Você está na página 1de 16

SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS DE DIREITO

FISCAL
PARTE GERAL

MARIA ODETE OLIVEIRA


Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto
Aulas leccionadas ao 2º ano do curso de Direito
Ano lectivo de 2022/2023
1.ºsemestre
Nota prévia

O presente texto destina-se a servir de apoio à leccionação da parte geral da Disciplina


de Direito Fiscal do curso de Direito da Universidade Lusófona do Porto. Inicialmente
elaborado no ano lectivo de 2012/2013, tem sido foi regularmente actualizado e com a
colaboração da minha “primeira colega de leccionação", Mestre Leonor Monteiro, a quem
agradeço a disponibilidade sempre manifestada e concretizada.
No presente curso a distribuição da leccionação conta com a participação da Prof.
Doutora Maria do Rosário Anjos. e com o Prof. Doutor Pedro Coutinho, cuja experiência e
conhecimentos serão contributos valiosos para futuras revisões.
A abordagem feita às matérias tem em conta o facto de muitas das temáticas terem já
sido estudadas em sede do Direito Civil, o que determina que sejam essencialmente
referenciadas as respectivas especificidades neste ramo de Direito, o facto de se tratar
de uma disciplina semestral do segundo ano da licenciatura e, ainda, o facto de o
conteúdo da disciplina como um todo comportar ainda uma parte especial, dedicada à
análise de um imposto na especialidade (o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares). A abordagem, em certos casos, breve, deve ser vista neste contexto. O
texto pretende, pois e essencialmente, servir de guião e de suporte às aulas, não
dispensando, para um maior aprofundamento das matérias, a consulta da bibliografia
aconselhada .
Os destinatários são única e exclusivamente os alunos da turma por mim leccionada.

Por opção da autora o texto foi redigido não tendo em conta o novo acordo ortográfico.
Porto, aos 02 de Setembro de 2022
Maria Odete Oliveira

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 2
Plano do curso – Parte geral

Notas prévias
Abreviaturas
Capítulo I
Direito Financeiro. Direito Tributário. Direito Fiscal. Noção e conteúdo
1 . Introdução. A actividade financeira do Estado
2 . O Direito Financeiro
3 . O Direito Tributário e o Direito Fiscal
4 . Natureza e autonomia do Direito Fiscal
5 – Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito
5.1 – Direito Fiscal e Direito Constitucional
5.2 – Direito Fiscal e Direito Administrativo
5.3 – Direito Fiscal e Direito Penal
5.4 – Direito Fiscal e Direito Processual
5.5 – Direito Fiscal e Direito Civil
5.6 – Direito Fiscal e Direito Internacional
5.7 – Direito Fiscal e outros ramos de Direito
6 – Direito Fiscal, Ciência Fiscal e Política Fiscal

Capítulo II
O imposto. Conceito. Distinção de figuras afins. Tipologias dos impostos. Principais
impostos do sistema fiscal português.
1 . O imposto – elementos essenciais do conceito.
2 . O imposto – distinção de figuras jurídicas afins
2.1 – Imposto e taxas
2.2 – Imposto e contribuição especial
2.3 – imposto e outras contribuições financeiras a favor de entidades públicas
2.4 – As Contribuições para a Segurança Social
2.5 – Imposto e empréstimo público forçado. Imposto e sanções patrimoniais. Imposto
e requisição. Imposto e apropriação pública.

3 . O Imposto – algumas classificações


3.1 – Impostos directos e indirectos
3.2 – Impostos reais e pessoais
3.3 – Impostos periódicos e de obrigação única
3.4 – Impostos de prestação fixa e de prestação variável
3.5 – Impostos proporcionais, progressivos, degressivos e regressivos
3.6 – Impostos principais, acessórios e dependentes
3.7 – Impostos estaduais e não estaduais
3.8 – Impostos fiscais e impostos extrafiscais

CAPÍTULO III
As fontes do Direito Fiscal. Categorias de normas fiscais
1. A Lei constitucional. Os princípios constitucionais do Direito Fiscal. Outros aspectos
conexos.
1.1 . O princípio da legalidade tributária e princípio da tipicidade
1.2 . O princípio da igualdade tributária
1.3 . O princípio da segurança jurídica

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 3
1.4 . O princípio proporcionalidade. A neutralidade, a eficiência e a eficácia do sistema
fiscal.
2. O Tratado da União Europeia e outras fontes produtoras de normas tributárias
comunitárias. O Direito Comunitário Fiscal.
3. A Lei
4. O decreto-lei
5. Os tratados internacionais
6. O Regulamento
7. A doutrina e a jurisprudência
8. O costume
9. O contrato.

As categorias de normas fiscais

CAPÍTULO III
A interpretação das normas fiscais
1. Introdução
2. Aspectos relevantes na interpretação das normas tributárias
2.1 . A interpretação literal
2.2. A interpretação restritiva
2.3. A interpretação económica
2.4. A interpretação funcional
3. Os critérios interpretativos constantes da Lei Geral Tributária
4. A integração das lacunas da lei

CAPÍTULO IV
A aplicação das leis fiscais no tempo e no espaço
1. A aplicação das normas fiscais no tempo
2. a aplicação das normas fiscais no espaço

Ainda passível de actualizaçõesnão revista


CAPÍTULO V
A relação jurídica fiscal
1. Caracterização
1.1. Relação jurídica fiscal e obrigação de imposto
1.2. Especificidades da relação jurídica fiscal
1.3. Os elementos da relação jurídica fiscal
1.3.1 – Os sujeitos
1.3.2 – O objecto
1.3.3 – O facto jurídico
1.3.4 – As garantias do credor

CAPÍTULO VI
O procedimento tributário
1. Introdução
2. O início do procedimento tributário. As acções preparatórias e a liquidação
3. Revisão da liquidação
4. Cobrança. Extinção da obrigação fiscal

CAPÍTULO VII

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 4
As garantias dos contribuintes

CAPÍTULO VIII
As infracções fiscais

ABREVIATURAS UTILIZADAS

CA – Contribuição Autárquica
CC – Código Civil
CIRC – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
CISSD – Código do Imposto sobre Sucessões e Doações
CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
CPPT – Código de Procedimento e Processo Tributário
CRP – Constituição da República Portuguesa
CAV – Contribuição Áudio Visual
IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis
IMT – Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis
IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
IS . Imposto de Selo
ISSD – Imposto sobre Sucessões e Doações
IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado
LGT – Lei Geral Tributária
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico
RCPIT – Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
RGIT – Regime Geral das Infracções Tributárias
RJIFA – Regime Geral das Infracções Aduaneiras
RJIFNA – Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras
Sisa – Imposto Municipal de Sisa
UE – União Europeia

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 5
CAPITULO I
Direito Financeiro. Direito Tributário. Direito
Fiscal. Noção e conteúdo

"No government can exist without taxation. This money must necessarily be levied on the
people; and the grand art consists of levying so as not to oppress.'' —

Nenhum governo pode existir sem impostos. Esse dinheiro tem, necessariamente, de ser
cobrado às pessoas ; a grande arte consiste em cobrá-lo de forma razoável e sem oprimir os
cidadãos

Frederico o Grande, Rei da Prússia, Século XVIII

1 – Introdução. A actividade financeira do Estado.

Qualquer sociedade política, e, por maioria de razão, a sociedade política


Estado, visa a satisfação de fins gerais, que diferentemente das formas
mais remotas de sociedade política, apresenta hoje uma forma complexa e
desenvolvida comummente definida através de três elementos ou
condições de existência: povo, território e poder político 1. Aliás, foi este
tipo de Estado moderno e soberano que, nascido na Europa, “se espalhou
sucessivamente por todo o mundo."

Para garantir a realização das tarefas fundamentais que lhe estão


atribuídas, e que se consubstanciam em gastos públicos nos diversos
sectores do tecido social e económico, o Estado e restantes entes de
direito público necessitam de angariar os necessários meios financeiros.
É essa actividade instrumental ou mediadora, que abrange a arrecadação
de receitas públicas e a aplicação destas na realização das despesas
públicas, que se designa de actividade financeira do Estado, a qual foi já e
detalhadamente analisada na disciplina de Finanças Públicas.

1
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional”, Tomo I, 1, 10.ª Edição, Coimbra:
Coimbra Editora, 2014, pág. 52

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 6
Trata-se, como sabemos, duma actividade mediadora ou instrumental, que
não se traduz de uma forma directa na satisfação de necessidades dos
cidadãos, antes se posicionando a montante, ou seja, assegurando as
condições para que a satisfação de tais necessidades possa ser realizada.

Assume, indiscutivelmente, a natureza de uma actividade pública, por ser


certo que, tanto na óptica dos sujeitos intervenientes e da posição
relativa destes como na vertente do objecto que lhe subjaz, a posição do
Estado e outros entes públicos por um lado e o interesse público
subjacente, por outro, são determinantes.

Na análise da actividade financeira do Estado, juntam-se, essencialmente,


diversas ciências sociais – o Direito, a Economia e a Ciência Política –
dando ao fenómeno financeiro neste contexto uma qualificação de social,
político, económico e jurídico.
Nas palavras de Maria Eduarda Azevedo, o elemento político do fenómeno
financeiro, impõe um processo socialmente organizado, em regra coactivo,
orientado para assegurar a satisfação das necessidades em função do
interesse público ou do bem comum próprio da comunidade; o elemento
económico impõe um processo orgânico de satisfação das necessidades
humanas mediante a afectação de bens económicos raros a fins
alternativos e o elemento jurídico organizado num importante conjunto
normativo, que foi progressivamente (de acordo com a evolução das
sociedades ocidentais e das sociedades contemporâneas) dando corpo a
um conjunto de princípios próprios, distintos dos de outros ramos do
ordenamento jurídico.2

2- O Direito Financeiro

O Direito Financeiro, nascido no século XVII 3, aparece, então, como o


conjunto de normas que disciplinam e delimitam os poderes do Estado ou
outros entes públicos no exercício das suas funções, essencialmente numa
dupla vertente: a angariação de receitas e a sua aplicação na cobertura
das despesas cuja satisfação deva considerar-se como competindo ao
Estado. Dito de outra forma, estamos perante o conjunto dos processos e
procedimentos de arrecadação, execução e controle do emprego dos

2
Maria Eduarda Azevedo, “Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro”, Sociedade
Editora Quid Juris, 2018, pp 13 e ss.
3
António de Sousa Franco, “Dez anos de evolução do Direito Financeiro português”, 1983,
disponível em https://portal. oa.pt

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 7
recursos públicos, todos eles girando em torno de um instituto
fundamental do Direito Financeiro que é o Orçamento do Estado. Neste se
afectam os recursos às várias necessidades colectivas, de acordo com as
opções (sobretudo de carácter político) presentes no órgão de
representação dos cidadãos (Assembleia da República), o qual é
responsável pela sua aprovação, competindo depois a respectiva execução
à Administração Pública.

Uma definição assim tão ampla não dará porém a exacta noção do âmbito
desta disciplina jurídica.
De facto, e se, pelo lado das despesas que incumbem ao Estado, o seu
carácter público é manifesto, algumas questões devem ser equacionadas
pelo lado das receitas. Será que a realidade é a mesma quando o Estado
obtém receitas através dos impostos, ou quando tais receitas são obtidas
por via de empréstimos públicos internos ou internacionais, ou até quando
as receitas do Estado resultam, por hipótese, da sua qualidade de
senhorio de imóveis arrendados, ou de sócio de empresas produtoras de
bens ou de serviços?
É que, não obstante a principal fonte das receitas públicas ser a
resultante da arrecadação de impostos, existem muitas outras cuja
natureza se apresenta bem diferente, natureza essa que não difere
substancialmente das receitas dos particulares.
Assim sendo, variados são os autores que distinguem dois tipos de
receitas estaduais: as receitas de Direito Privado, em que o Estado se
apresenta como se fora um particular, as quais ficarão sujeitas à tutela
jurídica do Direito comum, e as receitas de Direito Público, em que, pelo
facto de o Estado se apresentar como tal (munido dos seus poderes de
autoridade e não em pé de igualdade com os particulares) se justifica uma
tutela jurídica própria, basicamente resultante da necessidade de limitar
os seus poderes de actuação.

Em consequência, teremos então como âmbito do Direito Financeiro, o


conjunto de normas relativas à actividade financeira do Estado, abarcando
as relativas à arrecadação das receitas de Direito Público (Direito das
Receitas), à realização das despesas públicas (Direito das Despesas-
Direito Orçamental e da Contabilidade Pública) e bem assim as destinadas
a regular o funcionamento dos órgãos do Estado chamados ao cumprimento
dessas funções (Direito da Administração Financeira, o Direito
Administrativo Financeiro, disciplinando sobretudo a organização interna
da Administração). No Direito das Receitas, constituem subramos
importantes o Direito Fiscal, relativo ao regime jurídico dos impostos e o

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 8
Direito do Crédito Público, a regular o conjunto das operações de crédito
Público.

3– Direito Tributário e Direito Fiscal

O Direito das Receitas, que acima se caracterizou como resultante de


parcelas de rendimento que o Estado exige aos cidadãos, coactivamente,
fruto do seu poder de autoridade e soberania, aparece normalmente
designado de Direito Tributário, abarcando assim tanto as importâncias
por ele cobradas como contrapartida de serviços prestados ou outras
vantagens usufruídas pelos cidadãos como aquelas outras em que o
pagamento por estes efectuado não apresenta qualquer contraprestação
directa por parte do Estado. Impostas sem qualquer contrapartida
directa, estas últimas são designadas exactamente e apenas por impostos,
por contraposição àquelas em que existe uma contrapartida, e que se
qualificam como taxas.

Nestes termos, é habitual reservar para o Direito que se ocupa do estudo


das normas que têm por objecto os impostos a designação de Direito
Fiscal, justificada desde logo pela importância que os mesmos
representam no contexto das receitas públicas em geral e das tributárias
em particular, e também pelo facto de serem o campo em que o poder de
supremacia do Estado se manifesta de forma mais intensa. Contudo, e
amiudadas vezes se utilizam as duas designações indistintamente.

4– Natureza e autonomia do Direito Fiscal

Conceituado o Direito Fiscal como o conjunto de normas jurídicas que


criam e disciplinam a relação de imposto em todos os seus momentos,
vejamos o que se pode dizer quanto à sua natureza e autonomia.

Quanto à natureza, e embora a questão nem sempre seja pacífica, deve


entender-se que se trata de um ramo de direito público e não privado.

De facto, seja qual for o critério que utilizemos para a distinção, sempre
resultará a sua qualificação como direito público. Se o critério for o do
interesse subjacente, o carácter público do Direito Fiscal é patente, já
que são interesses colectivos ou públicos que justificam a obrigação de
imposto. Se o critério for o da posição jurídica dos sujeitos da relação
tributária, ou da qualidade em que os mesmos intervêm, neste caso na

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 9
relação jurídica fiscal, também ressalta a natureza pública deste ramo de
direito, uma vez que Estado e contribuinte não actuam em pé de igualdade,
como acontece no direito privado, antes aparecendo o Estado não como um
simples particular mas sim como ente de direito público, revestido dos
seus poderes de autoridade e soberania ou seja de ius imperii.

Outra questão é a de saber se o Direito Fiscal, ao pertencer, como se


referiu, ao sector mais vasto do Direito Financeiro (que regula o amplo
campo da actividade pública), deve ser visto como um ramo do Direito
Administrativo ou antes como um ramo de Direito autónomo.
Durante muito tempo o Direito Financeiro aparecia apenas com um
conteúdo económico, integrando-se na Economia Política. Entre nós, e
sobretudo a partir dos anos 60 do século passado o Direito Financeiro
ganhou paulatina relevância como disciplina jurídica distinta da Fazenda
Pública, do Direito Administrativo, e nele fez nascer um novo ramo de
direito designado, na vertente das receitas, por Direito Tributário ou
Direito Fiscal. Todavia, o facto de a sua origem entroncar, como se viu, na
ciência da Economia e da Fazenda Pública, faz com que, ainda hoje,
existam autores a defender a não autonomia entre o Direito Fiscal e o
Direito Administrativo.

Não obstante essas posições discordantes, tendemos a afirmar,


juntamente com a doutrina dominante, que o Direito Fiscal se assume
actualmente como um ramo de direito autónomo, já que reúne todos os
requisitos que convencionalmente se exigem para classificar uma disciplina
jurídica como autónoma.
Utilizando como critérios:
- A autonomia didáctica, traduzida por um ensino específico;
- A autonomia legislativa formal, traduzida na existência de leis
próprias;
- A autonomia substancial traduzida em princípios próprios e
distintos,

concluiremos pela autonomia do Direito Fiscal.

Do ponto de vista didáctico, para fins de ensino, a autonomia do Direito


Fiscal está fora de dúvida, sendo exemplo da mesma o presente curso, não
como uma parte, ainda que importante, no ensino das finanças publicas,
mas como objecto autónomo do ensino universitário. 4.

4
Segundo Saldanha Sanches, citando Marcelo Caetano, a crescente importância do
Direito Fiscal teve as suas consequências na reforma do ensino do direito realizada pela

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 10
No plano legislativo formal, podemos dizer hoje que existem, codificadas,
um conjunto de normas específicas do Direito Fiscal, de que assume
relevância digna de realce a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-
Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.

No plano substancial, sem dúvida o mais importante nesta sede, acontece


que o Direito Fiscal possui princípios próprios que estruturam e explicam
as normas fiscais tendo em conta uma base diferenciada em relação aos
outros ramos de direito em geral e mesmo do direito administrativo em
particular. É que no Direito Fiscal, a preocupação dominante é a
satisfação do interesse público como valor fundamental a atingir,
enquanto que no Direito Administrativo coexiste também, e em importante
escala, a preocupação pela defesa dos interesses privados, i.e. a tutela e
protecção dos particulares contra eventuais exigências abusivas da
administração pública.

5 – Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito

A autonomia do Direito Fiscal não significa, porém, que o ele não se


relacione, e de modo forte, com os outros ramos do Direito.
O fundamento do imposto, o carácter multifacetado das realidades que o
hão-de, economicamente, determinar, os processos e procedimentos que
acompanham a sua vida – desde que nasce até que se extingue a obrigação
de imposto -, a penalização pelos ilícitos cometidos em razão da sua
exigência e as garantias que devem constituir deveres fundamentais do
cidadão contribuinte, são aspectos que exigem um relacionamento próximo
entre o Direito Fiscal e muitos outros ramos de Direito.

A autonomia do Direito Fiscal há-de, pois, significar que ele possui


capacidade para criar e disciplinar os conceitos de que necessite,
moldando-os de acordo com a sua especial natureza e objecto. Todavia,
sempre que utilize conceitos que integram outro ramo de Direito, sem
para os mesmos apresentar uma específica formulação, deve entender-se
que será o âmbito que o conceito tem no ramo de Direito onde se encontra
definido que vale também em Direito Fiscal.

Lei N" 1320 de 21 de Setembro de 1922: a criação de um curso de Direito Fiscal no


terceiro ano do curso de direito, Direito Fiscal, em Lisboa, cuja a regência foi confiada
em 1924-1925, ano de aplicação da reforma a ARMINDO MONTEIRO, “Relatório sobre o
programa e conteúdo do curso de Direito Fiscal” em http://www.saldanhasanches.pt,
Fevereiro 2009, p 30..

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 11
A título exemplificativo abordaremos, de forma breve, algumas das
relações entre o Direito Fiscal e outros ramos de direito.

5.1 – Direito Fiscal e Direito Constitucional

Como mais à frente se desenvolverá, a lei constitucional contém um


conjunto de princípios com força vinculativa em sede fiscal – princípio da
legalidade e tipicidade, princípio da igualdade, princípio da anualidade e
princípio da eficiência ou eficácia do sistema fiscal, entre outros
igualmente passíveis de consideração - a significar, pois, importantes
relações entre os dois ramos de direito, naquilo que muitas vezes se
designa por “constituição fiscal”, referenciando desde logo os artigos 103º
e 104º da CRP e também o artigo 165º nº 1 alínea i).

5.2 – Direito Fiscal e Direito Administrativo

Sendo certa a autonomia do Direito Fiscal em relação ao Direito


Administrativo, isso não significa, porém, que não existam relações
estreitas entre eles.

Por um lado, sendo objectivo do Direito Fiscal a arrecadação de receitas e


a respectiva aplicação na cobertura das despesas públicas, a sua
prossecução implica uma actividade administrativa, a qual resulta
disciplinada pelo Direito Administrativo. Por outro lado, há que não
esquecer que toda a organização criada pelo Estado para dar execução ao
sistema tributário ou fiscal é de natureza administrativa, estando sujeita
aos respectivos processos e disciplina, e realizando-se através de actos
administrativos. No lançamento, liquidação e cobrança dos impostos existe
todo um processo administrativo levado a cabo pela administração pública
através dos seus órgãos e funcionários, todos eles sujeitos à disciplina
administrativa e actuando através de meios administrativos.

5.3 – Direito Fiscal e Direito Penal

As relações entre estes dois ramos de direito resultam basicamente da


disciplina da infracção fiscal, onde se faz apelo aos princípios ou regras do
Direito Penal, nomeadamente no que respeita aos fundamentos da
responsabilidade e princípios da punição.

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 12
Claro que se pode discutir se em tais situações estaremos perante um
Direito Penal Fiscal, um sector especial do Direito Penal, ou antes perante
um Direito Fiscal Penal como sector especial do Direito Fiscal.
Entendemos dever optar por esta segunda abordagem, ou seja considerar
que as normas relativas à previsão e punição das infracções fiscais devem
ser consideradas como Direito Fiscal. Isso resulta desde logo do actual
Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), recentemente aprovado
pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que abordaremos no final desta
primeira parte do curso.

5.4 – Direito Fiscal e Direito Processual

A relação resulta do facto de o lançamento, liquidação e cobrança dos


impostos implicarem processos, a cuja regulamentação são chamados os
princípios e regras do Direito Processual Civil. O mesmo se diga do Direito
Processual Penal quando estiverem em causa processos relativos a
infracções de natureza fiscal.

Tal encontra-se expresso desde logo no teor do artigo 2º do Código do


Processo e Procedimento Tributário onde se estabelece:

São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial


tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:
As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e
demais leis tributárias;
As normas sobre organização e funcionamento da administração
tributária;
As normas sobre organização e processo nos tribunais
administrativos e tributários;
O Código do Procedimento Administrativo;
O Código de Processo Civil:

Por sua vez, também o artigo 3º do Regime Geral das Infracções


Tributárias (RGIT) estabelece:

São aplicáveis subsidiariamente:


Quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código
Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar;

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 13
Quanto às contraordenações e respectivo processamento, o regime
geral do ilícito de mera ordenação social;
Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e
legislação complementar;
Quanto à execução das coimas, as disposições do Código de
Procedimento e Processo Tributário.

5.5 – Direito Fiscal e Direito Civil

Esta é uma relação muito importante. O facto de o Direito Fiscal


apresentar natureza pública não significa que lhe não sejam aplicáveis
regras de Direito Civil e nomeadamente do Direito das Obrigações.
É que a obrigação de imposto, como o próprio nome indica, é uma obrigação
que apresenta todos os elementos presentes na obrigação civil, não
obstante comportar especificidades que resultam, como se disse, da sua
natureza de obrigação ex lege configurada como relação de direito
público.

5.6 – Direito Fiscal e Direito Internacional

Devido ao acréscimo de relações entre Estados e à livre circulação de


pessoas, capitais e mercadorias dentro de espaços integrados por
diferentes soberanias, faz-se hoje recurso a inúmeras convenções e
tratados internacionais como instrumentos de regulamentação, também
ela, fiscal.
É o que acontece desde logo com as convenções destinadas a evitar ou
eliminar a dupla tributação do rendimento, que mais tarde abordaremos
neste curso.
Resulta daqui, e como não poderia deixar de ser, a necessidade de
acolhimento em Direito Fiscal de algumas normas e regras de Direito
Internacional.

5.7 – Direito Fiscal e outros ramos de Direito

Para além dos indicados existem certamente relações com os demais


ramos do direito, atendendo, como dissemos já, a que o fenómeno fiscal é
multifacetado, abrangendo realidades com conteúdo económico e em
conexão com diferentes sectores da realidade económica e social.

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 14
Quando esteja em causa a tributação dos rendimentos do trabalho, haverá
certamente que lançar mão dos ensinamentos, normas e princípios do
Direito Laboral. Do mesmo modo, o recurso ao Direito Comercial, etc., etc.

Ou seja, e reforçando a conclusão acima deixada: a autonomia do Direito


Fiscal deve ser vista, na prática, do seguinte modo:
- Pode o Direito Fiscal, quando os seus específicos interesses assim
o exijam, criar conceitos próprios que melhor se adaptem à sua natureza e
objectivos (manifestação da respectiva autonomia);
- Todavia, sempre que tal não se justifique, entender-se-á que
utilizará os conceitos e institutos utilizados nos restantes ramos do
Direito (relações do Direito Fiscal com os outros ramos de Direito).

6 – Direito Fiscal, Ciência Fiscal e Política Fiscal

O fenómeno tributário é passível de ser visto de vários ângulos.


Antes de mais, pode ser encarado como facto social, na vertente dos seus
efeitos na estrutura financeira ou económica de uma sociedade,
conduzindo o respectivo estudo à possibilidade de formular as leis causais
que o regem. Estamos no domínio da Ciência Fiscal como sector da Ciência
Financeira, que averigua as consequências do imposto sobre a vida dos
cidadãos em geral e na suas decisões económicas em particular.

É com os conhecimentos fornecidos pela Ciência Fiscal (leis económicas


relativas ao imposto), que os Estados vão estabelecer o sistema fiscal que
há-de ser implantado para atingir os fins a que eles próprios se propõem.
O estudo e determinação dos meios tributários adequados à prossecução
dos objectivos do Governo constituem o objecto da Política Fiscal. A
Política Fiscal escolhe os melhores meios, dentro das circunstâncias e
possibilidades concretas, para atingir os fins do Estado, e faz essa
escolha recorrendo aos ensinamentos da Ciência Fiscal, os quais,
obviamente, constam de formulações abstractas. A Política Fiscal assenta
numa perspectiva essencialmente concreta, dependendo das possibilidades
de cada país e da orientação política de cada Governo (a política fiscal de
um governo socialista é manifestamente diferente da de um governo
liberal de direita).
Quando o Estado põe a questão de saber se deve ou não elevar certos
impostos pelas repercussões que tal aumento possa vir a ter na actividade
económica; quando o legislador se coloca a questão de saber se é melhor

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 15
tributar o rendimento ou o consumo, ou se deve tributar rendimentos
reais ou normais, está a pôr-se questões de política fiscal.

A Ciência Fiscal olha o fenómeno tributário como facto passado.


A Política Fiscal baseia-se na Ciência Fiscal mas tem uma perspectiva de
futuro, estudando e propondo a aplicação do sistema tributário que,
dentro daquilo que ela valora como melhor, lhe permita alcançar o
resultado esperado.

Ou seja, encontrado, com base nos ensinamentos da Ciência Fiscal e


escolhido à luz das opções da Política Fiscal, o melhor sistema, ele será
imposto aos cidadãos através dum conjunto de normas jurídicas que
constituirão o Sistema Fiscal em vigor no respectivo ordenamento
jurídico.
A partir daqui reduziram-se ou mesmo cessaram as missões da Ciência
Fiscal e da Política Fiscal.

Perante problemas de interpretação das normas fiscais a Ciência e a


Política Fiscal apenas poderão ser chamadas a ajudar o intérprete a
melhor entender a norma e o seu alcance. Não serão, no entanto, motores
de decisão.
É que a Ciência Fiscal tem formulações gerais e abstractas que poderão
não se revelar adequadas para a interpretação de situações concretas com
os inúmeros factores que as influenciam. E a Política Fiscal também não
será determinante, já que desde o momento em que ela foi plasmada num
texto legal – as normas fiscais – o que passa a relevar é a interpretação
jurídica desse mesmo texto e já não aquilo que o pode ter motivado.

O que se deve concluir é que perante dúvidas na interpretação das leis


fiscais, a busca do seu verdadeiro alcance (letra e espírito da lei) deve
fazer-se por critérios jurídicos para o efeito utilizados e não apenas ou
sobretudo por critérios de ciência ou de política fiscais.

FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA- ULP - Ano lectivo 2022/2023 Maria Odete Oliveira 16

Você também pode gostar