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Micaela Gonçalves
História do Direito II
1) O Período Primitivo
A partir do século VIII a.C., estes povos peninsulares contactam com os fenícios, uma
civilização oriunda do Médio Oriente, que se constituía também por diversas unidades
territoriais independentes entre si, que começam a vir para a Ibéria, em busca de novos
mercados e de fontes de recursos e matérias-primas. Os fenícios vão criando, ao longo da costa
peninsular, um conjunto de colónias para servirem de entrepostos comerciais, algumas das quais
começaram a ganhar vida própria e se transformaram em verdadeiras urbes. Foi o caso de Gadir,
a atual Cádiz, que terá sido a primeira de todas essas colónias e hoje é uma importante cidade
espanhola. No decurso desses contactos, os fenícios trazem o ferro e a tecnologia de o trabalhar,
pelo que a sua influência na evolução dos povos da Península Ibérica não deve ser
menosprezada.
Com a decadência dos fenícios, que se acentua a partir do século VI a.C., as rotas
comerciais dessa civilização começam a ser aproveitadas por outros povos, mormente pelos
gregos e cartagineses. Uns e outros vêm também até à Península com intenções inicialmente
comerciais, e os cartagineses são mesmo os causadores diretos da vinda também dos romanos e
da romanização peninsular, que levou mais de seis séculos de tempo histórico. Veremos,
adiante, em que circunstâncias isso ocorreu.
Em síntese, podemos dizer que este primeiro ciclo do Período Primitivo da Península
Ibérica, vai até ao início da ocupação romana do território e ao começo da romanização.
Devemos datar esses acontecimentos no último quartel do século III a.C., em 218 a.C., quando o
cônsul Cneu Cornélio Cipião Calvo aqui desembarca no decurso da Segunda Guerra Púnica.
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2) A Romanização Peninsular
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apenas nove anos de idade, Aníbal Barca (247 a.C.-183 a.C.), que foi também general e
governante cartaginês, e que ainda hoje é considerado um dos maiores génios militares de todos
os tempos, quem concebeu o plano de atacar Roma não pelo Mediterrâneo, como os romanos
esperavam, mas por terra, pela Península Ibérica, subindo-a, atravessando os Pirinéus e entrando
na Itália pelo norte. Para esse fim organizou um forte exército, que ia sendo renovado nas
campanhas militares e com a passagem do tempo, e que contava, não só com cartagineses, mas
também com hispânicos e até com povos das Gálias, por onde passou, a caminho de Roma, e
onde arregimentou outras pessoas. Igualmente se beneficiou das riquezas do território para
construir o equipamento militar necessário. Para além disso, Aníbal trouxe, para a Península,
um contingente de 38 elefantes destinados a comporem a escassa cavalaria do seu exército. Era
uma arma inesperada e eficaz, embora não tenham chegado muitos deles vivos ao objetivo final.
Quando atravessou os Alpes, o exército de Aníbal seria constituído por cerca de 80.000 homens.
Esta prodigiosa estratégia foi permitindo que Aníbal travasse e ganhasse várias batalhas,
permitindo-lhe sonhar com o esmagamento de Roma. Contudo, em 204 a.C., os romanos
infletem a sua própria estratégia militar e avançam para o Norte de África, atacando os
cartagineses e ameaçando a própria cidade de Cartago. Isso obrigará Aníbal Barca a retirar da
Itália, para rumar para África e defender os seus. A sua última e decisiva batalha contra os
romanos, em África, foi a batalha de Zama (19 de Outubro de 202 a.C.), que Aníbal perdeu e o
obrigou à rendição. Neste compasso de tempo, Roma havia vindo para a Península Ibérica,
ainda no ano de 218 a.C, para atacar o exército cartaginês pela sua retaguarda, comandados pelo
general romano Cneu Cornélio Cipião Calvo. Não mais daqui sairiam, às invasões bárbaras do
início do século V.
A terceira Guerra Púnica sucedeu entre 149 a.C. e 146 a.C.. Foi uma guerra de
extermínio e de aniquilação total, provocada pelo receio de que os cartagineses de novo se
estivessem a municiar contra Roma. O Senado decidiu assim, respondendo ao apelo de Catão, o
Velho, que exclamou, perante os senadores, a célebre frase “Delenda Carthago est” (“É
preciso destruir Cartago!”). Foi isso que fizeram, comandados por Cipião Emiliano Africano,
que atacou a cidade, exterminou os seus habitantes e salgou o seu solo, para que nada mais ali
voltasse a florescer.
Em consequência das Guerras Púnicas, Roma ficou senhora do Mediterrâneo e do seu
comércio. Desenvolveu-se economicamente, o que lhe permitiu avançar para a conquista de um
império.
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B) A Romanização
A ocupação romana da Península Ibérica pelas legiões romanas começa em 218 a.C.,
praticamente com a sua chegada para atacarem os cartagineses, que tinham nesse território um
ponto essencial na sua estratégia militar contra Roma. Uma vez derrotado Cartago na Península,
o que sucedeu com o fim da Segunda Guerra Púnica, a ocupação irá prolongar-se por quase
duzentos anos, até à Pax Augusta, ainda que com diferentes graus de resistência oferecidos
pelos vários povos e tribos peninsulares.
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Cidades Indígenas:
Cidades Federadas: as mais importantes com as quais, pela sua dimensão, Roma.
Negociava um tratado bilateral, pelo qual elas mantinham um estatuto de
independência, dependendo diretamente de Roma e não do governador. Mantinham um
governo próprio e as suas instituições políticas e jurídicas. Podiam pagar um imposto
diretamente a Roma, mas nem sempre tinham de o fazer.
Cidades Livres: eram assim reconhecidas unilateralmente por Roma, como forma de
reconhecimento por não terem oferecido especial resistência à romanização. Pagavam
um tributo a Roma, mas tinham autonomia política e administrativa, que não podia ser
modificada pelo governador provincial. Algumas destas cidades poderiam ser isentas de
pagamento de impostos. Nesse caso, deveremos denominá-las como Cidades Livres e
Imunes.
Cidades Estipendiárias: tinham sido mais renitentes à romanização, pelo que, além
de pagarem impostos a Roma («stipendium»), tinham autonomia política, embora
reduzida e cuja manutenção ou alteração dependia do governador.
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Nos primeiros poderemos distinguir o Ius Connubii (direito de casar e criar uma
família de acordo com as regras do Ius Civile) e o Ius Commercii (direito de ter e manter
propriedade, bem como de contratar e fazer outros negócios jurídicos de carácter patrimonial e
comercial conforme as normas do Ius Civile). Os segundos, os direitos de natureza política ou
pública, estabeleciam as regras fundamentais das relações entre os cives e o Estado romano.
Mormente, os direitos de participação política, que eram essencialmente os dois seguintes: o Ius
Suffragium (direito de votar nos comícios populares romanos e, assim, eleger os magistrados)
e o Ius Honorum (direito de ser eleito e de exercer as magistraturas e cargos públicos
romanos).
Por sua vez, a latinidade, estatuto pessoal intermédio entre a cidadania e a peregrinação,
atribuía, a quem a recebia e detinha, alguns dos direitos da cidadania romana, mas não todos.
Em regra, eram recebidos o Ius Commercii e o Ius Honorum, o que se entende bem. O primeiro,
beneficiava os romanos, porque ponha sob a tutela do seu direito e das suas instituições todas as
relações patrimoniais e comerciais que os romanos estabelecessem com esses habitantes do
Império. O segundo, porque era pouco mais do que simbólico, na medida em que dificilmente
alguém que não habitasse em Roma se deslocaria à cidade apenas para votar num comício,
onde nem sequer
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poderia ser eleito para os cargos em que votava. Era, por conseguinte, uma atribuição
meramente simbólica.
Cabe dizer que foi política do Império ir alargando o estatuto de latinidade a muitos dos
peregrinos. Principalmente àqueles que exerciam cargos públicos nas suas cidades, que
interessava atrair para a civilização romana. Por outro lado, uma vez recebida a latinidade,
aquele que era distinguido poderia ascender à cidadania romana plena, se cumprisse
determinados requisitos. Para esse efeito, havia dois tipos de latinidade: a maior e a
menor. A primeira, a latinidade maior, era a mais importante, logo a que impunha menos
requisitos para se ascender à cidadania romana: ou exercer um cargo no Senado da sua cidade
ou ser decurião (oficial de cavalaria do exército romano que chefiava um grupo de cerca de
trinta homens); e a latinidade menor, que era mais exigente para que quem a recebesse pudesse
ascender à cidadania, tendo de exercer um cargo de direção política na sua comunidade. Era,
esta última uma forma de atrair as elites das comunidades que integravam o Império para a
romanidade.
Esta política foi frequentemente aplicada na Península Ibérica, de tal maneira que, no
anos de 73-74 d.C., o Imperador Vespasiano concedeu a latinidade, na sua forma menor, a todos
os habitantes desse território.
Mais tarde, em 212 d.C., o Imperador Antonino Caracala concedeu a cidadania romana
a todos os habitantes, que fossem homens livres, do Império. Estávamos num momento em que
a civilização romana já estava de tal modo disseminada no Império, que não fazia sentido
manter os seus habitantes discriminados em termos de direitos individuais de cidadania – ou
seja, deixa de haver peregrinos.
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No período que vai da constituição do Reino da Tolosa até ao fim do Reino Visigótico
de Toledo, de 382 a 711. Em 711, existe uma guerra civil sendo o vencedor a ficar com a coroa.
Dado o fim a esta guerra civil é o fim da Monarquia Visigótica.
b. Aula Régia
c. Concílios
Eram reuniões da igreja católica em que os reis convocam um órgão e reunia um leque
mais alargado de autoridades do que na Aula Régia, na medida em que nele eram incluídos
clérigos, sobretudo os altos dignitários da Igreja Católica, nomeadamente os arcebispos e
bispos. Realizaram-se quinze concílios, todos na capital do reino, em Toledo.
Os Concílios eram abertos pelo rei, que lhes dirigia uma mensagem (“tomus”) onde
tocava nos pontos principais que a reunião deveria abordar e sobre os quais deliberava. No fim
da reunião, o rei promulgava, em forma de lei, essas decisões, passando elas a vigorar como leis
civis do reino.
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A partir do reinado de Eurico (466-484), começam a surgir, talvez por influência das
fontes escritas do Ius Romanum, os primeiros códigos de Direito Visigótico. Direito e códigos
esses cujo conteúdo é, assinale-se, fortemente romanizado, seja em influência direta sobre as
normas visigóticas, seja mesmo pela simples transcrição das fontes romanas. Vejamos que
códigos foram esses.
Elaborado e promulgado durante o reinado deste rei, costuma-se atribuir a data provável
para a sua conclusão em 476, ano em que findou o Império Romano Ocidental. O seu conteúdo
são leis visigóticas fortemente influenciadas pelo Direito Romano e leis romanas.
O seu conteúdo é integralmente constituído por Direito Romano, nele se incluindo ius
(direito romano anterior ao século IV) e leges (direito romano do e posterior ao século IV).
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- Sentenças de Paulo;
- Um texto de Papiniano.
O Código Visigótico, ou Liber Judicum, contém 324 leis que vinham do Código de
Leovigildo , algumas das quais, por sua vez, vinham já do de Eurico (eram intituladas por
“antiqua”, isto é, antigas ou leis antigas); 3 leis de Recaredo; 2 de Sisebuto; 99 de Chindasvindo
e 87 de Recesvindo, um total de 515 leis, portanto.
Por sua vez, este Codex tem várias versões, visto que posteriores leis dos reis visigodos
lhe foram acrescentadas, sendo que uma dessas atualizações foi oficial,
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enquanto que as outras são feitas por particulares. Assim, devemos considerar que o Código
Visigótico teve as seguintes formas ou edições:
- Forma erviginiana, de 681, mandada fazer pelo rei Ervígio, foi uma atualização da
primeira edição;
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Para esse fim, costuma assinalar-se a data do Tratado de Zamora (20 de Dezembro
de 1143) como a da independência de Portugal. Esse importante documento foi assinado por
Afonso Henriques e pelo seu primo Afonso VII, rei de Leão e Castela, durante um encontro que
os juntou na cidade que lhe deu nome patrocinado pela Igreja Católica, nomeadamente por João
Peculiar, arcebispo de Braga, e por Guido de Vico, cardeal do Vaticano enviado para a
Península Ibérica, em 1139, pelo Papa, com a missão de tentar pacificar as relações,
frequentemente conflituosas, entre os vários príncipes cristãos desse território, que punham em
risco a guerra contra os muçulmanos. Nele reconhecia-se a constituição de Portugal como um
Reino e D. Afonso como o seu Rex, ainda que o novo rei aceitasse o seu primo com Imperador
das Hespanhas e ficasse, conforme os vínculos do feudalismo, com a obrigação hierárquica de
lhe prestar vassalagem.
A) Aspetos Gerais
A fundação de Portugal assinala o início do nosso Direito. Até aí, o território de onde
nasceria Portugal, o Condado Portucalense, era parte integrante do Reino de Leão, com um
estatuto jurídico-político sobre o qual os historiadores ainda não se entenderam, como já
assinalámos anteriormente, mas que sempre teria sido de uma grande autonomia.
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O Direito Português conhecerá, deste modo, um primeiro ciclo de vida que abrange
praticamente cem anos (1143-1245) e quatro reinados:
- Sancho I (1185-1211);
- Sancho II (1223-1247).
Durante estes primeiros cem anos de Portugal e do seu Direito, este não possuía ainda
identidade própria, já que, por várias razões, não existia um «Direito Português» propriamente
dito. De facto, muito do direito que entre nós se pratica nessa altura vem do passado, algum do
Reino de Leão e algum outro ainda da própria Monarquia Visigótica, sendo que os reis
portugueses não conheciam ainda a «arte» de fazer a lei. O pano de fundo principal do nosso
direito será, por conseguinte, o costume, o que bem se entende se tivermos em consideração que
as populações estavam, em matéria de poder público, praticamente entregues a si mesmas e, por
isso, tinham de ser elas próprias a criarem as condições para a ordenação das suas relações
jurídicas.
De facto, em Portugal, como na maioria dos países europeus de então, a justiça era
administrada essencialmente por autoridades locais nos senhorios (ou terras senhoriais) e nos
concelhos (ou terras municipais).
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A) Instituições Políticas
Como se acabou de ver, este primeiro período da história do nosso direito decorre
durante um tempo anterior ao surgimento do Estado Moderno, organizado em torno do princípio
do primado do poder régio. Como era próprio do período medieval em que nos situamos, o
poder encontrava-se disseminado e não existe um poder público que se impusesse eficazmente
em todo o país.
O Rei destes primeiros cem anos apoiar-se-á sobre um conjunto de personalidades que
lhe são próximas e que formam a Cúria Régia, talvez a primeira forma de governo do reino
que conhecemos. Esta Cúria era itinerante, estando permanentemente a deambular no território
do país, o que se compreende não só por razões militares, como para que o rei pudesse fazer
sentir a sua presença no conjunto do país. Afonso Henriques trasladou a capital do reino de
Guimarães para Coimbra, cidade que manteve esse estatuto até 1255, quando a capital é
transferida para Lisboa, mas daí não é legítimo concluir que o reino fosse governado, no seu
conjunto, a partir da centralidade da capital.
Quanto aos funcionários régios são de destacar, entre os mais próximos do rei, o
Alferes-mor, o Mordomo-mor e o Chanceler-mor.
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Por sua vez, o Chanceler-mor era o responsável pelo selo do Rei, pela emissão dos
diplomas régios, o seu arquivamento e guarda, bem como a produção e envio de cópias dos
mesmos para os concelhos e demais pontos do reino a que se destinavam.
Acresce dizer que, neste primeiro período, não reuniram ainda Cortes na forma
tradicional das três Ordens (Clero, Nobreza e Povo), o que só aconteceria com Afonso III, em
1254, com a reunião das Cortes em Leiria. Todavia, a Cúria Régia podia ter uma formação mais
alargada para além da acima referida, nela se incluindo pessoas (prelados das dioceses, abades,
chefes de ordens religiosas militares, nobres) que não a compunham ordinariamente, como
sucedeu em 1211, na cidade de Coimbra, no governo de Afonso II. Quando isso sucedia usava
tomar o nome de Cúria Régia Plena.