade externa
e não interna, uma vez que, acolhendo nós uma “concepção substancialista da personalidade
jurídica societária”, admitimos “romper o formalismo da personificação e da separação
patrimonial entre a sociedade e os seus sócios”248.

Importa também, e desde já, clarificar dois tipos de responsabilidade distintos entre
si que, frequentemente são confundidos e usados imprecisamente. Isto é, uma coisa é a
responsabilização dos sócios nessa qualidade, - ou seja, não atendendo à circunstância de
poderem cumular (ou não) a qualidade de gerente, - que lhes será imputada por
desconsideração da personalidade jurídica. Outra coisa é a responsabilização pela atuação
enquanto gerente (que pode ou não ser sócio), nos termos do art.º 78, nº1 do CSC, sendo esta
uma responsabilização pelo “exercício ilícito e culposo das suas funções de gestão e/ou
representação”249.

Temos, desta forma, evidentes, duas vias distintas de responsabilização. Não


obstante, em grande parte das situações, o mesmo indivíduo poderá cumular ambas (de sócio
e gerente), traduzindo-se, porém, em fundamentos diversos aquando do pedido de
indemnização. Clarificando, no primeiro caso, teremos um pedido dirigido ao sócio, e no

247
Cfr. Curso de Direito Comercial …cit., p. 182.
248
Neste sentido, Cfr. RICARDO COSTA, Responsabilidade dos gerentes…cit., p. 61.
249
Ibidem, p. 56.
49
segundo, dirigido ao administrador, sendo esta a visão adotada, igualmente, pelos acórdãos
da relação de Évora, de 25/5/1998 e da relação do Porto, de 15/10/2011250/251.

Nesta sede, podemos reputar estas vias como “caminhos possíveis, mas
alternativos”252. Neste sentido, explica que, se estiver em causa o comportamento dos
administradores, estes responderão para com os credores, em virtude de violação culposa de
normas legais cuja função é a de proteção dos credores, ex vi, art.º 6, nº1 do CSC e o art.º 18
do CIRE se dessa violação resultou uma escassez do património societário para satisfação
dos débitos253.

Por sua vez, se foi o comportamento enquanto sócio (e não como administrador)
que despoletou ou piorou o estado de “subcapitalização material e manifesta da sociedade”,
não tendo enveredado esforços para reverter tal situação, será derrogado o “benefício” da
responsabilidade limitada dos sócios e serão chamados a responder perante os credores, por
abuso da personalidade coletiva, em sede de desconsideração desta. Contudo, COUTINHO
DE ABREU não coloca de parte a possibilidade de “concorrentemente, responderem (…)
os administradores (sócios ou não) nos temos do art.º 78, nº1 e os sócios (não
administradores), em virtude de desconsideração da personalidade da sociedade”, maxime,
se forem “sócios controladores”254/255.

Ainda assim, deve ficar claro e inequívoco que por via da desconsideração jurídica
apenas256 serão abrangidos e, consequentemente responsabilizados, os sócios nessa exata
qualidade, não importando se, cumulativamente ou não, apresentam a qualidade de
gerente257/258.

250
Para maiores desenvolvimentos vide, RICARDO COSTA, ob. cit., p. 56-57, nt. 15 e 16, respetivamente.
251
Idem.
252
Cfr. COUTINHO DE ABREU, “Art.º 78º”… cit., p. 899.
253
Idem.
254
Acerca da responsabilização dos sócios controladores, vide, para maior desenvolvimento, COUTINHO DE
ABREU/ELISABETE RAMOS, “Responsabilidade Civil de administradores e de sócios controladores (Notas
sobre o art. 379º do Código de Trabalho) ”, Miscelâneas n.º3, IDET, Almedina, Coimbra, 2004 p. 49 e ss
255
Ibidem, p.79
256
Neste sentido, Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, “Desconsideração da personalidade Jurídica…” cit., p.56.
257
Cfr. COUTINHO DE ABREU/ELISABETE RAMOS, “Art.º 78”…cit., p. 899.
258
De igual forma enveredou a Relação de Lisboa, ao versar no sumário que “A responsabilização por via da
desconsideração da personalidade colectiva é dos sócios, enquanto tais, e não dos gerentes”. Ac. do TRL, de
29 de março de 2012, Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2, Relator: Teresa Albuquerque, disponível em
www.dgsi.pt.
50
Falta apenas tomar partido quanto à natureza da responsabilidade resultante da
desconsideração, e neste ponto, consideramos ser subsidiária. Outra não poderá ser a
resposta no sentido de a vermos “como responsabilidade que constitui uma garantia para
terceiros, que funcionará depois de rateada a garantia principal, constituída pelos bens da
sociedade”259.

Após todas as considerações tecidas, é hora de justificar a tomada de posição


defendida, ab initio. Fazendo referência a uma situação hipotética, facilmente perceberemos
que a responsabilidade em causa será contratual/negocial. Se não vejamos: A. Lda., deve
€1 000 e tem como património social a quantia de €100, que é insuficiente para pagar a X,
credor da sociedade A. Daqui resulta que estão €900 em falta, para o integral cumprimento
da sua obrigação debitória.

Nesta situação, pretendem os credores receber o remanescente em dívida. Desta


forma, apresentam-se perante B, C e D, sócios de A, com a certeza da existência de
comportamentos que concluem pelo abuso da sociedade, tendo como pretensão que sejam
estes os responsáveis pelo valor em falta. Justificam-na com fundamento no abuso da
personalidade jurídica, ex vi, art.º 334 do CC, que terá como consequência a supressão da
proteção societária, fundada no princípio da separação patrimonial, atribuída no momento
da constituição da sociedade. Assim, por causa da sua elisão, são os sócios que responderão
por dívida alheia, ou seja, defendemos uma permanência, ainda, no domínio da
responsabilidade contratual, por ser tão só, um “efeito negocial, relativo ao cumprimento da
relação entre a sociedade e os seus credores” 260.

Este raciocínio reclama a necessidade de uma interpretação do abuso de direito, ex


vi art.º 334 CC, conjugada com a restrição prevista no art.º 197, nº3 (para as Sociedades por
Quotas) e, de igual forma, no art.º 271 (para as Sociedades Anónimas), traduzida no
corolário de que pelas dívidas da sociedade (em princípio) só responde o seu património.
Pela via da interpretação restritiva261,262 poder-se-á tecer a asserção de que, o efeito da

259
Cfr. RICARDO COSTA, A sociedade por quotas unipessoal…cit., p. 693-694, n, 911.
260
Idem, p. 64.
261
Que RICARDO COSTA designa por Redução Teleológica, Cfr.. op. cit. p.64.
262
Segundo CASTANHEIRA NEVES, há interpretação restritiva sempre que “a letra (o imediato ou o natural
significado gramatical) é mais ampla do que o espírito”. Para tal, “restringe-se o sentido naturalmente textual
da lei para o fazer coincidir com o seu espírito”. Cfr. CASTANHEIRA NEVES, Introdução ao Estudo do
Direito, Interpretação jurídica, Coimbra, 1979, p.67-68.
51
responsabilidade limitada vigora plenamente, exceto se os sócios abusarem da personalidade
jurídica. Deste modo, verificado o abuso nos termos do art.º 334 CC, haverá uma
incontornável obrigação de indemnizar, sempre que se verificarem os requisitos do art.º 798
do CC263, “repristinando-se o regime comum da responsabilidade ilimitada”, que convoca a
aplicação dos art.º 601 do CC e 735 (alteração nossa) do CPC 264. Dito de outra forma,
sempre que da atuação dos sócios se conclua que há a violação dos requisitos que servem de
sustentação ao benefício da responsabilidade limitada, há um reingresso ao regime normal
(que seria o aplicável não fosse a previsão do art.º 197, nº3 e 271 do CSC), da
responsabilidade ilimitada e os bens do devedor (que passa a ser o sócio) suscetíveis de
penhora (para o qual se convoca o art.º 735 do CPC), responderão pelo cumprimento da
obrigação vencida265.

Existirá abuso, na conceção de ANTUNES VARELA, “sempre que o titular o


exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou
pelo fim económico ou social desse direito”266. É necessário, contudo, que tal direito seja
“exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça»”267. Classificado como
princípio normativo268 de Direito, apesar de este instituto não carecer de consagração legal,
a sua confirmação legislativa veio colmatar todas as suspeições em torno da sua
aplicabilidade. Sobre esta temática acrescenta-se que a boa-fé supõe “uma larga margem de
discricionariedade atribuída ao interpretador-aplicador”269.

De salientar que, “para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o
titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda
manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam
a concessão desse poder”270. Se transpusermos o mencionado para a realidade comercial (ou
seja, para o exemplo supra construído), é exatamente o que acontece quando o sócio, munido

263
Diz o artigo: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo
prejuízo que causa ao credor”.
264
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p.661-662.
265
Resultado da uma leitura conjunta dos respetivos artigos.
266
Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 545.
267
MANUEL DE ANDRADE, apud ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, p. 545.
268
Cfr. ANTÓNIO CASTANHEIRA Neves, Questão-de-facto – Questão-de-direito ou o problema
metodológico da juridicidade (Ensaio de uma reposição crítica), I, A crise, Almedina Coimbra, 1967p. 529.
269
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Da boa-fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1983 (3ª reimp. 2007), p.
1190 e ss.
270
Cfr. ANTUNES VARELA, op. cit., p. 545.
52
pela limitação da responsabilidade, excede os limites que a lei e a comunidade em geral
impõem, prejudicando os credores intencionalmente, existindo aquilo que se denomina por
“contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou
interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”271.

Conclui-se portanto que, abuso de direito e fraude à lei272 são, então, os requisitos
necessários para reduzir o “privilégio da responsabilidade limitada” e levar os sócios a
responder pelas dívidas da sociedade impossibilitadas de serem pagas pelas suas forças
patrimoniais, conduzindo à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica. Os sócios, hoc sensu, apresentam-se como sujeitos terceiros, pelo que irão
responder nos termos da responsabilidade civil contratual, um sujeito cuja responsabilidade,
originariamente, não lhe poderia ser imputada, uma vez que da conexão desses atos deriva a
lesão dos credores sociais, expondo o sócio à “reprovação do direito”273.

Paralela ou cumulativamente, apresenta-se como cogitável uma segunda via, que é


a seguida pela maioria da Doutrina, para a fundamentação dos casos apresentados, sempre
que se prove a desconsideração da personalidade jurídica a que, no início, aludimos.

Ou seja, uma coisa é a responsabilidade em sede contratual-negocial, outra, distinta


é, tendo em conta os mesmos factos, “representar a imputação delitual das perdas e
prejuízos” causados pela atuação dos sócios através do instrumento da responsabilidade civil
extra – contratual, uma vez que estes abusos e fraudes consubstanciam uma ilicitude ao
abrigo do art.º 483, nº1 do CC274/275.

Neste âmbito, poder-se-á invocar a violação de normas que tutelam a proteção dos
credores (segunda modalidade de ilicitude) prevista no art.º 483, nº1 do CC, “residualmente
clausulada pelo art.º 334 CC” e/ou o abuso institucional do “poder – dever de os sócios
constituírem sociedades e atuarem adequada e cuidadosamente”, sujeitando-se às normas
vigentes, como fundamento da responsabilidade dos “sócios lesantes em face dos credores
sociais lesados”, nos termos daquele artigo. Adita-se ainda que, nesta ação, deveremos

271
Ibidem, p. 546.
272
Para uma clara distinção entre ambos, cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…cit. p. 84-85.
273
Idem.
274
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit., p.65.
275
Para um aprofundado desenvolvimento acerca do abuso de poder vide COUTINHO DE ABREU, Do abuso
de direito...cit.
53
averiguar se os atos dos sócios foram praticados culposamente e se são causalmente
adequados aos danos dos credores, verificados todos os “pressupostos constitutivos de
responsabilidade delitual por facto ilícito”276. Consideramos que será sob esta égide que
deveremos incluir, além dos casos de subcapitalização material manifesta, os casos de
descapitalização provocada”277.

Emerge do exposto que podemos apresentar em pleito as duas opções. Não


olvidemos, porém que, nesta, estamos a invocar os pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual, ao passo que na outra, estamos a invocar os pressupostos da
responsabilidade contratual. De qualquer modo, importa clarificar que, ainda que não se faça
com a mesma exaustão, também na responsabilidade contratual é necessária a verificação
dos pressupostos, exceto a culpa, devido à presunção que sob ela impende. Assim sendo,
poder-se-á mencionar que a responsabilidade extracontratual tem interessante como medida
adicional do dano, pois quando se fala só de divida em si, o credor pretende, mais do que
tudo, ser pago.

Questiona-se se, enveredando por uma ou outra via, o credor poderá ter mais
benefícios em detrimento da outra. A resposta será de fácil conceção: apenas pela presunção
de culpa terá mais benefícios na responsabilidade contratual278, o demais é similar. Deste
modo, pela via da responsabilidade negocial, haverá incumprimento e, na segunda, abuso de
direito, nos termos formulados pela doutrina.

Admitimos, portanto, serem dois caminhos cumulativos mas, em rigor, a


desconsideração da Personalidade Jurídica é um problema de responsabilidade negocial, isto
é, o credor vai exigir à sociedade A, o remanescente ou a totalidade do crédito em falta, e
pretende ver-se ressarcido através do património dos sócios que, prima facie, não iriam
pagar. Assim, por dívida alheia, responderá um sujeito que não iria, ad initio, responder por
tal, através de imputação de dívida alheia ao sujeito terceiro, que é sócio.

Desta forma, a nossa posição versa no sentido em que, ao propor-se uma ação de
responsabilidade por desconsideração, esta será no âmbito da responsabilidade contratual e,

276
Cfr. RICARDO COSTA, op. cit. p. 65.
277
Ibidem, p.66-67
278
Vigora a regra oposta à invocada pelo art.º 342, n.º1 do CC, pelo que há a inversão do ónus da prova, ex vi,
art.º 344 do CC. Cfr. ANTUNES VARELA, op. cit., p. 589.
54
simultaneamente, poder-se-á fazer um pedido cumulativo ou subsidiário279, nomeadamente,
se o credor-autor tiver mais danos do que o dano emergente da dívida, pela ilicitude do abuso
de direito. Não se pode afastar a possibilidade de existência de lucros cessantes, v.g., nos
casos em que exista uma relação contratual de fornecimento (duradoura) entre ambos e que
se veja prejudicada. Poderá ocorrer que o credor que mantinha essa relação, confiando que
a boa organização (da estrutura societária) corresponderá a uma boa solvibilidade
patrimonial, crie ligações/investimentos, na expetativa da utilização devida da figura
societária e respetiva “saúde financeira” e mais tarde a veja frustrada pelo prejuízo que
obteve. Tal prejuízo, materializado em lucros cessantes, surgirá em consequência dos
comportamentos abusivos dos sócios que feriram o estado de solvência da sociedade.

Poderá ainda acrescer a tutela das expetativas jurídicas dos credores, que se poderão
encontrar, subitamente, surpreendidos com a atuação societária, no sentido de promoverem
o “naufrágio” da Sociedade para eludir e prejudicar credores. Evidentemente, são suposições
que apenas serão ponderadas e introduzidas em sede de indemnização mediante prova
inequívoca do nexo de causalidade280.

Resulta do exposto ser da nossa convicção que o credor-autor poderá malear a ação
condenatória da forma que melhor lhe aprouver, consoante o que pretender ver indemnizado.
Querendo ver-se ressarcido pelo dano emergente da dívida (ao qual poderá acrescer o valor
dos juros), a ação será sempre de responsabilidade contratual, à qual poderá aditar uma ação
de responsabilidade civil extracontratual, se os danos forem superiores aos danos da dívida.

Conclui-se, portanto, que a responsabilidade do sócio pode ser extracontratual mas


a primeira abordagem será sempre a prevista pelo art.º 798 e ss do CC - responsabilidade
contratual. No segundo caso exige-se o cumprimento de uma dívida de €1 000 e a sociedade
só tem €100 para pagar. Porém, se além dos €900, os credores tiverem danos de mais €500,
já não poderão enveredar pela responsabilidade contratual mas extracontratual e talvez faça
sentido utilizar os dois meios de responsabilização se houver danos para além do dano da
dívida, i.é. do incumprimento da dívida.

279
Sobre a noção de pedido cumulativo e subsidiário vide REMÉDIO MARQUES, Ação declarativa à luz do
Código Revisto, 3ª ed, Coimbra Editora, 2011, p.137 e ss.
280
Acerca dos conceitos de dano emergente e lucro cessante, vide, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO,
Teoria Geral…cit., p.129.
55
Em causa poderá estar a existência de lucros cessantes, ou seja, se com o
comportamento abusivo a Sociedade começa a afundar-se e os credores tinham, por
exemplo, uma relação de fornecimento de mercadorias constante que lhes garantia
determinado lucro. Houve um dano emergente (do incumprimento), desde logo, que será
julgado em sede de responsabilidade contratual, mas o lucro cessante, aquilo que deixou de
ganhar pelo facto de haver um comportamento abusivo, será indemnizado pela via da
responsabilidade civil extracontratual, através do ilícito decorrente de uma responsabilidade
delitual.

Há porém Doutrina e Jurisprudência que ainda confunde esta questão com outra
diversa, a responsabilidade dos administradores/gerentes. Volvendo à questão da
responsabilidade dos administradores/gerentes frequentemente acontece que, na decisão
judicial, não se chega a dar uma resposta ao problema que poderia suscitar responsabilização
em sede de desconsideração da personalidade jurídica porque o pedido remete para a
responsabilidade destes e não dos sócios281. Não raras vezes, a maior parte dos
comportamentos dos administradores/gerentes presume a culpa grave do art.º 186 do CIRE
e a serem praticados por sócios, são comportamentos que se enquadram, nomeadamente, nos
grupos de casos de desconsideração. Afirma-se esta premissa como verdadeira mas, in casu,
estão em causa deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e muitos destes
comportamentos abusivos da desconsideração são praticados pelos sócios, em violação do
dever de lealdade dos sócios, numa atuação incompatível com o interesse da sociedade.
Simultaneamente, se alguns destes atos, por serem abusivos, levarem à desconsideração,
podem ser atos contrários à especialidade do fim do art.º 6 do CSC, sendo, nesse caso, atos
nulos, uma consequência de extrema importância para o credor, uma vez que a nulidade
reverte todos os atos praticados. Apesar disso, não é este o nosso objeto de estudo.

Ainda assim, a desconsideração não apresenta este efeito. Nesta,


independentemente da nulidade ou não dos atos, eles são suficientemente abusivos para
serem merecedores de que os sócios percam o privilégio da responsabilidade limitada, sendo
essa a questão em causa.

281
Veja-se v.g. os Acs. do TRL, de 29 de março de 2012, Proc. n.º 1751/10.7TVLSB.L1-2, Relator: Teresa
Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt.
56
8. Conclusões
I. Prima facie - e quiçá a mais importante -, a personalidade jurídica das pessoas
coletivas revela-se, potencialmente, uma das mais relevantes em sede do Direito
Societário. De outra forma, não se teria admitido a autonomia patrimonial, atribuída
aos sócios aquando da constituição das sociedades por quotas, que lhes permitem
uma maior flexibilidade e potencia maiores oportunidades de investimento,
facilitando o surgimento de novas empresas, mediante a garantia de que os sócios
não arriscarão o seu património, ou, de outra forma, não arriscarão mais do que o
investido.

II. Não obstante, essa garantia é, múltiplas vezes, indevidamente aproveitada,


resultando, frequentemente, em comportamentos abusivos, que servem/ocultam
objetivos nefastos, incompatíveis com o fim social. Desta forma, da articulação entre
a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial, desencadeiam-se, não raras
vezes, subterfúgios através de atuações lícitas, tendentes a alcançar fins ilícitos.

III. A grande preocupação do Direito em geral (e do Direito Societário em especial) é a


tutela das partes, tendencialmente consideradas mais fracas, que, in casu, são os
credores. Neste sentido, estando em causa a tutela dos credores sociais e sabendo
que não é possível encontrarmos solução, para todos os casos, consagrada na lei,
invoca-se a legitimação da desconsideração da personalidade jurídica, como um
instituto autónomo de direito, a fim de alcançar uma tutela de forma eficaz 282. Nele
deposita-se a confiança de coartar comportamentos abusivos e/ou fraudulentos, por
parte dos sócios, corrigindo-os ou evitando-os, estabelecendo limites à separação
entre o património do sócio e o da sociedade.

IV. Portanto, vislumbrando uma perspetiva não absolutizadora da personalidade


jurídica, objetiva-se que a desconsideração da mesma elimine o efeito da autonomia
patrimonial, restaurando a primitiva responsabilidade ilimitada, sempre que da
atuação dos sócios se coloquem em risco os interesses societários. Estamos

Atribui-se a denominação de “instituto” por ser esse o entendimento da maioria da doutrina. Cfr., v.g.,
282

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial …cit., p. 8.


57
conscientes de que este mecanismo jamais poderá ser aceite de forma
desproporcionada, funcionando sem circunscrições. Contudo, não acolhemos a tese
da impossibilidade de aplicação “sem reservas, devido à inexistência de uma
adequada fundamentação dogmática […] e à incerteza e insegurança que a sua
aplicação gera”283.

V. Jamais poderemos descorar ou omitir a frequente externalização dos riscos a que os


sócios procedem, protegidos pelo princípio da responsabilidade limitada,
transferindo, por vezes, a maioria deles para os credores sociais, maxime, numa
conjetura em que inexiste capital social mínimo para as sociedades por quotas. Esta
circunstância é fruto da recente alteração legislativa, operada pelo DL nº 33/2011 de
07 de março. Não refutamos a lógica negocial, muito menos somos utópicos ao
ponto de argumentar no sentido da proteção dos credores de todos os riscos inerentes
à atividade empresarial. Ainda assim, mantemos uma posição de reprovação quanto
ao suporte de mais riscos do que os normalmente existentes, principalmente quando
resultam de atuações meditadas e planeadas, com vista ao prejuízo dos credores.
Deste modo, parece-nos impensável que, nas situações descritas, a segurança
Jurídica de que os sócios desfrutam ao abrigo do art.º 197, nº3 do CSC (e, de igual
modo, art.º 271 CSC) prevaleça sobre o imperativo de Justiça do caso concreto,
socorrendo-se assim do instituto da desconsideração da personalidade jurídica para
repor a equidade.

VI. Numa viagem pelo espetro das perspetivas de tutela do credor, aferimos
encontrarem-se legalmente previstas algumas soluções “desconsideradoras”, nos
arts. 84, 270-F e 501 do CSC. Nestes casos, a solução será idêntica aos casos de
desconsideração extrapositiva, ou seja, far-se-ão responder os sócios abusadores,
por dívida alheia, com o seu património. Ao mesmo tempo, porém, concluiu-se que
estes casos não conseguem englobar e reprimir todas as situações de abuso, pelo
que, defendemos a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade

283
Cfr. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores…cit., p. 639.
58
jurídica praeter legem, sempre que não nos podermos socorrer dos meios de tutela
legalmente previstos.

VII. Por outro lado, tendo em conta o efeito útil de uma ação de desconsideração para
efeitos de responsabilidade urge frisar que de nada valerá um esforço interpretativo
se, a par da sua fundamentação, não existir um percurso adjetivo-processual
direcionado para o convencimento do juiz da necessidade de instaurar uma
providência cautelar conservatória, em ordem à garantia da preservação do
património dos sócios devedores. Não obstante, da sua aplicação apenas deverão
beneficiar os “credores fracos”, por serem as figuras mais débeis, não lhes assistindo
a possibilidade de impor garantias que permitam a garantia do cumprimento da
dívida, considerando-se abuso do abuso de direito a circunstância em que um credor
materialmente forte, vir exigir o cumprimento da dívida por esta via.

VIII. Para isso, reclama-se a necessidade de depreender quais as circunstâncias


suscetíveis da sua aplicação e, tendo-nos focado meramente nos grupos de casos de
responsabilidade, enumerámos várias possibilidades, não obstante não ser
consensual entre a Doutrina: a subcapitalização (manifesta e qualificada), a
descapitalização provocada, a mistura de patrimónios e o domínio qualificado (ainda
que os dos últimos casos não sejam objeto desta investigação).

i. Quanto aos casos de subcapitalização, primámos por evidenciar que somente


opera a desconsideração da personalidade jurídica se esta for manifesta e
qualificada, descartando os casos em que seja nominal, uma vez que apenas a
subcapitalização material pode infligir prejuízos. Porém, apesar de sermos
concordantes, na íntegra, com a posição defendida, torna-se contudo
importante perceber que, presentemente, não havendo fixação do montante do
capital social mínimo, a subcapitalização consiste em mais do que foi exposto,
i.e., o conceito de subcapitalização está cada vez mais contíguo com um
conceito de “sub-patrimonialização” no sentido em que a sociedade deixa de

59
ter património e bens suficientes para prosseguir com a sua atividade
empresarial.

ii. Relativamente aos casos de descapitalização provocada, deixámos transparente


que, apesar das suas dissimilitudes relativamente aos casos de
subcapitalização, dever-se-á enveredar pela mesma solução, ou seja, uma
solução “desconsideradora” da personalidade jurídica, quebrando a autonomia
patrimonial daqueles que, deliberada e voluntariamente “esvaziarem” o
património da sociedade, transferindo os seus bens para outra ou nova, no
intuito de “passar uma certidão de óbito” à primeira sociedade, em prejuízo dos
credores. Deparando-nos com atuações diferentes, ainda assim, estes dois
grupos de casos poderão entrecruzar-se, através de fenómenos subsequentes ou
cumulativos. Também aqui concluímos por uma noção diferente da
comummente invocada. Poder-se-á considerar um sintoma ou comportamento
do desinteresse censurável pelo projeto empresarial, tendo em conta que, mais
do que um problema de transferência de património, assistimos a condutas de
despedimento de trabalhadores, extinção de relações com fornecedores,
desperdício de oportunidades negociais, entre outros, que dão origem à
desconsideração.

iii. Por fim, focámo-nos no plano que apresenta a maior importância prática e que
encerra no objetivo principal, supra mencionado, da tutela dos credores. Neste
sentido, coube-nos demonstrar que a desconsideração da personalidade,
objetivamente, tratar-se-á de um problema de responsabilidade civil contratual-
negocial, nos termos do art.º 798 do CC. Este entendimento constrói-se através
de um labor interpretativo da norma atinente ao abuso de direito, i.é. do art.º
334 CC, conjugado com a restrição do art.º 197, nº3 CSC. Por via da
interpretação restritiva resulta que os sócios obterão proteção ao abrigo do
princípio da autonomia patrimonial desde que a sua atuação não fundamente
comportamentos abusivos do direito, em fraude à lei, revelando um fim ilícito.

IX. Em consequência, perdem os sócios o benefício da responsabilidade limitada e


responderão pessoal e ilimitadamente, perante os credores, por dívida alheia, uma

60
vez que foi por causa da sua atuação em abuso da figura societária que a sociedade
se encontra em incumprimento debitório.

X. Não afastamos, ainda assim, a possibilidade de instauração de uma ação de


responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art.º 483 do CC, verificados
que se encontrem os requisitos, fundada no abuso de direito (ilicitude residual),
sempre que existam mais danos para além do dano emergente. Colocamos nesta
hipótese os lucros cessantes e as expetativas dos credores, desde que verificado o
nexo de causalidade entre a atuação dos sócios e o dano dos credores. Desta forma,
identificaram-se dois caminhos que podem ser cumulativos e que oferecem um
contributo na tutela do credor, mediante a sua pretensão.

XI. De tudo o que fica exposto, conclui-se pela aplicação da desconsideração da


personalidade jurídica (enquanto instituto autónomo), para efeitos de
responsabilização dos sócios (e não de administradores/gerentes), perante credores,
pelas dívidas contraídas por aqueles em nome da sociedade, tendo em conta o caso
concreto e os imperativos de justiça impostos.

XII. Ainda assim, caberá sempre aos tribunais o exercício metodológico de verificação,
caso a caso, da justificação e admissibilidade da aplicação deste instituto.

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