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SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS DE DIREITO

FISCAL
PARTE GERAL

MARIA ODETE OLIVEIRA


Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto
Aulas leccionadas ao 2º ano do curso de Direito
Ano lectivo de 2019/2020
2.ºsemestre
Nota prévia

O presente texto destina-se a servir de apoio à leccionação da parte geral da Disciplina


de Direito Fiscal do curso de Direito da Universidade Lusófona do Porto. Foi inicialmente
elaborado no ano lectivo de 2012/2013, e tem sido regularmente actualizado, com a
colaboração da minha colega de leccionação, Mestre Leonor Monteiro, a quem agradeço a
disponibilidade sempre manifestada e concretizada.
A abordagem feita às matérias tem em conta o facto de muitas das temáticas terem já
sido estudadas em sede do Direito Civil, o que determina que sejam essencialmente
referenciadas as respectivas especificidades neste ramo de Direito; o facto de se tratar
de uma disciplina semestral do segundo ano da licenciatura e, ainda, o facto de o
conteúdo da disciplina como um todo comportar ainda uma parte especial, dedicada à
análise de um imposto na especialidade (o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares).
O texto pretende, essencialmente, servir de guião e de suporte às aulas, não
dispensando, para um maior aprofundamento das matérias, a consulta da bibliografia
aconselhada .
Os destinatários são única e exclusivamente os alunos da turma por mim leccionada.

Por opção da autora o texto não foi redigido tendo em conta o novo acordo ortográfico.
Porto, aos 28 de Fevereiro de 2020
Maria Odete Oliveira

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Plano do curso – Parte geral

Notas prévias
Abreviaturas
Capítulo I
Direito Financeiro. Direito Tributário. Direito Fiscal. Noção e conteúdo
1 . Introdução. A actividade financeira do Estado
2 . O Direito Financeiro
3 . O Direito Tributário e o Direito Fiscal
4 . Natureza e autonomia do Direito Fiscal
5 – Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito
5.1 – Direito Fiscal e Direito Constitucional
5.2 – Direito Fiscal e Direito Administrativo
5.3 – Direito Fiscal e Direito Penal
5.4 – Direito Fiscal e Direito Processual
5.5 – Direito Fiscal e Direito Civil
5.6 – Direito Fiscal e Direito Internacional
5.7 – Direito Fiscal e outros ramos de Direito
6 – Direito Fiscal, Ciência Fiscal e Política Fiscal

Capítulo II
O imposto. Conceito. Distinção de figuras afins. Tipologias dos impostos. Principais
impostos do sistema fiscal português.
1 . O Imposto – conceito
2 . O Imposto – distinção de figuras afins
2.1 – Imposto e taxas ou outras contribuições financeiras a favor de entidades
públicas
2.2 – Imposto e empréstimo público forçado
2.3 – Imposto e contribuição especial
2.4 – Imposto e sanções patrimoniais
2.5 – Imposto e requisição. Imposto e apropriação pública
3 . O Imposto – algumas classificações
3.1 – Impostos directos e indirectos
3.2 – Impostos reais e pessoais
3.3 – Impostos periódicos e de obrigação única
3.4 – Impostos de prestação fixa e de prestação variável
3.5 – Impostos proporcionais, progressivos, degressivos e regressivos
3.6 – Impostos principais, acessórios e dependentes
3.7 – Impostos estaduais e não estaduais
3.8 – Impostos fiscais e impostos extrafiscais
4 . Os principais impostos do sistema fiscal português

CAPÍTULO III
As fontes do Direito Fiscal
1. A lei constitucional. Os princípios constitucionais do Direito Fiscal
1.1 . O princípio da legalidade tributária
1.2 . O princípio da igualdade

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1.3 . O princípio da anualidade
1.4 . O princípio da eficiência ou eficácia do Direito Fiscal
2. O Decreto-Lei
3. O Regulamento
4. O costume
5. As deliberações dos entes públicos menores
6. As normas internacionais
7. A jurisprudência e a doutrina
8. A hierarquia das fontes de Direito Fiscal
9. Categorias de normas fiscais

CAPÍTULO III
A interpretação das normas fiscais
1. Introdução
2. Aspectos relevantes na interpretação das normas tributárias
2.1 . A interpretação literal
2.2. A interpretação restritiva
2.3. A interpretação económica
2.4. A interpretação funcional
3. Os critérios interpretativos constantes da Lei Geral Tributária
4. A integração das lacunas da lei

CAPÍTULO IV
A aplicação das leis fiscais no tempo e no espaço
1. A aplicação das normas fiscais no tempo
2. a aplicação das normas fiscais no espaço

CAPÍTULO V
A relação jurídica fiscal
1. Caracterização
1.1. Relação jurídica fiscal e obrigação de imposto
1.2. Especificidades da relação jurídica fiscal
1.3. Os elementos da relação jurídica fiscal
1.3.1 – Os sujeitos
1.3.2 – O objecto
1.3.3 – O facto jurídico
1.3.4 – As garantias do credor

CAPÍTULO VI
O procedimento tributário
1. Introdução
2. O início do procedimento tributário. As acções preparatórias e a liquidação
3. Revisão da liquidação
4. Cobrança. Extinção da obrigação fiscal

CAPÍTULO VII
As garantias dos contribuintes

CAPÍTULO VIII
As infracções fiscais

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ABREVIATURAS UTILIZADAS

CA – Contribuição Autárquica
CC – Código Civil
CIRC – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
CISSD – Código do Imposto sobre Sucessões e Doações
CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
CPPT – Código de Procedimento e Processo Tributário
CRP – Constituição da República Portuguesa
IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis
IMT – Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imó
IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
IS . Imposto de Selo
ISSD – Imposto sobre Sucessões e Doações
IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado
LGT – Lei Geral Tributária
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico
RCPIT – Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
RGIT – Regime Geral das Infracções Tributárias
RJIFA – Regime Geral das Infracções Aduaneiras
RJIFNA – Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras
Sisa – Imposto Municipal de Sisa
UE – União Europeia

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CAPITULO I
Direito Financeiro. Direito Tributário. Direito
Fiscal. Noção e conteúdo

"No government can exist without taxation. This money must necessarily be levied on the
people; and the grand art consists of levying so as not to oppress.'' —

Nenhum governo pode existir sem impostos. Esse dinheiro tem, necessariamente, de ser
cobrado às pessoas ; a grande arte consiste em cobrá-lo de forma razoável e sem oprimir os
cidadãos

Frederico o Grande, Rei da Prússia, Século XVIII

1 – Introdução. A actividade financeira do Estado.

Para garantir a realização das tarefas fundamentais que lhe estão atribuídas, e que se
consubstanciam em gastos públicos nos diversos sectores do tecido social e económico, o
Estado e restantes entes de direito público necessitam de angariar os necessários meios
financeiros.
É essa actividade instrumental ou mediadora, que abrange a arrecadação de receitas
públicas e a aplicação destas na realização das despesas públicas, que se designa de
actividade financeira do Estado, a qual foi já detalhadamente analisada no semestre
anterior, na disciplina de Finanças Públicas.
Trata-se, como sabemos, duma actividade mediadora ou instrumental dado que não se
traduz de uma forma directa na satisfação de necessidades dos cidadãos, antes se
posicionando a montante, ou seja assegurando as condições para que a satisfação de tais
necessidades possa ser realizada.

Assume, indiscutivelmente a natureza de uma actividade pública, por ser certo que, tanto
na óptica dos sujeitos intervenientes e da posição relativa destes como na vertente do
objecto que lhe subjaz, a posição do Estado e outros entes públicos por um lado e o
interesse público subjacente, por outro, são determinantes.

Finalmente, há que referir ainda, o carácter jurídico de tal actividade, subordinada como
está a normas e princípios de Direito, ou seja, impondo ao Estado e demais entes de
direito público uma actuação condicionada a tais princípios e normas e não uma actuação
exercida de forma aleatória, ao sabor das suas conveniências ou vontades,
casuisticamente determinadas.

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2- O Direito Financeiro

O Direito Financeiro aparece, então, como o conjunto de normas que disciplinam a


actividade financeira do Estado, ou seja, que modelam a actividade do Estado numa dupla
vertente: a angariação de receitas e a sua aplicação na cobertura das despesas cuja
satisfação deva considerar-se como competindo ao Estado. Dito de outra forma, estamos
perante o conjunto dos processos e procedimentos de arrecadação, execução e controle
do emprego dos recursos públicos, todos eles girando em torno de um instituto
fundamental do Direito Financeiro que é o Orçamento do Estado. Neste se afectam os
recursos às várias necessidades colectivas, de acordo com as opções (sobretudo de
carácter político) presentes no órgão de representação dos cidadãos (Assembleia da
República), o qual é responsável pela sua aprovação, competindo depois a respectiva
execução à Administração Pública.

Uma definição assim tão ampla não dará porém a exacta noção do âmbito desta disciplina
jurídica.

De facto, e se pelo lado das despesas que incumbem ao Estado, o seu carácter público é
manifesto, algumas questões devem ser equacionadas pelo lado das receitas. Será que a
realidade é a mesma quando o Estado obtém receitas através dos impostos, ou quando
tais receitas são obtidas por via de empréstimos públicos internos ou internacionais, ou
até quando as receitas do Estado resultam, por hipótese, da sua qualidade de senhorio de
imóveis arrendados, ou de sócio de empresas produtoras de bens ou de serviços?

É que, não obstante a principal das receitas públicas ser a resultante da arrecadação de
impostos, existem muitas outras cuja natureza se apresenta bem diferente, natureza
essa que não difere substancialmente das receitas dos particulares.
Assim sendo, variados são os autores que distinguem dois tipos de receitas estaduais: as
receitas de Direito Privado, em que o Estado se apresenta como se fora um particular, as
quais ficarão sujeitas à tutela jurídica do Direito comum, e as receitas de Direito
Público, em que, pelo facto de o Estado se apresentar como tal (munido dos seus poderes
de autoridade e não em pé de igualdade com os particulares) se justifica uma tutela
jurídica própria, basicamente resultante da necessidade de limitar os seus poderes de
actuação.

Em consequência, teremos então como âmbito do Direito Financeiro, o conjunto de


normas relativas à actividade financeira do Estado, abarcando as relativas à arrecadação
das receitas de Direito Público (Direito das Receitas), à realização das despesas públicas
(Direito das Despesas) e bem assim as destinadas a regular o funcionamento dos órgãos
do Estado chamados ao cumprimento dessas funções (Direito da Administração
Financeira).

3– Direito Tributário e Direito Fiscal

O Direito das Receitas que acima se caracterizou como resultante de parcelas de


rendimento que o Estado exige aos cidadãos, coactivamente, fruto do seu poder de
autoridade e soberania, aparece normalmente designado de Direito Tributário, abarcando
assim tanto as importâncias por ele cobradas como contrapartida de serviços prestados
ou outras vantagens usufruídas pelos cidadãos como aquelas outras em que o pagamento

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por estes efectuado não apresenta qualquer contraprestação directa por parte do
Estado. Impostas sem qualquer contrapartida directa, estas últimas são designadas
exactamente e apenas por impostos.

Nestes termos, é habitual reservar para o Direito que se ocupa do estudo das normas
que têm por objecto os impostos a designação de Direito Fiscal, justificada desde logo
pela importância que eles representam no contexto das receitas públicas em geral e das
tributárias em particular, e também pelo facto de serem o campo em que o poder de
supremacia do Estado se manifesta de forma mais intensa. Contudo, e amiudadas vezes
se utilizam as duas designações indistintamente.

4– Natureza e autonomia do Direito Fiscal

Conceituado o Direito Fiscal como o conjunto de normas jurídicas que criam e disciplinam
a relação de imposto em todos os seus momentos, vejamos o que se pode dizer quanto à
sua natureza e autonomia.

Quanto à natureza, e embora a questão nem sempre seja pacífica, deve entender-se que
se trata de um ramo de direito público e não privado.

De facto, seja qual for o critério que utilizemos para a distinção, sempre resultará a sua
qualificação como direito público. Se o critério for o do interesse subjacente, o carácter
público do Direito Fiscal é patente já que são interesses colectivos ou públicos que
justificam a obrigação de imposto. Se o critério for o da posição jurídica dos sujeitos da
relação tributária, ou da qualidade em que os mesmos intervêm, neste caso na relação
jurídica fiscal, também ressalta a natureza pública deste ramo de direito, uma vez que
Estado e contribuinte não actuam em pé de igualdade, como acontece no direito privado,
antes aparecendo o Estado não como um simples particular mas sim como ente de direito
público, revestido dos seus poderes de autoridade e soberania ou seja de ius imperii.

Outra questão é a de saber se o Direito Fiscal, ao pertencer, como se referiu, ao sector


mais vasto do Direito Financeiro (que regula o amplo campo da actividade pública), deve
ser visto como um ramo do Direito Administrativo ou antes como um ramo de Direito
autónomo.
Durante muito tempo o Direito Financeiro aparecia apenas com um conteúdo económico,
integrando-se na Economia Política. Entre nós, e sobretudo a partir dos anos 60 do século
passado o Direito Financeiro ganhou paulatina relevância como disciplina jurídica distinta
da Fazenda Pública e fez nascer um novo ramo de direito designado, na vertente das
receitas, por Direito Tributário ou Direito Fiscal.

O facto de a sua origem, entroncar, como se viu, na ciência da Economia e da Fazenda


Pública, faz com que, ainda hoje, existam autores a defender a não autonomia entre o
Direito Fiscal e o Direito Administrativo.

Não obstante essas posições discordantes, tendemos a afirmar, juntamente com a


doutrina dominante, que o Direito Fiscal se assume actualmente como um ramo de direito

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autónomo, já que reúne todos os requisitos que convencionalmente se exigem para
classificar uma disciplina jurídica como autónoma.
Utilizando como critérios:
- A autonomia didáctica, traduzida por um ensino específico;
- A autonomia legislativa formal, traduzida na existência de leis próprias;
- A autonomia substancial traduzida em princípios próprios e distintos,

concluiremos pela autonomia do Direito Fiscal.

Do ponto de vista didáctico, para fins de ensino, a autonomia do Direito Fiscal está fora
de dúvida, sendo exemplo da mesma o presente curso.

No plano legislativo formal, podemos dizer hoje que existem, codificadas, um conjunto de
normas específicas do Direito Fiscal, de que assume relevância digna de realce a Lei
Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.

No plano substancial, sem dúvida o mais importante nesta sede, acontece que o Direito
Fiscal possui princípios próprios que estruturam e explicam as normas fiscais tendo em
conta uma base diferenciada em relação aos outros ramos de direito em geral e mesmo
do direito administrativo em particular. É que no Direito Fiscal a preocupação dominante
é a satisfação do interesse público como valor fundamental a atingir, enquanto que no
Direito Administrativo coexiste também, e em importante escala, a preocupação pela
defesa dos interesses privados, i.e. a tutela e protecção dos particulares contra
eventuais exigências abusivas da administração pública.

5 – Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito

A autonomia do Direito Fiscal não significa, porém, que o ele não se relacione, e de modo
forte, com os outros ramos do Direito.
O fundamento do imposto, o carácter multifacetado das realidades que o hão-de,
economicamente determinar, os processos e procedimentos que acompanham a sua vida –
desde que nasce até que se extingue a obrigação de imposto -, a penalização pelos ilícitos
cometidos em razão da sua exigência e as garantias que devem constituir deveres
fundamentais do cidadão contribuinte, são aspectos que exigem um relacionamento
próximo entre o Direito fiscal e muitos outros ramos de Direito.

A autonomia do Direito Fiscal há-de pois significar que ele possui capacidade para criar e
disciplinar os conceitos de que necessite, moldando-os de acordo com a sua especial
natureza e objecto. Todavia, sempre que utilize conceitos que integram outro ramo de
Direito, sem para os mesmos apresentar uma específica formulação, deve entender-se
que será o âmbito que o conceito tem no ramo de Direito onde se encontra definido que
vale também em Direito Fiscal.

A título exemplificativo abordaremos, de forma breve, algumas das relações entre o


direito Fiscal e outros ramos de direito.

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5.1 – Direito Fiscal e Direito Constitucional

Como mais à frente se desenvolverá, a lei constitucional contém um conjunto de


princípios com força vinculativa em sede fiscal – princípio da legalidade e tipicidade,
princípio da igualdade, princípio da anualidade e princípio da eficiência ou eficácia do
sistema fiscal, entre outros igualmente passíveis de consideração - a significar, pois,
importantes relações entre os dois ramos de direito, naquilo que muitas vezes se designa
por “constituição fiscal”.

5.2 – Direito Fiscal e Direito Administrativo

Sendo certa a autonomia do Direito Fiscal em relação ao Direito Administrativo, isso não
significa, porém, que não existam relações estreitas entre eles.

Por um lado, sendo objectivo do Direito Fiscal a arrecadação de receitas e a respectiva


aplicação na cobertura das despesas públicas, a sua prossecução implica uma actividade
administrativa, a qual resulta disciplinada pelo Direito Administrativo. Por outro lado, há
que não esquecer que toda a organização criada pelo Estado para dar execução ao
sistema tributário ou fiscal é de natureza administrativa, estando sujeita aos
respectivos processos e disciplina, e realizando-se através de actos administrativos. No
lançamento, liquidação e cobrança dos impostos existe todo um processo administrativo
levado a cabo pela administração pública através dos seus órgãos e funcionários, todos
eles sujeitos à disciplina administrativa e actuando através de meios administrativos.

5.3 – Direito Fiscal e Direito Penal

As relações entre estes dois ramos de direito resultam basicamente da disciplina da


infracção fiscal, onde se faz, obviamente, apelo aos princípios ou regras do Direito Penal,
nomeadamente no que respeita aos fundamentos da responsabilidade e princípios da
punição.
Claro que se pode discutir se em tais situações estaremos perante um Direito Penal
Fiscal, um sector especial do Direito Penal, ou antes perante um Direito Fiscal Penal como
sector especial do Direito Fiscal. Entendemos dever optar por esta segunda abordagem,
ou seja considerar que as normas relativas à previsão e punição das infracções fiscais
devem ser consideradas como Direito Fiscal. Isso resulta desde logo do actual Regime
Geral das Infracções Tributárias (RGIT), recentemente aprovado pela Lei n.º 15/2001,
de 5 de Junho, que abordaremos no final desta primeira parte do curso.

5.4 – Direito Fiscal e Direito Processual

A relação resulta do facto de o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos


implicarem processos, a cuja regulamentação são chamados os princípios e regras do
Direito Processual Civil. O mesmo se diga do Direito Processual Penal quando estiverem
em causa processos relativos a infracções de natureza fiscal.

Tal encontra-se expresso desde logo no teor do artigo 2º do Código do Processo e


Procedimento Tributário onde se estabelece:

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São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a
natureza dos casos omissos:
As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais leis tributárias;
As normas sobre organização e funcionamento da administração tributária;
As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;
O Código do Procedimento Administrativo;
O Código de Processo Civil:

Por sua vez, também o artigo 3º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)
estabelece:

São aplicáveis subsidiariamente:


Quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de
Processo Penal e respectiva legislação complementar;
Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de
mera ordenação social;
Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar;
Quanto à execução das coimas, as disposições do Código de Procedimento e Processo
Tributário.

5.5 – Direito Fiscal e Direito Civil

Esta é uma relação muito importante. O facto de o Direito Fiscal apresentar natureza
pública não significa que lhe não sejam aplicáveis regras de Direito Civil e nomeadamente
do Direito das Obrigações.
É que a obrigação de imposto, como o próprio nome indica, é uma obrigação que apresenta
todos os elementos presentes na obrigação civil, não obstante comportar especificidades
que resultam, como se disse, da sua natureza de obrigação ex lege configurada como
relação de direito público.

5.6 – Direito Fiscal e Direito Internacional

O acréscimo de relações entre Estados e a livre circulação de pessoas, capitais e


mercadorias dentro de espaços integrados por diferentes soberanias, faz-se hoje
recurso a inúmeras convenções e tratados internacionais como instrumentos de
regulamentação também ela fiscal.
É o que acontece desde logo com as convenções destinadas a evitar ou eliminar a dupla
tributação do rendimento que mais tarde abordaremos neste curso.
Resulta daqui, e como não poderia deixar de ser, a necessidade de acolhimento em
Direito Fiscal de algumas normas e regras de Direito Internacional.

5.7 – Direito Fiscal e outros ramos de Direito

Para além dos indicados existem certamente relações com os demais ramos do direito,
atendendo, como dissemos já, a que o fenómeno fiscal é multifacetado, abrangendo

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realidades com conteúdo económico e em conexão com diferentes sectores da realidade
económica e social.
Quando esteja em causa a tributação dos rendimentos do trabalho, haverá certamente
que lançar mão dos ensinamentos, normas e princípios do Direito Laboral. Do mesmo
modo, o recurso ao Direito Comercial, etc., etc.

Ou seja, e reforçando a conclusão acima deixada: a autonomia do Direito Fiscal deve ser
vista, na prática, do seguinte modo:
- Pode o Direito Fiscal, quando os seus específicos interesses assim o exijam,
criar conceitos próprios que melhor se adaptem à sua natureza e objectivos
(manifestação da respectiva autonomia);
- Todavia, sempre que tal não se justifique, entender-se-á que utilizará os
conceitos e institutos utilizados nos restantes ramos do Direito (relações do Direito
Fiscal com os outros ramos de Direito).

6 – Direito Fiscal, Ciência Fiscal e Política Fiscal

O fenómeno tributário é passível de ser visto de vários ângulos.


Antes de mais, pode ser encarado como facto social, na vertente dos seus efeitos na
estrutura financeira ou económica de uma sociedade, conduzindo o respectivo estudo à
possibilidade de formular as leis causais que o regem. Estamos no domínio da Ciência
Fiscal como sector da Ciência Financeira, que averigua as consequências do imposto sobre
a vida dos cidadãos em geral e na suas decisões económicas em particular.

É com os conhecimentos fornecidos pela Ciência Fiscal (leis económicas relativas ao


imposto), que os Estados vão estabelecer o sistema fiscal que há-de ser implantado para
atingir os fins a que eles próprios se propõem. O estudo e determinação dos meios
tributários adequados à prossecução dos objectivos do Governo constituem o objecto da
Política Fiscal. A Política Fiscal escolhe os melhores meios, dentro das circunstâncias e
possibilidades concretas, para atingir os fins do Estado, e faz essa escolha recorrendo
aos ensinamentos da Ciência Fiscal, os quais, obviamente, constam de formulações
abstractas. A Política Fiscal assenta numa perspectiva essencialmente concreta,
dependendo das possibilidades de cada país e da orientação política de cada Governo (a
política fiscal de um governo socialista é manifestamente diferente da de um governo
liberal de direita).
Quando o Estado põe a questão de saber se deve ou não elevar certos impostos pelas
repercussões que tal aumento possa vir a ter na actividade económica; quando o
legislador se coloca a questão de saber se é melhor tributar o rendimento ou o consumo,
ou se deve tributar rendimentos reais ou normais, está a pôr-se questões de política
fiscal.

A Ciência Fiscal olha o fenómeno tributário como facto passado.


A Política Fiscal baseia-se na Ciência Fiscal mas tem uma perspectiva de futuro,
estudando e propondo a aplicação do sistema tributário que, dentro daquilo que ela valora
como melhor, lhe permita alcançar o resultado esperado.

Ou seja, encontrado, com base nos ensinamentos da Ciência Fiscal e escolhido à luz das
opções da Política Fiscal, o melhor sistema, ele será imposto aos cidadãos através dum

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conjunto de normas jurídicas que constituirão o Sistema Fiscal em vigor no respectivo
ordenamento jurídico.
A partir daqui reduziram-se ou mesmo cessaram as missões da Ciência Fiscal e da Política
Fiscal.

Perante problemas de interpretação das normas fiscais a Ciência e a Política Fiscal


apenas poderão ser chamadas a ajudar o intérprete a melhor entender a norma e o seu
alcance. Não serão, no entanto, motores de decisão.
É que a Ciência Fiscal tem formulações gerais e abstractas que poderão não se revelar
adequadas para a interpretação de situações concretas com os inúmeros factores que as
influenciam. E a Política Fiscal também não será determinante, já que desde o momento
em que ela foi plasmada num texto legal – as normas fiscais – o que passa a relevar é a
interpretação jurídica desse mesmo texto e já não aquilo que o pode ter motivado.

O que se deve concluir é que perante dúvidas na interpretação das leis fiscais, a busca do
seu verdadeiro alcance (letra e espírito da lei) deve fazer-se por critérios jurídicos para
o efeito utilizados e não apenas ou sobretudo por critérios de ciência ou de política
fiscais.

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