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Conde de Monsaraz
LENDA DO MONTE NOVO
Ao princípio, é a própria História que nos conta o que se passou nesse ano de
1199....
A que fora esposa de D. Afonso IX entrou com passo firme, mas curvou-se
respeitosamente ante o seu pai. D. Sancho não escondeu o seu interesse. Olhou-a bem
de frente. A luz coada pelo vitral batia-lhe em cheio no rosto, extremamente pálido.
Era serena a voz do rei, mas inquieto o brilho do seu olhar. D. Teresa fingiu não
perceber essa inquietude e respondeu, com aparente serenidade:
— Perdoai-me senhor meu pai, se ouso vir falar-vos de assunto que só a vós
compete decidir...
— Não, meu pai. Bem sabeis que possuo o suficiente para mim. O que me traz à
vossa presença é algo diferente.
— Diferente?
— Sim...Trata-se de Afonso.
— Não o censuro por isso. Se Afonso me repudiou, foi só ao fim de anos de luta
interior. E bem sabeis que para esse desgraçado desfecho...muito concorreu o vosso
acordo no assento.
— Vindes agora reprovar uma medida tomada há quatro anos?(4) E bem sabeis
como o castiguei depois...
— Bem sabeis, Teresa, como esse casamento foi mal visto pelo Papa.(5)
Instigado decerto pelo rei de Castela, impôs a vossa separação...
— Então...que quereis?
— Apenas suplicar-vos que cesseis esta guerra! Igual pedido enviei a Afonso IX.
Que ao menos haja paz entre o reino de Leão e o de Portugal, já que a chaga aberta em
meu peito continua viva e sangrando!...
— Tendes razão, filha minha! Muito deveis ter sofrido no isolamento a que vos
submetestes! No torvelinho de pensamentos diversos que assaltam o cérebro de um rei,
cheguei a pensar que a ferida do vosso coração estivesse a caminho de sarar...
— Teresa!
— Senhor?
— E sabeis, Teresa, que se diz que nova excomunhão vai cair sobre Afonso IX,
se não repudiar a sua nova esposa?(6)
— Pois ide vós em paz, Teresa! Pela minha parte prometo-vos cessar a guerra
com Afonso IX de Leão. (7)
— Isolar-vos?
— Sim! Agora a minha única ambição é encontrar um local onde possa viver
longe de importunos e onde a minha recordação consiga continuar a ser viva!...
O rei aquiesceu.
— Sim! É uma total desolação. Todavia, reparai nesta vista maravilhosa e neste
ar puríssimo.
Julião insistiu:
— Onde? Mas onde havia de ser, meu bom Julião? Aqui, neste monte mór!
Dois anos passaram. E tanto bastou para que o castelo ficasse pronto. As terras
de Montemór começaram a povoar-se, descendo até ao vale. Como havia outra
povoação mais antiga também chamada Montemór, para que esta se distinguisse
daquela designaram-nas então por Montemór-o-Velho e Montemór-o-Novo. E um dia,
alguns anos mais tarde, na Primavera do ano de 1211, quando o rei D. Sancho deixou
este mundo, verificou-se que no seu testamento não esquecera a sua promessa, pois
entre as dádivas deixadas a seus filhos, netos e amigos, lá vinha mencionada vila de
Montemór para sua filha Teresa, a quem o destino marcara tão cruelmente. (9)
Assim nasceu Montemór-o-Novo, (10) cujos alicerces assentam num campo de batalha.
NOTAS E COMENTÁRIOS
(5) – O casamento –
Era o Papa Clemente III quem ocupava a cadeira de S. Pedro no ano em que achou por bem impedir que continuassem consorciados
a infanta de Portugal e o rei de Leão, por serem primos. Porém, como os cônjuges levaram cinco anos tentando fugir à cruel decisão,
só no tempo de Inocêncio III a separação se efectuou.
(2) – O repúdio de D. Teresa – Mais propriamente por motivos políticos do que pelo próximo grau de parentesco
que unia Afonso IX de Leão a D. Teresa, filha de D. Sancho I de Portugal, aquele monarca foi obrigado a repudiar a sua primeira
esposa, após cinco anos de feliz consórcio e havendo já três filhos do casal.
(10) – Montmór-o-Novo –
A antiga «Castrum Malianum» é vila, sede de concelho rural de 2ª ordem, distrito e diocese de Évora. No dia 1 de maio tem o seu
feriado municipal, com feiras anuais nos três primeiros dias desse mês. Foi teatro de muitas lutas, mas ostenta também uma folha
larga de serviços prestados à causa de Deus e ao País. É em Montmór-o-Novo que existe o célebre Hospital de S. João de Deus, que
lá nasceu, e cujo nome no século era João Cidade.
No II volume de “Topónimos e Gentílicos”, Xavier Fernandes afirma que este Montemór é o mesmo que Monte Maior e foi o antigo
Mons Maior Novus. Por seu turno, a tradição assevera que a remota Castrum malianum, de que os romanos já falam no ano de 93 da
nossa era, foi berço natal da notável Santa Quitéria, cuja origem e martírio são objecto das lendas mais díspares e inverosímeis.
Quanto ao estudo da origem do nome de Montemór, Manuel Claro faz os seguintes comentários, insertos no volume III do «Album
Alentejano (Montmór-o-Novo Histórico e Monumental)»: «O nome de Montemór tem origem nos Celtas. Contraporíamos a Bem-
Mór, que os ingleses derivam dos Celtas, Monte Grande, pois pode ter-se substituído o Bem por Monte. E quanto ao Mór, tanto dos
Celtas como dos Germanos nos poderia ter vindo, pela sua excelente situação geográfica».