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2021/2022

SEBENTA DE

F I N
A N Ç A S
PÚBLICAS
Guilherme Alexandre

Com os apontamentos de
Iara Nóbrega
Índice
Nota Introdutória ........................................................................................................................3

Abreviaturas ................................................................................................................................4

Legislação.....................................................................................................................................6

Finanças Públicas ........................................................................................................................7

Introdução às Finanças Públicas............................................................................................7

Orçamento do Estado (OE) ....................................................................................................8

Previsão de despesas e receitas: .........................................................................................9

Aprovação das despesas e receitas: ....................................................................................9

Normas constitucionais relevantes: .................................................................................10

Princípios Orçamentais: ...................................................................................................11

Procedimento Orçamental ................................................................................................14

Execução Orçamental .......................................................................................................17

Controlo Orçamental ........................................................................................................19

Finanças Locais (FL).............................................................................................................21

Finanças Regionais ................................................................................................................23

Introdução ao Direito Fiscal (DF) ............................................................................................26

Contexto e evolução histórica da fiscalidade ....................................................................26

Distinção entre impostos, taxas, preços, tarifas, «rendas sociais» e contribuições ......27

Classificação de impostos..................................................................................................29

Interpretação de normas fiscais .......................................................................................30

Técnica Fiscal ....................................................................................................................30

Responsabilidade fiscal .....................................................................................................32

Representação Fiscal .........................................................................................................33

Direito à Informação .........................................................................................................33

Princípios Fiscais ...................................................................................................................33

Políticas fiscais – atualidade...................................................................................................36

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Nota Introdutória
A presente sebenta, disponibilizada pela Comissão de Curso dos alunos do
2º ano da licenciatura em Direito para o mandato de 2021/2022, foi
elaborada pelo estudante Guilherme Alexandre e revista pelo estudante José Santos, tendo
por base as aulas lecionadas pelos docentes Diogo Feio e Glória Teixeira, bem como a
obra bibliográfica Manual de Direito Fiscal, 6ª edição da Professora Glória Teixeira e
diversos recursos do Governo e Direção Geral do Orçamento.
Para além disso, também foram utilizados apontamentos semanais da estudante Iara
Nóbrega.
Esta sebenta constitui somente um complemento de estudo, não dispensando, por isso, a
leitura das obras obrigatórias e a frequência às aulas teóricas e práticas.
Bom estudo!

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Abreviaturas
Todas as expressões aparecem, na sua primeira ocorrência, por extenso.
Aqui podes consultar as várias abreviaturas, e também alguns termos em latim:
Abv. – Abreviatura
Ad valorem – sobre o valor
ALRs – Assembleias Legislativas Regionais.
Também ALRAA (Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores) e ALRAM
(Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira).
ALs – Autarquias Locais
AP - Administração Pública
AR – Assembleia da República
Art. – Artigo
AT – Autoridade Tributária
BCE – Banco Central Europeu
CAPF – Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras
CC – Código Civil
CM – Conselho de Ministros
CRP – Constituição da República Portuguesa
De facto – realmente, no plano dos factos
De iure – de direito, no plano jurídico
DF – Direito Fiscal
DGO – Direção Geral do Orçamento
DL – Decreto-Lei
DLR – Decretos Legislativos Regionais
DR – Diário da República
FCM – Fundo de Coesão Municipal
FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro
FGM – Fundo Geral Municipal
FL – Finanças Locais
FP – Finanças Públicas
FR – Finanças Regionais
FSM – Fundo Social Municipal
i.e. – id est, “isto é”, antecede explicações

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IECs – Impostos Especiais sobre o Consumo
IMI – Imposto Municipal Sobre Imóveis
IMT – Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
Infra – referência a algo posterior (para baixo)
IRC – Imposto sobre os Rendimentos (de pessoas) Coletivas
IRS – Imposto sobre os Rendimentos (de pessoas) Singulares
IVA – Imposto de Valor Acrescentado
LEO – Lei de Enquadramento Orçamental
LFL – Lei das Finanças Locais
LFR – Lei das Finanças Regionais
LGT – Lei Geral Tributária
LTC – Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas
MF – Ministro das Finanças
N.B. – Nota Breve
ORs – Orçamentos Regionais
PE – Programa de Estabilidade
PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento
PM – Primeiro-Ministro
RAs – Regiões Autónomas
ss – seguintes, utilizado para abreviar enumerações de artigos
SS – Segurança Social
Supra – referência a algo anterior (acima)
TContas – Tribunal de Contas
UEM - União Económica e Monetária
v.g. – verbi gratia, “por exemplo”, antecede exemplos

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Legislação
Constituição da República Portuguesa
Lei de Enquadramento Orçamental
Lei das Finanças Regionais
Lei das Finanças Locais
Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal de Contas
Lei Geral Tributária

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Finanças Públicas
Introdução às Finanças Públicas

As Finanças Públicas (FP) dizem respeito às despesas e receitas do Estado e


entidades públicas que visam satisfazer necessidades coletivas através da Administração
Pública (AP) seus órgãos e serviços. Estas necessidades são comuns a todos, como a
segurança nacional, a saúde pública e o crescimento económico, não existindo um
princípio de exclusão: a satisfação das necessidades de um não implica a não satisfação
das necessidades de outro. Relacionam-se ainda com ramos do Direito como Fiscal,
Tributário, Orçamental, Financeiro, etc.

• Organicamente, as FP são o conjunto de órgãos através das quais o Estado afeta


bens económicos para satisfazer necessidades sociais, v.g. empresas públicas ou
juntas de freguesia.
• Objetivamente, as FP são a atividade do Estado (realizada através dos seus
órgãos), i.e. Educação, Saúde, Segurança Social (SS).
• Subjetivamente, as FP são a disciplina científica que estuda os princípios e regras
que regem o funcionamento dos órgãos e atividades existentes com vista a
satisfazer estas necessidades coletivas. Regula-se, por exemplo, como podem
estes órgãos arrecadar receita, orçamentar as suas atividades e efetuar as despesas
que a estas forem necessárias, realizando diretamente as atividades ou contratando
agentes privados para as realizar, orientadas pelo interesse público.

Um Estado pode ser mais liberal/neutral ou mais interventivo na economia,


consoante chamar a si mais ou menos responsabilidade de satisfação das necessidades
dos cidadãos. Num Estado Liberal, os impostos devem ser mínimos e o Estado só deve
garantir a satisfação das necessidades que a iniciativa privada não for capaz de satisfazer,
enquanto num Estado intervencionista se procura intervir na escala mais ajustada às
necessidades do país, procurando criar emprego, realizar obras públicas e implementar
grandes políticas de apoio social.

Algumas das fontes de receita do Estado são preços, por exemplo, através de
empresas públicas, sendo prestado um serviço ao consumidor. Existem também os

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impostos: prestações unilaterais coercitivas legalmente definidas que pagamos sem


necessariamente recebermos algo em troca (v.g. não pagamos impostos para pagar o SNS,
pagamos impostos para financiar a atividade do Estado. O Estado depois gere quanto
desse montante alocar ao SNS). As taxas, por outro lado, já se caracterizam por serem
prestações bilaterais, definidas autoritariamente pelas entidades públicas, ou seja, em
troca deste pagamento é prestado um certo serviço ou autorizada certa atividade privada,
como colocar uma esplanada num passeio público. Outra importante fonte de receita são
os empréstimos, em que o Estado recebe dinheiro no presente e terá que pagar, com
juros, no futuro, o que fará através do aumento da receita fiscal; note-se que somos
limitados em termos de défice e dívida pública pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento
(PEC), a nível europeu. (22º a 25º da Lei de Enquadramento Orçamental – LEO).
A opção de efetuar mais ou menos despesa – considerando para isso mais ou menos
necessidade de receita – tem natureza política, como vimos supra. Ainda assim, existem
princípios e regras que devem ser respeitadas independentemente das opções políticas -
finanças normativas -, enquanto se dá o nome de finanças positivas às que realmente
se verificam. Ainda assim, a despesa pública, estando dependente de impostos, é em
último caso limitada pela resistência dos contribuintes a pagar impostos, pois a certo
limite pode estar em causa evasão fiscal ou perturbação da ordem pública.
As despesas podem ser de consumo, se necessárias para o funcionamento corrente do
Estado e de gestão da dívida pública, ou de transferência, se é uma prestação unilateral
do Estado a outro ente económico – como prestações sociais ou transferências para as
autarquias locais e regiões autónomas – ou investimentos do Estado.
As políticas de FP podem ser realizadas no curto prazo (designando-se “conjunturais”),
no caso dos Orçamentos, que respeitam o princípio da anualidade, mas também no caso
de políticas monetárias que, na zona Euro, são determinadas pelo Banco Central Europeu
(BCE). No longo prazo (designam-se “estruturais”), estas políticas podem refletir-se no
funcionamento e presença económica em áreas fundamentais do Estado, como a Saúde,
Educação, SS ou defesa nacional.

Orçamento do Estado (OE)

É o documento de natureza normativa e legislativa, em que são previstas as despesas para


um determinado ano económico, bem como as receitas que será possível cobrar durante

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o mesmo, e é sempre acompanhado de um Relatório, em que se explicam as opções


tomadas no texto normativo e análise da situação económica do Estado.

A iniciativa do Orçamento é do Governo, que apresenta a proposta de lei do OE à


Assembleia República, que o deverá aprovar ou chumbar após as devidas fases de
discussão e votação.
Vejamos os principais pontos a ter em conta quando falamos do OE:

Previsão de despesas e receitas:

O OE deve cumprir com uma previsão quantitativa (v.g. atribuir 500 milhões de
euros para apoios à floresta) de quanto será gasto na atividade do Estado e entidades
públicas e com uma previsão qualitativa (i.e., prever que impostos pretenderá cobrar,
visto que não sabemos ao certo qual será resultado) das receitas.
É importante porque nos permite relacionar ambas e perceber se está prevista uma
situação de défice, equilíbrio ou excedente.
Falamos de Orçamento de Gerência quando nos queremos referir a uma lógica
de tesouraria: a entrada e saída efetiva de dinheiro do cofre do Estado; relaciona-se com
a execução orçamental.
Falamos de Orçamento de Exercício quando nos queremos referir às despesas e
receitas que irão ser efetuadas devido a créditos e dívidas previstos pelo Estado,
independentemente da altura em que irão acontecer.
No final do ano, é feita a Conta, uma avaliação concreta de natureza financeira
sobre as despesas e receitas que aconteceram no ano a que se refere, e o Balanço, de
natureza patrimonial, listando tudo o que for património e ativos do Estado.

Aprovação das despesas e receitas:

Os cidadãos e contribuintes serão os verdadeiros afetados pelo OE, visto que serão
eles a ver as suas necessidades melhor ou pior satisfeitas, e que irão financiar tudo o que
isso implica. Assim, dada a modalidade representativa da nossa democracia, é no
Parlamento que se concentra a capacidade de escrutínio e a legitimidade para aprovar ou
chumbar a proposta do Governo.

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Controlo e fiscalização:
É feito pelo Parlamento no plano político e pelo Tribunal Constitucional e
Tribunal de Contas (TContas) no plano jurisdicional. Será desenvolvido em
capítulo próprio infra.

Normas constitucionais relevantes:

As normas fundamentais para o entendimento do OE são os artigos 105º, 106º e


107º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

• O artigo 105º/1/a) define a importância da discriminação das despesas e


receitas, elaborando sobre a forma como devem ser divididas dentro do
documento.
No seu número 3 reforça o caráter unitário do Orçamento, ainda que deva
especificar as despesas e receitas segundo critérios orgânicos (que órgãos irão
estar responsáveis por estes) e funcionais (a que função se destinam),
proibindo também a existência de fundos secretos – ou seja, não podem existir
receitas ou despesas previstas que não indiquem qual a sua finalidade ou que
não sejam públicas e presentes no OE.
No seu número 4 impõe o equilíbrio orçamental, ou seja, idealmente, as
receitas iriam sempre cobrir as despesas e o orçamento seria plenamente
realizado.

• Do artigo 106º/1 emana o princípio da anualidade orçamental e o valor


reforçado da LEO face ao OE: o Orçamento deve respeitar a sua lei de
enquadramento.
No seu número 2 é feita uma remissão para a LEO no que respeita aos prazos
e procedimentos excecionais, que analisaremos infra.
No número 3, prevê-se que o OE seja acompanhado de diversos relatórios e
justificações de variações de receitas e despesas.

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Princípios Orçamentais:

1. Anualidade (14º LEO)

O Orçamento corresponde a um ano económico, que deve corresponder ao


ano civil, existindo situações excecionais.
Desde logo, existem obrigações contraídas no final do ano económico e
que, por questões de tesouraria, são executadas no ano seguinte, podendo este
período suplementar durar até fevereiro.
Em situações de transição de Governo, em que não é possível preparar,
apresentar, discutir e votar o OE em situações de normalidade, existem prazos
(veremos infra) excecionais para tal, sendo que, até lá, o Orçamento deve ser
executado no ano económico seguinte em regime de duodécimos até que exista
um novo OE aprovado.
A execução por duodécimos consiste na limitação da despesa mensal pela divisão
em doze da soma entre toda a despesa concretizada. Portanto, se tivéssemos gasto
12 milhões de euros em 2021, na execução por duodécimos de 2022, não se
poderia gastar mais de 1 milhão de euros por mês. Isto visa respeitar, de certa
forma, a limitação já autorizada pela Assembleia da República (AR) no ano
anterior, e impedir a concentração das despesas no início do ano, dando mais folga
à tesouraria para o final do ano e para circunstâncias imprevisíveis.

2. Unidade (9º LEO)

É importante porque permite um melhor relacionamento entre despesas e


receitas, assim como uma exposição adequada do plano financeiro que o Governo
tem para o Estado, mas não impossibilita exceções de autonomia orçamental,
como é o caso das Regiões Autónomas (RAs) e Autarquias Locais (ALs), que têm
o seu próprio Orçamento, apesar de receberem transferências do OE.

3. Plenitude (15º, 16º, 17º LEO)

O princípio da plenitude orçamental desenvolve-se em 3 subprincípios:

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• Princípio da Não Compensação (15º): as receitas e despesas


devem ser consideradas de forma bruta, ou seja, não ignorando os
custos necessários à sua obtenção e liquidação.
• Princípio da Não Consignação (16º): não pode existir uma
relação de dependência entre despesas e receitas determinadas, ou
seja, não podem existir receitas consignadas à satisfação de
determinadas despesas. É assim pois tal despesa poderia ser posta
em causa se ainda não tivesse sido realizada a cobrança, ou caso
esta não pudesse acontecer, colocando em causa a execução do
Orçamento. Excecionam-se as receitas decorrentes de
privatizações, as receitas afetas à SS, receitas provenientes da UE,
entre outras estabelecidas pelo número 2 deste artigo, estando a
consignação sujeita a portaria dos governantes responsáveis.
• Princípio da Especificação (17º): deve existir uma estruturação
das despesas inscritas no OE em programas orçamentais divididos
por fonte de financiamento, além de uma classificação orgânica,
funcional e económica. No fundo, deve estar previsto de onde vem
o dinheiro e para onde este vai, por questões de organização e
transparência, mas sem incorrer em excessos de especificação que
coloquem em causa a liberdade de gestão dos serviços públicos,
v.g. existindo uma especificação estrita, uma repartição das
finanças ter esgotado o seu orçamento para envelopes, mas ter
verbas disponíveis para canetas, mas não poder afetar as verbas à
aquisição de envelopes. Insere-se ainda neste princípio a proibição
constitucional de fundos secretos, analisada supra.

4. Equilíbrio

A ideia de equilíbrio deve ser sempre substancial, tendo em conta os ciclos


da economia, a nossa participação na União Económica e Monetária (UEM) e as
necessidades do Estado em atuar para pagar prestações sociais e atuar sobre os
níveis de desemprego e crescimento económico. Ainda assim, é um dos mais
importantes princípios orçamentais, visto que a acumulação de dívida pública
(devido a défice excessivo em demasiados anos) tem consequências graves na

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economia e capacidade do Estado de satisfazer as necessidades dos cidadãos, além


de serem impostos procedimentos comunitários a Estados que não cumpram os
limites do PEC. Compreenderemos melhor este princípio infra com o estudo do
princípio da equidade interageracional.

• Existe um princípio de equilíbrio chamado critério do orçamento


ordinário que estabelece que as despesas ordinárias devem ser
cobertas por receitas ordinárias e as despesas extraordinárias por
receitas extraordinárias; a dificuldade de determinar o que é
extraordinário coloca entraves à sua utilização, que seria muito
rígida se fosse aplicado sozinho.
• Existe também o princípio do ativo patrimonial, apelando a que
as despesas correntes sejam cobertas por receitas correntes e as
despesas de capital sejam cobertas por receitas de capital. Este
capital refere-se aos ativos do Estado no longo prazo.

No princípio do critério de ativo da tesouraria encontram-se aplicações


importantes: este critério distingue as verbas efetivas das não efetivas, sendo que
as efetivas levam a um aumento ou diminuição do património estadual, enquanto
as não efetivas, se levarem a alguma alteração, não será idêntica em ambas as
partes, estando relacionadas com juros e a comparação entre saldo nominal e
estrutural (artigo 20º da LEO). O saldo estrutural tem em conta os efeitos cíclicos
da economia e medidas temporárias, ou seja, é uma versão corrigida, indo ao cerne
das despesas do Estado. Os Estados da UEM devem fazer os possíveis para atingir
uma situação de equilíbrio estrutural nos termos do art. 20º da LEO, que se baseia
no determinado pelo PEC. Todos os anos, até abril, o Governo tem de aprovar
uma atualização do Programa de Estabilidade (PE) para os 4 anos seguintes,
demonstrando como pretende cumprir com os objetivos do PEC.

5. Estabilidade (10º LEO)

Visto em conjunto com os arts. 11º, 12º e 27º, pretende uma ideia de
equilíbrio no conjunto das administrações públicas, que devem apresentar um
saldo global nulo ou positivo nas suas previsões orçamentais, sendo necessário

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justificar caso tal não aconteça (27º/5 LEO). Tem o objetivo de que, ainda que à
custa de alguma autonomia financeira, as FP possam ser sustentáveis.

6. Transparência (19º LEO)

Quanto maior a transparência, maior a capacidade de responsabilização do


Governo perante o Parlamento, os cidadãos eleitores e as instituições europeias.
Assim, este princípio impera que a informação necessária à compreensão do OE
seja entregue na altura da previsão, de forma clara, compreensível e sem aspetos
nebulosos.

7. Equidade Intergeracional (13º LEO)

Como adiantado supra, o défice de hoje corresponde à dívida de amanhã,


que será paga com juros pelas gerações seguintes. É um problema especialmente
presente na SS, pois financiamos as reformas dos atuais pensionistas, mas não
existem garantias de que será possível alguém financiar as nossas. Assim, este
princípio ordena que os benefícios e riscos da política orçamental sejam
distribuídos equitativamente entre as gerações. Podemos encontrar no art. 13º/3
uma enumeração de situações que implicam a consideração deste princípio.

N.B.: Todos os critérios enunciados são critérios clássicos com exceção dos
últimos dois. A principal diferenciação é que os primeiros dizem respeito à previsão
orçamental, sendo importantes também para o controlo de cumprimento dessa previsão,
e dizem respeito à política orçamental estadual, enquanto os princípios da transparência
e equidade intergeracional existem mais propriamente numa lógica de organizações
internacionais e da participação de Portugal na UEM, além de se relacionarem mais com
a execução orçamental.

Procedimento Orçamental

Um procedimento é uma série de atos que se encadeia e repete segundo uma lógica
definida. A principal pessoa responsável para este procedimento é o Ministro das
Finanças (MF), coordenando os projetos orçamentais no interior do Governo, gerindo e

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limitando as expetativas dos outros Ministros, e o trabalho mais técnico, por parte da
Direção Geral do Orçamento (DGO). A proposta de lei do OE só está pronta para ser
apresentada à AR após ser aprovada pelo Governo em Conselho de Ministros (CM).

A primeira fase do processo orçamental está prevista nos arts. 32º e ss da LEO:
• Deve existir a apresentação da atualização anual do PE, até dia 15 de abril, na AR,
para efeios de apreciação – não confundir com aprovação.
• O Governo envia o PE à Comissão Europeia (CE) até ao final de abril.

A segunda fase do processo orçamental está prevista nos artigos 36º e ss da


LEO:
• Até 10 de outubro de cada ano, e após aprovação em CM e o já referido trabalho
do MF e DGO, o Governo apresenta a proposta de lei do OE para o ano económico
seguinte acompanhada de todos os elementos necessários. Antes da discussão em
Plenário, a conformidade com a Constituição e demais leis é avaliada na Comissão
de Orçamento e Finanças.
• O Governo envia, no mesmo prazo, a proposta de lei do OE à CE para efeitos de
análise e emissões de recomendações nacionais específicas – note-se que esta é
uma importante ferramenta para compatibilizar os vários Orçamentos dos Estados
da União Europeia, evitando ineficiências e contradições nos objetivos e
resultados.
• A discussão e votação da proposta de lei do OE são feitas nos termos da CRP, da
LEO e do Regimento da AR, devendo a votação final global ocorrer no prazo de
50 dias após a admissão da proposta pela AR.
• O artigo 38º explica como deve acontecer esta discussão e votação: a discussão e
votação na generalidade são feitas pelo Plenário, a discussão na especialidade
pode acontecer em Plenário ou na Comissão competente consoante for ou não
uma matéria prevista no 168º/4 da CRP ou ter sido avocada pelo Plenário nos
termos do 38º/7 da LEO.
• Após todas as análises, audições de interessados, audição do TContas e votações
na especialidade, dá-se a votação final global, com as possíveis alterações que a
proposta tenha sofrido. Se for aprovada, é enviado o decreto orçamental ao
Presidente da República (PR) para que possa ser promulgado, vetado ou sujeitas
algumas das suas normas a fiscalização do Tribunal Constitucional. Se for

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promulgado, apenas falta referenda ministerial para que esteja completo o


procedimento.

Em situações especiais, como transições de Governo como a que vivemos, que cumpram
certos critérios (no caso, o critério verificado é o presente na alínea c) do 39º/1 da LEO),
existem prazos especiais para a apresentação e votação da proposta de lei do OE: deve
ser apresentada à AR e enviada à CE no prazo de 90 dias da tomada de posse do novo
Governo, sendo antecedida pela apresentação dos documentos previstos no art. 32º.

Cavaleiros orçamentais

São normas formalmente orçamentais (pois estão no Orçamento) mas que


materialmente não cumprem com os requisitos e teor daquilo que é o OE. Aquilo que
deve estar no OE vem enunciado no arts. 37º, 40º e ss, tornando assim, por exclusão de
partes, percetível aquilo que não cabe no Orçamento.
Dependendo da interpretação que fazemos estas normas podem ser inconstitucionais
(pois violam a materialidade do Orçamento, definida pela Constituição) ou podem ser
irrelevantes a nível orçamental, não tendo assim algum desvalor, mas também não
beneficiando do mesmo regime que as normas materialmente orçamentais:
• Não estão limitadas a um ano de vigência.
• Podem ser revogadas por normas posteriores do mesmo valor ou superior.
• Não gozam de qualquer valor reforçado.
• Estão sujeitas ao regime das autorizações legislativas, caso tal seja necessário.

Lei-travão

A lei (ou dipositivo) travão determina a regra geral de que o Parlamento não pode
alterar o OE durante o ano orçamental em que este vigora, por razões de estabilidade e
por ser uma competência confiada ao Governo.
De facto, está presente no artigo 167º/2,3 da CRP que entidades extragovernamentais
não podem apresentar projetos de lei ou referendo que envolvam um aumento das
despesas ou diminuição das receitas no ano económico em curso.
É possível que sejam apresentados projetos, se visarem aumentar a receita, diminuir
a despesa ou se apenas visarem vigência a começar no ano económico seguinte. Caso as

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propostas visem entrar em vigor no ano económico em curso e violarem a lei-travão,


sofrem de inconstitucionalidade parcial durante esse ano, produzindo efeitos no seguinte,
no entendimento do Tribunal Constitucional.
Assim, a lei-travão faz com que as alterações ao OE durante o ano sejam muito
pontuais.
As exceções estão enunciadas nos arts. 59º e 60º da LEO. Nos casos previstos no
59º/1, a Assembleia pode, sob proposta do Governo e sem ir além dos limites da despesa
prevista por este, apresentar retificações ao OE. As demais alterações estão na esfera de
possibilidades do Governo, de acordo com o artigo 60º e 45º/11 da LEO, comunicando
essas alterações à AR nos termos do 75º/2.

Execução Orçamental

A execução compete ao Governo, devido aos seus recursos de natureza técnica


especializada e à harmonia conveniente entre estas ferramentas.
A execução terá base um Decreto-Lei (DL) de execução orçamental, no qual está
previsto o período suplementar de execução orçamental para dar cumprimento efetivo
às obrigações contraídas no final do ano económico. Este DL determina ainda a
aplicação do princípio de execução por duodécimos para cada setor e serviço e as suas
exceções, configurando-se como regra de boa gestão.
Existem, por norma, cativações das despesas, que não se confundem com fundos
secretos – note-se que são devidamente previstas – com vista a cumprir objetivos do
défice e a praticar uma gestão cautelosa: para um determinado serviço está previsto
1M mas cativam-se 200 mil que apenas poderão ser utilizados se aprovado pelo MF
e pelo ministro da área respetiva. Podem ainda estar cativas até à verificação de
determinados pressupostos ou necessidades.

Princípios da Execução Orçamental

1. Princípio da tipicidade qualitativa das receitas

Este princípio orienta a execução no sentido de apenas cobrar receitas que


tenham sido devidamente aprovadas em contexto do OE, pela AR, estando

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assim previstas e sendo do conhecimento dos contribuintes. Para além


dessa limitação, e sabendo que não existe uma previsão quantitativa das
receitas (não sabemos exatamente quanto será arrecadado), relembra-se
que não devem existir alterações no sentido de diminuir a receita
expectável.

2. Princípio da dimensão quantitativa das despesas

As despesas têm de ser previstas em termos quantitativos, numéricos, e


têm de ser executadas sempre com respeito por esse limite.
Execução por duodécimos
É a suprarreferida prática de boa gestão: devemos ter contenção na
despesa, não ultrapassando mais do que o devido (1/12) em cada mês, para
termos capacidade financeira no resto do ano.

3. Princípio da possibilidade de gestão flexível

Quando existem excedentes não executados e serviços que poderiam


beneficiar dessas verbas, pode existir flexibilidade na gestão, evitando o
défice, por um lado, e o desperdício, pelo outro.

4. Princípio da segregação de funções

Ordena a separação eficaz entre quem autoriza as despesas e quem as


executa, sendo importante para o controlo orçamental e para uma gestão
eficiente.

5. Princípio do respeito por uma contabilidade de caixa e de


compromisso

São mantidas duas contabilidades diferentes, sendo que uma diz respeito
às despesas realmente efetivadas e outra às despesas que estão autorizadas.
Por exemplo, para um investimento a prazo de 3 anos, será normal existir

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uma diferença entre a contabilidade de compromisso (o total da despesa)


e a de caixa (um terço da despesa por ano).

6. Princípio da boa execução financeira

Respeita aos princípios previstos no art. 18º da LEO: utilização do mínimo


de recursos necessários a um serviço de qualidade (economia), promoção
da produtividade para que se alcancem os melhores resultados com menor
despesa (eficiência) e utilização dos recursos mais adequados aos fins
(eficácia).

7. Princípio da legalidade financeira

As despesas e receitas executadas devem sempre ter fundamento no OE,


podendo ser responsabilizado quem as aprovar indevidamente.

Controlo Orçamental

O controlo orçamental pode ser a priori, concomitante e a posteriori.


O controlo pode ser interno, pelo próprio Governo e AP, segundo os critérios de
economia, eficiência e eficácia, e através de Inspeções Gerais dentro de cada Ministério
e setor, realizando auditorias à adequação da despesa aos serviços.
Existem ainda as modalidades externas: jurisdicional, pelo TContas (68º/4 LEO) e
político, pela AR (71º, 74º e 75º). Os controlos internos e externos tocam-se, pois os
resultados dos instrumentos de controlo interno, como relatórios das auditorias, podem
ser utilizados pelo TContas para a sua fiscalização ou pela AR para inquirir o Governo.

Conta Geral do Estado


É um registo sintético elaborado pela DGO, realizado no final do ano, das
operações efetivamente realizadas no cabimento do OE, servindo para comparar o que foi
previsto e o que foi executado. Desempenha funções de controlo da execução,
fiscalização dos atos de aplicação do OE e responsabilização pelo incumprimento se as
regras de execução forem desrespeitadas. A Conta é fiscalizada pelo TContas.
Tribunal de Contas

Guilherme Alexandre 19
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Segundo o art. 1º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LTC),


este «fiscaliza a legalidade e a regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia
a boa gestão financeira e efetiva responsabilidades por infrações financeiras», exercendo
este poder sobre as entidades enunciadas no artigo 2º.
Segundo o artigo 3º, o TContas funciona de forma descentralizada e separada do
Governo, com uma secção central e duas secções regionais nas RAs, que observam os
Orçamentos Regionais (ORs).
O seu controlo prévio averigua se as despesas têm cabimento orçamental, podendo
certos atos e contratos do Estado estar sujeitos a um visto para a produção total de efeitos
(44º ss da LTC): No 46º/1 estão os atos sujeitos a fiscalização prévia, no 44º/1 as
finalidades do visto e no 45º os efeitos deste visto e da falta deste, assim como as suas
exceções (45º/4) e a exceção a esta exceção (45º/5). Pode ainda dar pareceres à AR, caso
esta o peça, sobre iniciativas legislativas em matéria financeira (36º/3).
O seu controlo concomitante realiza-se através de auditorias, nos termos do art.
49º LTC, notificando as entidades que incorram em ilegalidades financeiras para que
submetam determinados atos a fiscalização prévia.
O seu controlo sucessivo, ou seja, após o período de execução orçamental,
verificando as contas das entidades enumeradas nos artigos 2º e 51º LTC. A AR só pode
aprovar a Conta Geral do Estado após receber o parecer do TContas.

Guilherme Alexandre 20
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Finanças Locais (FL)

O Estado Português é unitário, mas incorpora características regionais, conhecendo ainda


fenómenos de descentralização. As ALs, municípios e freguesias, estão previstas no art.
235º da CRP, e gozam fundamentalmente de poderes políticos reduzidos e poderes
administrativos.
As finanças locais (238º CRP) correspondem às normas que regulam os municípios e
freguesias quanto à cobrança de receitas e execução de despesas. Estas encontram-se na
Lei das Finanças Locais (LFL).
As ALs têm autonomia administrativa e financeira, administrando o seu património.
Focando-nos em diante nos municípios, note-se que autonomia financeira e até
orçamental não implicam independência ou autossuficiência nestes âmbitos.
As fontes de receita das ALs (14º LFL) podem ser:
• Originárias: têm origem na própria AL.
o Patrimoniais: se derivam da gestão do seu património. (14º/j,k,m)
o Tributárias: são uma das mais importantes fontes de receita das
autarquicas e correspondem à arrecadação de um tributo – impostos, taxas
ou outras contribuições. (14º/a,b,c,d,e,f,h)
Cabem aqui o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de
Imóveis (IMT), o Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI), derramas
municipais em sede de IRC (máximo de 1,5% em razão do lucro tributável,
18º), participação até 5% em sede de IRS (26º), entre outros.
Note-se que é a Autoridade Tributária (AT) quem faz as cobranças dos
tributos, devendo as ALs comunicar as taxas de derrama a esta.
O art. 20º da LFL impõe um princípio relevante: deve existir uma
proporcionalidade entre os montantes de tributos cobrados e as
contrapartidas recebidas pelos cidadãos.
o Creditícias: das quais os empréstimos são a modalidade mais significativa,
consistindo em receitas num acréscimo financeiro que deverá ser pago, no
futuro, acrescido de juros.
Os empréstimos podem ser feitos a curto prazo, para surprir necessidades
de tesouraria, devendo ser pagos no mesmo ano económico, ou a longo
prazo, para investimentos.

Guilherme Alexandre 21
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

O Regime de crédito e de endividamento municipal está definido nos arts.


48º e ss e a dívida tem limites definidos no art. 52º.
• Derivadas: decorrem de transferências do Estado central. (25º LFL)
o Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) (27º): equivale a 19,5% da média
do Imposto sobre Rendimentos Singulares (IRS), Imposto sobre
Rendimentos Coletivos (IRC) e Imposto de Valor Acrescentado (IVA) e é
composto pelos seguintes fundos:
§ Fundo Geral Municipal (FGM): Este fundo é igual para todos e
visa dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao
desempenho das suas atribuições.
§ Fundo de Coesão Municipal (FCM, 29º): Este fundo é
proporcional às necessiades de cada um e serve os municípios
menos desenvolvidos e que tem por objetivo reforçar a coesão
municipal e correção de assimetrias.
o Fundo Social Municipal (FSM): consigna-se ao financiamento de
despesas relativas a funções sociais, como educação, saúde ou ação social.
o Participação até 5% no IRS dos sujeitos passivos do seu município, nos
termos do art. 26º da LFL.

As FL orientam-se pelos princípios da LEO e do artigo 3º da LFL, pautando-se por uma


atuação coordenada, sustentável e autonomia patrimonial, orçamental, tributária e de
gestão financeira.

Guilherme Alexandre 22
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Finanças Regionais

O termo “parcialmente regional” quando nos referimos ao Estado Português advém da


existência de duas regiões política e administrativamente autónomas, com o regime
consagrado nos arts. 225º e ss da CRP, assim como os seus Estatutos próprios, que assim
o são devido especialmente à sua insularidade. Assim, além das ALs, as ARs têm ainda
poder legislativo, através dos Decretos Legislativos Regionais (DLRs’) das Assembleias
Legislativas Regionais (ALRs, conferir abv. alternativas).
Podem adaptar o sistema fiscal à especificidade das suas regiões, exercendo poder
tributário próprio, no regime da Lei das Finanças Regionais (LFR) e fazer algumas
adaptações relativas à tributação do rendimento (227º/1/j) da CRP) mas não podem
legislar em matéria fiscal, nomeadamente criando impostos. Podem adaptar, respeitando
certos limites, adaptar o sistema fiscal nacional (227º/1/i)). Mais ainda, segundo a alínea
p) deste artigo, a ALR aprova ainda o Orçamento regional e participa na elaboração dos
planos nacionais.

Receitas
Além de terem participação nas receitas gerais do Estado, administram o seu património
e dispõem das receitas fiscais nelas geradas: o IRS dos residentes das RA
(independentemente do lugar onde o recebam), do IRC das empresas na RA e do IVA das
operações efetuadas que sejam feitas na respetiva RA, além das demais receitas já
abordadas em contexto das ALs.
As transferências do Estado central para as RAs são trimestrais e obedecem ao artigo 48º
da LFR, que indica a fórmula pela qual são calculados os montantes devidos.
Existe ainda o Fundo de Coesão para as Regiões Ultraperiféricas (49º) que visa apoiar
exclusivamente a execução dos «planos anuais de investimento das regiões autónomas»
perseguindo o fim de «convergência económica com o restante território nacional».

Coordenação e controlo
Observa-se o princípio de subsidiariedade (6º CRP): os órgãos regionais, estando mais
próximos dos problemas, devem ser competentes para definir e executar as medidas que
os resolvem. Devem, na sua atuação, respeitar o princípio da estabilidade orçamental,
mantendo uma relação estável e solidária com o Estado central, cumprindo princípios de

Guilherme Alexandre 23
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

coordenação, transparência e de controlo orçamental – está previsto um órgão para este


efeito no art. 15º da LFR: o Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras
(CAPF).
O CAPF tem como função acompanhar as decisões dos órgãos das RAs, assegurando a
coordenação entre as finanças regionais e do Estado, funcionando junto do Ministério das
Finanças. Assegura o cumprimento da Constituição e demais leis no que respeita à
participação das RAs na política financeira nacional, analisando as necessidades e
possibilidades de endividamento das RAs e promove recomendações para as entidades
nacionais e regionais em matéria de coerência na política fiscal.

Quanto ao poder de adaptação do sistema fiscal nacional:


Está previsto no art. 59º da LFR e consiste nas possibilidades de diminuir taxas de
impostos nacionais, num máximo de 30%, nomeadamente IRC, IRS, IVA e Impostos
Especiais sobre o Consumo (IECs) ou de determinar taxas especiais exclusivas e
reduzidas de IRC, assim como determinar benefícios fiscais próprios.

Quanto às competências tributárias próprias:


Descritas nos arts. 55º ss da LFR, as ALRs podem criar impostos que vigorem
apenas na respetiva RA desde que estes não conflituem com impostos já existentes de
âmbito nacional, visto que é proibida a dupla tributação.

Quanto à dívida:
Relevam-se os arts. 37º e ss. da LFR. Podemos estar perante:
• Dívida fundada, cujo propósito é financiar investimentos, regularizar
necessidades de execução do Orçamento e pagar outros empréstimos;
• Dívida flutuante, cujo objetivo é fazer face a necessidades mais imediatas
de tesouraria e tem limite de 1,35 vezes em relação à média da receita
corrente liquida, que é cobrado nos últimos 3 exercícios.

No art. 40º são estabelecidos os limites da dívida (total) regional: no dia 31 de


dezembro, o total da dívida das RAs não pode ser superior a 1,5 vezes a média da receita
corrente líquida cobrada nos últimos três exercícios – exceto em circunstâncias de
catástrofe ou calamidade (40º/2).

Guilherme Alexandre 24
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Em caso de necessidade de ajuda financeira por parte do Estado central, é feito o


pedido ao Governo da República nos termos do art. 46º da LFR.

Guilherme Alexandre 25
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Introdução ao Direito Fiscal (DF)

Contexto e evolução histórica da fiscalidade

Até ao séc. XVIII os impostos não eram bem aceites pela população, estando mais
presentes taxas – é mais fácil aceitar pagamentos quando recebemos algo em troca. Mais
ainda, a maioria dos impostos eram sobre o consumo e mercadorias sujeitas a obrigações
aduaneiras, sendo os impostos sobre o rendimento uma invenção relativamente recente,
com o objetivo de financiar guerras e defesa nacional dos séculos XVIII, XIX e XX –
tendo, claramente, permanecido após as guerras. Além destes, criaram-se também os
impostos sobre o património e as contribuições obrigatórias – que não deixam, na prática,
de corresponder a impostos. São excessivos, segundo a Professora, e resultam de um
despesismo resultante do Estado Social, pois retiram os rendimentos da sociedade.
No caso português, semelhante também ao espanhol, e devido ao Estado Novo, vimos
com bons olhos um conjunto de reformas em razão da adesão a organizações
internacionais que promoviam o comércio livre e empreendemos várias reformas
económicas, simplificando o nosso sistema fiscal e, por exemplo, reformando o IRS e o
IRC, mas também criando o IVA e harmonizando estes diversos impostos com a EU.
Surgiram também preocupações com a harmonização dos benefícios fiscais e com a sua
transparência, pelo que surgiu o Estatuto dos Benefícios Fiscais – ainda que existam
alguns avulsos. Criaram-se também os impostos municipais (IMI e IMT).

N.B.: A Professora preocupa-se com a carga tributária excessiva no IRS, que considera
poder ser diminuída se existir um aumento no IRC – sendo que, à partida, as pessoas
coletivas terão mais capacidades de suportar esses custos. Aponta ainda que, ao contrário
de outros países, em Portugal os impostos mais eficientes são o IVA e o IRS.
Por fim, relevam-se os IEC’s que, apesar de contrariarem o princípio da neutralidade, que
estudaremos, procuram incentivar mudanças no comportamento dos consumidores em
sentidos de mais ecologia e mais saúde individual, a par de arrecadarem receita fiscal.
Para o nosso estudo, importa ter consciência de que a carga fiscal tem vindo a
aumentar, tendo já ultrapassado os 35% da riqueza nacional na década passada. Em
qualquer transação nos termos da lei estamos perante impostos, desde que nascemos até
que desnascemos. Atualmente, fazendo parte da UE e outras organizações internacionais,

Guilherme Alexandre 26
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a nossa legislação deve ser conforme à legislação comunitária e aos seus princípios
fundamentais, como a neutralidade, proporcionalidade e não discriminação – que
veremos mais à frente.

Distinção entre impostos, taxas, preços, tarifas, «rendas sociais» e contribuições

A definição não é completamente consensual, mas os impostos são tributos pagos


pelos contribuintes ao Estado, servindo para o financiar, não existindo uma
contraprestação direta (unilateralidade) e sendo obrigatórios (obrigatoriedade) e
vinculativos para todos aqueles que a lei vincular (obedecem ao princípio da legalidade),
podendo em último caso ser recolhidos por meios coercivos.
Existe discussão sobre se contribuições várias, incluindo as da SS, não serão
também impostos, e encontra-se quem afirme que o propósito dos impostos é, também, a
redistribuição de riqueza – algo que tem vindo a ser cada vez mais realizado. Apesar do
princípio da neutralidade, que estudaremos, existem impostos cuja finalidade vai além do
financiamento do Estado e da redistribuição de riqueza, procurando influenciar o
comportamento dos cidadãos, como a tributação reforçada nos combustíveis, álcool e
tabaco.
As taxas, por outro lado, correspondem ao pagamento a uma entidade pública pela
prestação de um serviço ou remoção de um obstáculo jurídico (bilateralidade). O valor da
taxa não é definido numa lógica concorrencial, mas sim autoritária. Ainda assim, não visa
o lucro; obedece, de facto, a dois critérios que emanam do princípio da proporcionalidade:
o critério de cobertura dos custos (para que o Estado não incorra em prejuízo na prestação
de um determinado serviço) e o critério do ganho privado/equivalência (o valor pago não
deve ser superior ao benefício económico retirado pelo particular). Note-se que as taxas
não são obrigatórias para todos, mas sim apenas para quem pretende aceder a certo serviço
ou possibilidade.
Os preços são prestações bilaterais definidas, porém, em meio concorrencial,
podendo designar-se, por conveniência, preço privado (se ocorrer entre duas entidades
privadas) ou preço público (se for praticado por uma entidade pública, no âmbito da sua
atividade privada em mercado concorrencial). Os preços públicos distinguem-se das taxas
exatamente pela forma como são definidos: estes em mercado, aquelas
administrativamente.

Guilherme Alexandre 27
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Atualmente, as tarifas são preços, tendo sido esta equiparação feita no art. 21º da
LFR, aplicando-se em serviços do domínio público e local como abastecimento de água,
tratamento de resíduos, distribuição de energia, etc.
Questiona-se ainda a figura das «rendas sociais», visto que continuam a exigir
um pagamento, mas que é definido abaixo dos valores do mercado concorrencial, de
modo a possibilitar habitação digna a pessoas carenciadas.
As contribuições são obrigatórias e também obedecem ao princípio da dualidade.
Quanto ao critério da existência de uma contraprestação, é questionável. Note-se o
exemplo das contribuições para a SS: as contribuições presentes, por parte dos
trabalhadores dependentes e entidades patronais, servem para pagar as pensões de quem
contribuiu no passado, e as nossas pensões serão pagas por quem pagar as contribuições
no futuro. No entanto, como este sistema, atendendo à situação demográfica do país, se
revela pouco sustentável, fala-se numa crise da SS, e é incerto se haverá, ou em que
medida haverá, esta contraprestação no futuro. O valor relativo destas contribuições
totaliza 34,75% do salário do trabalhador, sendo 11% pago pelo trabalhador e 23,75%
retido na fonte pelo empregador, pagando diretamente ao Estado. Têm sido criadas cada
vez mais contribuições, como uma contribuição criada em 1991 a incidir na valorização
de prédios provocada pela realização de obras públicas em áreas adjacentes, ou a
contribuição extraordinária na indústria farmacêutica no Orçamento do Estado de 2015.
Algumas contribuições parecem fazer sentido, como aquelas que visam corrigir
externalidades negativas – por exemplo, com pesado impacto ambiental, com o intuito de
forçar as empresas a adotar melhores processos de produção – enquanto que outras não
encontram explicações plausíveis, como a contribuição sobre embalagens de plástico
(visto que não levará a alterações práticas e o custo será passado aos consumidores via
aumento do preço), ou ainda contribuições sobre dispositivos médicos – desincentivando
o investimento em bens essenciais à garantia de direitos constitucionalmente previstos.
Importa notar que, não só por cumprimento dos critérios de «imposto», mas
também pelo reconhecimento internacional, nomeadamente pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as contribuições se configuram
como verdadeiros impostos.

N.B.: A Professora argumenta que, considerando este peso das contribuições para
a SS e a carga de IRS com que somos tributados, a manutenção da empregabilidade e dos
bons salários é insustentável. Mais ainda, note-se que, mesmo estando as exceções

Guilherme Alexandre 28
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relativas à SS consagradas na lei, estamos perante uma suposta consignação de uma


receita a uma despesa – ainda assim, esta não se verifica no plano objetivo: cada vez mais
são utilizadas receitas além das contribuições para o pagamento das pensões, e cada vez
mais são utilizadas as contribuições para o pagamento de outros subsídios como os de
parentalidade ou doença. A Professora aponta a integração destas contribuições no IRS
como solução, à semelhança do que é feito nos Países Baixos. A criação de contribuições
parece surgir como uma forma de fugir à ideia de que estão a ser criados novos impostos.

Classificação de impostos

Não obstante a existência de várias formas de categorizar os impostos, adotamos


a classificação baseada na incidência do imposto, em conformidade com a maioria das
disposições fiscais e convenções internacionais na matéria.
Assim, os impostos podem incidir sobre o rendimento (IRS, IRC), sobre o consumo
(impostos aduaneiros, IVA, IECs) ou sobre o património (IMI, IMT, Imposto de Selo).
Em Portugal, a maioria da receita fiscal é gerada pelo IVA e, em segundo lugar, pelo IRS,
ou seja, o Estado financia-se maioritariamente através dos consumidores, trabalhadores
dependentes e pensionistas. Existe ainda financiamento do Estado e da SS através de
contribuições, como vimos.

Outras classificações podem distinguir os impostos entre:


• diretos ou indiretos, respetivamente, sobre o rendimento ou sobre o consumo;
• reais ou pessoais consoante a sua incidência, respetivamente, em propriedade ou
em indivíduos;
• de quota fixa ou variável, consoante for aplicada a mesma taxa a todos ou
existirem considerações progressivas (IRS), proporcionais (IVA) ou regressivas;
• periódicos ou de obrigação única, consoante a frequência com que devem ser
atendidos;
• principais, acessórios (como a derrama) e dependentes, consoante à sua relação
com o objeto tributado;
• estaduais ou não estaduais, considerando o âmbito de aplicação (embora todos
sejam aprovados pela AR, existe alguma liberdade de definição de taxas pelas
ALs e RAs, consignando a si essas receitas);

Guilherme Alexandre 29
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Interpretação de normas fiscais

A interpretação mais competente é a autêntica, feita pelo próprio legislador que criou
a norma, mas têm também valor a interpretação doutrinal, jurisprudencial e a
interpretação administrativa feita pela AT – cujas circulares estão disponíveis online. As
normas fiscais seguem o regime-regra de interpretação disposto no Código Civil (CC).
É exigida cautela na interpretação extensiva em matéria fiscal, apenas se admitindo
em sede de benefícios, e não é admitida a analogia. Tal como no Direito Penal, a
Professora advoga que, se as normas forem de caráter operacional (visarem
procedimentos necessários ao funcionamento dos impostos) e essas favorecerem os
contribuintes, deve ser admitida a aplicação analógica. Remete-se ao princípio da
tipicidade e legalidade fiscal, que emana do art. 103º da CRP.
Aponta-se uma novidade do DF: a interpretação económica, também presente em
outros ramos do Direito ligados à economia e finanças, consiste em analisar os aspetos
económico-financeiros das transações. Para efeitos fiscais, o que importa é o pagamento
do preço, enquanto para o Direito Privado poderia ser a celebração de um contrato. Esta
interpretação releva especialmente quando são utilizados conceitos definidos em outros
ramos do Direito, como sociedade comercial ou instituição financeira, cabendo ao
intérprete recorrer ao sentido definido nesses ramos.
No que respeita a normas internacionais, é feita a remissão para a Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados e para a boa-fé como parte de pacta sunt servanda.

Técnica Fiscal

Importam os conceitos de incidência, taxa de imposto, liquidação e pagamento.

1. Incidência

A incidência pessoal corresponde à identificação do contribuinte responsável pelo


pagamento e a incidência material diz respeito o objeto em que recai o imposto. Por
exemplo, o IRS incide num contribuinte singular, mas sobre o seu rendimento.

2. Taxa de imposto

Guilherme Alexandre 30
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Já adiantamos que a taxa pode ser regressiva (quanto maior a base tributável,
menor a taxa – não existem em Portugal, mas podemos vê-las nos Países Baixos),
progressiva (quanto maior a base tributável, maior a taxa) ou proporcional (a taxa é igual
para todos os casos).
Distingue-se taxa nominal de taxa efetiva, no sentido de que a primeira
corresponde ao afixado em lei e a segunda corresponde ao que é efetivamente pago,
conhecendo o objeto do imposto, as deduções e benefícios aplicáveis.
Podemos ainda falar de taxa marginal para referir o quanto cada contribuinte paga
num determinado escalão progressivo/regressivo, e taxa média para referir a média de
todas essas taxas marginais efetivamente cobradas.
Outra distinção é entre taxas específicas – consideram não só o valor dos bens mas
também a quantidade transacionada (tributar-se-ia de forma diferente a compra de 100
garrafas de Cacho Fresco e a compra de 1000 das mesmas) – e taxas ad valorem – importa
o valor do bem, como nos impostos aduaneiros e IECs.
Distingue-se ainda a generalidades das taxas, que são pagas pelos contribuintes ao
Estado, das taxas sujeitas a retenção na fonte: a entidade empregadora retém desde logo
parte do salário do trabalhador que seria usada no cumprimento de obrigações tributárias,
servindo como um adiantamento ao Estado – visto como algo injusto para trabalhadores
dependentes e pensionistas.
Por fim, note-se que existem taxas mais favoráveis que outras, como na tributação
do IVA, em que determinados produtos vistos como mais essenciais são tributados com
taxas reduzidas ou intermédias, diferente da taxa regular.

3. Liquidação

A liquidação é o cálculo do imposto, correspondendo à aplicação da taxa de


imposto devida à base tributável. Consoante seja feita pelo próprio contribuinte ou pela
AT com base em informações do contribuinte será designada, respetivamente,
autoliquidação ou liquidação oficiosa.

4. Pagamento

O pagamento pode ser final, se for imposto com um prazo final, como os
periódicos, ou pode ser feito de forma faseada, em determinados casos. Existe ainda o

Guilherme Alexandre 31
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

pagamento por conta, tendo por base os rendimentos do ano anterior e servindo também
como um adiantamento da receita ao Estado.
O pagamento pode ainda ser feito tempestiva e voluntariamente. Por outro lado,
se existir uma situação de incumprimento (que pode ser do contribuinte ou da AT), pode
existir um processo executivo para obrigar o contribuinte a pagar o que deve, com juros
de mora, ou o pagamento de uma indemnização, também com juros, ao contribuinte, por
parte da AT. Em situações de processo executivo contra o contribuinte, este pode evocar
argumentos de incapacidade financeira para pedir que o pagamento a que está obrigado
seja feito por prestações.

Responsabilidade fiscal

A responsabilidade é subjetiva ou real consoante recaia sobre um sujeito ou bens.


Distinguem-se principalmente o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte de
iure), com situações especiais de responsabilidade que veremos a seguir. Por contribuinte
de iure entende-se o sujeito que é aquele a quem é juridicamente exigido o tributo, ainda
que o contribuinte de facto seja quem verdadeiramente paga o imposto. Por exemplo,
numa transação sujeita a IVA, o contribuinte de iure é o operador económico, mas quem
realmente paga o imposto é o comprador.
O pagamento pode ser feito pela própria pessoa ou por uma 3ª entidade que atue
como substituto ou responsável por este pagamento, nos casos em que existe
responsabilidade solidária ou subsidiária:
• Responsabilidade solidária existe quando existem vários contribuintes como
responsáveis principais pelo pagamento, qualquer um deles podendo efetuar o
pagamento, e podendo a AT notificar qualquer um deles, ou todos.
• A responsabilidade subsidiária existe quando a AT deve chamar primeiro um
determinado responsável principal e, apenas quando este não efetuar o
pagamento, poderá a AT chamar os responsáveis subsidiários, como sócios na
empresa caso não seja feito o pagamento pelo diretor executivo. A Professora
argumenta que a Lei Geral Tributária (LGT) é desproporcional e pouco
razoável nesta responsabilização de certos agentes que, de facto, não exercem
poder decisório na empresa, como contabilistas e técnicos de contas, mas
mesmo até sócios minoritários.

Guilherme Alexandre 32
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Representação Fiscal

Por regra, havendo saída do contribuinte do país, o contribuinte deve designar um


representante fiscal. Tal não se aplica, no entanto, para quem permaneça em Estados da
EU, visto que a informação é transmitida devidamente. No mesmo sentido, em países
terceiros ainda é possível existir essa dispensa se existirem acordos de trocas de
informações. Mais ainda, esta obrigação pode ser afastada se o contribuinte aderir ao
Serviço Público de Notificação Eletrónica, associado a uma morada única digital.

Direito à Informação

O direito à informação, nas suas vertentes fiscais, compreende aspetos como a


acessibilidade de consulta da legislação principal e secundária online, como a secção
«informação fiscal» no site da AT: podem ser consultadas decisões, portarias, circulares
etc. Também podem ser consultadas, por exemplo, listas de devedores à AT e à SS.
Enquanto existem preocupações quanto à confidencialidade e proteção de dados, existe
também uma tendência para a maior transparência na atribuição de benefícios fiscais e
nas políticas salariais públicas e de grandes empresas, com o intuito de assegurar os
direitos dos contribuintes e trabalhadores – v.g. face a discriminações de género.
Note-se, por exemplo, que o Ministério das Finanças é obrigado a publicar na 2ª série do
Diário da República (DR) todos os benefícios fiscais atribuídos em casos particulares
(i.e., sem recorrer a um ato legislativo geral e abstrato).
Têm existido também avanços quanto ao pagamento de impostos online ou em meios
digitais em espaços comerciais, através de programas desenvolvidos, certificados e
utilizados pela AT, facilitando o pagamento.
Por fim, e cumprindo a máxima da transparência e da informação, é nos possível
conhecer, nos sites da AT e SS todas as nossas dívidas, benefícios, regalias e descontos,
caso existam.

Princípios Fiscais
Estudaremos aqueles com maior relevância para as Finanças Públicas. Note-se que a sua
efetivação em Portugal é escassa, mas o sistema deve procurar guiar-se neste sentido.

1. Neutralidade

Guilherme Alexandre 33
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Todo o sistema fiscal deve almejar ser neutro: não alterar o comportamento dos
contribuintes, não tratar de forma diferente situações iguais e não penalizar mais um
contribuinte que outro. Formas de efetivar este princípio são a redução de taxas
progressivas – dando prioridade a taxas proporcionais, a criação de uma base tributária
geral e o fim dos benefícios fiscais. Existia, anteriormente, proporcionalidade em sede de
IRC, mas cessou com a introdução de derramas estaduais. Existem ainda perspetivas
internacionais a considerar neste princípio, como a neutralidade nas importações e
exportações, não favorecendo o investimento dentro ou fora do território para nacionais
ou estrangeiros, e a afirmação deste princípio na Diretiva do IVA, da União Europeia,
que consagra também a proibição da dupla tributação.

2. Equidade

Existem várias definições de equidade, importando principalmente aqui as definições de


equidade horizontal – dois contribuintes com o mesmo rendimento não devem pagar taxas
diferentes de imposto – e equidade vertical – dois contribuintes com rendimentos
significativamente diferentes não devem pagar a mesma taxa de imposto. Refere-se ainda
a definição de equidade de Adam Smith, segundo a qual esta corresponde a uma relação
proporcional entre aquilo que cada contribuinte dá à sociedade e aquilo que recebe –
segundo esta definição, quanto mais se recebe de sociedade, mais se deve pagar.

3. Simplicidade

Este princípio pressupõe leis claras, objetivas e, tanto quanto possível, sem exceções.
Idealmente, existiria um único documento com todas as leis fiscais organizadas. Tal
torna-se especialmente difícil de executar dado que os Estados sofrem de «euforia
legislativa», levando a leis avulsas, especiais, extraordinárias. Mais ainda, Smith defende
que deviam ser reduzidas ao mínimo as obrigações acessórias – declarações sobre os
rendimentos e contabilidade, taxas, etc.

4. Eficiência

É um princípio que tem vindo a ser desprezado e que compreende diversas dimensões.
Na vertente económica, o sistema será tão eficiente quanto seja simples e neutral.

Guilherme Alexandre 34
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Na vertente jurídica, compreende não só a simplicidade, como também a reciprocidade a


nível internacional e a não discriminação – não devem ser tratados de formas diferente
dois contribuintes em iguais circunstâncias.
Na vertente de gestão, um sistema eficiente é aquele que implicar custos mais reduzidos
ao nível da incidência e cobrança fiscal, que reduz ao mínimo as obrigações acessórias e
se facilitar a cobrança do imposto.

5. Não-retroatividade

Este prende-se com o princípio da legalidade, no sentido de que os impostos devem ser
previstos na lei, ser conformes com esta e nenhum imposto pode ser cobrado sem existir
previsão legal. Isto resulta do art. 103º da CRP.
A questão da retroatividade importa especialmente com atos e contratos que se prolongam
no tempo visto que os gatilhos e os seus efeitos podem mudar com a lei nova, enquanto
uma transação comercial cria e imediatamente cumpre as obrigações fiscais em causa
(v.g., o pagamento do IVA).
A doutrina maioritária considera que, no DF, não existe qualquer tipo de retroatividade,
mesmo que estabeleça um regime mais favorável. Correntes minoritárias, que a
Professora acompanha, defendem que pode existir alguma retroatividade para normas
operacionais (relativas à liquidação e pagamento) se forem mais favoráveis ao
contribuinte. A única situação que parece poder causar retroatividade das leis fiscais em
Portugal seria a necessidade dessa para compatibilizar situações com convenções
internacionais, se essas assim dispuserem, dada a hierarquia das normas.

Guilherme Alexandre 35
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Políticas fiscais – atualidade


As políticas fiscais são o resultado convergente entre os princípios fiscais, a orientação
política governante e as necessidades do Estado, concretizado através de iniciativas
legislativas.
Em termos de neutralidade e equidade, deveriam predominar os impostos proporcionais,
que não diferenciassem entre rendimentos, contribuintes ou o consumo, e deveriam
evitar-se os benefícios fiscais. Na realidade, o nosso IRS é bastante progressivo, com
vários escalões, em nome da justiça distributiva, mas esta ideia já foi refutada: não se
verifica uma real redistribuição da riqueza, apenas ineficiências, desincentivos ao
aumento dos salários e menos contratações de quadros qualificados. Além disso, a própria
proporcionalidade tem em si um pouco de progressividade: a mesma taxa aplicada a um
rendimento superior levará a um maior montante tributado. Mas não existe apenas
discriminação entre rendimentos, note-se também o contrassenso da aplicação de taxas
progressivas no IMT para prédios urbanos e taxas proporcionais para prédios rústicos,
que favorece uns em detrimento de outros. Segundo a Professora, seria benéfica a fixação
de taxas progressivas para ambos.
A discussão clássica incide sobre a ponderação dos direitos individuais e os objetivos
coletivos, e qual deve prevalecer tendencialmente. Ambas as correntes consideram os
seres humanos como racionais e quase perfeitos: no lado liberal, as ações em mercado
tendem a determinar o melhor resultado, e, no lado social, o mercado tem várias falhas e
apenas a ação estadual as pode corrigir. A primeira está inquinada por ignorar as ditas
falhas, assumindo que os agentes económicos são racionais – essa racionalidade não é
plena, sendo afetada por emoções como a ganância ou o medo, e agindo com base em
informações não necessariamente verdadeiras, com o crescimento das fake news. A
segunda falha por criar vários centros de poder passíveis de ser corrompidos pelas
referidas emoções humanas, por tendências eleitoralistas e despesismo. Ambas devem ter
em conta a evolução social e tecnológica que vivemos, inclusive aquelas tecnologias que
servem agora propósitos tributários e fiscais, como drones e satélites para conhecer
propriedades e analisar trajetos de embarcações comerciais.

Guilherme Alexandre 36

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