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terça-feira, janeiro 18, 2005

Cartago - Partes I e II

Parte I

Cartago era uma colónia fenícia, fundada por tírios no século IX a.C.
Pouco depois acabaria por tomar o lugar da sua metrópole no
Mediterrâneo Ocidental, pois esta via-se debilitada devido às
circunstâncias políticas geradas pelos grandes Impérios Orientais.
Até ao início das Guerras Púnicas, Cartago desenvolveu-se fortemente,
atingindo o auge entre os séculos V e III a.C.. Para isso lutou em África
(númidas e berberes), na Sicília ( colónias gregas), na Sardenha e
Córsega (etruscos), na Hispânia e foz do Ródano, golfo de Leão
(colonos gregos da Fócida). O poderio cartaginês era mercantil:
matérias- primas da Hispânia e sul da Bretanha (Cornualha),
incidindo principalmente no estanho, matéria primordial num mundo
em que o bronze era ainda bastante importante, assim, adquirindo,
directamente ou, como era talvez mais usual, de forma indirecta
através dos povos proto-históricos peninsulares, produtos autóctones
ou oriundos das respectivas relações atlânticas entre a Bretanha, Gália
e Hispânia (*),não com o apoio do já desaparecido reino de Tartessos
dos tempos fenícios, mas através das linhas milenares de intercâmbio
interno ; produtos preciosos do Sudão (escravos, marfim, ouro), da
África atlântica, do Saara, do rio Níger – de salientar a expedição, até
ao coração da África negra, de Hanão em 525 a.C. (Guiné e
Camarões). Esta vocação marítima e comercial não significa atraso
agrícola, bem pelo contrário, as apuradas técnicas de cultivo foram
posteriormente adoptadas pelos romanos – livros de Magão.
Cartago era uma oligarquia, uma república aristocrática, governada
por um Senado de mercadores, dirigido pelas grandes famílias que
tiranicamente se apoia nas classes mais baixas para chegar ao poder
(os Barcas).
A religião, a cultura e a arte cartaginesa são uma síntese do
fundamento fenício e de influências libícas, helénicas e egípcias (saítas
e persas).
Pode-se, então dizer que Cartago nas vésperas das hostilidades com
Roma tinha uma civilização superior à dos seus inimigos, quanto ao
bem-estar quotidiano, ao conhecimento científico e ao cosmopolitismo
cultural.

(*) Barry Cunliffe, Atlantic Relations, Conferência realizada no


Congresso de Proto-História Europeia, Guimarães, 1999.
Parte II

O período entre a parte final do século IV a.C. e o início das Guerras


Púnicas caracteriza-se por um movimento geo-político-militar entre o
norte de África (Cartago) e o sul de Itália (Roma), cujo principal
campo de manobras será a Sicília helenizada em decadência. Assim,
este choque entre a cultura latina de Roma, a oriental de Cartago e a
grega da Sicília servirá de preparação para a Primeira Guerra Púnica
e de sentença de morte para as colónias gregas da ilha, cujo canto de
cisne será o reinado de Hierão II de Siracusa, um dos protagonistas da
guerra entre Roma e Cartago.

Agatocles, Pirro e Hierão II

As esferas de influência de Roma e Cartago, desde fins do século IV


a.C., expandem-se em todo o ocidente mediterrânico a um ritmo
vertiginoso, colocando em perigo a sobrevivência do Ocidente grego.
Durante este período Roma domina toda a Campânia e ao mesmo
tempo aumenta o seu interesse pela Magna Grécia, demonstrado
inequivocamente apenas em 282 a.C.. A pressão dos povos itálicos
sobre as colónias gregas do sul da Itália é cada vez maior, entre as
quais se encontra Tarento que obrigada a chamar em seu auxilio, por
esta ordem, Arquidamo (rei de Esparta), Alexandre-o-Molosso (tio de
Pirro que forma um reino efémero no sul da península) e o
lacedemónio Cleónimo. Por sua vez a Sicília grega é pressionada pelas
ambições cartaginesas.
Na Sicília surge-nos um personagem notável, mais propriamente em
Siracusa – é Agatocles (319 / 289 a.C.). Este democrata sobrepôs-se ao
poder oligarquico, afirma-se na ilha à custa de constantes purgas
contra os aristocratas, a sua política externa tem dois momentos altos:
o primeiro é a expedição que faz contra os púnicos em plena Líbia
(cerca de cem anos antes de Cipião, o africano), apesar do fracasso
conseguiu-se um equilíbrio tenso, tipo a Guerra Fria do nosso século; o
segundo, a campanha na Itália em auxílio aos tarentinos contra os
Brútios.
Após a morte de Agatocles (sogro de Pirro) os siracusanos encontram
três tipos de problemas: os conflitos internos, o perigo púnico e as
ameaças dos mamertinos (mercenários campanienses trazidos por
Agatocles que tomaram em 289 a.C. Messina, cidade sicíliana de
enorme importância que dá o nome ao estreito que separa a ilha, do sul
da Itália), estes últimos vão ter um papel importante na origem da
Primeira Guerra Púnica.
Como já foi mencionado os romanos em 282 a.C. demonstraram
abertamente o seu interesse pelo sul grego da península, pois nesse ano
quebrou um tratado que tinha com Tarento, cujo conteúdo proibia os
barcos romanos de passarem o cabo Lacínio. Os tarentinos optam pela
guerra, elegendo como chefe o rei do Épiro – Pirro (primo de
Alexandre Magno) que já havia dado provas do seu génio militar,
segundo Diodoro ele fez a guerra em Itália durante “...dois anos e
quatro meses...”.
O Épiro situado a norte da Grécia, vizinho da Macedónia, era um
Estado federal constituído por três povos, tendo os Molossos
predominância sobre Tesprotos e Caónios. O grande período de
protagonismo deste reino dá-se exactamente no reinado de Pirro, a
única vez que suplanta a Macedónia, pois além de expandir o território
e helenizá-lo, tem uma participação activa na política externa. Até à
sua integração na província romana da Macedónia em 148 a.C., a
história epirota, que acaba com esta mesma integração, é de
importância muito reduzida.
A sua campanha (281 / 276 a.C.) tinha o objectivo de criar um Império
grego do Ocidente, abrangendo o sul da Itália e a Sicília. Rapidamente
consegue pôr ao seu lado as cidades da Magna Grécia, brútios e
lucânios, para desespero dos tarentinos impõe-lhes uma rígida
disciplina militar. Pirro “...o Alexandre do Ocidente...” (Pierre
Lévêque), consegue duas grandes vitórias iniciais contra os romanos
em Heracleia (280 a.C.) e Áusculo (279 a.C.), acampa com as suas
tropas perto de Roma, em Preneste, não ataca a futura senhora do
mundo antigo, pois pretende usá-la para a concretização do seu
objectivo. Um pedido de auxilio chega da Sicília, Pirro hesitante
abandona a Itália a caminho da ilha onde renovará os seus recursos
para mais tarde continuar o ajuste de contas com Roma. Todavia
havia chegado a altura de fazer o mesmo com Cartago, Pirro expulsa-
os da Sicília, excepto de Lilibeu, cujo cerco e consequente oposição
púnica está relatado em Diodoro. Pretende fazer o mesmo que o seu
sogro e atacar os púnicos em África, mas a contestação sicíliana
impedem-no. De salientar que tanto em Tarento como na Sicília ao
regozijo inicial pela chegada de Pirro contrapõem-se as acusações
finais de tirania. Desiludido com a Sicília regressa à Itália, lutando
novamente com os romanos em Benevento, uma “...batalha
duvidosa...” (P. Lévêque). Logo após regressa ao Épiro com o desejo de
regressar para concluir o seu objectivo, mas a sua morte em Argos, no
Peloponeso, no ano de 272 a.C. interrompeu a façanha.
A historiografia actual contraria as análises dos historiadores antigos
sobre esta figura histórica, assim da teoria grega do rei conquistador
ou a teoria romana do rei gentleman surge- -nos a imagem de um
organizador metódico praticando uma política monetária que visava
unificar o Ocidente grego. A utopia de Pirro foi a derradeira tentativa
de salvar o helenismo ocidental, sujeito ao desleixo dos próprios gregos
ocidentais e ambições romanas e púnicas. Com o fim de Pirro a
independência da Magna Grécia termina: Tarento cai em 272 a.C.,
“Vencida Tarento, quem é que podia ter ainda audácia?” (Floro I, 13,
in P. Lévêque).
Siracusa é uma excepção, os seus últimos tempos de livre arbítrio
passam-se no reinado de Hierão II (275? / 215), diplomata culto e
corajoso que vai ter um papel preponderante na Primeira Guerra
Púnica e é ainda rei de Siracusa nos inícios da Segunda Guerra Púnica.
Poucos anos após a sua morte extingui-se a Sicília grega.
Concluindo, o descalabro do mundo grego do ocidente, que podia ter
acontecido em fins do século IV a.C., é simplesmente atrasado por estes
três homens: Agatocles, Pirro e Hierão II.

Cartago - Parte III


Parte III

Roma, nas vésperas da Primeira Guerra púnica, dominava toda a


Itália. Submeteu todos os povos itálicos e as cidades gregas do sul. Um
símbolo desta conquista foi a vitória sobre a coligação de algumas das
forças inimigas de Roma ( lucanos, etruscos, gauleses e cidades gregas).
Sobrava apenas Tarento, que deu origem, como vimos, à campanha de
Pirro mas, caindo em 272 a.C., na aliança romana. Assim, a cidade de
Romúlo e Remo era a nova herdeira e protectora do helenismo e,
apesar dos tratados entre Roma e Cartago de cooperação e apoio
mútuo contra Pirro, por exemplo o de 278 a.C., podia atacar as forças
africanas caso elas pusessem em causa esse helenismo que Roma se
dispôs a defender.
A Roma que começou o conflito com os poensi (daqui deriva a palavra
púnico) estava numa fase de rápido amadurecimento, as instituições
políticas bem enraizadas, o exército bem treinado (apesar da
debilidade naval) depois de duzentos anos de guerras constantes, tudo
polvilhado por um forte patriotismo. A Cartago do mesmo período,
tinha o domínio do mar, a riqueza, logo os mercenários, cuja
abundância iria trazer, como veremos, graves consequências, mais as
vantagens de uma cultura oriental / semítica.
Causas

“ A Sicília é a mais bela de todas as ilhas, ela pode contribuir


infinitamente para o poderio de um Império.” (Diodoro, XXIII, frags.)
– esta citação parece ter sido ouvida por romanos e púnicos, pois a
principal causa do conflito foram as ambições de ambas as potências
em relação ao domínio da ilha. De facto, Cartago já dominava a Sicília
ocidental e ameaçava a Siracusa de Hierão II e a Messina mamertina,
ficando, deste modo, Roma alheada das potencialidades sicilianas,
nomeadamente da navegação no estreito de Messina, estrategicamente
importante para a entrada no mar Tirreno.
Tratados entre Roma e Cartago, 508,348,306 e o acima referido de 278
a.C., demarcavam bem o limite entre as duas áreas de influência – sul
de Itália para Roma e a Sicília para Cartago: os romanos não
cumpriram a sua parte. Isto acaba por ser normal, pois as duas forças
estão demasiado próximas e com ambições demasiado grandes para
não se chocarem. A guerra acaba por ser inevitável.
Messina e Siracusa estavam em guerra e cada uma das potências
ocidentais vai apoiar lados opostos. Os púnicos conciliam as duas
forças em guerra, aliando-se logo depois a Siracusa, bloqueiam o
estreito e ocupam Messina, este acto de má fé cartaginesa vai levar os
mamertinos, aliados dos romanos de Régio, a pedir auxílio a Roma
“...em nome do sangue que os unia.” (Políbio, I, 10). Entretanto, uma
frota cartaginesa impedira barcos romanos de passarem o estreito,
logo depois forças romanas obrigaram os púnicos a retirarem-se
apoderando-se de um seu almirante, Hanão, Cartago respondeu com
uma força maior. Roma responde com tropas consulares (Ápio
Cláudio). A guerra deixava de ser local para passar a ser global. Roma
pela primeira vez enceta uma campanha militar fora de Itália, logo
contra dois adversários.

264 / 241 a.C. – em torno da questão sicíliana

A guerra tinha agora um carácter oficial. A ambição de dominar a


Sicília provocou uma transformação da estratégia romana –
parafraseando J. Cousin, pode-se analisar essa mudança como uma
passagem da “aventura terrestre” para a “aventura marítima”,
indispensável para quem quer lutar pela posse de uma ilha. Esta nova
atitude exigia um cambio da própria mentalidade colectiva do povo
romano, enraizado à terra, cujo terror do mar nos é transmitido pelos
poetas líricos e épicos e para quem a glória só se adquire na guerra
terrestre. Mas ao analisar as lendas mais ouvidas pelos romanos,
conclui-se isto: o romano sentia uma espécie de atracção fatal pelo mar
e tempestades. A marinha de Roma desenvolveu-se, graças aos
estaleiros do sul da Itália, depois das outras potências mediterrânicas.
Esta situação contrasta de sobremaneira com a relação aberta,
confiante e madura do povo cartaginês, descendentes dos comerciantes
fenícios, com o mar. À primeira vista, Cartago, pelo menos no aspecto
naval, parece ter grande vantagem, pois numa segunda fase a Primeira
Guerra Púnica foi travada no mar e em África (aqui a travessia do
mar surgia como inevitável). Como veremos a vitória romana deveu-se
ao grande esforço do povo romano no sentido de colmatar essa falha,
para frisar este ponto: quando Ápio Cláudio vai com uma armada
para Messina só tinha ao seu dispor barcos aliados de Roma.
Para melhor compreender o primeiro conflito entre as potências
ocidentais utilizaremos uma proposta de B. Combet-Farnoux que
esquematiza os seus vinte e três de duração em quatro fases sucessivas,
acompanharemos essa análise mais factual com um estudo da evolução
das forças navais dos dois antagonistas, visto que ela foi fundamental
para o desenlace da guerra.
Numa 1ª fase (264 / 241 a.C.), a Sicília foi o campo de batalha. Roma
está instalada em Messina, indo, como vimos, contra os tratados
antigos, principal causa da guerra, pretendendo que Cartago
reconheça essa sua presença. Segundo Políbio, a totalidade das tropas
romanas foram enviadas para a ilha, dois exércitos consulares, o
equivalente a quatro legiões num total provável de 40000 soldados, à
medida que prossegue a marcha os aliados de ontem dos púnicos
viram-se para o lado romano, nomeadamente Hierão II de Siracusa,
pois essa aliança nunca foi muito bem vista em Siracusa. De facto, os
siracusanos em 263 a.C. fazem uma aliança com Roma, tornando-se
“...amigos e fieis aliados.” (Políbio, I, 16), mas ficando encarregues de
um tributo até 248 a.C.. O apoio de Siracusa contribuiu para a vitória
romana, pois além da poderosa frota que possui era um importante
ponto de reabastecimento possuía fortificações aperfeiçoadas pelo
conselheiro militar de Hierão II, de seu nome Arquimedes, personagem
que ocupa o nosso imaginário, protagonista da célebre expressão
“Eureka! Eureka!” (“Achei! Achei!”). Esta aliança fez os púnicos
perderem a sua base de apoio a leste da ilha, mas a sua instalação a
poente estava bem segura, pois detinham o domínio do mar e Roma
sem uma frota que pudesse rivalizar com a africana pouco podia fazer,
além disso a armada púnica atacava as costas italianas. O cerco e
consequente tomada de Agrigento (262 a.C.), cidade aliada de Cartago
foi uma excepção de difícil concretização, compreendendo-se, assim,
porque é que em Roma “...a alegria foi geral.” (Políbio, I, 20). De
acordo com o estudo de J. Cousin, confirmado pela leitura de Políbio e
Tito Lívio, Roma no início da guerra contava com 160 barcos, isto se
aceitarmos a tradicional “precisão” dos números “livianos”: 100
quinquerremes e 20 trirremes (confirmado em Políbio) duunvirais
construídos. “...decidiram construir navios de cinco filas de remos e
vinte trirremes.” (Políbio, I, 20), mais alguns, como por exemplo, 25
navios italiotas entre outros, até se chegar à quantidade proposta pelos
autores. Apesar de logo no início das hostilidades Roma ter perdido 17
unidades, este esforço de desenvolvimento naval, a primeira vez que os
romanos equiparam uma frota, seria recompensado pelas sucessivas
vitórias navais da 2ª etapa.
A 2ª fase ( 260 / 255-54 a.C.) foi marcada pela superioridade romana.
O almirante romano Cornélio é aprisionado pelos púnicos, este facto
acaba por ser importante, pois quem o vai substituir na liderança da
armada de Roma, constituída por barcos “...mal construídos...”
(Políbio, I, 22), é o general das tropas terrestres Duillio o vencedor em
Milas (260 a.C.), onde Roma, de acordo com os autores antigos,
possuía 140 navios, aprisionou 30 navios púnicos e afundou 17,
desconhecem-se as perdas romanas. Esta vitória naval deu animo aos
romanos que conquistaram rapidamente várias zonas da Sicília, apesar
da armada púnica continuar

NOTA:
Políbio (210 / 128 a.C.) foi um político e historiador grego. Nasceu e
morreu em Megalópolis (Arcádia). Por entre as suas obras destaca-se
Historia, que relata, em quarenta livros, todo o período desde o início
da Primeira Guerra Púnica até ao fim da Terceira. Esta obra marcou a
evolução da ciência histórica. Os livros I e II tratam das ocorrências do
espaço de tempo decorrido entre 264 / 221 a.C. (do início da Primeira
ao começo da Segunda guerra entre Roma e Cartago). O III começa
onde acabou o II e vai até à batalha de Canas. O IV e V não referem as
Guerras Púnicas. Dos restantes livros só nos restam fragmentos. O
método de Políbio é de cariz científico. Era um viajante, fala do que
viu, nomeadamente da Hispânia, prima pela imparcialidade e está
mais próximo dos acontecimentos. Não floreia a obra com passagens
míticas ou anedóticas desnecessárias para o rigor histórico. A única
lacuna da obra é a pobreza de estilo, na arte da escrita. Concluindo:
mais credível que Tito Lívio, mas menos agradável de ler.
perfeitamente operacional. Todavia a guerra arrasta-se até 256 a.C., a
que não é alheio o desprezo da mentalidade rural dos italianos pelas
campanhas navais, sendo de salientar apenas a vitória romana em
Tíndaris, devido à superioridade numérica das suas forças, perdem
apenas 8 barcos. Então surge no espírito romano o desejo de “...passar
a África e transportar para lá o teatro da guerra...” (Políbio, I, 26), a
missão é preparada com um ano de antecedência. Dessa missão é
encarregue o cônsul M. A. Régulo. A guerra começa a ser travada em
solo africano no ano de 256 a.C. Antes do desembarque, teve lugar a
batalha naval de Ecnomo, perto de Aspis, saldando-se por uma vitória
romana, na narração de Políbio, plena de incongruências, refere-se que
de 330 barcos oriundos de Óstia 24 foram afundados e dos 350 púnicos,
30 foram ao fundo e 64 apresados. Esta derrota dificultou a defesa
cartaginesa, assim, o desembarque em África foi realizado “...sem
problemas e fizeram o cerco a Clipeia.” (Polibio, I, 29), transformada
em centro de operações, pois a estação estava demasiado avançada. Os
cartagineses deparavam-se com revoltas númidas e dificuldades de
abastecer a metrópole. Entretanto, os soldados do Tibre haviam
tomado dois pontos estratégicos importantes: Aléria e Ólbia, na
Córsega e Sardenha, respectivamente. Régulo recusou a paz e acaba
derrotado e feito prisioneiro pelos mercenários púnicos liderados pelo
grego Xântipo, “...formado segundo a disciplina lacedemónia e que
conhecia a fundo a arte da guerra...”, em 255 a.C.. O exército romano
foi obrigado a reembarcar, durante a retirada teve, paradoxalmente, a
maior vitória da guerra junto do cabo Hermeu, segundo o último autor
citado, aquando desta batalha Roma tinha 350 navios, não menciona os
navios perdidos, e Cartago de 200 perdeu 114. A vantagem conseguida
foi perdida logo a seguir devido a uma tempestade ao largo de
Camarino “... de 364 navios não sobraram mais que 24.” (Políbio, I,
37) – tudo isto também em 255 a.C., ambos os antagonistas estavam
enfraquecidos. Vejamos algumas das incongruências contabilisticas
dos autores clássicos, nomeadamente de Políbio: em relação aos
romanos – em Hermeu tinham 350 barcos (não indicando os que foram
afundados), logo a seguir, no regresso, perderam 364?? na tempestade,
sobrando ainda 80 ou 24 (esta hesitação deve-se ao facto de J. Cousin,
baseado em Políbio, mencionar 80, enquanto que na bibliografia do
mesmo autor clássico que consultei, indica o número 24, aliás como
está citado acima), isto é estranho dado que na tempestade foram
perdidos barcos que aparentemente não existiam. Em relação à
contabilidade púnica – após Ecnomo possuíam 256 navios, devido às
perdas, mas começaram a batalha de Hermeu com apenas 200, que
terá acontecido aos outros 56? Claro que é muito subjectivo discutir
estes pormenores, mas de qualquer forma tem-se de salientar o facto
de trabalhar incidindo sobre os autores antigos sem recorrer a outras
fontes dada a falibilidade dos mesmos, devido quiçá a má interpretação
das fontes ou apenas a parcialidade patriótica, aliás como é
perfeitamente visível em Tito Lívio.
A 3ª fase (255-54 / 247 a.C.), é passada na Sicília ou ao seu largo, Roma
desiste de atacar África e opta pelas possessões púnicas no ocidente da
ilha. Uma guerra terrestre de cercos e bloqueios, em que os impasses
preponderaram – Cartago conquistou Drépano (esta vitória deu
grande glória ao almirante cartaginês Aderbal e desonra a P. C.
Pulcher) e Camarino, mas perdeu Panormo, resistindo em Lilibeu
liderados por Himílcone. Este clima de impasse, provado pelos factos
atrás referidos, foi quebrado por duas importantes vitórias navais
púnicas, devida em grande parte à maior experiência dos seus
almirantes face aos almirantes efémeros de Roma. ambas as derrotas,
uma com o cônsul P. Claudio outra com J. Pullus, foram frente ao
almirante Carthalão. Logo a seguir, mais uma tempestade na mesma
zona da anterior, em Camarino, arrasava completamente com a frota
romana, sobraram apenas dois barcos, acrescentando-se estas perdas
aos cerca de 600 / 700 navios perdidos em vinte e três anos de conflito.
Nesta fase aconteceu o pior período da guerra para Roma – 249 a.C., o
annus ater. Cartago, agora com superioridade a todos os níveis,
nomeadamente marítimo, mas com problemas internos, necessidades
do Tesouro e preferência de uma parte do Senado pelos lucros do
comércio ao prejuízo da guerra, foi incapaz de solucionar os problemas
em duas frentes, preferindo deixar a situação externa a balançar. Esta
atitude custou aos africanos a vitória e mudou o rumo da História.
Roma usando de todas as suas virtudes recompôs-se.
A 4ª fase (247 / 241 a.C.) adivinhava um fim próximo para os
antagonismos, ambas as potências davam provas de um total
esgotamento, aliás, no fim, Cartago mais que derrotada estava exausta
e o facto de permanecer independente demonstram que Roma estava
também ela de rastos. Na Sicília, entre o monte Heircté e o monte Érix,
acontecia daquela espécie de guerrilha, propícias à estagnação das
posições e à eternidade da guerra. Amílcar Barca (pai de Aníbal) líder
púnico dessa luta pelo cansaço não tinha os apoios que desejava da
metrópole devido aos motivos internos já referidos, por isso faltavam-
lhe meios, nomeadamente da armada, na maior parte desarmada.
Roma não podia fazer melhor, pois tinha uma grande lacuna a nível
naval, isso impedia-lhe o domínio da ilha. Assim, tinham ambos pontos
fracos. Roma foi a primeira a resolver os seus problemas, apoiada
financeiramente nos cidadãos ricos, conseguiu uma nova frota em 243 /
242 a.C. e “...colocam de novo as suas esperanças nos seus barcos.”
(Políbio, I, 59), Roma nunca tinha tido uma frota tão boa. O fim desta
guerra extenuante chega em 241 a.C., quando a armada romana
liderada por Lutácio Catulo, nas ilhas Égates consegue derrotar as
forças púnicas, não sendo esta das piores catástrofes da guerra, foi-o
devido ao esgotamento total de Cartago. O tratado de paz, um
primeiro não foi ratificado pelo povo de Roma, elaborado de forma a
pôr a ex-colónia de Tiro K.O. durante longos anos: renunciava às ilhas
Lipari e a Sicília, não podia recrutar mercenários em Itália e aos
aliados romanos e era obrigada a pagar 3 200 talentos em dez anos,
acrescentados (devido a protestos púnicos devido a abusos romanos)
mais tarde de 1200 talentos suplementares e a perda da Córsega e
Sardenha em 238 a.C. (espécie de pagamento da neutralidade romana
nos problemas internos de Cartago), Roma aproveitava, assim, as
revoltas internas de Cartago não para a eliminar de vez, algo de que se
viria a arrepender, mas sim para extorquir-lhes mais riquezas que,
apesar de tudo, a sua frota mercante continuava a gerar. Cartago
perdia ingloriamente, mas o desejo de desforra continuava bem
presente. Desde Políbio que é normal atribuir a vitória romana à
firmeza do Senado e às virtudes morais do seu povo, pois nenhum
romano se salientou, de facto valeu a Roma a sua força colectiva e os
erros e hesitações púnicas.

Consequências

A primeira ilação a retirar, e a que teria consequências mais


longínquas, é sobre a experiência naval retirada por Roma destas
maciças expedições navais conduzidas fora de Itália, preponderante
para quem no futuro iria dominar toda a bacia do mar Mediterrâneo,
um Império que ia, no século II d. C., desde a Arménia à Tingitânia, do
Egipto à muralha de Adriano.
As consequências temporalmente mais próximas foram as guerras civis
despoletadas tanto em Itália como em África e que “...os romanos
terminaram (...) com felicidade e rapidez...” (Políbio, I, 65), ao
contrário, em Cartago a resolução foi muito mais difícil.
Roma saboreia alguns momentos de acalmia, aproveitando para
submeter os piratas da Ilíria que atacavam frequentemente as costas
adriáticas, desembarcar na Dalmácia em 229 e 220 a.C., formar
alianças com colónias gregas como Epidamno, Apolónia (estava, assim,
em contacto directo com o mundo helenístico) e para ocupar
progressivamente a Córsega e Sardenha. Mas, estava para chegar um
perigo ainda maior – o tumultos gallicus –, estava ainda bem presente
o saque de Roma pelos gauleses em 390 a.C.. Uma primeira revolta é
parada por uma trégua, mas rapidamente uma coligação de gauleses se
prepara para atacar o norte da Itália, indo até onde fosse possível,
acaba por ser derrotada na batalha de Telamone em 225 a.C.,
repelindo-os para os Alpes perseguidos pelas legiões os submetem,
ocupam Milão em 222 a.C., por esta data toda a península era dirigida
por ordens romanas.
Cartago ,no intervalo entre os dois conflitos com Roma, teve em mãos
a “ guerra inexpiável”, conduzida por mercenários ociosos e sem
pagamentos, e uma luta política, entre os partidos mercantil e o
partido apologista da guerra, que já se haviam travado de razões
durante o desenrolar da Primeira Guerra Púnica. A revolta
mercenária, à qual se juntaram algumas revoltas de povos indígenas,
largou o caos em África durante três anos, liderados pelo campâniano
Espêndio e por Matos, cercaram cidades tão importantes como Útica
ou Hipona, chegando mesmo a por em causa a existência do Estado
púnico, que apenas sobreviveu graças à compra da neutralidade
romana e, também, à ajuda de Siracusa, Hierão II “...não queria que
essa República (Roma) se tornasse única potência...” (Políbio, I, 83), a
habilidade do seu líder em jogar nos dois lados deu a Siracusa, último
reduto grego da Sicília, hipótese de sobreviver até 212 a.C. (pouco
depois da morte de Hierão II), pois ao abandonar a aliança romana
para se aliar a Aníbal, provocou a sua conquista por Marcelo. É o fim
da pátria de Arquimedes, que morre durante essa conquista, cujas
máquinas de resistência a tentaram impedir. A situação complicara-se
ainda mais devido às falhas do general Hanão, por isso é nomeado
Amílcar Barca general, este consegue derrotar os mercenários e matar
os seus líderes – “...todas as partes de África reconheceram a
autoridade de Cartago...” (Políbio, I, 88). Na luta política, o partido
mercantil aparentemente parecia ter vencido a contenda, visto que
desviou o partido do exército para a conquista de África e Hispânia,
deixavam, assim, de ter obstáculos entre eles e o lucro. Mas esta
solução foi um autêntico tiro no pé, pois foi a partir da Hispânia que
começou a Segunda Guerra Púnica.
Concluímos, então, que os vinte e três anos de guerra externa
provocaram um certo desleixo na resolução dos problemas internos,
logo a Primeira Guerra Púnica teve directamente a ver,
principalmente no caso cartaginês, com as convulsões internas, sendo
estas, por isso, incluídas nas consequências do primeiro conflito em
estudo.

Cartago - Parte IV
Parte IV

“...é que vou escrever a mais memorável de todas as guerras que


jamais se fizeram, a qual os cartagineses, comandados por Aníbal,
sustentaram com o povo romano.” (Tito Lívio, XXI, 1).

De facto, a Segunda Guerra Púnica vai ter uma substancial em relação


ao conflito anterior – o aparecimento de heróis, de homens que por si
só fazem a guerra e a decidem, transformando-a numa autêntica
epopeia. São homens como Aníbal e Cipião o africano, não Himílcone
ou Régulo, que ocuparão doravante, tal como Alexandre Magno ou
Napoleão, o imaginário da humanidade.

O prólogo hispânico

Na sequência dos acontecimentos anteriores, o general Amílcar Barca


desembarca, em 237 a.C., com um considerável exército em Gades, sob
o pretexto da exploração mineira para puder pagar a indemnização a
Roma, esta foi a justificação dada ao Senado romano, mas o
verdadeiro motivo era recuperar a hegemonia púnica na península. De
facto, este envio de tropas e consequente movimentação parece
significar uma quebra do domínio púnico na Hispânia durante o
primeiro conflito, provocado talvez por movimentações de povos indo-
europeus e por uma expansão da influência de Massalia (cidade grega
perto da foz do Ródano), facilitadas pela guerra externa de Cartago.
Antes de prosseguir convém salientar que esta ida de forças para a
Hispânia em nada contraria as disposições do tratado de paz de 241
a.C..

NOTA:
Para estudar a Segunda Guerra Púnica, pelo menos, é imprescindível
consultar a obra de Tito Lívio (Pádua 60 a.C. / 17 d.C.), Ab Urbe
condita, isto apesar de o seu método historiográfico não usar do rigor
científico e de propagandear descaradamente os valores romanos,
nomeadamente os mais antigos. Uma história repleta de sentimento e
parcialidade patriota e de apologia dos heróis. Por vezes o incorrecto
uso das fontes – uma delas é Fábio, historiador contemporâneo da
Segunda Guerra Púnica, que o próprio Tito Lívio menciona (T.
L.,XXII, 7) – dá ao texto um sentido mais épico que histórico. É
necessário ter em conta todos estes parâmetros quando o estamos a
analisar.

Outra questão interessante é saber quando veio Aníbal para a


Península Ibérica. Tanto Políbio como Tito Lívio referem que ele tinha
nove anos e “...se obrigara a logo que pudesse ser inimigo do povo
romano.” (Tito Lívio, XXI, 1). Na verdade os historiadores romanos,
única forma que temos de conhecer estes acontecimentos, salientam a
aventura ibérica de Cartago como o cumprimento metódico de um
desejo de vingança por parte dos Barcas, de forma a justificar a
atitude agressiva de Roma, fruto do seu imperialismo.
Não se sabe muito das movimentações de Amílcar, os historiadores
greco-latinos quase não as mencionam, atribuem-lhe a recuperação da
hegemonia púnica na Península (Políbio, II, 5). Sucede-lhe Asdrúbal e
logo a seguir Aníbal, logo encetando uma política expansionista em
direcção ao sul da Meseta central ibérica e ao interior até norte do
Douro (território dos Vaceus).
Assim, Amílcar morre em campanha contra um dos povos indígenas,
sendo substituído na governação da Hispânia cartaginesa pelo seu
genro Asdrúbal que o fez durante oito anos (Tito Lívio, XXI, 2),
“...uma administração activa e inteligente...” (Políbio, II, 13), baseada
na diplomacia e não na guerra. Foi ele, o fundador de Nova Cartago,
que acordou o tratado do Ebro em 226 a.C. – a colónia de Massalia,
Emporion, receando a progressiva expansão cartaginesa, apelou, como
aliada de Roma a sua intervenção, que resultou nesse tratado –
consistindo no seguinte: “...interditando a Asdrúbal passar o Ebro com
um exército...” (Políbio, II, 13) mas, também, “...que se conservasse a
independência dos saguntinos, que ficavam entre as fronteiras do dois
povos.” (Tito Lívio, XXI, 2), este acordo patenteia bem a tensão ainda
existente entre as duas potências ocidentais. Asdrúbal é assassinado
por vingança “...um bárbaro mata-o em público...” (Tito Lívio, XXI,
2), provavelmente um celta (Políbio, II).
Numa das deambulações de Aníbal de norte e sul do território, é
provável que tenha fundado, para lá do Anas (Guadiana), perto de
Portimão, uma localidade com o nome de Portus Hannibalis, entre os
anos 221 / 218 a.C. (J. Alarcão). Assim a ocupação do actual sul do
território português pelos cartagineses parece ser tardia, e sobre ela
sabe-se muito pouco. De qualquer forma a ocupação da costa algarvia
reflecte um incentivo à navegação atlântica (C. Fabião).Nada disto
contraria o tratado do Ebro ou o de 241 a.C..
Tito Lívio enumera as inatas qualidades militares de Aníbal, mas
também os seus defeitos: “...uma crueldade que ia para além da
humana, uma perfídia mais que púnica, nenhuma sinceridade, nenhum
respeito, nenhum temor aos deuses, nenhum valor ao juramento,
nenhum sentimento religioso.” (Tito Lívio, XXI, 4). Esta era a
propaganda romana, bem de acordo com a temática “liviana”. Mas,
convém fazer aqui a apologia de Aníbal, deste herói púnico, um
Hércules de resistência, um génio militar, desde a ciência logística à
capacidade de envolver e destruir o adversário, da vocação
diplomática à prodigiosa imaginação. É contra esta antítese que Roma
vai lutar.
Entretanto, Sagunto, a sul do Ebro, na área de influência púnica,
segundo o tratado de 226 a.C. pediu protecção a Roma, esta que
procurava um pretexto para contrariar as vontades de Aníbal
encontrou-o neste pedido. Apesar disso, as tropas hispano-púnicas
declaram guerra aos saguntinos e cercam a cidade, pois “...já tudo
para além do Ebro pertencia aos cartagineses, ao não ser os
saguntinos.” (Tito Lívio, XXI, 5). Entretanto, estes últimos, enviaram
uma embaixada a Roma, sendo cônsules P. C. Cipião e T. S. Longo,
decidiu-se, entre hesitações, enviar uma embaixada para se reunir com
Aníbal “...e dali a Cartago a exigir a entrega do próprio general, em
reparação da violação do tratado, em caso de não se desistir do cerco.”
(Tito Lívio, XXI, 6). Aníbal não os ouviu e o Senado cartaginês apoiou
o Barca, com uma excepção, “...Ano foi o único que não obstante a
oposição do Senado, advogou a causa da aliança...” (Tito Lívio, XXI,
10). Aníbal havia, após um longo cerco tomado Sagunto, ele e o seu
experimentado e inovador exército mercenário sentiam-se aptos a
atacar directamente Roma.
Vimos, então, qual a importância da Ibéria dicotómica na origem da
Segunda Guerra Púnica. De facto, a península estava dividida. A sul e
o oriente, a “civilização ibérica” de tradição orientalizante (semítica) e
grega (Catalunha). E o mundo “indo-europeu de segunda vaga”,
ocupando o restante território, conjunto de povos etnicamente
uniformes, mas culturalmente diferentes (C. Fabião). Estes dois
mundos talvez incentivados pelos povos do Mediterrâneo central e
oriental, mais desenvolvidos, permutavam entre si, não só bens ou
produtos, mas o mais importante: cultura e desenvolvimento.

218 / 201 a.C.

“...reanimados desde a destruição de uma cidade poderosíssima,


atravessaram o Ebro; levavam consigo tantos povos dos hispânicos,
obrigados a sair; e deviam ainda arrastar as nações gaulesas, sempre
ansiosas por guerras: era como o mundo inteiro que se vinha a fazer à
guerra na Itália e diante dos muros de Roma.” (Tito Lívio, XXI, 16).

Em Roma fez-se o sorteio, a Cipião calhou a Hispânia, apoiado em


Massalia, a Longo a África e Sicília, apoiado no poderio naval. A
guerra foi oficialmente declarada no Senado de Cartago por uma
embaixada romana, que se dirigiu depois à Hispânia e à Gália em
busca de alianças, sem sucesso. De referir um apontamento curioso,
demonstrador das clivagens civilizacionais – o terror que sentem os
romanos quando vêem os gauleses irem armados para a assembleia,
isto é referido mais tarde por Tácito (De Germania) a propósito dos
bárbaros germânicos. (Tito Lívio, XXI, 18, 19, 20).
Roma esperava uma vitória rápida, graças ao seu muito maior poderio
naval que se vai manter ao longo de todo o conflito, influenciando,
obviamente, o resultado final, tirará a Aníbal as hipóteses de retirar os
dividendos das vitórias terrestres. Aníbal depois de precaver a defesa
do seu principado militar (Combet-Farnoux) que era a Hispânia,
“...destina o comando desta província a seu irmão Asdrúbal...” (Tito
Lívio, XXI, 22), e de contactar com algumas tribos gauleses sempre
hostis a Roma, enceta, como Pirro, um processo político-bélico, à
maneira de Alexandre Magno, até Itália. A partir deste momento
acompanharemos a saga de Aníbal, mas sempre com um pé na
península Ibérica acompanhando a evolução do conflito de Asdrúbal
com os Cipiões.

Em 218 / 217 a.C., os irmãos Cneio e depois Públio Cornélio Cipião


desembarcaram em Emporium, o primeiro combate da guerra, entre
Aníbal e C. C. Cipião, resultou numa derrota de fracas consequências
para os púnicos, após esta vitória hispânica, os romanos aquartelaram-
se em Tarraco. Esta primeira vinda de romanos para a península não
tinha intuitos imperialistas, era apenas uma estratégia de ataque e
defesa em relação a Aníbal.
O ataque directo do púnico a Itália fez os romanos alterarem a sua
estratégia, adaptando-a mais à defesa da sua península em detrimento
do ataque à dos Barcas. Em Maio de 218 a.C., 60000 homens saíam da
Hispânia, ou segundo a versão “liviana”: “...caminha para o Ebro pela
costa do mar (...) com 90000 homens de infantaria e 12000 de
cavalaria...” (Tito Lívio, XXI, 22, 23). A marcha lenta explica-se pela
luta travada com as tribos a norte do Ebro. Depois do rio, o próximo
obstáculo geográfico eram os Pirenéus, onde o exército sofreu pesadas
baixas.

Enquanto, as tropas púnicas marchavam em direcção ao Ródano, os


gauleses cisalpinos desviavam a atenção romana para esta zona,
esperando pela ajuda próxima de Aníbal, que chegou ao rio em Agosto.
Entretanto, P. C. Cipião desembarcara em Massalia, queria destruir o
cartaginês, que evitou esse choque; antes de chegarem a Itália. Esta
tentativa romana saldou-se apenas por um pequeno recontro renhido e
sangrento entre 500 cavaleiros númidas e 300 cavaleiros romanos
(vencedores) – “...presságio da guerra, assim como prometia um
resultado próspero no seu conjunto, assim prognosticou que a vitória
não seria sem muito sangue e de fortuna vária.” (Tito Lívio, XXI, 29) –
depois do Ródano. Assim, os invasores atrasaram-se e perderam a
hipótese de cruzarem os Alpes em boa época.
Antes, porém, haviam acampado nas margens do Ródano, “Ele
assegura por todos os meios a amizade das populações ribeirinhas,
compra todos os seus barcos de uma só peça, assim como as suas
canoas, que tinham em grande quantidade, pois fazem comércio
marítimo.” (Políbio, III, 42). Estavam encurralados em pleno
“...território dos Volcos...” (Tito Lívio, XXI, 26) com gauleses na
margem em frente à sua espera e uma legião em Massalia. Um
destacamento atravessa “...o rio no maior segredo, envolver o exército,
para num momento oportuno, atacar o inimigo pela retaguarda.” (Tito
Lívio, XXI, 27),e com Aníbal a atacar pela frente, os gauleses
“...escapam-se em desordem...” (Tito Lívio, XXI, 28). Políbio (III, 46)
descreve o transporte dos elefantes.
Relataremos agora a lendária travessia dos Alpes. Ao mesmo tempo, P.
C. Cipião chegava ao acampamento abandonado no Ródano e
julgando-se incapaz de alcança-los devido ao seu grande atraso,
retornou ao mar “...deste modo se encontraria mais segura e
facilmente com Aníbal ao descer dos Alpes.” (Tito Lívio, XXI, 32).
Nenhum dos autores antigos indica ao certo os corredores alpinos por
onde eles passaram, provavelmente foi entre o colo de Petit-Saint-
Bernard e do Mont-Genèvre (Combet-Farnoux). As impressionantes
perdas do exército inter- étnico de Cartago (apenas 26000 homens
quando chegaram à planície do Pó), deveram-se aos primeiros nevões e
aos ataques das tribos montanhesas. Esta travessia, não tão sobre-
humana como é lendariamente reconhecida, está descrita em Políbio
(III, 50 a 56).
Após cinco meses de marcha (Maio / Outubro de 218 a.C.), Aníbal
chega a Itália – “...está na planície, não sem ter perdido durante essa
longa marcha, seja sob os golpes dos inimigos, seja sobre as águas dos
rios, seja derivada aos precipícios e ravinas dos Alpes, um grande
número de soldados e mais ainda de cavalos e animais de carga. Enfim,
depois de cinco meses para chegar de Nova Cartago, quinze dias para
atravessar os Alpes, ele entra nas planícies cisalpinas...” (Políbio, III,
56).

*
Roma perdeu o ímpeto ofensivo que caracterizou a sua pronta
intervenção na Hispânia antes do início da marcha, agora a prioridade
é a defesa da Itália. Os próximos seis ou sete anos de guerra serão de
sucessivas vitórias púnicas, ao auge do seu poderio, cerca de 212 a.C.,
acontecerá uma progressiva e lenta quebra do rendimento do seu
exército, por motivos que serão explanados adiante, até à derrota
definitiva em 201 a.C., na batalha de Zama.
A primeira batalha na península itálica, com P. C. Cipião, foi a norte
do rio Pó, no rio Tessino, em Dezembro de 218 a.C.. Antes da batalha,
Tito Lívio põe os antagonistas a fazerem discursos e refere o terror dos
romanos face aos maus presságios: “...tinha entrado um lobo no
acampamento (...) que saiu incólume (...); um enxame de abelhas tinha
pousado numa árvore sobre a tenda do general.” (Tito Lívio, XXI, 46),
este apontamento, entre outros, confirma o que se disse acima (página
8) sobre as características da obra deste autor. Os cartagineses
venceram, “...superior em cavalaria e por isso os campos descobertos,
como são os que ficam entre o Pó e os Alpes, não convinham aos
romanos para fazer a guerra.” (Tito Lívio, XXI, 47). De registar o acto
heróico de um dos filhos de P. C. Cipião, salvou o pai depois de este ter
sido ferido, “Era este o jovem nas mãos de quem está a glória de ter
terminado esta mesma guerra, chamado o Africano por causa da
brilhante vitória sobre Aníbal e os cartagineses.” (Tito Lívio, XXI, 46)
– era o nascimento do glorioso herói romano. O que resta do exército
de Roma some durante a noite.
No mesmo mês teve lugar a segunda batalha itálica, agora a sul do Pó,
junto do rio Trébia. “Aníbal chega perto dos seus inimigos depois de
ter atravessado o Pó.” (Polibio, III, 66), também tomou pacificamente
Clastídio, para resolver os problemas de víveres, pois o exército havia
aumentado com a chegada de auxiliares gauleses. T. S. Longo estava
na Sicília lutando contra os cartagineses, com as complicações na vale
do Pó, saiu da Sicília, “...tendo partido com o seu exército para o rio
Trébia, junta-se ao seu colega.” (Tito Lívio, XXI, 51), que, entretanto,
fortificara a área. A astúcia púnica, atitude que compensou o défice
numérico, resultou e os romanos foram derrotados. (Tito Lívio, XXI,
53 a 56; Políbio, III, 68 e 69). “Espalhou-se em Roma uma tal
consternação com esta derrota, que já se suponha que o inimigo
chegaria às portas de Roma para a pôr a saque...” (Tito Lívio, XXI,
57).
Durante meio ano, os púnicos deambulam entre o Pó e a zona a
montante do rio Tibre, atacando cidades como Placência e Victúmulos
e tendo recontros de menor importância com T. S. Longo. Nas
vésperas da maior vitória púnica até então, Aníbal dominava a Gália
Cisalpina e o seu objectivo era, agora, a Itália central. Prevendo esse
desejo, os novos cônsules eleitos, C. S. Gémino e C. Flamínio,
decidiram defender os acessos à Itália central, onde contavam com
aliados mais fieis que os gauleses e com um terreno menos propício à
cavalaria cartaginesa. Adivinhava-se um embate entre as tropas de
Aníbal e de Flamínio, este novo cônsul, eleito pelo partido democrático,
não gozava de muito reconhecimento, “...renovou-se o ódio contra C.
Flamínio...” (Tito Lívio, XXII, 1).
Essa grande vitória teve lugar em 21 de Junho de 217 a.C., no lago
Trasímeno, a 200 Km de Roma. Mais uma vez a astúcia de Aníbal deu
excelentes resultados, “...já tinham chegado a um lugar próprio para
uma cilada, onde o lago Trasímeno se aproxima mais dos montes de
Cortona.”, acampa num descampado, “...oculta...” a infantaria ligeira
e a cavalaria. Flamínio e as suas forças, “...sem ter explorado o
terreno...”, dispõem-se para a batalha, sem saber “...da emboscada que
estava na retaguarda e sobre a cabeça.”, a luta foi tão intensa que os
combatentes nem sentiram um tremor de terra. O descalabro romano
foi total, depois da seguinte acusação “Aqui está o que matou as nossas
legiões...”, o cônsul C. Flamínio foi assassinado. Morreram 15000
romanos e 2500 mercenários púnicos. O horror que a notícia provocou
em Roma, mais visível no comportamento das mulheres, aumentou
com a perda de 4000 cavaleiros na Ombria face a Aníbal. Esta
hecatombe de 217a.C., gerou uma crise política, obrigando a república
a recorrer “...a um remédio que já à muito não era empregado nem
desejado, a nomeação de um ditador...”, esse cargo coube a Q. Fábio
Máximo. (Tito Lívio, XXII, 4 a 8).
Roma era já ali. Mas, na verdade, a cidade eterna era de difícil
conquista, pois tinha uma forte “entourage” de colónias que a
protegiam, estava bem fortificada (aos púnicos faltava material de
cerco) e, apesar de terem sido destruídos o equivalente a dois exércitos
consulares, restava ainda as forças da Hispânia e de C. S. Gémino
“...receando já pelas muralhas da sua pátria, para não deixara cidade
em tão grande perigo, tomou o caminho da cidade.” (Tito Lívio, XXII,
9). Por isso, o exército cartaginês optou por deambular pelo norte e
centro, entre as costas tirrena e adriática da península em busca do
mar e dos reforços que não chegavam – os romanos tentavam
empurrá-los sempre para longe da sua cidade – a fim de afastar as
populações da área da causa romana, mas uma das estratégias de Q.
Fábio Máximo era fortalecer a coesão da confederação romana,
dificultando os objectivos púnicos. A conjuntura (exposta no relatório)
militar, política e até religiosa que se seguiu (Tito Lívio, XXII, 9 a 43)
serviu de preparação para a grande batalha de Canas, notabilizada
“...com a derrota dos romanos.” (Tito Lívio, XXII, 43).
Na Hispânia, os dois primeiros anos de guerra (Tito Lívio, XXI, 59 a
61; XXII, 19 a 23), não tão negativos para os romanos como na Itália,
foram passados a tentar impedir o abastecimento de Aníbal pela
retaguarda, visto que directamente por mar era impossível dada a
superioridade naval de Roma e o facto de Aníbal não ter um porto em
seu domínio, como veremos esta estratégia iria trazer ao exército
cartaginês na Itália consequências negativas irrecuperáveis. Os Cipiões
dominavam a costa desde a foz do Ródano até à foz do Ebro. Mais uma
nota referente à cultura e mentalidades da época: depois de tomarem
uma praça hispânica, saquearam-na, mas os seus bens eram pobres,
“...mobílias toscas e escravos baratos...” (Tito Lívio, XXI, 60).

*
Em Agosto de 216 a.C., junto da aldeia de Canas, teve lugar a maior
derrota romana de toda a guerra, aquela pela qual Aníbal é ainda
estudado nas academias militares. O relato da batalha (Tito Lívio,
XXII, 44 a 50) e as consequências próximas (Tito Lívio, XXII, 50 a 61)
é uma sucessão de catástrofes romanas, atingindo o auge do
masoquismo aquando da contabilidade das perdas: “...morreram
45500 soldados de infantaria e uma porção aproximadamente igual de
cidadãos e aliados (...) ficaram prisioneiros naquele combate 3000
soldados de infantaria e 1500 de cavalaria.” (Tito Lívio, XXII, 49). As
contas actuais são mais contidas, cerca de 40000 soldados romanos e
6000 mercenários, maioritariamente gauleses, mortos e prisioneiros.
A batalha foi em terreno aberto, sem possibilidades de surpresas como
no lago Trasímeno, a frente romana, bastante mais ampla, rodeou os
cartagineses de uma tal forma que se chegou a pensar numa vitória de
Roma, mas nos flancos a cavalaria púnica venceu a sua congénere
oposta e, rodeou, por sua vez a infantaria romana viu-se encurralada
entre a cavalaria e infantaria púnicas e dissolveu-se no caos. Este é um
clássico exemplo da manobra de duplo envolvimento, forma de uma
força inferior derrotar uma superior em terreno aberto. Ambos os
cônsules morreram e Tito Lívio coloca na boca de um deles, L. Emílio,
a prioridade que se seguia: “Vai, comunica oficialmente aos senadores,
que fortifiquem a cidade de Roma e a reforcem de tropas antes do
inimigo chegar (...) perseguiu-os (...) ao cônsul cobriram-no de
dardos...” (XXII, 49).
A Aníbal restava fazer opções. Uma era atacar Roma – “...Maarbal,
general de cavalaria, diz: (...) dentro de cinco dias banquetear-te-ás
vencedor no Capitólio...” (Tito Lívio, XXII, 51) –, mas ele achou o seu
exército incapaz de fazê-lo, optou, então, mais uma vez, agora com
mais sucesso, chegar a si os aliados de Roma. Na sequência de Canas
algumas cidades, entre as quais Cápua, a segunda cidade da Itália e
um centro industrial, desertaram da aliança de Roma, “...o tempo dos
campanienses chegou, não apenas de tomar posse dos territórios
tirados pelos romanos injustamente, mas para se tornarem mestres de
toda a Itália...” (Tito Lívio, XXIII, 6). Todavia não era suficiente,
Aníbal sabia que enquanto a cidade inimiga tivesse um sistema de
alianças a apoiá-la nunca conseguiria, apesar dos êxitos militares,
derrotá-la.

*
O aspecto mais visível em Roma de desespero, mas, também de
esperança, foi o contínuo trabalho do Senado, Tito Lívio dá um
exemplo desta dicotomia: depois de um discurso inflamado, apologia
das virtudes romanas, em plena Cúria Hostília, a audiência
“...levantou-se logo uma gritaria de lágrimas da multidão que estava
no comício, e estendidas as mãos para o Senado, pedindo que lhes
restituíssem os filhos...” (XXII, 59 e 60). Q. Fábio Máximo foi eleito
cônsul e chefe do reduzido exército romano. Levou a cabo a sua
estratégia de fatigar o adversário, apoiando-se nas cidades aliadas que
não haviam desertado para o lado de Aníbal, protegendo-as de
possíveis ataques. Aníbal dificilmente levaria a cabo um cerco, pois o
seu exército estava também debilitado e receava, que a meio de tal,
surgisse Q. Fábio Máximo. Assim, Aníbal estava encurralado, apesar
da sua superioridade militar aparente, no meio da Itália, sem
conquistar a Campânia, sem acesso ao mar e sem reforços de África ou
de Hispânia. Pode-se concluir desta situação que os púnicos perderam
a guerra devido ao facto de Roma não ter entrado em colapso após
Canas.
No plano diplomático, Aníbal foi mais feliz. Fez um acordo com Filipe
V, rei da Macedónia. “A luta entre os dois povos mais poderosos da
Terra concentraram a atenção de todos os reis, mas principalmente de
Filipe, rei da Macedónia, vizinho da Itália, só o mar Jónico os
separava.” (Tito Lívio, XXIII,33). A permanência romana na Ilíria, a
aliança com Apolónia ou Epidamnos que aconteceram, como vimos, no
intervalo entre as guerras cartaginesas, não eram da simpatia de Filipe
que queria expulsar de lá os romanos, dominando ele essa zona, com o
apoio cartaginês, que suponha prováveis vencedores da guerra, em
troca dava o apoio de tropas terrestres em solo italiano, desde que
transportadas por barcos púnicos. Este pacto top secret foi descoberto
por Roma, pois uma armada romana surpreendeu os embaixadores do
outro lado do Adriático. O Senado, um dos principais responsáveis
pela vitória final, rapidamente soube deste pacto e entrou logo em
acção enviando para a Ilíria uma armada, impossibilitando o
transporte das tropas. Mais uma vez a marinha romana mostrava a
sua inequívoca superioridade.
Segundo J. Cousin (pág. 60), o comportamento dos antagonistas em
termos marítimos foi bastante desequilibrado entre eles. Os romanos
começaram a guerra com 240 barcos (20 massaliotas), entre 214 / 209
a.C., varia entre os 215 e os 235. Segundo os números dúbios dos
autores antigos, construíram em 218 / 217 a.C. 60 navios, em 214 a.C.
100 e em 208 a.C. 20. A supremacia naval de Roma não permite a
Cartago abastecer Aníbal, mas permite, por seu lado, enviar uma
armada a Hispânia, à Ilíria e abastecer-se a ela própria, por outro
lado, o exagero de frentes de combate não permite, apesar da
hegemonia, uma total vigilância, assim, a defesa de Lilibeu, da
Calábria, de Siracusa, Tarento, Brundísio, Sardenha, Ligúria
(desembarque de Magão em 205 a.C.) fica debilitada; a ofensiva de
Cipião, o africano a Útica em 203 a.C. é feita com forças reduzidas; a
vigilância das Baleares e Cartagena é deficitária, pois a armada fica-se
por Tarragona; os chefes militares no mar são os mesmos que em terra
e efémeros. Mas, mesmo com estas anomalias romanas, Cartago não
tem a força para constituir uma forte força naval, ou por causa da
desmobilização do fim do conflito anterior, ou devido à política
comercial na Hispânia, ou à difícil recruta de uma população nómada
(causa do mercenarismo). Eis, no fundo, as causas de as vitórias
terrestres de Aníbal não terem correspondido a uma vitória final.
Antes de regressar a Itália vejamos a situação na Hispânia. Os
romanos comandados pelos Cipiões consolidaram a sua situação em
África, entre 215 / 213 a.C., tomando Sagunto, Urso, Cástulo e
conquistando posições na zona argentífera da Sierra Morena, “Em
Roma, onde essa novidade foi anunciada pelas cartas dos Cipiões,
comemorou-se menos a vitória que a impossibilidade de Asdrúbal
chegar a Itália. (Tito Lívio, XXIII, 29). Em 212 a.C. os púnicos
respondem com três exércitos, comandados, cada um, por Asdrúbal,
Magão e Giscão. Em 211 a.C. os Cipiões são isolados e, traídos pelas
forças indígenas, são derrotados e mortos, uma pequena parte da
Hispânia romana é salva por L. Márcio (Tito Lívio, XXV). C. Fabião
refere menções contraditórias em relação ao ocidente peninsular em
Políbio (fragmento livro X) e em Tito Lívio (XXVI, 19), por motivos
explanados no relatório só pode confirmar esta informação em Tito
Lívio. Pelo que parece, Polibio refere que no Inverno de 210 a.C.,
Magão se instalou junto dos Cónios, o filho de Giscão, Asdrúbal na foz
do Tejo e Asdrúbal Barca na Carpetânia, sul da Meseta Central –
todos longe da área de combate, presença talvez devida a instabilidades
regionais. Tito Lívio refere Magão a norte de Cástulo, Asdrúbal Barca
perto de Sagunto (?? – era dominada pelos romanos) e Asdrúbal, filho
de Giscão, perto de Gades. Pelos motivos já referidos Políbio é mais
fiável. O actual território português não foi directamente atingido pelo
esforço de guerra, mas parece ter havido uma ruptura nas relações
com o sul.
Após a morte de Hierão II, o governo popular que lhe sucede
abandona a aliança com Roma, como o fez pouco tempo antes Cápua,
“...a aliança com Roma tinha sido rompida...” (Tito Lívio, XXIV, 6).
Roma não conseguiu renovar a aliança, faz, então, um bloqueio a
Siracusa, que Cartago tentou impedir com uma força expedicionária
comandada por Himílcone e uma armada de 55 barcos sob a ordem de
Bomílcar, chegaram a ocupar Agrigento, mas face à superioridade
romana regressaram a África. As esperanças de Aníbal puder contar
com a Sicília terminaram.
De regresso a Itália. No Inverno de 212 / 213 a.C., Tarento, o maior
porto da península, abre as portas aos púnicos, que ficam mesmo assim
sem acesso ao mar, pois na cidadela ainda resiste a guarnição romana
(Tito Lívio, XXV). Mas, toma outras cidades costeiras, como por
exemplo Metaponto. Têm, finalmente, acesso ao mar, mas de pouco
lhes serviria, pois, tirando a excepção de Locros em 215 a.C., nunca
receberam reforços, e quando estiveram mais perto de receberem
(Asdrúbal e Magão) foi via Alpes e não via Mediterrâneo. Em Tarento,
sem apoio, pois as esquadras romanas, como vimos, estavam com
excesso de trabalho (Ilíria, Hispânia, Sicília), cai a resistência, a
armada púnica mexe-se sem problemas no sul da Itália. Umas segunda
e terceira tentativas de Bomílcar socorrer Siracusa, não surtiram efeito
e Siracusa cai em 212 a.C., após três anos de cerco, às mãos de C.
Marcelo.
A presença de Roma em demasiadas frentes fragilizam-na, boa ocasião
para reforçar Aníbal, apesar do seu papel medíocre na Sicília a
armada púnica podia agora transportar as forças macedónias do
irrequieto Filipe V. Mas os romanos prevendo essa situação fazem um
acordo com a Etólia (Tito Lívio, XXVI), que entrou logo em guerra
com a Macedónia, ajudada por uma frota romana de 25 barcos. Filipe
V foi obrigado a concentrar as suas forças na luta grega, prejudicando
as ambições de Aníbal. Bomilcar podia facilmente destruir os 25
barcos e transportar os reforços, mas faltava ao almirante espírito de
ofensiva, contentando-se em bloquear Tarento.
Em 212 /211 a.C., Aníbal estava em dificuldades por falta de apoio,
ocupado no sul, perdeu Cápua (Tito Lívio, XXVI) e foi obrigado a
lutar apenas para preservar os terrenos conquistados. Mas, até a sul ia
perdendo terrenos, em 209 a.C., Fábio Máximo ocupa, graças a uma
traição, Tarento (Tito Lívio, XXVII). A tentativa desesperada de
Aníbal recuperar Cápua patenteiam bem as suas dificuldades, sem
possibilidades de cercar a cidade, dirige-se para Roma na esperança
que os romanos o seguissem, debilitando a defesa de Cápua. A
manobra de diversão não resultou e Aníbal fixa-se no Brútio até 203
a.C.. A forte esforço romano de recruta estava a dar resultados,
disponha de 25 legiões, o equivalente a 200000 soldados.
Quando abandonamos a Hispânia, esta era dominada pelos púnicos,
esta situação podia libertar tropas para reforçar Aníbal. Todavia, o
Senado, desejoso de uma política mais activa, entregara em 210 a.C., o
comando procônsular de Hispânia a P. C. Cipião de apenas 25 anos,
filho do anterior chefe que morrera lutando Asdrúbal (Tito Lívio,
XXVI). Os romanos perceberam que só vencendo aqui derrotariam de
vez Aníbal. Cipião em 206 a.C. com a rendição de Gades expulsara
para sempre os púnicos da Hispânia e afirmava o domínio romano.
logo em 209 a.C., num golpe de mestre, conquistava Cartagena, pouco
depois dominava a Sierra Morena, sustento da guerra. Em três anos de
campanhas ciclónicas o levante e sul da Ibéria era romano. Asdrúbal
após uma disputa com Cipião, em Bécula, no ano de 208 a.C.,
conseguiu esgueirar-se para norte com três exércitos e elefantes (Tito
Lívio, XXVII). Apesar dos sucessos não foi evitado o principal perigo
para Roma – a possível ajuda a Aníbal. Asdrúbal em 207 a.C. já está
no norte da Itália, auxiliado por gauleses, o objectivo é juntar os
exércitos dos dois irmãos. A inquietação em Roma é grande, os
emissários púnicos são capturados e Roma fica a par de tudo. Dois
exércitos cônsulares são organizados, cada um para um dos dois
inimigos. Ao exército de M. Lívio Salinator, o adversário de Asdrúbal,
junta-se no rio Metauro, C. Cláudio Néro, o suposto adversário de
Aníbal, que conseguiu ir com uma parte do exército dirigir-se para
norte. Assim, os dois exércitos juntos, arrasam Asdrúbal na batalha do
rio Metauro, a última grande batalha em Itália.
Aníbal inactivo no Brútio perdia a última esperança, Cipião derrota a
resistência hispano-púnica na batalha de Ilipa, Magão é obrigado a
sair da Hispânia. Assim, Cartago privada das minas e tropas
hispânicas, perdia a iniciativa e a vantagem.

*
Cipião estava-se a tornar no herói da guerra. Partiu para a Macedónia,
onde em 205 a.C. obrigou Filipe V a aceitar a Paz, Cartago perdia o
seu principal apoio (Tito Lívio, XXVI). No mesmo ano foi candidato a
cônsul, no seu programa previa um desembarque em África, esta
hipótese de guerra ofensiva e uma provável vitória definitiva rápida,
foi do agrado do povo. Cipião foi eleito. Mas, este programa não
passou sem resistência, Fábio Máximo pretendia uma Paz de
compromisso, deixando a Cartago as suas possessões africanas. Cipião
com uma visão mais imperialista pretendia, além de expulsar Aníbal
da Itália, eliminar Cartago como grande potência.
O Senado entregou-lhe a província da Sicília com autorização de
passar a África, no entanto teve sérias dificuldades em organizar e pôr
de pé a sua expedição (Tito Lívio, XXVII).
A perspectiva de uma invasão inquietou Cartago, o seu Senado acaba
por tomar algumas atitudes desesperadas: apoia Magão numa terceira
invasão a Itália e apoia directamente Aníbal. Mas, os resultados são
medíocres, Magão limitado à Ligúria acaba por ser derrotado e Aníbal
não sai do Brútio, acaba derrotado pelo cônsul Semprónio em Crotona.
Na conjuntura das alianças entre Cipião e os outros povos africanos
(ver relatório), Roma perde um apoio importante, o de Syphax, o
principal príncipe númida, mas conta ainda com Massinissa.
Em 204 a.C. Cipião desembarca em África. A missão correu mal e os
romanos acabam encurralados numa pequena península rochosa
(Castro Cornélio) pressionados por tropas púnicas e númidas
(Syphax). Cartago podia ter destruído aqui esta força expedicionária,
mas dada a conjuntura geral preferiu negociar. Esta atitude permitiu a
Cipião viver a belle époque de 203 a.C., em Abril derrotou os
africanos, em Junho aprisionou Syphax, era o fim do apoio númida a
Cartago, Massinissa recuperou os territórios que Syphax lhe tinha
tirado.
Aníbal prepara-se, 36 anos depois, para regressar a África, juntamente
com os seus 20000 homens, no Outono de 203 a.C.. Ao chegar levanta o
seu quartel de Inverno em Hadrumeto.
Dá-se, então lugar à diplomacia, em 202 a.C. Cartago aceita um
tratado de Paz humilhante: devia entregar os prisioneiros e desertores
romanos; evacuar a Itália, a Gália e as ilhas situadas entre a Itália e
África; renunciar à Hispânia; reduzir a sua frota; pagar uma
indemnização de 5000 talentos e abastecer o exército romano até à
consolidação da Paz.
Cartago ao aceitar estas condições deixava de ser uma potência
mediterrânica e passava a sê-lo apenas em África. Entretanto, as
intrigas senatoriais em Roma retardaram a ratificação do acordo, isto
deu tempo para o originar de um sentimento de desforra no espírito
púnico: juntamente com o regresso de Aníbal que deu força ao partido
da guerra em Cartago, o clima interno, de crescente escassez, era
propício a uma revolta. O clima tenso de guerra, encontrou um
pretexto para explodir num ataque a um comboio de reabastecimento
romano. A guerra recomeça, “Já não é só a África ou a Itália, é o
Universo inteiro que será a recompensa do vencedor.” (Tito Lívio),
XXX, 32).
Aníbal reúne em pleno deserto a menos de 100 Kms de Cartago, um
exército de 40000 / 50000 soldados de valor desigual, falta-lhe pela
primeira vez a cavalaria, tenta substitui-la por 100 elefantes. A batalha
começou em Zama, em Outubro de 202 a.C.. Os romanos tinham agora
a primazia na cavalaria. Aníbal colocou os elefantes em linha em frente
da infantaria e fê-los avançar como se trata-se de uma carga de
cavalaria. Mas, Cipião ao saber isso já tinha premeditado um plano, os
romanos mudaram instantaneamente de formação fazendo os elefantes
passarem pelas suas fileiras. Aníbal dependia deste primeiro ataque,
depois foi a debandada, Cipião usando muitas das tácticas de Aníbal,
fez a tradicional manobra de flanqueamento da infantaria pela
cavalaria, e venceu tão estrondosamente que fez lembrar as vitórias
iniciais de Aníbal.
Cartago rendeu-se, o novo acordo de Paz muito semelhante ao
anterior, foi agravado nalgumas questões, agora a ex-potência só podia
fazer guerra em África, com um pequeno exército, e com autorização
de Roma – era uma verdadeira cidade vassalo. O tratado foi ratificado
em Roma no ano de 201 a.C..
A Itália estava destruída, nomeadamente o sul, mas, no entanto, Roma
preparava-se para dominar o mundo.

As consequências

Este exemplo diz muito: um fosso marcava os limites do território


cartaginês, e se os púnicos o transpusessem era o mesmo que declarar
guerra a Roma. a este estado de dependência terá tentado lutar Aníbal,
mas uma denúncia obrigaram-no a ir para Oriente.
A Segunda Guerra Púnica foi um ponto de viragem na história
romana, com profundas implicações para a República. A mais
imediata foi a aquisição do Império, no espaço de cinquenta anos
Roma adquiriu a maior parte do Mediterrâneo ocidental. A República
tinha agora que ajustar as a administração, a política externa e sistema
de alianças para governar esses novos territórios.
Para isso precisava de um exército em cada um desse pontos, assim o
exército transformar-se--ia na chave do Império e teria um papel
primordial na sociedade.
A única potência que restava era a Grécia, Roma já havia lutado a
Macedónia, não tardaria iria subjugar o resto da zona. Outra ameaça
a Roma era Aníbal, ou seja, a sua memória que nunca mais largaria
Roma.
Os 14 anos que Aníbal passou em Itália foram o suficiente para a
destruir. O sul da Itália ficaria para sempre empobrecida, as cidades
destruídas, as colheitas perdidas, a quebra demográfica, o sofrimento
das populações – todas as vicissitudes pelas quais passou o homem
comum foram propositadamente esquecidas neste trabalho, mas são
tão importantes como o resto.

Cartago - Parte V
Parte V

Causas e desenvolvimento
A Terceira Guerra Púnica (149 / 146) foi curta, vistosa, mas de pouca
importância, sem o heroísmo dos conflitos anteriores, digamos que foi
desnecessária. Foi sem dúvida marcada e aí reside a sua importância,
pela destruição total e definitiva de Cartago.
Apesar de todas as penalidades e impedimentos, Cartago recuperou
economicamente, no meio do século II a.C. estava de novo florescente.
Isto não cabia bem aos senadores, pois Roma tinha adquirido uma
faixa de terra fértil em África, e muitos senadores haviam lá investido.
Cartago comerciava os mesmos produtos e era-lhes realmente inata a
capacidade de comerciar, muito melhor que a romana.
Assim, uma facção senatorial liderada por Cato, o velho agitava Roma
contra Cartago – não gostavam do seu progresso económico, meio
caminho para ambições mais altas. Mas, o mais importante, sem
dúvida é que Cartago estava a prejudicar os interesses mercantis de
Roma. Portanto, conduzidos por um homem conservador de grande
reputação, cheio de virtudes romanas, Roma facilmente cedeu ao seu
slogan “Carthago delenda est!”, que zumbia constantemente em Roma.
Roma precisava de um pretexto para atacar África e acalmar os
senadores, nomeadamente Cato. Cartago era constantemente atacada
pelas tribos vizinhas protegidas por Roma. Cartago não se atrevia a
atravessar a fronteira imposta por Roma. Mas, os danos iam ficando
cada vez mais graves – Cartago resolveu defender-se. Passou a
fronteira e atacou os maus vizinhos. O tratado de 201 a.C. tinha sido
violado.
Um descendente de Cipião, o africano, Scipio Aemilianus, típico da
nova geração de políticos romanos – ambicioso, culto, bem educado –
foi encarregue de atacar Cartago. Três anos após o início da guerra,
decorridos de uma forma louca, podendo-se até falar de anti-semitismo
romano, dadas as raízes púnicas, os cartagineses resistiam loucamente.
Após a entrada dos romanos em Cartago houve ainda uma semana de
guerra urbana.
No fim Cartago foi arrasada até aos alicerces, queimada, os habitantes
escravizados e a terra de Cartago considerada maldita, ninguém podia
mais viver lá, uma das lendas refere que a terra foi salgada para a
tornar inabitável. Eis o peso de Aníbal.

Roma em 146 a.C.

As guerras da Macedónia deram a Roma uma nova província a


Grécia, a conquista foi a melhor forma de combater os eternos
conflitos gregos. Roma possuía o que tanto admirava. A guerra da
Macedónia também acabou em 146 a.C., Roma podia lutar em
múltiplas frentes sem problemas. Era um verdadeiro poder Imperial.
Governava de uma ponta à outra do Mediterrâneo com estruturas
elaboradas para uma cidade-estado, eram necessárias mudanças
internas – era só esperar pouco mais de 100 anos.

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