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Tributos

em Espécie Professor: Leonardo de Andrade Costa


Colaboração: Mattheus Reis e Montenegro, Murillo Estevam Allevato Neto e Guilherme Villas Boas e Silva

GRADUAÇÃO
2018.1
Sumário
Tributos em Espécie

introdução........................................................................................................................................................3

AULA 01. CONCEITO DE TRIBUTO................................................................................................................................5

AULA 02. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS: IMPOSTOS, TAXAS, CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA,


EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO E CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS.............................................................................................36

AULA 03. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA E OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA..................................................................................63

AULA 04. TRIBUTAÇÃO SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR – II E IE..........................................................................................78

AULA 05. TRIBUTAÇÃO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS – IOF......................................................................................111

AULA 06. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE O FATURAMENTO – PIS, COFINS E PIS/COFINS – IMPORTAÇÃO..................................120

AULA 07. TRIBUTAÇÃO SOBRE OS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS: IPI..............................................................................133

AULA 08. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS – MERCADORIAS..................................................................................141

AULA 09. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS – SERVIÇOS........................................................................................157

AULA 10. TRIBUTAÇÃO SOBRE OS SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA: ISS........................................................................186

AULAs 11 e 12. TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA:


IMPOSTO SOBRE A RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – CSLL.......................................................................197

AULA 13. TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA: ASPECTOS RELEVANTES DA PESSOA FÍSICA.............................................................208

Aula 14. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO: ITBI


– IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO INTERVIVOS DE BENS IMÓVEIS...................................................................................220

AULA 15. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO: ITCMD


– IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS OU DOAÇÃO.......................................................................................226

AULA 16. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE: ITR – IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE TERRITORIOL RURAL E IPTU
– IMPOSTO PREDIAL TERRITORIAL URBANO E IPVA – IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES.....................230

AULA 17. O SIMPLES NACIONAL.............................................................................................................................249


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INTRODUÇÃO

a. Visão Geral

(i) Conteúdo da disciplina

A disciplina iniciará com a análise de elementos essenciais do Direito


Tributário, como o conceito de tributo e suas espécies. Após, passaremos
ao estudo da estrutura e elementos da norma de incidência tributária, for-
mada pelos critérios da hipótese (material, espacial e temporal) e do conse-
quente (pessoal e quantitativo), bem como a disciplina legal da obrigação
tributária prevista no Código Tributário Nacional.
Por fim, estudaremos os principais impostos e contribuições do Sis-
tema Tributário Nacional: impostos sobre o comércio exterior, importa-
ção (II) e exportação (IE), além do imposto sobre operações financeiras
(IOF), contribuições sociais sobre a receita bruta ou faturamento (PIS,
COFINS) e previdenciárias, impostos sobre o consumo, incidentes so-
bre os produtos industrializados (IPI), sobre a circulação de mercadorias,
transportes interestaduais e intermunicipais e comunicações (ICMS), ser-
viços (ISS), tributação sobre a renda (IR e CSLL); e, por fim, os impostos
incidentes sobre o patrimônio (IPTU, ITR e IPVA) e sobre a sua transfe-
rência (ITBI e ITCMD).

(ii) Abordagem

O conteúdo será estudado a partir de uma abordagem interdisciplinar


que conjugue ao estudo jurídico elementos de outras áreas de conhecimen-
to como: economia, contabilidade, ciência política e história. Além disso,
procuraremos fazer estudo de casos concretos e atuais com a finalidade de
aplicarmos os conceitos teóricos desenvolvidos ao longo da disciplina.

(iii) Premissas

A disciplina parte da premissa que o estudo da tributação não pode ser


feito através de uma abordagem exclusivamente jurídica. Assim, junta-
mente com alguns institutos clássicos da dogmática jurídica, serão trazi-
dos, ao longo do desenvolvimento do conteúdo, elementos econômicos,
políticos e sociológicos.

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(iv) Objetivos

O objetivo da disciplina é tanto estudar noções fundamentais do Direito


Tributário (como conceito de tributo e suas espécies, fontes, regras de apli-
cação, interpretação e integração das normas tributárias e regra-matriz de
incidência tributária), como fazer uma análise aprofundada dos principais
tributos presentes no sistema tributário nacional.

(v) Método Didático

A disciplina será conduzida por meio da combinação aulas expositivas,


dialogadas e o método socrático de ensino. A participação dos alunos será
amplamente estimulada, devendo o aluno deverá fazer as leituras prévias
indicadas. O conteúdo também será desenvolvido através de role plays, es-
tudo de casos e apresentação de trabalhos por parte dos alunos.

(vi) Desafios/Dificuldades

O principal desafio será aliar ao estudo do Direito Tributário, conceitos


e noções de outras áreas do conhecimento.

(vii) Formas de Avaliação

A avaliação será feita por meio de uma prova com consulta (P1), com
questões discursivas, e trabalhos a serem apresentados em sala.

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AULA 01. CONCEITO DE TRIBUTO

ESTUDO DE CASO

O Estado do Rio Grande do Sul, pelo Decreto nº 34.417/92, autorizou a


cobrança de pedágio na Rodovia Estadual RS/135. Veja-se:

Art. 1º - Fica o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem


do Estado do Rio Grande do Sul DAER/RS autorizado a cobrar um
preço, a título de pedágio, aos condutores de veículos automotores
que utilizam a Rodovia Estadual RS/135, trecho ENTRONCA-
MENTO RS/324 (P/PASSO FUNDO) - ENTRONCAMENTO
BR/153/RS (P/ERECHIM), integrante do Programa do Pedágio,
na forma do presente Decreto.

Nesse cenário, foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade no


Supremo Tribunal Federal, alegando, em suma, que a cobrança de pe-
dágio somente poderia ser instituída por lei, em estrito cumprimento ao
princípio da legalidade tributária, já que se trata de taxa, que é uma das
espécies tributárias.
O Governo do Rio Grande do Sul, ao prestar informações no processo,
defendeu a natureza jurídica de preço público do pedágio, especialmente
em face da existência de vias alternativas e da destinação do valor arreca-
dado para a conservação da própria rodovia, e a Procuradoria-Geral da
República também sustentou que seria preço público, por não se tratar de
utilização de serviço público específico e divisível e não derivar do exercício
do poder de polícia.
Na qualidade de Ministro do STF, como decidiria o caso? Trata-se de
tributo da espécie taxa ou é verdadeiro preço público? Justifique.

A) AS FUNÇÕES E CONCEITOS DE TRIBUTO

O conceito de tributo não é unívoco, pois varia de acordo com diferentes


perspectivas: histórica, política, social, econômica e jurídica, bem como em
relação ao agente que dele faz uso.
A tributação pode assumir múltiplos conceitos e funções, de acordo com os
valores e princípios maiores que se deseja por meio dela alcançar num deter-
minado período histórico. Sobre o assunto, Ricardo Lobo Torres afirma que
a atividade financeira do Estado, apesar de instrumental, “não é neutra frente TORRES, Ricardo Lobo. Curso de
1

Direito Financeiro e Tributário. Rio de


aos valores e princípios jurídicos, senão que a eles se vincula fortemente”1. Janeiro: Renovar, 2009, p.5

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Sobre a orientação do Direito Tributário por valores, Klaus Tipke


afirma que:

O Direito Tributário de um Estado de Direito não é Direito


técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por
valores. O Direito Tributário afeta não só a relação cidadão/Es-
tado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É
Direito da coletividade2.

Primeiramente, no que diz respeito às ideias e crenças no decorrer


da história, o tributo comportou múltiplos sentidos, que correspondem,
de acordo com Bouvier, “a um projeto que a sociedade, a um dado mo-
mento, atribuiu globalmente ao imposto”3. Neste sentido, a extensão e a
legitimidade do poder tributário variaram no curso dos anos, de acordo
com as teorias e interpretações dominantes de cada época. Assim, se du-
rante o século XVII, a ideia é que o tributo era devido em contrapartida
aos serviços prestados pelo Estado; a partir do século XIX, teorias sobre a
função social do tributo emergiram.
Esta situação não é diferente na América Latina e no Brasil. No iní-
cio do período colonial, o aparato fiscal instalou-se nesta região. Se, no
início, a tributação foi utilizada como um simples instrumento de arreca-
dação de dinheiro para a metrópole; com o advento dos Estados indepen-
dentes o imposto tornou-se um instrumento para políticas econômicas e
sociais, seguindo os sucessivos ciclos de produção. No meio de tudo isso,
o continente também conheceu revoltas e rebeliões contra a utilização
abusiva do tributo.  
Numa visão macroeconômica, os tributos cumprem prioritariamen-
te uma finalidade fiscal, ou seja, arrecadar recursos financeiros aos cofres
públicos. Neste sentido, os tributos ocupam um lugar central, sendo res-
ponsáveis por cerca de 80% do total das receitas no resultado nominal do
governo, conforme quadro abaixo:

2
TIPKE, Klaus, YAMASHITA, Douglas.
Justiça Fiscal e Princípio da Capacida-
de Contributiva. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 15.
3
BOUVIER, Michel. Introduction au
droit fiscal général et à la théorie de
l’impôt. Paris : LGDL, 2007, p. 14.

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RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO GERAL 2010 (*)

Natureza Governo Geral (1) Federal Estadual Municipal (**)


I. Recebimento de
Caixa por Atividades 1.383.495.939 987.875.190 452.282.378 290.810.845
Operacionais
I.1. Impostos 956.017.604 575.578.855 312.421.294 68.017.455
I.1.1. Impostos sobre
renda, lucros e ganhos 261.088.571 242.700.615 12.917.368 5.470.588
de capital
IR 213.060.361 194.672.405 12.917.368 5.470.588
CSLL 46.370.276 46.370.276 - -
Outros 1.657.933 1.657.933 - -
I.1.2. Impostos sobre a
folha de pagamento e a 12.226.541 12.226.541 - -
força de trabalho
I.1.3. Impostos sobre o
47.027.078 1.335.486 24.397.785 21.293.807
patrimônio
IPTU 16.244.630 - 400.009 15.844.622
IPVA 21.277.523 - 21.277.523 -
Outros 9.504.925 1.335.486 2.720.254 5.449.185
I.1.4. Impostos sobre
589.146.563 293.452.352 265.661.144 30.033.068
bens e serviços
IPI 37.553.815 37.553.815 - -
IOF 26.576.145 26.576.145 - -
COFINS 141.232.331 141.232.331 - -
ICMS 265.661.144 - 265.661.144 -
ISS 30.033.068 - - 30.033.068
Outros 88.090.061 88.090.061 - -
I.1.5. Impostos sobre o
comércio e as transações 21.093.347 21.093.347 - -
internacionais
I.1.6. Outros impostos 25.435.505 4.770.515 9.444.997 11.219.993
I.2. Contribuições
246.812.767 223.357.199 17.531.526 5.924.042
sociais
I.3. Doações 22.436 22.436 83.183.304 197.463.532
I.4. Outras receitas 180.643.131 188.916.700 39.146.253 19.405.816
I.4.1. Juros (2) 7.925.835 70.753.015 3.998.457 -
I.4.2. Outros 172.717.297 118.163.684 35.147.796 19.405.816
Fonte- Tesouro Nacional
(*) Não inclui as operações do Banco Central nem de empresas estatais.
(**) Grau de cobertura de 93,6% dos municípios brasileiros.
(1) O resultado consolidado exclui as transferências intergovernamentais.
(2) Calculados pelo conceito de competência (BACEN).

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Ocorre, porém, que os tributos podem igualmente ser utilizados pelo


Estado como instrumento de parafiscalidade ou extrafiscalidade, ou
seja, tanto como uma forma de intervenção na economia, como um ele-
mento chave na aplicação das políticas sociais e de redistribuição.
A este título, Machado afirma que “no mundo moderno (...) o tributo
é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada,
estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando
o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais di-
versos na economia”4. O mesmo autor elucida a diferença entre os obje-
tivos que o tributo pode assumir. Segundo ele, quanto ao seu objetivo,
o tributo pode ser

a. Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recur-


sos financeiros para o Estado.
b. Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no
domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples
arrecadação de recursos financeiros.
c. Parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos
para o custeio de atividades que, em princípio, não integram
funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de
entidades específicas5

No mesmo sentido, Giambiagi6 afirma que a política fiscal pode re-


alizar três funções principais. A primeira - função alocativa – refere-se
ao fornecimento de bens públicos. A segunda é a função distributiva,
associada à redistribuição de renda através da tributação. A última função
corresponde à estabilização, cujo objetivo é influenciar a política econô-
mica para atingir certo nível de emprego, estabilidade dos preços e taxa
de crescimento econômico. Ardant também enumera duas funções prin-
cipais dos tributos: criar os recursos necessários para o funcionamento
do Estado e assegurar o equilíbrio e a orientação da economia. Segundo
o mesmo autor, a tributação “permite também alterar a distribuição dos
rendimentos e das fortunas, quer no sentido da consolidação de privilé-
gios, quer no sentido da equalização das condições”7.
Já no que diz respeito a uma perspectiva microeconômica, a transferência 4
MACHADO, Hugo de Brito, Curso de
Direito Tributário, São Paulo: Malhei-
de recursos do privado para o público, representada pelo tributo, gera efeitos ros, 2005, p.81.

muitas vezes negativos sobre as empresas e sobre o mercado. É o que se con- 5


Ibid, p. 82.

vencionou chamar de “peso morto dos tributos”. Os tributos são vistos como GIAMBIAGI, Fabio, ALEM, Ana Clau-
6

dia, Finanças Públicas: teoria e prática


um custo no processo de produção e geração de riqueza. Assim, sob este ân- no Brasil, Rio de Janeiro, Elsevier,
2008, p.10.
gulo, há uma tendência natural do agente econômico reagir à tributação, seja 7
ARDANT, Gabriel, Théorie sociologique
pela evasão fiscal ilícita, seja pelo planejamento tributário. de l’impôt, Paris : SEVPEN, 1965.

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O conceito de tributo também pode variar de acordo com a visão do


agente que o utiliza. Assim, para o contribuinte, o tributo geralmente é visto
como algo não querido, como uma intervenção do Estado no seu patrimônio
e, sendo assim, deve ser feita nos estritos limites da lei. Ives Gandra Martins
conceitua tributo como uma “norma de rejeição social”8. Para fundamentar
esta visão, se invocam os princípios da legalidade estrita e tipicidade. Ou seja,
aquilo que não estiver estritamente previsto em lei, não poderá ser cobrado
do contribuinte a título de tributo.
Já se falarmos da visão do Estado, o tributo seria a participação de cada
um nas despesas comuns, na manutenção e no exercício das funções essen-
ciais da Administração Pública. Ligado a esta visão, estaria o princípio da
capacidade contributiva, segundo o qual cada um deve contribuir na medida
das suas possibilidades. A consequência é que, tendo o contribuinte manifes-
tado a capacidade contributiva, estaria o poder público autorizado a onerá-lo
por meio da tributação.
Nesta perspectiva, Ricardo Lobo Torres conceitua o tributo como um
“dever fundamental”:

(...) consistente em prestação pecuniária que, limitado pelas liber­dades


fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capa-
cidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo
e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para
as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é
exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de
acordo com a competên­cia específica outorgada pela Constituição9.

Assim, a relação fisco-contribuinte é por, sua natureza, marcada por um


confronto de vontades e idéias. De um lado, o contribuinte tende a ver o tri-
buto como uma interferência estatal em seu patrimônio; de outro, o tributo
representa um pilar fundamental para o funcionamento e funções do Estado.
O tributo está, assim, no meio termo entre a liberdade do contribuinte em
organizar seus negócios e a necessidade do Estado em arrecadar.
Juridicamente, o Estado tem a seu dispor o poder de instituir tributos.
Por se tratar de um Estado Democrático de Direito, este poder tributário
encontra fundamento, e limites, na lei – no caso do Brasil – prioritariamente
na Constituição Federal. A Constituição Federal do Brasil, no entanto, não
define nem institui tributos. O que a Constituição faz é escolher certos fatos
ou atos e negócios jurídicos que expressam riqueza e distribui a competência
para instituir tributos sobre estes fatos aos entes federativos (União, Estado, 8
MARTINS, Ives Gandra. Teoria da im-
Município e Distrito Federal) ou a entidades paraestatais. Assim, cada ente, posição tributária. São Paulo: LTR, 1998.

no âmbito da competência outorgada pela Constituição, deverá instituir os 9


TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
reito Financeiro e Tributário. São Paulo:
tributos respectivos. Renovar, 2003. P. 334.

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Legalmente, o tributo é definido pelo art. 3° do Código Tributário Nacional


como uma “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada me-
diante atividade administrativa plenamente vinculada”. Assim, uma vez realizado
o fato descrito na sua norma de incidência (fato gerador), estará o contribuinte
ou responsável obrigado a recolher aos cofres públicos o respectivo montante.
Interessante notar que a definição do CTN não traz menção à função ou a
destinação que será dada ao tributo. Ou seja, a legalidade do tributo não está
condicionada, a princípio10, a destinação do dinheiro arrecadado. A defini-
ção contida no art. 3° do CTN é composta, assim, de seis elementos, quais
sejam, a) prestação, b) pecuniária ou em valor que nela se possa exprimir, c)
compulsória, d) que não constitua sanção de ato ilícito, e) instituída em lei, f)
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Vejamos,
portanto, cada um desses elementos a seguir.

(a) Prestação pecuniária:

Em regra, o cumprimento da obrigação de pagar tributo deve se dar na forma


de pecúnia (dinheiro), sendo que a prestação objeto da relação jurídica tributária 10
A Constituição Federal de 1988,
é aquela “tendente a assegurar ao Estado os meios financeiros de que necessita porém, condicionou a arrecadação das
para a consecução de seus objetivos, por isto que é de natureza pecuniária”11. contribuições especiais à destinação
específica;
Desse modo, o Estado impõe ao contribuinte, por meio do exercício do 11
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
poder de império, uma prestação pecuniária, ou seja, uma obrigação12 cujo Direito Tributário. São Paulo: Malheiros,
2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69.
conteúdo se expressa em moeda, sendo importante notar, como sustenta Le- 12
Para alguns autores o tributo cons-
andro Paulsen13, que não se pode perder de vista a circunstância de que o titui um dever jurídico, pois, trata-se
de uma sujeição, inexistindo, aspecto
“tributo, necessariamente, é obrigação pecuniária voltada ao custeio das ati- volitivo na conduta.
vidades dos entes políticos ou outras atividades do interesse público”. 13
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário à luz da
doutrina e da jurisprudência. Porto Ale-
gre: Livraria do Advogado, 2007, 9ª ed.
rev. atual., p. 607.
(b) Compulsória: 14
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. São Paulo: Malheiros,
O nascimento da obrigação de pagar tributos decorre diretamente da lei 2004, 25ª ed. rev. atual. e amp., p. 69.

(obrigação ex lege) e não da vontade dos sujeitos da relação jurídica (obriga- Importante ressaltar que AMARO
15

censura a expressão “prestação com-


ção ex voluntate), ou seja, remanesce ausente o elemento voluntas no “suporte pulsória” contida no art. 3º, do CTN,
porquanto, “[...] qualificar a prestação
fático da incidência da norma de tributação”14. Assim, a manifestação de (tributo) como compulsória nada par-
vontade do contribuinte é irrelevante para o nascimento da obrigação tribu- ticulariza nem especifica. O devedor
de obrigação não tributária também é
tária, inexistindo opção entre cumpri-la ou não, visto que esta deriva da lei15. compelível a efetuar a prestação obje-
to de sua obrigação jurídica, porque o
Vale consignar, por oportuno, ao arrimo da lição de Amílcar Falcão16, que credor dessa prestação tem o direito de
não basta apenas a existência de lei para que a obrigação tributária se instaure exigi-la, coercitivamente”. AMARO, Lu-
ciano. Direito Tributário Brasileiro. São
e sim “que surja concretamente o fato ou pressuposto que o legislador indica Paulo: Saraiva, 2003, 9ª ed., p. 25.

como sendo capaz de servir de fundamento à ocorrência da relação jurídica 16


FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da
Obrigação Tributária.Rio de Janeiro:
tributária. (...) que se dá o nome de fato gerador”. Forense, 2002, 6ª ed., p. 2.

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Assim, a compulsoriedade da prestação tributária a diferencia das pres-


17
AMARO, Luciano. Direito Tributário
tações pecuniárias de caráter privado, uma vez que estas decorrem direta- Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, 9ª
mente do contrato e indiretamente da lei, enquanto a prestação tributária ed., p.21.

decorre diretamente do comando legal17. Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Cur-


18

so de Direito Tributário. São Paulo:


Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e
amp., p. 69; AMARO, Luciano. Direito
Tributário Brasileiro. São Paulo: Sarai-
va, 2003, 9ª ed, p. 20; COÊLHO, Sacha
(c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: Calmon Navarro. Curso de Direito
Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, 6ª ed., p. 692.
De acordo com o entendimento majoritário da doutrina18, a pres- 19
Ver: MACHADO, Hugo de Brito.
tação tributária é expressa em moeda 19, pois esta é a forma comum de Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e
extinção do crédito tributário. Há, entretanto, autores como CARVA- amp., p. 69 e AMARO, Luciano. Direito
Tributário Brasileiro. São Paulo: Sarai-
LHO20 e BASTOS21, que defendem que o artigo 3º, do CTN acaba por va, 2003, 9ª ed p.20.
permitir, além da criação de tributos in specie, a criação de tributos in 20
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
natura ou in labore22. de Direito Tributário. São Paulo: Sarai-
va,1993, 6ª ed., p. 21.
No entanto, repita-se, a doutrina majoritária sustenta que o conteúdo 21
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direi-
da prestação tributária é expresso em valor monetário. to Financeiro e de Direito Tributário. São
Paulo: Saraiva, 1991, p.143.
Cumpre ressaltar que a maneira através da qual o tributo é representa- 22
Hugo de Brito Machado, partidário
do é situação diferente da maneira como o tributo vai ser pago. Enquanto da tese de que no Direito brasileiro
não se admite os tributos in natura e
a representação do tributo sempre será, de acordo com o art. 3º do CTN, in labore, assim os exemplifica: Tributo
em termos pecuniários (moeda corrente), o pagamento do valor devido a in natura seria “(...) aquele estabeleci-
do sem qualquer referência a moeda.
título de tributo poderá ser feito, segundo o que dispõe o art. 156, XI do Por exemplo, um imposto sobre a im-
portação de trigo, cuja lei instituidora
CTN, incluído pela Lei Complementar nº 104/01, através da dação em determinasse que, por cada tonelada
de trigo importado o importador en-
pagamento de bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. tregaria, a título de tributo, cem quilos
Sob o fundamento de que o art. 3º, do CTN admite, inclusive, que de trigo à União”, já o tributo in labore
para o autor, “(...) seria aquele institu-
a lei possa autorizar o adimplemento da obrigação tributária mediante ído também sem qualquer referência
à moeda. Por exemplo, um imposto
dação em bens, Luiz Emygdio Rosa Junior23 consigna que com o acrésci- sobre a atividade profissional, cuja lei
instituidora determinasse que todo
mo do referido inciso XI ao art. 156 daquele diploma, eventuais dúvidas profissional liberal seria obrigado a
sobre tal possibilidade foram eliminadas, considerando que, não obstante dar um dia de serviço por mês à en-
tidade tributante”. MACHADO, Hugo
a previsão se referir, unicamente, a bens imóveis, “a dação em pagamento de Brito. Curso de Direito Tributário.
São Paulo: Malheiros, 2003, 22ª ed.
pode ter como objeto bens móveis, vez que a relação constante do art. rev. atual. e amp. de acordo com a EC
156 deve ser entendida em caráter exemplificativo e não taxativo”24. 39/2002, p. 58.
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da.
No entanto, deve-se ressalvar que a dação em pagamento, mesmo após
23

Manual de Direito Financeiro e Direito


a edição da lei complementar acima citada, não constitui a forma ordi- Tributário. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, 18ª ed. rev. e atual., p. 199-200.
nária de extinção do crédito tributário, dependendo de lei específica que 24
No mesmo sentido posiciona-se
autorize o contribuinte a pagar o tributo por meio da entrega de bem que AMARO quando assevera que o rol do
art. 156 tem natureza exemplificativa
não seja dinheiro25. e, por via de consequência, embora a
alteração promovida pela Lei Comple-
A propósito, vale registrar que o Superior Tribunal de Justiça26, quan- mentar 104/01 tenha incluído como
do do julgamento de pretensão do contribuinte em quitar débitos pró- forma de extinção do crédito tributário
a dação em pagamento apenas de bens
prios referentes ao Imposto Sobre Serviço – ISS, mediante dação de Títu- imóveis, não se deve considerar banida
a possibilidade de extinguir-se o referi-
los da Dívida Agrária, se posicionou pela impossibilidade de tal hipótese do crédito mediante a dação de outros
sem que houvesse previsão legal expressa que permitisse a extinção do bens. AMARO, Luciano. Direito Tributá-
rio Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006,
crédito por meio de dação em pagamento. 12ª ed. rev. e atual., pp. 390-391.

FGV DIREITO RIO 11


Tributos em Espécie

Fato é que, a partir da alteração promovida pela LC 104/2001, do teor


do art. 156, XI do CTN extrai-se a interpretação de que o pagamento de
tributo por meio da dação em pagamento poderá ocorrer com a oferta de
bens imóveis e na forma de lei específica. Dessa exegese sustenta-se, portan-
to, que caberia a cada ente federado regular, em função de sua autonomia,
a viabilidade ou não, da utilização do instituto da dação em pagamento
como forma de extinção do crédito de natureza tributária.
Sobre a possibilidade de um ente tributante previr dação em pagamento
de bens móveis para quitação de dívidas fiscais, o Supremo Tribunal Fede-
ral já se posicionou no julgamento da ADI 1.917/DF27, entendendo que 25
Sobre o assunto, Hugo de Brito Ma-
chado, assinala que “pode ocorrer que
tal hipótese violava o art. 37, XXI, da CR/88, eis que afasta a incidência a lei admita, em circunstâncias espe-
ciais, a extinção do crédito tributário
do procedimento licitatório, necessário à aquisição de bens pela Adminis- mediante dação em pagamento. Isto,
tração Pública. Também constituiu argumento do Pretório Excelso para porém, constituirá exceção que não
infirma a regra, mas, pelo contrário, a
vislumbrar a inconstitucionalidade da lei atacada na referida ação, o fato confirma”. MACHADO, Hugo de Brito.
Curso de Direito Tributário. São Paulo:
de que houve, sob o prisma tributário, ofensa ao art. 146, III, também do Malheiros, 2004, 25ª ed. rev. atual. e
Texto Fundamental, que exige lei complementar para o estabelecimento de amp., p. 70. Da mesma forma, convém
registrar que, mesmo não sendo a
normas gerais em matéria de legislação tributária. regra, há alguns casos, a exemplo da
previsão contida na LC . 104/01, em que
a lei permite o pagamento de tributo
mediante a dação em pagamento, v.g.
o Decreto-Lei . 195, de 24.02.67, que
(d) Que não constitua sanção de ato ilícito: disciplina a cobrança da contribuição
de melhoria e estabelece em seu artigo
12, §4º, “que é lícito ao contribuinte
O tributo não se confunde com as penalidades pecuniárias nem com liquidar a Contribuição de Melhoria
com títulos da dívida pública, emitidos
as multas fiscais, em que pese podermos classificar todos como receitas de especialmente para financiamento da
obra pela qual foi lançado”.
natureza compulsória.
Superior Tribunal de Justiça. Primeira
26

Ricardo Lobo Torres28, ao distinguir as penalidades pecuniárias e as Turma. Resp. 480.404. Rel. Min. Luiz
Fux. j. 20.11.2003. DJ 19.12.2003.
multas fiscais dos tributos, leciona que as primeiras, embora constituam
27
Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADI
prestações compulsórias, “têm a finalidade de garantir a inteireza da ordem . 1.917/DF. Relator Min. Ricardo Levan-
jurídica tributária contra prática de atos ilícitos, sendo destituídas de qual- dowski. j. 26.04.2007. DJ. 07.05.2007.

quer intenção de contribuir para as despesas do Estado”. O tributo, con- 28


TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
reito Financeiro e Tributário. São Paulo:
trariamente, “é o ingresso que se define primordialmente como destinado Renovar, 2003, p. 291.
a atender às despesas essenciais do Estado”. 29
Por todos: FALCÃO, Amílcar. Fato
Gerador da Obrigação Tributária. Rio de
Uma outra questão a ser enfrentada refere-se à possibilidade de se tribu- Janeiro: Forense, 2002, 6ª ed., pp. 42-
tar rendimentos auferidos em atividades ilícitas, mesmo não constituindo 46 e BALEEIRO, Aliomar. Direito Tribu-
tário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
o tributo, sanção de ato ilícito. 1972, 4ª ed., p. 409.

Nesse ponto, a maior parte da doutrina29 defende a aplicação do princí- 30


ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da.
Manual de Direito Financeiro e Direito
pio do pecunia non olet (dinheiro não tem cheiro), que significa que o tri- Tributário. Rio de Janeiro: Renovar,
buto deve incidir também sobre as operações ou atividades ilícitas ou imo- 2005, 18ª ed. revista e atualizada, p.
203-204. Acerca da tributação dos
rais, ou seja, a existência de ilicitude subjacente não afastará a tributação. atos ilícitos, demonstramos a posição
isolada de Misabel Derzi In BALEEIRO,
Para Luiz Emygdio Rosa Junior30, “não interessa ao intérprete da definição Aliomar (Direito Tributário Brasileiro.
legal da hipótese de incidência do tributo a natureza do objeto do ato, se lícito Rio de Janeiro: Forense, 2007) que
acredita ser a tributação do ilícito uma
ou ilícito” e mencionando o teor do art. 126, do CTN, complementa que o incoerência no sistema.

que importa para o Direito Tributário é, apenas, a verificação de que se mate- 31


Nesse sentido: STF. Primeira Turma.
HC .77.530/RS. Rel. Min. Sepúlveda
rializou a situação definida em lei como hipótese de incidência do tributo31. Pertence. j. 25.08.1998. DJ 18.09.98.

FGV DIREITO RIO 12


Tributos em Espécie

Nessa linha, importante destacar que a jurisprudência do STJ é no sentido de


que se o ato ou negócio ilícito for acidental à norma de tributação, ou seja, o
elemento contrário ao direito estiver na periferia da regra de incidência, sur-
girá a obrigação tributária com todas as consequências que lhe são inerentes.
Em sentido diverso, não se admite a mesma consequência se a ilicitude recaia
sobre elemento essencial da norma de tributação32:

4. Assim, por exemplo, a renda obtida com o tráfico de drogas deve


ser tributada, já que o que se tributa é o aumento patrimonial e não
o próprio tráfico. Nesse caso, a ilicitude é circunstância acidental à
norma de tributação. No caso de importação ilícita, reconhecida a
ilicitude e aplicada a pena de perdimento, não poderá ser cobrado o
imposto de importação, já que "importar mercadorias" é elemento
essencial do tipo tributário. Assim, a ilicitude da importação afeta a
própria incidência da regra tributária no caso concerto.
5. A legislação do imposto de importação consagra a tese no art. 1º,
§ 4º, III, do Decreto-Lei 37/66, ao determinar que "o imposto não
incide sobre mercadoria estrangeira [...] que tenha sido objeto de
pena de perdimento".
6. Os demais tributos que incidem sobre produtos importados (IPI,
PIS e COFINS) não ensejam o mesmo tratamento, já que o fato de
ser irregular a importação em nada altera a incidência desses tribu-
tos, que têm por fato gerador o produto industrializado e o fatura-
mento, respectivamente.
7. O art. 622, § 2º, do Regulamento Aduaneiro (Decreto 4.543/02)
deixa claro que a "aplicação da pena de perdimento" [...] "não pre-
judica a exigência de impostos e de penalidades pecuniárias".
8. O imposto sobre produtos industrializados tem regra específica
no mesmo sentido (art. 487 do Decreto 4.544/02 - Regulamento
do IPI), não dispensando, "em caso algum, o pagamento do im-
posto devido".
9. O depósito que o acórdão recorrido determinou fosse convertido
em renda abrange, além do valor das mercadorias apreendidas, o
montante relativo ao imposto de importação (II), ao imposto sobre
produtos industrializados (IPI), à contribuição ao PIS e à COFINS.
10. O valor das mercadorias não pode ser devolvido ao contribuin-
te, já que a pena de perdimento foi aplicada e as mercadorias foram
liberadas mediante o depósito do valor atualizado. Os valores relati-
vos ao IPI, PIS e COFINS devem ser convertidos em renda, já que
a regra geral é de que a aplicação da pena de perdimento não afeta a 32
STJ. Segunda Turma. Resp. . 984.607.
Rel. Min. Castro Meira. j. 07.10.2008. DJ
incidência do tributo devido sobre a operação. 05.11.2008.

FGV DIREITO RIO 13


Tributos em Espécie

11. O recurso deve ser provido somente para possibilitar a liberação


ao contribuinte do valor relativo ao imposto de importação.

Neste tópico, oportuna é a menção da progressividade extrafiscal do


IPTU, alcunhada coloquialmente de “IPTU-sanção”, porquanto tal exação
pode ser progressiva no tempo em virtude de sua extrafiscalidade, conforme
previsão do artigo 182, § 4º, II da CR/88, no sentido de que o IPTU poderá
ser progressivo para regular a função social da propriedade urbana. Nesse
tipo de tributação, o fim visado não é unicamente o aumento da arrecadação
tributária, mas, o desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-
-estar social,33 tarefa conferida ao Poder Público municipal, nos termos do
art. 182, caput, da Carta Política.
Esclarecemos que o aludido dispositivo permite que se imponha ao pro- 33
Anote-se que o dispositivo constitu-
prietário que não confere função social a sua propriedade o pagamento do cional referido tem o escopo de comba-
ter a denominada especulação imobi-
IPTU com alíquotas majoradas34, como forma de compeli-lo a reverter tal liária que contamina a política urbana
na medida em que os titulares de bens
conduta inadequada. Essa previsão é compatível com o artigo 3º do CTN, imóveis – “solo urbano não edificado,
eis que não configura sanção de ato ilícito e sim um incentivo ao cumpri- subutilizado ou não utilizado” – locali-
zado em área incluída no Plano Diretor,
mento da função social do imóvel, dever constitucional previsto no artigo aguardem que o Poder Público promo-
va investimentos com recursos arreca-
5º, XXIII da CR/88. dados de toda a sociedade, valorizando
os seus bens privados, para somente
depois oferecer estes mesmos bens ao
mercado, ampliando desmesurada-
mente seus ganhos. Esta conduta é,
(e) Instituído em lei: na avaliação do constituinte originário,
uma violação da função social da pro-
priedade. O problema, reconheça-se,
Em face do princípio da legalidade, consagrado no art. 150, I, da CR/88, é agravado pelo mau uso, ou pelo não
uso de outro instrumento tributário de
só a lei em sentido formal pode instituir o tributo. Acerca do tema, BRITO extrema justiça que é a contribuição de
melhoria, hoje praticamente abando-
MACHADO35 assinala que “sendo a lei a manifestação legítima da vontade nada no Brasil.
do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser ins- 34
A Lei . 10.257/01 (Estatuto da Cida-
de), regulamentou o dispositivo acima,
tituído em lei significa ser o tributo consentido”. permitindo que os municípios editas-
Em regra, os tributos são instituídos mediante a edição de lei ordinária. sem leis próprias que realizam esta
interface entre o direito urbanístico e
Entretanto, em alguns casos, o legislador constitucional condiciona a insti- a tributação para o reinforcement do
postulado da função social da proprie-
tuição do tributo à edição de lei complementar. É o que ocorre, por exem- dade. Em síntese, o Estatuto da Cidade,
fixou as seguintes condições de imple-
plo, com o empréstimo compulsório (art. 148, CR/88), com o imposto de mentação das normas tributárias indu-
competência residual da União (art. 154, I, CR/88) e com as contribuições toras de conduta mencionadas pelos
titulares das competências tributárias:
sociais residuais (art. 195, § 4º, CR/88). (i) descumprimento dos deveres esta-
belecidos no art. 5º, do Estatuto; (ii)
Registre-se que a lei, independentemente do rito formal legislativo a que majoração de alíquotas pelo prazo de
esteja subordinada, deve conter todos os elementos capazes de identificar a 5 (cinco) anos; (iii) limitação de acrés-
cimo de valor até o máximo correspon-
hipótese de incidência em todos os seus aspectos, ou seja, precisa (i) descrever dente ao dobro da alíquota vigente no
ano anterior; (iv) limitação ao máximo
o fato tributável; (ii) definir a base de cálculo e alíquota, ou qualquer outro de alíquota em 15 % (quinze por cento)
do valor venal do imóvel; (v) vedação à
critério que servirá para a apuração do valor do tributo; (iii) estabelecer quem concessão de isenções ou anistia relati-
figurará como sujeito passivo da obrigação tributária; assim como (iv) indicar vas à tributação progressiva extrafiscal.

o sujeito ativo da relação obrigacional, caso este seja diverso da pessoa jurídi- 35
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. São Paulo: Malheiros,
ca da qual a lei seja expressão de vontade. 2005, 26ª ed. rev. atual. e amp., p. 53.

FGV DIREITO RIO 14


Tributos em Espécie

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que a Me-


dida Provisória, por ter força de lei, também supre a exigência constitucio-
nalmente firmada, como, entre outros, no RE-AgR 511581 e no julgamen-
to da medida cautelar na ADI-MC 1417-DF36.

ADI-MC 1417/DF
EMENTA: - 1. Medida Provisória. Impropriedade, na fase de jul-
gamento cautelar da aferição do pressuposto de urgência que envol-
ve, em última analise, a afirmação de abuso de poder discricionário,
na sua edição. 2. Legitimidade, ao primeiro exame, da instituição de
tributos por medida provisória com força de lei, e, ainda, do come-
timento da fiscalização de contribuições previdenciárias a Secretaria
da Receita Federal. 3. Identidade de fato gerador. Arguição que per-
de relevo perante o art. 154, I, referente a exações não previstas na
Constituição, ao passo que cuida ela do chamado PIS/PASEP no art.
239, além de autorizar, no art. 195, I, a cobrança de contribuições
sociais da espécie da conhecida como pela sigla COFINS. 4. Liminar
concedida, em parte, para suspender o efeito retroativo imprimido, a
cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da M.P. no 1.325-96.

A decisão foi confirmada no julgamento definitivo da ADI 1417-DF37,


que possui a seguinte ementa:

ADI 1417/DF
EMENTA: Programa de Integração Social e de Formação do Patri-
mônio do Servidor Público - PIS/PASEP. Medida Provisória. Supe-
ração, por sua conversão em lei, da contestação do preenchimento
dos requisitos de urgência e relevância. Sendo a contribuição expres-
samente autorizada pelo art. 239 da Constituição, a ela não se opõem
as restrições constantes dos artigos 154, I e 195, § 4º, da mesma
Carta. Não compromete a autonomia do orçamento da seguridade
social (CF, art. 165, § 5º, III) a atribuição, à Secretaria da Receita
Federal de administração e fiscalização da contribuição em causa. In- 36
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 1417-MC, Tribunal
constitucionalidade apenas do efeito retroativo imprimido à vigência Pleno, Rel. Min. Octavio Galotti.
da contribuição pela parte final do art. 18 da Lei nº 8.715-98. Julgamento em 07.03.1996. Brasília.
Disponível em: < http://www.stf.jus.br.
Acesso 13.01.2015. Decisão unânime.
37
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 1417, Tribunal Pleno,
(f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: Rel. Min. Octavio Galotti. Julgamento
em 02.08.1999. Brasília. Disponível em:
< http://www.stf.jus.br >. Acesso em
Cobrança, como nos esclarece PIRES38, “é a exigência feita ao sujeito 13.01.2015. Decisão unânime.

passivo para que ele cumpra a sua obrigação tributária, recolhendo aos 38
PIRES, Adilson Rodrigues. Manual
de Direito Tributário. Rio de Janeiro:
cofres públicos a importância relativa ao crédito tributário constituído”. Forense, 1997, 10ª ed., 4ª tir., p.21.

FGV DIREITO RIO 15


Tributos em Espécie

Assim, o fato de ser qualificada pelo CTN como atividade plenamente vin-
culada determina que esta cobrança seja realizada em total obediência aos
preceitos normativos que a disciplinam, de modo que se há um comando
legal determinando a realização da cobrança de tributo em face da ocorrên-
cia de um fato gerador, não resta ao Administrador Público outra alterna-
tiva senão cobrar o tributo, ou seja, inexiste, in casu, qualquer margem de
discricionariedade.
Por fim, os tributos são submetidos a diversas classificações pela doutri-
na brasileira. Vejamos as principais delas.

• Quanto à espécie: conforme veremos a seguir, os tributos podem ser


classificados em impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo
compulsório e contribuições especiais;

• Quanto à competência: a competência é a aptidão outorgada pela CF/88


para instituir tributos. Assim, os tributos podem ser federais, se a compe-
tência for da União, estaduais, se foi outorgada aos Estados e municipais se
pertencem aos Municípios;

• Quanto à vinculação do fato gerador a uma atividade estatal: os


tributos podem ser vinculados – quando o fato gerador se refere à uma
atividade estatal especifica e relativa ao contribuinte, como por exemplo,
as taxas e a contribuição de melhoria; ou não vinculados, quando o fato
gerador for uma atividade do contribuinte, como no caso dos impostos e
contribuições especiais;

• Quanto à vinculação do produto da arrecadação – tributos com ar-


recadação vinculada – aqueles em que o produto da arrecadação deve ser
aplicado à finalidade que deu origem ao tributo, ex: contribuições especiais
e tributos com arrecadação não vinculada são aqueles em que o valor ar-
recadado não precisa ser aplicado a nenhuma finalidade estabelecida, ex:
taxas e impostos.

• Quanto à função: Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecada-


ção de recursos financeiros para o Estado. Extrafiscal, quando seu objetivo
principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito
diverso da simples arrecadação de recursos financeiros. Parafiscal, quando
o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que,
em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desen- 39
MACHADO, Hugo de Brito, Curso de
Direito Tributário, São Paulo: Malhei-
volve através de entidades específicas39. ros, 2005, p. 82.

FGV DIREITO RIO 16


Tributos em Espécie

• Quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômico: os


tributos podem ser diretos ou indiretos. Diretos são os tributos que não
admitem repassar o encargo econômico a terceiros, ou seja, quem efetua
a arrecadação aos cofres públicos é a mesma pessoa que paga efetivamen-
te o tributo, ex. IPTU, IPVA, IR, taxas, etc. Já os tributos indiretos são
aqueles que admitem o repasse do encargo econômico do tributo, ou seja,
a pessoa responsável em recolher o tributo aos cofres públicos (sujeito
passivo), não é a mesma que efetivamente suporta o ônus econômico do
tributo, como no caso do ICMS, em que o sujeito passivo é o comercian-
te, mas quem paga efetivamente o tributo é o consumidor final, pois o
valor relativo a este imposto é repassado ao consumidor juntamente com
o preço da mercadoria.

• Quanto aos aspectos objetivos ou subjetivos da hipótese de incidência:


serão reais os tributos que estão relacionados com uma coisa, objeto, tais
como o ICMS, IPTU, IPVA, sem levar em consideração características
pessoais do contribuinte. Já os tributos pessoais levam em consideração
aspectos pessoais, subjetivos do contribuinte, tal como o IR, que considera
características pessoais do contribuinte na sua incidência.

1.1 A Diferença entre os Tributos e as demais Receitas Públicas

O Direito Tributário é um sub-ramo do Direito Financeiro, constituindo


hoje um campo específico e autônomo da ciência jurídica. Assim, o direito
financeiro compreende, consoante a lição de Aliomar Baleeiro40:

[...] o conjunto das normas sobre todas as instituições financeiras


– receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal – ao passo
que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se con-
temporaneamente e a despeito de qualquer contraindicação etimo-
lógica, ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula
precipuamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ati-
vo, e o contribuinte, ou terceiros como sujeitos passivos.

É importante notar que a arrecadação dos tributos constitui um dos prin-


cipais instrumentos para a consecução dos objetivos políticos e econômicos
do Estado. No entanto, ao lado das receitas tributárias, existem outros ingres-
sos financeiros igualmente importantes para o desenvolvimento do Estado,
como os preços públicos, as compensações financeiras, ingressos comerciais, 40
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributá-
rio Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
além daqueles ingressos decorrentes do pagamento de multa. 2000, 11ª ed., p. 5.

FGV DIREITO RIO 17


Tributos em Espécie

A atividade financeira exercida pelo poder público – parcela emanada de


sua soberania – caracteriza-se como o “conjunto de ações do Estado para a
obtenção da receita e a realização dos gastos para atendimento das necessida-
des públicas”, em que procura captar, gerir e despender recursos em favor da
promoção do próprio interesse público41.
O conceito de receita, não obstante remanescer umbilicalmente ligado ao
de ingresso, com ele não se confunde, isto porque, os ingressos nada mais são
do que recursos que entram nos cofres do Estado a qualquer título, de forma
que todo e qualquer recurso que passa a integrar o Erário, condicionado ou
não à devolução futura, vinculado ou não à despesa anterior, receberá a defi-
nição de mera entrada, simples ingresso ou movimento de fundo42.
Desta forma, ingresso se traduz por qualquer recurso que se adiciona aos
cofres do Estado, mas que não agregará qualquer elevação ou aumento de
divisas, representando mera operação temporária de incremento, enquanto
receita, por seu turno, corresponde a espécie do gênero ingresso, majorando
tais valores em caráter permanente e de forma nova, como ocorre, v.g., com
doações ao poder público e com os tributos43.
Conforme Ricardo Lobo Torres44, as receitas se classificam como originá-
rias e derivadas, sendo estas as que advêm da economia privada – representa-
das por tributo, ingressos parafiscais e multas – e aquelas as que decorrem da
exploração do patrimônio público, v.g. compensações financeiras, ingressos
comerciais e preços públicos.
As receitas derivadas decorrem do exercício do poder de império, de for-
ma que o Estado passa a exigir, na qualidade de poder público, a transferên-
cia compulsória de parte do patrimônio do particular para o Erário. 41
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
reito Financeiro e Tributário. São Paulo:
A seguir, serão abordadas cada uma das espécies de receitas originárias: Renovar, 2003, p. 3.
preços públicos, compensações financeiras e ingressos comerciais. 42
Como exemplos, podemos citar a
captação de recursos pelo governo
federal junto ao Fundo Monetário
Internacional, vez que tem a natureza
de ingresso porquanto o empréstimo
(a) Preço público: deverá acarretar a devolução futura,
ou mesmo a ação de perdas e danos
julgada procedente em face de moto-
O conceito de preço público, como nos esclarece Ricardo Torres45, rista causador de dano ao Erário, que
será ingresso já que se trata de recurso
condicionado a uma despesa anterior.

[...] pode ser sintetizado como a prestação pecuniária que, não sendo 43
Neste sentido, BALEEIRO consigna
que: “receita pública é a entrada que,
dever fundamental nem se vinculando às liberdades fundamentais, é integrando-se ao patrimônio público
exigida sob a diretiva do princípio constitucional do benefício, como sem quaisquer reservas, condições ou
correspondência no passivo, vem acres-
remuneração de serviços públicos inessenciais, com base no dispositi- cer seu vulto, como elemento novo e
positivo”. BALEEIRO, Aliomar. Uma In-
vo constitucional que autoriza a intervenção no domínio econômico. trodução à Ciência das Finanças. Rio de
Janeiro: Forense, 1987, p. 116.

Como é possível notar, é muito tênue a linha que separa o conceito de TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
44

reito Financeiro e Tributário. São Paulo:


preço público do conceito de taxa de serviço, na medida em que ambos pos- Renovar, 2003, p.166.

suem um caráter contraprestacional, de remuneração ao Estado pela presta- 45


TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
reito Financeiro e Tributário. São Paulo:
ção de serviços públicos. Renovar, 2003, p.169.

FGV DIREITO RIO 18


Tributos em Espécie

Existe notável dificuldade em distinguir as taxas dos preços públicos. Po-


de-se até dizer que o problema da discriminação entre as taxas e as contra-
prestações de direito privado é um dos mais delicados do direito financeiro.
Sobre o tema, Bernardo Ribeiro Moraes46 discorre que:

O essencial para o conhecimento do preço público, [...] “é saber a


opção política do Poder Público, qual regime jurídico adotado pelo
legislador para o custeio da atividade estatal, pois uma mesma ativi-
dade pode ser custeada tanto por preço público como por tributo”.
Diante do problema nitidamente político, por estar na opção do
legislador a escolha do tipo de desinvestimento, o Ministro Victor
Nunes Leal, salientou, em palavras dignas de relembrança: “o pro-
blema fundamental não é dizer se é taxa ou não é taxa”, mas, sim,
“determinar de que natureza vai ser explorado determinado serviço”.

A fim de solucionar tal questão, foram propostos os mais diversos critérios.


Analisaremos, em seguida, a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição de
1946, editou o Enunciado 545 da súmula da jurisprudência predominante
nos seguintes termos:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque es-


tas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança
condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei
que as instituiu.

Como se vê, o critério utilizado pela Corte foi o da compulsoriedade.


Posteriormente, em outra decisão proferida pelo Pretório Excelso, em que 46
MORAES, Bernardo Ribeiro. Com-
pêndio de Direito Tributário. Rio de
se discutia a respeito da natureza da prestação cobrada pela Companhia Mu- Janeiro: Forense, 2002, ed. rev. aum.
nicipal de Limpeza Urbana (COMLURB) do Rio de Janeiro, pela remoção e atual., p. 310.

do lixo dos prédios situados no Município, adotou-se um novo critério, consi- 47


STF. Pleno. RE . 89.876/RJ. Rel.
Min. Moreira Alves. j. 04.09.80. DJ
derando deficiente aquele esposado pela Súmula 545. A Corte Constitucional 10.10.80. Registre-se que Flávio Bauer
Novelli representou o Município do Rio
destacou que é importante verificar se a atividade concretamente executada de Janeiro, como seu procurador, de-
pelo Poder Público configura um serviço público ou não. A premissa adotada fendendo a natureza de preço público
da remuneração devida em razão do
foi a seguinte: onde houver serviço público, necessariamente haverá taxa, ine- serviço de remoção de lixo.

xistindo opção de o poder público cobrar preço público pela sua prestação47. 48
Criticando esse novo parâmetro
adotado pelo STF, vide: NOVELLI,
Flavio Bauer. “Apontamentos sobre o
conceito jurídico de taxa”. In Revista
Assim, o critério de distinção está na natureza do serviço prestado de Direito Administrativo. Rio de Ja-
que, sendo “propriamente” público, leva necessariamente à conse- neiro: Renovar, 1992, vol. 189, p. 22.
Para demonstrar a árdua tarefa de se
quência de a remuneração ser por taxa e não por preço público. Em distinguir as taxas dos preços públicos
e a verdadeira Babel de enfoques no
verdade, tal critério ainda é alvo de críticas, persistindo, assim, a tema, vale conferir: FERNANDES DE
busca por um critério científico suficientemente preciso e objetivo, OLIVEIRA OLIVEIRA, Regis Fernandes
de. Receitas Públicas Originárias. São
que possa distinguir os dois institutos em estudo48. Paulo: Malheiros, 1994, pp. 104 e 105.

FGV DIREITO RIO 19


Tributos em Espécie

A preocupação da doutrina se justifica na medida em que se equivoca-


damente se chama de “preço público” o que, em verdade, é “taxa”, isso
ocasiona a instituição de um “novo tributo”, sem que esse “novo tribu-
to” esteja obrigado a se submeter ao regime constitucional tributário.

Não obstante, o critério distintivo da compulsoriedade/voluntariedade


foi retomado quando o STF definiu a contraprestação paga pelo forneci-
mento de energia elétrica como um preço público49.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI
800-RS50, em decisão plenária proferida por unanimidade de votos, consig-
nou que o “pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas
pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final,
do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa,
mas sim de preço público”.
Em seu voto, o Ministro Relator destacou que o critério da compulsori-
dade vem sendo utilizado historicamente pela Corte Suprema para definir a
questão, ressaltando, inclusive, que esse foi o critério para determinar que o
fornecimento de água é serviço remunerado por preço público51.
Destaque-se, por fim, que o STJ entende que a contraprestação cobrada
por concessionárias de água e esgoto tem natureza jurídica de preço públi-
co52. Nessa linha, em julgamento53 pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos
– Lei 11.672/2008 – a Primeira Seção do mesmo STJ consolidou o enten-
dimento de que a contraprestação pelos serviços de água e esgoto não possui
caráter tributário por ter natureza jurídica de tarifa ou preço público e que
sua prescrição é regida pelo Código Civil.
Também o Supremo Tribunal Federal tem decidido nesses termos, confor-
me revela o teor do julgado proferido no Recurso Extraordinário 518.25654:

A remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por conces-


sionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubs-
tanciando, assim, contraprestação de caráter não-tributário, razão
49
STF. Pleno. Recurso Extraordinário
pela qual não se subsume ao regime jurídico tributário estabelecido 541.511. Pleno. Relator: Ministro
para as taxas. (Precedentes: RE n. 447.536-ED, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. Rio Grande do
Sul, 22 de abril de 2009. In: DJ, 26 de
Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 26.08.05; AI n. 516.402- junho de 2009.
AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 50
STF. Pleno. ADI 800-RS. Relator Min.
Teori Zavascki, Julgado em 11.06.2014
21.11.08; RE n. 544.289-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewan- 51
STF. 1ª Turma, RE 201630. Rel. Min.
dowski, Primeira Turma, DJe de 19.06.09; AI n. 765.037, Relator Ellen Gracie, Dj de 02/08/2002
o Ministro Dias Toffoli, DJe de 15.09.11; AI n. 765.696, Relator o 52
EREsp 690.609-RS, Rel. Min. Eliana
Ministro Gilmar Mendes, DJe 07.10.11; RE n. 637.132, Relator o Calmon, julgados em 26.3.2008, DJ
07.04.2008.
Ministro Marco Aurélio, DJe de 03.08.11; RE n. 509.167, Relator 53
STJ. Primeira Seção. REsp 11170903/
o Ministro Dias Toffoli, DJe de 28.04.11; AI n. 825.216, Relator o RS. Rel. Min. Luiz Fux. j. 09.12.2009.
DJe: 01.02.2010
Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 14.04.11; RE n. 486.306, 54
STF. RE 518256/RS. Rel. Min. Luiz
Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 02.02.11, entre outros). Fux. j. 15.12.2011. DJe 02.02.2012.

FGV DIREITO RIO 20


Tributos em Espécie

(b) Compensações financeiras:

De acordo com o art. 20, § 1º, da CR/88, a compensação financeira


(regulada pela Lei Federal 7.990, de 28.12.89) – ingresso patrimonial que
tem natureza de receita originária – é devida aos Estados, Distrito Federal,
Municípios e órgãos da administração direta da União em decorrência da
exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de gera-
ção de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva. Sérgio
Honorato dos Santos55 afirma que:

Os royalties constituem compensação financeira devida, princi-


palmente, a Estado, Distrito Federal, Municípios pelos concessio-
nários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão
pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês
em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedadas
quaisquer deduções.

As compensações financeiras são devidas, portanto, pelos concessioná-


rios de exploração e produção de petróleo ou gás natural em razão da perda
dos recursos naturais encontrados em seus territórios, tendo, nesse caso,
natureza indenizatória56.
Outra justificativa para o pagamento das compensações financeiras
decorre das “despesas que as empresas exploradoras de recursos naturais
causam aos poderes públicos, que se vêem na contingência de garantir a
infraestrutura de bens e serviços e a assistência às populações envolvidas em 55
SANTOS, Sérgio Honorato dos. Royal-
atividades econômicas de grande porte (...)”57. ties do Petróleo à luz do Direito Positivo.
Rio de Janeiro: ADCOAS, 2001, p. 31.
No que se refere ao petróleo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, 56
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Di-
Luís Roberto Barroso, em artigo acadêmico sobre o tema, apresenta estudo reito Financeiro e Tributário. São Paulo:
Renovar, 2003, p. 171.
sobre as compensações financeiras de que trata o art. 20, § 1º, da CR/88 57
TORRES, Ricardo Lobo.Ob. cit.,p. 171.
nos seguintes termos58: 58
BARROSO, Luís Roberto. Federalismo,
isonomia e segurança jurídica: inconsti-
tucionalidade das alterações na distri-
Passa-se, agora, à interpretação sistemática, pela qual a norma jurídica buição de royalties do petróleo. p.14-16.

deve ser interpretada dentro do contexto normativo como um todo. 59


Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso
sobre a interpretação/aplicação do
Não se interpretam normas isoladamente, sem fazer as conexões Direito, 2002, p. 34: “Não se interpreta
o direito em tiras, aos pedaços. A in-
com o ordenamento jurídico, em cujo ápice está a Constituição59. A terpretação de qualquer texto de di-
reito impõe ao intérprete, sempre, em
Constituição tem uma unidade interna e, além disso, é responsável qualquer circunstância, o caminhar
pela unidade geral do sistema. No ponto aqui relevante, deve-se pelo percurso que se projeta a partir
dele do texto – até a Constituição. Um
assinalar que o art. 20, § 1º deve ser lido em conjunto com outras texto de direito isolado, destacado,
desprendido do sistema jurídico, não
normas que afetam o ciclo econômico da produção do petróleo. expressa significado algum”.

FGV DIREITO RIO 21


Tributos em Espécie

Merece destaque, para os fins visados nesse estudo, a disciplina do


imposto sobre circulação de mercadorias, especialmente o art. 155,
§ 2º, X, b, também da Constituição2360. É possível afirmar que a
regra geral, em relação a esse tributo, é o seu pagamento na origem,
isto é, no Estado onde se dá a saída da mercadoria do estabelecimen-
to comercial2461. Todavia, o dispositivo acima destacado cria, em
relação ao petróleo – e, também, à energia elétrica –, uma exceção: o
ICMS, nesse caso, é pago no Estado de destino do produto. Como
já apontou o STF, essa disciplina foi criada para beneficiar o “Estado
de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o
ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo”2562.
22. Tal sistemática, em relação ao petróleo, se deveu ao fato de que 60
23 CF/88, art. 155, § 2º: “O imposto
os Estados produtores, em lugar da tributação do ICMS, receberiam previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao
seguinte: (...) X – não incidirá: (...) b)
royalties e participações especiais, nos termos do art. 20, § 1º. Uma sobre operações que destinem a outros
Estados petróleo, inclusive lubrifican-
coisa, então, compensaria a outra. Também esse aspecto já foi abor- tes, combustíveis líquidos e gasosos
dado pelo STF. Confira-se, a propósito, o trecho abaixo transcrito, dele derivados, e energia elétrica”.

extraído do voto do Ministro Nelson Jobim, que, baseado em sua 61


24 LC nº 87/96, art. 11: “O local da
operação ou da prestação, para os efei-
atuação como deputado constituinte, explicitou a conexão necessá- tos da cobrança do imposto e definição
do estabelecimento responsável, é:
ria – e deliberada – entre os dois dispositivos: I - tratando-se de mercadoria ou bem:
‘Daí por que preciso ler o § 1º do Art. 20, em combinação com o inciso a) o do estabelecimento onde se encon-
tre, no momento da ocorrência do fato
X do art. 155, ambos da Constituição Federal. gerador; b) onde se encontre, quando
em situação irregular pela falta de
O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações documentação fiscal ou quando acom-
panhado de documentação inidônea,
que se destinassem a outros estados – petróleo, inclusive lubrificantes, como dispuser a legislação tributária;
combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica –, ou seja, c) o do estabelecimento que transfira a
propriedade, ou o título que a represen-
tirou-se da origem a incidência do ICMS. te, de mercadoria por ele adquirida no
País e que por ele não tenha transitado;
(...) Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da d) importado do exterior, o do estabe-
lecimento onde ocorrer a entrada física;
origem e se dá aos estados uma compensação financeira pela e) importado do exterior, o do domicílio
perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do art. 20 (...)’ (negrito do adquirente, quando não estabele-
cido; f) aquele onde seja realizada a
acrescentado)2663. licitação, no caso de arrematação de
mercadoria ou bem importados do
23. É possível cogitar que o constituinte derivado pudesse – se se exterior e apreendidos ou abandona-
entendesse que isso não viola o princípio federativo, cláusula pétrea dos; (Redação dada pela LC nº 114,
de 16.12.2002) g) o do Estado onde
constitucional – modificar tal arranjo, alterando o equilíbrio estabe- estiver localizado o adquirente, inclu-
sive consumidor final, nas operações
lecido no texto original. Mas o legislador ordinário, por certo, não interestaduais com energia elétrica e
petróleo, lubrificantes e combustíveis
pode desfazer o sistema concebido pelo constituinte para a matéria. dele derivados, quando não destinados
Em suma: o art. 20, § 1º, da Constituição Federal garante o direi- à industrialização ou à comercialização;
h) o do Estado de onde o ouro tenha
to de participação ou de compensação aos Estados e Municípios sido extraído, quando não considerado
como ativo financeiro ou instrumento
produtores. Isso não quer dizer que os demais Estados-membros e cambial; i) o de desembarque do pro-
Municípios não possam receber qualquer parcela, mas apenas que a duto, na hipótese de captura de peixes,
crustáceos e moluscos”.
decisão por distribuir seria uma opção política da União, que pode 62
25 V. STF, DJ 5.set.2000, RE 198088/
repartir como quiser o seu próprio quinhão. O que ela não pode SP, Rel. Min. Ilmar Galvão.

fazer é ceder o que não lhe pertence, atribuindo a outros Estados e 63


26 STF, DJ 19.dez.2003, MS 24312/
DF, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie (trecho do
Municípios aquilo que cabe apenas aos produtores. voto do Min. Nelson Jobim).

FGV DIREITO RIO 22


Tributos em Espécie

Na citada decisão do STF (MS 24312), a Corte se posicionou no se-


guinte sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO CONCRETO. CABI-


MENTO. EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO, XISTO BETU-
MINOSO E GÁS NATURAL. PARTICIPAÇÃO, EM SEU RE-
SULTADO, DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNI-
CÍPIOS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, § 1º. COM-
PETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO PARA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO
DOS RECURSOS ORIUNDOS DESTA EXPLORAÇÃO NO
TERRITÓRIO FLUMINENSE. 1 - Não tendo sido atacada lei
em tese, mas ato concreto do Tribunal de Contas da União que
autoriza a realização de auditorias nos municípios e Estado do Rio
de Janeiro, não tem aplicação a Súmula 266 do STF. 2 - Embora os
recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais
sejam bens da União (CF, art. 20, V e IX), a participação ou com-
pensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado da
exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural são receitas
originárias destes últimos entes federativos (CF, art. 20, § 1º). 3 - É
inaplicável, ao caso, o disposto no art. 71, VI da Carta Magna que
se refere, especificamente, ao repasse efetuado pela União - median-
te convênio, acordo ou ajuste - de recursos originariamente fede-
rais. 4 - Entendimento original da Relatora, em sentido contrário,
abandonado para participar das razões prevalecentes. 5 - Segurança
concedida e, ainda, declarada a inconstitucionalidade do arts. 1º,
inc. XI e 198, inc. III, ambos do Regimento Interno do Tribunal de
Contas da União, além do art. 25, parte final, do Decreto nº 1, de
11 de janeiro de 1991.

(c) Ingressos comerciais:

Na forma do art. 173, da CR/88, é permitida ao Estado a exploração di-


reta de atividade econômica, quando necessária aos imperativos de segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo. TORRES64 exemplifica como in-
gressos comerciais aqueles que se originam (i) da exploração de monopólios
e da manutenção de empresas estatais, v.g. os correios e telégrafos e (ii) da
exploração do negócio de loterias ou concessão deste para a exploração por
terceiros, v.g. lotos e concursos de prognósticos.
Os ingressos comerciais obtidos pelo Estado na exploração dessas ativida-
des econômicas (intervencionismo estatal) são classificados como receita ori-
ginária, eis que também decorrem da exploração do patrimônio do Estado. 64
TORRES, Ricardo Lobo. Ob. cit., p. 172.

FGV DIREITO RIO 23


Tributos em Espécie

QUESTÕES

1) Como se sabe, aos empregadores brasileiros é imposta a obrigação de pro-


cederem ao recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
– FGTS -, o qual se destina a oferecer aos seus empregados uma espécie
de “poupança compulsória” decorrente do seu trabalho. O FGTS, que
foi instituído por lei, é pago mensalmente, em dinheiro, com base em
um valor percentual sobre o salário do empregado, cujo inadimplemen-
to acarreta san­ções a serem aplicadas sobre o empregador. Diante dessas
características, e à luz do que prescreve o art. 3° do CTN, analise se o
FGTS pode ser tido ou não como uma imposição pecuniária de natureza
tributária (RE 100.249).

2) Diversas pessoas (físicas e jurídicas) ocupam, sem título outorgado pela


União, áreas situadas nos chamados “terrenos de marinha”. Para o exer-
cício do domínio útil sobre tais imóveis, estas pessoas estão obrigadas a
pagar, anualmente, ao governo federal, o que se chama de “taxa de ocu-
pação”. A exigência deste valor possui fundamento legal no art. 127 do
Decreto-Lei nº 9.760/1946, e tem que ser paga em dinheiro e sempre que
a fiscalização federal perceber o seu inadimplemento, deve proceder à sua
exigência. Diante dessas características e em linha com o que foi ensinado
na disciplina Sistema Tributário Nacional, ana­lise se a referida taxa possui
natureza tributária.

3) Analise a reportagem abaixo e responda: a) para qual finalidade os


tributos citados estão sendo utilizados? Todos os tributos podem ter
caráter extrafiscal? Relacione extrafiscalidade e os princípios da legali-
dade e anterioridade.

Governo reduz IPI de eletrodomésticos para estimular consumo


01/12/2011 - 10h32
Daniel Lima e Kelly Oliveira
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - O Diário Oficial da União publica hoje (1º) em edição extraordiná-
ria a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de eletrodo-
mésticos da chamada linha branca. O IPI do fogão, por exemplo, cairá de 4%
para zero. A geladeira terá o imposto reduzido de 15% para 5% e a máquina
de lavar, de 20% para 10%. No caso de máquinas de lavar semiautomáticas
(tanquinhos), a redução será de 10% para 0%. As medidas também valem
para os estoques nas lojas e vão vigorar até 31 de março de 2012.
Esse medida de estímulo ao consumo de bens duráveis só vale para produtos
com índice de eficiência energética classe A.

FGV DIREITO RIO 24


Tributos em Espécie

O governo reduzirá ainda o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) co-


brado sobre o financiamento ao consumo de 3% para 2,5%, anunciou o
ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista coletiva para detalhar as
medidas, que visam a incentivar o consumo.
Também participa da entrevista o ministro do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel. As medidas ajudarão o
Brasil a enfrentar a crise mundial com estímulos à produção e ao emprego.
Edição: Juliana Andrade // Matéria alterada às 12h05 para acréscimo de informação
Retirado de: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-12-01/governo-reduz-
-ipi-de-eletrodomesticos-para-estimular-consumo em 08 de dezembro de 2011

LEITURA OBRIGATÓRIA

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo, Saraiva,
2010, pp. 37-48.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. rev. atual.
e amp. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 48-67.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª


ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2007, pp.19-27.

GRECO, Marco Aurélio. Breves notas à definição de tributo adotada pelo


Código Tributário Nacional do Brasil. In: SANTI, Eurico Marcos Di-
niz de. Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas: do fato à norma,
da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 419-433.

TORRES, Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Financeiro e Tributário.


16ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pp. 369-372.

LEITURA COMPLEMENTAR FACULTATIVA: 65


COSTA, Leonardo de Andrade e RO-
DRIGUES, Luiza Antonaccio Lessa. Aces-
so à água potável, saneamento básico
e sustentabilidade financeira: paradoxo
O texto abaixo transcrito é um excerto do tópico III.2 do artigo intitulado insolúvel? In: MORATO, José; PERALTA,
“ACESSO À ÁGUA POTÁVEL, SANEAMENTO BÁSICO E SUSTEN- Carlos; CARLI, Ana Alice De (orgs.).
Água e Saneamento no Século XXI:
TABILIDADE FINANCEIRA: paradoxo insolúvel?”65. Brasil e Costa Rica (no prelo).

FGV DIREITO RIO 25


Tributos em Espécie

III. 2. A doutrina e jurisprudência brasileira acerca da natureza


jurídica da remuneração pelo serviço público de água e esgoto:
taxa ou tarifa?

A natureza jurídica da remuneração dos serviços públicos, em


especial no que se refere ao fornecimento de água canalizada e o
esgotamento sanitário, sempre foi objeto de dissenso na doutrina e
jurisprudência brasileira.
Aliás, cabe realçar que é muito sutil a linha que distingue o preço
público da taxa de serviço, tendo em vista que ambos têm caráter
contraprestacional, remunerando o Estado pela prestação de servi-
ços públicos. Acerca do tema, Bernardo Ribeiro Moraes66 explicita:

O essencial para o conhecimento do preço público, [...] é


saber a opção política do Poder Público, qual regime ju-
rídico adotado pelo legislador para o custeio da atividade
estatal, pois uma mesma atividade pode ser custeada tanto
por preço público como por tributo”. Diante do proble-
ma nitidamente político, por estar na opção do legislador
a escolha do tipo de investimento, o Ministro Victor Nu-
nes Leal, salientou, em palavras dignas de relembrança: ‘o
problema fundamental não é dizer se é taxa ou não é taxa’,
mas, sim, ‘determinar de que natureza vai ser explorado
determinado serviço’.
66
MORAES, Bernardo Ribeiro. Com-
O Supremo Tribunal Federal, ainda sob a égide da Consti- pêndio de Direito Tributário. Ed. rev.
aum. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
tuição de 1946, editou a Súmula nº 54567, cujo enunciado pres- 2002. p. 310. Em sentido diverso, con-
creve: “preços de serviços públicos e taxas não se confundem, forme será abaixo indicado, o Supremo
Tribunal Federal, no RE 89876/RJ, da
porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm década de 1980, decidiu que não havia
liberdade de opção pela remuneração
sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, via taxa ou preço público.
em relação à lei que as instituiu”. 67
Todos os acórdãos que ensejaram
a edição da citada Súmula 545 dizem
Apesar do posicionamento adotado pela Corte Suprema bra- respeito ao pagamento em razão do
sileira na referida súmula, a mesma já tratou de forma diferente fornecimento de água.

o critério da compulsoriedade, conforme se extrai do excerto do 68


BRASIL. Poder Judiciário. Supre-
mo Tribunal Federal. RE 54.194 ED.
voto proferido pelo Ministro Victor Nunes, ao julgar os embar- Pleno. Rel. Ministro Hermes Lima.
Julgamento em 25.03.1965. Brasília.
gos no RE nº 54.194:68 Disponível em: < http://www.stj.jus.
br >. Acesso em 10.12.2017. Decisão
por maioria. Ementa: “Embargos. Taxa
[...] o critério da obrigatoriedade é absolutamente inefi- de água e de saneamento. Questão de
inconstitucionalidade da taxa, pois
ciente para caracterização do tributo. [...] No caso presen- alegava-se que não havia lei que a
autorizava, segundo o art. 141, § 34
te, é preciso distinguir se a obrigatoriedade resulta do servi- da Constituição. O Tribunal recebeu os
ço, que se remunera, ou se resulta de outras considerações, embargos, visto não se ter alcançado
o quorum para declaração de incons-
vindo a obrigatoriedade da remuneração do serviço por via titucionalidade do ato impugnado”.

FGV DIREITO RIO 26


Tributos em Espécie

de consequência. [...] A obrigatoriedade, no caso em exa- 69


A Constituição de 1988, em seu art.
146, III, “a”, atribui à lei complemen-
me, de pagar a taxa de água e esgoto não está vinculada ou tar, entre outras funções, estabelecer
uso ou não uso do serviço. Resulta de uma imposição de a definição de tributos, tarefa de-
sempenhada pelo Código Tributário
ordem sanitária, segundo a qual quem quer que construa Nacional (CTN). Nos termos do art. 3º
do CTN, tributo é “é toda prestação
imóvel urbano há de dotar esse imóvel dos serviços de água pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que
e esgoto. [...] O que se discute é precisamente isso: saber não constitua sanção de ato ilícito,
quando um pagamento obrigatório é taxa ou não é taxa. instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente
Não estou sustentando que não possa haver taxa que não vinculada”. Portanto, o tributo possui
natureza jurídica híbrida, na medida
seja obrigatória; o que estou sustentando é que há paga- em que é receita derivada - decorre do
patrimônio do particular-, e, ao mesmo
mentos obrigatórios, os quais, não obstante, não são taxas. tempo, obrigação ex lege de dar coisa
certa. Isto é, diferentemente da receita
originária, a qual decorre da exploração
Como reflexo dessa intrincada distinção, no que se refere à re- do próprio patrimônio estatal e pressu-
põe a manifestação de vontade que cria
muneração pelo fornecimento de água canalizada e esgotamento o vínculo contratual, o tributo é dever
sanitário, pode-se sustentar, dependendo da premissa que norteia fundamental fixado na Constituição.
Dispõe o art. 145 da Constituição da
a argumentação, que se trata de preço público/tarifa, de natureza
70

Republica Federativa do Brasil de 1988:


contratual e exigível somente se houver a utilização do serviço, ou “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios poderão insti-
de verdadeiro tributo69, da espécie taxa de serviço público, por ser tuir os seguintes tributos: I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do
específico e divisível70 e prestado ao contribuinte ou posto a sua poder de polícia ou pela utilização, efe-
disposição, ainda que não utilizado. tiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao
Caso a remuneração desses serviços seja enquadrada como tributá- contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorren-
ria, seria aplicável o regime jurídico próprio, incluindo-se, especialmen- te de obras públicas.”
te, as denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar71. 71
A racionalidade matemática e as
leis da física, apesar de não serem
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, expressamente previstas pelo ordena-
delimitam a competência tributária os princípios da legalidade (art. mento positivo, também conformam a
disciplina jurídica, ao impor limites ao
150, I); isonomia (art. 150, II); irretroatividade (art. 150, III, ‘a’); legislador e aplicador da norma, res-
trição objetiva intransponível, apesar
anterioridade clássica e a noventena ou anterioridade nonagesimal de implícita, que atua no plano lógico,
ínsito, portanto, à própria formulação
(art. 150, III, ‘b’ e ‘c’ e art. 195, §6º); proibição do confisco (art. e aplicação do Direito. Nesse sentido
150, IV); liberdade de tráfego (art. 150, V); outras limitações (arts. vide: COSTA, Leonardo de Andrade. A
racionalidade matemática como limite
151 e 152). Em relação ao tema sob exame, merece destaque o prin- objetivo intransponível à produção
e aplicação do Direito: um estudo de
cípio da legalidade e os seus subprincípios da reserva de lei e da caso. RDA – Revista de Direito Admi-
tipicidade, o que exigiria ato do parlamento para a instituição ou nistrativo, Rio de Janeiro, v. 261, p.
47-87, set./dez. 2012. Disponível em:
majoração da remuneração devida em contraprestação ao serviço de < http://bibliotecadigital.fgv.br/>.
Acesso em 12.12.2017.
fornecimento de água e esgotamento sanitário. 72
MELO, Luiz Carlos Figueira de e BRAGA,
Nesse sentido apontam Luiz Carlos Figueira de Melo e Paula Paula Danielle. A remuneração dos
serviços públicos de água e esgoto: taxa
Danielle Braga72: ou tarifa. Revista Jurídica UNIARAXÁ,
Araxá, v. 17, n. 16, p. 127-148, ago. 2013.
Disponível em: <http://www.uniaraxa.
Nesse cenário, é importante apontar a Lei nº 2.312, de edu.br/ojs/index.php/juridica>. Acesso
em 10.12.2017.
3 de setembro de 1954, que dispõe sobre as normas ge- 73
O parágrafo único do citado art.
rais de defesa e proteção da saúde, que prevê no artigo 11: 11 da Lei dispõe: “Parágrafo único.
Quando não existir nas proximidades
“É obrigatória a ligação de tôda construção considerada rêde e canalização de esgôtos, a au-
habitável à rêde de canalização de esgôto, cujo efluente toridade sanitária competente esta-
belecerá a solução mais conveniente
terá destino fixado pela autoridade sanitária competente73. ao destino adequado dos dejetos”.

FGV DIREITO RIO 27


Tributos em Espécie

Dessa forma, visando à proteção da saúde, é imperioso o


adequado tratamento e abastecimento de água, bem como,
a remoção e destinação adequada do esgoto sanitário.
(...)
considerando a inviabilidade de dispensar o serviço públi-
co de distribuição de água e coleta de esgoto, este servi-
ço classifica-se como serviço público essencial ao interesse
público, remunerado, portanto, por meio de taxa, ante a
sua natureza tributária, e não cabendo a remunerabilidade
através de tarifa. Assim, descaracteriza a natureza do ins-
tituto de jus gestionis (direito de gestão) para jus imperii
(direito de exercer autoridade).

No Recurso Extraordinário (RE) 89876/RJ74, o Supremo Tri-


bunal Federal, por maioria de votos, decidiu no sentido de que o
pagamento realizado pela remoção de lixo, essencial à saúde pú-
blica, e por isso de utilização compulsória pelo contribuinte, de-
veria ser remunerado por taxa e não por tarifa, conforme revela a
ementa do acórdão:

Tarifa Básica de Limpeza Urbana. - Em face das restrições A referida Lei nº 2.312, de 3 de setem-
constitucionais a que se sujeita a instituição de taxa não bro de 1954 foi revogada pelo art. 55 da
Lei nº 8.080, de 19.09.1990. De forma
pode o Poder Público estabelecer, a seu arbítrio, que à diversa, atualmente, o art. 45 da Lei nº
11.445, de 05.01.2007, estabelece a
prestação de serviço público específico e divisível corres- remuneração por meio de tarifas, não
ponde contrapartida sob a forma, indiferentemente, de obstante a obrigatoriedade de conexão
às redes de esgoto e água, nos seguin-
taxa ou de preço público. - Sendo compulsória a utiliza- tes termos: “Art. 45. Ressalvadas as dis-
posições em contrário das normas do
ção do serviço público de remoção de lixo - o que resulta, titular, da entidade de regulação e de
meio ambiente, toda edificação perma-
inclusive, de sua disciplina como serviço essencial à saú- nente urbana será conectada às redes
de pública -, a tarifa de lixo instituída pelo Decreto nº públicas de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário disponíveis
295, de 12 de novembro de 1975, do poder Executivo do e sujeita ao pagamento das tarifas e
de outros preços públicos decorren-
Município do Rio de Janeiro, é, em verdade, taxa. - In- tes da conexão e do uso desses servi-
ços. § 1º Na ausência de redes públicas
constitucionalidade do referido decreto, uma vez que taxa de saneamento básico, serão admitidas
está sujeita ao princípio constitucional da reserva legal. soluções individuais de abastecimento
de água e de afastamento e destinação
Recurso extraordinário conhecido e provido. final dos esgotos sanitários, observadas
as normas editadas pela entidade re-
guladora e pelos órgãos responsáveis
Portanto, nos termos dessa decisão, não há liberdade para que pelas políticas ambiental, sanitária e de
recursos hídricos. § 2º A instalação hi-
o Poder Público escolha a forma como deve ser remunerado de- dráulica predial ligada à rede pública de
abastecimento de água não poderá ser
terminado serviço público. O relator, Ministro Moreira Alves, também alimentada por outras fontes.”
destacou em seu voto a dificuldade de se estabelecer um critério 74
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. RE 89876 / RJ, Rel.
inequívoco para distinguir as hipóteses de remuneração por taxa Min. Moreira Alves. Julgamento em
ou tarifa, salientando a existência de variadas teses doutrinárias 04.09.1980. Brasília. Disponível em:
< http://www.stj.jus.br >. Acesso em
acerca do tema e de críticas à mencionada Súmula 545 do STF. 11.12.2017. Decisão por maioria de votos.

FGV DIREITO RIO 28


Tributos em Espécie

O Ministro Cordeiro Guerra, vencido na ocasião, salientou prévias


decisões da Suprema Corte no sentido de que “a concluir-se que,
somente por meio de taxas poderiam ser prestados os serviços públicos
mais urgentes, estaria eliminada a possibilidade de existência de órgãos
descentralizados, criados por lei, para a prestação de serviços públicos”.
Nessa linha, apontou a divergência que não foi outro motivo que o
próprio Supremo já havia anteriormente “consagrado a legitimidade
das tarifas de água como contraprestação de fornecimento de empresas
públicas, nas cidades de Recife, Curitiba e São Paulo”. Em aditamento
de voto, o relator Ministro Moreira Alves, ante a existência de servi-
ços obrigatórios e facultativos, salientou a necessidade de classificar
os serviços públicos em uma das três categorias: 1) serviços pro-
priamente estatais, prestados no exercício da soberania; 2) serviços
essenciais ao interesse público; e 3) serviços públicos não essenciais.
Os dois primeiros (serviços prestados no exercício da soberania e os
essenciais ao interesse público), não podem ser objeto de concessão
ou delegação, e devem ser pagos por meio de taxa, pois são serviços
obrigatórios. Já os serviços públicos não essenciais, que caso não
sejam prestados não acarretam dano para o administrado, a comu-
nidade ou o interesse público, são serviços que podem ser remune-
rados por meio de tarifa.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), relativamente
ao aspecto tributário da matéria, tinha entendimento majoritário no
sentido de que, sendo de a utilização compulsória, os serviços seriam
remunerados por taxa. Nesse sentido, revela a ementa do Recurso
Especial (REsp) 167489 / SP, que faz alusão expressa ao entendi-
mento majoritário da doutrina então prevalecente no X Simpósio
Nacional de Direito Tributário75:

TRIBUTÁRIO. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE


ÁGUA. TAXA. NATUREZA TRIBUTÁRIA.
1. O serviço de fornecimento de água e esgoto é cobra-
do do usuário pela entidade fornecedora como sendo taxa,
quando tem compulsoriedade.
2. Trate-se no caso em exame, de serviço público conce-
dido, de natureza compulsória, visando atender neces-
sidades coletivas ou públicas.
3. Não tem amparo jurídico a tese de que a diferença en- 75
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
Tribunal de Justiça. REsp 167489 /
tre taxa e preço público decorre da natureza da relação SP, Primeira Turma. Rel. Min. José
estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade Delgado. Julgamento em 02.06.1998.
Brasília. Disponível em: < http://www.
prestadora ou fornecedora do bem do serviço, pelo que, stj.jus.br >. Acesso em 10.12.2017.

FGV DIREITO RIO 29


Tributos em Espécie

se a entidade que presta o serviço é de direito público,


o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a
relação entre ambos de direito público; ao contrário,
sendo o prestador do serviço público pessoa jurídica de
direito privado, o valor cobrado é preço público/tarifa.
4. Prevalência no ordenamento jurídico das conclusões
do X Simpósio Nacional de Direito Tributário, no senti-
do de que "a natureza jurídica da remuneração decorre da
essência da atividade realizadora, não sendo afetada pela
existência da concessão. O concessionário recebe remu-
neração da mesma natureza daquela que o Poder Con-
cedente receberia, se prestasse diretamente o serviço".
(RF, julho a setembro. 1987, ano 1897, v.299, p.40).
5. O art. 11, da Lei nº 2312, de 3.09.94 ( Código Na-
cional de Saúde) determina: "É obrigatória a ligação de
toda construção considerada habitável à rede de canali-
zação de esgoto, cujo afluente terá destino fixado pela
autoridade competente".
6. "No Município de Santo André/SP, as Leis Municipais
nºs 1174/29.11.56 e 2742/21.03.66 obrigam que todos
os prédios se liguem à rede coletora de esgotos, dispondo,
ainda, que os prédios situados em locais servidos de rede de
distribuição de água devem a ela ser ligados, obrigatoria-
mente" (Memorial apresentado pela recorrente).
7. Obrigatoriedade do serviço de água e esgoto. Atividade
pública (serviço) essencial posta à disposição da coletivi-
dade para o seu bem estar e proteção à saúde, no Municí-
pio de Santo André/SP.
8. "A remuneração dos serviços de água e esgoto normal-
mente é feita por taxa, em face da obrigatoriedade da liga-
ção domiciliar à rede pública" (Hely Lopes Meirelles, "in"
"Direito Municipal Brasileiro", 3ª ed., RT - 1977, p.492).
9. "Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado
serviço, não permitindo o atendimento da respectiva ne-
cessidade por outro meio, então é justo que a remuneração
correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limi-
tações próprias de tributo". (Hugo de
Brito Machado, "in" Regime Tributário da Venda de
Água, Rev. juríd. da Procuradoria-Geral da Fazenda Esta-
dual/Minas Gerais, nº 05, pg. 11).
10. Adoção da tese, na situação específica examinada,
de que a contribuição pelo fornecimento de água é taxa.

FGV DIREITO RIO 30


Tributos em Espécie

Aplicação da prescrição tributária, em face da ocorrência


de mais de cinco anos do início da data em que o deferido
tributo podia ser exigido.
11. Recurso especial provido. (sem grifo no original)

Nessa linha de raciocínio, ainda que não prestado de forma


direta pelo Estado, ou seja, mesmo que realizado por meio de con-
cessionária, delegatária, o serviço de esgotamento sanitário, em
virtude de seu caráter compulsório, sempre possuiria a natureza
jurídica de taxa, razão pela qual a cobrança deveria se submeter ao
regime jurídico-tributário.
No entanto, conforme é possível constatar da leitura da ementa
do Recurso Especial (REsp) nº 1027916, a posição do Supremo
Tribunal Federal passou a ser diversa na hipótese de concessão, o
que ensejou a alteração do aludido posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça76:

ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. CONCESSIO-


NÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. SERVIÇO DE CO-
LETA DE ESGOTO. REMUNERAÇÃO. TARIFA.
1. O entendimento majoritário do STJ era que as con-
cessionárias de água e esgoto cobravam taxa pelos ser-
viços públicos prestados, considerando a compulsorie-
dade na sua utilização. Por conseqüência, o regime ju-
rídico aplicável era o tributário, especialmente quanto ao
princípio da legalidade. Precedentes: RMS 18.441/SC,
Rel. Ministro João Otávio de Noronha, j. 01.09.2005, DJ
26.09.2005, e REsp 830.375/MS, Rel. Ministro Teori Al-
bino Zavascki, j. 20.06.2006, DJ 30.06.2006.
2. Ocorre que o e. STF apreciou a questão de maneira
diversa, focando a normatização do regime de conces-
sões (Direito Administrativo). Nos termos do art. 175,
parágrafo único, III, da CF, as concessionárias de servi-
ços públicos são remuneradas por tarifa, inclusive no
caso de fornecimento de água e coleta de esgoto. Pre-
cedentes: RE-ED  447536/SC, rel. Min.Carlos Velloso,
j.28/06/2005, DJ 26-08-2005, e RE 503.759/MS, rel.
Min. Carmen Lúcia, j. 02/10/2007, DJ 25/10/2007. 76
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
3. Embora seja da competência exclusiva do STJ apreciar Tribunal de Justiça. REsp 1027916 /
MS, Segunda Turma. Rel. Min. Herman
em última instância a legislação federal, essa atuação deve Benjamin. Julgamento em 25.03.2008.
harmonizar-se com a interpretação da Constituição Fede- Brasília. Disponível em: < http://www.
stj.jus.br >. Acesso em 10.12.2017. De-
ral pelo e. STF. cisão por unanimidade de votos.

FGV DIREITO RIO 31


Tributos em Espécie

4. Nos termos dos arts. 9º e 13 da Lei 8.987/95, os va-


lores cobrados pela concessionária de serviço público pela
coleta de esgoto têm natureza tarifária. Precedente: REsp
856.272/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j.
16.10.2007, DJ 29.11.2007.
5. Recurso Especial provido. (sem grifo no original)

Nesse contexto, saliente-se que há jurisprudência sumulada o


Superior Tribunal de Justiça (STJ), trata-se da Súmula 407, cujo
enunciado prescreve: “É legítima a cobrança da tarifa de água, fixada
de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.
Ainda, o STJ77 faculta a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente
o tratamento final dos dejetos, pois a legislação “não estabelece que
o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando
todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da
tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades”.
Assim sendo, importante explicitar a razão de decidir do Supre-
mo Tribunal Federal, que redirecionou a discussão para o regime
administrativo do serviço de esgotamento prestado por concessio- 77
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
nárias, delegatárias de serviços públicos, conforme enfatizado em Tribunal de Justiça. REsp 1339313 /
RJ, Primeira Seção. Rel. Min. Benedito
decisão monocrática no citado RE 503.759/MS78: Gonçalves. Julgamento em 12.06.2013.
Brasília. Disponível em: < http://www.
stj.jus.br >. Acesso em 10.12.2017.
DECISÃO TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. ES- Decisão por maioria de votos em jul-
gamento conforme procedimento
GOTO SANITÁRIO: PRESTAÇÃO DE SERVIÇO previsto para os Recursos Repetitivos
POR CONCESSIONÁRIA; NATUREZA JURÍDICA no âmbito do STJ. Em voto vencido, o
Ministro Napoleão Nunes Maia filho se
DE PREÇO PÚBLICO. PRECEDENTES. RECURSO posicionou no sentido de que a “Con-
cessionária de serviço público de esgo-
PROVIDO. tamento sanitário não pode cobrar do
consumidor tarifa cheia pela prestação
Relatório do serviço, mas apenas tarifa parcial,
1. Recurso extraordinário interposto com fundamento no quando não há a prestação do serviço
em sua totalidade, mas somente de
art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República, algumas etapas desse serviço. Isso por-
que não se trata de taxa, mas de
contra acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do preço, e o preço é contraprestacional
e proporcional ao dispêndio do presta-
Sul, cuja ementa é a seguinte: dor, não se podendo compelir o usuá-
‘EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL EM rio a pagar por um serviço que não lhe
foi prestado nem posto à disposição.
APELAÇÃO CÍVEL - SERVIÇO DE ES- Assim, ilegítima a cobrança da tarifa
cheia nesses casos em que os usuários
GOTAMENTO SANITÁRIO - PRESTA- não recebem o serviço por completo,
ÇÃO QUE, EMBORA REALIZADA POR não podendo eles ser compelidos a
financiar a expansão, a manutenção e
CONCESSIONÁRIA, SUBMETE-SE AO o aprimoramento tecnológico da em-
presa prestadora do serviço, o que deve
REGIME JURÍDICO TRIBUTÁRIO DAS ser suprido com recursos próprios”.
TAXAS POR SER DE NATUREZA COM- 78
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. RE 503.759 / MS,
PULSÓRIA - OBSERVÂNCIA DO PRIN- Rel. Min. Cármen Lucia. Julgamento
CÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRI- em 02.07.2007. Brasília. Disponível em:
< http://www.stj.jus.br >. Acesso em
BUTÁRIA - REGIMENTAL IMPROVIDO. 10.12.2017. Decisão monocrática.

FGV DIREITO RIO 32


Tributos em Espécie

Ainda que não prestado de forma direta pelo Esta-


do, o serviço de esgotamento sanitário, em virtude
de seu caráter compulsório, possui a natureza jurí-
dica de taxa, devendo, portanto, obedecer aos prin-
cípios atinentes ao regime jurídico-tributário, den-
tre eles, o princípio da estrita legalidade.’ (fl. 459)
2. A Recorrente alega que a decisão do Tribunal a quo
teria contrariado os arts. 173 e 175, parágrafo único,
inc. III, da Constituição da República. Assevera que "é
concessionária do serviço de abastecimento de água e es-
gotamento sanitário da cidade de Campo Grande (MS)"
e "Toda vez em que o serviço público puder ser delega-
do a terceiros - os quais obviamente não o prestarão por
obrigação que lhes é constitucionalmente imposta, mas
porque querem explorar o serviço público - a contra-
prestação que lhes será devida pelos usuários tratar-se-á
de tarifa" (fls. 484 e 490, grifos no original). Sustenta
que "Se a tarifa cobrada pela concessionária está previs-
ta no contrato de concessão com a Prefeitura Municipal
de Campo Grande, com respaldo no edital e na Lei n.
8.987/95, não resta dúvida de que a exação é legal e está
sustentada pelo art. 175 da Constituição Federal, bem
como pela legislação infraconstitucional" (fl. 496).
Requer seja reconhecida "a validade da tarifa de esgoto, co-
brada em total conformidade ao art. 175, parágrafo único,
inc. III, da Constituição Federal" (fl. 498).
Examinada a matéria posta à apreciação,
DECIDO.
3. Razão jurídica assiste à Recorrente. O Supremo Tri-
bunal Federal firmou entendimento no sentido da cons-
titucionalidade da cobrança de serviço de esgoto por ta-
rifas quando a prestação se dá por concessionária de ser-
viço público. Nesse sentido, o RE 447.536-ED, Rel. Min.
Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 28.5.2005: "EMEN-
TA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS À
DECISÃO DO RELATOR: CONVERSÃO EM AGRA-
VO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBU-
TÁRIO: TAXA DE ESGOTO SANITÁRIO. PRESTA-
ÇÃO DE SERVIÇO POR CONCESSIONÁRIA. NA-
TUREZA JURÍDICA DE PREÇO PÚBLICO. I. - Em-
bargos de declaração opostos à decisão singular do Relator.

FGV DIREITO RIO 33


Tributos em Espécie

Conversão dos embargos em agravo regimental. II. - A ju-


risprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido
de que não se trata de tributo, mas de preço público, a
cobrança a título de água e esgoto. Precedentes."
E ainda, as seguintes decisões monocráticas: RE 537.138,
Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 20.3.2007; AI 225.143, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJ 4.11.1998.
4. Pelo exposto, dou provimento a este recurso extraordi-
nário, nos termos dos precedentes deste Supremo Tribunal
(art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, §
2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Nesse contexto, saliente-se que no RE 607056 RG/RJ79, o STF


reconheceu a repercussão geral, da questão relacionada fornecimen-
to de água encanada por concessionárias, e no mérito80 fixou enten-
dimento no sentido de que:

1. O fornecimento de água potável por empresas conces-


sionárias desse serviço público não é tributável por meio do
ICMS. 2. As águas em estado natural são bens públicos e
só podem ser exploradas por particulares mediante conces-
são, permissão ou autorização. 3. O fornecimento de água
tratada à população por empresas concessionárias, permis-
sionárias ou autorizadas não caracteriza uma operação de 79
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
circulação de mercadoria. 4. Precedentes da Corte. Tema Tribunal Federal. RE 607.056 RG/ RJ,
Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em
já analisado na liminar concedida na ADI nº 567, de rela- 21.10.2010. Brasília. Disponível em:
toria do Ministro Ilmar Galvão, e na ADI nº 2.224-5-DF, < http://www.stj.jus.br >. Acesso em
10.12.2017. Decisão por maioria. RE
Relator o Ministro Néri da Silveira. 5. Recurso extraordi- 607056 RG / RJ - RIO DE JANEIROREPER-
CUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAOR-
nário a que se nega provimento. DINÁRIO EMENTA TRIBUTÁRIO – ICMS
- ÁGUA CANALIZADA - ART. 155, II, CF.
REPERCUSSÃO GERAL - EXISTÊNCIA.
Por sua vez, em relação à coleta e remoção de resíduos domiciliares o Ultrapassa os interesses subjetivos das
partes a controvérsia relativa à possi-
STF reconheceu a repercussão geral da matéria no RE 847.429 RG/SC81 bilidade de incidência do ICMS sobre o
fornecimento de água canalizada. Aná-
lise dos conceitos de mercadoria e de
RE 847429 RG/SC: EMENTA Recurso extraordinário. serviço público essencial e específico.
Repercussão geral reconhecida.
Repercussão geral. Tributário. Serviço de coleta e remo- 80
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
ção de resíduos domiciliares prestado mediante contrato de Tribunal Federal. RE 607.056 RG/ RJ,
concessão. Natureza jurídica da contraprestação do serviço Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em
10.04.2013. Brasília. Disponível em:
público (taxa ou tarifa). Possui repercussão geral a questão < http://www.stj.jus.br >. Acesso em
10.12.2017. Decisão por maioria.
constitucional relativa à possibilidade de delegação, me- 81
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
diante contrato de concessão, do serviço de coleta e remo- Tribunal Federal. RE 847.429 RG/ SC,
Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em
ção de resíduos domiciliares, bem como a natureza jurídica 16.06.2016. Brasília. Disponível em:
da remuneração de tais serviços, no que diz respeito à es- < http://www.stj.jus.br >. Acesso em
10.12.2017. Decisão por unanimidade
sencialidade e à compulsoriedade. do Tribunal Pleno - meio eletrônico.

FGV DIREITO RIO 34


Tributos em Espécie

Em Embargos de Declaração82, a parte aduziu que a matéria re-


lativa à possibilidade de delegação, mediante contrato de concessão,
do serviço de coleta e remoção de resíduos domiciliares não deveria
ser levada à apreciação do Plenário. Em síntese, sustentou a embar-
gante que essa questão não foi suscitada no recurso extraordinário.
O Ministro relator Dias Toffoli, apesar da inexistência de previsão
dos embargos de declaração na hipótese, reconheceu do recurso e
decidiu que:

a forma pela qual o serviço público é prestado, se direta-


mente pelo Poder Público ou se mediante concessão, está
intrinsecamente vinculada à discussão da natureza jurídica
da remuneração desse serviço. A análise do tema em sede de
repercussão geral ultrapassa os limites subjetivos da causa.
No caso concreto, é de se observarem os limites da matéria
devolvida no recurso extraordinário. Nesse sentido, verifi-
co que não foi objeto do recurso extraordinário a questão
relativa à impossibilidade de o Município de Joinville e a
parte embargante firmarem contrato de concessão do servi-
ço de coleta e remoção de resíduos domiciliares.

Pelo exposto, tudo indica que a matéria ainda será objeto de mui-
ta discussão no âmbito judicial, em especial em razão dos efeitos
práticos sobre as diferentes formas de financiamento e realização de
atividades essenciais à vida, como é a disponibilização da água e o
saneamento básico”.

82
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal RE 847.429 ED/ SC,
Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em
23.06.2017. Brasília. Disponível em:
< http://www.stj.jus.br >. Acesso em
10.12.2017. Decisão monocrática.

FGV DIREITO RIO 35


Tributos em Espécie

AULA 02. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS: IMPOSTOS, TAXAS, CONTRIBUIÇÃO


DE MELHORIA, EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS E CONTRIBUIÇÕES
ESPECIAIS

ESTUDO DE CASO 1

Determinado município decide enviar à Câmara de Vereadores projeto de


lei para a criação de uma taxa de limpeza das praças públicas. Após votação
apertada na referida Casa Legislativa, a lei foi aprovada e criado o mencio-
nado tributo. Como advogado de alguns contribuintes, quais os argumentos
contrários à cobrança da aludida taxa você poderia sustentar?

ESTUDO DE CASO 2

O Presidente da República instituiu, por meio de medida provisória, em-


préstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de
calamidade pública, em razão de grave seca em certa região nordestina. Na
MP está previsto que 80% dos recursos provenientes do empréstimo com-
pulsório serão aplicados na solução dos problemas diretamente relacionados
à calamidade e 20%, na construção de novas escolas públicas na mesma re-
gião. É legítima a cobrança desse empréstimo compulsório?

A) OS TRIBUTOS NA CONSTITUIÇÃO E NO CTN

Tanto o CTN quanto a CF/88 preveem certas figuras tributárias. O art.


5º do CTN dispõe que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de
melhoria”. Já a CF/88 estipula em seu art. 145 o seguinte:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utiliza-
ção, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

O próprio CTN traz ainda uma quarta espécie tributária – o emprésti-


mo compulsório – estabelecendo em seu art. 15 que “somente a União, nos
seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios”.

FGV DIREITO RIO 36


Tributos em Espécie

Esta figura tributária igualmente foi prevista pela CF/88 que no art. 148,
dispõe que “a União, mediante lei complementar, poderá instituir emprés-
timos compulsórios”.
Por fim, uma quinta espécie tributária – as contribuições especiais - é pre-
vista tanto pelo CTN (quando em seu art. 217 estabeleceu que as disposições
daquela lei não excluem a incidência e a exigibilidade de algumas contribui-
ções que enumera em seus incisos), quanto pela CF, em seu art. 149:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições


sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das
categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,
III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, rela-
tivamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Pela leitura dos dispositivos legais, vemos que o sistema tributário trazido
pela CF/88 prevê cinco figuras tributárias – os impostos, as taxas, a contri-
buição de melhoria, o empréstimo compulsório e as contribuições especiais.
No entanto, conforme veremos a seguir, a doutrina não é unânime em con-
siderar todas estas figuras como espécies autônomas de tributos.

B) CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

Conforme visto acima, inseridas em nosso Sistema Tributário Nacio-


nal (constante nos artigos 145 a 162 da CF/88) encontram-se diversas
espécies de exações, cuja classificação é alvo de di­vergência entre inú-
meros doutrinadores. Há autores que defendem a existência de apenas
duas espécies tributárias (impostos e taxas), e outros que acrescem a essas
espécies a contribuição de melhoria, os empréstimos compulsórios e as
contribuições especiais.
Há também os que defendem que as contribuições devem ser entendi-
das em sentido lato, abrangendo contribuições de melhoria e contribuições
especiais. Por último, tem-se a teoria majoritária, que classifica em cinco as
espécies tributárias: impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribui-
ções especiais e empréstimo compulsório.
Alfredo Augusto Becker83 propunha a existência de apenas duas espécies
de tributo, adotando a teoria bipartida: imposto e taxa. Para o citado autor,
enquanto as taxas têm a sua base de cálculo representada por um serviço
estatal ou coisa estatal, a base de cál­culo dos impostos é um fato lícito qual- 83
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Ge-
ral do Direito Tributário. 2ª edição. São
quer, não consistente em serviço estatal ou coisa estatal. Paulo: Saraiva, 1972. Pp. 371-372

FGV DIREITO RIO 37


Tributos em Espécie

No mesmo sentido, Geraldo Ataliba84 sustenta existirem apenas duas es-


pécies de tri­buto: vinculados ou não vinculados a uma ação estatal. Quando
inexistir essa vinculação, tem-se o imposto, tributo não vinculado. Entretanto,
caracterizada a vinculação do tributo à atuação do Estado, tem-se a taxa ou con-
tribuição. Em verdade, sob sua ótica, a diferença entre as taxas e as contribuições
estaria no fato de que as taxas têm por hipótese de incidência “uma atuação
estatal diretamente (imediatamente) referida ao obrigado”, enquanto que na
contribuição “medeia, entre a atuação e o obrigado, uma circunstância, um fato
intermediário”85. Ou seja, nas taxas, a referibilidade da atuação estatal é direta, a
hipótese de incidência é uma prestação direta do estado ao sujeito passivo (por
exemplo, prestar certo serviço a alguém); nas contribuições “entre a atuação
estatal e o obrigado, a lei coloca um termo intermediário, que estabelece a refe-
ribilidade entre a própria atuação e o obrigado”86 (por exemplo, na contribuição
de melhoria, a hipótese de incidência é realizar obra pública da qual decorra
uma valorização mobiliária – fato este intermediário entre a realização da obra
e o sujeito passivo). Outra diferença estaria na base imponível: enquanto nas
taxas seria uma dimensão da atuação estatal; nas contribuições seria uma base
designada por lei representada por uma medida (um aspecto dimensível) do
elemento intermediário, posto como causa ou efeito da atuação estatal87.
Na esteira da teoria bipartida, Sacha Calmon Navarro Coelho88, Paulo
de Barros Carvalho89 e Roque Antônio Carrazza90, enumeram três es­pécies
tributárias (teoria tripartida): imposto, taxa e contribuição de melhoria.
Para estes autores, o critério para a classificação dos tributos seria a vincu-
lação ou não da materialidade do fato descrito na hipótese de incidência a
uma atividade estatal (tributos vinculados e não vinculados). O tributo terá
natureza de imposto sempre que a sua exigência não esteja vinculada a uma
atuação do Estado em favor do con­tribuinte. De modo diverso, o tributo 84
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de inci-
terá natureza de taxa e/ou contribuição de melhoria, sempre que a sua exi- dência tributária. São Paulo: Malhei-
ros, 2010, pp. 123 e seg.
gência esteja vinculada à atuação do Estado em função da pessoa do con-
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de inci-
85

tribuinte (taxa vinculada ao exercício do poder de polícia ou à prestação de dência tributária. São Paulo: Malhei-
ros, 2010, pp. 147.
um serviço público específico e indivisível; contribuição de melhoria, vin-
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de inci-
86
culada à elaboração de obra pública que gere uma valorização imobiliária dência tributária. São Paulo: Malhei-
em favor do contribuinte). Desse modo, se o fato gerador de uma contri- ros, 2010, p. 147.

buição ou empréstimo compulsório estiver vinculado a uma atuação estatal 87


Ibid, p. 152

em favor do contribuinte, estaremos diante de uma taxa. Caso contrário, a COELHO, Sacha Calmon Navarro.
88

Curso de Direito Tributário Brasileiro.


contribuição e o empréstimo compulsório terão natureza de imposto. 6ª edição. Rio de Janeiro, Forense,
2003. pp. 398-400
Ricardo Lobo Torres91, por seu turno, adota a teoria quadripartida, 89
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
considerando que outras contribuições ingressaram no rol dos tributos, de Direito Tributário. 18ª ed. São Pau-
devendo-se levar em conta, para a classificação, os artigos 148 e 149 da lo: Saraiva, 2007.

Constituição da República de 1988. Assim, o tributo é gênero em que são CARRAZA, Roque Antônio. Curso de
90

Direito Constitucional Tributário. 27ª


espécies o imposto, a taxa, a contribuição e o empréstimo compulsório. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

Neste entendimento, as contribuições previstas no artigo 149 da Constitui- 91


TORRES, Ricardo Lobo. Curso de
Direito Financeiro e Tributário. Rio de
ção devem se vincular ao conceito de contribuição de melhoria em torno janeiro – São Paulo: Renovar. p. 335

FGV DIREITO RIO 38


Tributos em Espécie

de um conceito mais amplo de “contribuições especiais”. Luciano Amaro92


igualmente adota uma classificação de quatro espécies tributárias, localizan-
do, no entanto, as contribuições de melhoria como uma espécie de taxa.
Com a CF/88, a teoria majoritária, que está, inclusive, em consonância
com o entendi­mento do Supremo Tribunal Federal93, é a teoria quinquipar-
tida, defendida, entre outros, por Hugo de Brito Machado94, Ives Gandra da
Silva Martins e Paulo Ayres Barreto95 para quem, em nosso Sistema Tributá-
rio Nacional, encon­tram-se cinco espécies tributárias, a saber: os impostos, as
taxas, as contribuições de melho­ria, as contribuições especiais e os emprésti-
mos compulsórios. Para estes doutrinadores, a CF/88 trouxe a necessidade de
se adotar novos critérios de classificação dos tributos. Assim, além do critério
da vinculação ou não a uma atividade estatal, dois novos critérios surgiram:
a destinação do produto da arrecadação (critério utilizado para especificar
a natureza jurídica das contribuições) e a previsão de restituição do tributo
pago (critério para diferenciar o empréstimo compulsório das demais espé-
cies tributárias). Estes novos critérios (destinação/restituição) aparecem na
doutrina ora como subclasses sucessivas, ora como classes ao lado do critério
vinculado/não vinculado.
Assim, trata-se de uma superação da tradicional divisão dos tributos se-
gundo o único critério de vinculação a uma atividade estatal, que servia de
base à teoria bipartida e tripartida. Esta superação se dá porque, segundo
Paulo Ayres Barreto96, a divisão dos tributos em vinculados e não vinculados
não tem o condão de explicar e justificar todas as variáveis sistêmicas. Ou
seja, somente com base neste critério não há como diferenciar, por exemplo,
as contribuições dos impostos. Assim, a CF/88 teria trazido o critério da
destinação do produto da arrecadação como forma de diferenciação das duas
figuras tributárias. O mesmo acontece com o empréstimo compulsório e o
critério de restituição do valor pago.
Em resumo, podemos concluir que as diversas correntes doutrinárias em
torno da questão da divisão das espécies tributárias divergem entre si em
razão dos critérios que adotam para a classificação dos tributos. Enquanto
alguns autores adotam somente o critério da vinculação, a teoria mais con-
temporânea adota os critérios da vinculação, destinação e restituição.

92
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
C) TRIBUTOS EM ESPÉCIE 93
ADI nº 14323
94
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
1) IMPOSTOS Direito Tributário. 21ª Ed. rev. Atual e
amp. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 57
95
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
A CF/88 estabelece, em seu art. 145, I que a União, os Estados, o Distri- – Regime Jurídico, Destinação e Con-
to Federal e os Municípios poderão instituir impostos. Assim, cada um dos trole. São Paulo: Noeses, 2006.

entes federativos poderá instituir determinados impostos, de acordo com a 96


BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
– Regime Jurídico, Destinação e Con-
repartição de competências estabelecida pela CF/88. trole. São Paulo: Noeses, 2006.

FGV DIREITO RIO 39


Tributos em Espécie

Apesar desta disposição constitucional, é o CTN que conceitua em seu


art. 16 a figura do imposto:

Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador
uma situação independente de qualquer atividade estatal específi-
ca, relativa ao contribuinte.

Assim, segundo esta definição legal, o imposto tem por principal carac-
terística a previsão de uma situação desvinculada de qualquer atividade do
Estado como fato gerador. Amaro nos explica que “para exigir imposto de
certo indivíduo, não é preciso que o Estado lhe preste algo determinado”97.
É por essa razão que dizemos que o imposto é um tributo não vinculado98,
porque independe, para sua cobrança, de qualquer atividade direta do Es-
tado em prol do contribuinte.
Dessa forma, o fato gerador do imposto não será um ato a ser praticado
pelo Estado, como veremos a seguir no caso das taxas, mas uma situação
praticada pelo contribuinte. Por exemplo, auferir renda, fato gerador do
imposto sobre a renda, é uma situação vinculada ao contribuinte e não ao
Estado. Da mesma forma, prestar serviços (fato gerador do Imposto sobre
Serviços), importar mercadorias (fato gerador do Imposto de Importação),
etc. Todos os fatos geradores dos impostos, como podemos concluir, serão
situações praticadas pelo contribuinte e esta é a marca principal de defini-
ção dos impostos.
Outra característica dos impostos é o fato do produto da sua arrecada-
ção, regra geral, não ser vinculado a uma destinação específica. O art. 167,
IV, CF/88 trata da não afetação dos impostos, de forma que esta espécie
tributária só pode ter destinação específica caso haja previsão constitucio-
nal neste sentido. O referido dispositivo constitucional traz, também, al-
gumas exceções à não-afetação dos impostos. Por este motivo é que o art.
128, CTN, por exemplo, não foi recepcionado pela CF/88, pois trazia
destinação específica ao Imposto de Exportação que a CF/88 não prevê.
Ainda com relação aos impostos, o parágrafo 1º do artigo 145 da CF
estabelece que: 97
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p.52.
Art. 145 § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pes- 98
Esta vinculação em nada tem a ver
com a “cobrança mediante atividade
soal e serão graduados segundo a capacidade econômica do con- administrativa vinculada”, elemento
tribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para do conceito de tributo. Se no conceito
de tributo esta vinculação se refere ao
conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os di- vínculo entre a atividade administrati-
va de cobrança à lei, aqui, na caracte-
reitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos rização dos impostos, a vinculação diz
respeito ao liame entre o fato gerador
e as atividades econômicas do contribuinte. e a atividade estatal.

FGV DIREITO RIO 40


Tributos em Espécie

Este dispositivo alerta para o fato de que, sempre que a estrutura do impos-
to assim o permitir, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segun-
do a capacidade econômica do contribuinte. Ou seja, a tributação por meio
dos impostos deverá, sempre que possível, ser feita “sob medida” para cada
contribuinte, respeitando as diferenças em termos de capacidade contributiva
e econômica, tributando-se de acordo com o que cada um pode e deve pagar.
Os impostos, assim como todos os outros tributos, podem ser diretos ou
indiretos. Direto é aquele em que o sujeito passivo, chamado de contribuinte
de direito, não tem a possibilidade de transferir de forma automática e indi-
vidualizada o ônus financeiro da carga fiscal aos consumidores, por exemplo,
o Imposto de Renda. Indireto, por sua vez, é aquele em que o contribuinte
de direito consegue transferir de forma automática e individualizada o ônus
econômico da carga tributária ao consumidor dos produtos e serviços, por
exemplo, o ICMS.
O art. 166, CTN dispõe acerca dos tributos indiretos. O contribuinte de
direito precisa da autorização do contribuinte de fato para requerer a restitui-
ção do valor pago e o contribuinte de fato não pode pedir restituição porque
não tem legitimidade, já que não é parte da relação jurídica tributária.
Os impostos podem se classificar em federais, estaduais ou municipais, de
acordo com o ente com competência para sua instituição. Outra classificação
é referente à finalidade do imposto, podendo ela ser fiscal, quando tem como
objetivo a arrecadação de recursos ao Estado, ou extrafiscal, quando tem como
objetivo estimular ou desestimular comportamentos dos contribuintes.
Ressalte-se, ainda, a divisão entre impostos pessoais e reais. Os impostos
pessoais possuem base em características pessoais dos contribuintes, enquan-
to os reais possuem base em aspectos objetivos, não levam em consideração
as características pessoais dos contribuintes.
Os impostos classificam-se, também, em seletivos e não seletivos. Os sele-
tivos são aqueles em que a alíquota é maior ou menor, dependendo da essen-
cialidade do bem. Já os impostos não seletivos são aqueles em que não existe
a diferença entre alíquotas em razão da essencialidade do bem.
Os impostos podem ainda ser cumulativos ou não cumulativos. Um im-
posto cumulativo incide em todas as etapas da cadeia de circulação do bem,
já os impostos não cumulativos são aqueles em que o valor pago na etapa
anterior pode ser abatido na etapa subseqüente.

2) TAXAS

A segunda espécie tributária é representada pelas taxas. A CF/88, assim


como fez com os impostos, igualmente atribuiu, em seu art. 145, II, à União,
Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para instituir “taxas, em
razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial,

FGV DIREITO RIO 41


Tributos em Espécie

de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou pos-


tos a sua disposição”. As taxas são, assim, de competência comum de todos os
entes e o seu exercício dependerá da competência atribuída para a prestação
do serviço ou exercício do poder de polícia pela CF/88. Se determinado ser-
viço não for acometido pela Constituição a nenhum ente federado, a compe-
tência residual é dos estados.
O CTN prevê esta figura tributária, estabelecendo em seu art.77 que:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito
Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribui-
ções, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia,
ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e
divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Ao contrário dos impostos, as taxas são tributos que tem como fato gera-
dor uma atividade estatal específica, diretamente ligada ao contribuinte. São,
por isso, tributos vinculados (a uma atividade estatal). Esta atividade estatal,
conforme a dicção legal dos artigos acima transcritos, poderá ser:

a) o exercício regular do poder de polícia ou


b) a prestação de serviço público específico e divisível, ou colo-
cação deste à disposição do contribuinte.      
  
Antes de passarmos ao estudo de cada tipo de taxa, cumpre ainda ressal-
tar que o parágrafo 2º do art. 145 da CF/88 e o parágrafo único do art. 77
do CTN, dispõem que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos” (art. 145, § 2º da CF/88). O parágrafo único do art. 77 do CTN,
ainda adiciona a ressalva que a taxa não pode ter fato gerador idêntico ao de
imposto, “nem ser calculada em função do capital das empresas”.

2.1) Taxas em razão do poder de polícia

Conforme visto acima, as taxas, como tributos com fato gerador vincula-
do a uma atuação estatal, podem ser instituídas em razão do exercício regular
do poder de polícia por parte do Estado.
O CTN, em seu art. 78, define que poder de polícia é a

atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando


direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção
de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à hi-
giene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do merca-
do, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão

FGV DIREITO RIO 42


Tributos em Espécie

ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao res- 99


AMARO, Luciano. Direito Tributário
peito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 55.
TRIBUTÁRIO - TAXA DE FISCALIZAÇÃO
100

O fundamento da instituição da taxa em razão do poder de polícia é, DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. 1.


O STF já proclamou a constitucionalida-
portanto, a atividade fiscalizadora do Estado perante o particular. Luciano de de taxas, anualmente renováveis,
pelo exercício do poder de polícia, e se
Amaro afirma que “a taxa de polícia é cobrada em razão da atividade do Es- a base de cálculo não agredir o CTN. 2.
tado, que verifica o cumprimento das exigências legais pertinentes e concede Afastada a incidência do enunciado
da Súmula 157/STJ. 3. Recurso espe-
a licença, a autorização, o alvará”99. Assim, o poder de polícia se exerce pela cial improvido. (REsp 261571/SP, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA
atividade de fiscalização, verificação, controle do Estado e se concretiza por SEÇÃO, julgado em 24/04/2002, DJ
meio da concessão de alvarás, licenças, autorizações, como, por exemplo, 06/10/2003, p. 199)

alvará para construção de imóvel, licença para localização e funcionamento 101


Recurso Extraordinário 1. Reper-
cussão geral reconhecida. 2. Alegação
de estabelecimento comercial, porte de arma, expedição de passaporte, etc. de inconstitucionalidade da taxa de
renovação de localização e de fun-
Para que a taxa em razão do poder de polícia possa ser cobrada, o seu exer- cionamento do Município de Porto
cício deve ser regular. O parágrafo único do art. 78 do CTN dispõe que “con- Velho. 3. Suposta violação ao artigo
145, inciso II, da Constituição, ao
sidera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo fundamento de não existir compro-
vação do efetivo exercício do poder
órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal de polícia. 4. O texto constitucional
e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou diferencia as taxas decorrentes do
exercício do poder de polícia daquelas
desvio de poder”. Assim, somente aquele exercício do poder de polícia realizado de utilização de serviços específicos e
divisíveis, facultando apenas a estas
a) por órgão competente; b) em estrita observância à lei aplicável e ao processo a prestação potencial do serviço pú-
legal e c) nos casos de atividades administrativos vinculados, que não haja abuso blico. 5. A regularidade do exercício
do poder de polícia é imprescindível
ou desvio de poder; é que poderá ser objeto de cobrança por meio de taxa. para a cobrança da taxa de localização
e fiscalização. 6. À luz da jurisprudên-
Cumpre salientar, por fim, que, ao contrário das taxas em razão da pres- cia deste Supremo Tribunal Federal,
tação de serviço público que veremos abaixo, as taxas pelo exercício do poder a existência do órgão administrativo
não é condição para o reconhecimento
de policia, na visão da doutrina, só poderiam ser cobradas mediante o efetivo da constitucionalidade da cobrança da
taxa de localização e fiscalização, mas
exercício deste poder, ou seja, somente quando há efetiva fiscalização, verifi- constitui um dos elementos admitidos
cação e controle por parte do poder público. para se inferir o efetivo exercício do
poder de polícia, exigido constitucio-
O STJ, no entanto, que havia editado a súmula 157 com o teor “é ilegíti- nalmente. Precedentes. 7. O Tribunal
de Justiça de Rondônia assentou que
ma a cobrança de taxa, pelo município, na renovação de licença para localização o Município de Porto Velho, que criou
de estabelecimento comercial ou industrial”, modificou seu entendimento no a taxa objeto do litígio, é dotado de
aparato fiscal necessário ao exercício
sentido que “é prescindível a comprovação efetiva do exercício de fiscalização do poder de polícia. 8. Configurada
a existência de instrumentos neces-
por parte da municipalidade em face da notoriedade de sua atuação” (Resp sários e do efetivo exercício do poder
261.571/SP, 1ª Seção, Min. Eliana Calmon, DJ 6.10.2003)100. de polícia. 9. É constitucional taxa de
renovação de funcionamento e loca-
O STF atualmente entende que “a incidência de taxa pelo exercício de poder lização municipal, desde que efetivo
o exercício do poder de polícia, de-
de polícia pressupõe ao menos (1) competência para fiscalizar a atividade e (2) monstrado pela existência de órgão
a existência de órgão ou aparato aptos a exercer a fiscalização” (RE 361009)101. e estrutura competentes para o res-
pectivo exercício, tal como verificado
na espécie quanto ao Município de
Porto Velho/RO 10. Recurso extraor-
dinário ao qual se nega provimento.
2.2) Taxas em razão da prestação de serviço público (RE 588322, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
16/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL
- MÉRITO DJe-164 DIVULG 02-09-
Conforme vimos acima, o art. 145, II da CF/88 e o art. 77 do CTN 2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT
VOL-02413-04 PP-00885 RIP v. 12, n.
estabelecem que o fato gerador das taxas de serviço público é a “utilização, 63, 2010, p. 243-255 RT v. 99, n. 902,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao 2010, p. 149-157)
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA
contribuinte ou postos a sua disposição”. DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO.

FGV DIREITO RIO 43


Tributos em Espécie

Da leitura destes dispositivos legais, podemos extrair os requisitos para


a instituição e cobrança de taxas em razão da prestação de serviço público,
quais sejam:

• prestação de serviço público


• o serviço público deve ser especifico e divisível
• o serviço público deve ser efetivamente prestado ou posto à
disposição do contribuinte

Assim, sem a presença destes requisitos, não é possível ao Poder Publico


instituir e cobrar taxas em razão da prestação de serviço público. Vejamos,
então, cada um destes elementos.

i) Prestação de serviço público

O legislador não definiu expressamente o que vem a ser a prestação de


serviço publico, ao contrário do que fez ao definir o poder de polícia. Hugo HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. EFETIVO
EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA. AU-
de Brito Machado define serviço público como “toda e qualquer atividade SÊNCIA EVENTUAL DE FISCALIZAÇÃO
PRESENCIAL. IRRELEVÂNCIA. PROCES-
prestacional realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfa- SUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. 1.
A incidência de taxa pelo exercício de
zer, de modo concreto e de forma direta, necessidades coletivas”102. poder de polícia pressupõe ao menos
(1) competência para fiscalizar a ati-
vidade e (2) a existência de órgão ou
aparato aptos a exercer a fiscalização.
2. O exercício do poder de polícia não é
ii) Serviço público específico e divisível necessariamente presencial, pois pode
ocorrer a partir de local remoto, com
o auxílio de instrumentos e técnicas
Para a instituição de taxa de serviço público, não basta, porém, a simples que permitam à administração exa-
minar a conduta do agente fiscalizado
prestação do serviço público por parte da administração pública. O serviço (cf., por semelhança, o RE 416.601,
rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ de
há que ser específico e divisível. 30.09.2005). Matéria debatida no RE
O CTN define, no art. 79, II, que os serviços serão específicos “quando 588.332-RG (rel. min. Gilmar Mendes,
Pleno, julgado em 16.06.2010. Cf. In-
possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, formativo STF 591/STF). 3. Dizer que a
incidência do tributo prescinde de “fis-
ou de necessidades públicas”. O mesmo artigo, no inciso III, estabelece que calização porta a porta” (in loco) não
implica reconhecer que o Estado pode
os serviços serão considerados divisíveis “quando suscetíveis de utilização, permanecer inerte no seu dever de ade-
separadamente, por parte de cada um dos seus usuários”. Serviço específico quar a atividade pública e a privada às
balizas estabelecidas pelo sistema jurí-
é aquele em que é possível individualizar o “fazer” do Estado, individuali- dico. Pelo contrário, apenas reforça sua
responsabilidade e a de seus agentes.
zar a ação do Estado em relação ao particular. Serviço divisível é aquele sus- 4. Peculiaridades do caso. Necessidade
cetível de ser utilizado separadamente por cada usuário. O destinatário do de abertura de instrução probatória.
Súmula 279/STF. Agravo regimental ao
serviço é, portanto, perfeitamente identificável. Além disso, sua utilização é qual se nega provimento.
(RE 361009 AgR, Relator(a): Min.
individual e mensurável. Exemplos de serviços públicos com estas caracte- JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma,
julgado em 31/08/2010, DJe-217 DI-
rísticas são: a prestação jurisdicional, remunerada pelas custas processuais; VULG 11-11-2010 PUBLIC 12-11-2010
a coleta de lixo e esgoto, etc. Em todos estes casos, é possível a identificação EMENT VOL-02430-01 PP-00087)

do beneficiário, a utilização separada por cada um e a mensuração, ao me- 102


MACHADO, Hugo de Brito, Curso de
Direito Tributário, São Paulo: Malheiros,
nos em tese, do grau de utilização. 2005, p. 434 e ss.

FGV DIREITO RIO 44


Tributos em Espécie

Assim, serviços gerais ou indivisíveis não podem ser remunerados por meio
de taxa. Exemplo clássico é a “taxa de iluminação pública” que foi declarada
inconstitucional pelo STF justamente por faltar-lhe os requisitos de espe-
cificidade e divisibilidade. Outros exemplos de serviços gerais e indivisíveis
seriam a segurança pública, defesa do território nacional, limpeza pública.
Ora, em todos estes serviços, não é possível identificar e isolar perfeitamente
os destinatários, não é possível separá-los em partes específicas relativas a cada
beneficiário, nem mensurar o grau de utilização por cada individuo. Qual-
quer pessoa que passar por uma rua, seja ela moradora da localidade ou não,
estará se beneficiando da limpeza, iluminação e segurança pública.

iii) Serviço público efetivamente prestado ou posto à disposição do


contribuinte

O último requisito, segundo o art. 145, II da CF/88 e o art. 77 do CTN


é que o serviço público seja prestado ou posto à disposição do contribuinte.
O art. 79 do CTN dispõe que:

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:


I - utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam
postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efeti-
vo funcionamento;

Assim, o serviço será considerado prestado quando utilizado efetivamente


pelo contribuinte. Por outro lado, será considerado posto à disposição do
contribuinte quando este poderá utilizá-lo potencialmente. Portanto, a taxa
em razão da prestação de serviço público poderá ser cobrada não somente
quando o contribuinte usufruir do serviço público, mas também quando a
ele é disponibilizado pela administração pública. Ou seja, o simples fato da
administração manter um determinado serviço público específico e divisível
em funcionamento, já enseja a possibilidade de cobrança de taxa, indepen-
dentemente se o contribuinte ira utilizá-lo ou não. Exemplo é o caso de uma
casa que não é habitada e, portanto, ninguém usufrui do sistema de coleta de
lixo e esgoto posto em funcionamento pela administração publica. Mesmo
assim, pelo simples fato do serviço estar à disposição, enseja a cobrança da
taxa de coleta de lixo e esgoto.
Cabe ressaltar, porém, que em qualquer caso é indispensável a existência
da prestação de serviço pelo Estado, ou seja, o serviço público deve estar efe-
tivamente em funcionamento, pouco importando se é efetivamente utilizado
ou não pelo contribuinte.

FGV DIREITO RIO 45


Tributos em Espécie

3) CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

A Contribuição de Melhoria é a terceira espécie de tributo. Este tributo
está conceituado no artigo 81 do CTN:

Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Es-


tados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas
respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras
públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite
total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de
valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Dessa maneira, a contribuição de melhoria é um tributo, assim como as


taxas, vinculado, ou seja, tem um fato gerador relacionado a uma atividade
estatal específica relativa ao contribuinte. O fato gerador da contribuição de
melhoria é a realização de obra pública da qual decorra uma valorização imo-
biliária. Ou seja, a contribuição de melhoria poderá ser instituída e cobrada 103
Art 2º Será devida a Contribuição
quando o poder público realizar uma obra que tenha por consequência uma de Melhoria, no caso de valorização
de imóveis de propriedade privada,
valorização do imóvel do contribuinte. Trata-se de um tributo de compe- em virtude de qualquer das seguintes
obras públicas:
tência comum, podendo ser instituído pelo ente que realizou a obra da qual I - abertura, alargamento, pavimenta-
decorreu a valorização imobiliária. ção, iluminação, arborização, esgotos
pluviais e outros melhoramentos de
Neste sentido é o art. 1° do Decreto-lei n° 195 de 1967, que traz as nor- praças e vias públicas;
II - construção e ampliação de par-
mas gerais aplicáveis à Contribuição de Melhoria. ques, campos de desportos, pontes,
Assim, dois requisitos são necessários para a instituição e cobrança da con- túneis e viadutos;
III - construção ou ampliação de siste-
tribuição de melhoria: mas de trânsito rápido inclusive todas
as obras e edificações necessárias ao
funcionamento do sistema;
IV - serviços e obras de abastecimento
a) realização de obra pública de água potável, esgotos, instalações
b) valorização do imóvel do contribuinte de redes elétricas, telefônicas, trans-
portes e comunicações em geral ou
de suprimento de gás, funiculares,
ascensores e instalações de comodi-
No que diz respeito ao primeiro requisito - realização de obra pública – dade pública;
cumpre ressaltar que não é toda e qualquer obra realizada pelo poder público V - proteção contra secas, inundações,
erosão, ressacas, e de saneamento de
que poderá dar ensejo à instituição da contribuição de melhoria, mas somen- drenagem em geral, diques, cais, de-
sobstrução de barras, portos e canais,
te aquelas relacionadas pelo art. 2° do Decreto-lei n° 195/67103. retificação e regularização de cursos
d’água e irrigação;
Hugo de Brito Machado ressalva que a relação das obras públicas feita VI - construção de estradas de ferro e
pelo Decreto-lei n° 195/67 é taxativa, isto é, “uma obra que não tenha sido construção, pavimentação e melhora-
mento de estradas de rodagem;
ali indicada não ensejara a cobrança dessa espécie tributaria”104. VII - construção de aeródromos e aero-
portos e seus acessos;
Conforme visto acima, não basta a realização de obra pública, há que se VIII - aterros e realizações de embeleza-
mento em geral, inclusive desapropria-
verificar uma valorização do imóvel do qual o contribuinte é proprietário ções em desenvolvimento de plano de
decorrente de tal obra. Assim, Hugo de Brito Machado afirma que “não é a aspecto paisagístico.

realização da obra pública que gera a obrigação de pagar contribuição de me- 104
MACHADO, Hugo de Brito, Curso de
Direito Tributário, São Paulo: Malheiros,
lhoria. Essa obrigação só nasce se da obra pública decorrer valorização, isto é, 2005, p.434 e ss.

se da obra pública decorrer aumento do valor do imóvel do contribuinte”105. Ibid, p. 434 e ss.
105

FGV DIREITO RIO 46


Tributos em Espécie

A contribuição de melhoria visa ressarcir os gastos incorridos pelo Estado


para a realização da obra. De acordo com o art. 9º, Decreto-Lei 195/1967,
o Estado não pode, previamente, levantar recursos para realizar a obra, ou
seja, a contribuição de melhoria só pode ser cobrada depois de parte ou to-
talidade da obra. No que diz respeito aos requisitos para a cobrança, o art.
82 do CTN dispõe que a lei relativa à contribuição de melhoria observará os
seguintes requisitos mínimos:

I - publicação prévia dos seguintes elementos:


a) memorial descritivo do projeto;
b) orçamento do custo da obra;
c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela
contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada;
e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização
para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela
contidas;
II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação
pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso
anterior;
III - regulamentação do processo administrativo de instrução e jul-
gamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem pre-
juízo da sua apreciação judicial.

Por fim, com relação ao cálculo da contribuição de melhoria, esta será


realizada dividindo-se a parcela do custo da obra a ser financiada pela contri-
buição pelo numero de imóveis situados na zona beneficiada em função dos
respectivos fatores individuais de valorização (CTN, art. 82, § 2°). O valor da
contribuição a ser paga por cada contribuinte não poderá, porém, conforme
o art. 81 do CTN, ultrapassar o acréscimo verificado do valor do imóvel,
nem o total das contribuições poderá ser superior ao custo total da obra.

4) EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

Outra espécie tributária presente no sistema tributário nacional é o em-


préstimo compulsório. Esta espécie está prevista no art. 148 da CF:

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir


empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamida-
de pública, de guerra externa ou sua iminência;

FGV DIREITO RIO 47


Tributos em Espécie

II - no caso de investimento público de caráter urgente e de rele-


vante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de emprés-
timo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua
instituição.

O CTN, em seu art. 15, também regula o empréstimo compulsório:

Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode


instituir empréstimos compulsórios:
I - guerra externa, ou sua iminência;
II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de aten-
der com os recursos orçamentários disponíveis;
III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.
Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do emprésti-
mo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável,
o disposto nesta Lei.

Tendo em vista que o inciso III do art. 15 do CTN, ao contrário dos dois pri-
meiros incisos, não guarda correspondência com o texto constitucional, muitos
doutrinadores defendem que tal dispositivo não foi recepcionado pela CF/88.
Como o nome diz, o empréstimo compulsório é um ingresso temporário
de recursos do contribuinte ao Estado e sua arrecadação obriga o Estado a
restituir, posteriormente, os valores cobrados a este titulo.
Assim, da leitura do art. 148 da CF/88 e do art. 15 do CTN, podemos
extrair os seguintes requisitos para a instituição do empréstimo compulsório:
a) competência exclusiva da União – somente a União tem competência
outorgada pela Constituição para instituir o empréstimo compulsório;
b) o veiculo legal para a instituição do empréstimo compulsório é a lei
complementar – ou seja, ao contrario da maioria dos tributos, esta espécie
não poderá ser prevista por lei ordinária;
c) sua instituição somente será possível i) para atender a despesas ex-
traordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência ou ii) no caso de investimento público de caráter urgente e de
relevante interesse nacional – tais situações são os fundamentos que autori-
zam a instituição do empréstimo compulsório. Cumpre observar que nem a
CF/88, nem o CTN prevêem os possíveis fatos geradores deste tributo que
poderá ser, portanto, vinculado ou não a uma atividade estatal especifica e
relativa ao contribuinte.
d) conforme o parágrafo único do art. 148 do CTN, a aplicação dos recursos
provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que funda-
mentou sua instituição, ou seja, a importância arrecadada a titulo de emprésti-
mo compulsório devera ser integralmente aplicada à causa que a fundamentou.

FGV DIREITO RIO 48


Tributos em Espécie

5) CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

Por fim, a última espécie tributaria é representada pelas contribuições es-


peciais, previstas no art. 149 da CF/88:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições


sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das
categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua
atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,
III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, rela-
tivamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Alguns autores, mesmo após a promulgação da CF/88, não consideram as


contribuições como uma espécie de tributo. A razão para fundamentar tal po-
sição é que o art. 145 da CF/88 não elenca as contribuições como uma espécie
de tributo. Além do mais, a previsão do art. 149 da CF/88 imporia às con-
tribuições o mesmo regime jurídico dos tributos (assim, se fosse uma espécie
de tributo, não haveria a necessidade de prescrever o mesmo regime jurídico).
A posição majoritária, no entanto, é no sentido de considerar as contri-
buições como uma espécie de tributo. Neste sentido, Paulo Ayres Barreto
afirma que “as contribuições têm natureza tributária por se amoldarem ao
conceito de tributo. Não é sua submissão ao regime tributário que lhe con-
fere tal natureza. (...) é a sua natureza que define o regime jurídico ao qual
deva ser submetida”106.
Apesar da maioria da doutrina considerar as contribuições como uma es-
pécie de tributo, subsiste ainda uma divergência, conforme visto no início
do capítulo, sobre a questão de serem espécies autônomas ou subespécies das
taxas e/ou impostos. Enquanto os que adotam a teoria bipartida ou tripartida
não admitem as contribuições como uma espécie autônoma; os adeptos da
teoria quinquipartida, a consideram como uma das cinco espécies de tribu-
tos, cujo traço distintivo das demais seria a obrigatoriedade da destinação do
produto da arrecadação. Neste sentido, Paulo Ayres Barreto afirma que “As
contribuições devem ser vistas como espécie tributária distinta dos impostos
e taxas. Não se confundem com os impostos por terem i) fundamento cons-
titucional distinto, a ser submetido a contraste constitucional (necessidade e
adequação da atuação) e ii) destinação vinculada”107.
O exercício da competência para a instituição das contribuições está vin- BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
106

– Regime Jurídico, Destinação e Con-


culado à expressão “como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, pre- trole. São Paulo: Noeses, 2006, p.95.

vista no artigo 149 da CF/88. Assim, “a necessidade geral de arrecadação não Ibid, p. 72.
107

autoriza a instituição de contribuição”108, tal como ocorre nos impostos. Se- BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
108

– Regime Jurídico, Destinação e Con-


gundo Paulo Ayres Barreto, “o pressuposto constitucional para sua exigência trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 71.

é a atuação do Estado (lato sensu) em área constitucionalmente demarcada”109. Ibid., p. 71.


109

FGV DIREITO RIO 49


Tributos em Espécie

Ou seja,

Segundo o art. 149 da CF, a outorga de competência à União


para instituição de contribuições subordina-se à efetiva atuação da
União em determinada finalidade – recursos advindos de contri-
buições devem, obrigatoriamente, ser aplicados na finalidade que
motivou a instituição do tributo, sempre como instrumento de
atuação da União110.

Assim, a contribuição especial, ao lado dos empréstimos compulsórios,


é um tributo marcado por sua destinação, visto que seu respectivo ingresso
é obrigatoriamente direcionado para o financiamento da atuação do Estado
em determinado setor (social ou econômico), como, por exemplo, a seguri-
dade so­cial; a educação; a intervenção do estado no domínio econômico, os
interesses das categorias profissionais etc.
E é justamente a finalidade para a qual será destinada a arrecadação que
determinará a espécie de contribuição especial. Assim, pela leitura do art.
149 da CF/88, as contribuições podem ser divididas em: a) contribuições
sociais, b) contribuições de intervenção no domínio econômico, mais conhe-
cidas como CIDE e c) contribuições de interesse das categorias profissionais
ou econômicas. Ressalta-se que a competência para a instituição destas con-
tribuições é exclusiva da União.
O § 1º do art. 149, com a redação dada pela EC n° 41/03, porém, trouxe
uma exceção à competência exclusiva da União para a instituição das contri-
buições sociais. Tal dispositivo dispõe que os Estados, Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir contribuição para o custeio do regime previ-
denciário de seus servidores, in verbis:

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contri-


buição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício des-
tes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota
não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos
efetivos da União.

Além destas três espécies de contribuições especiais, a EC n° 39/02 acres-


centou uma quarta ao texto constitucional. Trata-se da Contribuição para
o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP), de competência dos
Municípios e do Distrito Federal:

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir


contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço 110
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
– Regime Jurídico, Destinação e Con-
de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 156.

FGV DIREITO RIO 50


Tributos em Espécie

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se


refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

Os parágrafos do art. 149 da CF, incluídos pela Emenda Constitucional


nº 33, de 2001, trazem outras disposições relativas às contribuições sociais
e de intervenção no domínio econômico. O inciso primeiro do parágrafo
segundo,dispõe que estas contribuições não incidirão sobre as receitas decor-
rentes de exportação e o inciso II que incidirão também sobre a importação de
produtos estrangeiros ou serviços. Já o inciso terceiro, afirma que elas poderão
ter alíquotas a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o
valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica,
tendo por base a unidade de medida adotada. Já o § 3º, equipara a pessoa
natural destinatária das operações de importação a pessoa jurídica, na forma
da lei e o § 4º dispõe que a lei definirá as hipóteses em que as contribuições
incidirão uma única vez.
No que diz respeito aos traços típicos comuns e presentes a todas as espé-
cies de contribuição, Paulo Ayres Barreto enumera os seguintes:

a) o vocábulo contribuição se refere “à parte a que esta sujeito o


cidadão, para a formação de fundos necessários ao custeio de
determinada(s) despesa(s) pública(s)”;
b) a atividade estatal devera se voltar para o grupo de pessoas que
devera contribuir para a entidade, fundo ou despesa;
c) deve haver uma vantagem ou beneficio que vincule aquele que
suporta o custo ou a despesa (contribuinte) em relação à atividade
desenvolvida pelo Estado;
d) há que haver uma correlação entre o custo da atividade estatal e
o montante arrecadado a titulo de contribuição e
e) o produto da arrecadação deve ser necessariamente aplicado na
finalidade que deu causa à instituição da contribuição111.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário


nº 138.284/CE112, definiu alguns pontos cruciais à disciplina das contribui-
ções, dentre os quais a natureza tributária da contribuição social, destacando-
-se, no voto do ministro re­lator, que o artigo 149 da Constituição Federal
“instituiu três tipos de contribuições: a) contribuições sociais, b) de inter-
venção, c) corporativas. As primeiras, as contribuições so­ciais, desdobram-se,
por sua vez, em a.1) contribuições de seguridade social, a.2) outras de segu- 111
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
ridade social e a.3) contribuições sociais gerais”. – Regime Jurídico, Destinação e Contro-
le. São Paulo: Noeses, 2006, p. 124-125.
Segundo este entendimento, portanto, as contribuições sociais se subdividem 112
STF, Pleno, RE nº138.284/CE, Rel. Min.
em (i) contribuições sociais da seguridade social e (ii) contribuições sociais gerais. Carlos Velloso, RTJ 143/313, k. 1/7/92

FGV DIREITO RIO 51


Tributos em Espécie

As contribuições sociais da seguridade social, com previsão constitucional


no art. 195 da CRFB/88 e artigo 74 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, são submetidas ao princípio da ante­rioridade nonagesimal (art.
195, § 6º, CF/88), podendo ser instituída mediante a edição de lei ordinária.
Vejamos, a seguir, cada uma das espécies de contribuições especiais.

a) Contribuições sociais

As contribuições sociais são tributos de competência da União destinados


a financiar a atividade estatal na área social. Segundo Barreto (2006, p. 105),
tais contribuições podem ser subdivididas em i) contribuições destinadas ao
financiamento da seguridade social e ii) outras contribuições sociais.
As primeiras – destinadas ao financiamento da seguridade social – estão
previstas no art. 195, da CF e “são destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social”113.
O art. 195 da CF/88 assim dispõe:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade,


de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos pro-
venientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Fede-
ral e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na
forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social,
não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedi-
das pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a
lei a ele equiparar.

Pela leitura do artigo 195 da CF/88, percebe-se que as contribuições sociais da


seguridade social são as mais numerosas, dividindo-se nas seguintes subespécies:

(i) O inciso I do artigo 195 da Constituição da República (com re-


dação dada pela Emenda Constitucional nº. 20, de 15/12/1998)
prevê as contribuições do emprega­dor, da empresa e da entidade 113
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
– Regime Jurídico, Destinação e Con-
a ela equiparada na forma da lei, incidente sobre: trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 105.

FGV DIREITO RIO 52


Tributos em Espécie

(a) folha de salário e demais rendimentos do trabalho, mesmo


sem vínculo emprega­tício, incluindo-se a contribuição previ-
denciária dos empregadores e autônomos, reguladas pela Lei
nº. 8.212/91;
(b) a receita ou faturamento, incluindo-se a COFINS, instituída
pela LC nº. 70/1991 e alte­rada pela Lei nº. 9.718/1998 e Lei
nº. 10.833, de 29/12/2003, bem como o PIS, hoje regulado
pela Lei nº. 9.715/1998, com as alterações da Lei nº. 10.637,
de 30/12/2002;
(c) lucro, representada pela chamada CSLL - Contribuição So-
cial sobre o Lucro Líquido, criada pela Lei nº. 7.689/1988,
administrada pela União, por intermédio da Secre­taria da Re-
ceita Federal.
(ii) Contribuições dos trabalhadores e demais segurados da previ-
dência social, discipli­nada pelo inciso II, do artigo 195 da CF/88
e pela Lei nº. 8.212/91;
(iii) Contribuições incidentes sobre a receita de concursos de prog-
nósticos, tratada pelo inciso III, do artigo 195 da CRFB/88 e
regulada pela Lei nº. 8.212/91;
(iv) Contribuição do importador de bens ou serviços do exterior,
ou de quem a lei a ele equiparar, novidade trazida pela Emenda
Constitucional nº. 42 de 19 de dezembro de 2003, que acrescen-
tou o inciso IV ao artigo 195 da CRFB/88;
(v) Contribuição do produtor, do parceiro, do meeiro e do arrenda-
tário rurais e do pescador artesanal, bem como dos respectivos
cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia
familiar, sem empregados permanentes, mediante a aplica­ção de
uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção,
e fazendo jus aos benefícios nos termos da lei. (conforme redação
dada pela EC nº. 20, de 15/12/1998);

O rol previsto na Constituição não é exaustivo, visto que, de acordo com


o parágrafo 4º do artigo 195, “a lei poderá instituir outras fontes destinadas a
garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o dispos-
to no artigo 154, I”. Ou seja, o parágrafo 4º do artigo 195 da Constituição
da República atribui competência residual à União Fede­ral para, mediante lei
complementar, instituir novas contribuições destinadas à seguridade social,
que não digam respeito às referidas no caput do seu artigo 195.
Já as contribuições sociais gerais destinam-se “ao financiamento das demais
áreas de atuação da União no campo social”114, tal como saúde, educação, cul- 114
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
– Regime Jurídico, Destinação e Con-
tura, habitação, etc., e não tem seus fatos geradores previstos pela Constituição. trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 105.

FGV DIREITO RIO 53


Tributos em Espécie

Exemplos de contribuição social geral são: o salário educação, previsto no art.


212, § 5º, da CRFB/88, as contribuições destinadas às entidades privadas
de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical
(SESC, SENAI, SENAC), conforme dispõe o artigo 240 da Constituição da
República e a extinta CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações
Financeiras) que teve como fundamento para sua criação o financiamento da
saúde pública no país.

b) Contribuições de intervenção no domínio econômico

A segunda espécie de contribuição prevista pelo art. 149 da CF/88 é a


contribuição de intervenção no domínio econômico. Paulo Ayres Barreto
conceitua tais contribuições como “tributos que se caracterizam por haver
uma ingerência da União sobre a atividade privada, na sua condição de pro-
dutora de riquezas”115. O mesmo autor continua, afirmando que “a institui-
ção de contribuição de intervenção no domínio econômico haverá, assim,
de ter como pressuposto uma situação de desequilíbrio de mercado, que não
decorra de práticas ilícitas, em que a sua criação seja condição para que, no
tempo, haja o regular funcionamento desse mercado”116.
Assim, as contribuições de intervenção no domínio econômico são tri-
butos criados como uma forma de interferência da União sobre a atividade
privada, devendo “ser adotada em caráter excepcional e se, somente se, hou-
ver um desequilíbrio de mercado, que possa ser superado com a formação
de um fundo que seja revertido em favor do próprio grupo alcançado pela
contribuição interventiva”117. 115
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
Tácio Lacerda Gama afirma que a atuação do Estado no domínio econô- – Regime Jurídico, Destinação e Con-
trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 105.
mico apta a ensejar a instituição da Contribuição é somente aquela caracteri- Ibid, p. 114.
116

zada como um incentivo à economia118. Ou seja, atividades que ensejam uma Ibid, p. 118.
117

contraprestação por meio de taxas ou preços públicos, tais como serviços pú- 118
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição
blicos, fiscalização ou atuação via exploração direta da economia, não poderão de Intervenção no Domínio Econômico.
São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 263.
ser fundamento para a instituição de contribuição de intervenção no domínio Ibid, p. 263.
119

econômico. Além disso, Tácio Lacerda Gama elenca os seguintes requisitos A ordem econômica, fundada na
120

para a instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico119: valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados
• intervenção criada por lei; os seguintes princípios: I – soberania
nacional; II – propriedade privada; III –
• feita num setor específico da economia; função social da propriedade; IV – livre
• sendo o produto da arrecadação totalmente destinado ao cus- concorrência; V – defesa do consumi-
dor; VI – defesa do meio ambiente; VII
teio da intervenção; – redução das desigualdades regionais
e sociais; VIII – busca do pleno empre-
• União como sujeito interveniente; go; IX – tratamento favorecido para as
• respeito aos princípios gerais da atividade econômica, previs- empresas de pequeno porte constituí-
das, sob as leis brasileiras e que tenham
tos no art. 170 da CF/88120. sua sede e administração no país.

FGV DIREITO RIO 54


Tributos em Espécie

Como exemplo de uma contribuição de intervenção no domínio econô-


mico, podemos citar a CIDE-combustíveis, cujo fato gerador encontra-se
previsto no art. 177, §4° da CF/88:

§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio


econômico relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível (...). O inciso II do mesmo artigo, dispõe sobre a desti-
nação dos recursos obtidos:
II - os recursos arrecadados serão destinados:
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool com-
bustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a in-
dústria do petróleo e do gás;
c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

Nota-se que a CIDE-Combustíveis, instituída pela lei 10.336/2001, tem


por fato gerador a “importação ou comercialização de petróleo e seus deriva-
dos, gás natural e seus derivados e álcool combustível” no mercado interno e
os recursos arrecadados deverão ser necessariamente aplicados em subsídios,
projetos e programas relacionados com a mesma atividade.
Outro exemplo é a CIDE-Remessas, instituída pela Lei 10.168/2000,
com o propósito de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, me-
diante programas de pesquisa científica e tecnológica entre universidades.
Esta CIDE é incidente sobre as remessas de valores a residentes no exterior
por pagamento de serviços técnicos a uma alíquota de 10%. O contribuinte
é, portanto, o importador de serviços tecnológicos do exterior e a base de
cálculo é o valor da remessa.
Outro exemplo de contribuição de intervenção no domínio econômico é
o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM121,
criado com o objetivo de estimu­lar a arrecadação de valores destinados à re-
alização de obras de melhoramento nos portos e serviços de conservação na
frota de marinha mercante nacional.
A Contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de Teleco-
municações – FUST (Lei 9.988/2000), a Contribuição para o Fundo para
o Desenvolvimento Tecnológico de Telecomunicações – FUNTTEL (Lei
10.952/2001), a Contribuição para o desenvolvimento da Indústria Cine-
matográfico – CONDECINE (Lei 10.454/2002) e a Contribuição para a
121
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Recur-
Pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e para programas de eficiência so Extraordinário nº 177137/RS – Rio
energética final (Lei 10.438/2002) também são exemplos de Contribuições Grande do Sul, julgado pelo Tribunal
Pleno em 24 de maio de 1995, Relatoria
de Intervenção no Domínio Econômico. do Min. Carlos Velloso.

FGV DIREITO RIO 55


Tributos em Espécie

c) Contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas

As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas


são aquelas de competência da União, criadas com a finalidade de obter re-
cursos para financiar as atividades de instituições representativas e fiscaliza-
tórias de categorias profissionais ou econômicas. A União Federal poderá
instituí-las mediante a edição de lei ordi­nária, observando-se o princípio da
anterioridade, e serão devidas em razão do benefício do contribuinte que
participa do grupo profissional em favor do qual se desenvolve a atividade
indivisível do Estado.
As leis que instituem tais contribuições já elegem como sujeito ativo, ou
seja, quem realizará a cobrança e arrecadação do tributo, as próprias institui-
ções que se beneficiarão com o montante arrecadado para o financiamento
de suas atividades de organização, regulamentação e fiscalização de certas
categorias profissionais e econômicas. Trata-se, portanto, de um tributo com
finalidade parafiscal, ou seja, “o seu objetivo é a arrecadação de recursos para
o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do
Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas”122.
São exemplos desta espécie de contribuição: a contribuição sindical, pre-
vista pelo art. 8°, IV, b da CF/88 e as destinadas ao custeio das entidades
de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas, tais como OAB,
CREA, CRECI, CRM, etc.

d) Contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública

Conforme já visto, a Emenda Constitucional n° 39/2002 inseriu o art. 149- 122


MACHADO, Hugo de Brito, Curso de
A na CF/88 que outorga aos Municípios e ao Distrito Federal a competência Direito Tributário, São Paulo: Malhei-
ros, 2005, p. 82.
para instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. 123
TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITE-
Esta previsão instituída pela EC n° 39/02 decorre de diversas tentativas RÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA.
ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL
frustradas de instituição de taxas relativas ao serviço de iluminação publica Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO
DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93.
que acabaram por ser declaradas inconstitucionais pelo STF123, tendo em Tributo de exação inviável, posto ter
vista a falta dos requisitos de especificidade e divisibilidade para a instituição por fato gerador serviço inespecífico,
não mensurável, indivisível e insus-
de taxas, conforme vimos acima. cetível de ser referido a determinado
contribuinte, a ser custeado por meio
Ocorre que, segundo Paulo Aires Barreto, o serviço de iluminação pública do produto da arrecadação dos im-
tem caráter geral, alcançando toda a coletividade e, nas contribuições, deve postos gerais. Recurso não conhecido,
com declaração de inconstituciona-
haver sempre um nexo causal entre a finalidade e um grupo social específico, lidade dos dispositivos sob epígrafe,
que instituíram a taxa no município.
que não se pode confundir com a coletividade. Por outras palavras, o autor (RE 233332, Relator(a): Min. ILMAR
GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em
fala que “nas contribuições, a identificação do grupo para o qual se volta a 10/03/1999, DJ 14-05-1999 PP-00024
atividade estatal é fundamental. Esse grupo não pode se confundir com toda EMENT VOL-01950-13 PP-02617)

a coletividade. Se toda a coletividade é alcançada, o gasto é geral e (...) devem BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições
124

– Regime Jurídico, Destinação e Con-


ser suportados pela arrecadação de impostos”124. trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 119.

FGV DIREITO RIO 56


Tributos em Espécie

Assim, tendo em vista o fato da iluminação pública ser um serviço que


atinge toda a coletividade e não um grupo específico, tal atividade não pode-
ria ser remunerada através de contribuição, já que um dos requisitos para a
instituição desta, conforme vimos, é a existência de um grupo social definido.

QUESTÕES

1) Município situado na região XYZ do Brasil realizou serviços e obras de rede


de água potável e esgoto de certo bairro, durante o primeiro semestre de
2010, o que resultou na valorização de 100 (cem) imóveis da região. O custo
total da obra correspondeu a R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos
mil reais). Com isso, o Município editou Decreto, em 02/09/2010, a fim
de disciplinar a instituição e cobrança de contribuição de melhoria inci-
dente sobre os imóveis alcançados pela valorização imobiliária em questão.
A municipalidade, para efetuar a respectiva cobrança, considerou somente
a diferença entre o valor venal dos referidos imóveis antes da realização das
obras e seu valor venal ao término das obras públicas, com base no cadas-
tro do IPTU local. Em 10/10/2010, os contribuintes foram notificados,
mediante recebimento de cobrança, para, no prazo máximo de 30 (trinta)
dias, efetuarem o pagamento da referida exação fiscal.

Com base nesse cenário, responda aos itens a seguir, empregando os argu-
mentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

a) Discuta a correção da cobrança da exação, como realizada pela munici-


palidade, justificando com base na legislação e sua interpretação.
b) Analise o cálculo feito pela municipalidade para encontrar o valor
devido pelos contribuintes, esclarecendo se é compatível com a legis-
lação em vigor.
(Exame de ordem unificado 2010-3 – 2ª fase - FGV Projetos)

2) O município de Abaeté instituiu taxa de limpeza urbana, a ser exigida em


conjunto com o IPTU, de todos os proprietários de imóveis situados nos
limites territoriais do município, para fazer frente às despesas com a lim-
peza de logradouros públicos. Um dos proprietários de imóveis naquela
localidade, Lino A., sentiu-se prejudicado com a cobrança, ao receber o
boleto de pagamento do IPTU e da taxa de limpeza urbana com os valores
de R$ 1.650,00 e de R$ 450,00, respectivamente. Em razão da cobran-
ça da referida taxa, Lino A. resolveu procurar auxílio de profissional da
advocacia, para livrar-se do encargo. Em face dessa situação hipotética,
apresente os fundamentos jurídicos em defesa dos interesses de Lino A.
(41º Exame de Ordem – 2ª Fase (2010-1/ CESPE-UNB).

FGV DIREITO RIO 57


Tributos em Espécie

3) A Corta Pinheiro Ltda., empresa madeireira regularmente estabeleci-


da e em dia com suas obrigações fiscais, recebeu, há pouco, boleto para
pagamento de duas taxas: a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental
(TCFA), instituída por lei federal, que confere ao Ibama poderes para
controlar e fiscalizar atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras
de recursos naturais, que deve ser paga trimestralmente, e a Taxa de Con-
servação das Vias e Logradouros Públicos (TCVLP) do município onde a
Corta Pinheiro Ltda. está sediada, esta com exação anual. Após uma breve
pesquisa, o departamento jurídico da empresa atesta que, no último ano,
o Ibama, apesar de manter o órgão de controle em funcionamento, não
procedeu a qualquer fiscalização da empresa e que o município efetiva-
mente mantém órgão específico responsável pela conservação das vias e
logradouros públicos.

Com base no caso acima, responda aos itens a seguir, empregando os argu-
mentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

a) Qual é a principal diferenciação entre a natureza jurídica da TCFA e a


TCVLP e como ela influencia o caso em tela?
b) As taxas são devidas? (V Exame de Ordem Unificado – FGV Projetos)

4) A contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública pode


(40º Exame de Ordem – 1ª Fase - 2009-3 /CESPE-UNB)
(A) ser cobrada na fatura de consumo de energia elétrica.
(B) ser instituída pelos estados e pelo DF.
(C) ter alíquotas máximas e mínimas fixadas pelo Senado Federal.
(D) ser cobrada no mesmo exercício financeiro em que seja publicada a
lei que a instituir.

5) Caso a União pretenda fazer investimento público de caráter urgente e de


relevante interesse nacional, (40º Exame de Ordem – 1ª Fase (2009-3 /
CESPE-UNB)
(A) poderá ser instituído empréstimo compulsório, por meio de lei com-
plementar federal, para ser cobrado no mesmo exercício em que seja
publicada a lei que o institua.
(B) poderá ser instituído imposto extraordinário para vincular a sua ar-
recadação à despesa no referido investimento.
(C) poderá ser instituído empréstimo compulsório por meio de lei com-
plementar, observado o princípio da anterioridade.
(D) não poderá ser instituído tributo, visto que se trata de despesa de
investimento

FGV DIREITO RIO 58


Tributos em Espécie

6) Leia a reportagem abaixo e responda às questões a seguir:

Senado sepulta criação de novo imposto para a saúde


Folha de São Paulo, 08 de dezembro de 2011

Com aval do Planalto, governistas derrubam brecha que permi-


tia novo tributo
Texto aprovado segue agora para sanção de Dilma; governo re-
jeita regra que o obrigava a gastar 10% com o setor

MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

O Senado aprovou ontem projeto de lei que regulamenta os gastos


obrigatórios do governo federal, dos Estados e dos municípios com
o sistema público de saúde.
Na votação, os senadores retiraram a previsão para a criação de um
novo imposto para financiar o setor.
O Planalto ainda mobilizou a base para garantir a manutenção do
texto aprovado em setembro pelos deputados, que já haviam rejeita-
do a criação de uma regra obrigando a União a investir 10% de sua
receita na saúde.
A regulamentação da chamada "emenda 29" estava em discussão há
mais de dez anos no Congresso e segue agora para sanção da presi-
dente Dilma Rousseff, que ratificar a decisão.
Por 65 votos contra 4, os senadores retiraram do texto a brecha para
que no futuro pudesse ser criado o novo imposto, a CSS (Contri-
buição Social à Saúde).
A Câmara já tinha deixado a CSS sem a base de cálculo, na prática
inviabilizando a cobrança do novo tributo.
Mas o texto como fora aprovado pelos deputados ainda permitiria
que um projeto de lei complementar apresentado ao Congresso pu-
desse instituir a base de cálculo para o imposto.
Agora, com a mudança, a criação de um novo tributo teria que co-
meçar do zero.
INVESTIMENTO
Pelo texto aprovado ontem, permanece para a União a regra se-
gundo a qual o governo deve aplicar na saúde o valor empenhado
(reservado para gasto) no orçamento anterior, acrescido da variação
nominal do PIB (Produto Interno Bruto).
Atualmente, o Executivo destina 7% do PIB.
Caso a vinculação dos 10% fosse aprovada, isso significaria acréscimo
de R$ 35 bilhões no orçamento da Saúde, que hoje é de R$ 71,5 bi.

FGV DIREITO RIO 59


Tributos em Espécie

A proposta terá maior impacto nos cofres dos Estados. O percentu-


al obrigatório que eles devem investir (12% da receita) não muda.
Mas a partir de agora eles não poderão contabilizar como gastos de
saúde despesas como o pagamento de aposentadorias e restaurantes
populares para alcançar esse percentual.
A nova lei define quais ações podem ser contabilizadas como gastos
em saúde e prevê punição para quem descumprir as novas regras.
Senadores que atuam no setor avaliam que para cumprir as novas re-
gras os governadores e prefeitos vão desembolsar R$ 3 bilhões/ano.
A principal mudança no texto é a que permite que os repasses do
Fundeb (Fundo para Desenvolvimento da Educação) continuem na
base de cálculo dos percentuais que os governadores precisam apli-
car -o que representa hoje cerca de R$ 7 bi.
Houve ainda uma promessa do governo para incluir no Orçamento
de 2012 R$ 3,4 bilhões em novas emendas parlamentares para re-
forçar o caixa da saúde.
Com ameaças de traições no PT e no PMDB, líderes governistas
passaram o dia em negociações. Com o PR, teria sido discutida a
composição de diretorias do Dnit. Segundo parlamentares, também
ficou acertada liberação de emendas.

a) Em qual espécie se enquadraria o novo tributo, caso fosse criado?


Qual o fundamento de validade constitucional para a criação deste
novo tributo? De quem seria a competência para instituí-lo? Qual
a materialidade possível?
b) Pode a União instituir outras contribuições além daquelas cuja ma-
terialidade está prevista no artigo 149 e 195 da CF/88? Pode a nova
contribuição incidir sobre materialidades próprias dos impostos
previstos na CF?
c) Caso as verbas arrecadadas a este título não fossem revertidas para
financiar a saúde, o tributo seria devido? Por quê?

7) O estudo “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal”


realizado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – mostrou
que “As taxas de fiscalização, mensalidades e anuidades cobradas pelos conselhos
de fiscalização das profissões liberais são o principal objeto da ação de execução
fiscal (37,3%), seguido de impostos federais (27,1%), contribuições sociais federais
(25,3%) e outras verbas destinadas à União, como multas, aforamentos, laudê-
mios e obrigações contratuais diversas (10,1%)”125. Sobre estas taxas dos conse-
lhos de fiscalização das profissões liberais, responda: qual a natureza jurídica
destas exações? São elas tributos, de qual espécie? Qual a destinação do dinhei-
ro arrecadado a tal título? Quem pode ser exigido a pagar tais exações? Por 125
Retirado de http://www.ipea.gov.br
que tais instituições gozam desta prerrogativa? Fundamente as suas respostas. em 08 de dezembro de 2011.

FGV DIREITO RIO 60


Tributos em Espécie

LEITURA OBRIGATÓRIA

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições – Regime Jurídico, Destinação e Con-


trole. São Paulo: Noeses, 2006, p. 90-124.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de, CANADO, Vanessa Rahal, Direito Tri-
butário e Direito Financeiro: reconstruindo o conceito de tributo e res-
gatando o controle da destinação. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas: do fato à norma, da rea-
lidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 608-625.

MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São


Paulo: Max Limonad, 2000, P. 217-250.

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo, Saraiva,
2010, pp. 49-78.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 16ª ed. São Paulo, Saraiva,
2010, pp 71-110.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2007, pp.24-46.

GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.


São Paulo: Quartier Latin, 2003.

GRECO, Marco Aurélio – Contribuições (uma figura “sui generis”). São Pau-
lo: Dialética Editora, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. rev. atual.
e amp. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 419-433.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 1973.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª edição.


São Paulo: Sarai­va, 1972.

FGV DIREITO RIO 61


Tributos em Espécie

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2007, pp.19-27.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Classificação dos Tributos. In Revista


de Direito Tribu­tário. nº. 47. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. rev. atual.
e amp. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 300-304, 434-444 e 445-456 .

FGV DIREITO RIO 62


Tributos em Espécie

AULA 03. Regra-Matriz de Incidência e obrigação Tributária

a) Conceito e Função da Regra-Matriz de Incidência Tributária

A regra-matriz de incidência tributária, idealizada por Paulo de Barros


Carvalho126, consiste nos elementos mínimos que podemos extrair da nor-
ma que regula determinado tributo para sabermos: i) qual fato dará ensejo
à obrigação de pagar o tributo (fato gerador), bem como onde e quando
ele deve ocorrer e ii) quais serão os termos da obrigação tributária, ou seja,
de que forma o tributo será cobrado e pago. A regra-matriz de incidência
tributária demonstra, portanto, como se dará a incidência da norma que
regula determinado tributo, sobre fatos ocorridos concretamente.
Assim como toda norma que prevê uma regulação de conduta, a regra-
-matriz de incidência tributária é composta por duas partes:

a) uma hipótese, na qual estará previsto um fato com conteúdo


econômico (inserido em determinado espaço e tempo) e
b) uma consequência caso o fato descrito na hipótese ocorrer no
mundo real. Tendo em vista que tratamos de norma de inci-
dência de tributo, esta consequência será a obrigação tributá-
ria, ou seja, o dever de pagar determinado tributo.

Segundo as lições de Paulo de Barros Carvalho127, a regra jurídica tem a


estrutura de um juízo hipotético condicional: enquanto a hipótese descreve
um fato de possível ocorrência; a consequência prescreve uma relação jurí-
dica em que a conduta vem regulada sob a forma de uma obrigação, uma
proibição ou uma permissão.
Assim, a regra-matriz de incidência tributária tem por função definir a
incidência do tributo, descrevendo fatos, estipulando os sujeitos da rela-
ção e os termos que determinam a dívida. Há somente uma regra-matriz
para cada tributo.

b) Critérios da Regra-Matriz de Incidência Tributária

A regra-matriz de incidência tributária apresenta critérios que definem


a hipótese e o consequente. Enquanto a hipótese se divide nos critério CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
126

de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:


material, espacial e temporal; a consequência é composta pelos critérios Saraiva, 2007.

pessoal e quantitativo. Estes, por sua vez, se subdividem em sujeito ativo e 127
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
passivo (critério pessoal) e base de cálculo e alíquota (critério quantitativo). Saraiva, 2007.

FGV DIREITO RIO 63


Tributos em Espécie

Tais critérios representam os elementos mínimos para identificarmos o fenô-


meno da incidência tributária: qual fato, onde e quando este deve ocorrer para
dar nascimento à consequência – a obrigação de recolher determinado tributo.
Por sua vez, os elementos da consequência trarão os elementos mínimos para
se identificar os termos da obrigação tributária – quem irá cobrar e quem irá
pagar, além do valor da obrigação - quanto que será pago a título de tributo.

1) Critérios da hipótese

Critério Material

No critério material da regra-matriz de incidência tributária encontrare-


mos uma descrição de “um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas,
condicionado por circunstancias de espaço e tempo”128. Ou seja, haverá a
previsão de um fato, de um comportamento de pessoas (vender mercadorias,
prestar serviços, auferir renda) que deverá ocorrer no mundo real para que
surja a obrigação de pagar determinado tributo.
Cumpre ressaltar que o critério material sempre será formado por um
verbo seguido de um complemento (dar, fazer, ser alguma coisa).
Assim, será no critério material que estará a resposta à pergunta: “qual
fato que deverá ocorrer para que nasça a obrigação que tem por objeto o pa-
gamento de tributo?”. No critério material é que estará o que a doutrina e a
legislação comumente chamam de “fato gerador”.
O Código Tributário Nacional define fato gerador da obrigação principal
e acessória em seus artigos 114 e 115, nos seguintes termos:

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida


em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação
que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção
de ato que não configure obrigação principal.

Da leitura do citado artigo, conclui-se que o CTN identifica fato gerador


como a “situação definida em lei”, ou seja, o que o Código Tributário chama
por fato gerador seria o fato descrito na hipótese da regra-matriz de incidên-
cia tributária. Nas palavras de Luciano Amaro, fato gerador é a “(...) situação
cuja ocorrência dá nascimento à obrigação de pagar tributo”129.
128
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
Mas além de definir fato gerador como “situação definida em lei”, ou seja, de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
o fato hipoteticamente descrito na regra-matriz de incidência tributária de Saraiva, 2007, p.267.

determinado tributo, o CTN ao mesmo tempo chama de “fato gerador” a AMARO, Luciano. Direito Tributário
129

Brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2010,


ocorrência concreta do fato previsto na norma no mundo real. p. 282

FGV DIREITO RIO 64


Tributos em Espécie

Ou seja, o CTN chama de fato gerador tanto a previsão do fato na lei


como a sua ocorrência na vida real. Por exemplo, seria fato gerador do
ICMS tanto o fato descrito na respectiva lei como apto a desencadear a
obrigação de pagar tributo – a previsão de circular mercadoria - quanto
a efetiva circulação de mercadoria feita por um comerciante no mundo
real. Assim, pode-se dizer que “um dos fatos geradores do ICMS, segundo
a lei, é circular mercadoria” como igualmente pode-se dizer, ao ocorrer
tal acontecimento no mundo real – alguém circulou mercadorias - que
“houve a ocorrência do fato gerador do ICMS”.
Esta duplicidade de sentido do termo “fato gerador” feita pelo CTN
foi alvo de muitas criticas pela doutrina, que sugere a eleição de termos
distintos para os dois eventos. Assim, Geraldo Ataliba130 denomina “hi-
pótese de incidência” ao conceito legal, à previsão hipotética de um fato
por lei e chama de “fato imponível” o fato concretamente ocorrido, ou
seja, o acontecimento do fato descrito em lei na vida real. Já Paulo de
Barros Carvalho, nomina os dois eventos de “hipótese tributária” e “fato
jurídico tributário”131.
Apesar das críticas à formula empregada pelo legislador, Luciano Ama-
ro não vê “inconveniente sério no emprego ambivalente da expressão
“fato gerador” (para designar tanto a descrição legal hipotética quanto o
acontecimento concreto que lhe corresponda)”132. Assim, ao se deparar
com o termo “fato gerador” no código tributário nacional e na doutrina,
o leitor há que ter em mente que esta expressão pode ter dois significados
diversos – tanto a previsão hipotética da ocorrência de um fato pela lei,
quanto a ocorrência concreta deste fato no mundo fenomênico.
Em função de o CTN ter classificado a obrigação tributária em prin-
cipal e acessória, conforme veremos a seguir, tem-se, por conseqüência,
duas espécies de fato gerador: o da obrigação tributária principal e o da
obrigação acessória.
Fato gerador da obrigação principal: é “a situação definida em lei como
necessária e suficiente à sua ocorrência” (art.114 do CTN). Deve-se ob-
servar que a doutrina e as leis tributárias, quando tratam do fato gerador
da obrigação principal, referem-se ao fato gerador do tributo. Quando o
objeto a ser tratado é o ilícito tributário, não é feita qualquer menção ao
termo fato gerador, mas à infração tributária.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Inci-
Fato gerador da obrigação acessória: “é qualquer situação que, na for-
130

dência Tributária. São Paulo: Malheiros,


ma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não 2010, p. 55.

configure obrigação principal” (art.115 do CTN). O conceito é determi- 131


CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
nado por exclusão, pois é toda a hipótese que faça surgir uma obrigação Saraiva, 2007, p.258.

cujo objeto não seja uma prestação pecuniária, como é o caso do dever de AMARO, Luciano. Direito Tributário
132

Brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2010,


emitir nota fiscal. p. 288.

FGV DIREITO RIO 65


Tributos em Espécie

Critério Espacial

A simples descrição de um fato no critério material não é suficiente para


fazermos uma completa determinação da hipótese de incidência tributária.
Necessário se faz localizar este fato no espaço e no tempo.
Por exemplo, se uma determinada pessoa for proprietária de imóvel no
Município de São Paulo, por certo não estará obrigada a pagar o IPTU do
Município de Florianópolis. Da mesma maneira, se um comerciante vendeu
mercadoria no Estado do Amapá, igualmente não deverá recolher o ICMS
do Estado de Santa Catarina. Assim, imprescindível definir o local em que
deve ocorrer o fato descrito no critério material para dar azo ao nascimen-
to da obrigação de pagar o tributo. Esta é a função do segundo critério da
regra-matriz de incidência tributária: o critério espacial.
O critério espacial se caracteriza, portanto, como o local onde o fato des-
crito no critério material deve ocorrer para dar nascimento à obrigação tri-
butaria. Este critério não pode ser confundido com o local do pagamento.
Entende-se por local do pagamento aquele definido pela legislação tributária
como sendo adequado para a resolução do vínculo tributário. Ou seja, o lo-
cal do pagamento exterioriza o espaço de exaurimento do crédito tributário,
uma vez que a hipótese de incidência prevista em lei já ocorreu.

Critério Temporal

Assim como é preciso localizar o fato descrito no critério material no es-


paço, igualmente imprescindível é localizá-lo no tempo. Assim, se uma de-
terminada pessoa foi proprietária de imóvel há dez anos, mas já não o é, não
poderá ser cobrada a pagar o IPTU relativo ao presente ano.
O critério temporal é, portanto, quando, o momento em que se reputa
ocorrido o fato descrito no critério material e, por conseqüência, o momento
em que nasce a obrigação tributária prevista no conseqüente.
Sobre este critério, Paulo de Barros Carvalho leciona que ele nos oferece
os elementos para saber “em que preciso instante acontece o fato descrito,
passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função
de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”133.
O art. 116 do CTN dispõe sobre regras de quando deve se considerar
ocorrido o fato gerador. Segundo o artigo em comento, considera-se ocorri-
do o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se
verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza
os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja 133
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Saraiva, 2007, p.274.

FGV DIREITO RIO 66


Tributos em Espécie

O artigo 116 do CTN diferencia em seus incisos o fato gerador represen-


tado por uma situação de fato (ex. prestar serviço, circular mercadorias) – em
que basta a ocorrência de determinado fato para nascer a respectiva obrigação
tributária; daquele consubstanciado em uma situação ou negocio jurídico
(ex. propriedade de bem imóvel – representado pela escritura pública), em
que o fato gerador é representado não por um fato concreto, mas por uma
situação regulada pelo direito. Na primeira hipótese, portanto, se reputará
ocorrido o fato gerador quando se verificarem as circunstâncias materiais
necessárias à produção de efeitos que lhe são próprios, enquanto que no se-
gundo caso, o fato gerador ocorrerá no momento em que a situação jurídica
ao qual depende estiver definitivamente constituída.
Em caráter supletivo ao inc. II, do art. 116, o art. 117134 trata dos negócios
jurídicos condicionais, que são aqueles cujo efeito do ato jurídico está subor-
dinado a evento futuro e incerto. O inc. I estabelece que, sendo suspensiva a
condição, o fato gerador considera-se ocorrido desde o momento de seu im-
plemento. Vale lembrar que a condição suspensiva ocorre quando se protela
a eficácia do ato até a realização de acontecimento futuro e incerto. Enquanto
não ocorrer o evento, não haverá efeito na esfera tributária.
Já o inc. II do mesmo artigo estabelece que “sendo resolutória a condição,
o fato gerador se considera ocorrido desde o momento da prática do ato ou
da celebração do negócio”. A cláusula resolutiva tem por fim a extinção do
direito criado pelo ato, depois de acontecimento futuro e incerto.
O critério temporal é importante para a identificação de qual será a lei
que vai reger determinado fato, ou seja, é importante para solucionar os
conflitos de lei no tempo, principalmente com relação ao princípio da an-
terioridade tributária.
A doutrina costuma dividir este critério em três tipos: a) fato gerador
instantâneo (v.g. ITBI); b) fato gerador periódico ou complexivo (v.g. IR);
e c) fato gerador continuado (v.g. IPTU, IPVA). O primeiro - fato gerador
instantâneo – significa um único fato ocorrido em certo momento do tempo
e nele se esgota totalmente (v.g. a importação de um certo bem – no II, a
transmissão de um imóvel – no ITBI). Para cada fato gerador que se realiza,
surge uma obrigação de pagar tributo.
O segundo - fato gerador periódico ou complexivo - abrange diversos fatos
isolados que ocorrem em determinado espaço de tempo. Estes fatos, soma-
dos, aperfeiçoam o fato gerador do tributo. O fato gerador será a soma de 134
Art. 117. Para os efeitos do inciso II
do artigo anterior e salvo disposição de
todos os fatos que ocorreram em um determinado período de tempo. O IR lei em contrário, os atos ou negócios
jurídicos condicionais reputam-se per-
(Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza) seria um exem- feitos e acabados:
I - sendo suspensiva a condição, desde o
plo de fato gerador periódico, pois inclui a soma de vários fatos que ocor- momento de seu implemento;
reram em um determinado período durante o qual o contribuinte auferiu II - sendo resolutória a condição, desde
o momento da prática do ato ou da ce-
renda, aptos a gerar o pagamento do imposto. lebração do negócio.

FGV DIREITO RIO 67


Tributos em Espécie

Por fim, denomina-se fato gerador continuado aquele que ocorre quando a
situação do contribuinte se mantém no tempo, mas a incidência do imposto
se dá em um determinado tempo previsto em lei. Nessa modalidade, é indi-
ferente se as características da situação foram se alterando ao longo do tempo,
porque o que importa são as características presentes no dia que se considera
o fato ocorrido. É espécie de fato gerador relacionado a situações que tendem
a permanecer no tempo, como acontece com a propriedade de um imóvel ou
de um automóvel, por mais que a mesma seja transferida a terceiros.

2) Critérios do consequente

O consequente da regra-matriz de incidência tributária descreverá os ter-


mos da obrigação tributária que nascerá, caso ocorrido o fato descrito na sua
hipótese. Ou seja, é no consequente que encontraremos a previsão de uma
relação jurídica que se instala automaticamente quando o fato se concretiza.
O consequente da regra-matriz é composto de critérios para a identifica-
ção do vínculo jurídico que nasce –« quem cobra, quem deve pagar e de que
forma ». Assim, para identificar estes elementos, os critérios do consequente
são o pessoal (sujeito ativo e passivo) – que nos dirá quem é o credor e quem
é o devedor da obrigação tributária – e o quantitativo – que nos informará,
através da conjugação da base de cálculo e alíquota, o valor a ser pago pelo
devedor (sujeito passivo) ao credor (sujeito ativo).

Critério Pessoal

Conforme explicado acima, é no critério pessoal que se identificará quem


são os sujeitos da relação jurídica tributária. Ou seja, é nele que se aponta o
sujeito ativo e passivo da obrigação tributária, o credor e devedor do tributo.
Estes sujeitos do vínculo são pessoas interligadas entre si pela prestação.

a) Sujeito Ativo

O sujeito ativo é o titular de direito subjetivo de exigir a prestação pecuni-


ária. Ele será o credor da relação jurídica tributaria, a quem deverá ser pago e
quem poderá exigir o pagamento do tributo.
O CTN define no art. 119 o sujeito ativo nos seguintes termos:

Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito


público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.

FGV DIREITO RIO 68


Tributos em Espécie

Apesar da dicção do CTN ser clara ao dizer que o sujeito ativo será pessoa
jurídica de direito público, o certo é que pode ser pessoa jurídica pública ou
privada. Pessoas jurídicas públicas são as pessoas políticas de direito interno,
dotadas de poder legislativo e habilitadas a editar normas. São elas a União, Es-
tados, Municípios e Distrito Federal. O sujeito ativo também poderá ser pes-
soa jurídica privada que, no entanto, não são titulares de competência tributá-
ria. Exemplos de pessoas jurídicas de direito privado que poderão ser sujeitos
ativos de relação jurídica tributária são as entidades paraestatais, com funções
de finalidade pública, no caso das contribuições instituídas e pagas a seu favor.      

b) Sujeito Passivo

O sujeito passivo da obrigação tributária será a pessoa, física ou jurídica,


pública ou privada, de quem se exige o cumprimento da prestação do tributo
ou dos deveres instrumentais.
O art. 121 do CTN explicita que:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada


ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

O parágrafo único do art. 121 do CTN nos informa ainda que poderão ser
sujeitos passivos da relação jurídica tributária o contribuinte e o responsável:

Art. 121. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação princi-


pal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situa-
ção que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte,
sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Assim, a sujeição passiva poderá ser direta, quando for representada pelo
contribuinte, entendido como aquele que tem relação pessoal e direta com
a situação descrita pela norma. Geralmente o contribuinte será aquele que
realiza o fato descrito pelo critério material da regra-matriz. A sujeição pas-
siva poderá, no entanto, ser indireta, quando for encampada pela figura de
responsável, aquele cuja obrigação decorre de disposição expressa de lei.
Importante diferenciar a sujeição passiva da capacidade tributária passiva.
A capacidade tributária passiva é a habilitação que uma pessoa para ocupar
o papel de sujeito passivo de relações jurídicas de natureza tributária. O art.
126 do CTN ressalta que a capacidade tributária passiva independe de capa-
cidade civil de pessoas naturais, privações ou limitações de atividades civis e
constituição regular da pessoa jurídica, in verbis:

FGV DIREITO RIO 69


Tributos em Espécie

Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:


I - da capacidade civil das pessoas naturais;
II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem
privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou
profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;
III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando
que configure uma unidade econômica ou profissional.

Assim, o Direito Tributário dá validade a atos praticados por pessoas com


incapacidade relativa ou absoluta e a entes sem personalidade jurídica. No
entanto, a capacidade para realização do fato descrito na regra-matriz (capa-
cidade tributária passiva) não significa que a pessoa terá aptidão para integrar
a obrigação tributária (sujeito passivo), pois só pessoas com personalidade
jurídica podem figurar nesta posição.
Por fim, importante trazermos a disposição contida no art. 123 do CTN
que estipula que convenções particulares que modificam a sujeição passiva
para o pagamento do tributo não têm validade contra a Fazenda Pública:

Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções parti-


culares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não
podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição
legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

Critério Quantitativo

Será pelo critério quantitativo que se determinará o valor a ser pago a


titulo de tributo. Este critério prescreve, portanto, os termos do objeto da
prestação, através da conjugação de dois elementos – base de cálculo e alíquo-
ta – para definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo a titulo de tributo.
Assim, a função do critério quantitativo é estabelecer a exata quantia devi-
da a título de tributo. Ele definirá qual o valor que o sujeito ativo pode exigir
e que o sujeito passivo deve pagar. Este valor é, regra geral, estabelecido pela
conjugação de dois elementos: base de cálculo e alíquota. Ressalta-se, po-
rém, que nos tributos fixos, como no caso de algumas taxas, não há a presen-
ça destes dois elementos, haja vista que os valores são definitivos e invariáveis.

a) Base de cálculo

A base de cálculo é o elemento do critério quantitativo que se destina a


dimensionar a intensidade do comportamento inserto no critério material da
regra-matriz. Ao se combinar com a alíquota, a base de cálculo determina o
valor do tributo.

FGV DIREITO RIO 70


Tributos em Espécie

Paulo de Barros Carvalho135 ensina que a base de cálculo cumpre três


funções distintas:

i) Medir as proporções reais do fato


ii) Determinar a dívida
iii) Confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério mate-
rial do antecedente da norma

Vejamos cada uma delas:

i) Medir as proporções reais do fato

A Constituição Federal, ao escolher as materialidades dos tributos cuja


competência reparte entre os entes políticos, se reporta a eventos ou bens que
possuam expressão econômica. Ou seja, em atenção ao principio da capaci-
dade contributiva, a tributação somente pode recair sobre fatos que expres-
sem sinais de riqueza.
Dessa forma, ao regularem determinado tributo, os entes políticos devem
estabelecer na norma uma fórmula numérica para estipular o valor econô-
mico do dever jurídico. Assim, cabe ao legislador escolher uma forma de
atribuir um valor ao fato para servir de suporte ao cálculo do tributo.
Uma das funções da base de cálculo, portanto, é demonstrar o valor eco-
nômico do acontecimento, do fato descrito no critério material. Exemplos de
mensuração econômica de fatos são: valor da operação, valor venal, valor de
mercado, peso, altura, largura. Regra geral essa valoração será quase sempre
um valor em dinheiro

ii) Compor a determinação da dívida

Além de ser um fator mensurável do fato gerador, a grandeza escolhida


para fins de base de cálculo também terá por função ser elemento do cálculo
do quantum da prestação tributária. Assim, será também a base de calculo
um mero fator integrante de uma operação de multiplicação, para o fim de
definir o valor a ser pago a titulo de tributo, da seguinte forma:

Valor do tributo = Base de cálculo X Alíquota

iii) Confirmar, infirmar ou afirmar o critério material da regra-matriz de


incidência tributária
135
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
Segundo Paulo de Barros Carvalho136, ao se comparar a medida esti- Saraiva, 2007.

pulada como base de cálculo com o critério material da norma, a base 136
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso
de Direito Tributário. 18ª Ed. São Paulo:
de cálculo deve mensurar adequadamente a materialidade do evento. Saraiva, 2007.

FGV DIREITO RIO 71


Tributos em Espécie

A base de cálculo deve, regra geral, confirmar a materialidade descrita na


hipótese da regra-matriz. Ou seja, deve a base de cálculo expressar uma ca-
racterística do fato previsto no critério material. No entanto, poderá ocorrer
que numa comparação entre a base de cálculo e critério material, tais crité-
rios não encontrem equivalência. Neste caso, a base de cálculo infirmará o
critério material, ou seja, a grandeza escolhida para quantificar o fato, não
corresponde a uma característica do mesmo. Diante desta situação, deverá
prevalecer a base de cálculo para fins de se estipular o fato sobre o qual recairá
o tributo. Assim, por exemplo, se uma determinada taxa para coleta de lixo
tiver como base de cálculo o valor da mercadoria, temos uma situação em
que a base de cálculo eleita em nada tem a ver com a materialidade prevista
pela lei. Portanto, este tributo será considerado um “ICMS” disfarçado em
taxa, sendo, portanto, ilegal, pois valerá a base de cálculo eleita. Por fim, em
caso de obscuridade do fato previsto no critério material, a base de cálculo
servirá para afirmá-lo, ou seja,

b) Alíquota

A alíquota é o elemento que, congregada à base de cálculo, estabelece o


quantum a ser pago a título de tributo. A alíquota pode corresponder a uma
percentagem ou ser estabelecida em termos monetários.
Assim, a alíquota pode assumir duas feições:
i) Específica: um valor monetário fixo ou variável, em função de escalas
progressivas de base de cálculo (ex: 1 real por metro – o metro será a
base de cálculo e o valor será a alíquota). È utilizada quando o legis-
lador define a base de cálculo por outro critério diferente da pecúnia.
ii) Ad valorem: uma fração, que corresponda a um percentual ou não da
base de cálculo. Neste caso poderá ser proporcional invariável, progres-
siva ou regressiva. Exemplo de proporcional invariável é uma alíquota
de determinado Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) que será
sempre na percentagem de 2% independentemente do valor do imó-
vel. Exemplo de alíquotas progressivas é a tabela do Imposto de Renda
Pessoa Física, em que há variações de alíquota para variações da base de
cálculo (renda) (quanto maior a renda, maior a alíquota). Já alíquotas
regressivas terão o efeito oposto – quanto maior a base de cálculo, me-
nor será a alíquota correspondente.
Deve-se observar que a alíquota não existe no tributo fixo, pois este é uma
unidade monetária invariável em função de uma realidade fática estática. O
tributo fixo é comum nas taxas cobradas em razão do exercício do poder de
polícia, nas quais, em função de um ato invariável do Estado, estabelece-se
um quantum fixo.

FGV DIREITO RIO 72


Tributos em Espécie

Para terminar, exemplifiquemos a forma como se dá a conjugação da base


de cálculo com a alíquota para fins de cálculo do tributo devido. Trata-se de
mera operação de multiplicação da base de cálculo pela alíquota, se represen-
tada em percentagem. Vejamos alguns exemplos:
• A lei do IPTU de determinado Município estabelece que a base de
cálculo será o valor venal do imóvel e a alíquota será de 4%. Logo,
se um determinado imóvel tem seu valor venal correspondente a R$
100.000,00, o imposto a pagar será o valor do imóvel multiplicado
pela alíquota de 4%, ou seja, R$ 100.000,00 x 4% = R$ 2.000,00.
• A lei do Imposto de Renda estipula que para uma renda anual de
R$ 20.000,00 aplica-se uma alíquota de 7,5%. Assim, o imposto
de renda a ser pago será o valor de R$ 20.000,00 x 7,5%, ou seja,
R$1.500,00.
• A lei do ICMS estipula uma alíquota de17% sobre o valor de venda
da mercadoria. Assim, se uma mercadoria foi vendida pelo valor de
R$100,00, o valor a ser recolhido a titulo de ICMS será de R$17,00.

ESQUEMA DA REGRA-MATRIZ DE INCIDENCIA TRIBUTARIA

FGV DIREITO RIO 73


Tributos em Espécie

c) Obrigação Tributária

Após termos visto o que é a regra-matriz de incidência tributária, passare-


mos agora a analise do vinculo jurídico que nasce a partir da ocorrência do
fato descrito na hipótese da regra-matriz, ou seja, a relação jurídica que se
instaura com o acontecimento do fato descrito na hipótese da regra-matriz de
incidência tributária – fato imponível ou fato jurídico tributário. Tal relação
jurídica nada mais é que a concretização do consequente da regra-matriz de
incidência tributária, formada pelos critérios pessoal (sujeito ativo e sujeito
passivo) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Ou seja, a regra-matriz
de incidência tributária extraída da lei que institui e regula determinado tri-
buto já prevê hipoteticamente a consequência da realização concreta do fato
descrito em sua hipótese – o dever do sujeito passivo realizar uma prestação
ao sujeito ativo. Assim, uma vez ocorrida o fato descrito na hipótese da regra-
-matriz (fato gerador, fato imponível ou fato jurídico tributário), nasce a
relação jurídica prevista no consequente – a obrigação tributária.
Assim como toda a obrigação jurídica, a obrigação tributária também é
uma relação jurídica entre devedor e credor que tem por objeto uma presta-
ção. O que difere a obrigação tributária das demais é que esta tem por objeto
uma prestação de natureza tributária, que pode assumir a forma de um dar,
no caso de obrigação de pagar tributo ou penalidade pecuniária, ou de fazer
ou não fazer alguma coisa, no caso da obrigação de cumprimento de deveres
instrumentais à cobrança do tributo.
O art. 113 do CTN divide a obrigação tributária em principal e aces-
sória. Segundo o § 1º deste artigo, a obrigação principal surge com a ocor-
rência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Assim,
equiparou o CTN à obrigação principal tanto aquela que tenha por objeto o
pagamento de valores relativos a determinado tributo, quanto a que tem por
objeto o pagamento de uma penalidade pecuniária. O requisito escolhido
pelo código para classificar, portanto, as obrigações tributárias em principal
é o caráter pecuniário ou não da exação. Assim, sempre que a cobrança
envolva a prestação de dinheiro, será ela considerada obrigação principal,
mesmo que não diga somente respeito à exigibilidade do tributo em si. Ou
seja, serão consideradas obrigações principais tanto uma prestação cobrada
do sujeito passivo que se refira à cobrança de tributo, quanto outra que diga
respeito à cobrança de penalidade pecuniária (multas) pelo descumprimento
de obrigações tributárias.
Já o § 2º do art. 113 do CTN define a obrigação acessória como aquela que
decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou nega-
tivas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

FGV DIREITO RIO 74


Tributos em Espécie

Assim, diferentemente da obrigação classificada como principal, a obrigação


acessória, também chamada por parte da doutrina como deveres instrumen-
tais, tem por objeto uma prestação não-pecuniária, ou seja, um fazer ou
não fazer alguma coisa. Como exemplos de obrigações acessórias temos a)
prestar declarações, b) emitir notas fiscais, c) escriturar livros contábeis e
fiscais, d) guardar documentos, etc.
Por fim, acrescenta ainda o § 3º do artigo 113 do CTN que a obrigação
acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação
principal relativamente à penalidade pecuniária. Ou seja, se acaso uma obri-
gação acessória não for observada, o seu descumprimento enseja a aplicação
de uma penalidade pecuniária, normalmente representada por uma multa.
Esta multa, por ter caráter pecuniário – é representada por uma quantia em
dinheiro – torna-se uma obrigação principal, já que,conforme vimos, toda
a obrigação tributária de cunho patrimonial é classificada como principal,
segundo o § 1° do art. 113 do CTN.

QUESTÕES

1) Construa a Regra-Matriz de Incidência Tributária do IPTU do Muni-


cípio do Rio de Janeiro, conforme abaixo:

LEI Nº 691 DE 24 DE DEZEMBRO DE 1984

TÍTULO IV Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Ur-


bana

Art. 52 - O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urba-


na tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse
do bem imóvel, por natureza ou por acessão física, como definido
na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
Parágrafo único - Considera-se ocorrido o fato gerador no primeiro
dia do exercício a que corresponder o imposto.
(...)
Art. 62 - Contribuinte do Imposto sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana é o proprietário do imóvel, o titular do seu do-
mínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.
Parágrafo único - São também contribuintes os promitentes-com-
pradores imitidos na posse, os posseiros, ocupantes ou comodatários
de imóveis pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios, ou a
quaisquer outras pessoas isentas do imposto ou a ele imunes.

FGV DIREITO RIO 75


Tributos em Espécie

Art. 63 - A base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial


é o valor venal da unidade imobiliária, assim entendido o valor que
esta alcançaria para compra e venda à vista, segundo as condições
do mercado.
§ 1º - Para efeito de cálculo do valor venal, considera-se unidade
imobiliária a edificação mais a
área ou fração ideal do terreno a ela vinculada.
(...)
Art. 66 - A base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territo-
rial Urbana é o valor venal do imóvel não edificado, assim entendi-
do o valor que este alcançaria para compra e venda à vista, segundo
as condições do mercado.
Art. 67 - O imposto será calculado aplicando-se sobre a base de cál-
culo as alíquotas seguintes:

Alíquota (%)
I - Imóveis Edificados

1 - Unidades Residenciais................................................................... 1,20

2 - Unidades Não Residenciais........................................................... 2,80

II - Imóveis Não Edificados............................................................... 3,50

2) De acordo com a Lei 0000/00, que institui o “tributo X”, responda às


questões a seguir:

Lei Federal 0000/00


Art. 1o Fica instituído o tributo “X” incidente sobre a comercializa-
ção de combustíveis líquidos derivados de petróleo.
§ 1o O produto da arrecadação do tributo “X” será destinado
ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a in-
dústria do petróleo e do gás e de programas de infra-estrutura de
transportes.
Art. 2o O contribuinte do tributo “X” é o comerciante de combus-
tíveis líquidos derivados de petróleo.
Art. 3o A base de cálculo do tributo “X” é a unidade de medida
adotada nesta lei para os produtos de que trata o art. 2o.
Art. 4o O tributo “X” terá na as seguintes alíquotas específicas:

FGV DIREITO RIO 76


Tributos em Espécie

I – gasolina, R$ 860,00 por m³;


II – diesel, R$ 390,00 por m³;
III – querosene de aviação, R$ 92,10 por m³;
Art. 5° O tributo “X” deverá ser recolhido até o último dia do mês
subseqüente ao da comercialização do combustível.

a) Qual a espécie tributária na qual se enquadra o tributo “X”? Justifique


b) O que acontecerá se o dinheiro arrecadado relativo ao tributo “X” não
for efetivamente aplicado na destinação prevista no § 1° do art. 1º da
Lei 0000/00?
c) Construa a regra-matriz do tributo “X”, relativa ao comércio de gasolina.

3) A obrigação tributária principal tem por objeto (V Exame de Ordem


Unificado – 2011-02/ FGV Projetos)

(A) a escrituração de livros contábeis.


(B) o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária
(C) a prestação de informações tributárias perante a autoridade fiscal
competente.
(D) a inscrição da pessoa jurídica junto ao Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica – CNPJ.

LEITURA OBRIGATÓRIA:

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª Ed. São


Paulo: Saraiva, 2007, pp.255-279, pp.295-315 e 338-341.

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 12ª ed. São Paulo, Saraiva,
2010. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Pau-
lo: Malheiros, 2010.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª edição.


São Paulo: Saraiva, 1972.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. rev. atu-
al. e amp. São Paulo: Malheiros, 2011.

FGV DIREITO RIO 77


Tributos em Espécie

AULA 04. TRIBUTAÇÃO SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR – II E IE

ESTUDO DE CASO

Determinada empresa efetuou a declaração de importação de veículos


da Alemanha no SISCOMEX no dia 05/06/2010. Nesta data, a alíquota
prevista para o Imposto de Importação era de 30%. Durante a vinda dos
bens ao Brasil, o governo aumentou a alíquota do II para 45%, sendo esta
a alíquota em vigor no momento da entrada dos veículos no território
brasileiro. Os bens permaneceram por 5 dias em armazém alfandegado,
período no qual o governo brasileiro novamente majorou a alíquota do II
para 50%. O desembaraço aduaneiro ocorreu, assim, sob a vigência desta
alíquota. Diante deste caso, da legislação sobre o II e da jurisprudência
consolidada, qual a alíquota que deve ser aplicada neste caso? Você concor-
da com este entendimento? Justifique.

Introdução ao Comércio Exterior: A teoria da integração e os aspectos


tributários do regionalismo e do multilateralismo137

Após a formação e consolidação dos Estados Nacionais, no início da Idade


Moderna, os Estados europeus adotaram práticas econômicas caracterizadas
por um intenso intervencionismo estatal sobre a economia. A política econô-
mica da época, o mercantilismo, envolvia a manutenção de uma balança co-
mercial favorável, bem como uma série de medidas protecionistas, tais como
a elevação da tributação incidente sobre as importações.
Contudo, com as mudanças trazidas pela Revolução Industrial foram in-
troduzidas novas ideias e conceitos que são, ainda hoje, princípios norteado-
res dos processos de integração econômica entre os Estados.
Adam Smith foi o filósofo e economista responsável por formular a teoria
das vantagens absolutas, segundo a qual determinado país deveria concen-
trar-se na produção dos bens que necessitem do menor emprego de fatores
de produção possíveis, exportar o excedente e importar os demais bens ne-
cessários à sua população. Em outras palavras, os países se beneficiariam do 137
Esta parte introdutória do tema
é um excerto da Aula 3 do Material
comércio entre Estados, exportando os bens que possuem vantagem absoluta didático da disciplina eletiva oferecida
em 2017-2 na FGV Direito Rio, no
e importando os demais bens. âmbito da Cátedra Jean Monet. Vide
COSTA, Leonardo. Material Didático.
No entanto, a tese aceita como base para o comércio internacional foi a Integração Fiscal, Regionalismo e
apresentada por David Ricardo: a teoria das vantagens comparativas. Segun- Tributação Internacional: os modelos
Europeu, Brasileiro e as Convenções
do David Ricardo, o comércio é benéfico não apenas quando o Estado possui da OCDE. Disponível em: < https://
direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.
vantagem absoluta em relação a um bem, mas sempre que outro Estado possua br/files/u1882/intergacao_fiscal-
vantagem na produção quando comparado ao primeiro Estado (a chamada regionalismo_e_tributacao_
internacional_parte_i_2017-2.pdf >.
“vantagem comparativa”). Isto é, sob a perspectiva da sociedade como um todo, Acesso em 08.02.2018.

FGV DIREITO RIO 78


Tributos em Espécie

seja internacional, quando a análise se referir à decisão da produção entre


países, ou sob a ótica nacional, quando a comparação diga respeito à produ-
ção entre estados da mesma federação, a especialização é economicamente
sustentável ainda que uma das jurisdições possua vantagem absoluta na pro-
dução de todos os produtos sob análise. Supondo-se, por exemplo, apenas
duas jurisdições, “A” e “B”, e considerando-se que “A” seja mais eficiente
na produção do produto “X” e do produto “Y”, para um dado período de
tempo. Ainda assim haveria vantagens para que as duas jurisdições se espe-
cializassem cada qual na produção dos produtos em que possuíssem maior
vantagem comparativa138, isto é, se este produto pode ser produzido por um
custo menor em termos do outro produto.
A partir dessas ideias surgiram as primeiras tentativas de integração entre
os Estados para incentivar o comércio entre as nações. As medidas adotadas
com essa finalidade consistem em reduzir ou suprimir tanto as barreiras tari-
fárias (tais como o imposto de importação e as taxas alfandegárias) quanto as
barreiras não tarifárias (restrições quantitativas de importação, exigências de
qualidade, excesso de formalidades aduaneiras, etc).
De acordo com Béla Balassa139, que colaborou para o desenvolvimento das
teorias de Integração Econômica, “a cooperação inclui uma ação tendente a
diminuir a discriminação, enquanto que a integração pressupõe medidas que
conduzem à supressão de algumas formas de discriminação”. O economista
húngaro exemplifica a distinção, qualificando os acordos internacionais so-
bre políticas comerciais como hipóteses de atos de cooperação, e como atos
de integração, a supressão de barreiras aduaneiras140.
Não obstante o exposto, a simples existência de relações de troca entre as
nações já pode denotar um sinal de integração, apesar de os liberais salienta-
rem que a verdadeira integração econômica pressupõe a abolição das restri-
ções aos movimentos de mercadorias entre Estados, isto é:

a eliminação dos entraves ao comércio entre os países participantes,


de forma a proporcionar ganhos comerciais resultantes da raciona- 138
RICARDO, David. Principles of Politi-
lização e da especialização das estruturas de produção, bem como a cal Economy and Taxation: 1817.
realização de outros objetivos de políticas comerciais e económicas. 139
BALASSA, Béla. Teoria da integração
Econômica. Tradução de Maria Filipa
A ideia base reside, na supressão das barreiras comerciais que obsta- Gonçalves e Maria Elsa Ferreira. Lisboa:
culizam o comércio entre os Estados, mesmo que se faça através de Clássica Editora, 1964. p.12.

um outro modelo tradicional de integração141. BALASSA. Idem. P


140

EDUARDO RAPOSO DE MEDEIROS,


141

Economia Internacional, 5ª Ed. (Revista


Um dos primeiros exemplos de modelo de integração bem sucedido é a Actualizada), Lisboa, 1996, pp. 569.

criação, em 1833, do Zollverein, que consistiu em uma união aduaneira entre 142
COSTA, Leonardo de Andrade. A
Integração de Mercados e as Questões
os 39 estados alemães. No entanto, o processo de cooperação e de integração Tributárias. Repercussões Sociais. Semi-
nário Brasil Século XXI (2001: Brasília,
comercial entre os países, como estratégia para potencializar desenvolvimen- DF). O Direito na Era da Globalização:
to econômico e social, “não tem sido, historicamente, uniforme, contínuo e Mercosul, Alca e União Européia: Pa-
lestras. Brasília: OAB, Conselho Federal,
linear”, conforme já salientado.142 2002. pp. 107/117.

FGV DIREITO RIO 79


Tributos em Espécie

De fato, o início do século XX foi marcado pelo desenvolvimento de


nacionalismos exacerbados e, com isso, a uma nova instituição de medidas
protecionistas e a uma redução dos esforços de integração. A esse fenômeno
Haberler chamou de desintegration143.
Não obstante, com o fim da Segunda Guerra Mundial os Estados perce-
beram a necessidade de celebrar tratados capazes de impulsionar o comércio
e, por vezes, promover a união econômica e política dos Estados membros
(como é o caso da União Europeia).
É nesse contexto que, em 1947, surge o General Agreement on Tariffs and
Trade  (GATT), o  primeiro acordo envolvendo diversos países (portanto
multilateral) com o objetivo de promover o comércio internacional a partir
da redução ou eliminação de tarifas, de barreiras não tarifárias e de preferên-
cias entre países. Já em 1996 foi criada a Organização Mundial do Comércio
(OMC) ou World Trade Organization – WTO (em inglês). A subseção 1.1
analisará os principais aspectos organizacionais, bem como os princípios e
aspectos tributários dessas duas organizações de cunho multilateral. Já a sub-
seção 1.2 cuidará das diversas espécies de integração regional e das peculiari-
dades tributárias de cada uma.

1.1 Multilateralismo: O GATT e a OMC

Após o término da Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização das


Nações Unidas (ONU) com o claro objetivo de facilitar a cooperação em ma-
téria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento eco-
nômico, progresso social, direitos humanos e a realização da paz mundial. En-
quanto isso, no âmbito do Comércio Exterior, os Estados membros da ONU
iniciaram um projeto multilateral para que fosse instituída a International Tra-
de Organization (ITO) ou Organização Internacional do Comércio (OIC).
Contudo, os pilares da nova ordem econômica mundial só foram defini-
dos em 1947 com o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, que
ficou conhecido por seu nome em inglês General Agreement on Tariffs and 143
HABERLER apud PORTO, Manuel Car-
Trade (GATT). Este acordo teve por fim harmonizar as políticas aduaneiras los Lopes; FLÔRES JR., Renato Galvão.
Teoria e Política de Integração na União
dos Estados signatários, com um conjunto de normas e concessões tarifárias, Europeia e no Mercosul. Editora FGV.
Rio de Janeiro. 2006. p. 13.
criadas com a função de impulsionar a liberdade comercial, combater as prá- 144
Em julho de 1944, antes do fim da
ticas protecionistas e regular, a princípio provisoriamente, as relações comer- Segunda Grande Guerra, definiu-se em
Bretton Woods o Sistema Monetário
ciais internacionais. Nesse sentido apontam Serge Berstein e Pierre Milza: Internacional - a primeira base para
a liberalização das relações econômi-
cas. Foi retomada a política do gold
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on exchange standard, onde adotou-se a
livre conversibilidade de todas as mo-
Tariffs and Trade – GATT) constitui o segundo pilar da liberalização edas entre si e com o dólar, enquanto
das relações econômicas144. Restrito a um simples acordo assinado em os Estados Unidos se comprometeria a
converter em ouro na base de 35 dóla-
Genebra em 1947, em razão da vigilância do Congresso americano, res a onça.

FGV DIREITO RIO 80


Tributos em Espécie

contrário a qualquer organização excessivamente incômoda, ele


prega a flexibilização alfandegária dentro do respeito à recipro-
cidade de vantagens consentidas, segundo o antigo princípio da
cláusula de nação mais favorecida. As práticas comerciais desle-
ais como dumping são condenadas, mas são difíceis de desmasca-
rar. O GATT, aliás, tolera inúmeras derrogações e cláusulas de
salvaguarda para dar conta de situações econômicas específicas
que justificam, frequentemente, medidas protecionistas. Antes
de mais nada, trata-se, portanto, de um espaço de negociação
baseado num código de boa conduta suficientemente maleável,
a ponto de provocar, no momento de sua criação, a adesão de 23
países, responsáveis, juntos por 80% do comércio mundial.145

Apesar da consolidação do GATT, da introdução de um novo lastro mo-


netário para as trocas internacionais e das instituições criadas no âmbito do
Acordo de Bretton Woods, em 1944, como o estabelecimento do padrão
dólar-ouro, a fundação do Banco Mundial (BIRD) e do Fundo Monetário
Internacional (FMI), as tentativas e os acordos para criar a Organização In-
ternacional do Comercio (OIC) não tiveram êxito. A inviabilidade da criação
da OIC se tornou clara com a recusa do Congresso dos Estados Unidos em
ratificar o estabelecimento dessa instituição com a Carta de Havana em 1948.
Sem a participação de um dos países de maior destaque na economia
mundial não foi possível estabelecer um sistema multilateral de comércio
que regulasse os aspectos financeiros e monetários internacionais.
A recusa dos Estados Unidos em sancionar a OIC é explicada pelo desejo
de manter o status hegemônico que o país já havia alcançando durante a sua
participação na guerra. Com a posição, a consolidação do padrão dólar-ouro,
do BIRD do FMI e do GATT, os EUA passaram a ter a soberania no comér-
cio internacional e a liderar a nova ordem econômica mundial estabelecida.
Dessa forma, o GATT foi um acordo que supriu a demanda de uma real
instituição internacional para o comércio. Criado para regular provisoria-
mente as relações comerciais internacionais, tornou-se um instrumento que,
de fato, regulamentou por mais de quatro décadas as relações comerciais en-
tre os países membros.
O seu intuito provisório pode ser facilmente percebido pela simples re-
dação da Lei Federal nº 313, de 30.7.1948, que internalizou a aplicação do
GATT no Brasil, nos seguintes termos:

Art. 1º E’ o Poder Executivo autorizado a aplicar, provisòriamente, o


Acôrdo Geral sôbre Tarifas Aduaneiras e Comércio, cujo texto cons-
BERSTEIN, Serge; MILZA, Pierre.
ta da Ata Final da Segunda Reunião da Comissão Preparatória da
145

História do século XX (1945-1973),


Conferência das Nações Unidas sôbre Comércio e Emprêgo, assina- Volume II – O mundo entre a guerra e
a paz. São Paulo: Companhia Editora
da pelo Brasil e outros países, em Genebra, a 30 de outubro de 1947. Nacional, 2007. p. 22.

FGV DIREITO RIO 81


Tributos em Espécie

Ao longo de sua existência, foram estabelecidas oito rodadas comerciais,


que tiveram o escopo de reduzir tarifas por meio da negociação multilateral
internacional para assim solidificar o livre comércio.
As Rodadas do GATT tiveram início em Genebra 1947 passando por An-
necy, Torkay, Genebra, Dillon, Kennedy, Tóquio e, finalmente, a Rodada
do Uruguai que durou de 1986 a 1994, e que culminou na criação de uma
instituição multilateral e permanente para salvaguardar o comércio interna-
cional, a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Esta última Rodada de negociações contou com a participação de 123 países
e incluiu um novo Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 94), o
qual manteve a vigência do GATT 47, e ainda estabeleceu novos acordos: o
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), o Acordo sobre Investi-
mentos (TRIMS) e o Acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS).
Assim, ante a necessidade de discutir acordos destinados a regulamentar
os procedimentos de solução de controvérsias, como medidas antidumping,
de salvaguarda, compensatórias, de valoração aduaneira, licenciamento, pro-
cedimentos, etc., os países resolveram pela instituição de um organismo in-
ternacional destinado a regulamentar o comércio internacional, não apenas
de bens, mas também de serviços, e que abordasse a crescente necessidade de
proteger temas relacionados aos investimentos e à propriedade intelectual.
Desta forma, a OMC foi criada e encarregada de efetivar e garantir a aplica-
ção de todos os acordos discutidos até então.
A World Trade Organization (WTO) ou Organização Mundial do Co-
mércio (OMC) é a instituição internacional que trata das regras do comércio
entre os seus Estados membros. Funcionando desde 1º de janeiro de 1995,
conta com 164 países afiliados146; o Brasil é membro desde a sua fundação147.
Vale ressaltar que a sua entrada em vigor foi estabelecida pela Declaração
Ministerial de Marraqueche, em 15 de abril de 1994, ocasião em que os
ministros dos Países-Membros do GATT decidiram não apenas estabelecer
a OMC, mas também determinar o início das atividades em 1º de janeiro
de 1995, a fim de “levar os países a uma nova era de cooperação econômica
mundial, refletindo o grande desejo de negociar em um sistema multilateral
de comércio mais justo e amplo.”148
Baseado nos preceitos estabelecidos na Carta de Havana, que almejou 146
Referência em maio de 2016.
a formação da Organização Internacional do Comércio (OIC), o Acordo No referido link há informações sobre
147

Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) deixou de existir após a sua ultima as disputas da OMC em que o Brasil
atua como reclamante, reclamado, ou
Rodada de Negociações, iniciada no Uruguai em 1986 (GATT 94), sendo terceiro: <http://www.wto.org/english/
thewto_e/countries_e/brazil_e.htm.>
seu texto posteriormente incorporado à OMC. 148
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues
Em que pese ter regulamentado por mais de quarenta anos o comercio do (Coordenador). Direito do Comércio
internacional, o GATT 1947 não alcançava os serviços e era inaplicável, na Internacional. Editora LEX. São Paulo,
2004. Página 73.
pratica, aos produtos agrícolas. Com efeito, somente com a citada Rodada 149
Disponível em: <http://www.europarl.
Uruguai em 1986 os produtos agrícolas foram incluídos nas rodadas multila- europa.eu/atyourservice/en/displayFtu.
html?ftuId=FTU_5.2.7.html>. Acesso
terais de negociação149, com vigência a partir de janeiro de 1995: em 13.03.2017.

FGV DIREITO RIO 82


Tributos em Espécie

GATT 1947 did apply to agriculture, but it was incomplete, with


the result that in practice signatory states (or ‘contracting parties’)
excluded this sector from the scope of the principles stated in the
general agreement. The Uruguay Round, which began in Punta
del Este in 1986, included agriculture in multilateral trade ne-
gotiations. After eight years of tough talks and the signing of the
Marrakesh Agreement, a new multilateral framework to encoura-
ge the gradual liberalisation of agriculture was set up within the
World Trade Organisation.
All of the WTO’s Agreements and Memoranda of Understanding
on trade in goods which were signed in 1994 and entered into
force on 1 January 1995 apply to agriculture. However, agricul-
ture is special in that it has its own specific agreement, the Agree-
ment on Agriculture, whose provisions prevail. In addition, some
provisions of the Agreement on the Application of Phytosanitary
Measures (SPS) also involve agricultural production and trade.
The same is true of the Agreement on Trade-Related Aspects of
Intellectual Property Rights (TRIPS) in relation to the protection
of geographical designations.
These agreements contain a certain degree of flexibility as regards
their implementation by both developing country WTO members
(special and differential treatment) and least developed (LDCs) and
net food-importing developing countries (special provisions).
On the basis of the Agreement on Agriculture, WTO Member Sta-
tes undertook to implement a programme to reform agricultural
policies in force (over the period 1995-2000 for developed coun-
tries and over the period 1995-2004 for developing countries). 150
Para as especificidades, vide CAR-
REAU, Dominique; JUILLARD, Patrick.
Droit International Économique. 4.
No que se refere aos serviços, considerando as suas especificidades150 e di- Ed. Paris: LG.D.J, 1988. p. 313. De um
lado, com o contrato de venda de bens
ferenças em relação ao comércio de bens, era matéria disciplinada no âmbito e mercadorias ocorre a transmissão da
puramente interno de cada país. Com o progresso tecnológico e o aumento propriedade da coisa ao comprador,
seja no plano puramente nacional ou
exponencial do comércio tradicional de serviços (serviços financeiros e etc.) no plano internacional. Por sua vez, na
prestação de serviços, em que ocorre
e surgimento de novas formas de transações comerciais (desenvolvimento uma prestação de fazer ou não fazer,
de softwares e de acesso à internet), os serviços passaram a ser reconhecidos em razão de sua natureza usualmen-
te imaterial e intangível, a transação
como mundialmente comercializáveis (“internationally tradables services”). torna-se muito mais complexa de
ser disciplinada, em especial no que
Sobre o tema apontou Pascal Lamy151, que ressaltou, em 2007, que o GATS, se refere ao seu aspecto espacial. Por
que entrou em vigor, conforme já ressaltado, em janeiro de 2005, passou a isso os serviços foram considerados
durante muito tempo como não co-
disciplinar o comércio internacional de serviços: mercializáveis (non-tradable) inter-
nacionalmente.
Discurso do então Diretor Geral da
151

Conventional economic thought classified services as non-tradeables. OMC em conferência na European


Services Forum and the London School
That convention, which never accurately reflected commercial reality, of Economics, em 15.10.2007. Disponível
is now long outdated. It is outdated because the world is intercon- em: < https://www.wto.org/english/
news_e/sppl_e/sppl77_e.htm >.
nected as never before and services have outgrown national borders. Acesso em 27.07.2017.

FGV DIREITO RIO 83


Tributos em Espécie

It is also outdated by the WTO's General Agreement on Trade in


Services (GATS), which created a new paradigm for international
trade in services. The Agreement defined forms of services trade that
had previously not been considered, such as commercial establish-
ment, the movement of natural persons, and included the whole
range of services sectors.

Como funções primordiais da OMC, podem ser citadas o gerenciamen-


to dos acordos que compõem o sistema multilateral de comércio, servir de
fórum para os acordos comerciais internacionais, supervisionar a adoção do
que for ajustado entre os Estados membros, fazendo valer a implantação do
convencionado e, ainda, há o Sistema de Resolução de Controvérsias que dá
o caráter de supremacia dessa instituição, uma vez que este mecanismo foi
criado para solucionar os conflitos gerados pela aplicação dos acordos sobre o
comércio internacional entre os membros da organização.
A administração da OMC e suas agendas cabem ao Conselho Geral, que
segue as decisões tomadas na Conferência Ministerial. A Conferência, que
ocorre a cada dois anos, é encarregada de escolher um Diretor Geral para o
fim de exercer o mandato de quatro anos à frente do Conselho Geral.
O Estado membro que manifestar o desejo de não mais fazer parte da OMC
pode se retirar após o transcurso de seis meses. A comunicação do desligamento
deve ser endereçada ao Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio.
Sempre que um membro (o País e não uma empresa ou setor) da orga-
nização sentir-se prejudicado em uma negociação ou identificar a quebra de
uma regra da OMC, pode recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias e/
ou fazer uma consulta bilateral quanto à negociação.
Uma discussão atual na OMC e que envolve o Brasil é referente ao
“INOVAR AUTO”, um benefício fiscal, instituído pela Lei Federal nº
12.715/2012 e que concede, em linhas gerais, créditos presumidos de IPI
para empresas do setor automobilístico que se instalarem e produzirem
automóveis no Brasil até 2017.
Em que pese a concessão de habilitação estar condicionada a um ato do
Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, outros países têm visto
esse benefício fiscal como uma medida desproporcional para atrair inves-
timentos e prejudicial à concorrência dos automóveis que são importados
diretamente do exterior.
Assim sendo, a União Europeia, em 19 de dezembro de 2013, protoco-
lou um pedido formal de consulta sobre esses benefícios fiscais, supostamen-
te desproporcionais, que Brasil vinha praticando, em especial o INOVAR
AUTO. Vale ressaltar que esse pedido inicia formalmente uma disputa na
OMC. Após os países não terem chegado a um acordo em um debate pre-
liminar sobre o assunto, foi instituído um painel na OMC para discutir a
matéria, em uma reunião realizada em 17 de dezembro de 2014.

FGV DIREITO RIO 84


Tributos em Espécie

Em 9 de julho de 2015 foi a vez do Japão protocolar um pedido formal de


consulta sobre os benefícios fiscais do Brasil, também com destaque especial
para o INOVAR AUTO. Após os países não terem chegado a um acordo
em um debate preliminar, foi instituído um painel na OMC para discutir o
tema, em reunião realizada em 28 de setembro de 2015.
Embora os relatórios finais ainda não tenham sido divulgados, a OMC
emitiu, em novembro de 2016, relatório condenando o INOVAR AUTO,
além de considerar ilegais mais 6 programas da política brasileira, que de-
vem ser reformados ou abandonados. Em matéria do Jornal O Valor152,
afirma-se que o governo brasileiro irá recorrer da decisão, mas apenas com
finalidade protelatória:

O Inovar-Auto foi condenado pela OMC no fim do ano passado,


em uma disputa deflagrada pela UE e pelo Japão, junto com uma
série de outras ações da política industrial de Dilma. O governo
brasileiro vai recorrer ao tribunal de apelação da entidade, mas nin-
guém trabalha em Brasília com a perspectiva de amenizar a derrota.
Trata-se apenas de uma tentativa de ganhar certo tempo.

Portanto, o tema continua em discussão na OMC, mas é pouco provável


que o Brasil não precise suspender o programa. Com efeito, recentemente a
OMC, após avaliação dos programas governamentais brasileiros de estímulo
à indústria nacional, concluiu que os incentivos além de causarem elevado
volume de renúncia fiscal tornam a setor cada vez mais dependente de be-
nefícios, tendo sido salientado, ainda, a complexidade do sistema tributário,
nos seguintes termos153:

Some Members flagged Brazil’s complex tax regime as a major obs-


tacle to doing business and raised concerns about possible tax dis-
tortions between imported and domestic products. They also noted
that the large gap between Brazil’s bound and applied tariffs was
generally seen to undermine the predictability of its trade regime.
Members also inquired about Brazil’s extensive use of non-automa-
tic import licensing and anti-dumping measures as well as its conti-
nued reliance on local content and local production requirements,
included in incentive schemes and in public procurement, noting
that the latter had recently been relaxed in the hydrocarbons sec- 152
RITTNER, Daniel. Novo regime
tor. Some Members expressed concern about support measures or automotivo estabelece metas até
2030. O VALOR. Matéria publicada em
programmes in certain manufacturing activities, such as INOVAR- 18.4.2017.

-Auto in the automotive sector, and expressed interest in following 153


Disponível em: < https://www.wto.
org/english/tratop_e/tpr_e/tp458_
up the development of new programs such a as ROTA 2030. crc_e.htm >. Pesquisa em 26.07.2017.

FGV DIREITO RIO 85


Tributos em Espécie

Several Members referred to barriers affecting their exports to


the Brazilian market due to operational aspects of Brazil’s TBT
and SPS systems. They also encouraged Brazil to ensure longer
periods for public consultations, and between publication and
entry into force of these measures. Regarding intellectual proper-
ty, although Members welcomed Brazil’s recent steps to reduce
the significant backlog of applications for registration of IPR
titles, notably patents and trademarks, they encouraged further
efforts to address shortcomings in some areas of IPR protection
and enforcement.
While acknowledging the relatively low level of Brazil’s domes-
tic support in agriculture, several Members asked about some
trade policy instruments and practices, for example, tariffs being
higher than in manufacturing, SPS, rural credit and insurance.
Several Members appreciated Brazil’s green energy policy and
achievements, including reduction of state involvement in this
sector. Recognizing the reforms undertaken, some Members no-
ted the persisting influence of the state‑controlled PETROBRAS
in the hydrocarbons market. Services were recognized as key dri-
vers for future growth and some Members encouraged Brazil to
increase productivity and competitiveness of the sector by, inter
alia, reducing limitations in certain activities.
The above are some of the key issues that had emerged in our
discussion. I hope that the Brazilian delegation will take into
account and further reflect on the many constructive comments,
both broad and detailed, that it has received during this Review.
Finally, I would like to thank all those that participated in our
discussion, and I look forward to receiving the answers to any
outstanding questions within the next month, at which point
the Review will be successfully

1.1.1 Princípios da Organização Mundial do Comércio

A atuação da OMC pauta-se por alguns conceitos que se baseiam nos


princípios do comércio marítimo e busca solucionar possíveis rivalidades
entre os países. Tais regras estabelecem um comércio internacional livre e
transparente, e fizeram parte das resoluções do GATT 1994 que restrin-
giam as políticas de comércio exterior dos países. São eles:

FGV DIREITO RIO 86


Tributos em Espécie

1- Não Discriminação
É o princípio básico da OMC. Está contido no Art. I e no Art. 154
Conforme ensina Arvind Panagari-
III do GATT 1994 no que diz respeito a bens e no Art. II e ya, o princípio da nação mais favore-
cida comporta inúmeras exceções: “An
Art. XVII do Acordo de Serviços. Estes Artigos estabelecem os immediate implication of this provi-
sion is that a country must charge the
princípios da nação mais favorecida (Art. I) e o princípio do same tariff rate on imports irrespec-
tive of its origin (leaving aside the
tratamento nacional (Art.III). Pelo princípio da nação mais possibility that the imports may have
favorecida, um país é obrigado é estender aos demais Membros come from a nonmember). If applied
without exception, this provision has
qualquer vantagem ou privilégio concedido a um dos Mem- the virtue that it ensures a single tar-
iff rate on each product in a country.
bros154; já o princípio do tratamento nacional impede o trata- The resulting tariff regime is not only
transparent but also economically
mento diferenciado de produtos nacionais e importados, quando efficient from the global standpoint.
Being entirely nondiscriminatory, it
o objetivo for discriminar o produto importado desfavorecendo also gives least reason for political
a competição com o produto nacional. discord across trading partners. Be-
ing a compromise among compet-
ing interests, the WTO agreements
admit a variety of violations of the
2- Previsibilidade/Transparência MFN principle. Article I itself accom-
modates the trade preferences that
Os operadores do comércio exterior precisam de previsibilidade existed prior to April 10, 1947. But
more extensive violations of the MFN
de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação quanto principle have come from preferential
na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para trade areas (PTAs) under three sets
of provisions (see below for more
garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos details). First, GATT Article XXIV
permits the formation of free trade
compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em servi- areas (FTAs) and customs unions (CUs)
whereby two or more WTO members
ços, além das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, eliminate trade barriers among them
but not on outside countries. Under
TRIMS, Barreiras Técnicas e SPS que visam impedir o uso abu- an FTA, such as the North American
sivo dos países para restringir o comércio. Free Trade Agreement (NAFTA), each
member retains its own external
tariffs while under a CU, such as the
European Community (EC), the mem-
3- Concorrência Leal bers adopt a common external tariff
on each product. These arrangements
A OMC tenta garantir não só um comércio mais aberto, mas naturally introduce discrimination
between union member and out-
também um comércio justo, coibindo práticas comerciais desle- side countries.Second, the Enabling
ais como o dumping e os subsídios, que distorcem as condições Clause, introduced in 1979, allows
two or more developing countries to
de comércio entre os países. O GATT já tratava destes princí- exchange partial trade preferences
with one another. In these cases,
pios nos Art. VI e XVI, porém estes mecanismos só puderam ser internal tariffs need not be elimi-
nated entirely; nor is it required that
realmente implementados após os Acordos de Antidumping e substantially all products be covered.
The Enabling Clause also permits
Acordo de Subsídios terem definido as práticas de dumping e de one-way preferences by developed
subsídios e previsto as medidas cabíveis para combater o dano to developing countries. These pref-
erences, as exemplified by GSP, may
advindo destas práticas. be partial and can be granted on se-
lected products. Finally, in the past,
the GATT contracting parties have
granted waivers from the application
4- Proibição de Restrições Quantitativas of Article I. The United States-Canada
Automotive Products Agreement of
O Art. XI do GATT 1994 impede o uso de restrições quantitati- 1965, which established a free trade
vas (proibições e quotas) como meio de proteção. O único meio area between the two countries in the
automotive sector, operated under
de proteção admitido é a tarifa, por ser o mais transparente. As such a waiver. During 1971 to 1981,
GSP also operated under a similar
quotas tarifárias são uma situação especial e podem ser utilizadas waiver.” In, PANAGARIYA, Arvind.
Core WTO Agreements: Trade in Goods
desde que estejam previstas nas listas de compromissos dos países. and Services and Intellectual Property.

FGV DIREITO RIO 87


Tributos em Espécie

5- Tratamento Especial e Diferenciado para Países em Desen-


volvimento
Este princípio está contido no Art. XXVIII bis e na Parte IV do
GATT 1994. Pelo Art. XXVIII bis do GATT 1994, os países de-
senvolvidos abrem mão da reciprocidade nas negociações tari-
fárias (reciprocidade menos que total). Já a Parte IV do GATT
1994 lista uma série de medidas mais favoráveis aos países em de-
senvolvimento que os países desenvolvidos deveriam implementar.
Além disso, os Acordos da OMC em geral listam medidas de trata-
mento mais favorável para países em desenvolvimento.155

6- Base Estável para o Comércio: Busca criar uma base estável de


comércio, garantindo maior segurança para os países investidores.
Um exemplo dessa segurança comercial advém, essencialmente,
da consolidação das tarifas máximas que cada país pode aplicar a
cada produto.156

Assim como ocorria no GATT, a OMC segue agendas de desenvolvimen-


to, que são chamadas de Rodadas.
A primeira Rodada da OMC iniciou-se em novembro de 2001 na capital
do Qatar, Doha – e enquanto as negociações não terminarem, os encontros
da agenda continuarão sendo pautados como Rodada de Doha.
As propostas dessa negociação são ambiciosas e pretendem fazer a globali-
zação menos excludente, ajudando os países mais pobres por meio da promo-
ção de políticas autônomas de desenvolvimento para gerar renda e desenvol-
vimento interno, reduzindo a dependência de recursos financeiros externos.
Um dos principais entraves para o desenvolvimento da presente Rodada
são as negociações para a retirada de barreiras e dos subsídios agrícolas que os
países mais desenvolvidos possuem.
Apesar da intenção declarada da OMC de tornar as regras de comércio
mais livres para os países em desenvolvimento, há a preocupação dos Estados
membros com os efeitos que uma política liberalizante supostamente traria,
como o desemprego em países que não estão aptos a concorrer de forma igual.
Crises econômicas ainda são os principais entraves ao comércio interna-
cional, já que em tais situações os países costumam adotar medidas protetivas
das economias domésticas, seja criando incentivos a determinados setores, 155
Extraídos do Ministério do Desenvol-
vimento, Indústria e Comércio Exterior
seja impondo barreiras à comercialização de produtos estrangeiros. do governo brasileiro: <http://www.
Nesse sentido, importante ressaltar que até o final de 2015 a OMC não desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/
interna.php?area=5&menu=368>
tinha sido capaz de negociar multilateralmente uma única tarifa desde a Ro- 156
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues
dada Uruguai (1986-1994), e nem havia disciplinado qualquer corte em va- do (Coordenador). Direito do Comércio
Internacional. Editora LEX. São Paulo,
lores de subsídios, os quais distorcem o comércio mundial. 2004. p. 71.

FGV DIREITO RIO 88


Tributos em Espécie

Em que pese o exposto, cabe mencionar algumas decisões importantes


adotadas na conferência da OMC157 em Nairóbi, em dezembro de 2015,
denominada “Pacote de Nairobi”.
Entre elas se destaca a redução dos subsídios agrícolas concedidos pelos
países desenvolvidos, em especial membros da União Europeia, o que pode
minimizar o impacto da produção e comercialização dessas commodities
pelo Brasil e outros países em fase de desenvolvimento. De acordo com
matéria do Jornal O Valor, publicada em 22 de dezembro de 2015158, o
encontro foi marcado pela polarização das negociações, sendo que o Brasil
foi parte fundamental nas negociações:

“O Brasil foi crucial para superar outros impasses que surgiram


no sábado, conforme diferentes participantes. Na verdade, o
acordo só foi possível pela teimosia do Brasil em arrancar algo
na parte agrícola na conferência de Nairóbi, quando o pessimis-
mo era geral. Como um dos maiores exportadores agrícolas do
mundo, é o único grande emergente que consegue fazer pressão
sem se dobrar depois, na agricultura. E a manobra diplomática
em Genebra, pela qual se livrou das amarras do G-20 e de prote-
cionistas como Índia e China, permitiu a aliança com a UE, que
surpreendeu muita gente.
O resultado é que o que o Brasil não conseguiu em Bali (Indoné-
sia) há dois anos com o G-20, obteve agora em parceria com a UE,
Argentina, Uruguai e Paraguai.
(...) “Conseguimos disciplinas sobre subsídios à exportação, que
são a forma mais distorcida de subsídios que existe. Isso coloca os
produtos agrícolas em pé de igualdade com os industriais”, disse
Cozendey. Ou seja, países desenvolvidos, que são mais ricos e têm
mais oportunidades de dar subsídios, ganhavam a competição de
produtos agrícolas pelo dinheiro e não sempre pela produtividade
(...)”
A décima Conferencia Ministerial
157

da OMC foi realizada em Nairobi


Segundo o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, em entrevista ao (Kenya), entre os dias 15 e 19 de
dezembro de 2015. Relatório dispo-
mesmo Jornal O Valor, “A OMC já está demonstrando uma cara nova”, nível em: <https://www.wto.org/
english/thewto_e/minist_e/mc10_e/
com a qual a capacidade de negociação pode ser positiva inclusive para nairobipackage_e.htm>. Acesso em
16.01.2016.
tirar a entidade de uma possível crise. Ainda nesse cenário, o embaixador
158
Matéria disponível em: <http://www.
brasileiro Marcos Galvão pontua que há possibilidade de o Brasil nego- valor.com.br/internacional/4365654/
ciar temas variados na OMC, desde que não haja prejuízo algum àqueles exportacao-agricola-dos-ricos-vai-
perder-subsidios>
assuntos pendentes159. 159
MOREIRA, Assis. Brasil não descarta
Nova fonte de estudo de iniciativa da OMC vem ocorrendo através do entrar em Mega-acordos. Jornal O VA-
LOR. Publicação de 22 de dezembro de
Programa de Trabalho sobre o Comércio Eletrônico. 2015. São Paulo. p. A12.

FGV DIREITO RIO 89


Tributos em Espécie

Com efeito, no dia 16.12.2015, na citada décima Conferencia Ministe-


rial da OMC realizada em Nairobi (Kenya)160, os Estados Unidos, China,
União Europeia e mais 50 países - desenvolvidos e em desenvolvimento,
decidiram eliminar tarifas de 201 produtos, no primeiro grande corte de
alíquota em 18 anos na Organização Mundial do Comércio (OMC). Bra-
sil, México e Índia não fazem parte do acordo para a redução que começa
em julho de 2016, quando 63% das tarifas, cobrindo 88% das importa-
ções, serão eliminadas pelos países participantes, até que em 2024 todos os
produtos terão tarifa zero.
Em trecho do seu comunicado oficial161 o Diretor Geral da OMC, Rober-
to Azevedo, pontuou acerca do acordo:

“Em 1996 foi firmado o original Acordo de tecnologia de infor-


mação da OMC— ou ITA —. Foi um acordo inovador, impul-
sionando o comércio de um setor emergente importante.
Desde 1996 as exportações de produtos abrangidos por este acor-
do mais do que triplicou em valor.
Mas, claro, desde então, novos produtos e tecnologias continuaram
a surgir a uma taxa fenomenal, e este setor tem continuado a evoluir.
Isto é porque, em julho deste ano, este grupo de membros da
OMC concordou em expandir o ITA original, eliminando tari-
fas sobre 201 produtos de TI adicionais, incluindo:

• uma nova geração de semi-condutores


• sistemas de navegação GPS
• ferramentas para a fabricação de circuitos impressos
• satélites de telecomunicações
• toque em telas,
• e alguns produtos médicos do estado-da-arte.

Há 20 anos atrás, a maioria destes produtos simplesmente não exis-


tia. Hoje, eles são comuns. Este acordo expandido visa responder a
esta nova realidade.

Há ainda que se mencionar a entrada em vigor do Acordo sobre a Facili-


tação do Comércio da OMC, em fevereiro de 2017. O acordo foi assinado 160
Relatório disponível em: < https://
www.wto.org/english/news_e/
em Bali, no ano de 2013, e prevê compromissos para a redução burocrática e news15_e/ita_16dec15_e.htm>.
Acesso em 16.01.2016.
maior agilidade dos desembaraços aduaneiros, facilitando o comércio. Os pa- 161
Relatório disponível em: < https://
íses membros da OMC devem, também, aumentar a transparência sobre os w w w.wto.org/english/news_e/
spra_e/spra104_e.htm>. Acesso em
procedimentos aduaneiros, publicando informações relativas aos processos. 16.01.2016.

FGV DIREITO RIO 90


Tributos em Espécie

Na Seção II, o projeto inclui medidas relacionadas ao desenvolvimento de


países menos desenvolvidos, estipulando tratamento diferenciado e garan-
tido assistência técnica na implementação do acordo, enquanto a Seção III
do acordo prevê a criação do Comitê de Facilitação de Comércio, que terá a
função de monitorar e administrar o Acordo.
Conforme noticiado pelo governo Brasileiro162, dos 47 compromissos as-
sumidos, no contexto do Acordo sobre Facilitação de Comércio, 42163 já
foram implementados:

O Brasil apresentou à OMC sua ratificação ao acordo em 2016 e
já adota a quase totalidade das medidas nele previstas. Entre elas,
destaca-se o Comex Responde, que funciona como ponto acessível
pela internet para a solução de dúvidas dos operadores comerciais.
Administrado pela Secretaria de Comércio Exterior do MDIC, o
Comex Responde tem a participação de todos os órgãos governa-
mentais que intervêm no comércio exterior. Desde 2015, o gover-
no brasileiro também já aceita cópias digitalizadas de documentos
comerciais, medida implementada no âmbito do Programa Portal
Único de Comércio Exterior.
O Portal Único está no centro da estratégia brasileira para a faci-
litação de comércio. A iniciativa estabelece um guichê único para
centralizar a interação entre o governo e os operadores comerciais.
Busca, ainda, reformar todos os processos de exportação e importa-
ção a partir de contribuições feitas pelo setor privado. Estima-se que
o Portal Único tenha relação com ao menos 30% das obrigações
criadas pelo Acordo.
A segunda seção, apresenta disposições especiais de tratamento di- 162
Disponível em < http://www.mdic.
gov.br/noticias/2316-entra-em-vigor-
ferenciado para países em desenvolvimento, permitindo que eles -em-ambito-internacional-o-acordo-
indiquem quais medidas necessitarão de prazo adicional, após a -sobre-facilitacao-de-comercio-da-
-omc>. Acesso em 25.07.2017.
entrada em vigor do acordo, para sua implementação. Os paí- 163
A Confederação Nacional da Indús-
ses em desenvolvimento também poderão solicitar auxílio exter- tria (CNI), em seu documento intitulado
“Relatório Internacional da Indústria
no de capacitação para determinados dispositivos do acordo. De 2017”, ressaltou o tema, nos seguin-
tes termos: “Por fim, em 2017 entrou
um total de 47 compromissos criados pelo Acordo de Facilitação, em vigor o Acordo de Facilitação de
o Brasil notificou que adotará 42 deles imediatamente. Apenas Comércio (AFC), celebrado na Reunião
Ministerial da OMC em Bali, em 2013.
5 compromissos serão implementados em um prazo posterior à Isso significa que começa a correr o pra-
zo para que todos os países membros
data de entrada em vigor do acordo, pois requerem o desenvolvi- da OMC, inclusive o Brasil, iniciem a
implementação de medidas ainda sem
mento de ferramentas específicas por parte do governo brasileiro, previsão doméstica. A implementação
como para o processamento antecipado de documentos de im- do Acordo deve trazer mais celeridade
nos processos aduaneiros de exporta-
portação. A implantação integral do Portal Único de Comércio ção e importação em todo o mundo.”
Disponível em < http://www.sis-
Exterior auxiliará na total adesão brasileira. Outra previsão re- temaindustria.org.br/publicacao/
levante do acordo é a criação de comitês nacionais responsáveis agenda_int_ind_2017/HTML/files/
assets/common/downloads/publi-
pela coordenação interna de sua implementação em cada país. cation.pdf >. Acesso em 25.07.2017.

FGV DIREITO RIO 91


Tributos em Espécie

Mais do que uma instância de gestão em relação ao Acordo, tais co-


mitês poderão servir como foros para a coordenação dos agentes de
comércio exterior. No Brasil, o recém-criado Comitê Nacional de
Facilitação de Comércio, sob a égide da Camex e com presidência
conjunta de Secex e Receita Federal, exercerá esse papel.

A iniciativa do Portal Único foi objeto de menção em recente manifesta-


ção no âmbito da OMC164.

1.2 Regionalismo: Os diferentes modelos de integração regional

Os processos de integração econômica, como visto, possuem a finalida-


de de promover o comércio entre Estados através da supressão de barrei-
ras tarifárias e/ou não tarifárias, podendo ou não ter efeitos econômicos e
sociais mais profundos, a depender do nível de integração desejada pelos
Estados contratantes. Em regra, os processos regionais, como o próprio
nome indica, costumam envolver países próximos ou mesmo vizinhos, mas
há exceções: o novo regionalismo, segundo Paulo Roberto de Almeida,
“observa muito mais a critérios de conveniência política do que a razões de
ordem prática, que seriam aquelas derivadas da proximidade geográfica e
da contiguidade territorial165”. 164
Disponível em: < https://www.
wto.org/english/tratop_e/tpr_e/
A seguir, serão examinadas as particularidades de cada nível de integra- tp458_crc_e.htm >. Pesquisa em
ção regional, ou seja, quando dois ou mais Estados manifestam a vontade 26.07.2017. “Members welcomed
Brazil’s efforts to streamline customs
de formar um bloco econômico. Observe-se, contudo, que a classificação procedures through its Single Window
project and the upgrading of its Autho-
a ser exposta não traduz necessariamente a realidade dos processos de inte- rized Economic Operator programme.
They noted with satisfaction the pro-
gração: enquanto alguns blocos podem não ter a totalidade dos seus objeti- gress made towards enabling online
vos implementados, outros blocos podem ir além das suas intenções iniciais submission of documents, and Brazil’s
plans to implement fully digitalized ex-
e promover uma maior integração entre os seus membros. port and import procedures by end-of
2017 and 2018, respectively.”
Antes, porém, importante salientar que uniões aduaneiras166, zonas de 165
ALMEIDA, Paulo Roberto. Integração
comércio livre comércio e acordos provisórios, que levem à formação de Regional: uma introdução. Editora Sa-
raiva. São Paulo. 2013. p. 16
uma união aduaneira ou zona de comércio livre, para serem consistente 166
As questões específicas da União
com as regras do GATT/OMC devem satisfazer o disposto no artigo Europeia e do Mercosul podem ser
examinadas no citado material di-
XXIV, nomeadamente, as disposições dos itens 5, 6, 7 e 8 do artigo, os dático da disciplina eletiva oferecida
em 2017-2 na FGV Direito Rio, no
quais dispõem: âmbito da Cátedra Jean Monet. Vide
COSTA, Leonardo. Material Didático.
Integração Fiscal, Regionalismo e
5.   Accordingly, the provisions of this Agreement shall not prevent, Tributação Internacional: os modelos
Europeu, Brasileiro e as Convenções
as between the territories of contracting parties, the formation of a da OCDE. Disponível em: < https://
direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.
customs union or of a free-trade area or the adoption of an in- br/files/u1882/intergacao_fiscal-
terim agreement necessary for the formation of a customs union -regionalismo_e_tributacao_inter-
nacional_parte_i_2017-2.pdf > .
or of a free-trade area; Provided that: Acesso em 08.02.2018.

FGV DIREITO RIO 92


Tributos em Espécie

(a) with respect to a customs union, or an interim agreement lead-


ing to a formation of a customs union, the duties and other
regulations of commerce imposed at the institution of any such
union or interim agreement in respect of trade with contract-
ing parties not parties to such union or agreement shall not on
the whole be higher or more restrictive than the general inci-
dence of the duties and regulations of commerce applicable in
the constituent territories prior to the formation of such union
or the adoption of such interim agreement, as the case may be;
(b) with respect to a free-trade area, or an interim agreement
leading to the formation of a freetrade area, the duties and
other regulations of commerce maintained in each of the con-
stituent territories and applicable at the formation of such
free-trade area or the adoption of such interim agreement to
the trade of contracting parties not included in such area or
not parties to such agreement shall not be higher or more re-
strictive than the corresponding duties and other regulations
of commerce existing in the same constituent territories prior
to the formation of the free-trade area, or interim agreement
as the case may be; and
(c) any interim agreement referred to in subparagraphs (a) and (b)
shall include a plan and schedule for the formation of such a
customs union or of such a free-trade area within a reasonable
length of time.
6.   If, in fulfilling the requirements of subparagraph 5 (a), a con-
tracting party proposes to increase any rate of duty inconsistently
with the provisions of Article II, the procedure set forth in Article
XXVIII shall apply. In providing for compensatory adjustment, due
account shall be taken of the compensation already afforded by the
reduction brought about in the corresponding duty of the other
constituents of the union.
7.    (a) Any contracting party deciding to enter into a customs
union or free-trade area, or an interim agreement leading to
the formation of such a union or area, shall promptly notify
the CONTRACTING PARTIES and shall make available to
them such information regarding the proposed union or area as
will enable them to make such reports and recommendations
to contracting parties as they may deem appropriate.
(b) If, after having studied the plan and schedule included in an in-
terim agreement referred to in paragraph 5 in consultation with
the parties to that agreement and taking due account of the
information made available in accordance with the provisions

FGV DIREITO RIO 93


Tributos em Espécie

of subparagraph (a), the CONTRACTING PARTIES find


that such agreement is not likely to result in the formation of
a customs union or of a free-trade area within the period con-
templated by the parties to the agreement or that such period
is not a reasonable one, the CONTRACTING PARTIES shall
make recommendations to the parties to the agreement. The
parties shall not maintain or put into force, as the case may be,
such agreement if they are not prepared to modify it in accor-
dance with these recommendations.
(c) Any substantial change in the plan or schedule referred to in
paragraph 5 (c) shall be communicated to the CONTRACT-
ING PARTIES, which may request the contracting parties
concerned to consult with them if the change seems likely to
jeopardize or delay unduly the formation of the customs union
or of the free-trade area.
 8.   For the purposes of this Agreement:
(a) A customs union shall be understood to mean the substitution
of a single customs territory for two or more customs territo-
ries, so that
(i) duties and other restrictive regulations of commerce (ex-
cept, where necessary, those permitted under Articles XI,
XII, XIII, XIV, XV and XX) are eliminated with respect to
substantially all the trade between the constituent territo-
ries of the union or at least with respect to substantially all
the trade in products originating in such territories, and,
(ii) subject to the provisions of paragraph 9, substantially the
same duties and other regulations of commerce are ap-
plied by each of the members of the union to the trade of
territories not included in the union;
(b) A free-trade area shall be understood to mean a group of two or
more customs territories in which the duties and other restric-
tive regulations of commerce (except, where necessary, those
permitted under Articles XI, XII, XIII, XIV, XV and XX) are
eliminated on substantially all the trade between the constitu-
ent territories in products originating in such territories.

1.2.1 Zonas Preferenciais

As Zonas Preferenciais, ou Zonas de Preferência Tributária, constituem o


nível mais superficial entre as espécies de integração regional, consistindo na 167
CAPARROZ, Roberto. Comércio inter-
concessão de reduções tarifárias recíprocas e abrangendo apenas determina- nacional e legislação aduaneira esque-
matizado. 4ª Edição. Editora Saraiva.
dos produtos. Alguns autores, como Roberto Caparroz167, sequer consideram São Paulo. 2017. p. 230

FGV DIREITO RIO 94


Tributos em Espécie

as Zonas Preferenciais como verdadeiros processos de integração, conside-


rando a sua reduzida relevância econômica e a ausência de previsão original
no GATT, surgindo apenas com a Rodada Tóquio. Por consequência, os
benefícios concedidos no escopo de uma Zona Preferencial são exceção à
cláusula de nação mais favorecida (most favoured nation clause) no caso de
países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Isto implica, na prática,
que os benefícios concedidos no escopo de uma Zona Preferencial não serão
estendidos aos demais Estados membros da OMC.
Como exemplo de Zona Preferencial podemos citar a Associação Latino-
-Americana de Integração (ALADI), cujos membros são o Brasil, Argenti-
na, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai,
Peru, Uruguai e Venezuela.

1.2.2 Área de Livre Comércio

Prevista no artigo XXIV do GATT, as Áreas de Livre Comércio são uma


forma simples e bastante comum de integração regional. Os Estados signatá-
rios de uma ALC se comprometem a progressivamente eliminar as barreiras
tarifárias e não tarifárias existentes entre eles, sem, no entanto, firmar com-
promissos com relação a sua política comercial externa no que diz respeito
aos demais Estados. Dessa forma, as partes mantêm a sua autonomia no que
diz respeito às suas relações comerciais com países terceiros, implicando em
uma perda reduzida de soberania. Um exemplo de Área de Livre Comércio é
o NAFTA (Estados Unidos, Canadá e México).

1.2.3 União Aduaneira (Customs Union)

Neste modelo de integração, além da supressão total das barreiras tarifá-


rias e não tarifárias pelos Estados - como ocorre nas Áreas de Livre Comércio
- os países adotam uma política externa uniforme quanto às importações
provenientes de Estados não contratantes. Estabelece-se, assim, uma Tarifa
Externa Comum (TEC), ou seja, uma cobrança comercial na importação
padronizada, que permite o estabelecimento de tarifas idênticas para as im-
portações. A TEC, via de regra, deve ser registrada na OMC. Além disso,
conforme destacam Porto e Flores168:

verifica-se também que as receitas alfandegárias são comunitárias,


evitando-se assim que sejam especialmente favorecidos os países por
168
PORTO, Manuel Carlos Lopes;
onde entram mais bens na união, independentemente de se destina- FLÔRES JR., Renato Galvão. Teoria e
rem a consumidores de outros países, e podendo proceder-se a uma Política de Integração na União Euro-
peia e no Mercosul. Editora FGV. Rio
utilização de verbas de acordo com critérios definidos em comum. de Janeiro. 2006. p. 32.

FGV DIREITO RIO 95


Tributos em Espécie

Nessa linha, acerca das receitas próprias da União Europeia, aponta


Pietro Boria169:

Originally, the Treaties for the EEC170 and EAEC established that
the operating budget was covered by financial contributions distri-
buted among the single States because of an eminently political cri-
teria (namely connected to the role that each State had in the com-
position of the organs and in the voting procedure). The provisional
nature of this financial structure was also demonstrated by a rule of
the EEC Treaty (Article 269), where it was assigned to the Commis-
sion the task of studying forms and procedures for the replacement
of the financial aid system with a system based on own resources,
mainly taken by the Common Customs Tariff. In 1969 in The Ha-
gue, based on proposals put forward precisely by the Commission,
the Member States started and concluded negotiations aimed at es-
tablishing guidelines for the system of self-financing of the Europe-
an Communities. In 1970 a treaty was signed in Luxembourg whi-
ch amended the rules on the formation of the Communities budget
and established the use of its own resources in replacement of the
financial contributions from Member States. Subsequently, by the
Council Decision of 05/24/1988, against the risk of the small size
of its own resources, the funding system has been overhauled with a
broadening of the types and mechanisms of computation of income
payable directly to the Community. Indeed, currently (according
to art. 311 TFEU171), the European Union holds its own financial
resources mainly due to four types of revenue:

• customs duties collected at the borders of the European Union;


• withdrawals and contributions from agricultural activities;
• profit-sharing in the revenue of VAT applied by the Member
States (to an extent that may not exceed 1%);
• and finally a contribution (in principle determined as oscillating
around 1% of GDP) imposed each year by the EU to the indivi-
169
BORIA, Pietro. Taxation in European
dual Member States. Union. Editora Springer Nature. 2ª edi-
ção. Cham, Suiça. Publicado em 13 de
abril de 2017. p. 32.
Destaque-se que uma União Aduaneira pode envolver, ainda, a livre cir- “European Atomic Energy Commu-
170

culação de trabalho, capital, ou de serviços, a depender da vontade das partes. nity (EAEC)” e a “European Economic
Community (EEC)”.
A renúncia de soberania é muito mais relevante neste modelo do que no 171
A consolidação do “Treaty on the
caso das Áreas de Livre Comércio. Por essa razão, e considerando que um Functioning of the European Union
(TFEU)” e do “Treaty on the European
Estado não pode ser membro de mais de uma União Aduaneira, trata-se de Union (TEU)” disponíveis em < http://
um acordo de integração muito mais profundo, quando comparado aos es- eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/
TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT >.
tudados anteriormente. Acesso em 25.07.2017.

FGV DIREITO RIO 96


Tributos em Espécie

Na América do Sul, em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai


e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, para criar o Mercado Comum
do Sul (MERCOSUL), cujo propósito declarado é o de formar uma União
Aduaneira, com a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos e do
estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma
política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e
setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes.
Embora nos últimos anos a relevância política e econômica do MERCO-
SUL tenha notoriamente declinado, é a mais abrangente iniciativa de in-
tegração regional já implementada na América Latina. O aperfeiçoamento
da União Aduaneira é um dos objetivos basilares do MERCOSUL. Como
passo importante nessa direção, os Estados Partes concluíram, em 2010, as
negociações para a conformação do Código Aduaneiro do MERCOSUL.
Os membros do MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai,
países fundadores, e Venezuela, que completou seu processo de adesão em
meados de 2012) abrangem, aproximadamente, 72% do território da Amé-
rica do Sul (12,8 milhões de km², equivalente a três vezes a área da União
Europeia); 70% da população sul-americana (275 milhões de habitantes)
e 77% do PIB da América do Sul em 2012 (US$ 3,18 trilhões de um total
de US$ 4,13 trilhões, segundo dados do Banco Mundial).172
Nos últimos encontros dos Estados Partes houve a reafirmação de dar
prosseguimento à integração regional, mas a escassez de diretrizes para a
resolução dos problemas reais, além do fato de que o MERCOSUL não
está no centro da preocupação dos países participantes, coloca a evolução
do acordo em risco. Projetos e medidas internas, bem como a ausência de
coordenação entre os Estados Partes inviabilizam o cumprimento do acor- 172
Disponível em: <http://www.itama-
raty.gov.br/index.php?option=com_
do. Como exemplo de obstáculo ao fortalecimento do Mercosul, temos content&view=article&id=686&cati
d=143&Itemid=434&lang=pt-BR>.
que o próprio Brasil exerce intenso controle aduaneiro na fronteira com Acesso em 14/01/2016.
o Paraguai, impedindo a livre circulação de mercadorias entre dois países 173
CAPARROZ, Roberto. Comércio inter-
nacional e legislação aduaneira esque-
membros do Mercosul173. matizado. 4ª Edição. Editora Saraiva.
Na atual gestão do presidente interino Michel Temer, possivelmente São Paulo. 2017. p. 231

haverá uma tentativa de se flexibilizar e agilizar as negociações no Merco- Disponível em <http://g1.globo.


174

com/mundo/noticia/2016/05/na-ar-
sul, a fim de se concretizar acordos bilaterais, sem a necessidade de haver gentina-serra-defende-negociacoes-
-flexiveis-no-mercosul.html>. Acesso
concordância e adesão dos demais países pertencentes ao bloco174. Na 50ª em 6.6.2016.

cúpula do Mercosul, ocorrida em julho de 2017, com a participação de 175


Apesar de integrante do Mercosul,
a Venezuela foi suspensa do grupo
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Brasil assumiu a presidência do em dezembro de 2016, por não ter
cumprido, segundo os demais países
bloco econômico175. Fez parte da pauta brasileira a “importância de o Mer- do bloco, os acordos e tratados do pro-
cosul concluir o acordo sobre compras governamentais; a continuidade da tocolo de adesão.
176
Disponível em < http://g1.globo.
eliminação de barreiras comerciais entre os integrantes do bloco; e har- com/politica/noticia/temer-viaja-a-
monização de normas técnicas, além das negociações do Mercosul para o -argentina-para-participar-da-cupula-
-do-mercosul.ghtml>. Acesso em
fechamento do acordo comercial com a União Europeia”.176 24.07.2017.

FGV DIREITO RIO 97


Tributos em Espécie

1.2.4 Mercado Comum (Common Market)

O Mercado Comum caracteriza-se por abarcar a total eliminação das res-


trições intrabloco de todos os fatores de produção, ou seja, de bens, servi-
ços, capital e pessoas. Trata-se de uma forma de integração extremamente
complexa, uma vez que, para viabilizar os seus objetivos, faz-se necessária
uma cooperação considerável entre os países, envolvendo acentuado esforço
legislativo, ou até mesmo a instituição de uma autoridade central capaz de
estabelecer normas aplicáveis a todos os países-membros e de representa-los
perante o sistema multilateral de comércio.
Para cumprir as suas metas, é fundamental que os países-membros coor-
denem políticas financeiras e monetárias, o que tem forte impacto na sobe-
rania das nações.
O único exemplo de um Mercado Comum que realmente conseguiu
atingir esse patamar de integração foi a Comunidade Econômica Euro-
peia (CEE), anterior à atual União Econômica e Monetária representada
pela União Europeia. Não foi, de forma alguma, um processo fácil: além da
necessidade da instalação de instituições centrais, a implementação de suas
deliberações dependeu em grande medida do poder coercitivo das decisões
proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

1.2.5 União Econômica e Monetária (Economic Union)

Como visto, a União Europeia passou de um Mercado Comum a uma


União Econômica e Monetária, envolvendo a adoção de políticas fiscais, mo-
netárias e econômicas unificadas, a criação de um banco central comunitário
(ou Banco Central Europeu) e a criação de uma moeda em comum, o Euro.
Por se tratar do único exemplo existente na atualidade de uma União Eco-
nômica e Monetária, a UE serve como referência única desse tipo de modelo
de integração. A harmonização das políticas comunitárias envolve a edição de
diversas diretivas e resoluções, bem como de uma extensa lista de órgãos para
definir regras, implementá-las e resolver conflitos.
Além de ter como finalidade a livre circulação de bens, serviços, pessoas e
de capital, é importante ressaltar que a União Europeia possui também pre-
ocupações humanitárias, o que é evidenciado pela criação de uma Comissão
destinada a providenciar recursos financeiros aos países menos desenvolvidos
que compõem o bloco (European Commission's Humanitarian Aid and Civil
Protection department).
A União Europeia conta atualmente com 28 países-membros, sendo que
nem todos adotaram a moeda comum e, enquanto alguns países apresenta-
ram pedidos formais para integrar o bloco (Albânia, Macedônia, Islândia,
Sérvia e Montenegro), o Reino Unido segue o sentido oposto com o Brexit.

FGV DIREITO RIO 98


Tributos em Espécie

1.2.6 União total – Político-Jurídico-Econômica-Social

A União Total é um modelo teórico que representa o grau mais elevado de


integração, inexistindo qualquer exemplo concreto dessa espécie de integra-
ção na atualidade177. Consistiria na integração dos ordenamentos jurídicos
do bloco, com a promulgação de uma Constituição supranacional.
A União Europeia deu um passo importante no sentido de uma integra-
ção total, quando, em 2004, 25 países europeus assinaram um tratado que
buscava estabelecer uma Constituição Europeia que substituiria os tratados
já firmados na União Europeia. O texto, contudo, foi ratificado por apenas
18 países-membros, sendo que a rejeição do tratado pela França e pela Ho-
landa acabou por impossibilitar a sua implementação.

1.3 Regionalismo versus Multilateralismo

A correlação entre o regionalismo e o multilateralismo tem sido objeto


de grande controvérsia há muito tempo, em especial no que se refere à com-
patibilidade do crescimento do número de acordos bilaterais e regionais de
comércio em face daqueles multilaterais restritos e multilaterais de caráter
global. Nesse sentido aponta Jonathan Lynnautor178:

Os países que buscam fechar um acordo global para tornar as re-


gras de mercado mais simples e abertas também estão estabelecendo
acordos paralelos que tornam o mercado mais complexo, distor-
cem o fluxos e põem pequenos países à mercê das nações maio-
res e mais ricas. Diplomatas e especialistas em comércio dizem que
acordos regionais estão criando uma teia confusa de ligações co-
merciais – geralmente descritas como “tigela de espaguete” – que 177
Saliente-se, no entanto, com dife-
pode minar os esforços da Organização Mundial do Comércio renças relevantes, a transformação da
confederação norte americana em
(OMC) de nivelar o campo de ação para todos. “O regionalismo uma federação, os Estados Unidos
da América. Destaca Boria: “The des-
não vai desaparecer. Vai continuar. E se expandir, disse Eirik Glen- truction which followed the Second
World War clearly puts the historical
ne, embaixador da Noruega na OMC. Mas esses tratados de livre conditions to revamp, with renewed
comércio não são a melhor forma de organizar o comércio mun- vigour, a process of integration of Eu-
ropean countries. Exemplary of such
dial, afirmou ele na semana passada em uma reunião da OMC. A ideological climate is the speech given
by Winston Churchill on 09/19/1946 at
principal objeção a esses acordos pequenos é que eles encorajam the University of Zurich in which it was
argued the need to create, through a
laços entre certos parceiros e grupos de países em vez de outros, gradual process, the United States of
levando produtores a negociar com fornecedores que talvez não se- Europe”. In, BORIA, Pietro. Taxation in
European Union. Editora Springer Natu-
jam os mais competitivos. “A tijela de espaguete pesa mais para os re. 2ª edição. Cham, Suiça. Publicado
em 13 de abril de 2017. p. 26.
países menores”, disse Richard Baldwin, especialista em comércio 178
Jornal Valor, p. A11, Segunda feira,
do Instituto de Graduação em Estudos Internacionais em Genebra. 17 de setembro de 2007.

FGV DIREITO RIO 99


Tributos em Espécie

(...) acordos regionais entre governos, costumam ignorar a realidade


das empresas modernas, que se baseiam em cadeias mundiais de
comércio, envolvendo dezenas de países, “O comércio não é fei-
to entre países, comércio é feito entre empresas”, lembra Michael
Treschow, presidente da Ericson, empresa sueca de infra-estrutura
para telecomunicações. Seu argumento é que o comércio é algo tão
complexo que não pode ser regulado por tratados bilaterais, mas
precisa de acordos pelo mundo, multilaterais, e que a OMC é a
única instância que pode lidar com a questão.”.

Após apontar os avanços realizados por meio da Organização Mundial do


Comércio, a aludida controvérsia acerca dos efeitos dos acordos regionais so-
bre o multilateralismo global foi abordada por Roberto Azevêdo, que é o atu-
al Diretor-Geral da OMC179, em dezembro de 2015, nos seguintes termos:

Apesar dessas conquistas180, negociar novos acordos multilaterais se-


gue sendo um desafio para a Organização. Ao tentar avançar as ne-
gociações da Rodada Doha com vista à Conferência Ministerial em
Nairóbi, no dia 15 deste mês, dificuldades já bem conhecidas vie-
ram à tona. Ainda que um pacote de resultados significativos – que
pode incluir decisões em agricultura e desenvolvimento – continue
sendo possível em Nairóbi, estaremos longe de atingir os objetivos
da Rodada Doha, iniciada em 2001. O avanço muito lento é, ao
menos em parte, um dos motivos por que o mundo está buscando
alternativas no comércio internacional.
O sistema comercial multilateral e iniciativas regionais sempre exis-
tiram lado a lado. Aliás, cada membro da OMC faz parte, em mé-
dia, de 13 acordos regionais ou bilaterais. Essas iniciativas reforçam
e complementam o sistema multilateral, mas certamente não podem
substituí-lo; há muito em jogo. Acordos globais beneficiam também 179
Disponível em < http://opiniao.
estadao.com.br/noticias/geral,hora-
os países mais pobres, ao passo que se dependermos apenas de acor- -de-decisao-para-a-omc,10000004534
>. Pesquisa em 24.07.2017.
dos regionais os menos desenvolvidos serão excluídos. Além disso,
Apontou Roberto Azevedo (vide nota
180

alguns dos grandes temas comerciais, como subsídios agrícolas, não acima), que desde 1995 até dezembro
de 2015, as “tarifas médias foram re-
serão resolvidos por essas iniciativas. Corremos o risco de criar um duzidas pela metade, o que contribuiu
emaranhado de diferentes estruturas tarifárias, normas e regulamen- para uma expansão de 2,5 vezes no
comércio mundial. Novos membros se
tos superpostos, impondo um fardo à atividade econômica. Isso juntaram à OMC – incluindo China e
Rússia – e hoje a Organização e suas
certamente não facilitaria a vida das empresas. Ao mesmo tempo, regras cobrem 98% do comércio mun-
dial. Além disso, essas regras evitaram
estaríamos abrindo mão dos benefícios mais amplos que acordos que a crise de 2008 desencadeasse uma
espiral protecionista. Desenvolvemos,
globais podem gerar. Enquanto iniciativas regionais tendem a refor- ainda, o sistema de solução de contro-
çar parcerias preexistentes, acordos multilaterais podem trazer mais vérsias mais ativo e eficiente do plano
internacional, com cerca de 500 casos
vantagens ao forjar novos elos comerciais. em 20 anos”.

FGV DIREITO RIO 100


Tributos em Espécie

Não estamos vendo apenas um aumento de iniciativas regionais, mas


também uma mudança nos temas abordados. A maioria das inicia-
tivas comerciais fora da OMC tem o DNA da OMC – a linguagem
utilizada em diversos temas é muito similar às regras multilaterais.
Porém temos notado que essas iniciativas também estão desbra-
vando novas áreas. Novamente, isso é positivo, mas é preocupante
que esses tópicos não sejam discutidos num fórum em que todos se
possam manifestar. Esse é o caso de temas como investimentos, co-
mércio eletrônico, política de concorrência e questões trabalhistas.
Nenhum desses temas está sendo atualmente negociado da OMC.

1.4 A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico


(OCDE)

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE; OECD em inglês) é uma organização internacional que reúne pa-
íses democráticos que praticam a economia de mercado. A OCDE busca
providenciar um foro onde esses países possam se reunir e discutir políticas
públicas (especialmente econômicas) visando a troca de experiências que le-
vem à solução de problemas, para, enfim, aumentar o bem estar econômico
e social das pessoas. Não se trata, contudo, de um processo de integração
propriamente dita, mas, devido às suas contribuições para o comércio e o
Direito Tributário, é importante conhecer.
A organização tem origem na criação, em 1948, da Organização para a
Cooperação Económica (OECE), que tinha como membros apenas países
europeus. Atualmente, a organização conta com 35 Países-Membros e é, por
vezes, chamado de “clube dos ricos”, tendo em vista que esses poucos países
representam, em conjunto, grande parte da economia mundial. Estados não
membros podem, todavia, participar das suas atividades, como vem fazendo
o Brasil desde a década de 1990.
Em 2007, a OCDE decidiu fortalecer relações com alguns países não
membros, considerados key partners: Brasil, Índia, Indonésia, a China e a
África do Sul. O Brasil começou a participar dos trabalhos da OCDE já
na década de 90, sendo que a cooperação vem crescendo de maneira con-
sistente desde então. Em maio deste ano, o Brasil formalizou pedido para
tornar-se membro da OCDE. Apesar das expectativas positivas, o Brasil
enfrenta forte resistência dos Estados Unidos, que “temem a perda de im-
portância da organização com novos membros e que ela se transforme em
181
Com base na matéria disponível
uma espécie de ONU da economia"181. Os países europeus, por outro lado, em: http://www.valor.com.br/bra-
defendem uma ampliação responsável da OCDE, apoiando a entrada do sil/5026640/eua-defendem-expansao-
-cautelosa-da-ocde-e-freiam-planos-
Brasil na organização. -do-brasil

FGV DIREITO RIO 101


Tributos em Espécie

Os trabalhos da OCDE consistem (a) na coleta de dados, sua análise e dis-


cussão, e (b) na tomada de decisões, cuja implementação encontra-se sujeita
a avaliação dos demais Países-Membros e da própria OCDE.
Dentre as contribuições da OCDE destaca-se a elaboração do modelo de
tratados para evitar a dupla tributação, adotado mesmo por países que não
são membros da OCDE, como é o caso dos tratados mais recentes firmados
pelo Brasil, ainda que editados com algumas alterações, conforme será exa-
minado no Bloco III deste curso.

A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR – II E IE

ESTUDO DE CASO

A sociedade The Collection importou dois veículos automotores quando


vigorava no Brasil a legislação que estipulava a alíquota do Imposto de Im-
portação no percentual de 10%. Ocorre, porém, que depois da entrada dos
bens no território nacional, mas antes do registro da declaração de impor-
tação, a alíquota foi majorada para 30%. Pergunta-se: qual será a alíquota
aplicável ao caso? Vide STJ Ag 1155843.

A) IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Conforme se extrai do art. 153, I, CF/88, à União foi atribuída competên-


cia para instituir o Imposto de Importação, o qual incide sobre a entrada de
bens estrangeiros, destinados ao comércio ou consumo, no território nacional.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


I - importação de produtos estrangeiros;

O §1º do art. 153 da CF/88, por sua vez, excepciona o princípio da lega-
lidade e, com isso, permite que o Poder Executivo altere as alíquotas do II.

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os


limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enu-
merados nos incisos I, II, IV e V.

Além do mais, o art. 150, CF/88 traz outra característica peculiar do II,
na medida em que, segundo o mencionado dispositivo legal, não é necessário
que seja observada a anterioridade e a noventena com relação a este imposto.

FGV DIREITO RIO 102


Tributos em Espécie

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,


é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos
nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso
III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I,
II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos
previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

No Código Tributário Nacional, o imposto vem disciplinado nos arts. 19


a 22, onde são estabelecidas as normas gerais do tributo. O instrumento nor-
mativo que institui e regula o Imposto de Importação é o Decreto-Lei 37/66.

1. Critério Material

O critério material do II é importar produtos estrangeiros. Importante


destacar que o conceito de “importação” não se resume à simples entrada
do produto no território nacional. É necessário que esse bem se incorpore à
economia interna brasileira, ou seja, não basta que o bem estrangeiro passe
pelo território nacional, é imprescindível que ele aqui permaneça e esteja
destinado ao uso, comércio ou consumo. Dessa forma, quando o bem entra
no território brasileiro, mas está destinado a voltar ao seu país de origem, não
temos uma importação.
Leandro Paulsen salienta que “a simples entrada do automóvel de um turis-
ta no território nacional, de um quadro para exposição temporária num museu
ou de uma máquina para exposição em feira, destinados a retornar ao país de
origem, não configuram importação, assim como não a configura o ingresso de
produto estrangeiro por porto ou aeroporto brasileiro para simples trânsito no
território nacional, com destinado a outro país”182.
Frise-se, ainda, que, de acordo com entendimento doutrinário majoritá-
rio, os produtos a que se refere a CF/88 podem ser descritos como bens cor-
póreos e móveis, não abarcando o conceito amplo da palavra “produto”. Se-
gundo ensinamentos do professor Miguel Hilú Neto, “entende-se, portanto,
que o sistema constitucional tributário brasileiro, ao se referir a produtos, utiliza
o vocábulo em sentido estreito, ou seja, bens corpóreos resultantes da transforma-
ção progressiva de elementos da natureza. Excluem-se, dessa forma, os bens que
não têm existência física, como aqueles transferidos por download”183 182
PAULSEN, Leandro/ José Eduardo
Importante ressaltar que o imposto de importação, ao contrário do ICMS, Soares de Melo. Impostos federais,
abrange tanto bens como mercadorias. O termo “produto” não se confunde estaduais e municipais. 6ª Ed.rev e
atual. Porto Alegre: Livraria do Advo-
com “mercadoria”, vez que esta carrega consigo o atributo da destinação ao gado Editora, 2011.

comércio. Logo, para que um bem se caracterize como mercadoria, é neces- 183
NETO, Miguel Hilú. Imposto sobre Im-
portações e Imposto sobre Exportações.
sário que ele seja móvel, corpóreo e que esteja destinado ao comércio. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2003.

FGV DIREITO RIO 103


Tributos em Espécie

Conclui-se, portanto, que o critério material do Imposto de Importação


consiste no ato de importar bens estrangeiros.

2. Critério Temporal

De acordo com o art. 19 do CTN, o fato gerador do II consiste na entrada


de produtos estrangeiros no território nacional, o que serve de ponto de par-
tida para entender-se que o momento de incidência do II é aquele momento
da entrada do produto no país.
Entretanto, conforme o disposto no art. 23 do Decreto-Lei 37/66, o
fato gerador do II ocorre na data em que registrada a declaração de impor-
tação para que seja efetuado o desembaraço aduaneiro. Há quem entenda
que a legalidade de tal previsão deve ser discutida, vez que vai de encontro
ao disposto no CTN, que traz normas gerais do tributo, conforme se vê
do entendimento do professor Miguel Hilú Neto: “ainda que assim o seja,
encontram-se disposições diversas em textos normativos infraconstitucio-
nais (e até infralegais), cuja validade é de ser discutida”184.
A jurisprudência tem entendimento pacificado no sentido que não há
qualquer incompatibilidade entre o art. 23 do Decreto-Lei 37/66 e o art.
19 do CTN.

Tributário. Imposto de Importação. Veículo Novo. Fato Gerador.


Majoração de Alíquota. Decreto nº 1.471 de 27 de abril de 1995.
1. Em se tratando da importação de mercadorias para consumo, o
fato gerador não ocorre no momento da celebração do contrato,
mas quando do registro da declaração de importação na repartição
aduaneira (art. 23 do Decreto-lei 37/66). É a alíquota vigente nesta
data que deve ser aplicada para o cálculo do imposto.
2. Recurso conhecido e provido.
(REsp 139658/PR, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRI-
MEIRA TURMA, julgado em 15/02/2001, DJ 28/05/2001, p. 173)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IM-


PORTAÇÃO. COMPATIBILIDADE DO ART. 23 DO DE-
CRETO-LEI N. 37/66 COM O ART. 19 DO CTN. FATO GE-
RADOR. DATA DO REGISTRO DA DECLARAÇÃO DE IM-
PORTAÇÃO. PRECEDENTES.
1. Não há incompatibilidade entre o art. 19 do Código Tribu-
tário Nacional e o art. 23 do Decreto-Lei n. 37/66, porquanto
o desembaraço aduaneiro completa a importação e, consequente- 184
NETO, Miguel Hilú. Imposto sobre
mente, representa, para efeitos fiscais, a entrada de mercadoria no Importações e Imposto sobre Expor-
tações. São Paulo: Editora Quartier
território nacional. Latin, 2003.

FGV DIREITO RIO 104


Tributos em Espécie

2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, no caso de im-


portação de mercadoria despachada para consumo, o fato gerador
do imposto de importação ocorre na data do registro da declaração
de importação. Desse modo, deve ser aplicada para o cálculo do
imposto a alíquota vigente nessa data.
3. Precedentes: EDcl no REsp 1.000.829/ES, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, DJe 17.6.2010; AgRg no Ag 1.155.843/RJ,
Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 30.9.2009; REsp
1.046.361/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
5.3.2009; REsp 139.658/PR, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Pri-
meira Turma, DJ 28.5.2001. Recurso especial provido.185

De acordo com o entendimento jurisprudencial, Leandro Paulsen afirma


que “é por ocasião do registro da declaração de importação, realizado eletroni-
camente através do SISCOMEX, que se considera ocorrido o fato gerador do
Imposto sobre a Importação, de modo que dá ensejo à incidência da legislação
vigente naquele momento”186

3. Critério Espacial

Acerca do critério espacial, importante o conceito de território adu-


aneiro trazido pelo art. 2° do Regulamento Aduaneiro (Decreto n°
6.759/09) que compreende todo o território nacional. 
O art. 3º do regulamento define, ainda, a abrangência da jurisdição
aduaneira, esta entendida como os locais onde o poder público pode exer-
cer as suas competências no que diz respeito ao controle de importações
e exportações:

Art. 3º  A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo


o território aduaneiro e abrange (Decreto-Lei n° 37, de 18 de no-
vembro de 1966, art. 33, caput):
I - a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarcadas
pela autoridade aduaneira local:
a) a área terrestre ou aquática, contínua ou descontínua, nos por-
tos alfandegados; 185
Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial 1220979/RJ. Ministro Relator
b) a área terrestre, nos aeroportos alfandegados; e Humberto Martins. Julgamento em
c) a área terrestre, que compreende os pontos de fronteira alfan- 05/04/2011. DJe 15/04/2011.
186
PAULSEN, Leandro/ José Eduardo
degados; e Soares de Melo. Impostos federais, es-
II - a zona secundária, que compreende a parte restante do territó- taduais e municipais. 6ª Ed.rev. atual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado
rio aduaneiro, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo.  Editora, 2011, pags. 25-26.

FGV DIREITO RIO 105


Tributos em Espécie

Desta forma, tendo em vista que as operações de importação somente po-


dem ser realizadas nos pontos em que o poder público exerce sua jurisdição
aduaneira, o critério espacial do imposto de importação ficará restrito a estes
locais específicos do território nacional, vez que, fora destes pontos, não é
possível se fazer a regular importação do bem.

4. Critério Pessoal

O art. 22 do CTN dispõe acerca do sujeito passivo do II. Segundo tal


artigo será contribuinte do imposto o importador ou quem a lei a ele equi-
parar (inciso I) e o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados.
O art. 31 do Decreto-Lei 37/66, com alterações dadas pelo Decreto-Lei
nº 2.472/88) que será contribuinte do imposto o destinatário de remessa
postal internacional indicado pelo respectivo remetente e o adquirente de
mercadoria entrepostada.
O Decreto-Lei 37/66, com as modificações da Medida Provisória nº
2158-35/2001 e da Lei nº 11.281/06 ainda elege, em seu artigo 32, como
responsáveis pelo pagamento do Imposto de Importação o transportador e
o depositário e como responsáveis solidários: o adquirente ou cessionário
de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto; o represen-
tante, no País, do transportador estrangeiro; o adquirente de mercadoria
de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta
e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora e o encomendan-
te predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de
pessoa jurídica importadora.

5. Critério Quantitativo

O art. 20, CTN dispõe acerca da base de cálculo do II, estabelecendo


três hipóteses:

Art. 20. A base de cálculo do imposto é:


I - quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada
pela lei tributária;
II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o pro-
duto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma
venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou
lugar de entrada do produto no País;
III - quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado
a leilão, o preço da arrematação.

FGV DIREITO RIO 106


Tributos em Espécie

O inciso I trata da hipótese de base de cálculo em que a alíquota aplica-


da é específica, ou seja, um valor fixo de acordo com a unidade de medida
adotada por lei (que será a base de cálculo). Já o inciso II, trata de situações
mais comuns nas quais se prevê uma a alíquota ad valorem (uma porcen-
tagem a ser aplicada sobre a base de cálculo). Nesta sistemática, a base de
cálculo é o preço do produto quando da importação. Este preço, porém,
não é necessariamente aquele que foi estabelecido no negócio jurídico entre
o exportador estrangeiro e o importador brasileiro, mas o valor aduaneiro,
“apurado segundo as normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio - GATT 1994” (art. 74, II do Decreto n° 6.759/09).
O artigo 76 do Regulamento Aduaneiro (Decreto n° 6.759/09) estabele-
ce que “toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao
controle do correspondente valor aduaneiro” que consiste na “verificação da
conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador com as regras es-
tabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira” (parágrafo único do artigo 76). 
O regulamento aduaneiro ainda estabelece que integram o valor aduanei-
ro i) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aero-
porto alfandegado de descarga, ii) os gastos relativos à carga, à descarga e ao
manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada
aos locais referidos no inciso I; e iii) o custo do seguro da mercadoria durante
as operações referidas nos incisos I e II (artigo 77). Na terminologia do co-
mércio internacional (INCOTERMS), o valor que será utilizado como base
de cálculo do Imposto de Importação é o CIF (Cost, Insurance and Freight)
que inclui, além do preço do produto importando, os valores relativos ao
seguro e ao frete incidentes na operação.
A alíquota a ser aplicada será aquela fixada na Tarifa Externa Comum que
estabelece alíquotas comuns a serem aplicadas nos países do MERCOSUL,
com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) para produtos e
serviços (Art. 90 do Decreto n° 6.759/09 e art. 22 do Decreto-Lei nº 37/66).

B) IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO

O imposto de exportação, assim, como o imposto de importação é de


competência da União, conforme art. 153, II, da CF/88. Nos mesmos mol-
des do imposto de importação, o §1º deste dispositivo constitucional atenua
o princípio da legalidade para esse imposto e o art. 150, §1º afasta a aplicação
das anterioridades.
No Código Tributário Nacional, o IE vem disciplinado nos arts. 23 a 28.
O Decreto-Lei 1578/77 foi responsável pela instituição do IE e, por isso,
trata de todos os elementos da regra-matriz deste tributo. De acordo com o
art. 8º deste diploma normativo, as regras referentes ao II aplicam-se subsi-
diariamente ao IE, quando não houver previsão específica.

FGV DIREITO RIO 107


Tributos em Espécie

Art. 8º - No que couber, aplicar-se-á, subsidiariamente, ao imposto


de exportação a legislação relativa ao imposto de importação.

1. Critério Material

O art. 1º, do Decreto-Lei nº 1.578/77 define como fato gerador a saída de


produto nacional ou nacionalizado do território nacional.

Art.1º - O Imposto sobre a Exportação, para o estrangeiro, de pro-


duto nacional ou nacionalizado tem como fato gerador a saída deste
do território nacional.

Todavia, este artigo na verdade estipula o momento de ocorrência do cri-


tério material (critério temporal) e não efetivamente este. De acordo com
o próprio nome, o imposto de exportação tem como critério material o ato
de exportar produto nacional ou nacionalizado para o exterior. Tal como
ocorre no imposto de importação, a exportação para fins de incidência do
IE pode ser tanto de bens quanto de mercadoria. Produto nacional é aquele
fabricado no Brasil e produto nacionalizado é aquele não foi produzido no
país, mas que tenha se incorporado à economia nacional.
É preciso que haja a integração do produto na economia do país estran-
geiro. Assim, quando a saída de um produto do Brasil para outro país está
condicionada ao seu retorno, não podemos falar de exportação, motivo pelo
qual não há incidência do imposto sobre exportação.

2. Critério Temporal

Conforme §1º do art. 1º, do Decreto-Lei 1578/77, o fato gerador do IE


ocorre no momento em que é emitida a guia de exportação:

Art.1º - O Imposto sobre a Exportação, para o estrangeiro, de pro-


duto nacional ou nacionalizado tem como fato gerador a saída deste
do território nacional.
§ 1º - Considera-se ocorrido o fato gerador no momento da expedi-
ção da Guia de Exportação ou documento equivalente.

Hoje em dia, existe o Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCO-


MEX, que substituiu as guias de exportação. Assim, o critério temporal passa
a ser o momento do “registro da exportação” neste sistema, conforme art.
213, p. único, do Decreto 6759/09. Nas palavras de Leandro Paulsen:

FGV DIREITO RIO 108


Tributos em Espécie

Em face da implantação do SISCOMEX (Sistema Integrado de Co-


mércio Exterior) e do consequente processamento eletrônico dos
diversos atos inerentes ao comércio exterior, não há mais guias de
exportação, sendo seu equivalente o ‘registro da exportação’ junto
ao SISCOMEX (...). O STF tem ressaltado que o ‘registro da ex-
portação’ não pode ser confundido com o ‘registro da venda’, este
irrelevante para a incidência do imposto187.

Entretanto, conforme ocorre no Imposto de Importação, o critério ma-


terial do imposto de exportação somente ocorre com a saída do produto do
território nacional. Assim, pode-se discutir a legalidade do dispositivo que
fixaria o momento da ocorrência do fato gerador antes que tal acontecimento
ocorra efetivamente. Assim, segundo a lógica aqui aplicada, o critério tempo-
ral deveria ser considerado como o momento da saída do produto nacional
ou nacionalizado do território nacional.

3. Critério Espacial

Para fins de estipulação do critério espacial do Imposto de Exportação,


necessário se faz a consideração do território e jurisdição aduaneira. Assim,
do mesmo modo que o imposto de importação, o critério espacial será os
pontos alfandegados do território brasileiro.

4. Critério Pessoal

De acordo com o art. 27 do CTN, contribuinte do IE é o indivíduo


que efetua a exportação ou alguém a ele equiparado em razão de previsão
legal. Outros textos legais fazem previsões semelhantes, como o art. 5º, do
Decreto-Lei 1578/77, que igualmente define como contribuinte o “exporta-
dor, assim considerado qualquer pessoa que promova a saída do produto do
território nacional”.

5. Critério Quantitativo

Conforme previsão do art. 24 do CTN, a alíquota do IE pode ser espe-


cífica ou ad valorem. A primeira é aquela alíquota que consiste em um valor
187
PAULSEN, Leandro/ José Eduardo
específico em função de uma medida adotada em lei para cada produto, já a Soares de Melo. Impostos federais,
segunda é representada por uma porcentagem a ser aplicada sobre o valor do estaduais e municipais. 6ª Ed.rev. atu-
al. Porto Alegre: Livraria do Advogado
produto exportado. Editora, 2011. p. 42.

FGV DIREITO RIO 109


Tributos em Espécie

Do mesmo modo que o imposto de importação, o preço que será conside-


rado para fins de base de cálculo do IE não é necessariamente aquele previsto
nos termos do negócio jurídico estabelecido entre as partes, mas o “o preço
normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação,
em uma venda em condições de livre concorrência” (art. 24, CTN).
Ao contrário do imposto de importação, no imposto de exportação a base
de cálculo não abrange o frete e seguro internacionais. Na nomenclatura do
comércio internacional, o preço que será considerado base de cálculo do IE é
o preço FOB (Free on board).
No que diz respeito à alíquota do IE, o art. 3° do Decreto-Lei 1578/77
dispõe que esta será de trinta por cento, “facultado ao Poder Executivo re-
duzi-la ou aumentá-la, para atender aos objetivos da política cambial e do
comércio exterior (Redação dada pela Lei nº 9.716/98)”. O parágrafo único
deste artigo ainda estipula que “em caso de elevação, a alíquota do imposto
não poderá ser superior a cinco vezes o percentual fixado neste artigo. (Reda-
ção dada pela Lei nº 9.716/98)”.

LEITURA OBRIGATÓRIA

NETO HILU, Miguel. Imposto Sobre Importações e Imposto Sobre Exporta-


ções. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 63-144.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

MELO, José Eduardo Soares de. A Importação no Direito Tributário: Impos-


tos, Taxas, Contribuições, São Paulo, 2003.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Es-
taduais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição,
2011

FGV DIREITO RIO 110


Tributos em Espécie

AULA 05. TRIBUTAÇÃO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO,


SEGURO OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS – IOF

ESTUDO DE CASO

Você foi procurado em seu escritório por um Diretor de uma Institui-


ção Financeira que apresentou a seguinte indagação: “Pode a União exigir
o denominado imposto sobre as operações financeiras – IOF em relação aos
saques em caderneta de poupança efetuados por meus clientes, tão-somente
por se tratar de operação financeira realizada por instituição integrante do
sistema financeiro nacional (artigo 17 da Lei nº. 4.595, de 31 de dezembro
de 1964188)?” Após o questionamento, apresentou cópia do Diário Oficial da
União contendo a transcrição do art. 1º, inciso V, da Lei nº. 8033/1990, o
qual estabelece verbis:

Art. 1º São instituídas as seguintes incidências do imposto sobre


operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou va-
lores mobiliários:
I – [...]
V- saques efetuados em cadernetas de poupança.

Qual seria o seu parecer? Saque de caderneta de poupança pode ser objeto
de incidência do imposto de que trata o artigo 153, inciso V, da CRFB/88?
E a liberação de depósitos judiciais para garantia da instância realizada pela
instituição bancária consubstancia operação financeira tributável pelo IOF?

O IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO, SEGURO OU


RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS – IOF

O IOF, instituído em 1966 pela Lei nº 5143/66, possuía na época um


âmbito de incidência duplo, recaindo sobre as instituições financeiras (crédi-
tos) e as seguradoras (seguros).
Atualmente, o art. 153, V da CF/88, além de estabelecer a competência
tributária da União para instituir o tributo ora em comento, prevê como hi-
188
Art. 17. Consideram-se instituições
pótese de incidência do IOF não apenas operações de crédito e seguros, mas financeiras, para os efeitos da legis-
também operações de câmbio e aquelas relativas a títulos ou valor mobiliários. lação em vigor, as pessoas jurídicas
públicas ou privadas, que tenham
como atividade principal ou acessória
a coleta, intermediação ou aplicação
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: de recursos financeiros próprios ou
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, e a custódia de valor de
valores mobiliários; propriedade de terceiros.

FGV DIREITO RIO 111


Tributos em Espécie

O IOF, tendo caráter eminentemente extrafiscal, é exceção ao princípio


da legalidade, conforme §1º do mesmo art. 153, CF/88, sendo permitida,
assim, ao Poder Executivo a mudança de alíquotas para adequá-las “aos
objetivos da política monetária”, desde que observados os limites definidos
em lei. Destaque-se, ainda, que tal tributo não precisa observar as anteriori-
dades previstas na CF/88, de acordo com a previsão do mesmo dispositivo
constitucional.
Desta maneira, o IOF consiste em 4 impostos diferentes, conforme art. 2º
do Decreto 6.306/07 – Regulamento do IOF, cada qual recaindo sobre uma
hipótese de incidência distinta, quais sejam:

• IOF Crédito
• IOF Câmbio
• IOF Seguro
• IOF Títulos ou Valores Mobiliários

1. IOF Crédito

1.1 Critério material



O critério material do IOF crédito está definido no art. 63, inciso I do CTN:

Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de


crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valo-
res mobiliários tem como fato gerador:
I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total
ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obri-
gação, ou sua colocação à disposição do interessado;

Para que seja caracterizada uma operação de crédito, necessária se faz a


existência de uma promessa de prestação futura, não sendo necessário que
a operação seja realizada por uma instituição financeira para caracterizá-la
como tal. Neste sentido, o artigo 58 da Lei 9532/97189 estipula a cobrança
de IOF naquelas operações de crédito estabelecidas por pessoas físicas ou 189
Art. 58. A pessoa física ou jurídica
que alienar, à empresa que exercer as
jurídicas que não sejam consideradas como instituições financeiras, mais co- atividades relacionadas na alínea “d”
do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei
nhecidas como factorings. nº 9.249, de 1995 (factoring), direitos
A súmula 664 do STF descaracterizou o simples saque em caderneta de creditórios resultantes de vendas a pra-
zo, sujeita-se à incidência do imposto
poupança como operação de crédito, apesar de expressamente prevista tal sobre operações de crédito, câmbio e
seguro ou relativas a títulos e valores
possibilidade na lei 8.033/90, razão pela qual declarou inconstitucional o mobiliários - IOF às mesmas alíquotas
inciso V do art. 1º da Lei 8.033/90 que previa a incidência do IOF crédito aplicáveis às operações de financia-
mento e empréstimo praticadas pelas
sobre as referidas operações. instituições financeiras.

FGV DIREITO RIO 112


Tributos em Espécie

O parágrafo único do art. 63 do CTN prescreve que naquelas operações


de crédito que envolvam valores mobiliários, não haverá incidência cumula-
tiva de IOF crédito e IOF valores mobiliários, mas tão somente do primeiro.
Destaque-se que o art. 9º do Decreto 6.306/07 – Regulamento do IOF
elenca operações isentas do IOF crédito.

1.2. Critérios espacial e temporal

Somente as operações de crédito efetuadas dentro do território nacional


sofrem a incidência do IOF.
Com relação ao critério temporal, o art. 63 inciso I do CTN dispõe que o
IOF incide na “entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o
objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado”.
Importante lembrar que o Regulamento do IOF prescreve a ocorrência
do fato gerador do IOF crédito em momentos diversos, conforme art. 3° do
Decreto 6.306/07:

§ 1o  Entende-se ocorrido o fato gerador e devido o IOF sobre ope-


ração de crédito:
I - na data da efetiva entrega, total ou parcial, do valor que constitua
o objeto da obrigação ou sua colocação à disposição do interessado;
II - no momento da liberação de cada uma das parcelas, nas hipóte-
ses de crédito sujeito, contratualmente, a liberação parcelada;
III - na data do adiantamento a depositante, assim considerado o
saldo a descoberto em conta de depósito;
IV  -  na data do registro efetuado em conta devedora por crédito
liquidado no exterior;
V - na data em que se verificar excesso de limite, assim entendido o
saldo a descoberto ocorrido em operação de empréstimo ou finan-
ciamento, inclusive sob a forma de abertura de crédito;
VI  -  na data da novação, composição, consolidação, confissão de
dívida e dos negócios assemelhados, observado o disposto nos §§ 7o
e 10 do art. 7o;
VII - na data do lançamento contábil, em relação às operações e às
transferências internas que não tenham classificação específica, mas
que, pela sua natureza, se enquadrem como operações de crédito.

O STJ, no entanto, no julgamento dos Embargos de Declaração no REsp


324.361, se manifestou no sentido de que o critério temporal do IOF cré-
dito se realiza no momento em que celebrado o contrato de financiamento.

FGV DIREITO RIO 113


Tributos em Espécie

1.3. Critério pessoal

A sujeição passiva é disciplinada pelo art. 63 do CTN, o qual determina


que a legislação ordinária pode eleger como contribuinte “qualquer das partes
da operação tributada”.
O Regulamento do IOF, em seu art. 4º190, elegeu os tomadores do crédito
como contribuintes desse tributo, ao passo que seu parágrafo único determi-
na que no caso das “vendas a prazo a empresas de factoring”, os alienantes
que ocuparão o pólo passivo da obrigação tributária.
Entretanto, o IOF crédito é um tributo marcado pela substituição tri-
butária, sendo responsável pela retenção e recolhimento sempre aquele que
concede o crédito, conforme artigo 5º do Decreto n° 6306/07191.
A sujeição ativa, por sua vez, fica a cargo da União Federal.

1.4. Critério quantitativo

As leis ordinárias, disciplinadoras do IOF crédito sobre as diversas opera-


ções de crédito possíveis, especificam suas bases de cálculo dentro dos limites
estabelecidos pelo art. 64, inciso I, do CTN, que determina ser o valor da
obrigação, incluindo o principal e os juros, a base de cálculo do tributo.
No que se refere às alíquotas, o legislador ordinário estabeleceu, no art. 1º
da Lei 8.894/94, a alíquota máxima de 1,5% ao dia, que deve ser observada
pelo Poder Executivo quando das alterações para alcance dos objetivos das
políticas monetária e fiscal. Ressalte-se que muitos defendem que tal alíquota
máxima estabelecida pela Lei 8.894/94 é confiscatória, razão pela qual o Po-
der Executivo não tem se aproximado desse limite192.
190
Art. 4o Contribuintes do IOF são as
pessoas físicas ou jurídicas tomado-
ras de crédito (Lei no 8.894, de 1994,
2. IOF Câmbio art. 3o, inciso I, e Lei no 9.532, de
1997, art. 58).
Parágrafo único. No caso de aliena-
ção de direitos creditórios resultan-
2.1. Critério material tes de vendas a prazo a empresas de
factoring, contribuinte é o alienante
pessoa física ou jurídica.
O inciso II do art. 63 do CTN disciplina o fato gerador do IOF câmbio: 191
Art. 4o Contribuintes do IOF são as
pessoas físicas ou jurídicas tomado-
ras de crédito (Lei no 8.894, de 1994,
Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de art. 3o, inciso I, e Lei no 9.532, de
crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valo- 1997, art. 58).
Parágrafo único. No caso de aliena-
res mobiliários tem como fato gerador: ção de direitos creditórios resultan-
tes de vendas a prazo a empresas de
II - quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega factoring, contribuinte é o alienante
pessoa física ou jurídica.
de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a repre-
192
PAULSEN, Leandro e MELO, José
sente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante Eduardo Soares de. Impostos fe-
equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à derais, estaduais e municipais. 6ª
edição rev. e atual – Porto Alegre:
disposição por este; Livraria do Advogado editora, 2011.

FGV DIREITO RIO 114


Tributos em Espécie

O Regulamento do IOF, em seu art. 11, faz previsão semelhante à do CTN.

2.2. Critérios espacial e temporal

Quanto ao critério espacial, Leandro Paulsen prescreve que “o aspecto es-


pacial do IOCâmbio segue a territorialidade. Têm-se, pois, como juridicamente
relevantes as operações de câmbio ocorridas no território nacional.”193
Nos mesmos moldes do IOF crédito, o critério temporal do IOF câmbio
é o momento estabelecido pelo art. 63, inciso II do CTN na ausência de
disposição normativa em sentido contrário. Em conformidade com o critério
material do tributo, o critério temporal deverá ser o momento da operação
de câmbio, efetivada pela entrega da moeda nacional ou documento que a
represente, ou sua colocação à disposição do interessado. O Decreto 6306/07
dispõe no parágrafo único do artigo 11 que “ocorre o fato gerador e torna-se
devido o IOF no ato da liquidação da operação de câmbio”.

2.3. Critério pessoal

A sujeição ativa do IOF câmbio é semelhante a do IOF crédito.O sujeito


passivo do tributo que ora se discute, conforme já mencionado anteriormen-
te, é estabelecido pelo art. 66 do CTN. Dessa forma, o legislador ordinário
pode eleger como contribuinte ou responsável qualquer dos indivíduos que
participam da operação sujeita ao IOF câmbio.
Os arts. 12 e 13 do Regulamento194 ficaram encarregados dessa tarefa e
estabelecem como contribuintes os compradores ou vendedores de moeda, a
depender da operação. Os responsáveis, por sua vez, são as instituições auto-
rizadas a operar em câmbio. 193
PAULSEN, Leandro e MELO, José
Eduardo Soares de. Impostos federais,
estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado editora, 2011. p. 159.
2.4. Critério quantitativo 194
Art. 12. São contribuintes do IOF os
compradores ou vendedores de moeda
estrangeira nas operações referentes às
O inciso II do art. 64 do CTN estabelece a base de cálculo do IOF câmbio transferências financeiras para o ou do
exterior, respectivamente (Lei no 8.894,
como o montante de moeda nacional envolvido na operação, o que vem a ser de 1994, art. 6o).
especificado de forma minuciosa no art. 14 do Regulamento: Parágrafo único. As transferências fi-
nanceiras compreendem os pagamen-
tos e recebimentos em moeda estran-
geira, independentemente da forma de
Art. 14.  A base de cálculo do IOF é o montante em moeda nacio- entrega e da natureza das operações.
Art. 13. São responsáveis pela cobran-
nal, recebido, entregue ou posto à disposição, correspondente ao ça do IOF e pelo seu recolhimento ao
valor, em moeda estrangeira, da operação de câmbio (Lei nº 5.172, Tesouro Nacional as instituições autori-
zadas a operar em câmbio (Lei nº 8.894,
de 1966, art. 64, inciso II). de 1994, art. 6º, parágrafo único).

FGV DIREITO RIO 115


Tributos em Espécie

A alíquota máxima estabelecida pelo art. 5º da Lei 8.894/94 é de 25%,


o que pode configurar, segundo o entendimento de alguns, confiscatória195.
Assim, o valor eleito pelo Poder Executivo é muito inferior ao máximo, en-
contrando-se no art. 15 do Regulamento.

3. IOF Seguro

3.1. Critério material

O inciso III do art. 63 do CTN disciplina o critério material do IOF se-


guro a emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do
prêmio, na forma da lei aplicável. O regulamento do IOF entretanto, prevês
como critério material somente o recebimento do prêmio, não dependendo
da ocorrência do sinistro, conforme previsão do art. 18.

3.2. Critérios espacial e temporal

Assim como nas outras hipóteses, a critério espacial do IOF seguro obser-
va a territorialidade e, dessa forma, somente incide nas operações ocorridas
dentro do território nacional.
O parágrafo 2º do art. 18 do Regulamento prescreve o momento de
ocorrência do fato gerador, o qual se dá na ocasião de recebimento total ou
parcial do prêmio.

3.3. Critério pessoal

A sujeição ativa é da União Federal, assim como no caso de todas as outras


modalidades do IOF. O pólo passivo, conforme art. 66 do CTN, deve ser
ocupado por alguma das partes envolvidas na operação do seguro. Dessa for-
ma, o Regulamento elegeu, em seu art. 19, os segurados como contribuintes do 195
PAULSEN, Leandro e MELO, José
Eduardo Soares de. Impostos federais,
IOF seguro, atribuindo às instituições financeiras encarregadas da cobrança do estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
prêmio a condição de responsáveis, conforme art. 20 do diploma normativo196. gado editora, 2011.
196
Art. 19. Contribuintes do IOF são as
pessoas físicas ou jurídicas seguradas
(Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art.
3.4. Critério quantitativo 2º). Art. 20. São responsáveis pela co-
brança do IOF e pelo seu recolhimento
ao Tesouro Nacional as seguradoras ou
as instituições financeiras a quem estas
A base de cálculo do IOF seguro, de acordo com o inciso III do art. 64 do encarregarem da cobrança do prêmio
CTN, consiste no valor do montante do prêmio, previsão esta semelhante ao (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 3º,
inciso II, e Decreto-Lei no 2.471, de 1o
art. 21 do Regulamento. de setembro de 1988, art. 7o).

FGV DIREITO RIO 116


Tributos em Espécie

A alíquota máxima é de 25%, mas este limite não é alcançado pelas alí- 197
Art. 22. § 1o A alíquota do IOF fica
reduzida:
quotas estabelecidas no art. 22 do Regulamento. O parágrafo único deste I - a zero, nas seguintes operações:
mesmo artigo estabelece casos em que a alíquota será reduzida197. a) de resseguro;
b) de seguro obrigatório, vinculado a
financiamento de imóvel habitacio-
nal, realizado por agente do Sistema
Financeiro de Habitação;
c) de seguro de crédito à exportação
4. IOF Títulos ou Valores Mobiliários e de transporte internacional de mer-
cadorias;
d) de seguro contratado no Brasil,
4.1. Critério material referente à cobertura de riscos rela-
tivos ao lançamento e à operação dos
satélites Brasilsat I e II;
e) em que o valor dos prêmios seja
O critério material do IOF títulos ou valores mobiliários está definido de destinado ao custeio dos planos de
forma ampla no inciso IV do art. 63 do CTN como a emissão, transmissão, seguro de vida com cobertura por
sobrevivência;
pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável. O art. 25 do Regu- f) de seguro aeronáutico e de seguro
de responsabilidade civil pagos por
lamento tratou de especificar as operações sujeitas à incidência do referido transportador aéreo;
II - nas operações de seguro de vida
tributo, estabelecendo que “o fato gerador do IOF é a aquisição, cessão, resgate, e congêneres, de acidentes pessoais
repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários”. e do trabalho, incluídos os seguros
obrigatórios de danos pessoais causa-
dos por veículos automotores de vias
terrestres e por embarcações, ou por
sua carga, a pessoas transportadas ou
não e excluídas aquelas de que trata a
4.2. Critérios espacial e temporal alínea “f” do inciso I: trinta e oito cen-
tésimos por cento; (Redação dada pelo
Decreto nº 6.339, de 2008).
Quanto ao critério espacial, mais uma vez deve ser observada a territoriali- III - nas operações de seguros pri-
vados de assistência à saúde: dois
dade. O momento de ocorrência do fato gerador é estabelecido no parágrafo inteiros e trinta e oito centésimos por
cento; (Redação dada pelo Decreto nº
1º do art. 25 do regulamento, sendo a ocasião em que realizadas as operações 6.339, de 2008).
IV - nas demais operações de seguro:
elencadas no critério material da regra-matriz do tributo. sete inteiros e trinta e oito centésimos
por cento. (Incluído pelo Decreto nº
6.339, de 2008).
198
Art. 26. Contribuintes do IOF são:
4.3. Critério pessoal I - os adquirentes, no caso de aquisição
de títulos ou valores mobiliários, e os
titulares de aplicações financeiras, nos
casos de resgate, cessão ou repactuação
Conforme já mencionado, o pólo ativo é ocupado pela União Federal. (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 2º e
Lei nº 8.894, de 1994, art. 2º, inciso II,
A sujeição passiva, por sua vez, é estabelecida no art. 26 do Regulamen- alínea “a”, e art. 3o, inciso II); (Redação
to , o qual elenca os adquirentes dos valores mobiliários ou as instituições
198 dada pelo Decreto nº 7.412, de 2010)
II - as instituições financeiras e demais
financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central como contribuintes, instituições autorizadas a funcionar
pelo Banco Central do Brasil, na hipóte-
a depender das operações. se prevista no inciso IV do art. 28 (Lei nº
8.894, de 1994, art. 3º, inciso III).
O art. 27 do mesmo diploma normativo199 enumera aqueles que assumem
199
Art. 27. São responsáveis pela co-
a condição de responsáveis. brança do IOF e pelo seu recolhimento
ao Tesouro Nacional (Decreto-Lei nº
1.783, de 1980, art. 3º, inciso V, e Me-
dida Provisória no 2.158-35, de 24 de
agosto de 2001, art. 28):
4.4. Critério quantitativo I - as instituições autorizadas a ope-
rar na compra e venda de títulos e
valores mobiliários;
II - as bolsas de valores, de mercadorias,
A base de cálculo do tributo está estabelecida no inciso IV, do art. 64 do CTN: de futuros e assemelhadas, em relação
às aplicações financeiras realizadas em
seu nome, por conta de terceiros e ten-
Art. 64 IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários: do por objeto recursos destes;

FGV DIREITO RIO 117


Tributos em Espécie

a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver;


b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cota-
ção em Bolsa, como determinar a lei;
c) no pagamento ou resgate, o preço.

A base de cálculo é determinada pelo art. 28 do Regulamento, a depen-


der da operação caracterizadora do fato gerador:

Art. 28.  A base de cálculo do IOF é o valor (Lei nº 8.894, de


1994, art. 2º, II):
I - de aquisição, resgate, cessão ou repactuação de títulos e valores
mobiliários;
II - da operação de financiamento realizada em bolsas de valores,
de mercadorias, de futuros e assemelhadas;
III - de aquisição ou resgate de cotas de fundos de investimento e
de clubes de investimento;
IV - do pagamento para a liquidação das operações referidas no
inciso I, quando inferior a noventa e cinco por cento do valor
inicial da operação.

A alíquota máxima, prevista pelo art. 29 do Regulamento, é de 1,5%


ao dia, podendo o Poder Executivo alterar as alíquotas de acordo com
os objetivos das políticas monetária e fiscal, observado este limite má-
ximo estabelecido.

QUESTÕES - IOF

1) Uma empresa de factoring realiza operação de cessão de crédito com sua


coligada no exterior. Nesse caso, incide alguma espécie de IOF? Se sim,
qual? Ver REsp 1063507 e REsp 621482. III - a instituição que liquidar a ope-
ração perante o beneficiário final, no
caso de operação realizada por meio do
SELIC ou da Central de Custódia e de Li-
quidação Financeira de Títulos - CETIP;
LEITURA OBRIGATÓRIA IV - o administrador do fundo de in-
vestimento;
V - a instituição que intermediar recur-
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os Impostos sobre operações de cré- sos, junto a clientes, para aplicações em
fundos de investimentos administrados
dito, câmbio, seguro ou relativos a títulos ou valores mobiliários – por outra instituição, na forma prevista
em normas baixadas pelo Conselho
conceitos fundamentais. In: Zilveti, Fernando Aurelio; Santi, Monetário Nacional;
VI - a instituição que receber as impor-
Eurico Marcos Diniz de; Mosquera, Roberto Quiroga. Tribu- tâncias referentes à subscrição das co-
tação Internacional e dos Mercados Financeiros e de Capitais, Série tas do Fundo de Investimento Imobili-
ário e do Fundo Mútuo de Investimento
GVLaw, p. 101-175. em Empresas Emergentes.

FGV DIREITO RIO 118


Tributos em Espécie

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Esta-
duais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição, 2011

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no Mercado Financeiro e de


Capitais.. 2ª. ed. São Paulo - SP: Dialética, Edições, Eventos e Cursos,
1999. v. 01. 367 p.

MOSQUERA, Roberto Quiroga (org). O Direito Tributário e O Mercado


Financeiro e de Capitais. São Paulo: Editora Dialética, 2010. v. 2. 382 p.

FGV DIREITO RIO 119


Tributos em Espécie

AULA 06. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE O FATURAMENTO – PIS


e COFINS e PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO

ESTUDO DE CASO

Uma indústria de alimentos do setor avícola, por imposição legal do Po-


der Público, fornece indumentária aos seus empregados que trabalham dire-
tamente com o processamento dos alimentos. Por se tratar de obrigação le-
gal, a indústria utiliza os custos despendidos como créditos de PIS/COFINS,
com base no art. 3º da Lei nº 10.637/02. Após sofrer fiscalização da Receita
Federal do Brasil, a sociedade é autuada com a glosa dos créditos e recorre
ao seu escritório para que avalie as chances de êxito em eventual impugnação
a ser apresentada na esfera administrativa. Vide CARF Acórdão nº 9303-
01.741 – 3ª Turma – CSRF – Rel. Nanci Gama

DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS

O artigo 195 da Constituição Federal prevê a instituição de contribuições


sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, trazendo em seu
inciso I, letra “b”, a previsão específica para a instituição dessas contribuições
sociais sobre a receita ou o faturamento:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a socieda-


de, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
b) a receita ou o faturamento; (Redação dada pela Emenda Consti-
tucional nº 20, de 1998)

Veremos, a seguir, mais detalhadamente estas contribuições sociais.

a) pis/PASEP e cofins

O PIS - Programa de Integração Social – e o PASEP - Programa de For-


mação do Patrimônio do Servidor Público - foram instituídos pelas Leis
Complementares nº 07 e 08 de 1970, respectivamente. Já a COFINS foi
instituída pela Lei Complementar n° 70/91.

FGV DIREITO RIO 120


Tributos em Espécie

REGIME CUMULATIVO DO PIS/COFINS

O regime jurídico das contribuições PIS/PASEP e COFINS, na sua ori-


gem, é de incidência cumulativa, ou seja, apura-se o total a pagar com base
no faturamento da pessoa jurídica, sem que haja qualquer desconto do valor
pago referente às despesas, custos ou encargos.
Esta sistemática, cuja alíquota do PIS/PASEP é de 0,65% e da COFINS é de
3%, é aplicada às pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido ou quando o
IRPJ é apurado com base no lucro arbitrado, salvo exceções que veremos a seguir.
Com relação a estas contribuições, necessário se faz trazer um histórico do re-
gime de incidência, principalmente no que se refere aos seus critérios materiais.
A redação original da CF/88 dispunha no artigo 195, inciso I, que “a segu-
ridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Esta-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I
- dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro”.
Nota-se que, na sua redação original, a CF autorizava a instituição de con-
tribuições que tivessem por critério material e base de cálculo o faturamento
da pessoa jurídica.
Neste mesmo sentido dispunham as leis do PIS/PASEP e COFINS. A Lei
9.715/98 dispunha no seu art. 2º que a contribuição para o PIS/PASEP será
apurada mensalmente pelas pessoas jurídicas de direito privado (...) com base no
faturamento do mês. Já o art. 3º definia que se considera faturamento a receita
bruta proveniente da venda de bens nas operações de conta própria, do preço
dos serviços prestados e do resultado auferido nas operações de conta alheia.
No que diz respeito à COFINS, o artigo 2° da Lei Complementar n°
70/91 dispõe que a contribuição incidirá sobre o faturamento mensal, “as-
sim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercado-
rias e serviços e de serviço de qualquer natureza”.
Ou seja, tanto pela redação original da CF/88, quanto pelas leis regula-
doras do PIS/PASEP e da COFINS, o critério material e a base de cálculo
destas contribuições era o faturamento da pessoa jurídica, assim entendido a
receita bruta advinda da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.
Assim, não era toda e qualquer receita que estava submetida à incidência da
PIS/PASEP e da COFINS, mas somente aquelas auferidas em contrapartida
à venda de bens e prestação de serviços. Todas as demais receitas, portanto,
não deveriam entrar na base de cálculo destas contribuições.
Passo adiante, a Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, trouxe regra diversa
daquela até então praticada. Segundo o artigo 2º desta lei, as contribuições para
o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado,
serão calculadas com base no seu faturamento. Até aí não havia incompatibili-
dade com o disposto pela Constituição Federal nem com a regra estampada na
lei 9.715/98 e na LC 70/91. No entanto, o artigo 3º e seu parágrafo primeiro

FGV DIREITO RIO 121


Tributos em Espécie

conceituavam faturamento como receita bruta da pessoa jurídica, entendida


como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o
tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”.
Noutras palavras, pela redação deste dispositivo, o conceito de faturamen-
to não deveria mais ficar restrito à receita bruta advinda da venda de merca-
dorias ou da prestação de serviço, mas deveria passar a ser considerado como
a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica.
Percebe-se, portanto, que o disposto no referido artigo ampliou o conceito
de faturamento daquele até então praticado. Se até então a incidência da PIS/
PASEP e COFINS se dava somente sobre a receita bruta da venda de merca-
dorias e da prestação de serviços, a partir da Lei 9.718/98 passou-se a admitir,
em tese, a incidência destas contribuições sobre toda e qualquer receita auferida
pela pessoa jurídica, seja decorrente de sua atividade operacional ou não.
Não obstante a referida previsão legal, a redação da Constituição vigente
à época da Lei 9.718/98 somente permitia contribuição social sobre o fatu-
ramento da pessoa jurídica. Posteriormente, a Emenda Constitucional n°
20, de 15 de dezembro de 1998, modificou o dito dispositivo, no sentido
de permitir a instituição de contribuição social não só sobre o faturamento,
mas também sobre a receita da pessoa jurídica. As mudanças da EC n° 20/98
podem ser assim representadas:

CF Redação Original CF após EC n° 20/98


Art. 195. A seguridade social será
financiada por toda a sociedade, de
forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes
Art. 195. A seguridade social será dos orçamentos da União, dos
financiada por toda a sociedade, de Estados, do Distrito Federal e
forma direta e indireta, nos termos da dos Municípios, e das seguintes
lei, mediante recursos provenientes contribuições sociais:
dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e I - do empregador, da empresa e da
dos Municípios, e das seguintes entidade a ela equiparada na forma
contribuições sociais: da lei, incidentes sobre:

I - dos empregadores, incidente sobre a) a folha de salários e demais


a folha de salários, o faturamento e rendimentos do trabalho pagos ou
o lucro; creditados, a qualquer título, à pessoa
física que lhe preste serviço, mesmo
sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

FGV DIREITO RIO 122


Tributos em Espécie

O STF analisou então a constitucionalidade do §1° do artigo 3° da Lei


9.718/98 no Recurso Extraordinário n° 390840, julgado no qual reafirmou
que o conceito de faturamento na redação original da Constituição era equi-
valente ao de receita bruta da venda de mercadorias ou prestação de serviços
e decidiu pela impossibilidade de constitucionalidade superveniente no orde-
namento jurídico brasileiro:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO


3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998
- EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEM-
BRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura
da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITU-
TOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma
pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta
a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo
e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito
privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao as-
pecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos
tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRU-
TA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO
ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo,
ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emen-
da Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as
expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-
-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e servi-
ços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no
que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade
das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da
atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.
(RE 390840, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Ple-
no, julgado em 09/11/2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT
VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215)

A matéria também foi julgada pela sistemática da repercussão geral:

RECURSO. Extraordinário. Tributo. Contribuição social. PIS.


COFINS. Alargamento da base de cálculo. Art. 3º, § 1º, da Lei
nº 9.718/98. Inconstitucionalidade. Precedentes do Plenário
(RE nº 346.084/PR, Rel. orig. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de
1º.9.2006; REs nos 357.950/RS, 358.273/RS e 390.840/MG, Rel.
Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 15.8.2006) Repercussão Ge-
ral do tema. Reconhecimento pelo Plenário. Recurso improvido.

FGV DIREITO RIO 123


Tributos em Espécie

É inconstitucional a ampliação da base de cálculo do PIS e da CO-


FINS prevista no art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98. (RE 585235 QO-
-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 10/09/2008,
DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT
VOL-02343-10 PP-02009 RTJ VOL-00208-02 PP-00871 )

O §1° do artigo 3° da Lei 9.718/98 foi então revogado pela Lei nº


11.941, de 27 de maio de 2009. Com a declaração de inconstitucionalida-
de, exarada pelo STF, e posterior revogação da norma, o critério material e
a base de cálculo das contribuições voltou a ser o faturamento, entendido
como somente as receitas auferidas em razão da venda de mercadorias e/ou
prestação de serviços.
Esse entendimento, porém, gerou uma série de controvérsias. A mais
relevante delas cinge-se em saber qual seria a base de cálculo dessas contri-
buições para os bancos, seguradoras e outras empresas novas de tecnologia,
que não possuem como atividade relevante a venda de mercadorias, tam-
pouco a prestação de serviços.
A Fazenda Nacional faz uma interpretação extensiva da decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal, sustentando que a base de cálculo seria toda
a receita típica da atividade empresarial.
Nesse contexto é que, em 13.05.2017, foi editada a Lei nº 12.973/14, a
qual passou a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2015, responsável
por alterar o art. 3º da Lei nº 9.718/98 para dispor que “O faturamento a que
se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-
-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.”

Art. 12.  A receita bruta compreende: (Redação dada pela Lei nº


12.973, de 2014)    
I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;               
(Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)     (Vigência)
II - o preço da prestação de serviços em geral;         (Incluído pela Lei
nº 12.973, de 2014)     (Vigência)
III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e         (In-
cluído pela Lei nº 12.973, de 2014)     (Vigência)
IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica
não compreendidas nos incisos I a III. 

Noutras palavras, a Lei nº 12.973/14 surgiu para tentar pôr fim à discus-
são sobre a incidência de PIS/COFINS para as empresas que não possuem
como atividade principal a venda de mercadorias ou prestação de serviços,
eis que o inciso IV acima transcrito prescreve que na base de cálculo das
contribuições devem ser incluídas as receitas da atividade ou objeto princi-
pal da pessoa jurídica.

FGV DIREITO RIO 124


Tributos em Espécie

Com isso, para as empresas sujeitas ao regime cumulativo, tributa-se


atualmente as receitas da atividade ou objeto principal, excluindo-se outras
receitas, como aquelas decorrentes de aplicações financeiras, desde que tais
empresas não sejam instituições financeiras. Para o passado, permanece a
discussão no Poder Judiciário.
Os contribuintes dessas exações são as pessoas jurídicas em geral e aque-
las a elas equiparadas pela legislação. Em relação à COFINS, há imuni-
dade, prevista no art. 195, §7º da CF, para as entidades beneficentes de
assistência social (orfanatos, asilos etc), que atendam às exigências previstas
em lei, além de algumas isenções específicas previstas em leis.

REGIME NÃO CUMULATIVO

As contribuições PIS/PASEP e COFINS passaram a ter um regime de


incidência não cumulativa a partir das leis n° 10.637/2002 e 10.833/03.
Ambas as leis elegeram como fato gerador das contribuições “o faturamen-
to mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica,
independentemente de sua denominação ou classificação contábil” (Art. 1°) e
adicionam que “o total das receitas compreende a receita bruta da venda de
bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais re-
ceitas auferidas pela pessoa jurídica” (Art. 1º, § 1º).
Assim, diferentemente do regime de incidência cumulativo, o regime
não-cumulativo tem como critério material e base de cálculo o total das
receitas auferidas pela pessoa jurídica e não somente aquelas auferidas em
decorrência da atividade operacional desta.
Tal fato não foi alterado com a edição da Lei nº 12.973/14, embora
tenha havido mudança de redação do texto para constar que “a Contribui-
ção para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, com a incidência
não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa
jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.”
(art. 1º da Lei nº 10.833/03) e “a Contribuição para o PIS/Pasep, com a
incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês
pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação
contábil” (art. 1º da Lei nº 10.637/02).
O respectivo §1º dispõe que “o total das receitas compreende a receita bru-
ta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977,
e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos
valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput
do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976”.

FGV DIREITO RIO 125


Tributos em Espécie

Regra geral, o regime de incidência não-cumulativa se aplica às pessoas


jurídicas submetidas ao regime de apuração do IRPJ pelo lucro real200.
Nesta sistemática, é possível o desconto dos créditos de PIS/PASEP e
COFINS apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa
jurídica. As alíquotas neste regime são de 1,65% para o PIS/PASEP e
7,6% para a COFINS.
A apuração do PIS/PASEP e COFINS, na sistemática não-cumulativa, 200
O art. 10 da Lei nº 10.833/03 dispõe
se dá da seguinte maneira: sobre quem permanece sujeito ao regi-
me cumulativo
201
Lei 10.637/ 02 Art. 3o Do valor apu-
rado na forma do art. 2o a pessoa jurídi-
ca poderá descontar créditos calculados
Débito Crédito em relação a:
I - bens adquiridos para revenda, exceto
Totalidade das receitas Mercadorias, insumos, devolução, em relação às mercadorias e aos produ-
tos referidos:
energia elétrica, aluguel, aceleração, a) no inciso III do § 3o do art. 1o desta Lei; e
(-) Exclusões Permitidas armazenagem, frete, etc b) nos §§ 1o e 1o-A do art. 2o desta Lei;
II - bens e serviços, utilizados como
insumo na prestação de serviços e
= Base de cálculo X 1,65% X 7,6% Créditos X 1,65% X 7,6% na produção ou fabricação de bens
ou produtos destinados à venda, in-
clusive combustíveis e lubrificantes,
= Saldo devedor ou credor exceto em relação ao pagamento de
que trata o art. 2o da Lei no 10.485,
de 3 de julho de 2002, devido pelo
fabricante ou importador, ao con-
cessionário, pela intermediação ou
Assim, para a apuração do PIS/COFINS na sistemática da não-cumu- entrega dos veículos classificados nas
posições 87.03 e 87.04 da TIPI;
latividade, soma-se a totalidade das receitas auferidas pelo contribuinte e III - (VETADO)
IV – aluguéis de prédios, máquinas e
deduzem-se os valores considerados como exclusões permitidas pela legis- equipamentos, pagos a pessoa jurídica,
lação. Como exemplo de exclusões previstas nas leis reguladoras do PIS e utilizados nas atividades da empresa;
V - valor das contraprestações de ope-
da COFINS, temos as receitas isentas ou sujeitas à alíquota zero, as receitas rações de arrendamento mercantil de
pessoa jurídica, exceto de optante pelo
das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, recupe- Sistema Integrado de Pagamento de
Impostos e Contribuições das Micro-
rações de créditos baixados como perdas, dos resultados positivos do MEP empresas e das Empresas de Pequeno
e de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, a receitas da venda de Porte - SIMPLES;
VI - máquinas, equipamentos e outros
bens do ativo permanente e da revenda de bens em que as contribuições já bens incorporados ao ativo imobiliza-
do, adquiridos ou fabricados para lo-
foi recolhida pelo substituto tributário, além daquelas receitas excluídas do cação a terceiros ou para utilização na
produção de bens destinados à venda
regime de incidência não-cumulativa. ou na prestação de serviços.
Sobre o resultado desta operação, aplicam-se as alíquotas de 7,6% da VII - edificações e benfeitorias em
imóveis de terceiros, quando o custo,
COFINS e de 1,65% relativa ao PIS. Como resultado, tem-se o total do inclusive de mão-de-obra, tenha sido
suportado pela locatária;
débito referente a estas contribuições. VIII - bens recebidos em devolução,
cuja receita de venda tenha integra-
No entanto, por tratar-se do regime não-cumulativo, faz-se necessário do faturamento do mês ou de mês
o abatimento do crédito de PIS/COFINS relativo a certos valores previs- anterior, e tributada conforme o dis-
posto nesta Lei.
tos em lei201. Não obstante a utilização da expressão não-cumulativa para IX - energia elétrica e energia térmi-
ca, inclusive sob a forma de vapor,
denominar a metodologia de apuração em estudo, esta sistemática não consumidas nos estabelecimentos da
pessoa jurídica.
se equipara ao modelo constitucional de não cumulatividade aplicável X - vale-transporte, vale-refeição ou
vale-alimentação, fardamento ou uni-
ao Imposto sobre Produtos Industrializados - (IPI) e ao Imposto sobre a forme fornecidos aos empregados por
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que serão estudados nas pessoa jurídica que explore as ativida-
des de prestação de serviços de limpe-
próximas aulas. za, conservação e manutenção.

FGV DIREITO RIO 126


Tributos em Espécie

No regime não-cumulativo de apuração do PIS/COFINS, o con-


tribuinte não apura créditos em relação às contribuições recolhidas em
etapas anteriores da cadeia produtiva, mas sim somente em relação a de-
terminados custos, despesas e encargos expressamente indicados em sua
legislação de regência
O cálculo do valor do crédito das contribuições se dá pela aplicação
das alíquotas de 7,6% (Cofins) e 1,65% (PIS) sobre valores tais como as
aquisições de bens para revenda, dos insumos na fabricação de produtos
ou serviços, dos bens recebidos em devolução, das despesas e custos com
energia elétrica e aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, arren-
damento mercantil, armazenagem de mercadoria e frete na operação de
venda, depreciação e amortização de máquinas, equipamentos e imóveis.

A CONTROVÉRSIA SOBRE O CONCEITO DE INSUMOS

Em especial, é grande a controvérsia em torno da definição dos bens e


serviços que podem ser caracterizados como “insumos” para a produção ou
fabricação de bens ou para a prestação de serviços da pessoa jurídica.
Nesse aspecto, note-se que, ao regulamentar a sistemática não cumula-
tiva de incidência do PIS e da COFINS, a Receita Federal do Brasil (RFB)
consignou por meio das Instruções Normativas de nº 247/02 e 404/04,
além de ter manifestado entendimento em inúmeras oportunidades, que “o
termo insumo não pode ser interpretado como todo e qualquer bem ou serviço
necessário para a atividade da pessoa jurídica, mas, tão somente, aqueles bens
ou serviços adquiridos de pessoa jurídica, intrínsecos à atividade, aplicados ou
consumidos na fabricação do produto ou no serviço prestado”202
Como se vê, a Fazenda Pública tem defendido desde sempre que con-
figuram insumos apenas os bens e serviços “diretamente aplicados ou con-
sumidos” na produção ou fabricação de bens ou prestação de serviços. Tal
conceito é extraído diretamente da legislação do Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI, sendo bastante restritivo ao limitar o crédito aos
valores gastos diretamente na fabricação do produto ou serviço prestado.
Entretanto, tal conceito restritivo de insumo adotado pela Receita Fe-
deral do Brasil vem sendo refutado pelo CARF – órgão responsável pelo
julgamento em segunda instância das autuações administrativas federais,
tampouco pelo Poder Judiciário.
A título de exemplo, a Câmara Superior de Recursos Fiscais – instância
máxima do CARF - rejeitou a aplicação da legislação do IPI acima trans-
crita como fonte de inspiração para se interpretar e aplicar a não-cumula- 202
Solução de Divergência nº 15, de 30
tividade do PIS: de maio de 2008.

FGV DIREITO RIO 127


Tributos em Espécie

“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP


Período de apuração: 01/04/2006 a 30/06/2006
CRÉDITO. RESSARCIMENTO. A inclusão no conceito de insumos
das despesas com serviços contratados pela pessoa jurídica e com as aqui-
sições de combustíveis e de lubrificantes, denota que o legislador não
quis restringir o creditamento do PIS/Pasep às aquisições de matérias-
-primas, produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance
de insumos na legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção
industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos como
sendo os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção
de bens ou serviços por ela realizada.”203

Em razão dessa rejeição, outra corrente doutrinária passou a sustentar


que os bens ou serviços qualificáveis como insumo para PIS/COFINS se-
riam aqueles previstos na legislação do IRPJ – com as exceções previstas
expressamente nas leis de regência do PIS e da COFINS. É de se destacar,
por oportuno, que as despesas consideradas para dedutibilidade do IRPJ se
mostram muito elásticas, englobando todas as despesas necessárias à ativi-
dade das empresas:

“Na apuração do PIS não-cumulativo podem ser descontados créditos


calculados sobre as despesas decorrentes da contratação de seguros, es-
senciais para a atividade fim desenvolvida pela recorrente, pois estes
caracterizam sim como ‘insumos’ previstos na legislação do IRPJ.”204

Além das duas correntes acima expostas (critério do IPI – interpretação
restritiva e critério do IRPJ – interpretação extensiva), há ainda o entendi-
mento de que o conceito de insumos para fins do PIS e da COFINS deve
seguir critérios próprios. Nesse sentido:

“COFINS. INDUMENTÁRIA. INSUMOS. DIREITO DE CRÉ-


DITO.ART. 3º LEI 10.833/03.
Os dispêndios, denominados insumos, dedutíveis da Cofins não cumu-
lativa, são todos aqueles relacionados diretamente com a produção do
contribuinte e que participem, afetem, o universo das receitas tribu-
táveis pela referida contribuição social. A indumentária imposta pelo
próprio Poder Público na indústria de processamento de alimentos exi-
gência sanitária que deve ser obrigatoriamente cumprida é insumo ine- Acórdão 9303-01.35.
203

rente à produção da indústria avícola, e, portanto, pode ser abatida no Acórdão n° 203-12.741 da 3° Câmara
204

do Segundo Conselho de Contribuintes.


cômputo de referido tributo. 205
Acórdão 930301.740 – 3ª Turma –
Recurso Especial do Procurador Negado.”205 rel. Nanci Gama.

FGV DIREITO RIO 128


Tributos em Espécie

Ou seja, o CARF já consignou que o conceito de insumos para fins de


PIS e COFINS é distinto do conceito empregado pela legislação do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre a Renda da Pessoa
Jurídica (IRPJ), de modo que estes equivaleriam aos “gastos gerais que a pessoa
jurídica precisa incorrer na produção de bens ou serviços.”.
Em suma, existem 03 (três) correntes sobre o conceito de insumo para
efeito da aplicação da não-cumulatividade:

(i) bens ou serviços qualificáveis como insumo seriam os previstos


na legislação do IPI (bens) ou expressamente nas leis de re-
gência PIS e COFINS (serviços) – corrente quase superada na
jurisprudência;

(ii) bens ou serviços qualificáveis como insumo são os previstos na


legislação do IRPJ – com as exceções previstas expressamente
nas leis de regência PIS e COFINS – corrente minoritária na
jurisprudência;

(iii) bens ou serviços qualificáveis como insumo para apuração de


crédito do PIS e da COFINS devem seguir critérios próprios –
corrente majoritária na jurisprudência.

Atualmente, a jurisprudência administrativa adota a terceira corrente,


de que os bens e serviços qualificáveis como insumos precisam seguir crité-
rios próprios. São eles: (i) insumos são os gastos gerais que a pessoa jurídica
precisa incorrer na produção de bens ou serviços por ela realizada, desde
que estejam ligados com a produção ou efetiva prestação dos serviços (es-
sencialidade); (ii) gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer direta-
mente para a produção de bens ou serviços por ela realizada.
Na esfera judicial, o leading case sobre o tema é o REsp nº 1.221.170/
PR. No início do julgamento, em setembro de 2015, o Ministro Napoleão
Nunes Maia, relator do processo, defendeu um conceito amplo de insumo,
destacando que devem “ser consideradas no conceito de insumo, para o fim de
creditamento de PIS e COFINS, todas as despesas realizadas com a aquisição
de bens e serviços necessários para o exercício da atividade empresarial, direta
ou indiretamente.”.
Em seguida, o Ministro Og Fernandes, após pedir vista dos autos,
entendeu que o conceito de insumo seria aquele do IPI. Na sequência,
o Min. Mauro Campbell acompanhou o relator em relação à tese, mas
divergiu em relação a alguns custos específicos discutidos no caso. O Mi-
nistro Benedito Gonçalves adotou o critério da essencialidade, mas negou
provimento ao recurso.

FGV DIREITO RIO 129


Tributos em Espécie

A Ministra Regina Helena Costa, por sua vez, aplicou os critérios da es-
sencialidade e relevância, corroborando o entendimento de que há um con-
ceito próprio de insumos para fins de créditos de PIS/COFINS. Diante da
explanação da Ministra, os Ministros Napoleão e Mauro Campbell alteraram
o seu voto já proferido para se alinhar ao voto dela.
A Ministra Assusete Magalhães pediu vista e o caso permanece pendente
de julgamento.

REGIME MONOFÁSICO

Já com relação a determinados produtos como combustíveis, farmacêuti-


cos, veículos, bebidas, entre outros, aplica-se o regime monofásico. Neste re-
gime, são aplicadas alíquotas diferenciadas concentradas sobre a receita bruta
de um dos pontos da cadeia: produtores, fabricantes, importadores, refinarias
de petróleo, distribuidores, comerciantes varejistas ou atacadistas.

PIS-COFINS Importação

A Emenda Constitucional nº 42/03 adicionou ao art. 195 da CF o in-


ciso IV, prevendo a possibilidade de cobrança de contribuição destinada à
seguridade social do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a
lei a ele equiparar.
Em atenção a este dispositivo, a Lei 10.865/04 institui então o PIS/
PASEP-Importação e a COFINS-Importação. Um dos argumentos para a
instituição das contribuições nesta modalidade é o de dar um tratamento
isonômico entre os bens produzidos e serviços prestados no país com relação
aos bens e serviços importados que anteriormente não sofriam tal incidência.
O critério material do PIS/COFINS importação é o ato de importar bens
ou serviços e o momento da incidência é com a entrada dos bens/ serviços
no território nacional. O sujeito passivo é o importador (seja pessoa física ou
jurídica) e contratante e beneficiário, no caso de prestação de serviço.
A base de cálculo, na origem, era o valor aduaneiro, acrescido do Imposto
de Importação, ICMS ou ISS e demais contribuições. As alíquotas são: PIS/
PASEP – 1,65% COFINS – 7,6%.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº
559.937, decidiu que é inconstitucional a inclusão de ICMS, bem como
do PIS/Pasep e da Cofins na base de cálculo dessas mesmas contribuições
sociais incidentes sobre a importação de bens e serviços. Em razão desse
entendimento, a Lei nº 12.865/13 alterou o art. 7º, I, da Lei nº 10.865/04,
para adotar como base de cálculo o valor aduaneiro, excluindo-se, portanto,
o ICMS e as próprias contribuições.

FGV DIREITO RIO 130


Tributos em Espécie

QUESTÕES

1) A sociedade ABC.com impetrou Mandado de Segurança objetivando


o não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,
instituída pela Lei nº 7.689/88, por reputar que a exação seria incons-
titucional. Dentre os argumentos expostos na peça exordial, susten-
tou-se que se trata de um adicional do imposto sobre a renda. Em sua
opinião, a CSLL pode ser considerada como um adicional do imposto
sobre a renda? Justifique, tendo como base a leitura do RE 138.284.

2) Analise as decisões do CARF e comente sobre as diferenças na forma


deste órgão considerar o que é insumo para fins de creditamento do
PIS/COFINS:

PIS/PASEP. REGIME NÃO-CUMULATIVO. CRÉDITOS.


GLOSA PARCIAL. O aproveitamento dos créditos do PIS no regi-
me da não cumulatividade há que obedecer às condições específicas
ditadas pelo artigo 3º da Lei nº 10.637, de 2002, c/c o artigo 66
da IN SRF nº 247, de 2002, com as alterações da IN SRF nº 358,
de 2003. Incabíveis, pois, créditos originados de gastos com segu-
ros (incêndio, vendaval etc.), material de segurança (óculos, jalecos,
protetores auriculares), materiais de uso geral (buchas para máquinas,
cadeado, disjuntor, calço para prensa, catraca, correias, cotovelo, cru-
zetas, reator para lâmpada), peças de reposição de máquinas, amorti-
zação de despesas operacionais, conservação e limpeza, e manutenção
predial. No caso do insumo "água", cabível a glosa pela ausência de
critério fidedigno para a quantificação do valor efetivamente gasto na
produção. DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. Homologa-se
a compensação declarada pelo sujeito passivo até o limite do crédito
que lhe foi reconhecido no demonstrativo de créditos da contribuição
ao PIS Não Cumulativo. Recurso negado. (Acórdão n° 203-12469)

O termo “insumo” utilizado pelo legislador na apuração de créditos


a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins
denota uma abrangência maior do que MP, PI e ME relacionados ao
IPI. Por outro lado, tal abrangência não é tão elástica como no caso
do IRPJ, a ponto de abarcar todos os custos de produção e as despesas
necessárias à atividade da empresa. Sua justa medida caracteriza-se
como o elemento diretamente responsável pela produção dos bens ou
produtos destinados à venda, ainda que este elemento não entre em
contato direto com os bens produzidos, atendidas as demais exigên-
cias legais. (Acórdão nº 3301-000.954 da Terceira Seção de Julga-
mento do CARF, Relator Cons. Maurício Taveira e Silva)

FGV DIREITO RIO 131


Tributos em Espécie

A inclusão no conceito de insumos das despesas com serviços con-


tratados pela pessoa jurídica e com as aquisições de combustíveis e
de lubrificantes, denota que o legislador não quis restringir o credi-
tamento de Cofins às aquisições de matérias-primas, produtos in-
termediários e ou material de embalagens (alcance de insumos na
legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção industrial,
ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos como sendo
os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção
de bens ou serviços por ela realizada (Acórdão nº 9303-01.036 da
Terceira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, Relator
Cons. Henrique Pinheiro Torres).

LEITURA OBRIGATÓRIA

SEHN, Solon. PIS-COFINS - Não Cumulatividade e Regimes de Incidência.


São Paulo: Quartier Latin, 2010.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições – Regime Jurídico, Destinação e Con-


trole. São Paulo: Noeses, 2006

MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário.


São Paulo: Malheiros, 6ª Ed., 2010.

FGV DIREITO RIO 132


Tributos em Espécie

AULA 07. TRIBUTAÇÃO SOBRE O PRODUTO INDUSTRIALIZADO: IPI

ESTUDO DE CASO

A sociedade empresária ABC Ltda. exerce a atividade de fabricação de


móveis sob encomenda, seguindo as estritas especificações dos clientes (que
definem o desenho do móvel, a madeira a ser utilizada, as dimensões) e reco-
lhe regularmente o ISS ao Município em que realiza o serviço, uma vez que
o serviço consta na lista da LC 116/03. Todavia, posteriormente foi surpre-
endida com a lavratura de Auto de Infração pela Receita Federal do Brasil,
exigindo a cobrança do IPI. Tendo em vista os referidos fatos, responda: a
cobrança deve ser mantida? Vide REsp nº 395.633/RS, Segunda Turma,
Rel. Min. Eliana Calmon, Julgado em 12/11/2002.

A) IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

Conforme se extrai do art. 153, IV, da CF/88, à União foi atribuída a


competência para instituir o Imposto sobre Produtos Industrializados.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


IV - produtos industrializados;

O § 1º do artigo 153 da Constituição estabelece que é facultado ao Poder


Executivo, atendidas às condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as
alíquotas do imposto sobre produtos industrializados. Assim, o IPI é uma
exceção ao princípio da legalidade insculpido no artigo 150 da CF/88.
Destaque-se, ainda, a exceção ao princípio da anterioridade estampado
no §1º do art. 150 da CF/88. Dessa forma, a majoração do tributo não está
submetida à observância da anterioridade de exercício prevista no art. 150,
inciso III, b, da CF, mas somente à noventena.
O artigo 153, § 3º da CF/88 ainda prevê que o IPI será i) será se-
letivo, em função da essencialidade do produto; ii) não-cumulativo, com-
pensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado
nas anteriores; iii) não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao
exterior e iv) terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital
pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.
As normas gerais do tributo estão dispostas nos artigos 46 a 51 do CTN.
A Lei que dispõe sobre a regra matriz do tributo é a Lei 4.502/64 e o Decre-
to-Lei 34/66 e o decreto que o regulamenta é o 7.212/10.

FGV DIREITO RIO 133


Tributos em Espécie

1. Critério Material

De acordo com o art. 46 do Código Tributário Nacional, o fato gerador


do tributo ora em comento é: (i) o desembaraço aduaneiro quando das
importações; (ii) a saída dos estabelecimentos que são considerados con-
tribuintes do tributo; (iii) a arrematação do bem, quando apreendido ou
abandonado e levado a leilão. A Lei 4.502/64 igualmente elege como fato
gerador o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos de procedência
estrangeira e a saída do respectivo estabelecimento produtor, quanto aos de
produção nacional.
Percebe-se que mais uma vez agiu mal o legislador ao confundir fato ge-
rador/ critério material com o momento da ocorrência deste (critério tem-
poral). Assim, tanto o artigo 46 do CTN quanto o art. 2° da Lei 4.502/64
na verdade elecam o critério temporal do IPI, ou seja, o momento em que
deve se considerar ocorrido o fato descrito no critério material.
A doutrina diverge acerca de qual seria o critério material do IPI.
Alguns doutrinadores como Paulo de Barros Carvalho se posicionam no
sentido de que seria o fato de “industrializar produtos” 206. Para esta
corrente, ao lado do critério material de industrializar produtos, seria
ainda possível dois outros: importar produtos industrializados e arre-
matar produtos industrializados. Outros, como José Roberto Vieira 207,
defendem que o critério material do IPI é “realizar operações com
produtos industrializados”, pois de nada adiantaria realizar a indus-
trialização se não houvesse uma operação posterior de venda do pro-
duto. Assim, o critério material seria o fato de “realizar operação que
tenha por objeto um produto industrializado”. Ocorre que, elegendo-se
este fato como critério material do IPI, poderia abrir ensejo à tributação
de toda e qualquer operação que tenha por objeto o produto indus-
trializado, mesmo aquelas em que não são realizadas diretamente pela
pessoa que efetuou a industrialização. Além disso, este segunda posição
já englobaria as operações de importação de produtos industrializados
e de arrematação, nos termos do artigo 46 do CTN, visto que ambos
os fatos estariam dentro do critério material de realizar operações com
produtos industrializados.
Assim, parece-nos mais adequado eleger como critério material o fato
de industrializar produto para posterior circulação, de modo a conci-
liar as duas correntes. Ao lado desta hipótese, também deveria se consi- 206
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
Tributário: linguagem e método. São
derar como critério material o fato de importar produto industrializado e Paulo: Noeses, 2009, p. 680.

de arrematar produtos desta natureza. 207


VIEIRA, José Roberto. A Regra Matriz
de Incidência do IPI: texto e contexto.
No mesmo sentido, Leandro Paulsen afirma que: Curitiba: Juruá, 1993.

FGV DIREITO RIO 134


Tributos em Espécie

Efetivamente, a base econômica do IPI deve ser analisada à luz do


inciso IV do art. 153 da Constituição de 1988 c/c o seu §2º, inciso
I. Pela sua interpretação sistemática, depreende-se que, em verdade,
incide sobre a ‘operação’ com ‘produtos industrializados’, ou seja,
sobre o negócio jurídico que tenha por objeto bem, ainda que não
necessariamente destinado ao comércio (mercadoria), submetido por
um dos contratantes a processo de industrialização. Pressupõe, pois,
a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial.
Assim, o IPI incide nas operações de que participa o industrial que
industrializou o produto, mas não, e.g., na venda por comerciante
ao consumidor porque, embora possa se tratar de produto industria-
lizado (como qualidade do produto), não se trata de operação com
produto que tenha sido industrializado pelo comerciante.208

A partir deste critério material, o parágrafo único do art. 46 do CTN es-


tipula que “considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido
a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aper-
feiçoe para o consumo”. Com relação ao conceito de industrialização, o RIPI
(Decreto n° 7.212/10) a caracteriza, no artigo 4º, como operações tais como:
I - transformação; II – beneficiamento; III – montagem; IV – acondiciona-
mento ; V – renovação ou recondicionamento. Vejamos, a seguir, como o
RIPI conceitua cada uma destas operações:

• Transformação: operação exercida sobre matérias-primas ou


produtos intermediários, que importe na obtenção de espécie
nova. Ou seja, a transformação consiste na mudança completa
de uma matéria-prima extraída da natureza depois do processo
de industrialização.
• Beneficiamento: modificação, aperfeiçoamento ou, de qual-
quer forma, alteração no funcionamento, na utilização, no aca-
bamento ou na aparência do produto. Portanto, importa no
aprimoramento do produto, com o objetivo de adequação aos
fins pretendidos pelo usuário final.
• Montagem: reunião de produtos, peças ou partes da qual re-
sulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob
a mesma classificação fiscal. Assim, pode ser entendida como a
junção de vários itens para a formação do produto final, como,
por exemplo, no caso da montagem dos carros.
• Acondicionamento/ reacondicionamento: operação que impor-
208
PAULSEN, Leandro e MELO, José
te em alterar a apresentação do produto, pela colocação da emba- Eduardo Soares de. Impostos federais,
lagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a em- estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
balagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria. gado editora, 2011. p. 79-80

FGV DIREITO RIO 135


Tributos em Espécie

• Renovação ou Recondicionamento: a que, exercida sobre pro-


duto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou
inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (reno-
vação ou recondicionamento). São formas, portanto, de melho-
rar os produtos que não mais se encontravam em suas condições
normais, como, por exemplo, a recauchutagem.

2. Critério Temporal

Conforme exposto acima, o art. 46 do CTN, a despeito de falar em


fato gerador, na verdade estabelece o critério temporal do IPI, nos se-
guintes termos:

Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos in-


dustrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo úni-
co do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e le-
vado a leilão.

Assim, o critério temporal do IPI é o momento da saída do produto in-


dustrializado do estabelecimento onde ocorreu a industrialização. No caso da
importação de produtos, o critério temporal, segundo se depreende do inciso
I, é o momento do desembaraço aduaneiro.
Entretanto, as leis disciplinadoras do IPI estabeleceram momentos espe-
cíficos de ocorrência do critério material, a depender das circunstâncias de
industrialização, como, por exemplo, o §1º do art. 2º da Lei 4.502/64.

§ 1º Quando a industrialização se der no próprio local de consu-


mo ou de utilização do produto, fora de estabelecimento produtor,
o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar
concluída a operação industrial.

3. Critério Espacial
209
PAULSEN, Leandro e MELO, José
O IPI observa a territorialidade, por isso, “será considerada geradora da Eduardo Soares de. Impostos federais,
obrigação tributária a saída da mercadoria do estabelecimento industrial estaduais e municipais. 6ª edição rev.
e atual – Porto Alegre: Livraria do
ocorrida dentro do território nacional, em qualquer parte dele e só nele.”209 Advogado editora, 2011, p. 112.

FGV DIREITO RIO 136


Tributos em Espécie

Há de se ressaltar, contudo, que, de acordo com o art. 153, §3º da CF/88,


as exportações de produtos industrializadas não sofrem a incidência do IPI.
Dessa forma, caso o produto tenha sido industrializado em território nacio-
nal, mas a saída do estabelecimento se dê com destino ao exterior, temos uma
operação imune.

4. Critério Pessoal

O sujeito ativo, por se tratar de tributo de competência federal, é a


União Federal.
O art. 51 do CTN define a sujeição passiva do IPI e seu parágrafo único
estabelece a autonomia dos estabelecimentos que significa que cada estabele-
cimento do industrial recolhe IPI como se fossem pessoas jurídicas diversas:

Art. 51. Contribuinte do imposto é:


I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça
aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, leva-
dos a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contri-
buinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, indus-
trial, comerciante ou arrematante.

Importante destacar o posicionamento do STF no sentido de que o im-


portador pessoa física de produto industrializado não está submetido à tribu-
tação do IPI, uma vez que, sendo o tributo não-cumulativo, não pode haver
creditamento por parte da pessoa física importadora que não se caracteriza
como industrial. Entretanto, há quem entenda que o CTN, em seu art. 51,
inciso I, menciona “importador”, sem diferenciar pessoa física ou jurídica,
razão pela qual deve haver incidência em ambas as hipóteses.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO:


PESSSOA FÍSICA NÃO COMERCIANTE OU EMPRESÁRIO:
PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE: CF, art. 153, § 3º,
II. NÃO-INCIDÊNCIA DO IPI. I. - Veículo importado por pes-
soa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso
próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-
-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relati-
vamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF,

FGV DIREITO RIO 137


Tributos em Espécie

Min. Maurício Corrêa, Plenário, "DJ" de 29.10.1999; RE 191.346/


RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, "DJ" de 20.11.1998; RE
298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, "DJ" de 09.11.2001.
II. - RE conhecido e provido. Agravo não provido.210

5. Critério Quantitativo

A base de cálculo do IPI é definida no art. 47 do CTN. Segundo o in-


ciso II, aliena “a” deste artigo, a regra geral, no caso de industrialização de
produtos no território nacional, é que a base de cálculo consiste no “valor
da operação de que decorrer a saída da mercadoria”. O inciso “b” ainda acres-
centa que “na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente
da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente”.
Acrescenta-se que há valores que devem ser acrescidos ao valor da operação,
como o frete, as despesas acessórias cobradas ou debitadas pelo contribuinte e
os descontos, inclusive os incondicionais, conforme arts. 14, §1º e §2º da Lei
4.502/64. Ressalta-se que, em todos os tributos, há previsão de que os des-
contos incondicionais sejam excluídos da base de cálculo, exceto no caso do
IPI. Entretanto, há precedentes de ambas as Turmas do STJ que permitem a
exclusão dos descontos incondicionais da base de cálculo do IPI.
Já no caso de importação de bens, a base de cálculo será o preço normal,
acrescido do imposto sobre a importação, das taxas exigidas para entrada do
produto no País e dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador
ou dele exigíveis. Assim, na modalidade importação, a base de cálculo do IPI
é o valor aduaneiro acrescido das taxas e encargos.
Conforme citado no início do capítulo, a CF/88 elege, no art. 153, §3º,
inciso I, como um dos princípios que regem a incidência do IPI, o princípio
da seletividade, segundo o qual quanto mais supérfluo é o produto, maior
deve ser a alíquota.
O inciso II do mesmo dispositivo constitucional dispõe acerca da não-
-cumulatividade do tributo. Cumulatividade, sob o ponto de vista jurídico
tributário, significa a inclusão, na base de cálculo, de valores de imposto da
mesma espécie que já incidiram em etapas anteriores. O IPI não é um impos-
to sobre o valor adicionado, incidindo sobre o valor total da saída.
O art. 49 do CTN dispõe sobre a não-cumulatividade nos seguintes termos:

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que


o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado
período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabele-
cimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. 210
Supremo Tribunal Federal. Recurso
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em fa- Extraordinário nº 255682. Segunda
Turma. Relator Ministro Carlos Velloso.
vor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes. Julgamento em 29/11/2005

FGV DIREITO RIO 138


Tributos em Espécie

Assim, para se viabilizar a não-cumulatividade, é dado o direito ao crédito


do tributo relativo aos produtos que entraram no estabelecimento e que se
integraram ao processo de industrialização do produto.
Neste sentido, o RIPI (Dec. 7212/10) dispõe no art. 226, I que “os esta-
belecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se do im-
posto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem,
adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-
-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora
não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industriali-
zação, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente”.
Por fim, com relação às alíquotas do IPI, o art. 153, § 3º, inc. I da CF/88
dispõe que o imposto será seletivo, em função da essencialidade do produto.
Assim, atendendo a este princípio, as alíquotas deverão ser estabelecidas de
modo a onerar mais os produtos mais supérfluos e menos os mais essenciais.
A tabela com as alíquotas do IPI está prevista no Decreto n° 7.660 de de-
zembro de 2011. Nele, os produtos são classificados em capítulos, posições,
subposições, itens e subitens, a partir de seus NCMs (Nomenclatura Brasilei-
ra de Mercadorias baseada no Sistema Harmonizado).

questões

1) O art. 153, § 3º, inc. I da CF/88 dispõe que o IPI “será seletivo, em fun-
ção da essencialidade do produto”. A tabela do Decreto n° 7.660/11,
no entanto, prevê para alguns produtos que podem ser considerados
essenciais – como o açúcar de cana – uma alíquota de 5%, em descon-
formidade com a alíquota aplicada para produtos de igual natureza.
Assim, diante deste problema, responda:
a) o atendimento ao princípio da seletividade é obrigatório ou facultativo?
b) como aferir a “essencialidade” de um produto?
b) este mandamento dirige-se ao: legislador, executivo ou também ao ju-
diciário?
c) pode o Judiciário, se entender que determinada alíquota não atende
ao princípio da seletividade, como a do açúcar de cana, estabelecer
nova alíquota? Qual o papel do Judiciário perante o princípio da
seletividade?

2) Calcule o valor a ser pago de ICMS, IPI e ISS por cada uma das empresas
abaixo (considerando as alíquotas internas de ICMS=18%, alíquota do
IPI=10% e alíquota do ISS=5%).
Cia “A”, localizada no Estado do Rio de Janeiro, fabrica e vende calendários.

FGV DIREITO RIO 139


Tributos em Espécie

Ela utiliza, para a fabricação, insumos no valor de R$50,00. Durante o


processo de produção, ela remete os calendários para que uma gráfica “X”
faça a composição e impressão dos dizeres (a gráfica cobra, por esta ope-
ração, o valor de R$ 10,00). A Cia “A” vende então os calendários no
valor de RS 100,00 para a distribuidora “B”, localizada no Estado de SP.
A distribuidora “B”, por sua vez, revende os calendários para a papelaria
“Z”, localizada em SP, no valor de R$200,00. Por sua vez, os calendários
são vendidos aos consumidores finais no valor de R$300,00.

3) A Fábrica de Refrigerantes Super Refri Ltda. recolheu a maior o IPI inci-


dente sobre a saída dos respectivos produtos vendidos à Distribuidora de
Bebidas Delta Ltda. Verificado o equívoco, a Distribuidora de Bebidas
postulou em juízo o creditamento relativo ao IPI indevidamente pago
pela fabricante, mas embutido no preço do produto. Nesse caso, tem a
distribuidora legitimidade para requerer a repetição do indébito? Justifi-
que, com base na legislação tributária pertinente. (VI Exame unificado da
OAB, FGV Projetos)

LEITURA OBRIGATÓRIA

VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto.


Curitiba, Juruá, 1993, p. 71-137.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI: Princípios e Estrutura. São Paulo:


Dialética, 2009.

MELO, José Eduardo Soares de. IPI - Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição,
2011

XAVIER, Manoela Floret Silva. IPI: Imposto sobre Produtos Industrializados.


Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008.

FGV DIREITO RIO 140


Tributos em Espécie

AULA 08. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS-MERCADORIAS

ESTUDO DE CASO

No contexto de extrema fragilidade das suas finanças, o Estado do Rio de


Janeiro editou a Lei estadual nº 7.183, de 29 de dezembro de 2015, a qual
trata da alíquota do ICMS sobre a operação de circulação de petróleo. O
objetivo do Estado é o de cobrar o ICMS na extração do petróleo, tendo em
vista a circulação entre o ponto de medição da produção e o estabelecimen-
to da empresa produtora.  Nesse cenário, o contribuinte ajuíza ação ques-
tionando a referida cobrança, com base nos seguintes argumentos: (i) para
caracterização do fato gerador do ICMS, é necessário que a transferência da
propriedade seja causada por uma circulação de mercadoria entre dois elos da
cadeia econômica, o que não ocorre quando da movimentação do petróleo e
do gás entre o ponto de mediação e o estabelecimento produtor, pois perten-
cem ao mesmo titular; (ii) ainda que assim não fosse, não se poderia cogitar
na incidência do ICMS nos casos em que a propriedade não é adquirida em
razão de um negócio jurídico entre o adquirente e o alienante, mas de forma
originária, como ocorre na extração mineral.
Na qualidade de Juiz, o que Você decidiria?

A) REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO ICMS- MERCADORIAS

O ICMS encontra-se previsto no art. 155, II da CF/88, nos seguintes


termos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir


impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre pres-
tações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e
de comunicação, ainda que as operações e as prestações se ini-
ciem no exterior;

O ICMS é regulamentado pela Lei Complementar 87/96 que traz dispo-


sições sobre fato gerador, sujeito passivo, responsabilidade e outras normas
gerais do ICMS.
Com relação ao ICMS podemos extrair ao menos três regras-matrizes de
incidência tributária, tendo em vista que a Constituição reuniu diferentes
materialidades sob o mesmo imposto:

FGV DIREITO RIO 141


Tributos em Espécie

i) realizar circulação de mercadorias


ii) prestar serviços de transporte interestadual e intermunicipal
iii) prestar serviços de comunicação

1) Critério Material

Nesta aula, faremos a análise somente do primeiro critério material - re-


alizar circulação de mercadorias, enquanto que na aula seguinte veremos as
demais materialidades.
De início, importante verificar os pressupostos para a realização da circu-
lação da mercadoria. Para que se considere ocorrida a circulação de mercado-
rias para fins de incidência do ICMS, é preciso estarem presentes as seguintes
situações simultaneamente:

i) realização de operação mercantil (negócio jurídico): para


que a circulação da mercadoria seja passível de tributação pelo ICMS
é preciso que esta circulação seja precedida de um negócio jurídico,
geralmente um contrato de compra e venda. Em outras palavras, a
circulação da mercadoria deve ocorrer em função de uma operação
mercantil prévia;
ii) circulação jurídica: o segundo requisito para a configuração
do critério material do ICMS é que ocorra uma circulação jurídica
e não meramente física da mercadoria, ou seja, que haja uma trans-
missão da posse ou propriedade da mercadoria de uma pessoa à
outra. A circulação, por conseguinte, deve ser entendida como mu-
dança de titularidade da mercadoria, a sua passagem de uma pessoa
à outra;
iii) existência de mercadorias enquanto objeto: por fim, o ul-
timo requisito do critério material do ICMS é que a operação mer-
cantil que acarreta a circulação jurídica da mercadoria tenha como
objeto uma mercadoria. Mercadoria é todo objeto, bem móvel su-
jeito à mercancia, objeto da atividade mercantil e introduzido no
processo econômico circulatório com a finalidade de venda ou re-
venda. O propósito da mercadoria é ter uma destinação comercial.

Em conclusão, para ocorrer o critério material do ICMS-Mercadorias,


devem ocorrer os três pressupostos: operação + circulação + mercadoria.
Assim, o simples contrato (sem transferência do domínio) não basta nem a
simples circulação (sem mudança de titularidade) para se configurar a inci-
dência do tributo.

FGV DIREITO RIO 142


Tributos em Espécie

Assim, levando-se em consideração os critérios acima fixados, não pode


ser tributada pelo ICMS a simples circulação física da mercadoria, ou seja,
quando ela é transferida de um estabelecimento a outro da mesma empresa211.

2) Critério Espacial

Em continuação à regra-matriz do ICMS, temos como segundo critério


o espacial. Tendo em vista que o ICMS é um tributo de competência esta-
dual, o critério espacial coincide com o âmbito de validade da lei que o rege:
território de determinado Estado. Assim, todas as operações que acarretem a
circulação de mercadorias dentro do território de um determinado Estado se-
rão tributadas pelo ICMS do respectivo Estado. O critério espacial, todavia,
deverá ser analisado em conjunto com o critério temporal, que, conforme ve-
remos abaixo, é o momento da saída do estabelecimento. Portanto, o ICMS
será devido no estado onde estiver localizado o estabelecimento de saída da
mercadoria, salvo as exceções previstas em lei.

3) Critério Temporal

Para finalizar a hipótese da regra-matriz do ICMS, temos o critério tem-


poral, ou seja, o momento em que se reputa ocorrida a circulação da mer-
cadoria. Com relação a este critério, a princípio, caberá a cada lei estadual
estabelecer o momento de ocorrência do fato descrito no critério material:
momento da entrada da mercadoria no estabelecimento, momento da sua
saída, momento da extração da nota fiscal, etc.
O art. 12, I da LC 87/96, que dispõe sobre normas gerais do imposto, defi-
ne que se considera “ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída de
mercadoria de estabelecimento do contribuinte”. Assim, reputar-se-á ocorrida a
circulação da mercadoria, para fins de incidência do ICMS, no momento em
que a mesma sair do estabelecimento do comerciante, salvo exceções.

4) Critério Pessoal

Passaremos agora à análise do consequente da regra-matriz do ICMS. No


critério pessoal, temos como sujeito ativo da obrigação tributária o Estado 211
NÃO CONSTITUI FATO GERADOR DO
onde a operação mercantil que tem por objeto a circulação da mercadoria ICMS O SIMPLES DESLOCAMENTO DE
MERCADORIA DE UM PARA OUTRO
se realizou, regra geral, onde está localizado o estabelecimento de saída da ESTABELECIMENTO DO MESMO CONTRI-
mesma. Será este Estado que terá a capacidade tributária ativa de cobrar o BUINTE. (STJ, Súmula 166, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 14/08/1996, DJ
tributo do sujeito passivo. 23/08/1996 p. 29382)

FGV DIREITO RIO 143


Tributos em Espécie

No que tange ao sujeito passivo da obrigação, poderá figurar nesta posição


quem realiza a operação mercantil ou outra pessoa vinculada ao fato gerador
a que a lei atribua o dever de recolher o tributo. Segundo o art. 4º da LC
87/96, será sujeito passivo do ICMS pessoa física ou jurídica que realiza com
habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial:

 Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que reali-


ze, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comer-
cial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ain-
da que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
O parágrafo único do artigo 4º também enumera outros sujeitos
passivos:
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica
que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada
pela Lcp 114, de 16.12.2002)
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua
finalidade;
II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja presta-
ção se tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou
abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos deriva-
dos de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando
não destinados à comercialização ou à industrialização.

A LC 87/96 ainda prevê no artigo 5º que a “lei poderá atribuir a terceiros


a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contri-
buinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o
não recolhimento do tributo”.
Além disso, o artigo 6º da LC 87/96 dispõe que a lei estadual poderá
atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a res-
ponsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de
substituto tributário. O § 1º do art. 6º da LC 87/96 regula a substituição
tributária nos seguintes termos:

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto


incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antece-
dentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorren-
te da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações
e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final locali-
zado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

FGV DIREITO RIO 144


Tributos em Espécie

A substituição tributária é um tipo de responsabilidade tributária em que


a lei atribui a sujeição passiva do ICMS a uma das partes da cadeia, sem que
esta tenha praticado o fato gerador, em relação à operações anteriores, con-
comitantes ou posteriores.
Na substituição regressiva (para trás ou diferimento) a responsabilidade é
atribuída ao adquirente de determinada mercadoria. Assim, a substituição se
refere às operações anteriores à entrada da mercadoria no estabelecimento do
substituto. Este tipo de substituição costuma ocorrer com relação a produtos
da agroindústria, em que vários produtores remetem seus produtos à indús-
tria, sendo esta, portanto, eleita como responsável pelo pagamento do ICMS.
Já na substituição progressiva (ou para frente) a situação é inversa. Elege-
se como sujeito passivo quem remete a mercadoria, ficando este responsável
pelo ICMS devido por todo o restante da cadeia de comercialização. Muito
se questiona sobre a possibilidade desta modalidade de substituição, sob o
argumento de que se estaria tributando fato ainda não ocorrido, através de
mera presunção. A Constituição, no entanto, no artigo 150, parágrafo 7º,
incluído pela EC n° 03/93, permitiu este tipo de responsabilidade, desde que
assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se
realize o fato gerador presumido212.

5) Critério Quantitativo

Por fim, a base de cálculo do ICMS será o valor da operação mercantil,


ou seja, o valor de saída da mercadoria. Cumpre salientar que somente
deveriam integrar a base de cálculo do ICMS valores inerentes às merca-
dorias. Entretanto, a LC 87/96 estipula no artigo 13 que integra a base
de cálculo do imposto: i) o montante do próprio imposto, ii) o valor cor-
respondente a a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou
debitadas, bem como descontos concedidos sob condição e ao b) frete, caso
o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem
e seja cobrado em separado.
A alíquota a ser aplicada será definida pela legislação estadual e geralmente
é estabelecida em 17% ou 18%. Com relação às alíquotas, a CF/88 estabe-
leceu que o Senado estabelecerá as alíquotas “aplicáveis às operações e pres-
tações, interestaduais e de exportação” (art. 155, § 2°, IV) e poderá fixar as
alíquotas mínimas e máximas nas operações internas (art. 155, § 2°, II e III). 212
CF/88 Artigo 150 § 7.º A lei poderá
A alíquota interestadual aplicável depende da localização do Estado a que a atribuir a sujeito passivo de obrigação
tributária a condição de responsá-
mercadoria se dirige. Será aplicada a alíquota de 7% quando a mercadoria vel pelo pagamento de imposto ou
contribuição, cujo fato gerador deva
sair de um Estado do Sul ou Sudeste e for remetida a um Estado das regiões ocorrer posteriormente, assegurada
Norte, Nordeste, Centro-Oeste ou ao Espírito Santo. Já para os demais ca- a imediata e preferencial restituição
da quantia paga, caso não se realize o
sos, a alíquota aplicável é de 12%. fato gerador presumido.

FGV DIREITO RIO 145


Tributos em Espécie

Por fim, o art. 155, § 2°, VII dispunha que em relação às operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em
outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destina-
tário for contribuinte do imposto e b) a alíquota interna, quando o des-
tinatário não for contribuinte dele. No caso da operação interestadual ser
destinada a contribuinte do imposto, caberá ao Estado da localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna
e a interestadual (155, § 2°, VIII).
Como se vê, quando, em tais remessas, os destinatários não eram contri-
buintes do imposto, a regra era a aplicação da alíquota interna do estado de
origem sobre o valor da operação, como o consequentemente recolhimento
integral do imposto a esse estado, de modo que os estados destino nada rece-
biam a titulo de ICMS.
Tendo em vista o desenvolvimento da tecnologia e as vendas cada vez
mais constantes pela internet, tal situação passou a gerar desequilíbrio no
Pacto Federativo.
Por tal razão, foi editada a Emenda Constitucional nº 87/2015, discipli-
nando que, nas operações interestaduais cujos destinatários sejam ou não
contribuintes do ICMS, o diferencial a ser aplicado sobre o valor da opera-
ção será apurado sempre entre a alíquota interna do estado destinatário e a
interestadual. Em outras palavras, a partir de 1º de janeiro de 2016 torna-se
irrelevante o fato de o destinatário ser ou não ou não contribuinte do tributo.

B) NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS

O § 2.º do artigo 155 da CF/88 dispõe sobre a não-cumulatividade do


ICMS nos seguintes termos:

Art. 155. § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:


I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de servi-
ços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro
Estado ou pelo Distrito Federal;

Na prática, o princípio se materializa por uma sistemática de compensa-


ções entre “créditos” e “débitos”. Os “créditos” dizem respeito ao ICMS inci-
dente nas operações de aquisição de bens e prestações de serviços prestadas ao
comerciante. Já os “débitos” dizem respeito ao ICMS devido nas operações
próprias, ou seja, na circulação de mercadoria ou prestação de serviço reali-
zadas pelo próprio comerciante. Ao final, para evitar a tributação em casca-
ta, ou seja, a cobrança de imposto sobre imposto, apura-se o ICMS devido
compensando-se os débitos menos os créditos.

FGV DIREITO RIO 146


Tributos em Espécie

Detalhe importante é o fato de que a “expressão “montante cobrado”, conti-


da na segunda parte do art. 155 § 2.º, I da CF, deve ser juridicamente entendida
como “montante devido” e, não como “montante exigido”213. Ou seja, para fins
de creditamento de ICMS, pouco importa se o sujeito passivo da operação
anterior recolheu efetivamente o imposto aos cofres públicos. O que importa
é a ocorrência da hipótese de incidência tributária descrita em lei e, por con-
seqüência, o nascimento da obrigação tributária.
Carrazza assim explica o instituto:

Desta forma, o contribuinte, para calcular o montante de ICMS


a recolher, deve subtrair, periodicamente, de todos os débitos
(causados por saídas de mercadorias, bens e serviços tributáveis),
todos os créditos (provenientes de entradas de mercadorias, bens
e serviços tributáveis).

Assim, se o resultado da compensação dos débitos com os créditos for po-


sitivo, o sujeito passivo recolherá a diferença aos cofres públicos. Se negativo,
ficará com créditos para serem utilizados em períodos de apuração futuros.
A Lei Complementar 87/96 estabelece critérios para a possibilidade de
creditamento. Regra geral, segundo o artigo 20 desta lei, “é assegurado ao
sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em ope-
rações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo perma-
nente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal
ou de comunicação”. A mesma lei traz, no entanto, limitações ao exercício
imediato do crédito no caso de aquisição de bens para o ativo permanente,
destinadas ao uso e consumo (nestas, o crédito só será permitido a partir de
01/01/2020, de acordo com a Lei Complementar 138/2010) e referente ao
consumo de energia elétrica, entre outras restrições.

C) CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS

A Constituição Federal de 1988, ao conceder a competência para a ins-


tituição do ICMS aos Estados, prescreve em seu art. 155, § 2°, XII, g, que
cabe “a lei complementar regular a forma, como, mediante deliberação dos
Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão con-
cedidos e revogados”.
Ao comentar o dispositivo, Roque Antônio Carrazza214 afirma que, ao
contrário dos demais impostos, a isenção, incentivos e benefícios fiscais no 213
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS.
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 359.
ICMS não podem ser concedidos unilateralmente, nem mesmo por lei ordi- 214
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS.
nária, pelos Estados ou Distrito Federal. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 516.

FGV DIREITO RIO 147


Tributos em Espécie

A regulamentação da matéria é feita pela Lei Complementar n° 24/75 da


seguinte maneira:

Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação


de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de con-
vênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal,
segundo esta Lei.
Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica:
I - À redução da base de cálculo;
II - À devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada
ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III - À concessão de créditos presumidos;
IV - A quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-
-fiscais, concedidos com base no imposto de circulação de mercado-
rias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do
respectivo ônus;
V - Às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

O artigo 2° desta mesma Lei Complementar estabelece a forma pela qual


os convênios serão celebrados:

Art. 2º Os convênios a que alude o artigo 1º, serão celebrados em


reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de
todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de repre-
sentantes do Governo Federal.
§ 1º As reuniões se realizarão com a presença de representantes da
maioria das Unidades da Federação.
§ 2º A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unâ-
nime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial
dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos repre-
sentantes presentes.

Os Estados e o Distrito Federal, para concederem incentivos ou benefícios


fiscais dentro de seus respectivos territórios, devem antes firmar acordo sobre
a matéria com os demais, através de convênios estabelecidos para este fim.
Estes convênios são celebrados perante o CONFAZ – Conselho Nacional de
Política Fazendária – que conta com a participação de representantes de cada
Estado brasileiro.
Carrazza chama a atenção ao fato de que os convênios celebrados peran-
te o CONFAZ, por si só, não dão força normativa às deliberações tomadas,
devendo eles ser aprovados pelos respectivos poderes legislativos e trans-
formados em decretos legislativos para poderem integrar o ordenamento 215
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS.
jurídico do Estado215. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 519.

FGV DIREITO RIO 148


Tributos em Espécie

Além disso, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo


155, § 2.º VI, com relação às alíquotas internas do ICMS, que “salvo
deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do
disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas
à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser
inferiores às previstas para as operações interestaduais”. Resolução 22/89
do senado federal
Por fim, o art. 150. § 6.º da CF/88 exige que qualquer “subsídio ou
isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia
ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser con-
cedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule
exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo
ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.
Com relação ao posicionamento do STF sobre o tema, este Tribunal
ratificou decisões anteriores, ao julgar 14 ações contra leis de 5 Estados e do
Distrito Federal que concediam benefícios e isenções fiscais sem que hou-
vesse convênios para este fim. Uma destas decisões teve a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE


OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E
SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE
DE AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL. ART.
155, XII, G DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação
consolidada por esta Corte, a concessão de benefícios fiscais
do ICMS depende de prévia aprovação em convênio interesta-
dual, como forma de evitar o que se convencionou chamar de
guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição.
São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a “benefícios
fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei Complementar
estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos
e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio in-
terestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada par-
cialmente procedente.(ADI 3794, Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-146
DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011 EMENT VOL-
02556-01 PP-00014)

É praticamente pacífica, assim, a posição do STF no que diz respeito


à necessidade de convênio interestadual para a concessão de benefícios
fiscais de ICMS pelos Estados, tendo sido declaradas inconstitucionais
por este Tribunal as leis que não cumpriram tal requisito.

FGV DIREITO RIO 149


Tributos em Espécie

Entretanto, muitos Estados concederam – e alguns ainda concedem –


benefícios fiscais de forma unilateral, ou seja, sem a prévia autorização do
CONFAZ, o que resultou na denominada “Guerra Fiscal”, em que diversos
contribuintes, ao investirem em novos Estados e consequentemente aderi-
rem a tais incentivos, se encontrem em uma situação de insegurança jurídica
até que eventualmente o STF se posicionasse sobre aquele benefício fiscal, o
que pode levar anos.
Nesse cenário de incerteza, em 8/8/2017 foi publicada a Lei Complemen-
tar nº 160/2017 que, em linhas gerais, surgiu com a finalidade de solucionar o
passado da denominada Guerra Fiscal entre os Estados, nos seguintes termos:

Art. 1º Mediante convênio celebrado nos termos da Lei Comple-


mentar no 24, de 7 de janeiro de 1975, os Estados e o Distrito
Federal poderão deliberar sobre:
I - a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decor-
rentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou finan-
ceiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g”
do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal por legis-
lação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos
desta Lei Complementar;
II - a reinstituição das isenções, dos incentivos e dos benefícios fis-
cais ou financeiro-fiscais referidos no inciso I deste artigo que ainda
se encontrem em vigor.

Embora não tenha sido efetuada qualquer mudança na sistemática de au-


torização do CONFAZ para os benefícios fiscais a serem instituídos no fu-
turo, a referida lei complementar determinou que seria necessário um novo
e específico convênio do CONFAZ tratando do procedimento a ser seguido
para a convalidação e a prorrogação dos benefícios fiscais concedidos unilate-
ralmente pelos Estados no passado.
Dessa forma, em 18/12/2017 foi publicado o Convênio CONFAZ nº
190/2017, o qual estipulou os requisitos a serem seguidos para que haja a re-
missão dos créditos tributários e a prorrogação dos benefícios fiscais, a exem-
plo da necessidade de publicação de todos os benefícios fiscais que foram
instituídos de forma unilateral216.

D) ICMS NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS

A parte final do art. 155, II da CF/88 dispõe que o ICMS incidirá sobre
a circulação de mercadorias e prestações de serviços de comunicação e trans- 216
Sobre o tema: https://www.jota.
porte intermunicipal e interestadual “ainda que as operações e as prestações se info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-
fiscal/convenio-icms-190-2017-regra-
iniciem no exterior”. da-convalidacao-21122017

FGV DIREITO RIO 150


Tributos em Espécie

A redação original da CF/88 dispunha, em seu artigo 155, § 2°, IX, “a”
que o ICMS incidiria também:

IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quan-
do se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabele-
cimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o
imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destina-
tário da mercadoria ou do serviço;

Segundo a redação deste dispositivo, não era toda e qualquer importação


que seria tributada pelo ICMS. O imposto só seria devido no caso de impor-
tação de mercadorias feita por contribuinte do imposto, seja para a finalidade
de comercialização, seja para o consumo ou para integrar o ativo fixo deste.
Ou seja, nesta sistemática, não seria devido o ICMS no caso de importação
feita por pessoa física ou por não contribuinte do imposto. O STF havia,
inclusive, editado súmula neste sentido:

Incidência - ICMS - Importação por Pessoa que


não Seja Contribuinte Não incide ICMS na importação
de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do im-
posto. (STF Súmula nº 660 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 3)

Ocorre que a Emenda Constitucional n° 33/2001 modificou o art. 155, §


2°, IX, “a” que passou a ter a seguinte redação:

IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por
pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual
do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre
o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde
estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da
mercadoria, bem ou serviço;

Com esta redação, então, a CF/88 passou a permitir a incidência do ICMS


nas importações feitas por pessoas físicas e por não contribuinte do imposto,
mesmo que estes não revistam os requisitos de habitualidade e comércio e
seja para qual finalidade for (uso próprio, revenda, etc).
Parte da doutrina entende que esta emenda é inconstitucional, tendo em
vista que violaria direitos fundamentais do contribuinte – como os princípios
da capacidade contributiva e não-cumulatividade, cláusulas pétreas do orde-
namento, além de desvirtuar a sistemática do ICMS tornando-o, neste caso, 217
CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS.
um adicional do Imposto de Importação217. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 83.

FGV DIREITO RIO 151


Tributos em Espécie

A matéria teve repercussão geral reconhecida pelo STF, que, ao anali-


sar o RE 439.796, sob a relatoria do Min. Joaquim Barbosa, decidiu que,
após a EC 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações
de importação por não contribuinte, destacando, entretanto, que a Emenda
Constitucional, por si só, não é capaz de viabilizar tais efeitos. A tributação
nos referidos casos só será possível com nova legislação local, obedecidas as
regras da anterioridade e o prazo nonagesimal.

QUESTÕES

1) Empresa “ABC” que comercializa materiais de escritório, possui sua ma-


triz no município do Rio de Janeiro e também um estabelecimento filial
no Rio Grande do Sul. Considerando apenas a incidência do ICMS e
exclusivamente as operações abaixo descritas, todas tributadas, apresente
o quanto deve ser recolhido por cada empresa em cada unidade federada
(inclusive pelo estabelecimento matriz da Empresa ABC) se a alíquota
interna em todos os Estados é de 18%:
1) aquisição de uma máquina para o ativo fixo em operação interestadual
pelo valor de R$ 5.000,00
2) transferência de produtos para a sua filial no valor de R$ 100,00, tendo
a aquisição das mesmas mercadorias gerado um crédito no montante
de R$ 9,00 (nove reais);
3) venda de produtos por R$100,00 para a empresa “XYZ” localizada no
Paraná, a qual revenderá a mercadoria a consumidor final no próprio
estado pelo preço de R$ 200,00;
4) venda de produtos por R$ 100,00 para a empresa “ABA”, localizada
no Ceará, a qual revenderá a mercadoria a consumidor final no próprio
estado pelo preço de R$ 200,00;
5) venda de produtos por R$100,00 para a empresa “DUDA” locali-
zada no Estado do Rio de Janeiro, a qual revenderá a mercadoria
pelo preço de R$200,00 para cliente pessoa física não contribuinte
do ICMS localizado no Amapá;
6) venda de produtos por R$100,00 para a empresa “Cia E” localizada
em Manaus a qual revenderá a mercadoria pelo preço de R$ 200
para o exterior;

2) Construções Rápidas S.A. importou, em 5/9/2007, dois tratores sob o


regime de arredamento mercantil, com opção futura de compra, para o
seu estabelecimento localizado no estado de São Paulo, tendo o despa-
cho aduaneiro ocorrido no estado do Rio de Janeiro. O estado do Rio
de Janeiro, com base no artigo 155, § 2/, inc. IX, "a", da Constituição

FGV DIREITO RIO 152


Tributos em Espécie

Federal de 1988, e no art. 11, inc. I, "d", da Lei Complementar n/ 87,


de 13/9/1996, lavrou auto de infração contra a empresa sob o argumen-
to de que não teria ocorrido o recolhimento do ICMS incidente sobre
a entrada dos tratores em território nacional. Inconformada, a empresa
autuada consulta sobre todos os possíveis argumentos que poderão ser
apresentados em sua impugnação. Fundamente sua resposta levando em
consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Consti-
tuição Federal de 1988 e a legislação tributária em vigor (33º Exame de
Ordem – 2ª Fase 2007-2/ CESPE-UNB).

3) “O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de


substituição tributária, conquanto presumidos, não se revestem do caráter
de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, even-
tualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há
que se falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago
pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação
ou ressarcimento, quer da parte do Fisco, quer de parte do contribuinte
substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta
nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade”.
(ADI 1851-4 Alagoas; Voto Min. Ilmar Galvão, DJU 22/11/2002, repu-
blicado DJ 13/12/2002).
“Recomendam os estudiosos da hermenêutica constitucional que os direi-
tos e garantias inscritos na Constituição devem ser interpretados de modo
a emprestar-se a esses direitos a máxima eficácia. (...) Conforme vimos, na
substituição tributária 'para frente' é assegurada a restituição da quantia
paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Ora, se o fato gerador
tem, na base de cálculo, a sua expressão valorativa, ou a sua dimensão
material, força é convir que o fato gerador se realiza nos termos dessa
sua dimensão material, nem mais, nem menos”. (ADI 1851-4 Alagoas;
Voto Min. Carlos Velloso - vencido, DJU 22/11/2002, republicado DJ
13/12/2002).
Eleja uma das teses acima acerca do mesmo tema (substituição tributária)
e faça sua crítica, fundamentando-a legalmente. (33º Exame de Ordem –
2ª Fase 2007-2/ CESPE-UNB).

4) Após três anos vendendo frutas exóticas e recolhendo, sobre as vendas, o


respectivo ICMS, determinado comerciante varejista verificou que a co-
mercialização daquelas frutas era isenta de ICMS. Deseja, então, receber
o que recolheu indevidamente durante os três anos. Esse comerciante, na
qualidade de contribuinte de direito, diante da situação hipotética descri-
ta, tem o direito de receber de volta o valor pago indevidamente? Justifique
a sua resposta. (35º Exame de Ordem – 2ª Fase 2008-1/ CESPE-UNB):

FGV DIREITO RIO 153


Tributos em Espécie

5) A transportadora aérea brasileira Voe Bem S.A. firmou contrato de leasing


por 20 anos e sem opção de compra de três aeronaves 747-800 novíssimas
com a empresa Bongo, com sede em Minneapolis, Estados Unidos da
América, para o transporte doméstico de passageiros. As aeronaves foram
entregues no prazo avençado. Ocorre que, na chegada das aeronaves ao
Brasil, a Voe Bem S.A. recebeu notificação do Estado X, por meio da
Secretaria de Fazenda Estadual, determinando o pagamento do ICMS
relativo às três aeronaves. O departamento jurídico da Voe Bem S.A. en-
tra em contato com você, renomado(a) tributarista, para consultá-lo(a)
sobre a questão. Com base no cenário acima, responda aos itens a seguir,
empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal
pertinente ao caso. (Exame de Ordem – 1ª Fase – 2010-03 FGV-Projetos)
a) A cobrança é constitucional ou inconstitucional?
b) Quais são os pressupostos de incidência do imposto?
c) Qual é a principal característica desse contrato que determina a consti-
tucionalidade ou inconstitucionalidade da cobrança?

6) Determinado jogador integrante de importante time de futebol de estado


da federação brasileira, na qualidade de pessoa física, ao promover, em
dezembro de 2010, a importação, por conta própria, de um automóvel
de luxo, da marca Jaguar, zero quilômetro, fabricado no exterior, foi sur-
preendido com a cobrança de tributos, inclusive o Imposto sobre Circu-
lação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Todavia, o jogador de futebol,
inconformado com a cobrança do referido imposto estadual, ajuizou, por
meio de seu advogado, competente mandado de segurança, com base na
súmula 660 editada pelo STF, a fim de viabilizar a defesa dos seus direitos
perante a Justiça Estadual. Com base no caso acima, responda aos itens a
seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamenta-
ção legal pertinente ao caso. (V Exame de Ordem Unificado – 2011-02/
FGV Projetos)
a) O jogador de futebol em questão estaria enquadrado na qualidade de
contribuinte do ICMS?
b) Considerando que existe pedido liminar, analise sua viabilidade, bem
como a do direito em discussão.

7) A empresa de construção civil Britadeira Ltda. é intimada por autori-


dade da Fazenda Estadual para que proceda ao recolhimento do ICMS
complementar referente à diferença das alíquotas interestaduais e internas
proveniente de aquisição de materiais adquiridos pela limitada em outro
Estado para utilizar em obra realizada no território da unidade federativa
que realizou a intimação.

FGV DIREITO RIO 154


Tributos em Espécie

Diante desse fato, o administrador da empresa consulta os seus conhe-


cimentos tributários, com o intuito de saber se, de fato, deve incidir a
cobrança do ICMS – ou de qualquer outra espécie de imposto estadual ou
municipal – sobre a operação realizada pela companhia. Responda funda-
mentadamente. (VI Exame unificado da OAB, FGV Projetos)

8) Determinado contribuinte do ICMS, com sede no Estado Beta, detentor


de saldos credores do respectivo imposto acumulados desde a edição da
Lei Complementar no. 87/96, em razão de operações de exportação, foi
autuado pela Fiscalização Estadual sob o entendimento de ser inválida a
operação de transferência dos saldos credores do ICMS acumulados a ou-
tro estabelecimento seu, situado no mesmo Estado, tendo em vista a au-
sência de lei estadual disciplinando a hipótese objeto do auto de infração
em questão. Procedeu o Fisco corretamente? Justifique com base na legis-
lação tributária pertinente. (VI Exame unificado da OAB, FGV Projetos)

9) A concessionária de veículos Carros Ltda. impetra mandado de segurança


em face da Fazenda Pública do Estado de Goiás objetivando que fosse
considerado na base de cálculo adotada para fins de substituição tribu-
tária o valor dos descontos promocionais concedidos pela empresa Ford
quando da venda dos veículos à Carros Ltda. O juiz concedeu a liminar
pleiteada e determinou que a Ford promovesse o recolhimento do ICMS-
-ST com base no valor de venda diminuído dos descontos promocionais.
Quando da prolação da sentença, a liminar foi revogada e restabelecida
a base de cálculo anterior, tendo sido intimada a Ford para que voltasse
a proceder ao recolhimento com base no valor integral de venda. O pro-
cesso atualmente encontra-se em trâmite perante o Superior Tribunal de
Justiça, tendo sido mantida a sentença monocrática.
Em fiscalização realizada junto à Ford, o Fisco Estadual decidiu por exigir
desta o recolhimento do montante que deixou de ser recolhido durante o
período de vigência da medida liminar, acrescido das penalidades previs-
tas. Na condição de advogado da Ford, quando consultado, avalie:
a) a legitimidade passiva da Ford para suportar a autuação realizada;
b) a possibilidade de tal exigência sobre o período abrangido pela medida
liminar. (V Exame de Ordem Unificado – FGV Projetos)

LEITURA OBRIGATÓRIA

CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, p.


36-54.

FGV DIREITO RIO 155


Tributos em Espécie

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Koch, Deonísio. Manual do ICMS. Juruá , 2ª Ed. 2010.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. São Paulo:
Dialética, 11ª Ed., 2009.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição,
2011

Mendonça, Christine. A Não -Cumulatividade do ICMS. São Paulo:


Quartier Latin.

Oliveira, Jose Jayme de Macedo. Impostos Estaduais - ICMS , ITCMD,


IPVA. São Paulo: Saraiva.

FGV DIREITO RIO 156


Tributos em Espécie

AULA 09. TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: ICMS-SERVIÇOS

Estudo de caso

GVT negocia perdão de dívida tributária com Estados


Folha de São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2011

Proposta de pagamento de pendências será discutida hoje em reunião de


secretarias da Fazenda; dívida seria de R$ 900 milhões

JULIO WIZIACK
TATIANA RESENDE
DE SÃO PAULO

Autuada por diversas secretarias da Fazenda no país, a operadora GVT nego-


cia o perdão de parte de sua dívida de ICMS. A proposta da companhia será
discutida hoje pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).Caso
seja aprovado, o acordo servirá de base para que a Prefeitura de São Paulo
decida sobre a liberação da entrada da empresa na cidade.
A Folha apurou que a dívida gira em torno de R$ 900 milhões e que ela pre-
tende pagar entre 10% e 20%. Os Estados, no entanto, querem, no mínimo,
40%.Consultada, a operadora não quis comentar, afirmando que poderia
interferir no processo. Informou ainda que uma equipe negocia com o Con-
faz para "chegar a um entendimento comum" [hoje a companhia se vale de
pareceres jurídicos para recolher de forma diferente]. O problema para os
Estados é que, em sua defesa, a GVT usa o caso da Embratel. Em 2006, a
operadora do bilionário mexicano Carlos Slim obteve perdão de seus débitos,
pagando cerca de 14% do total.
Pela legislação tributária vigente, as alíquotas dos serviços de telecomunica-
ções variam de acordo com o Estado. No caso da GVT, há um fatiamento
do preço do serviço de internet. Uma pequena parte é discriminada como
serviço de comunicação (internet em banda larga, por exemplo). Sobre esse
valor, a operadora recolhe ICMS.
A maior parte (entre 70% e 90%) a GVT afirma ser aluguel de infraestrutura
(modem ou outro equipamento usado na prestação do serviço). E sobre alu-
guel não há cobrança de ICMS nem de ISS (Imposto Sobre Serviços).
Resultado: a maior parte das receitas escaparia do imposto, indo para o caixa.
Com isso, a GVT reduziria sua carga tributária de 40%, média do setor, para
cerca de 16%. Para ter o perdão das secretarias, a companhia terá de se com-
prometer em acabar com o fatiamento. "A empresa já admite mudar a forma
de tributação", afirma Carlos Marques de Santana, coordenador do Confaz.
"Estamos discutindo quando vai ser isso e como fica o passado."

FGV DIREITO RIO 157


Tributos em Espécie

Editoria de Arte / Folhapress

1. A incidência sobre a prestação de serviços de comunicação218

Como se sabe, a incidência do ICMS recai sobre a circulação de merca-


dorias, bem como sobre a prestação de determinados serviços, quais sejam:
a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-
municação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior219.
Assim estabelece a Constituição da República Federativa, de 1988, no seu
218
O conteúdo desta aula foi extraído
artigo 155, inciso II: do material didático do LLM em Direito
Tributário da FGV Direito Rio 2017-2.
219
A Constituição prevê, ainda, expres-
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir im- samente, na alínea “b” do inciso IX do
postos sobre: § 2º do artigo 155 que a incide o im-
posto estadual sobre o valor total da
[...] operação, quando mercadorias forem
fornecidas com serviços não compre-
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre presta- endidos na competência tributária dos
Municípios. Nessas hipóteses, apesar
ções de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e do pressuposto da existência da mer-
de comunicação, ainda que as operações e as prestações se ini- cadoria, que é o objeto da operação, o
valor do serviço está incluído na base
ciem no exterior. de cálculo do ICMS.

FGV DIREITO RIO 158


Tributos em Espécie

A compreensão do âmbito constitucional de incidência do ICMS-Co-


municação pressupõe o prévio exame do histórico da tributação sobre os
serviços de comunicação, conforme será abaixo destacado.

1.1 Breve histórico da incidência sobre os serviços de comunicação

Os serviços de comunicação, de acordo com a disciplina fixada na


Constituição da República de 1967, com as alterações da Emenda Cons-
titucional nº 01/1969, submetiam-se à incidência de tributos de compe-
tência da União e dos Municípios. Nesse sentido dispunha o art. 21, VII,
da Carta de 1967:

Art. 21. Compete à União instituir imposto sobre:


[...]
VII - serviços de comunicações, salvo os de natureza estritamente
municipal;
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 27, de 1985.

Dessa forma, competia à União Federal instituir, cobrar e fiscalizar o


imposto sobre os serviços de comunicação (ISC), excetuados aqueles de
natureza estritamente municipal, que estavam sujeitos à incidência do
Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISS), de competência dos
municípios, nos termos a serem definidos em lei complementar. Recep-
cionado com status de lei complementar220, naquilo que não conflitava
com a Constituição de 67/1969, o Decreto-Lei n° 406, de 31/12/1968,
com a sua redação conferida pela Lei Complementar nº 56/1987221, fi- 220
Estabelece o inciso II do art. 24 da
xou, taxativamente, os serviços que poderiam ser tributados pelos muni- Constituição de 24 de janeiro de 1967,
com a redação conferida pela Emenda
cípios, dentre os quais, em seu item 98, os de “comunicações telefônicas Constitucional nº 1, de 17.10.1969,
que competia aos municípios: “instituir
de um para outro aparelho dentro do mesmo município”222. A União, imposto sobre” “serviços de qualquer
natureza não compreendidos na com-
por outro lado, com fundamento no transcrito art. 21, VII, da Carta de petência tributária da União ou dos
67/1969 instituiu o antigo ISC, por meio do Decreto-Lei nº 2.186, de Estados, definidos em lei comple-
mentar.” (grifo nosso)
20/12/1984, estabelecendo que o imposto teria como fato gerador “a 221
O Decreto Lei nº 834, de 8/9/1969,
prestação de serviços de telecomunicações destinados ao uso do público”. introduziu o item 27 à lista do DL nº
406/1968 com a seguinte redação: “27.
Conforme já salientado, objetivando reduzir o excesso de concentra- Transporte e comunicações, de nature-
za estritamente municipal.”
ção de poder fiscal nas mãos da União, a Constituição de 1988 alterou 222
A lista de serviços disciplinada pelo
de forma substancial o regime de distribuição de competências tribu- DL nº 406/1968, após diversas altera-
ções, em especial da citada Lei Comple-
tárias, transferindo do governo federal e municipal para os Estados e o mentar nº 56/1987, foi substituída pela
Lei Complementar nº 116, de 31 de
Distrito Federal a prerrogativa de instituição, fiscalização e arrecadação julho de 2003, norma que atualmente
do imposto sobre os serviços de comunicação, matéria a ser examinada define a lista de serviços tributáveis
pelos municípios com fundamento no
no próximo tópico. art. 156 da CR-1988.

FGV DIREITO RIO 159


Tributos em Espécie

1.2 Os serviços de comunicação na Constituição de 1988 223


Novo Aurélio, Nova Fronteira, 3ª Edi-
ção, 1999, p. 507. Segundo o sentido
comum, telecomunicação é “o processo
Nos termos do transcrito inciso II do art. 155 da CR-1988, é prerroga- de comunicação a longa distância que
utiliza como meio de transmissão li-
tiva dos Estados e do Distrito Federal instituir imposto sobre “prestações nhas telegráficas, telefônicas, satélites
ou micro-ondas”. O prefixo de origem
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação grega “tele” significa “longe”, “ao
(ICMS)”, “ainda que” “as prestações se iniciem no exterior”. longe”, “telalgia”, “distância”, ou seja,
caracteriza a comunicação que se dá à
Assim sendo, de plano, percebe-se que de acordo com este dispositivo longa distância. Saliente-se a evolução
semântica da palavra telecomunicação,
constitucional as prestações de serviços de comunicação, e não apenas as a qual passou a incorporar na moder-
suas subespécies, como, por exemplo, os serviços de telecomunicações223, nidade a utilização do meio eletrônico
como instrumento necessário para a
estão submetidas ao imposto estadual, conforme será adiante demonstrado, sua efetivação, razão pela qual, por
exemplo, não realiza telecomunicação
ao examinarmos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixada na o índio que, ao fazer sinais de fumaça,
ADI n.º 1467-6/DF. Além disso, inquestionável que a menção contida no se comunica à distância.
Os possíveis efeitos sobre a definição
dispositivo constitucional relativamente à prestação de serviço interestadual e
224

do campo de incidência do ICMS-Co-


intermunicipal restringe-se aos serviços de transporte, razão pela qual inexiste municação em decorrência da inserção
da expressão serviços de telecomu-
limitação, nesse sentido, a incidência do ICMS sobre as prestações de servi- nicações no citado § 3º do art. 155 da
CRFB-1988 pela EC nº 03/1993 serão
ços de comunicação realizadas no âmbito de um município apenas, entre examinados abaixo. De fato, na redação
municípios ou entre estados, mesmo que a prestação se inicie no exterior. original do dispositivo não havia men-
ção aos “derivados de petróleo” nem aos
Ainda, importante repisar o disposto no já transcrito § 3º do art. 155 da “serviços de telecomunicações”, confor-
me já apontado.
CR-88, desta feita com enfoque nos serviços de comunicação:
225
Analogamente ao que ocorreu em
relação aos combustíveis e derivados
Art. 155. de petróleo, conforme já analisado
no material didático da Sessão XI, a
§ 3º – À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput doutrina muito discutiu se o disposto
nesse §3°do art. 155 da CRFB-1988,
deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá restringia - ou não - a possibilidade
incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de tele- de incidência da Contribuição para o
Programa de Integração Social (PIS)
comunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do e da Contribuição para o Financia-
mento da Seguridade Social (COFINS)
País. (grifo nosso) sobre a prestação dos serviços de
telecomunicações. No mesmo sen-
tido já apontado, a jurisprudência
Dessa forma, após a promulgação da CR-1988, os Estados e o Distrito consolidou-se no sentido de que,
por incidirem sobre o faturamento
Federal passaram a ter competência privativa para tributar os serviços intra- e não sobre operações, esses tribu-
municipais, intermunicipais e interestaduais de comunicação por meio do tos não estariam compreendidos
na regra contida no citado art. 155,
ICMS, não sendo possível incidir, após a edição da Emenda Constitucional §3°, da CRFB-88 (vide nesse sentido
o RE 144.971-DF, Rel. Min. Carlos
(EC) nº 3/1993224, qualquer outro imposto225, à exceção do II e do IE, sobre Velloso, 2ª Turma, RTJ 162/1075).
os denominados serviços de telecomunicações. Conclui-se, nesses termos, Com a edição da Emenda Constitu-
cional nº 33/2001, e a substituição
que não foi recepcionado pela atual Constituição o item 27 do Decreto-Lei da expressão tributo por imposto
no art. 155, § 3º, da CRFB-1988,
n° 406/1968 (vide nota 4), que dispunha ser da competência municipal a constitucionalizou-se a possibilidade
cobrança do ISS sobre os serviços locais de comunicação telefônica. de incidência das denominadas con-
tribuições sociais sobre os serviços de
Em linha com o que foi até aqui exposto, o Plenário do Egrégio Supremo telecomunicações.

Tribunal Federal, ao decidir a mencionada ADI n.º 1467-6/DF226, apontou227 226


BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 1467-DF, Tribunal
que o ICMS pode incidir sobre todo e qualquer serviço de comunicação, Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches. Julga-
mento em 12.02.2003. Brasília. Dispo-
o que inclui, entre outros, os serviços de telecomunicações e de radiodifusão nível em: < http://www.stf.jus.br >.
sonora e de sons e imagens de que tratam os incisos XI e XII, alínea “a”, do Acesso em 17.03.2010. Decisão por
unanimidade de votos.
art. 21 da CRFB-88, com a redação conferida pela Emenda Constitucional 227
A decisão refere-se a período an-
nº 8/1995, conforme acórdão prolatado nos seguintes termos: terior ao da edição da EC nº 42/2003,

FGV DIREITO RIO 160


Tributos em Espécie

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO.


ICMS SOBRE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO: RADIODI-
FUSÃO SONORA E DE SONS E DE IMAGENS (ALÍNEA "A"
DO INCISO XII DO ART. 21 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
ARTIGO 132, I, "B", DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FE-
DERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
1. O art. 132, I, "b", da Lei Orgânica do Distrito Federal, ao admi-
tir a incidência do ICMS apenas sobre os serviços de comunicação,
referidos no inciso XI do art. 21 da C.F., vedou sua incidência
sobre os mencionados no inciso XII, "a", do mesmo artigo, ou
seja, sobre "os serviços de radiodifusão sonora e de sons e ima-
gens" (art. 21, XII, "a", da C.F., com a redação dada pela E.C.
nº 8, de 15.08.1995). 2. Com isso, estabeleceu, no Distrito Fede-
ral, tratamento diferenciado dessa questão, em face do que ocorre
nas demais unidades da Federação e do disposto no art. 155, inc.
II, da C.F., pelos quais o ICMS pode incidir sobre todo e qual-
quer serviço de comunicação. 3. Assim, ainda que indiretamente,
concedeu imunidade, quanto ao ICMS, aos prestadores de serviços
de radiodifusão sonora e de sons e de imagens, sem que essa imuni-
dade estivesse prevista na Constituição Federal (art. 155, II), que,
ademais, não admite que os Estados e o Distrito Federal concedam,
com relação ao ICMS, nem mesmo simples isenções, incentivos e
benefícios fiscais, senão com observância da Lei Complementar a
que aludem o art. 155, § 2º, inciso XII, letra "g". 4. Lei Comple-
mentar, a de nº 24, de 07/01/1975, já existia, com essa finalidade,
antes, portanto, da Constituição de 05.10.1988. 5. E, a esta altura,
já está em vigor a Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, cujo
art. 1º reitera a incidência do ICMS sobre todo e qualquer servi-
ço de comunicação, regulando também a forma pela qual os Esta-
dos e o Distrito Federal concederão isenções, incentivos e benefícios
fiscais. 6. Caracterizada a concessão de imunidade não prevista na
Constituição Federal, ou, ao menos, a concessão de benefício fiscal
não autorizado pela Lei Complementar a que aquela se refere, julga- emenda que incluiu a alínea “d” ao inci-
so X do §2º do art. 155 da CR-1988 para
-se procedente a Ação Direta, declarando-se a inconstitucionalidade estabelecer que o ICMS não incide “nas
prestações de serviços de comunicação
da expressão "de que trata o art. 21, XI, da Constituição Federal", nas modalidades de radiodifusão so-
constante da alínea "b" do inciso I do art. 132 da Lei Orgânica do nora e de sons e imagens de recepção
livre e gratuita.” (grifo nosso)
Distrito Federal. 7. Plenário: decisão unânime. (grifo nosso). 228
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no
AgRg no Agravo de Instrumento nº
Na mesma toada, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o EDcl no 1.056.686-DF, Segunda Turma, Rel.
Min. Eliana Calmon. Julgamento em
AgRg no AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.056.686-DF228, concluiu que 18/02/2010. Brasília. Disponível em:
a dispensa de pagamento relativamente a serviços de comunicação prestados < http://www.stj.jus.br >. Acesso
em 17.04.2010. Decisão por unanimi-
nos exercícios de 1997 e 1998 no Distrito Federal deve ser fundamentada no dade de votos.

FGV DIREITO RIO 161


Tributos em Espécie

Convênio ICMS nº 80/2000, ato que autoriza o DF conceder remissão do


ICMS incidente na veiculação onerosa de mensagens de terceiros por empre-
sa de radiodifusão de sons e imagens. Dessa forma, o STJ entendeu haver a
incidência do imposto estadual na hipótese, não tendo acatado o principal
argumento sustentado pela empresa de comunicação, no sentido da inexis-
tência de vínculo tributário, sob o argumento de promover radiodifusão so-
nora de sons e imagens de recepção livre e gratuita.
De fato, o art. 2º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de
1996, ao tratar dos fatos geradores do ICMS, sem restringir a incidência do
imposto estadual aos serviços de telecomunicações, dispõe in verbis: 229
Deve-se ressaltar que essa interpre-
tação não predomina atualmente no
Superior Tribunal de Justiça, conforme
Art. 2º O imposto incide sobre: será abaixo explicitado.
[...] 230
De acordo como o disposto no art.
12 VII, da LC 87/1996, considera-se
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer prestado o serviço no momento do
meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a re- exercício das referidas atividades, salvo
“quando o serviço for prestado me-
transmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer diante pagamento em ficha, cartão ou
assemelhados, considera-se ocorrido
natureza. (grifo nosso) o fato gerador do imposto quando do
fornecimento desses instrumentos ao
usuário” (art. 12, §1º). O preço do ser-
Ao indicar a geração, a emissão, a recepção, entre outras, o inciso III do viço é a base de cálculo, nos termos do
art. 13, III, e o prestador do serviço seu
art. 2º, da Lei Complementar, não define serviços de comunicação, apenas contribuinte, consoante determinação
do caput do art. 4º. Para os efeitos da
exemplifica algumas das atividades inclusas nesse conceito. Apesar da inexis- cobrança do imposto e de definição
tência de definição expressa na legislação tributária que disciplina o imposto, do estabelecimento responsável a lei
complementar estabelece como local
pode-se sustentar229 da leitura do dispositivo que são alcançados pelo ICMS da prestação onerosa de serviço de co-
municação: a) o da prestação do serviço
os serviços de comunicação lato sensu, configurando-se a ocorrência do fato de radiodifusão sonora e de som e ima-
gerador230 em toda a operação relativa à comunicação, por qualquer processo gem, assim entendido o da geração,
emissão, transmissão e retransmissão,
ou natureza. Ressalte-se, entretanto, que a incidência do imposto não se dá repetição, ampliação e recepção; b) o
do estabelecimento da concessioná-
pela mera realização da comunicação em si, mas sim pela prestação onerosa ria ou da permissionária que forneça
ficha, cartão, ou assemelhados com
de serviços de comunicação. que o serviço é pago; c) o do estabe-
Assim sendo, o ponto crucial para o estudo do regime jurídico aplicável é lecimento destinatário do serviço, na
hipótese e para os efeitos do inciso
conceituar e definir a prestação onerosa de serviço de comunicação para os XIII do artigo 12; c-1) o do estabele-
cimento ou domicílio do prestador do
efeitos de incidência do ICMS, tendo em vista que o constituinte originário serviço, quando prestado por meio de
satélite; e d) onde seja cobrado o ser-
ao conferir competência tributária estabelece, ao mesmo tempo, prerrogativa viço, nos demais casos” (art. 11, inciso
de instituição do tributo por um lado e limitação ao poder de tributar de III). A LC nº 102/2000 acrescentou a
mencionada alínea “c-1” ao inciso III
outro, haja vista a impossibilidade de atuação fora dos contornos constitu- do art. 11 da LC nº 87/1996.

cionalmente definidos. 231


Conforme será examinado a seguir,
as conclusões quanto à determinação
Dessa forma, considerando os diferentes caminhos e conclusões possivel- do campo de incidência do ICMS são
completamente distintas caso seja ado-
mente alcançadas, no que se refere ao campo de incidência do ICMS sobre os tada a tese: (1) que o conceito de “ser-
serviços de comunicação, dependendo da concepção adotada em relação ao viço de comunicação” e de “telecomu-
nicação” são equivalentes; ou (2) que
conceito desses serviços231, importante realizar o exame da matéria a partir e a competência conferida no inciso II do
art. 155 da CR aos Estados e o Distrito
consciente da intrincada correlação existente entre dois conjuntos de proble- Federal, relativamente às “prestações
mas: (1) o primeiro, relativo ao modo de utilização no âmbito do Direito Tri- de serviços de comunicação”, é mais
ampla do que a prerrogativa de tributar
butário de conceitos originariamente incorporados ao mundo jurídico pela os “serviços de telecomunicações.”

FGV DIREITO RIO 162


Tributos em Espécie

Constituição ou pelo Direito Privado, devendo-se perquirir, ainda, os efeitos


de uma nova ordem constitucional sobre conceitos legais preestabelecidos; e
(2) a possibilidade de influência dos aspectos econômicos da exigência dos
tributos sobre a interpretação/aplicação da legislação tributária, tendo em
vista ser tributação subsistema tanto do Direito como da Economia.
Em relação aos conceitos consolidados em lei antecedente a uma nova
Constituição, emblemático o voto vencido do Ministro Gilmar Mendes no
Recurso Extraordinário (RE) nº 346.084-6/PR232 que versa sobre o conteúdo
do termo “faturamento”:

[...] Ou seja, já sob império da Lei Complementar nº 70 se verificara


o abandono do conceito tradicional de faturamento, especialmente
naquela acepção comercialista que se refere, grosso modo, a opera-
ções de venda de mercadorias já concluídas e registradas em fatura.
Esse conceito técnico-comercial é invocado expressamente pelos re-
correntes. A discussão quanto à legitimidade dessa perspectiva ado-
tada pelo legislador, de abandono de eventuais pré-concepções da
expressão “faturamento”, não é estranha para este Tribunal. No RE
150.755, da relatoria do Ministro Carlos Velloso (redator do acór-
dão o Min. Sepúlveda Pertence), em que se discutia a constituciona-
lidade da contribuição do FINSOCIAL, tal como fixada no art. 28
da Lei nº 7.738, de 1989, admitiu-se como legítima a assimilação
do conceito de receita bruta ao de faturamento. [...] Resta evidente,
portanto, em tais precedentes, o entendimento de que o legisla-
dor, ao disciplinar o art. 195, I, não está adstrito àquele de fatu-
ramento adotado nas relações comerciais. O recorrente considera
que tais precedentes não seriam aplicáveis ao caso, haja vista que o
STF teria estabelecido sinonímia entre faturamento e receita bruta
quando tais expressões designavam receitas oriundas de vendas de
bens e/ou serviços. Tal leitura não é correta. A Corte, ao admitir tal
equiparação, em verdade assentou a legitimidade constitucional
da atuação do legislador ordinário para densificar uma norma
constitucional aberta, não estabelecendo a vinculação pretendi-
da pelo recorrente em relação às operações de venda. Ao contrá-
rio do que pretende o recorrente, a Corte rejeitou qualquer ten-
tativa de constitucionalizar eventuais pré-concepções doutriná- 232
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
rias não incorporadas expressamente no texto constitucional. O Tribunal Federal. RE 346084, Tribunal
Pleno, Rel. Ilmar Galvão. Julgamento
STF jamais disse que havia um específico conceito constitucio- em 09.11.2005. Brasília. Disponível em:
< http://www.stf.jus.br >. Acesso em
nal de faturamento. Ao contrário, reconheceu que ao legislador 19.03.2010. Decisão por maioria de vo-
caberia fixar tal conceito. E também não disse que eventuais con- tos, vencidos, integralmente, os Minis-
tros Gilmar Mendes, Maurício Correa,
ceitos vinculados a operações de venda seriam os únicos possíveis. Joaquim Barbosa e Nelson Jobim.

FGV DIREITO RIO 163


Tributos em Espécie

Não fosse assim, teríamos que admitir que a composição legislativa


de 1991 possuía um poder extraordinário. Por meio da Lei Comple-
mentar nº 71, teriam aqueles legisladores fixado uma interpretação
dotada da mesma hierarquia da norma constitucional, interpretação
esta que estaria infensa a qualquer alteração, sob pena de inconsti-
tucionalidade. Na tarefa de concretizar normas constitucionais
abertas, a vinculação de determinados conteúdos ao texto cons-
titucional é legítima. Todavia, pretender eternizar um específico
conteúdo em detrimento de todos os outros sentidos compatí-
veis com uma norma aberta constitui, isto sim, uma violação à
Constituição. Representaria, ainda, significativo prejuízo à for-
ça normativa da Constituição, haja vista as necessidades de atu-
alização e adaptação da Carta Política à realidade. Tal perspecti-
va é sobretudo antidemocrática, uma vez que impõe às gerações
futuras uma decisão majoritária adotada em uma circunstância
específica, que pode não representar a melhor via de concretiza-
ção do texto constitucional.

Assim, eventuais conceitos fixados em relação ao antigo ISC de compe-


tência da União, imposto instituído com fundamento no citado e transcrito
art. 21, VII, da Carta de 67/1969, por meio do Decreto-Lei nº 2.186, de
20.12.1984233, não podem limitar o campo de incidência do atual ICMS,
que encontra, conforme já destacado, fundamento no art. 155 da CR-1988
e disciplina na Lei Complementar nº 87/1996, normas que devem ser inter-
pretadas de acordo com um mundo em constante evolução, em especial na
seara dos serviços de comunicação.
Entretanto, a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal tem
sido no sentido de que os vocábulos e as expressões adotados na CRFB-1988
devem ser interpretadas de acordo com o seus conceitos técnicos e legais, trans-
pondo-os nos mesmos termos para a seara tributária. Nessa toada aponta o
seguinte trecho do voto do Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Fe-
deral no RE nº 166.772-9/RS,234 o qual foi incorporado à ementa do acórdão:
233
Nos termos já salientados, o art.
INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSAO. 21, VII da Carta 67/1969 conferia
competência para a União instituir
Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não imposto sobre “serviços de comuni-
cações, salvo os de natureza estrita-
menos correta exsurge a vinculação a ordem jurídico-constitucio- mente municipal”. O Decreto-Lei nº
nal. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de 2.186/84, entretanto, cingiu o âmbito
de incidência “a prestação de serviços
acordo com a formação profissional e humanística do interprete. de telecomunicações destinados ao
uso do público”.
No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na 234
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a Tribunal Federal. RE nº. 166.772/RS,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio.
finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" - Celso Antonio Julgamento em 12/05/1994. Brasília.
Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciên- Disponível em: < http://www.stf.jus.br
>. Acesso em 20.03.2010. Decisão por
cia, o meio justifica o fim, mas não este aquele. maioria de votos.

FGV DIREITO RIO 164


Tributos em Espécie

Constituição. Alcance político. Sentido dos vocábulos. Interpreta-


ção. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente
com o desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos
ao do técnico, considerados institutos sagrados do Direito. Toda
ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os
institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam, conceito
estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos
acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.
(grifo nosso)

Nessa mesma linha foi também o voto do Ministro Celso Mello no


mesmo RE nº 166.772-9/RS235, que versa sobre a definição do real alcance
do texto do inciso I do artigo 195 da CRFB-1988, no que alude a “empre-
gadores e a folha de salários”, conceitos cujas raízes vinculam-se ao Direito
do Trabalho:

As expressões empregador, salários e empregado, Sr. Presidente,


refletem noções conceituais largamente consolidadas no plano de
nossa experiência jurídica. Desse modo, e não obstante o sentido
comum que se lhes possa atribuir, esses conceitos encerram carga
semiológica que encontra, no discurso normativo utilizado pelo
legislador constituinte, plena correspondência com seu exato,
técnico e jurídico significado, do qual não pode o legislador or-
dinário divorciar-se ao veicular a disciplina de qualquer espécie
tributária, sob pena de transgredir o comando inscrito no art.
110 do Código Tributário Nacional, que faz prevalecer, consoan-
te adverte ALIOMAR BALEEIRO (“Direito Tributário Brasileiro”,
p. 444, 10ª ed. 1993, Forense), “o império do Direito Privado [...]
quanto à definição, conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos
e formas daquele direito [...]” (grifamos).

A alusão ao Código Tributário Nacional (CTN) nos remete ao comple-


xo e intrincado problema relacionado à aplicação de institutos e conceitos
de Direito Privado no âmbito do Direito Tributário, em função da impre-
cisa tentativa de disciplinar a matéria nos artigos 109 e 110 do CTN, os
quais prescrevem:
235
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Art. 109 – Os princípios gerais de Direito Privado utilizam-se para Tribunal Federal. RE nº. 166.772/RS,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio.
pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, Julgamento em 12/05/1994. Brasília.
conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efei- Disponível em: < http://www.stf.jus.
br >. Acesso em 20.03.2010. Decisão
tos tributários. por maioria de votos.

FGV DIREITO RIO 165


Tributos em Espécie

Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteú-


do e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal,
pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias. (grifo nosso)

Ricardo Lobo Torres, favorável à adoção de uma interpretação jurídico-


-econômica236, aponta que a leitura isolada do artigo 110 do CTN reflete a
exacerbada preocupação positivista normativista com a segurança jurídica e
a legalidade. Por outro lado, salienta que a preponderância do método fina-
lístico, caso adotada uma interpretação econômica da parte final do artigo
109 do CTN, implica inafastável ambiguidade e prevalência indevida dos
aspectos arrecadatórios, sob o argumento da igualdade material e da justiça
fiscal. Dessa forma, indica o eminente jurista que o equilíbrio entre valores
e normas só é possível por meio da utilização do princípio da unidade do
Direito (Privado e Público), da relativização dos conceitos jurídicos, da tipi-
cidade aberta, da adoção do pluralismo metodológico não hierarquizado dos
métodos de interpretação e da interação entre Direito e Economia, modelo
que substitui ao mesmo tempo o formalismo jurídico de um lado e o redu-
cionismo economicista de outro, bem como desfaz a separação e o “corte
entre interpretação jurídica e econômica”237.
Saliente-se, entretanto, que a doutrina nacional majoritária e a jurispru-
dência dominante do país até o momento repudiam a denominada inter-
pretação jurídico-econômica, haja vista partirem de premissas distintas, isto
é, sustentam a inafastabilidade da tipicidade fechada e da subsunção lógico-
-formal pelo intérprete/aplicador da lei, assim como adotam como pressu-
posto que o Direito Tributário nacional seria um direito de sobreposição,
assim qualificado porque os conceitos presentes nos vários ramos do direito
privado deveriam ser respeitados e incorporados na seara tributária tal como
conformados em sua “matriz” ou “origem”.
Pode-se antecipar, conforme será adiante demonstrado, que os resultados
e conclusões alcançadas serão inevitavelmente distintas, dependendo das pre-
missas e dos pressupostos adotados na construção do conceito de serviços de
comunicação passíveis de tributação pelo imposto estadual.

1.3 Prestação onerosa TORRES, Ricardo Lobo. Normas de


236

Interpretação e Integração do Direito


Tributário. 4ª edição revista e atuali-
zada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
Conforme já explicitado, a existência de prestação onerosa é condição ne- pp. 135-180.

cessária à incidência do ICMS sobre serviços de comunicação. TORRES. Op. Cit. p.162.
237

FGV DIREITO RIO 166


Tributos em Espécie

No âmbito privado, a prestação238 é o objeto de uma obrigação cuja


fonte pode ser o contrato, a declaração unilateral de vontade, o ato ilícito
e a lei, fonte primária ou mediata de todas as obrigações239. Enquanto o
credor tem direito à prestação, o devedor tem o dever de cumpri-la, po-
dendo a mesma consistir em dar, em fazer ou em não fazer alguma coisa.
Para se determinar se um negócio jurídico é oneroso ou gratuito, con-
forme ensina Caio Mário da Silva Pereira240:

não se leva em consideração, como critério de classificação, as


declarações de vontades geradoras, mas o efeito do negócio. É
oneroso o que proporciona ao agente uma vantagem econômica,
à qual corresponde uma prestação correspectiva, e gratuito aque-
le no qual uma pessoa proporciona a outra um enriquecimento,
sem contraprestação por parte do beneficiado. (grifo nosso).

Portanto, segundo a tese do eminente jurista, basta a existência de


uma contraprestação, ainda que por via indireta, para se configurar a
onerosidade na prestação de serviço de comunicação. Privilegia-se, por
conseguinte, o efeito do negócio independentemente da declaração de
vontades das partes. Em geral, mas não necessariamente, essa contrapres-
tação se dá pela cobrança de uma "remuneração", "preço" ou "tarifa".

1.4 Serviços de comunicação

Inicialmente, deve-se examinar o alcance e o sentido do vocábulo ser- 238


San Tiago Dantas, Clássicos da Litera-
viços de comunicação, explicitado na CR-1988 de acordo com seus múl- tura Jurídica, Programa de Direito Civil
II, Capítulo II.
tiplos sentidos possíveis, para depois perquirirmos o seu conteúdo para os 239
Washington de Barros Monteiro, Cur-
efeitos de incidência do ICMS. so de Direito Civil, 5º Vol, página 3.

Em adição ao sentido vernacular241, técnico, acadêmico e jurispruden- Caio Mário da Silva Pereira, Institui-
240

ções do Direito Civil, Forense, Vol. 1,


cial deve-se destacar, além do conceito legal, também o direito compara- página 239.

do, especialmente em matéria sujeita a modificações tão frequentes como Novo Aurélio, Nova Fronteira, 3ª
241

Edição, 1999, p. 517: “COMUNICAÇÃO


a dos serviços de comunicações. (do latim communicatione) S.f. 1. Ato
ou feito de comunicar (-se). 2. Ato ou
O Direito Americano define no Federal Standard 1037C: efeito de emitir, transmitir e receber
mensagens por meio de método e/ou
processos convencionados, quer através
de linguagem falada ou escrita, quer de
COMUNICAÇÕES 1. Transferência (ou movimentação) de outros sinais, signos ou símbolos, quer
informação entre usuários e processos, de acordo com conven- de aparelhamento técnico especializa-
do, sonoro e/ou visual (...) 11. Eng. Ele-
ções preestabelecidas. 2. Ramo da tecnologia relacionado com a trôn. Transmissão de informação de um
ponto a outro ponto por meio de sinais
representação, transferência, interpretação e processamento de em fios, ou de ondas eletromagnéticas.
12. Teor. Inf. Transmissão de mensagem
dados entre pessoas, lugares e máquinas. (grifo nosso) entre uma fonte e um destinatário.”

FGV DIREITO RIO 167


Tributos em Espécie

Já o Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações242


para execução da Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, instrumento legal
parcialmente revogado243 pela Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997, define
comunicação em seu artigo 6º, item 17, nos seguintes termos:

17°) Comunicação - transferência unilateral ou bilateral de informa-


ção por meio de sinais convencionados.

De acordo com a normativa citada, a comunicação pode se dar em um


único sentido, sem que haja "resposta", unidirecionalmente, como ocorre no
caso de "beep"ou "paging"244.
Os elementos mínimos requeridos para que ocorra a comunicação são:
i) a fonte; ii) o emissor; iii) a mensagem; iv) o meio de transmissão; e o v) o
receptor.
Em regra, o prestador de serviço de comunicação não participa do proces-
so como receptor, emissor ou fonte da mensagem, apenas viabiliza a relação 242
Regulamento aprovado pelo Decre-
comunicativa, propiciando o ambiente necessário à realização da atividade, to n° 52.026, de 20 de maio de 1963,
com a sua redação conferida pelo De-
fornecendo os meios e possibilitando, entre outras, a captação, a geração, a creto n.º 97.057, de 10 de novembro
emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de 1997.

de comunicação. 243
O art. 215 da Lei n.º 9.472/1997
revogou a Lei n° 4.117/1962, salvo
A espécie de comunicação é definida pelo veículo, meio, forma, processo quanto aos preceitos relativos à radio-
difusão e em relação à matéria penal
ou pela modalidade de transmissão, sendo o conteúdo normalmente irrele- não disciplinada na nova norma legal.
vante para a definição do tipo de serviço prestado. Dessa forma, por exemplo, 244
Conforme informa Ricardo Lobo
o meio físico de um outdoor ou de um painel, caracteriza a comunicação Torres, no AI 63.963-0/RS, do STJ, Rel.
Min, Milton Luiz Pereira, DJU 2.5.95,
visual, como é também qualificada a comunicação a distância por meio de si- decidiu-se que incide o ICMS sobre os
serviços de radiochamada (paging),
nais de fumaça, meio intangível cuja visualização é perceptível ao sentido dos endereçados a assinantes. In. TOR-
olhos (vide nota 53); o pombo-correio, por outro lado, caracteriza a denomi- RES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributário.
nada columbofilia245, que é a arte de criação e utilização dos pombos-correios; Volume IV. Os Tributos na Constituição.
Rio de Janeiro. Renovar, 2007. p.254.
a radioeletricidade, os meios ópticos ou qualquer outro processo eletromag-
Novo Aurélio, Nova Fronteira, 3ª
245

nético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações Edição, 1999, p. 505. “Columbofilia.1.
de qualquer natureza definem, tecnicamente, a telecomunicação; etc. Amor aos pombos; interesse por eles.
2. Arte da criação de pombos-cor-
Em que pese o exposto, ante a inexistência de definição legal expressa na reios”. (grifo nosso)

legislação que disciplina o ICMS, a qual apenas exemplifica atos envolvidos 246
Na radiodifusão,por exemplo, as
empresas de televisão e rádio trans-
na relação comunicativa, impõe-se estabelecer qual é o conceito de serviço de mitem, entre outras mensagens, pró-
comunicação para os efeitos de incidência do imposto estadual. prias ou não, aquelas de seus anun-
ciantes dirigidas ao público em geral,
Abstraindo-se da questão da onerosidade a que se refere a Lei Complemen- isto é, os receptores são indetermina-
dos. Essa modalidade é expressamen-
tar 87/1996, a comunicação em si não é a condição suficiente a ocorrência do te incluída no conceito de serviço de
comunicação, nos termos do art. 11,
fato gerador do ICMS. De fato, a Constituição da República, ao elencar os III, alínea “a”, da Lei Complementar nº
serviços de comunicação em seu art. 155, II, refere-se ao processo e à relação 87/1996. Entretanto, a EC nº 42/2003
incluiu a alínea “d” ao inciso X do §2º
comunicativa, mas não à comunicação propriamente dita, em seu sentido li- do art. 155 da CRFB-1988 para estabe-
lecer que o ICMS não incide “nas pres-
teral, qualificada como a atividade exercida sob a forma oral, escrita, por meio tações de serviços de comunicação nas
de imagens ou gestos da qual resulte a transmissão de mensagens, próprias modalidades de radiodifusão sonora e
de sons e imagens de recepção livre e
ou alheias, a terceiros (determinados, indeterminados246 ou determináveis). gratuita.” (grifo nosso).

FGV DIREITO RIO 168


Tributos em Espécie

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional247 (PGFN) manifestando o pon-


to de vista de que a incidência do ICMS se dá sobre a "relação comunicativa"
e não sobre a comunicação em si, acrescenta:

Isto é feito mediante a instalação de microfones, caixas de som, te-


lefones, radiotransmissores etc. Tudo, enfim, que faz parte da infra-
estrutura mecânica, eletrônica e técnica necessária à comunicação.
O serviço de comunicação tributável por meio de ICMS se perfaz
com a só colocação à disposição do usuário dos meios e modos aptos
à transmissão e recepção de mensagens.

Em consonância com o parecer exarado pela douta PGFN, esclarece Ro-


que Antonio Carrazza248 que a regra matriz do ICMS é prestar serviços de
comunicação e não simplesmente realizar a comunicação:

Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamen-


te dita, mas sobre a "relação comunicativa", isto é, a atividade de,
em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais
para que a comunicação ocorra. (grifo nosso)

Na mesma toada, distinguindo a prestação de serviços de comunicação


da comunicação diretamente realizada entre duas ou mais pessoas, cita-se o
magistério de Alcides Jorge Costa, in verbis:

Como se verifica, não há dúvida de que o imposto é devido na


ocorrência não da comunicação em si mesma considerada, mas na
prestação de serviços que possibilitam a comunicação a distância. 
Se uma pessoa se comunica com outra pelo telefone, não é a men-
sagem que uma passa a outra que se tributa, mas a prestação do
serviços de telefonia que possibilita que se faça a comunicação. Por
outras palavras, é preciso distinguir entre mensagem e transmissão
da mensagem.  A mensagem não fica sujeita ao imposto sobre ser-
viços de comunicação. Os serviços, quando prestados a terceiros,
é que são tributados.249

O prestador de serviço de comunicação não participa do processo como


emitente ou receptor da mensagem, apenas viabiliza a relação comunicati- PGFN nº 381/1999.
247

va, fornecendo os meios e o ambiente necessário à realização da atividade, CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS,
248

Ed. Malheiros. pp. 115 e 116.


seja possibilitando a captação, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a 249
Apud, Botallo, Eduardo. ICMS e Ser-
transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de viços de Comunicação Internacional, in
Revista Dialética de Direito Tributário
qualquer natureza. nº 61, p.20.

FGV DIREITO RIO 169


Tributos em Espécie

Inquestionável, portanto, que o ICMS incide sobre os serviços onerosos


de comunicação em sentido amplo, mas tem como pressuposto que a ativi-
dade seja exercida por alguém que viabiliza, de forma remunerada (por uma
prestação correspectiva), a formação e a transmissão de mensagens alheias a
terceiros, isto é, a mensagem transmitida não pode ser própria, já que não é
a mensagem que é tributada. De fato, se não for mensagem alheia trata-se de
simples atividade de comunicação não alcançada pela incidência do ICMS,
posto não ser possível a realização de prestação onerosa de serviço de comu-
nicação para si mesmo.
Marco Aurélio Grecco,250 partindo do pressuposto de que o intérprete da
Constituição não está vinculado ao conceito previamente fixado pelo Direito
Privado, sustenta que:

o conceito de ‘comunicação’ utilizado pela CF-1988 não é um con-


ceito legal (que se extraia de uma determinada lei), mas sim um
conceito de fato (que resulta da natureza do que é feito ou obti-
do) (grifo nosso)

Razão pela qual sustenta o mesmo autor251 que:

o prestador do serviço de comunicação é aquele que fornece os res-


pectivos meios para a comunicação, assim entendidos não apenas
aqueles que tornam possível a instauração de uma relação comu-
nicativa, tais como interfaces, dispositivos, equipamentos etc. Em
outras palavras, presta serviço de comunicação quem fornece o
‘ambiente de comunicação’. (grifo nosso)

Nessa mesma linha de pensamento, o Secretário de Estado de Fazenda do


Estado do Rio de Janeiro aprovou o Parecer Normativo nº 01/2000 da Supe-
rintendência de Tributação252, o qual tem norteado a atuação da fiscalização
estadual nos últimos anos. 250
GRECO, Marco Aurélio. Internet e Di-
Por sua vez, ainda no mesmo passo, o Ministro do Superior Tribunal de reito, São Paulo: Dialética, 2000. p.136.

Justiça José Delgado, ao relatar e prolatar seu voto que obteve a unanimidade GRECO. Op. Cit. p.124.
251

da Primeira Turma no REsp nº 323358253/PR, decidiu: Parecer editado datado de 29 de


252

maio de 2000, aprovado pelo Secretá-


rio de Estado de Fazenda e publicado
no D.O.E. do Estado do Rio de Janeiro
O serviço de comunicação tributável por meio de ICMS se perfaz em 01.06.2000. Disponível em www.
sef.rj.gov.br.
com a colocação à disposição do usuário dos meios e modos aptos 253
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
à transmissão e recepção de mensagens. Embora o sistema seja ar- Tribunal de Justiça. Resp nº. 323358/
PR. Primeira Turma. Rel. Min. José Del-
caico, um serviço de pombos–correio postos a disposição de uma gado. Julgamento em 21/06/2001. Bra-
pessoa (física ou jurídica), para a transmissão ou recepção de mensa- sília. Disponível em: < http://www.
stj.gov.br > Acesso em 26.03.2010.
gens, pode perfeitamente ser tributado pelo ICMS. Decisão unânime.

FGV DIREITO RIO 170


Tributos em Espécie

São irrelevantes para fins de ICMS, tanto a transmissão em si mes-


ma considerada ("relação comunicativa”), como conteúdo da men-
sagem transmitida. É que os participantes da relação comunicativa
("v.g." os locutores esportivos) não prestam serviços nem uns para
os outros nem para terceiros. Eles simplesmente comunicam.
Situação diversa ocorre quando pessoa (física ou jurídica) mantém
em funcionamento o sistema de comunicações, consistente em ter-
minais, centrais, linhas de transmissão, satélites etc. Agora, sim: há
uma relação negocial entre o prestador e o usuário, que possibilita, a
este último, a comunicação. É o quanto basta para que o ICMS in-
cida. Mesmo que o usuário mantenha os equipamentos desligados.

A partir dessas premissas e considerando a decisão do STF na mencionada


ADI n.º 1467-6/DF,254 bem como a relação entre o gênero comunicação
e a espécie telecomunicação, pode-se concluir que o escopo das prestações
onerosas de serviços passíveis de incidência pelo ICMS, a teor do art. 155, II,
da CRFB-1988 (“serviços de comunicação”), é mais amplo do que aqueles
serviços referidos no § 3º do art. 155 da CRFB-1988 (“serviços de teleco-
municações”). Isto posto, eventual definição de serviço de telecomunicações
fixada em lei de regulação da atividade, como é o caso do artigo 60 da Lei
nº 9472/1997255, não limitaria o campo de tributação dos Estados. Dessa
forma, ao definir serviços de telecomunicações não teria a norma de Direi-
to regulatório do setor econômico o condão de conformar ou estabelecer o
conceito constitucional/tributário necessário para a delimitação do campo de
incidência do ICMS/Comunicação. Dito de outra maneira e exemplifican-
do, a previsão do § 1º do artigo 61 da Lei nº 9472/1997, no sentido de que
254
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
o serviço de valor adicionado “não constitui serviço de telecomunicações”, Tribunal Federal. ADI 1467-DF, Tribu-
não implica automática exclusão desse serviço do campo de incidência do nal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches.
Julgamento em 12.02.2003. Brasília.
ICMS. Isto é, a desclassificação do serviço de valor adicionado como serviço Disponível em: < http://www.stf.jus.
br >. Acesso em 17.03.2010. Decisão
de telecomunicações não é suficiente para determinar os efeitos tributários por unanimidade de votos.
relativamente ao imposto estadual, bastando que esses serviços sejam qualifi- 255
De acordo com o art. 60 da Lei º
9472/1997 serviço de telecomunica-
cados como prestação onerosa de serviço de comunicação para que ocorra no ções: “é o conjunto de atividades que
mundo real a hipótese de incidência do ICMS. possibilita a oferta de telecomunica-
ção.” (grifamos)
Considerando premissas semelhantes e fundamentos similares, o voto 256
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
vencido do Ministro Relator José Delgado nos Embargos de Divergência em Tribunal de Justiça. EDResp nº. 456650/
PR. Primeira Seção. Rel. Min. José Del-
Recurso Especial 456650256 aponta que: gado. Rel p/acórdão Min. Franciulli Net-
to. Julgamento em 11/05/2005. Brasí-
lia. Disponível em: < http://www.stj.
1. O Provedor da Internet é um agente interveniente prestador gov.br > Acesso em 20/03/2010. De-
cisão por maioria de votos. Vencidos os
de serviços de comunicação, definindo-o como sendo “aquele que Ministros relator, Luiz Fux, Teori Albino
Zavascki e Denise Arruda. Com o Sr. Mi-
presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando nistro Franciulli Netto votaram os Srs.
o endereço na INTERNET, seja armazenando e disponibilizan- Ministros Francisco Falcão, João Otávio
de Noronha, Castro Meira e Francisco
do o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. Peçanha Martins.

FGV DIREITO RIO 171


Tributos em Espécie

É designado, tecnicamente, de Provedor de Serviços de Conexão


à INTERNET (PSC), sendo a entidade que presta o serviço de
conexão à INTERNET (SCI)”. (Newton de Lucca, em artigo “Tí-
tulos e Contratos Eletrônicos”, na obra coletiva Direito e INTER-
NET”, pág. 60)
2. O provedor vinculado à INTERNET tem por finalidade essen-
cial efetuar um serviço que envolve processo de comunicação exigi-
do pelo cliente, por deter meios e técnicas que permitem o alcance
dessa situação fática.
3. O serviço prestado pelos provedores está enquadrado como sendo
de comunicação, espécie dos serviços de telecomunicações.
4. A Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, estabelece, em seu
art. 2º, que incide o ICMS sobre “prestações onerosas de Serviços
de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão,
a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição a ampliação
de comunicação de qualquer natureza”, círculo que abrange os ser-
viços prestados por provedores ligados à INTERNET, quando os
comercializam.
5. Qualquer serviço oneroso de comunicação está sujeito ao paga-
mento do ICMS.
6. A relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário é de
natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. É
suficiente para constituir fato gerador de ICMS.
7. O serviço prestado pelo provedor pela via da Internet não é ser-
viço de valor adicionado, conforme o define o art. 61, da Lei nº
9.472, de 16/07/1997.

Em sentido diverso, caso seja associado e vinculado o conceito constitu-


cional de serviços de comunicação àquele de telecomunicações fixado na Lei 257
BOTELHO, Fernando Neto. Tributação
nº 9472/1997, as conclusões serão necessariamente distintas, conforme será do Serviço de Provimento da Internet
no Direito Tributário das Telecomunica-
abaixo examinado. ções. Ed. Thomsom/IOB, pág. 579
Nesse diapasão, Fernando Neto Botelho257 entende que, após a citada 258
Saliente-se, entretanto, que nos
parece inexistir correlação necessária
Emenda Constitucional nº 03/1993258 (de 17/03/1993), a expressão serviço entre o dispositivo constitucional que
de comunicação referida no caput do art. 155 da CRFB-1988, dispositivo que confere competência tributária aos Es-
tados e ao Distrito Federal e o disposto
possibilita a incidência do ICMS, passou a ser equivalente ao denominado no mencionado § 3º do art. 155 da
CRFB-1988, norma que confere exclu-
serviço de telecomunicação explicitado no já transcrito § 3º do art. 155 da sividade de incidência ao ICMS, ao II e
ao IE sobre determinadas mercadorias
CRFB-1988, pois: e atividades, conforme já apresenta-
do. De fato, nos termos já examinados
na primeira parte deste material, em
Não nos parece possível, por isso, diferenciar-se, à luz da própria especial na nota de rodapé 30, não
há correspondência entre os produtos
Constituição Federal e quanto à incidência – ou não incidência –do submetidos à incidência do ICMS e
ICMS, “serviços de comunicação” (do caput do art. 155/CF) de aqueles explicitados no citado § 3º,
nem antes nem depois da Emenda
‘operações de telecomunicações (do § 3º, do mesmo art. 155/CF). Constitucional nº 03/1993.

FGV DIREITO RIO 172


Tributos em Espécie

Quer-nos parecer, a contrario sensu, que a extensão semântica dos


termos ‘comunicação’ e ‘telecomunicações’, que passaram, a partir
da EC 03/1993, a conviver sob mesma disciplina (a do ‘caput’
do art. 155/CF) há de ser única em relação a efeitos tributários
programados pelo mesmo dispositivo do art. 155, pena de se co-
gitar, diferenciadamente, de atividades geradoras de incidência e
de imunidade, tratadas, ambas, sob mesma rubrica constitucio-
nal, e, ambas, claramente alinhadas em termos de identificação
semântico-operacionais. Terá a CF – de 1988 – desejado incidên-
cia do ICMS sobre certa modalidade de ‘serviço de comunicação’
em diferenciação com a modalidade – desejada pelo Constituinte
de 1993 – definida por ‘operações relativas a telecomunicações’?
Uma, a primeira, antiga, seria diversa da outra, posterior, moder-
na, ambas inseridas, todavia, num mesmo dispositivo da Consti-
tuição e geradoras, cada uma, de opostas repercussões: a incidência
e a imunidade? Não. Pensamos que ‘serviço de comunicação’ (do
‘caput’ do art. 155) ‘operações relativas a telecomunicações’ (do §
3º, do mesmo art. 155) constituem, rigorosamente, mesma ativi-
dade material, apensa sujeita, em certa medida, à incidência (do
ICMS) e, noutra, à imunidade constitucional.

Nesse passo, o eminente autor vincula o conceito de serviço de comuni-


cação ao de telecomunicação, razão pela qual as conclusões acima referidas
são substancialmente alteradas, haja vista a disciplina jurídica fixada no men-
cionado § 1º do artigo 61 da Lei nº 9472/1997, no sentido de que o serviço
de valor adicionado “não constitui serviço de telecomunicações”, razão pela
qual estaria essa modalidade de serviço automaticamente excluída do campo
de incidência do ICMS.
Sem utilizar o supracitado argumento, relacionado à EC nº 03/1993, mas
alcançando resultados semelhantes, haja vista associar e restringir o campo
de incidência do ICMS ao contido na lei que regula o setor de telecomuni-
cações, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos Embargos
de Divergência em Resp nº 456.650/PR259, firmou jurisprudência no sentido
de que os provedores de acesso à internet, por prestarem serviços de valor
adicionado, não são alcançados pela tributação estadual, conforme revela a
ementa do acórdão: 259
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
Tribunal de Justiça. ED em Resp
nº. 456.650 – PR. Primeira Seção.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. Rel. Min.: Min. José Delgado Rel.p/
acórdão: Min. Franciulli Netto.
TRIBUTÁRIO. SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVE- Julgamento em 11/05/2005. Brasília.
DORES DE ACESSO À INTERNET. ARTIGOS 155, II, DA Disponível em: < http://www.stj.gov.
br > Acesso em 20.03.2010. Decisão
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E 2º, II, DA LC N. 87/1996. por maioria de votos.

FGV DIREITO RIO 173


Tributos em Espécie

SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ARTIGO 61 DA LEI N.


9.472/1997 (LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES). NOR-
MA N. 004/95 DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES.
PROPOSTA DE REGULAMENTO PARA O USO DE SERVI-
ÇOS E REDES DE TELECOMUNICAÇÕES NO ACESSO A
SERVIÇOS INTERNET, DA ANATEL. ARTIGO 21, XI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS.
Da leitura dos artigos 155, inciso II, da Constituição Federal, e 2º,
inciso III, da Lei Complementar n. 87/1996, verifica-se que cabe
aos Estados e ao Distrito Federal tributar a prestação onerosa de ser-
viços de comunicação. Dessa forma, o serviço que não for prestado
de forma onerosa e que não for considerado pela legislação perti-
nente como serviço de comunicação não pode sofrer a incidência
de ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária.
Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações
– ANATEL, "a Internet é um conjunto de redes e computadores que
se interligam em nível mundial, por meio de redes e serviços de te-
lecomunicações, utilizando no seu processo de comunicação protocolos
padronizados. Os usuários têm acesso ao ambiente Internet por meio de
Provedores de Acesso a Serviços Internet.O acesso aos provedores pode
se dar utilizando serviços de telecomunicações dedicados a esse fim ou
fazendo uso de outros serviços de telecomunicações, como o Serviço Te-
lefônico Fixo Comutado" ("Acesso a Serviços Internet", Resultado da
Consulta Pública 372 - ANATEL).
A Proposta de Regulamento para o Uso de Serviços e Redes de Te-
lecomunicações no Acesso a Serviços Internet, da ANATEL, define,
em seu artigo 4º, como Provedor de Acesso a Serviços Internet –
PASI, "o conjunto de atividades que permite, dentre outras utilidades,
a autenticação ou reconhecimento de um usuário para acesso a Serviços
Internet". Em seu artigo 6º determina, ainda, que "o Provimento
de Acesso a Serviços Internet não constitui serviço de telecomunicações,
classificando-se seu provedor e seus clientes como usuários dos serviços de
telecomunicações que lhe dá suporte ".
Por outro lado, a Lei Federal n. 9.472/1997, denominada Lei Ge-
ral de Telecomunicações – LGT, no § 1º de seu artigo 61, dispõe
que o serviço de valor adicionado "não constitui serviço de teleco-
municações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço
de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres
inerentes a essa condição". O caput do mencionado artigo define o
referido serviço como "a atividade que acrescenta, a um serviço de
telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde
novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresenta-
ção, movimentação ou recuperação de informações."

FGV DIREITO RIO 174


Tributos em Espécie

O serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se carac-


teriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de
autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina
o artigo 21, XI, da Constituição Federal. Não oferece, tampouco,
prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC
n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as con-
dições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples
usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.
Na lição de Kiyoshi Harada, "o provedor de acesso à internet libera
espaço virtual para comunicação entre duas pessoas, porém, quem
presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de te-
lecomunicações, já tributada pelo ICMS. O provedor é tomador de
serviços prestados pelas concessionárias. Limita-se a executar serviço
de valor adicionado, isto é, serviços de monitoramento do acesso do
usuário à rede, colocando à sua disposição equipamentos e softwares
com vistas à eficiente navegação."
O serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet cuida,
portanto, de mero serviço de valor adicionado, uma vez que o
prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte
para viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de
uma linha telefônica.
Conforme pontifica Sacha Calmon, "o serviço prestado pelos pro-
vedores de acesso à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, não
se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço
de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de
Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor
Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro é um dos componen-
tes no processo de produção do último."
Nessa vereda, o insigne Ministro Peçanha Martins, ao proferir vo-
to-vista no julgamento do recurso especial embargado, sustentou
que a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois
"acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada
comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre atra-
vés das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a
cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à
Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunica-
ções, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de
telecomunicações. Assim o diz a lei."
Conclui-se, portanto, que, nos termos do artigo 110 do Código Tri-
butário Nacional, não podem os Estados ou o Distrito Federal alte-
rar a definição, o conteúdo e o alcance do conceito de prestação de
serviços de conexão à Internet, para, mediante Convênios Estaduais,

FGV DIREITO RIO 175


Tributos em Espécie

tributá-la por meio do ICMS. Como a prestação de serviços de co-


nexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de co-
municação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de
valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicida-
de fechada, inerentes ao ramo do direito tributário, deve ser afastada
a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível.
Segundo salientou a douta Ministra Eliana Calmon, quando do jul-
gamento do recurso especial ora embargado, "independentemente
de haver entre o usuário e o provedor ato negocial, a tipicidade fe-
chada do Direito Tributário não permite a incidência do ICMS".
Embargos de divergência improvidos.

Após esse julgamento, a jurisprudência, no âmbito do STJ, se consolidou


com a edição da Súmula 334260, cujo enunciado estabelece: “O ICMS não
incide no serviço dos provedores de acesso à Internet”.
A Primeira Turma do mesmo Superior Tribunal de Justiça, por maio-
ria, considerando a decisão no citado Embargos de Divergência em Resp nº
456.650/PR261 e o contido na Súmula 334, fixou o entendimento, ao decidir
o Resp nº 674.188/PR, que, além de os serviços prestados pelos provedores
de acesso à internet não estarem sujeitos à incidência de ICMS, tais serviços
também não estão sujeitos à incidência de ISS, pois não há previsão no DL n.
406/1968, com suas alterações posteriores, que não os incluiu na lista anexa,
nem na LC nº 116/2003. O acórdão tem a seguinte ementa262:

RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DO PARANÁ. TRI- 260


Súmula aprovada pela Primeira Se-
BUTÁRIO. ICMS. PROVEDORES DE ACESSO À INTER- ção do STJ em 13/12/2006. São citados
como precedentes o ERESP 456650/PR
NET. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 334/STJ. RECURSO (decisão:11/05/2005); RESP 453107/
DESPROVIDO. PR (decisão:14/02/2006).
261
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julga- Tribunal de Justiça. ED em Resp nº.
mento dos EREsp 456.650/PR, entendeu ser indevida a incidên- 456.650 – PR. Primeira Seção. Rel.
Min.: Min. José Delgado Rel.p/acór-
cia de ICMS sobre os provedores de acesso à internet, na medida dão: Min. Franciulli Netto. Julgamento
em 11/05/2005. Brasília. Disponível
em que estes prestam serviços de valor adicionado, nos termos em: < http://www.stj.gov.br > Aces-
so em 20.03.2010. Decisão por maio-
do art. 61, § 1º, da Lei 9.472/1997, apenas liberando espaço vir- ria de votos.
tual para comunicação. Quem presta o serviço de comunicação 262
BRASIL. Poder Judiciário. Superior
Tribunal de Justiça. Resp nº. 674.188/
é a concessionária de serviços de telecomunicações, já tributada PR . Primeira Turma. Rel. Min. Rela-
pelo imposto (Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ acórdão Min. Fran- tor: Denise Arruda. Julgamento em
25/03/2008. Brasília. Disponível em
ciulli Netto, DJ de 20/3/2006). < http://www.stj.gov.br > Acesso em
20.03.2010. A Turma, por unanimida-
2. Tendo em vista a uniformização da jurisprudência desta Corte de, negou provimento ao recurso espe-
cial do Estado do Paraná e, por maioria,
de Justiça a respeito do tema, a Primeira Seção formulou a Súmula vencidos os Srs. Ministros José Delgado
334/STJ, segundo a qual "o ICMS não incide no serviço dos prove- e Luiz Fux, negou provimento ao do
Município de Curitiba, nos termos do
dores de acesso à Internet". voto da Sra. Ministra Relatora.

FGV DIREITO RIO 176


Tributos em Espécie

3. Recurso especial desprovido. RECURSO ESPECIAL DO MU-


NICÍPIO DE CURITIBA. TRIBUTÁRIO. ISS. PROVEDORES
DE ACESSO À INTERNET. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO
DESPROVIDO.
1. A incidência de ISS pressupõe o não cabimento de ICMS, por for-
ça de expressa previsão constitucional (art. 156, III). Assim, afastada
a incidência de ICMS sobre os serviços prestados pelos provedores
de acesso à internet, cabe analisar se esses se enquadram nos serviços
de qualquer natureza, disciplinados no Decreto-Lei 406/1968, com
as alterações introduzidas pela Lei Complementar 56/1987, para
fins de incidência de ISS.
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido
de que a lista de serviços anexa ao referido decreto-lei possui um
rol taxativo e exaustivo, de modo que é apenas possível uma inter-
pretação extensiva dos itens nela contidos, para o enquadramento
de serviços idênticos aos ali expressamente previstos, mas com no-
menclatura diversa.
3. Os provedores de acesso à internet executam serviço de valor adi-
cionado, isto é, atividade de monitoramento do acesso de usuários
e de provedores de informações à rede mundial de computadores,
colocando à sua disposição os dados ali existentes. Desse modo, o
serviço prestado pelo provedor é apenas o fornecimento da infra-
-estrutura para que o usuário possa acessar a internet e, por conse-
guinte, as informações nela contidas.
4. Não há previsão no Decreto-Lei 406/1968, com suas alterações
posteriores, em que se possa incluir os serviços prestados pelos pro-
vedores de acesso à internet entre aqueles sujeitos à incidência de
ISS. Isso, porque, conforme anteriormente salientado, esta Corte
de Justiça, no julgamento dos EREsp 456.650/PR, consignou que
a atividade realizada pelo provedor de acesso à internet é serviço de
valor adicionado, constituindo um acréscimo ao serviço de teleco-
municações. No entanto, a lista de que trata o decreto-lei supra-
mencionado não incluiu, em seu rol taxativo, os referidos serviços
de valor adicionado; além disso, não há nenhuma identidade entre
esse serviço e os demais nela expressamente previstos.
5. Não se cogita, conforme pretende o recorrente, sua inclusão nos
itens 24 e 50 do referido decreto-lei. Isso, porque o item 24 prevê,
em síntese, a incidência de ISS sobre os serviços de "análises, inclu-
sive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processa-
mento de dados de qualquer natureza", enquanto o item 50 dispõe
que essa exação relaciona-se aos serviços de "agenciamento, correta-
gem ou intermediação de bens móveis e imóveis não abrangidos nos
itens 45, 46, 47 e 48".

FGV DIREITO RIO 177


Tributos em Espécie

6. Da análise do item 24, conclui-se que não se constata ne-


nhuma identidade entre o serviço prestado pelo provedor (for-
necimento de infraestrutura para o acesso à rede internet) e os
serviços de análise de sistemas (estudo de processos para aplica-
ção de tecnologia de informação e de comunicação), de coleta e
processamento de dados (organização de dados em computador
a fim de obter informação sistematizada) e de informações - na
hipótese, os provedores apenas possibilitam o acesso dos usuá-
rios às informações constantes da internet. Assim, eles apenas
as recebem da rede e as retransmitem ao usuário conectado. Por
outro lado, também não se enquadra nas hipóteses previstas no
item 50, o qual, mesmo se interpretado extensivamente, está to-
talmente dissociado da atividade exercida pelos provedores de
acesso à internet.
7. Mesmo após a edição da Lei Complementar 116/2003, não
se cogita a incidência de ISS sobre o serviço prestado pelos pro-
vedores de acesso à internet, porquanto não se equipara aos ser-
viços de informática e congêneres previstos no item 1 anexo à
referida lei - os quais se referem a desenvolvimento, análise e
processamento de dados.
8. Recurso especial desprovido.

Conforme se depreende dessa jurisprudência, como já salientado, a


exclusão do serviço de provedor de acesso à internet do campo de inci-
dência do ICMS decorre do enquadramento da atividade como serviço
de valor adicionado, nos termos do art. 61, § 1º, da Lei 9.472/1997, e
quem presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de
telecomunicações, já tributada pelo imposto.
Neste contexto, impõe-se salientar que a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que as atividades meramente
acessórias ou preparatórias ao serviço de comunicação não estão sujeitas à
tributação pelo ICMS, pontuando, nos estritos termos que ora se defen-
dem que os meios necessários à consecução do mencionado serviço não
estão ao alcance da incidência do ICMS-comunicação.
Vejam-se os termos da jurisprudência do STJ, que por meio de sua 1ª
Seção, composta pela 1ª e 2ª Turma, com competência de direito público,
ao interpretar e aplicar o art. 2º, III, da LC nº 87/1996, firmou entendi-
mento no sentido da impossibilidade de extensão do fato gerador do ICMS
nos serviços de habilitação e locação de telefones móveis celulares e de as-
sinatura, por não ser possível a interpretação extensiva em sede de direito
tributário que abarca o princípio da legalidade, nos seguintes termos:

FGV DIREITO RIO 178


Tributos em Espécie

Ao entendimento de que os serviços de habilitação e locação de te-


lefones móveis celulares e de assinatura (como sinônimo de con-
tratação do serviço de comunicação) não sofrem a incidência do
ICMS. O convênio ICMS n. 69/1998, ao determinar a incidência
do mencionado tributo sobre a habilitação de telefone celular, em-
preendeu verdadeira analogia extensiva do âmbito material de inci-
dência do tributo, em flagrante violação do art. 108, § 1º, do CTN.
Esse tributo incide sobre a prestação dos serviços de comunicação
(atividade fim), não sobre os atos que a ela conduzem (atividade
meio). A simples disponibilização aos usuários dos meios materiais
necessários à comunicação entre eles ainda não tipifica a prestação
do serviço, mas simples etapa de sua implementação. Assim, quan-
do alguém contrata um serviço e passa a ser dele um novo usuário,
não sendo hipótese de incidência da regra matriz do ICMS-comuni-
cação (Recurso especial nº 945.037/AM, 1ª Seção do STJ, Relator
Ministro LUIZ FUX, j. em 13.05.2009).

O precedente acima suscitado reflete o procedimento do art. 543-C do


CPC, tendo como repetitiva a matéria.
É também nesse sentido o verbete sumular nº 350 do STJ, que estabelece:
“o ICMS não incide sobre o serviço de habilitação de telefone celular”.
Vale transcrever, ainda, excerto do voto proferido no julgamento do Re-
curso Especial supratranscrito que, fulcrado em citação de Roque Antonio
Carrazza, distinguiu o serviço de habilitação do serviço de telecomunicação,
o que vale, por óbvio, para atividades preparatórias:

E na mesma esteira segue o entendimento do professor ROQUE


ANTONIO CARRAZZA, que muito bem diferenciou o serviço de
habilitação do de telecomunicação, conforme abaixo colacionado:
De fato, como já adiantamos, a habilitação do aparelho telefônico
(tanto quanto a transferência de titularidade da assinatura) é simples-
mente uma medida preparatória para que o serviço de comunicação
possa - agora, sim - ser prestado. Nela não há qualquer transmissão
de mensagem. Tampouco recebimento. Em linguagem leiga, a habi-
litação simplesmente liga o aparelho, para que, por intermédio dele,
venha prestado o serviço específico. Ou, se quisermos, viabiliza o
acesso do usuário potencial ao denominado "sistema móvel celular".
Nesta medida, não pode ser alvo de ICMS. [...] Segue-se, portanto,
que não pode integrar a base de cálculo do ICMS em tela, que é,
como vimos, o preço do serviço de comunicação efetivamente
prestado. [...] Remarcamos, por oportuno, que, no caso, está-
-se simplesmente colocando à disposição dos usuários o aparato

FGV DIREITO RIO 179


Tributos em Espécie

para que ocorra a prestação do serviço de comunicação por meio


de telefonia celular móvel. Hugo de Brito Machado, com a ex-
traordinária didática que o caracteriza, estabeleceu uma oportuna
analogia entre a habilitação de celular e a aquisição de ingresso para
espetáculo esportivo. Numa de suas conferências, a que assistimos,
observou o mestre que em ambos os casos está-se diante de condi-
ções de acesso a determinado serviço (respectivamente, ao serviço de
comunicação e ao serviço de diversões públicas), mas não diante do
próprio serviço. Não há como, pois, tributá-los, seja isoladamente,
seja como parte do próprio serviço: isoladamente, porque não ti-
pificam serviço algum; em conjunto com o serviço que viabilizam,
porque dele não fazem parte.263

Corrobora com esse entendimento Aires F. Barreto, ao evidenciar que não


existe prestação potencial de serviços, incidindo o ICMS sobre o objeto da
prestação, vale dizer, sobre a atividade-fim, asseverando acerca da atividade
de habilitação, o seguinte:

Não incide o ICMS, nem o ISS, sobre a habilitação – assim deno-


minado o só ato de ativação da estação móvel do assinante, para que
a central de comutação e controle a reconheça como pertencente a
assinante do ‘serviço móvel celular – SMC’- por não subsumir-se
ao conceito constitucional de serviço tributável. É mera atividade-
-meio que, conquanto possa, em potencial vir a proporcionar co-
municação, não realiza, em si mesma, o tráfego comunicativo, não
importando nem transmissão, nem emissão, nem recepção de sím-
bolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza264.

Nesse mesmo sentido, repise-se que Roque Antonio Carrazza sustenta que
as atividades-meio ligadas à prestação de serviço de telecomunicação, não
podem ser tributadas pelo ICMS, aduzindo o que se segue:

Em suma, alvo de tributação por via de ICMS é a prestação do ser-


viço de telecomunicação como fim. Não as etapas, passos ou tarefas
intermediárias, necessárias à obtenção deste mesmo fim. As ativida-
des acessórias (atividades-meio), como as de utilização ou disponibi- 263
Apud, Carraza, Roque Antonio. Em
lização de equipamentos, soam essenciais à atividade-fim de presta- ICMS, Editora Malheiros, São Paulo. 9ª
Edição, fls. 177/178
ção do serviço de telecomunicação internacional, nela se incluindo, Apud, Brito, Aires F. Regime Tribu-
264

indissociavelmente. Logo, não podem ser consideradas em estado de tário dos Serviços de Telefonia Celular,
Revista Dialética de Direito Tributário
isolamento. Não pelo menos no que concerne à incidência de ICMS. n. 78, p. 200

FGV DIREITO RIO 180


Tributos em Espécie

Com o devido acatamento, é grave erronia jurídica pretender desmem-


brar as inúmeras atividades-meio, necessárias à prestação em tela, como
se fossem ‘serviços de comunicação autônomos’. É que, em si mesma
considerada, nenhuma delas tipifica verdadeira prestação de serviços de
telecomunicação, com existência independente, mas, apenas, condição,
fase, meio, ou instrumento para que esta última se realize.265

Nessa linha, assim se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Fe-


deral ao julgar o RE nº 572.020, reconhecendo a impossibilidade de tributa-
ção pelo ICMS das chamadas atividades preparatórias, como se vê:

“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO.


ICMS. HABILITAÇÃO DE APARELHOS CELULARES. A LEI
GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ART. 60, § 1º, DA LEI Nº
9.472/97) NÃO PREVÊ O SERVIÇO DE HABILITAÇÃO DE
TELEFONIA MÓVEL COMO ATIVIDADE-FIM, MAS ATI-
VIDADE-MEIO PARA O SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. A
ATIVIDADE EM QUESTÃO NÃO SE INCLUI NA DESCRI-
ÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO CONSTAN-
TE DO ART. 2º, III, DA LC 87/1996, POR CORRESPONDER
A PROCEDIMENTO TIPICAMENTE PROTOCOLAR, CUJA
FINALIDADE REFERE-SE A ASPECTO PREPARATÓRIO.
OS SERVIÇOS PREPARATÓRIOS, TAIS COMO HABILITA-
ÇÃO, INSTALAÇÃO, DISPONIBILIDADE, ASSINATURA,
CADASTRO DE USUÁRIO E EQUIPAMENTO, ENTRE OU-
TROS, QUE CONFIGURAM ATIVIDADE-MEIO OU SERVI-
ÇOS SUPLEMENTARES, NÃO SOFREM A INCIDÊNCIA DO
ICMS, POSTO SERVIÇOS DISPONIBILIZADOS DE SORTE
A ASSEGURAR AO USUÁRIO A POSSIBILIDADE DO USO
DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, CONFIGURANDO
AQUELES TÃO SOMENTE ATIVIDADES PREPARATÓRIAS
DESTES, NÃO INCIDINDO ICMS. INOCORRÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2º, 150, I, E 155, II, DA CF/88. DES-
PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.”266

Dessa forma, verifica-se que a doutrina majoritária e a jurisprudência


do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal são no Apud, Carrazza, Roque Antônio.
265

ICMS – sua não-incidência sobre Pres-


sentido de considerar que há incidência do ICMS sobre serviços de comu- tações de Serviços de Telecomunicação
Internacional (Serviços de Longa Dis-
nicação stricto sensu, não sendo possível, em razão da tipicidade fechada, tância Internacional), bem como sobre
estendê-las às atividades meramente acessórias ou preparatórias à comuni- os Serviços que os viabilizam (Serviços
Auxiliares). Revista Dialética de Direito
cação, na medida em que nestas não ocorre qualquer serviço de telecomu- Tributário n° 60, pp. 106 e 107.

nicação, senão de disponibilização do serviço, o que macula igualmente a 266


RE nº 572.020/DF, Relator p/ acór-
dão Ministro Luiz Fux, julgado em
cobrança ora combatida, eis que não há, sequer, fato gerador do ICMS. 06/02/2014.

FGV DIREITO RIO 181


Tributos em Espécie

Seguindo-se essa linha de raciocínio conclui-se pela ilegalidade do Con-


vênio ICMS nº 69/1998 e de quaisquer outras normas que prevejam a
incidência do ICMS sobre atividades meramente preparatórias ao serviço
de comunicação.
Por fim, saliente-se que a EC nº 42/03 incluiu a alínea “d” no inciso X
do art. 155 da CR-1988, para estabelecer a não incidência do ICMS nas
prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão so-
nora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita. Portanto, não cabe a
cobrança do ICMS sobre serviços prestados por estações de rádio e de TV
“aberta” – emissoras de canal aberto. Logo, a contrário senso, continuam
na regra de incidência do ICMS quaisquer serviços de radiodifusão ou de
TV que sejam cobrados do consumidor, como é o caso do pay-per-view,
Net, TVA, Sky, etc.

2. O ICMS e o ISS (os serviços mistos e a industrialização sob


encomenda)

2.1 Os serviços mistos

O ISS, imposto incidente sobre a prestação de serviços de qualquer na-


tureza, de competência tributária dos Municípios, recai, conforme firme ju-
risprudência, sobre os serviços elencados na lista instituída pela Lei Comple-
mentar nº 116/03 e que não estejam sujeitos à incidência do ICMS.
Assim como já enfatizado, o ICMS é o imposto que onera a prestação
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
estando inserido no âmbito de competência tributária dos Estados.
No entanto, apesar de possuírem hipóteses de incidência bem delimita-
das, não é rara a existência de dúvidas quanto à incidência de um ou de outro
imposto, em determinados casos concretos, tal como ocorre nas situações
que envolvem a prestação de serviços conjugada com o fornecimento de mer-
cadoria, ou, ainda, quando é muito tênue a diferenciação entre a prestação
de serviços e a operação de venda de mercadoria inseridas em uma mesma
atividade.
Na primeira das hipóteses indicadas, a fim de evitar conflitos de compe-
tência, por vezes, a própria legislação apresenta as diretrizes para ensejar a
incidência de um ou de outro imposto. Tal é o que ocorre, exemplificati-
vamente, com relação à atividade das empresas de construção civil: estas, ao
fornecerem mercadorias produzidas fora do local da prestação dos serviços,
são submetidas à incidência do ICMS, conforme o disposto no item 7.02 da
lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

FGV DIREITO RIO 182


Tributos em Espécie

Porém, existem situações nas quais, como já dito, é difícil saber se a ati-
vidade praticada se caracteriza por uma prestação de serviços ou pelo forne-
cimento de mercadorias. Teoricamente, costuma-se argumentar que o que
autoriza a incidência do ISS é a caracterização de uma obrigação de fazer (ou,
pelo menos, a sua predominância), enquanto para a incidência do ICMS de-
vemos ter identificada uma obrigação de dar. Ou seja, deve-se levar em conta
o que prevalece em cada caso concreto: uma obrigação de dar (fornecimento
de mercadoria) ou uma obrigação de fazer (prestação de serviços).
Apesar de o caput do art. 1° da LC nº. 116/2003 determinar que ocorre
o fato gerador do ISS na prestação de serviços constantes da Lista, “ainda
que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”, e
não obstante não haver atualmente previsão expressa no sentido da predomi-
nância como parâmetro para dirimir potencial conflito de incidência entre
estados e municípios, o STJ tem utilizado esse critério. Nesse sentido indica
o Resp nº. 139.921/PR267 relativamente às denominadas operações mistas:

TRIBUTÁRIO. PREPONDERÂNCIA DA ATIVIDADE CO-


MERCIAL SOBRE A ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SER-
VIÇO. INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTES. 1. Empresa
que tem como atividade principal o exercício de comércio, represen-
tação, importação e exportação de materiais de construção, móveis e
objetos de decoração, inclusive artesanatos, e secundária a prestação
de serviços de construção civil. 2. Transação da empresa que envol-
veu a venda do piso de madeira a um cliente e contratou os serviços
de sua aplicação. Emitiu duas faturas separadas, fazendo constar na
primeira a venda da mercadoria e na segunda o preço do serviço.
É, portanto, preponderante a atividade comercial da recorrida. 3.
Ocorrência das chamadas operações mistas, aquelas que englobam
tanto o fornecimento de mercadorias como a prestação de serviços.
4. Em sua atividade mista, em que ocorre tanto o fornecimento de
mercadorias como a prestação de serviços. Incidirá o ICMS ou o ISS
conforme prepondere o fornecimento da mercadoria (ICMS) ou a
prestação de serviços (ISS). 5. Incidência do ICMS sobre o valor
total da circulação da mercadoria a título de compra e venda, por ser
essa atividade preponderante da empresa. 6. Precedentes da Corte
Superior. 7. Recurso Provido.

O STJ tem enfrentado essas questões relativas ao conflito de competên- 267


BRASIL. Poder Judiciário. Superior
cias entre o ISS e o ICMS em diversas outras situações. Em recente acór- Tribunal de Justiça. Resp nº139.921/PR
. Rel. Min. Francisco Falcão. Rel. para o
dão da Segunda Turma está bem colocada tal diferenciação, por meio do Acórdão Min. José Delgado. j. 15.08.00.
voto condutor da Relatora Ministra Eliana Calmon, cuja ementa esclarece DJ. 02.10.00. Brasília. Disponível em
< http://www.stj.gov.br > Acesso em
(REsp 226.794/SP): 20.03.2010.

FGV DIREITO RIO 183


Tributos em Espécie

TRIBUTÁRIO - ICMS - GRAVAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE


FILMES E VIDEOTAPES - SÚMULA 135/STJ - INTERPRE-
TAÇÃO. 1. Assim como decidiu o STF em relação às fitas casse-
tes (RE 191.732-6/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence), as fitas de
vídeo, produzidas por encomenda, personalizadas para um cliente
determinado, configuram-se como prestação de serviço, sendo de-
vido o ISS. 2. Diferentemente, as fitas de vídeo produzidas em
série e vendidas ao público em geral, caracterizam-se como merca-
doria, incidindo o ICMS na venda de cada fita. 3. A Súmula 135/
STJ, ao enunciar que não incide o ICMS na gravação e distribui-
ção de filmes e videoteipes, restringe-se aos filmes e vídeos por
encomenda. 4. Recurso provido.

Em outra decisão, a Primeira Turma do STJ, com relatoria do Ministro


Garcia Vieira concluiu que incide ICMS e não ISS sobre a comercializa-
ção (mesmo que chamada de “cessão de direito de uso”) de programas de
informática (softwares) produzidos genericamente e assim postos à venda.
Ou seja, “softwares de prateleira” que não são elaborados sob encomen-
da caracterizam-se como mercadoria, sujeitando-se à incidência do ICMS
(REsp. 329.941-SP). No corpo do voto, o Ministro Relator transcreve o
acórdão unânime, proferido no Resp 123.022-RS, relator Min. José Del-
gado, que merece ser destacado:

TRIBUTÁRIO - ICMS - PROGRAMAS DE COMPUTADOR


(SOFTWARE) - CIRCULAÇÃO. 1. Se as operações envolvendo
a exploração econômica de programa de computador são realiza-
das mediante a outorga de contratos de cessão ou licença de uso
de determinado “software” fornecido pelo autor ou detentor dos
direitos sobre o mesmo, com fim específico e para atender a deter-
minada necessidade do usuário, tem-se caracterizado o fenômeno
tributário denominado prestação de serviços, portanto, sujeito ao
pagamento do ISS (item 24, da Lista de Serviços, anexo ao Decre-
to-Lei nº 406/1968). 2. Se, porém, tais programas de computação
são feitos em larga escala e de maneira uniforme, isto é, não se des-
tinando ao atendimento de determinadas necessidades do usuário
a que para tanto foram criados, sendo colocados no mercado para
aquisição por qualquer um do povo, passam a ser considerados
mercadorias que circulam, gerando vários tipos de negócio jurí-
dico (compra e venda, troca, cessão, empréstimo, locação, etc.),
sujeitando-se, portanto ao ICMS.

FGV DIREITO RIO 184


Tributos em Espécie

LEITURA OBRIGATÓRIA

CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 164-


173/ 183-212.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. São Paulo: Dialé-
tica, 11ª Ed., 2009.

MELO, José Eduardo Soares de. Imposto Sobre Serviço de Comunicação. São
Paulo: Malheiros, 2ª Edição, 2003.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição,
2011.

FGV DIREITO RIO 185


Tributos em Espécie

AULA 10. TRIBUTAÇÃO SOBRE OS SERVIÇOS DE QUALQUER


NATUREZA: ISS

ESTUDO DE CASO

Em 29/12/2016 foi editada a Lei Complementar nº 157/2016, tra-


zendo alterações na disciplina do ISS. Em meio às alterações propostas,
consta a inclusão de novos serviços passíveis de tributação pelo ISS, entre
os quais a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio,
vídeo, imagem e texto por meio da internet”.
O objetivo é o de tributar novos serviços que não constam na lista atual
anexa à Lei Complementar nº 116/03, sobretudo os serviços de internet,
como Netflix, Spotify e Apple Music, que até então não eram tributados.
Nesse cenário, tais Empresas formulam pedido de consulta ao seu
Escritório, pois acreditam que a “disponibilização (remunerada) sem ces-
são definitiva” seria uma locação, não uma prestação de serviços, de
modo que não poderiam ser submetidos à cobrança, de acordo com o
posicionamento do STF no sentido de que não há ISS na locação de
bens móveis.
Qual seria o seu parecer sobre o tema?

A) IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - ISS

1. Critérios Material

O ISS, tributo de competência municipal, tem previsão constitucional


no art. 156, III:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.
155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Acerca do ISS existe uma discussão constitucional bastante interessante


que diz respeito ao conceito de serviço. Os municípios ganharam compe-
tência para tributar serviços, desde que não sejam os serviços tributados por
ICMS e tais serviços vão estar definidos em lei complementar. A questão
centra-se, portanto, se somente os serviços previstos na Lei Complementar
116/03 podem ser tributados pelo ISS.

FGV DIREITO RIO 186


Tributos em Espécie

O STJ firmou convicção no sentido de que a tributação do ISS é taxativa


na vertical (gêneros) e exemplificativa na horizontal (espécies). Isso significa
que se um serviço não puder ser enquadrado em nenhum dos gêneros previs-
tos na lista constante da Lei Complementar 116/03, ele não pode ser tributa-
do. Entretanto, se ele se enquadrar em um gênero, mas a espécie não estiver
prevista, ele pode ser tributado. Já o STF268 firmou entendimento no sentido
de que a lista anexa à Lei Complementar 116 é taxativa, ou seja, os Municí-
pios só poderão tributar os serviços nela elencados. Apesar de taxativa, o STF
afirmou que os tópicos da lista comportam uma interpretação ampla.
Por exemplo, provedor de acesso à internet não é um serviço tributado
pelo ICMS, então ele poderia ser tributado pelo ISS, desde que se encai- 268
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS.
LEI COMPLEMENTAR: LISTA DE SER-
xasse em algum gênero da lista da Lei Complementar 116/03. Há quem VIÇOS: CARÁTER TAXATIVO. LEI COM-
defenda que esse serviço se enquadra em “serviços de informática”. É ne- PLEMENTAR 56, DE 1987: SERVIÇOS
EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTO-
cessário, no entanto, que o serviço seja previsto em lei municipal para que RIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO
CENTRAL: EXCLUSÃO. I. - É taxativa, ou
haja a cobrança. limitativa, e não simplesmente exem-
plificativa, a lista de serviços anexa à
A Lei Complementar, ao trazer normas gerais, regulou as formas e condi- lei complementar, embora comportem
ções como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos. Entre- interpretação ampla os seus tópicos.
Cuida-se, no caso, da lista anexa à
tanto, a Lei Complementar 116/03 inicialmente não usou da prerrogativa Lei Complementar 56/87. II. - Prece-
dentes do Supremo Tribunal Federal.
atribuída pelo §3º do art. 156, CF/88. Em relação a incentivos fiscais de ISS, III. - Ilegitimidade da exigência do ISS
sobre serviços expressamente excluí-
há o art. 88, II, ADCT, o qual estabelece que o município não pode conceder dos da lista anexa à Lei Complementar
beneficio fiscal que reduza a alíquota, direta ou indiretamente, para menos 56/87. IV. - RE conhecido e provido.
(RE 361829, Relator(a): Min. CARLOS
que 2%, nem mesmo a título de tributação extrafiscal. VELLOSO, Segunda Turma, julgado em
13/12/2005, DJ 24-02-2006)
A recente LC nº 157/16, em seu art. 2º, incluiu o art. 8-A na LC nº 269
“Art. 8o-A. A alíquota mínima do
116/03269 para prever que: (i) a alíquota mínima do ISS é de 2%; (ii) não Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza é de 2% (dois por cento).
pode haver isenções, incentivos ou benefícios, inclusive redução de base de § 1o O imposto não será objeto de
concessão de isenções, incentivos ou
cálculo ou crédito presumido, que resulte, direta ou indiretamente, em alí- benefícios tributários ou financei-
quota inferior a 2%, excetuando os casos previstos na norma; (iii) é nula a lei ros, inclusive de redução de base de
cálculo ou de crédito presumido ou
ou ato que não respeite as normas acima. outorgado, ou sob qualquer outra
forma que resulte, direta ou indireta-
O art. 1º da Lei Complementar 116/03 prescreve o fato gerador do ISS mente, em carga tributária menor que
a decorrente da aplicação da alíquota
como a prestação dos serviços constantes da lista anexa. Ainda que a ativida- mínima estabelecida no caput, exceto
de não se caracterize como atividade preponderante, incide o ISS. para os serviços a que se referem os
subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista
O §1º determina dispõe que incide ISS na importação e o art. 2º, I deter- anexa a esta Lei Complementar.
§ 2o É nula a lei ou o ato do Município
mina que não incide ISS na exportação. A doutrina entende que o local do ou do Distrito Federal que não respei-
te as disposições relativas à alíquota
resultado do serviço é o critério apto a caracterizar a exportação de serviço. mínima previstas neste artigo no caso
de serviço prestado a tomador ou in-
Com relação à importação de serviços, o art. 1º, §1º determina que o termediário localizado em Município
ISS incide sobre o serviço proveniente do exterior do país ou cuja pres- diverso daquele onde está localizado o
prestador do serviço.
tação se tenha iniciado no exterior. O sujeito passivo na importação é o § 3o A nulidade a que se refere o § 2o
deste artigo gera, para o prestador do
tomador do serviço, sendo o sujeito ativo o município de seu domicílio, serviço, perante o Município ou o Distri-
to Federal que não respeitar as disposi-
conforme previsão do art. 3º, I, da Lei Complementar 116/03. O toma- ções deste artigo, o direito à restituição
dor de serviço será o responsável pelo pagamento, já que não é ele quem do valor efetivamente pago do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza
pratica o fato gerador. calculado sob a égide da lei nula.”

FGV DIREITO RIO 187


Tributos em Espécie

Ao contrário do ICMS, que tem um fato gerador específico para a impor- 270
LC 116/03, Art. 3º O serviço conside-
tação, o ISS não estabelece esse fato gerador específico. Quando o serviço é ra-se prestado e o imposto devido no
local do estabelecimento prestador ou,
prestado por não residente ou domiciliado, entende-se que o serviço é prove- na falta do estabelecimento, no local
do domicílio do prestador, exceto nas
niente do exterior, cabendo tributação do ISS. A doutrina tem olhado para hipóteses previstas nos incisos I a XXII,
o resultado efetivo do serviço, o que, se tiver sido dentro do Brasil, pode ser quando o imposto será devido no local:
I – do estabelecimento do tomador ou
importação e se tiver sido fora do Brasil, pode ser exportação. intermediário do serviço ou, na falta
de estabelecimento, onde ele estiver
Há, ainda, a discussão acerca das operações mistas, as quais envolvem, domiciliado, na hipótese do § 1o do art.
1o desta Lei Complementar;
ao mesmo tempo, a circulação de mercadorias e a prestação de serviços. A II – da instalação dos andaimes, palcos,
CF/88 define que se o serviço estiver na lista, será objeto de incidência do coberturas e outras estruturas, no caso
dos serviços descritos no subitem 3.05
ISS sobre o valor total da operação, incidindo inclusive sobre a parcela de da lista anexa;
III – da execução da obra, no caso dos
circulação da mercadoria. Se o serviço não estiver na lista, incide o ICMS serviços descritos no subitem 7.02 e
sobre o valor total da operação. Existem, porém, exceções específicas na lista 7.19 da lista anexa;
IV – da demolição, no caso dos ser-
de serviços constante da Lei Complementar 116/03, nas quais ocorre a dupla viços descritos no subitem 7.04 da
lista anexa;
tributação, recaindo o ICMS sobre a mercadoria e o ISS sobre os serviços. V – das edificações em geral, estradas,
pontes, portos e congêneres, no caso
dos serviços descritos no subitem 7.05
da lista anexa;
VI – da execução da varrição, coleta,
2. Critério Temporal remoção, incineração, tratamento, re-
ciclagem, separação e destinação final
de lixo, rejeitos e outros resíduos quais-
quer, no caso dos serviços descritos no
O critério temporal do ISS é o momento da ocorrência do fato descrito no subitem 7.09 da lista anexa;
critério material, ou seja, momento da prestação do serviço. Assim, não deve VII – da execução da limpeza, manu-
tenção e conservação de vias e logra-
ser considerado como critério temporal o momento da realização do negócio douros públicos, imóveis, chaminés,
piscinas, parques, jardins e congêneres,
jurídico (contrato de prestação de serviço) ou aquele do pagamento. no caso dos serviços descritos no subi-
Assim, a lei municipal, ao definir o momento da incidência do ISS, deve tem 7.10 da lista anexa;
VIII – da execução da decoração e jardi-
estabelecer critério temporal somente após verificação da ocorrência do fato nagem, do corte e poda de árvores, no
caso dos serviços descritos no subitem
gerador, em consonância com o disposto no art. 116 do CTN. Antes da 7.11 da lista anexa;
IX – do controle e tratamento do
ocorrência do fato, não há relação jurídica tributária. Nos serviços de execu- efluente de qualquer natureza e de
ção parcelada, a lei pode estabelecer momentos diferentes da ocorrência do agentes físicos, químicos e biológicos,
no caso dos serviços descritos no subi-
critério material. Ou seja, poderá se estabelecer a incidência do ISS após a tem 7.12 da lista anexa;
X – (VETADO)
conclusão de determinada etapa, período ou parcela. XI – (VETADO)
XII – do florestamento, reflorestamen-
to, semeadura, adubação e congêneres,
no caso dos serviços descritos no subi-
tem 7.16 da lista anexa;
3. Critério Espacial XIII – da execução dos serviços de esco-
ramento, contenção de encostas e con-
gêneres, no caso dos serviços descritos
A definição sobre qual o critério espacial e o Município competente é no subitem 7.17 da lista anexa;
XIV – da limpeza e dragagem, no caso
a maior discussão relativa ao ISS. O Decreto-Lei 406/68, no art. 12, de- dos serviços descritos no subitem 7.18
da lista anexa;
terminava que o serviço considera-se prestado e o ISS devido no local do XV – onde o bem estiver guardado ou
estacionado, no caso dos serviços des-
estabelecimento prestador, exceto nos casos de construção civil. O STJ, no critos no subitem 11.01 da lista anexa;
entanto, sob a égide do Decreto-Lei 406/68, havia construído jurisprudência XVI – dos bens ou do domicílio das
pessoas vigiados, segurados ou moni-
no sentido de que o ISS era devido no efetivo local da prestação do serviço. torados, no caso dos serviços descritos
no subitem 11.02 da lista anexa;
Posteriormente, com o advento da Lei Complementar 116/03, foi esta- XVII – do armazenamento, depósito,
belecido no artigo 3°270 que o serviço considera-se prestado e o tributo devi- carga, descarga, arrumação e guarda
do bem, no caso dos serviços descritos
do no local do estabelecimento prestador. Entretanto, a Lei Complementar no subitem 11.04 da lista anexa;

FGV DIREITO RIO 188


Tributos em Espécie

previu diversas exceções a esta regra em seus incisos. Essas exceções são hipó-
teses em que existe um resultado material, um resultado corpóreo e para as
quais o ISS é devido no local da efetiva prestação do serviço.
As decisões mais recentes do STJ têm sido no sentido de o critério espacial
e o Município competente para a cobrança é aquele do local do estabeleci-
mento prestador, salvo as exceções estabelecidas em lei:

TRIBUTÁRIO - ISS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - CONS-


TRUÇÃO CIVIL - PROJETO, ASSESSORAMENTO NA LICI-
TAÇÃO E GERENCIAMENTO DA OBRA CONTRATADA -
COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO ONDE SE REALIZOU O
XVIII – da execução dos serviços de
SERVIÇO DE CONSTRUÇÃO - CONTRATO ÚNICO SEM diversão, lazer, entretenimento e con-
DIVISÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS. gêneres, no caso dos serviços descritos
nos subitens do item 12, exceto o 12.13,
1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 da lista anexa;
XIX – do Município onde está sendo
era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado executado o transporte, no caso dos
serviços descritos pelo subitem 16.01
pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da da lista anexa;
sede do prestador do serviço (art. 3º). XX – do estabelecimento do tomador
da mão-de-obra ou, na falta de estabe-
2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou de- lecimento, onde ele estiver domiciliado,
no caso dos serviços descritos pelo subi-
pois da lei complementar, o imposto é devido no local da cons- tem 17.05 da lista anexa;
XXI – da feira, exposição, congresso
trução (art.12, letra "b" do DL 406/68 e art.3º, da LC 116/2003) ou congênere a que se referir o plane-
(REsp 1117121/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEI- jamento, organização e administração,
no caso dos serviços descritos pelo su-
RA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 29/10/2009) bitem 17.10 da lista anexa;
XXII – do porto, aeroporto, ferroporto,
terminal rodoviário, ferroviário ou me-
troviário, no caso dos serviços descritos
Entretanto, iniciou-se discussão acerca do significado de estabelecimento pelo item 20 da lista anexa.
prestador. A definição de estabelecimento prestador encontra-se no art. 4º, 271
Art. 6o Os Municípios e o Distrito
Federal, mediante lei, poderão atribuir
Lei Complementar 116/03, para o qual “considera-se estabelecimento presta- de modo expresso a responsabilidade
dor o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva
modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou pro- obrigação, excluindo a responsabili-
dade do contribuinte ou atribuindo-a
fissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, a este em caráter supletivo do cum-
primento total ou parcial da referida
agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou obrigação, inclusive no que se refere à
quaisquer outras que venham a ser utilizadas”. multa e aos acréscimos legais.
§ 1o Os responsáveis a que se refere
este artigo estão obrigados ao reco-
lhimento integral do imposto devido,
multa e acréscimos legais, indepen-
dentemente de ter sido efetuada sua
4. Critério Pessoal retenção na fonte.
§ 2o Sem prejuízo do disposto no caput
e no § 1o deste artigo, são responsáveis:
O art. 5º da Lei Complementar 116/03 define o prestador do serviço I – o tomador ou intermediário de
serviço proveniente do exterior do País
como contribuinte do ISS. O art. 6º permite que o tomador dos serviços seja ou cuja prestação se tenha iniciado no
exterior do País;
responsável, pois ele está diretamente ligado ao fato gerador, bastando apenas II – a pessoa jurídica, ainda que imune
ou isenta, tomadora ou intermediária
uma lei para defini-lo como responsável. O próprio §2º já estabelece algumas dos serviços descritos nos subitens
hipóteses de responsabilidade tributária dos tomadores, por exemplo, nos 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12,
7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02,
serviços de limpeza e vigilância271. 17.05 e 17.10 da lista anexa.

FGV DIREITO RIO 189


Tributos em Espécie

Paulsen sublinha que, em razão do próprio conceito de serviços, “não são


contribuintes os que prestam serviços em relação de emprego, os trabalhadores
avulsos, os diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de
sociedades e fundações, bem como os sócios-gerentes e gerentes-delegados, cujas
características são colhidas em outros diplomas jurídicos (..)”272
O polo ativo, por sua vez, é ocupado, regra-geral, pelo Município no qual
esteja localizado o estabelecimento prestador do serviço, salvos as exceções
em que se considere a incidência do ISS no local da prestação do serviço.
Nesta hipótese, o sujeito ativo do ISS será o Município no qual se verifica a
prestação do serviço.

5. Critério Quantitativo

A base de cálculo, conforme art. 7º, Lei Complementar 116/03 é o preço


do serviço. Destaque-se que o preço do serviço não inclui valores recebi-
dos que não representem remuneração do serviço prestado. Nas palavras do
professor Leandro Paulsen: “no cálculo do tributo, não devem ser incluídos os
valores relativos a seguro, juros e quaisquer outras importâncias recebidas ou
debitadas – como multas e indenizações -, pois tais verbas tem natureza jurídica
diversa (financeira, ressarcitória) do respectivo preço contratual”273
Uma discussão interessante diz respeito à possibilidade do ISS fixo com re-
lação aos serviços em que esta prática era permitida pelo Decreto-Lei 406/68,
em seu art. 9º. É o caso de serviços prestados por sociedades uniprofissionais
ou sociedades profissionais autônomas, para as quais o imposto era fixo e
relativo a cada profissional. O entendimento dominante é o de que a Lei 272
PAULSEN, Leandro e MELO, José
Eduardo Soares de. Impostos federais,
Complementar 116/03 não revogou o art. 9º do Decreto-Lei 406/68, mas estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
revogou a Lei Complementar 56 que deu nova redação ao §3º, art. 9º. O atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado editora, 2011. p. 334.
entendimento jurisprudencial que prevalece, dessa forma, é o de que a pre- 273
PAULSEN, Leandro e MELO, José
visão do §3º, art. 9º, do Decreto-Lei 406/68 ainda é valida, podendo essas Eduardo Soares de. Impostos federais,
estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
sociedades recolher o tributo fixo274. atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado editora, 2011. p. 341
Com relação às alíquotas, a CF/88 prevê no §3º do art. 156 que a Lei
274
Superior Tribunal de Justiça. REsp
Complementar deve fixar alíquotas máximas e mínimas do ISS. A Lei Com- 713.752. 2ª Turma. Relator Ministro
plementar 116/03, em seu art. 8º, fixou alíquota máxima de 5%, não tendo João Otávio Noronha. Julgamento em
23/05/2006. DJU 18/08/2006.
sido fixada alíquota mínima. (...) As sociedades uniprofissionais
somente têm direito ao cálculo dife-
O art. 88, do ADCT determina que enquanto a Lei Complementar não renciado do ISS, previsto no artigo 9º,
parágrafo 3º, do Decreto-Lei nº 406/68,
fixar alíquota mínima, essa será de 2% do valor do serviço. Dessa forma, a quando os serviços são prestados em
alíquota máxima é 5% e a mínima é 2%. caráter personalíssimo e, assim, presta-
dos no próprio nome dos profissionais
Os serviços que estavam previstos nos itens 32, 33 e 34 no Decreto-Lei habilitados ou sócios, sob sua total e
exclusiva responsabilidade pessoal e
406/68, os quais são mencionados como exceções no art. 88, ADCT, têm cor- sem estrutura ou intuito empresarial”
respondência na Lei Complementar 116/03 (itens 7.02, 7.04 e 7.05), então, no (EREsp 866286/ES, Rel. Ministro HA-
MILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO,
que se refere a tais serviços, pode ser cobrada uma alíquota mais baixa que 2%. julgado em 29/09/2010)

FGV DIREITO RIO 190


Tributos em Espécie

6. A Discussão sobre o software e os novos serviços tecnológicos

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar como os softwares deveriam


ser tributados nas últimas décadas275, se posicionou no sentido de que “a
produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do cor-
pus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam
licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações
de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS”.
Ocorre que essa definição clássica, no sentido de que os denominados
“softwares de prateleira” deveriam ser tributados pelo ICMS não se torna
mais relevante para o atual cenário tecnológico, em que os softwares não são
mais adquiridos como simples mercadorias em lojas.
No atual cenário tecnológico, em que os softwares são adquiridos mais
sob processos de download/licenças do que mercadorias, é necessário se dis-
cutir se essa nova forma de aquisição estará sujeita ao ICMS ou ao ISS.
Em 29/12/2015, foi publicado o Convênio CONFAZ nº 181/2015,
em que os Estados da Federação determinaram que o ICMS continuaria
incidindo nas operações envolvendo softwares, independentemente da sua
forma de aquisição.
Por outro lado, em 29/12/2016 foi editada a Lei Complementar nº
157/2016, a qual, entre outras questões, incluiu novos serviços a serem
tributados pelo ISS, entre eles os serviços descritos nos itens 1.03 e 1.04,
que assim dispõem:

1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados,


textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de
informação, entre outros formatos, e congêneres.
1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jo-
gos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da
máquina em que o programa será executado, incluindo tablets,
smartphones e congêneres.

Não bastasse isso tudo e agora com a possibilidade de exigir o ISS sobre
esse “licenciamento do software”, os Municípios passaram a editar leis muni-
cipais replicando essa previsão legal, na tentativa de aumentar a sua arrecada-
ção, a exemplo da Lei Municipal nº 6.263/2017, aprovada em 11/10/2017
no Município do Rio de Janeiro e a Lei Municipal nº 16.757/2017, publi-
cada em 15/11/2017.
Além disso tudo, a Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo ainda 275
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
RE 176626/SP. Rel. Min. Sepúlveda Per-
editou o Parecer Normativo nº 1/2017, no qual reiterou o entendimento de tence. j. 10/11/1998. Primeira Turma.
que as operações envolvendo softwares estarão sujeitas ao ISS, independente BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE
199464/SP. Rel. Min. Ilmar Galvão. j.
da sua forma de aquisição, nos seguintes moldes: 02/03/1999. Primeira Turma

FGV DIREITO RIO 191


Tributos em Espécie

Art. 1º O Licenciamento ou cessão de direito de uso de progra-


mas de computação, por meio de suporte físico ou por transfe-
rência eletrônica de dados (“download de software”), ou quando
instalados em servidor externo (“Software as a Service – SaaS”),
enquadra-se no subitem 1.05 da lista de serviços do “caput” do
artigo 1º da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003.
Parágrafo único. O enquadramento a que se refere o “caput”,
no tocante ao SaaS, não prejudica o enquadramento de parte da
sua contratação nos subitens 1.03 e 1.07 da lista de serviços do
“caput” do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 2003.
Art. 2º O enquadramento tratado no artigo 1º deste parecer nor-
mativo independe de o software ter sido programado ou adapta-
do para atender à necessidade específica do tomador (“software
por encomenda”) ou ser padronizado (“software de prateleira ou
‘off the shelf’”).
Art. 3º Este Parecer Normativo, de caráter interpretativo, é im-
positivo e vinculante para todos os órgãos hierarquizados desta
Secretaria, e revoga as disposições em contrário bem como as
Soluções de Consulta emitidas antes da publicação deste ato e
com ele em desacordo, independentemente de comunicação aos
consulentes.

Em resposta à essa manifestação, o Estado de São Paulo proferiu a Decisão


Normativa CAT nº 4/2017, em que reiterou o seu entendimento de que as
operações que envolvem a utilização de software na nuvem (Saas) estão sujei-
tas à incidência do ICMS, in verbis:

1. Em relação aos softwares, é possível distinguir dois tipos de pro-


dutos: (i) softwares desenvolvidos sob encomenda, em relação aos
quais há preponderância de serviços, já que produzidos especial-
mente para atender as especificidades do contratante; e (ii) softwares
prontos que, uma vez desenvolvidos, são vendidos em larga escala,
com pouca ou nenhuma adaptação às necessidades do consumidor
que os adquire.
2. Com base nessa distinção, a jurisprudência definiu que:
2.1. está sujeito ao ISS apenas o desenvolvimento de software sob
encomenda, isto é, os programas de computador elaborados de for-
ma personalizada;
2.2. a ausência de personalização insere o software em uma cadeia
massificada de comercialização, outorgando-lhe natureza mercantil
e, portanto, sujeito a incidência do ICMS.

FGV DIREITO RIO 192


Tributos em Espécie

3. No que se refere à forma de comercialização, os softwares não


personalizados podem ter suas cópias distribuídas em larga escala
por meio físico ou serem negociados em meio digital, tanto por do-
wnload como por streaming (utilização do software "na nuvem").
Essa alteração, no entanto, não tem o condão de descaracterizar a
natureza de produto desse tipo de software (mercadoria). A circuns-
tância de o adquirente instalar o software (de loja física ou virtual)
em sua máquina (download) ou utilizá-lo "na nuvem" por meio de
internet (streaming) não descaracteriza a natureza jurídica da opera-
ção como comercialização de software pronto.
4. Portanto, há incidência do ICMS nas operações com softwares,
programas, aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos eletrônicos, pa-
dronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, independen-
temente da forma como são comercializados.

Dessa forma, nesse cenário de constante conflito decorrente das novas tec-
nologias, se torna necessária uma definição legal de caráter nacional para que
os contribuintes tenham uma segurança jurídica sobre qual imposto incidirá
em suas operações.
Em que pese o STF ainda não tenha se posicionado de forma específica
e definitiva sobre o tema, em 26/05/2010 foi julgada a Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, em que a Suprema Corte de-
cidiu não suspender a eficácia da Lei Estadual nº 7.098/98, do Mato Grosso,
que previa a incidência do ICMS sobre a aquisição de software por meio de
transferência eletrônica de dados, ou seja, admitiu em caráter liminar a inci-
dência do imposto estadual.
Portanto, essa é uma questão que ainda será objeto de muito debate na
doutrina e em especial no Poder Judiciário, que deverá se posicionar no fu-
turo sobre o ente político competente para tributar e a exata carga tributária
nessas novas operações envolvendo softwares.
Por fim, vale destacar que a tecnologia também passou a criar hipóteses de
incidência que até então não possuíam uma previsão legal específica, a exem-
plo do Netflix e do Spotify, que são programas mundialmente famosos, mas
que, no Brasil, não possuíam uma legislação tributária específica.
Essa situação foi parcialmente sanada com a edição da Lei Complementar
nº 157/2016, que passou a prever que as seguintes atividades estariam sujei-
tas à incidência do ISS:

1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áu-


dio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imu-
nidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de con-
teúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que
trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).

FGV DIREITO RIO 193


Tributos em Espécie

Em que pese os Municípios ainda estejam regulamentando tal lei comple-


mentar em seu âmbito municipal, a situação não está totalmente pacificada,
visto que ainda há uma discussão sobre se essas atividades efetivamente se-
riam serviços prestados por essas empresas.
Os defensores dessa linha de entendimento argumentam que tais em-
presas não estariam prestando serviços, mas apenas e tão somente autori-
zando o acesso de terceiros ao seu conteúdo próprio, em uma equiparação
ao instituto da locação.
Como o Supremo Tribunal Federal já definiu, até mesmo com a edição da
Súmula Vinculante nº 31, que “é inconstitucional a incidência do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de
bens móveis”, há quem defenda que esse entendimento também deve ser
aplicado para o Netflix e o Spotify, a fim de ver declaradas inconstitucionais
essas cobranças.
Entretanto, vale lembrar que essa questão ainda está sob intenso debate
e precisará ser pacificada pelo Poder Judiciário nos próximos anos, a fim de
que os contribuintes possam saber com exatidão qual será o custo tributário
decorrente da sua atividade.

questões

1) A empresa Demolis, sediada unicamente em Fortaleza – CE, é espe-


cialista em demolição de edifícios e foi contratada pela empresa Prédio
Velho, sediada em Contagem – MG, para realizar a demolição de um
prédio localizado no município de Cuiabá – MT, tendo sido o respec-
tivo contrato firmado em Belém – PA. Nessa situação hipotética, a que
município será devido o ISS incidente sobre a demolição e quem será
o responsável pelo pagamento do tributo, caso o município credor da
obrigação não tenha norma específica sobre a responsabilidade? Justifi-
que sua resposta (36º Exame OAB)

2) Lei Municipal n. XYZ, publicada em 20/09/2010, alterou a cobrança


do ISS para os advogados. A lei definiu que, a partir de 2011, a base de
cálculo dos serviços prestados por advogados será o preço do serviço,
qual seja, o valor dos honorários profissionais recebidos.Com base na
situação hipotética, emita parecer acerca da legalidade do diploma legal
em questão. Caso entenda pela ilegalidade da cobrança, que medida(s)
judicial(ais) um advogado pode propor para suspender a cobrança do
tributo? (42º Exame OAB)

FGV DIREITO RIO 194


Tributos em Espécie

3) O Laboratório de Análises Clínicas Almeida Silva Ltda., cuja sociedade


é constituída por 3 (três) sócios, um médico, um farmacêutico e uma
empresária, explora, no ramo da medicina, serviços de análises clínicas,
em caráter empresarial, mantendo, para tanto, várias filiais em funcio-
namento em diversas municipalidades de determinada região do país.
Ocorre que, a partir de março/2011, a referida empresa, na qualidade de
contribuinte do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN,
deixou de recolher o respectivo tributo, dando origem a diversas autua-
ções fiscais, que geraram defesas administrativas no sentido de que o ISS
deveria ser calculado e recolhido como tributo fixo, ou seja, com base em
um valor fixo previsto na legislação municipal pertinente a ser calculado
em relação a cada sócio, não devendo ser considerado, para fins de apura-
ção do imposto, o valor do serviço praticado pela empresa com incidência
da alíquota correspondente à sua atividade. Esclareça se o laboratório tem
ou não direito a realizar o recolhimento na forma pretendida. Justifique,
com base na legislação tributária pertinente. (IV Exame Unificado OAB)

4) Uma construtora com sede no Município do Rio de Janeiro constrói um


edifício sob regime de empreitada na cidade de Nova Iguaçu, onde não
possui estabelecimento. A competência para a imposição do Imposto Mu-
nicipal Sobre Serviços (ISS) caberá à municipalidade (Exame OAB 2010-3)
a) do Rio de Janeiro, porque é o município onde a construtora tem a sua
sede social.
b) de Nova Iguaçu, porque é o local onde foi construído o edifício.
c) do Rio de Janeiro, porque construção civil não é prestação de serviços.
d) do Rio de Janeiro, porque a construtora não tem estabelecimento em
Nova Iguaçu e, em razão do princípio da territorialidade, não pode ser
exigido o tributo sobre contribuintes estabelecidos fora do território de
cada Ente Federado.

5) Instituição financeira Bling Bling S.A insurge-se por meio de ação anu-
latória de débito fiscal em face de auto de infração lavrado por agente do
fisco municipal, que fora expedido em decorrência da ausência do reco-
lhimento do Imposto Sobre Serviço sobre as tarifas cobradas pelo banco
pela atividade de análise, cadastro, controle e processamento, prestada na
elaboração de contrato de adiantamento de crédito para clientes que se
encontram sem fundos em suas contas bancárias. A empresa alega, em
síntese, que não procede a cobrança, tendo em vista que o aludido serviço
não configura hipótese de incidência de nenhuma forma de tributo, em
especial o ISS, por não constar expressamente previsto na lista de serviços
anexa à Lei Complementar 116/03. Responda se o pleito da demandante
deve ser acolhido, empregando os fundamentos legais cabíveis. (VI Exame
unificado da OAB, FGV Projetos)

FGV DIREITO RIO 195


Tributos em Espécie

6) A empresa Vídeo Locadora, estabelecida no Município Y, tem como ati-


vidade principal a locação de fitas de vídeo, dvd´s e congêneres, estando
tal atividade prevista em item específico da Lista de Serviços anexa à Lei
Complementar do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, desta
Municipalidade. Todavia a empresa, por meio de seu representante legal,
entende que a sua atividade estaria fora do campo de incidência do ISS,
razão pela qual pretende suspender o seu pagamento. A empresa ainda
não foi notificada pelo Fisco e também nunca pagou o tributo. O entendi-
mento da empresa está correto? Em caso afirmativo, qual(is) demanda(s) a
ser(em) proposta (s)? Justifique (42º Exame de Ordem – 2ª Fase)

LEITURA OBRIGATÓRIA

Barreto, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo:


Saraiva, 2009, p. 315-380.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Barreto, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009.

MELO, José Eduardo Soares de. ISS - Aspectos Teóricos e Práticos. São
Paulo: Dialética, 5ª Ed. 2008

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Esta-
duais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição, 2011

FGV DIREITO RIO 196


Tributos em Espécie

AulaS 11 E 12. tributação sobre a Renda: irpj e csll

ESTUDO DE CASO

A sociedade TOP Brasil é controladora de uma sociedade localizada no


exterior, em país de tributação que não se enquadra na lista de paraísos fis-
cais/tributação favorecida. Considerando que a sociedade localizada no exte-
rior auferiu lucros no ano-calendário 2011, a Receita Federal do Brasil, em
procedimento de fiscalização, questionou a razão pela qual tais valores não
foram tributados no Brasil e, em resposta aos questionamentos formulados,
a TOP Brasil informou que os lucros não foram disponibilizados, tendo sido
reinvestidos no país de origem. Não obstante o referido esclarecimento, o
Fiscal lavrou Auto de Infração, com base no art. 74 da MP nº 2.158/01, o
qual dispõe que "os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior
serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Bra-
sil na data do balanço no qual tiverem sido apurados". Cabe observar que o
artigo 74 da MP 2.158/01 foi revogado pela Lei 12.973/14, em que pese os
seus artigos 76 e 77 terem mantido a regra de tributação dos lucros auferidos
pelas controladas residentes no exterior. Pergunta-se: essa cobrança é válida?
Analise com base nos dispositivos legais e constitucionais. Vide STF ADI
2588, RE 541.090 e STJ REsp nº 983.134/RS.

A) NORMAS GERAIS DO IR

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza encontra-se


constitucionalmente previsto no art.153 da CF/88, que preleciona o seguinte:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


III - renda e proventos de qualquer natureza;

Da leitura do texto constitucional, podemos já extrair que o critério ma-


terial do Imposto sobre a Renda é o fato de “auferir renda e proventos de
qualquer natureza”. Assunto importante a ser tratado, portanto, é o conceito
de renda previsto pela Constituição. Apesar da Carta Magna não ter trazido
expressamente um conceito de renda, muito se discute se, ao dar a competên-
cia para instituição do imposto à União, a Constituição já teria estabelecido
um conteúdo mínimo à palavra renda. Assim, grande parte da doutrina276
defende que a Constituição trouxe um o conceito implícito de renda no sen- 276
Dentre os autores que defendem que
a Constituição traz um conceito implí-
tido de acréscimo patrimonial, ou seja, como a diferença entre as receitas cito de renda como acréscimo patri-
(entradas) e as despesas (saídas), seja da pessoa física, seja da pessoa jurídica, monial encontram-se: Roque Antônio
Carrazza, Paulo de Barros Carvalho e
durante um determinado período de tempo. Luiz César Souza de Queiroz.

FGV DIREITO RIO 197


Tributos em Espécie

Neste sentido Carrazza (2009, p. 39) conceitua renda como “os ganhos
econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela com-
binação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas
em seu patrimônio, num certo lapso de tempo”.
A Constituição ainda prevê no art. 153, § 2º, I que o Imposto de Renda
será “informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progres-
sividade, na forma da lei”.
O fato de ser regido pelo princípio da generalidade significa que o Imposto
de Renda deve alcançar todas as pessoas que praticarem a hipótese de incidên-
cia do tributo, ou seja, que auferirem renda ou provento de qualquer natureza.
Já o critério da universalidade orienta que o Imposto sobre a Renda deve
abranger todo e qualquer ganho recebido pelo sujeito passivo, sem fazer qual-
quer distinção entre nomenclatura, tipo, origem, espécies de ganhos, etc. Ou
seja, por este princípio nenhuma renda deve ficar de fora da base de cálculo
do imposto. Assim, mesmo as rendas auferidas fora do território nacional
devem ser oferecidas à tributação no Brasil, salvo eventuais acordos de bitri-
butação. Neste sentido, Carrazza afirma que “o imposto há de incidir, pois,
sobre todos os rendimentos auferidos, sujeitando-os a um mesmo tratamento
fiscal”277. E continua dizendo que “não há a possibilidade jurídica de segregar
a espécie de renda obtida, tributando-a por critérios diferentes, isto é, por
meio de alíquotas diferenciadas ou variações de bases de cálculo”278.
Por fim, a progressividade determina que quanto maior a renda auferi-
da (base de cálculo), maior será a alíquota que recairá sobre ela. Ou seja, a
alíquota será tanto maior quanto maior for a renda do sujeito passivo. Este
princípio tem estreita ligação com princípios como da igualdade e da capa-
cidade contributiva e faz com que o Imposto de Renda tenha um caráter
pessoal e seja instrumento de uma redistribuição de renda.
Com relação às normas gerais do IR, o CTN assim dispõe sobre o seu
fato gerador:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e pro-


ventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da
disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou
da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acrésci-
mos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Especificamente ao critério espacial deste tributo, é preciso trazer as lições 277


CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto
do art. 43 § 1º do CTN, que dispõe: “a incidência do imposto independe da sobre a Renda (perfil constitucional e
temas específicos). São Paulo: Malhei-
denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou ros, 2009, p. 70.

nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”. Ibid., p. 70.


278

FGV DIREITO RIO 198


Tributos em Espécie

Este artigo prevê a aplicação ao IR do princípio da extraterritorialidade.


Em razão deste princípio, o Imposto de Renda pode recair sobre todas as
rendas auferidas por residentes brasileiros em qualquer parte do mundo. Da
mesma forma, também serão tributados pelo IR brasileiro os rendimentos
auferidos no Brasil por residente no estrangeiro. Assim, se um residente bra-
sileiro auferir renda na Polônia, terá que declará-lo e submetê-lo à respectiva
tributação no Brasil (salvo se os dois países tiverem acordo contra a bitribu-
tação, hipótese na qual a renda será tributada em apenas um dos dois países
ou conforme o que previsto no tratado).
O terceiro elemento da regra-matriz do imposto sobre a renda é o critério
temporal. Conforme visto acima, intrínseco ao próprio conceito de renda
está a noção de lapso temporal imprescindível para a definição do acréscimo
patrimonial verificado por determinado sujeito. Em outras palavras, para se
realizar o confronto entre as entradas e saídas, necessário para se apurar a
renda auferida pelo individuo, será preciso se fazer uma análise durante um
lapso temporal definido. O critério temporal do tributo será, portanto, “o
derradeiro momento do ultimo dia relativo ao período de competência, ou seja,
no átimo final do exercício financeiro” (Carvalho, 2007). Assim, conforme
veremos a seguir, o critério temporal será diferente caso se tratar de pessoa
jurídica ou física e, entre as pessoas jurídicas, dependerá do regime de tribu-
tação escolhido por ela (lucro presumido ou real).
Passemos agora à análise do consequente da regra-matriz do Imposto so-
bre a Renda. No critério pessoal, temos como sujeito ativo a mesma pessoa
política detentora da competência tributária para instituí-lo - a União Fede-
ral, que administrará o recolhimento e administração do tributo através da
Receita Federal do Brasil. Já o sujeito passivo será, a princípio, a pessoa que
realizar o fato descrito no critério material – aquele que auferir renda – in-
dependentemente de ser pessoa física ou jurídica. Neste sentido o art. 45 do
CTN dispõe que:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a


que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição
ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou
dos proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou
dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto
cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Já no que diz respeito ao critério quantitativo, a base de cálculo será o va-


lor da renda verificada pela pessoa no instante descrito pelo critério temporal.

Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado


ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

FGV DIREITO RIO 199


Tributos em Espécie

Tendo em vista que, conforme vimos acima, o conceito de renda equi-


vale a acréscimo patrimonial, para se aferir a base de cálculo do imposto
haverá que se fazer o confronto de todas as receitas (entradas) recebidas
pela pessoa física ou jurídica e das despesas (saídas) permitidas pela lei, para
se chegar à base de calculo do Imposto sobre a Renda. No caso das pessoas
jurídicas, portanto, a base de cálculo do Imposto de Renda será o lucro
presumido, arbitrado ou real, dependendo do regime de apuração à que a
pessoa esteja submetido.
Por fim, as alíquotas aplicáveis serão aquelas previstas em lei. No caso da
pessoa física, as alíquotas são progressivas em razão do aumento da base de
cálculo, ou seja, quanto maior a renda auferida, maior será a alíquota apli-
cada. Já a alíquota referente às pessoas jurídicas é fixa com base no seu lucro
real, presumido ou arbitrado, havendo uma alíquota adicional no caso da
base de cálculo ultrapassar determinado montante estipulado em lei.

B) REGIMES DE TRIBUTAÇÃO

A tributação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica pode ser feita por meio
de três formas de apuração: lucro presumido, lucro real e lucro arbitrado.
Vejamos as peculiaridades de cada uma.

1) Lucro presumido

O regime do Lucro Presumido é uma forma de tributação simplificada


e opcional. Ela se baseia numa presunção legal de lucratividade para fins de
cálculo da base de cálculo do Imposto de Renda. Assim, independe dos re-
sultados apurados contabilmente.
O regime de apuração é trimestral em 31/03, 30/06, 30/09 e 31/12 de
cada ano. Apesar de ser um regime facultativo, a permanência na opção é
obrigatória por todo o ano-calendário.
A partir de 2014, para a pessoa jurídica submeter os seus rendimentos à sis-
temática do Lucro Presumido, terá que ter uma receita total, no ano-calendá-
rio anterior, igual ou inferior a R$ 78.000.000,00, segundo a Lei 12.814/13.
A apuração com base no lucro presumido se dá da seguinte maneira: a
base de cálculo do IRPJ é determinada mediante a aplicação de determinados
percentuais previstos em lei (presunção de lucro) à receita bruta mensal do
contribuinte. Após se chegar à base de cálculo, se aplica a alíquota de 15%
do IRPJ, mais o adicional de 10% para a parcela da base de cálculo que ul-
trapassar o valor de R$ 60.000,00.

FGV DIREITO RIO 200


Tributos em Espécie


Cálculo:

Receita Bruta X % atividade = Lucro sobre a Receita Bruta

(+) Ganhos de capitais, Rendimentos e ganhos líquidos


auferidos em aplicações financeiras e todos os resultados
positivos decorrentes de atividades assessórias da PJ;

(+) Demais receitas, rendimentos e resultados positivos au-


feridos no trimestre, inclusive juros sobre o capital próprio.

(=) Lucro Presumido X 15% = IR devido

Considera-se como Receita Bruta para fins de aplicação da alíquota do


lucro presumido o i) produto da venda de bens nas operações de conta
própria, ii) o preço dos serviços prestados e iii) resultado auferido nas
operações de conta alheia (ex: comissões obtidas sobre representação de
bens ou serviços de terceiros). Da receita bruta deve-se excluir o valor
pago a título de IPI, ICMS no regime de substituição tributária, vendas
canceladas e devoluções bem como descontos incondicionais.
As alíquotas de presunção do lucro a serem aplicadas sobre a receita
bruta dependem da atividade que deu origem à receita, de acordo com a
seguinte tabela:

• Revenda, para consumo, de combustível 1,6%


• Venda de mercadorias ou produtos – comércio
• Transporte de cargas
• Serviços hospitalares
8%
• Atividade Rural
• Construção Civil com emprego de material
• Atividades imobiliárias (venda)
• Serviços de Transporte de passageiros
16%
• Prestação de serviço exclusivo com receita inferior a R$120mil
• Serviços em geral
• Intermediação de negócios
32%
• Administração, locação ou cessão de bens imóveis, móveis
e direitos - Construção Civil – mão de obra

FGV DIREITO RIO 201


Tributos em Espécie

Sublinhe-se o fato da prestação de serviço estar enquadrada tanto na alí-


quota de 16%, quanto na alíquota de 32%. O serviço será tributado pela
alíquota de 16% sobre a receita bruta de cada trimestre no caso das pesso-
as jurídicas exclusivamente prestadoras de serviços (exceto as que prestam
serviços hospitalares e as sociedades civis de prestação de serviços de pro-
fissão legalmente regulamentada), cuja receita bruta anual não ultrapassar
R$120.000,00 (cento e vinte mil reais) (RIR/1999, art. 519, § 4º).
Por fim, cumpre salientar que a pessoa jurídica optante do lucro presu-
mido poderá escolher, como critério de reconhecimento de suas receitas
das receitas das vendas de bens e direitos ou da prestação de serviços, o
regime de competência ou o regime de caixa279. Regra geral, conforme ve-
remos a seguir no lucro real, a pessoa jurídica apura a base de cálculo dos
impostos e contribuições pelo regimento de competência. Neste regime, a
receita é computada no momento da venda ou da prestação de serviço, in-
dependentemente do recebimento efetivo dos valores. Entretanto, no caso
de opção pelo lucro presumido, a pessoa jurídica poderá adotar o critério
de reconhecimento das receitas das vendas de bens e direitos ou da pres-
tação de serviços com pagamento a prazo ou em parcelas na medida dos
recebimentos, ou seja, pelo regime de caixa.

2) Lucro real

Outra opção de tributação da pessoa jurídica é o lucro real. Este tipo de


tributação é feita com base no lucro efetivo que a pessoa jurídica auferiu. É
o regime jurídico padrão de apuração do IRPJ, ou seja, pode ser utilizado
por todas as pessoas jurídicas que assim o quiserem. Algumas empresas, no
entanto, são obrigadas a apurar o IRPJ pelo lucro real.
A opção pelo lucro real exige da empresa um certo grau de estrutura e
organização, já que requer uma maior quantidade de livros e escriturações
contábeis e fiscais (como o Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR),
bem como exige a manutenção de documentação idônea principalmente
para comprovar as despesas e gastos deduzidos da receita bruta.
O ponto de partida para a apuração do IRPJ pelo lucro real é o Lucro Lí-
quido apurado contabilmente. Apurado o Lucro Líquido Contábil, procede-
-se a uma série de ajustes com adições, exclusões e compensações, chegando-
-se ao lucro real, base de cálculo do IRPJ.
Segundo o art. 248 do RIR/99, o Lucro líquido compõe-se pela soma
algébrica do: i) Lucro operacional - resultado das atividades, principais ou
acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica, ii) Resultados não ope-
racionais e iii)Participações. O Lucro Líquido deverá ser determinado de
acordo com lei comercial e contábil. IN RFB 1700/17 Artigo 215 §9.
279

FGV DIREITO RIO 202


Tributos em Espécie

Já o Lucro real, segundo o art. 247 do RIR/99 é o “lucro líquido do perío-


do de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas
ou autorizadas pela legislação”.
Conforme já mencionado, algumas pessoas jurídicas são obrigadas a se
submeter ao regime do lucro real. O art. 246 do RIR/99 traz estes casos,
dentre os quais destacam-se:

• Empresas que tiverem receita bruta total no ano-calendário ante-


rior superior a R$78 milhões (R$ 6,5 milhões por mês)
• Instituições financeiras.
• Empresas que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital
do exterior
• Empresas que tiverem usufruam de certos benefícios fiscais
• Empresas que tenham feito pagamento mensal pelo regime de estimativa
• Atividades de factoring.
• Atividades de construção, incorporação, compra e venda de imó-
veis que tenham registro de custo orçado.

Formas de apuração – lucro real

O lucro real pode ser apurado de duas maneiras diferentes a critério da


Pessoa Jurídica. A primeira forma de apuração é a trimestral – cujos reco-
lhimentos são definitivos, tendo por vencimento o último dia do mês sub-
seqüente ao trimestre. A segunda forma é a apuração anual , que se compõe
por parcelas mensais estimadas que representam meros adiantamentos do
IRPJ a ser apurado no ajuste anual, após o final do exercício – 31/12. A apu-
ração anual se dá da seguinte forma:

Apuração do Lucro Real Anual


Lucro líquido contábil
(+) Adições
(-) Exclusões
(-) Compensação prejuízos fiscais
----------------------------------------
(=) Lucro real
(X) Alíquota de 15%
(X) Adicional de 10%
(acima de R$240.000,00)

FGV DIREITO RIO 203


Tributos em Espécie

• Adições

As adições efetuadas no Lucro Líquido têm por objetivo evitar que seja
computada na base de cálculo do IR despesa que tenha afetado o lucro
líquido, mas que a legislação do IR considera indedutível. Para fins de
apuração do IRPJ, algumas despesas são consideradas indedutíveis – de-
vem ser, por isso, adicionadas ao lucro líquido (tendo em vista que para a
sua apuração foram consideradas despesas e, portanto, diminuídas) para a
apuração do lucro real.
O art. 299 do RIR/99 considera despesas dedutíveis aquelas: i) necessá-
rias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora,
ii) pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas
pela atividade da empresa e iii) usuais ou normais no tipo de transações, ope-
rações ou atividades da empresa. Estas despesas devem ser comprovadas por
meio de documentação idônea.

• Exclusões

As exclusões representam valores a serem diminuídos do Lucro Líquido


Contábil para fins de apuração do lucro real. Elas têm por objetivo não
computar na base de cálculo do IR receitas que aumentaram o lucro líqui-
do da PJ, mas que a legislação tributária considera como não tributáveis.
Exemplos de exclusões são certas receitas não tributadas ou isentas como:
lucros e dividendos recebidos pela PJ, resultado credor da equivalência
patrimonial, ganho de capital na transferência de imóveis desapropriados
para fins de reforma agrária, seguros ou pecúlio em favor da empresa, pago
por morte do sócio segurado.

• Compensações – Prejuízos da PJ

A pessoa jurídica pode contabilizar dois tipos diferentes de prejuízo: um


contábil – apurado na Demonstração de Resultado do Exercício (DRE) e
outro fiscal, apurado após os ajustes do Lucro Líquido, na Demonstração do
Lucro Real registrado no LALUR. Os prejuízos fiscais podem ser compen-
sados, independente de prazo, no limite de 30% do lucro líquido ajustado
apurado no exercício seguinte.
Prejuízos não-operacionais (não advindos da atividade principal da em-
presa) só poderão ser compensados com lucros da mesma natureza nos exer-
cícios seguintes. Prejuízos de filiais, sucursais, controladas ou coligadas no
exterior e perdas de capital de aplicações e operações efetuadas no exterior
não podem ser compensados com o lucro real apurado no Brasil.

FGV DIREITO RIO 204


Tributos em Espécie

3) Lucro Arbitrado

A última forma de apuração do imposto de renda – pessoa jurídica é


o regime de lucro arbitrado. Geralmente este regime é aplicado subsidia-
riamente aos demais, no caso de irregularidades na escrituração ou opção
indevida pelos outros regimes. O artigo 47 da Lei 8.981/95 dispõe quan-
do se aplicará o lucro arbitrado. Os principais casos são resumidamente
os seguintes:

a) quando o contribuinte não mantiver escrituração na forma das


leis comerciais e fiscais, deixar de elaborar as demonstrações
financeiras exigidas pela legislação fiscal ou deixar de apresentá-
-los à autoridade tributária
b) quando a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte
revelar evidentes indícios de fraude ou contiver vícios, erros
ou deficiências que a tornem imprestável para i) identificar a
efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou ii) de-
terminar o lucro real.
c) quando o contribuinte optar indevidamente pela tributação
com base no lucro presumido

A Lei 8.981/95 traz ainda as regras para a apuração do lucro arbitrado.


Caso conhecida a receita bruta, a apuração do imposto será feita com base
nesta, aplicando-se as alíquotas do lucro presumido acrescidas em 20%;
caso desconhecida, outros elementos de apuração são trazidos pelo artigo
51 da mesma lei, tais como lucro real do último período de apuração,
soma dos valores do ativo circulante, valor do patrimônio líquido, etc.

QUESTÕES

1) Empresa XYZ, tributada pelo lucro presumido, teve, no primeiro tri-


mestre de 2012 o faturamento composto da seguinte forma:
Receitas de vendas de mercadorias = R$900.000,00
Receita de prestação de serviço = R$60.000,00.
Rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa = R$7.000,00 (reten-
ção de R$1.400,00 IRRF).
Ganho de capital na alienação de bens do ativo permanente= R$18.000,00

Calcule o imposto de renda devido pela empresa XZY, relativo ao pri-


meiro trimestre.

FGV DIREITO RIO 205


Tributos em Espécie

2) O hotel “Praia Brava Resort S/A”, tem seu faturamento e despesas


dedutíveis (em milhares de reais) distribuídos ao longo do ano de
acordo com a tabela abaixo. Seus sócios também têm participação re-
levante em uma indústria de equipamentos de surf com faturamento
anual de R$10 milhões.

Mês Jan Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Faturamento 200 300 150 30 20 10 10 10 30 60 150 200
Despesas 70 70 50 40 30 30 30 30 30 30 70 70

(em mil)

Considerando as informações abaixo, faça um parecer apontando os re-


gimes de tributação possíveis, as vantagens e desvantagens de cada opção,
bem como a melhor opção (e o porquê) à empresa consulente.

3) A Empresa ABC, optante do Simples Nacional, obtém receita bruta


resultante exclusivamente da revenda de mercadorias. Calcule o mon-
tante a ser recolhido relativo ao mês de julho/2012.

Fluxo de faturamento (valores em milhares de R$):

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2012 30 20 20 30 70 20 100
2011 80 90 70 50 50 30 30 90 20 20 100 100

FGV DIREITO RIO 206


Tributos em Espécie

LEITURA OBRIGATÓRIA

BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência.


São Paulo: Dialética, 2001, p.61-96.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e


temas específicos). São Paulo: Malheiros, 2009.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitu-


cionais. São Paulo: Malheiros, 1997.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª edição,
2011

PENHA, José Ribamar Barros. Imposto de Renda Pessoa Física: norma, doutri-
na, jurisprudência e prática. São Paulo: MP Editora, 2010.

FGV DIREITO RIO 207


Tributos em Espécie

AULA 13. TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA: ASPECTOS RELEVANTES


DA PESSOA FÍSICA

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação


direta de inconstitucionalidade tendo por objeto os itens 7, 8 e 9 da alínea
"b", inciso II do artigo 8° da Lei n° 9.250/95, com a redação dada pela Lei nº
12.469/11, a qual assim dispõe:

Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será


a diferença entre as somas:
(...)
II - das deduções relativas:
(...)
b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de
seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relati-
vamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-
-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação su-
perior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação
(mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional,
compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual
individual de:
(...)
7. R$ 3.091,35 (três mil, noventa e um reais e trinta e cinco centa-
vos) para o ano-calendário de 2012;   (Incluído pela Lei nº 12.469,
de 2011)
8. R$ 3.230,46 (três mil, duzentos e trinta reais e quarenta e seis
centavos) para o ano-calendário de 2013;    (Incluído pela Lei nº
12.469, de 2011)
9. R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais e oitenta e
três centavos) a partir do ano-calendário de 2014;    (Incluído pela
Lei nº 12.469, de 2011)

Na qualidade de ministro do Supremo Tribunal Federal, avalie a consti-


tucionalidade dos referidos dispositivos. Vide STF- ADI 4927.

a) Critério Material

O Imposto sobre a Renda de Pessoa Física tem por critério material o fato
de auferir renda ou proventos de qualquer natureza num determinado lapso
de tempo. A renda e o provento para fins de tributação pelo Imposto de Renda

FGV DIREITO RIO 208


Tributos em Espécie

devem ser considerados como acréscimo patrimonial, ou seja, como a dife-


rença entre os rendimentos auferidos e as despesas necessárias à sobrevivência
do indivíduo. A legislação do IRPF deve prever, além da tributação das re-
ceitas auferidas pela pessoa física, a permissão de dedução de certas despesas
com saúde, educação, previdência, dependentes, etc.

b) Critério Temporal

Para a verificação do acréscimo patrimonial auferido por determinada


pessoa, é preciso se considerar um lapso temporal definido por lei. Para as
pessoas físicas, a lei define que o lapso temporal para a consideração do acrés-
cimo patrimonial corresponde ao período de um ano-calendário, esgotando-
-se, portanto, no dia 31 de dezembro de cada ano. Será, portanto, neste o
instante que se reputará ocorrido o fato gerador do tributo, pois é somente
neste momento que é possível verificar o ganho de renda (rendimentos aufe-
ridos menos as despesas dedutíveis).
Não confundir, portanto, o critério espacial – momento em que se repu-
ta ocorrido o fato gerador, com o momento em que ocorre a apuração e o
recolhimento do Imposto sobre a Renda, que pode ocorrer na medida em
que os ganhos são auferidos. Conforme se verificará a seguir, o IRPF tem
várias formas de recolhimento que em sua maioria ocorrem na medida do
recebimento dos rendimentos pela pessoa física, mas estes recolhimentos, em
geral, representam meras antecipações do tributo a ser apurado somente após
o fechamento do ano-calendário, no Ajuste Anual.

b.1) Formas de Recolhimento

O Imposto de Renda da Pessoa Física conta com seis formas diferentes


de recolhimento, conforma a natureza da receita auferida pelo indivíduo:
a) Desconto pela fonte pagadora, b) Recolhimento mensal obrigatório, c)
Recolhimento complementar facultativo, d) Tributação exclusiva na fonte,
e) Tributação Definitiva e f) Declaração de Ajuste Anual. Vejamos detalha-
damente cada uma delas:

i) Desconto pela fonte pagadora: O Imposto de Renda relativo a certos


rendimentos auferidos pelo indivíduo está submetido ao desconto e reco-
lhimento pela respectiva fonte pagadora. Ou seja, ao efetuar o pagamento,
a pessoa (física ou jurídica) que o realiza deve descontar o IRPF devido e
repassar o valor correspondente à União Federal. Assim, a pessoa recebe-
rá a sua remuneração com o desconto do imposto de renda a ela relativo.

FGV DIREITO RIO 209


Tributos em Espécie

Os valores recolhidos por esta sistemática representam meras antecipa-


ções do IRPF a ser calculado na ocasião da Declaração de Ajuste Anual,
de forma que os valores já arrecadados com base neste método serão
compensados com o imposto calculado na Declaração de Ajuste Anual.

ii) Recolhimento mensal obrigatório: A segunda forma de arrecadação


do IRPF é o recolhimento mensal obrigatório, também conhecido por
“carnê-leão”. Assim, ganhos recebidos pela pessoa física e pagos por ou-
tra pessoa física, se não sujeitos à tributação na fonte, tais como: pensão
alimentícia, remuneração pela prestação de serviços, aluguéis, bem como
rendimentos auferidos de fontes localizadas no exterior, ficam sujeitos ao
recolhimento mensal obrigatório. Como no caso do desconto pela fonte
pagadora, os valores recolhidos pelo “carnê-leão” representam antecipa-
ções do IRPF a ser calculado na Declaração de Ajuste Anual, podendo
tais valores ser, portanto, compensados com o valor apurado no ajuste.
Importante salientar que o recolhimento mensal é obrigatório, sujeitan-
do-se a pessoa que não o realizar ao pagamento de multa.

iii) Recolhimento complementar facultativo: O recolhimento comple-


mentar facultativo é uma maneira de antecipar o pagamento do impos-
to devido na Declaração de Ajuste Anual, no caso de recebimento de
rendimentos de fontes pagadoras pessoa física e jurídica, ou de mais de
uma pessoa jurídica. Muitas vezes uma mesma pessoa pode receber ren-
dimentos de diversas fontes. Mesmo que todos os rendimentos sejam
tributados pela sistemática do desconto na fonte ou pelo recolhimento
mensal obrigatório, pode acontecer de o somatório dos rendimentos fi-
carem submetidos a uma alíquota diversa à que foi aplicada. Assim, o
contribuinte terá duas opções: ou efetua o recolhimento complementar
facultativo, apurando o IRPF devido em virtude da somatória dos rendi-
mentos auferidos; ou os declara somente no momento da Declaração de
Ajuste Anual, ocasião na qual terá que recolher o tributo devido ao longo
de todo o exercício.

iv) Tributação Exclusiva na Fonte: A quarta forma de recolhimento do


IRPF é a tributação exclusiva na fonte. Ao contrário das sistemáticas
anteriormente analisadas, a tributação exclusiva na fonte não é mera an-
tecipação do Imposto de Renda a ser apurado na Declaração de Ajuste
Anual. Nesta forma de arrecadação, os valores são também descontados
pela fonte pagadora, mas tal desconto é a título definitivo, ou seja, o valor
pago a título de IRPF não entra no cálculo nem é compensado no ajuste
anual a ser feito pelo sujeito passivo. Dentre os rendimentos tributados
por esta forma de apuração encontram-se: o 13º salário; os rendimentos

FGV DIREITO RIO 210


Tributos em Espécie

produzidos por qualquer aplicação financeira de renda fixa, em fundos 280


Lei 8981/ 95 Art. 21. O ganho de
de investimento financeiro, fundos de ações, entre outros; prêmios dis- capital percebido por pessoa física em
decorrência da alienação de bens e di-
tribuídos por meio de concursos e sorteios em geral, sob a forma de bens reitos de qualquer natureza sujeita-se
à incidência do imposto sobre a renda,
e serviços, e os pagos em dinheiro; os juros pagos ou creditados individu- com as seguintes alíquotas:
I - 15% (quinze por cento) sobre a par-
almente a titular, sócio ou acionista, a título de remuneração do capital cela dos ganhos que não ultrapassar R$
próprio; os rendimentos recebidos no Brasil por não-residentes, se não 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);
II - 17,5% (dezessete inteiros e cinco
tributado de forma definitiva, entre outros. décimos por cento) sobre a parcela dos
ganhos que exceder R$ 5.000.000,00
(cinco milhões de reais) e não ultrapassar
R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
v) Tributação Definitiva: Outra forma de arrecadação do IRPF é a tribu- III - 20% (vinte por cento) sobre a
tação definitiva. Da mesma forma que a tributação exclusiva na fonte, parcela dos ganhos que exceder R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais) e
os valores pagos a título de IRPF submetido à tributação definitiva não não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trin-
ta milhões de reais);
representam antecipações do IRPF devido na Declaração de Ajuste Anu- IV - 22,5% (vinte e dois inteiros e
al e, portanto, não serão considerados no cálculo desta. Exemplo de ren- cinco décimos por cento) sobre a par-
cela dos ganhos que ultrapassar R$
dimento submetido à tributação definitiva é aquele auferido em virtude 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
§ 1º O imposto de que trata este artigo
de ganho de capital em decorrência da alienação de bens e direitos de deverá ser pago até o último dia útil
do mês subseqüente ao da percepção
qualquer natureza, previsto no artigo 21 da Lei 8.981/95280, com redação dos ganhos.
introduzida pelo artigo 1º da Lei 13.259/16, no artigo 117 do RIR/99281 § 2º Os ganhos a que se refere este
artigo serão apurados e tributados
e no artigo 21° da IN RFB n° 1500/2014282. em separado e não integrarão a base
de cálculo do Imposto de Renda na
declaração de ajuste anual, e o imposto
vi) Declaração de Ajuste Anual: Por fim, a última forma de apuração e pago não poderá ser deduzido do devi-
do na declaração.
recolhimento do IRPF é a Declaração de Ajuste Anual. Conforme visto RIR 99 Art. 117. Está sujeita ao paga-
281

acima, o critério temporal do IRPF é o acréscimo patrimonial realiza- mento do imposto de que trata este Títu-
lo a pessoa física que auferir ganhos de
do pelo sujeito passivo durante o lapso temporal de um ano-calendário. capital na alienação de bens ou direitos
de qualquer natureza (Lei nº 7.713, de
Assim, até 31 de dezembro o indivíduo pode auferir renda, ter despesas 1988, arts. 2º e 3º, § 2º, e Lei nº 8.981,
dedutíveis e, portanto, é nesta data que se fechará o “balanço” relativo de 1995, art. 21).
§ 2º Os ganhos serão apurados no mês
às receitas e despesas/custos de determinada pessoa durante o ano. A em que forem auferidos e tributados
em separado, não integrando a base de
Declaração de Ajuste Anual nada mais é, portanto, que este “balanço” cálculo do imposto na declaração de ren-
dimentos, e o valor do imposto pago não
das contas do contribuinte, no qual se declarará todos os rendimentos poderá ser deduzido do devido na decla-
auferidos, as despesas incorridas, a variação patrimonial, bem como se ração (Lei nº 8.134, de 1990, art. 18, §
2º, e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21, § 2º).
fará a compensação do tributo já descontado e pago pela fonte, pelo re- 282
Art. 21 Estão sujeitos à tributação
colhimento mensal obrigatório ou complementar. definitiva:
I - ganhos de capital auferidos na alie-
nação de bens e direitos;
II - ganhos de capital decorrentes da alie-
Resumidamente, portanto, a Declaração de Ajuste Anual assim é nação de bens ou direitos e da liquidação
composta: ou resgate de aplicações financeiras, ad-
quiridos em moeda estrangeira;
III - ganhos de capital decorrentes da
alienação de moeda estrangeira man-
tida em espécie;
IV - ganhos de capital referentes à dife-
1) Rendimentos Tributáveis (-) Deduções = Base de cálculo do IRPF rença a maior entre o valor da integra-
lização e o constante da declaração de
bens, na transferência de bens e direi-
2) Base de cálculo do IRPF (X) alíquota correspondente = Imposto Devido tos da pessoa física a pessoa jurídica, a
título de integralização de capital;
V - ganhos de capital apurados na
3) Imposto Devido (-) Imposto pago = Imposto a pagar ou a restituir transferência de propriedade de bens
ou direitos por valor superior àquele
pelo qual constavam na declaração de


FGV DIREITO RIO 211
Tributos em Espécie

Em virtude das sistemáticas de recolhimento que configuram antecipa-


ções do IRPF (desconto na fonte, recolhimento mensal obrigatório e recolhi-
mento complementar), pode ocorrer, quando do Ajuste Anual, ao se efetuar
as deduções previstas pelo ordenamento jurídico, que o contribuinte tenha
recolhido um valor maior que o efetivamente devido por meio destas ante-
cipações. Neste caso, portanto, é que ocorre a “restituição” do Imposto de
Renda, que nada mais é que uma devolução dos valores pagos a mais durante
o exercício a título deste tributo.
Na Declaração de Ajuste Anual é dada ao contribuinte a opção do des-
conto simplificado. Trata-se de um desconto de 20% sobre os rendimentos
tributáveis que substitui todas as deduções legais cabíveis. Não necessita de
comprovação e está limitado, na declaração de 2015, ao valor de R$15.880.89
(quinze mil, oitocentos e oitenta reais e oitenta e nove centavos). Pode ser
utilizado independentemente do montante dos rendimentos recebidos e do
número de fontes pagadoras.

C) Critério Espacial

O Imposto de Renda da Pessoa Física foi o primeiro a ser informado pelo


critério da extraterritorialidade no Brasil, ou seja, tributando-se a renda recebi-
da em qualquer parte do mundo, desde que auferida por residente brasileiro.
Com relação ao critério espacial deste tributo, é preciso trazer as lições
do art. 43 § 1º. do CTN que dispõe: “a incidência do imposto independe da
denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou
nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”.
Este artigo prevê a aplicação ao IR do princípio da extraterritorialidade. Em
razão deste princípio, o Imposto de Renda recai sobre todas as rendas auferidas
por residentes brasileiros em qualquer parte do mundo. Da mesma forma, tam-
bém serão tributados pelo IR brasileiro os rendimentos auferidos no Brasil por
residente no estrangeiro. Assim, se um residente brasileiro auferir renda na Po- rendimentos do de cujus, do doador ou
lônia, terá que declará-lo e submetê-lo à respectiva tributação no Brasil (salvo se do ex-cônjuge, a herdeiros, legatários
ou donatários em adiantamento da
os dois países tiverem acordo contra a bitributação, hipótese na qual a renda será legítima, nos casos de sucessão; ou a
cada ex-cônjuge ou ex-convivente, na
tributada em apenas um dos dois países ou conforme o que previsto no tratado). hipótese de dissolução da sociedade
conjugal ou da união estável;
VI - ganhos líquidos auferidos nas
operações realizadas em bolsas de
valores, de mercadorias, de futuros e
d) Critério Pessoal assemelhadas;
VII - ganhos líquidos auferidos na alie-
nação de ouro, ativo financeiro;
d.1) Sujeito Ativo VIII - ganhos líquidos auferidos em
operações realizadas nos mercados de
liquidação futura, fora de bolsa.
Parágrafo único. Estão também sujeitos
O sujeito ativo do IRPJ é a mesma pessoa política detentora da competên- à tributação definitiva os ganhos de ca-
cia tributária para instituí-lo - a União Federal, que administrará o recolhi- pital e os ganhos líquidos referidos nos
incisos I, VI, VII e VIII quando recebidos
mento e administração do tributo através da Receita Federal do Brasil. por pessoas não-residentes no país.

FGV DIREITO RIO 212


Tributos em Espécie

d.2) Sujeito Passivo

O art. 45 do CTN dispõe que “contribuinte do imposto é o titular da


disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa
condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou
dos proventos tributáveis”.
Segundo o RIR/99, os contribuintes do IRPF poderão ser:

a) Domiciliados ou residentes no Brasil


b) Domiciliados ou residentes no exterior, em face de rendimentos
auferidos no Brasil
c) Menores e incapazes
d) Beneficiários de pensão alimentícia
e) Espólio

e) Base de cálculo

e.1) Rendimentos Tributáveis

O artigo 34 do CTN dispõe que “a base de cálculo do imposto é o montante,


real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. Por sua
vez, o art. 3° da lei 7.713/88 dispõe que “o imposto incidirá sobre o rendimento
bruto” e o seu § 1º que “constituem rendimento bruto todo o produto do capital,
do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em
dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos
os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados”.
A base de cálculo do IRPF se constitui, portanto, pelos rendimentos do
sujeito passivo, sejam aqueles advindo do capital, trabalho ou de qualquer
outra natureza, independentemente da forma como é denominado. O RIR
elenca como tributáveis certas verbas recebidas como rendimento do tra-
balho assalariado e não-assalariado, de aluguéis ou royalties e os ganhos de
capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza.

e.2) Rendimentos não-tributáveis ou isentos

O art. 6° Lei 7713/88, o art. 39 RIR/99 e a IN1500/14 trazem uma


série de rendimentos que não estão sujeitos à tributação pelo IRPF. Dentre
eles podemos citar os valores recebidos a título de alimentação, transporte e
uniformes; diárias e ajudas de custo, rendimentos da caderneta de poupança,
aposentadoria por acidente de serviço ou moléstia grave, aposentadoria após

FGV DIREITO RIO 213


Tributos em Espécie

65 anos até limite estipulado em lei, bens adquiridos por doação ou herança,
seguro e pecúlio por morte ou invalidez permanente, lucros e dividendos
distribuídos, bolsa de estudo e pesquisa sem benefício ao pagador, seguro-
-desemprego, auxílio-natalidade, funeral e acidente, salário família, verbas
indenizatórias, verbas recebidas a título de FGTS, PIS, PASEP, programas de
demissão voluntária e indenização desapropriação para fins de reforma agrá-
ria. Destaca-se também a isenção da aposentadoria e/ou pensões recebidos
pelos portadores de moléstias graves, elencadas em lei.
No que tange às isenções referentes ao ganho de capital na alienação de
bens ou direitos, destaca-se a alienação de bens de pequeno valor (cujo preço
de alienação, seja igual ou inferior a R$ 20.000,00), alienação de único imó-
vel em 5 anos até o valor de R$ 440.000,00 (Lei 9.250/95) e venda de imóvel
residencial se investido em outro no prazo de 180 dias (Lei 11.196/05).

e.3) Deduções do rendimento bruto

Conforme visto, o conceito de renda para fins de tributação pelo IR deve


levar em consideração não somente os rendimentos auferidos pela pessoa
física, mas também certas despesas por ela realizadas. Assim, a legislação do
IRPF prevê algumas despesas dedutíveis do rendimento, para fins de apura-
ção da renda auferida.
Algumas destas deduções podem ser descontadas tanto mensalmente
quanto no ajuste anual, seja por meio do desconto na fonte ou pelo recolhi-
mento mensal obrigatório; já outras (saúde e educação) somente poderão ser
deduzidas na ocasião do desconto anual.

i) Deduções mensais: podem ser deduzidas mensalmente, do imposto de-


vido a título de desconto na fonte ou no recolhimento mensal obrigatório
as seguintes despesas (o contribuinte poderá também optar em deduzi-las
somente no Ajuste Anual):

• Contribuição Previdenciária pública ou privada


• Dependentes – se o contribuinte do IRPF possui dependentes, a lei
fixa um valor mensal e anual (caso não seja feito o desconto mensal)
para que seja descontado do IRPF devido. A lei tributária considera
como dependente:
• o cônjuge ou companheiro
• filhos até 21 anos (ou até 24 se no ensino superior) ou de qualquer
idade quando incapacitado
• o irmão, o neto ou o bisneto até 21 anos com guarda judicial
• os pais, os avós ou os bisavós, sem rendimentos

FGV DIREITO RIO 214


Tributos em Espécie

• o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador.


• Importante salientar que é vedada a dedução concomitante (pelo
pai e pela mãe, por exemplo) do montante referente a um mesmo
dependente.
• Pensão alimentícia – quem paga pensão alimentícia pode descontar o
valor do IRPF a ser pago.
• Despesas Escrituradas no Livro Caixa (trabalho não-assalariado):
os profissionais autônomos que recebem por meio da pessoa física, po-
derão escriturar um Livro Caixa para fins de contabilizar as despesas
necessárias para o exercício de sua atividade. Algumas destas despesas
poderão ser descontadas no IRPF por ele apurado. As despesas passíveis
de deduções são as seguintes:
a) a remuneração paga a terceiros, desde que com vínculo empregatí-
cio, e os encargos trabalhistas e previdenciários
b) os emolumentos pagos a terceiros;
c) as despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à
manutenção da fonte produtora: são aquelas indispensáveis à per-
cepção da receita e à manutenção da fonte produtora, como aluguel,
água, luz, telefone, material de expediente ou de consumo.

Não são dedutíveis despesas na aplicação de capital, ou seja, gastas na


aquisição de bens necessários à manutenção da fonte produtora, cuja vida
útil ultrapasse o período de um exercício, e que não sejam consumíveis, como
por exemplo, instalação de escritório ou consultório, aquisição e instalação
de máquinas, equipamentos, instrumentos, mobiliários, etc. Além disso, as
despesas com transporte, locomoção, combustível, estacionamento e manu-
tenção de veículo próprio não são consideradas necessárias à percepção da
receita e, por isso não são dedutíveis no livro Caixa
As deduções permitidas não poderão exceder à receita mensal da ativi-
dade. Se as deduções de determinado mês ultrapassarem a receita mensal,
poderão ser compensadas nos meses seguintes até o mês de dezembro.

ii) Deduções na Declaração de Ajuste Anual: algumas despesas somente


poderão ser deduzidas na Declaração de Ajuste Anual, como as despesas
com instrução e saúde.

• Despesas com instrução do contribuinte e dependentes – certas des-


pesas com educação do contribuinte e de seus dependentes (pré-esco-
lar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes)
podem ser deduzidas do IRPF a ser pago. Estas despesas, no entanto,
estão sujeitas ao limite anual individual definido a cada ano-base. Para
a declaração de 2013, referente ao ano-calendário de 2012, o limite
estabelecido foi de R$ 3.091.35.

FGV DIREITO RIO 215


Tributos em Espécie

• Despesas com saúde do contribuinte e dependentes – despesas com


saúde (médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames
laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses
ortopédicas e dentárias) também podem ser deduzidas no cálculo do
IRPF, sem limite de montante.

f) Alíquotas

Há duas tabelas do IRPF, cujas faixas de renda e eventualmente as alí-


quotas costumam variar a cada ano. A primeira tabela é a mensal e serve
para o cálculo do IRPF a ser descontado na fonte ou para o recolhimento
mensal obrigatório. A partir do mês de abril do ano-calendário de 2015,
ficou estabelecida a seguinte tabela mensal, a qual encontra-se vigente até
a presente data:

Alíquotas mensais

Base de calculo Aliquota


Até 1.903,98 0
De 1.903,99 até 2.826,65 7,5
De 2.826,66 até 3.751,05 15
De 3.751,06 até 4.664,68 22,5
Acima de 4.664,68 27,5

A segunda tabela é anual, utilizada para a apuração do imposto devido na


Declaração de Ajuste Anual. Para a Declaração de 2017, referente ao ano-
-calendário de 2016, a tabela a ser utilizada será a seguinte:

Alíquotas anuais

Base de cálculo Aliquota


Até 22.847,76 0
De 22.847,77 até 33.919,80 7,5
De 33.919,81 até 45.012,60 15
De 45.012,61 até 55.976,16 22,5
Acima de 55.976,16 27,5

FGV DIREITO RIO 216


Tributos em Espécie

g) Deduções no imposto apurado

Após a apuração do IRPF devido, a legislação ainda permite que sejam


efetuadas certas deduções como no caso de contribuições feitas a fundos liga-
dos a Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente ou em favor de projetos culturais e investimentos feitos a
título de incentivo às atividades audiovisuais.
Além disso, deve-se efetuar a dedução do imposto retido na fonte ou o
pago, inclusive a título de recolhimento complementar, correspondente aos
rendimentos incluídos na base de cálculo e o imposto pago no exterior, desde
que haja a previsão em acordo ou convenção internacional.
Por fim, a lei permite a dedução da contribuição patronal paga à Previ-
dência Social pelo empregador doméstico incidente sobre o valor da remu-
neração do empregado.

QUESTÕES

Caso 1 : Imposto de Renda Pessoa Física

João se formou em ciências da computação e iniciou sua carreira pres-


tando assistência técnica a amigos e conhecidos. Atualmente, João presta
serviços a duas pequenas empresas, recebendo de cada uma o valor mensal
de R$ 1.450,00.
Além desta remuneração, João presta também serviços a pessoas físicas,
recebendo em média o valor de R$ 5.000,00 por mês.
Inicialmente, João trabalhava na sua própria casa, mas no ano passado
ele resolveu alugar uma pequena sala para realizar suas reparações. O valor
dos custos para a manutenção do seu escritório (aluguel, água, luz, internet,
material) é, em média, R$1.000,00 por mês.
No ano passado, João recebeu uma herança de seu pai correspondente a um
imóvel no valor de R$ 100.000,00 e a quantia em dinheiro de R$20.000,00.
João é casado, tem duas filhas menores de 21 anos e sua esposa é dona
de casa e não aufere renda.
João recolhe a sua contribuição previdenciária no valor de R$250,00
por mês.
O valor total da mensalidade do colégio das filhas de João é de R$ 1.500,00.
No ano passado, uma de suas filhas teve problemas de saúde e João desem-
bolsou o correspondente à R$5.000,00 na internação e tratamento da doença.
Por conta deste problema de saúde da filha, João resolveu vender um
terreno que possuía fora da cidade, no valor de R$100.000,00, que fora ad-
quirido um ano antes por R$ 90.000,00.

FGV DIREITO RIO 217


Tributos em Espécie

João doou R$500,00 a uma entidade cultural.


No ano passado, João recebeu um prêmio da Mega Sena no valor de
R$200.000,00.
Diante deste caso, responda:
1) Tendo em vista que João recebeu diversos tipos de rendimentos du-
rante o ano passado, mostre quais os tipos de recolhimentos a que cada
um se submete.
2) Quais as despesas que podem ser deduzidas mensalmente e quais so-
mente na declaração de ajuste anual?
3) Calcule o valor devido e cite as formas de recolhimento do IRPF do
mês de agosto de 2010.
4) Faça a Declaração de Ajuste Anual do IRPF de João, optando pela
sistemática mais favorável e diga qual o valor a recolher ou a ser resti-
tuído.

Caso 2: Imposto de Renda Pessoa Física

Alan Harper é quiropraxista e trabalha como funcionário em uma clínica


de reabilitação, além de realizar a prestação de seus serviços a pessoas físicas
de forma autônoma. Ele recebe da clínica, em razão de vínculo empregatí-
cio, o salário de R$5.000,00. Fora do seu expediente, realiza atendimentos
na casa de seus clientes, recebendo mensalmente, de pessoas físicas, o valor
de R$3.000,00. Em 2011 seu irmão Charlie faleceu, deixando para ele
uma herança em dinheiro no valor de R$ 500.000,00. Alan é divorciado
e tem um filho - Jake, que está sob a guarda da mãe. Ele paga uma pensão
a seu filho no valor de R$3.000,00 por mês. Alan tem despesas pessoais
com alimentação, vestuário e atividades culturais no valor de R$2.000,00
mensais. Além disso, recolhe a sua contribuição previdenciária no valor de
R$500,00 por mês. Em 2011, ele teve problemas psicológicos em virtude
da morte de seu irmão, tendo que ser internado durante 3 meses em uma
clínica psiquiátrica. As despesas arcadas por ele em razão deste problema de
saúde totalizaram o valor de R$1.000,00 por mês. Em 2011, Alan vendeu
um terreno na praia de Malibu-RJ, auferindo um ganho de capital de R$
100.000,00 na transação.
Diante deste caso, responda:
a) Tendo em vista que Alan recebeu diversos tipos de rendimentos du-
rante o ano de 2011, mostre quais os tipos de recolhimentos do IRPF
a que cada um se submete.
b) Quais as despesas que podem ser deduzidas do IRPF mensalmente e
quais somente na declaração de ajuste anual?

FGV DIREITO RIO 218


Tributos em Espécie

Caso 3: Leia a reportagem abaixo e responda à questão a seguir:

Contribuinte vence ação sobre IR


Autor: Por Bárbara Pombo | De São Paulo Valor Econômico - 29/03/2012

O Plenário do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São


Paulo e Mato Grosso do Sul) declarou ontem inconstitucional o limite
estabelecido para dedução de gastos com educação no Imposto de Renda
da Pessoa Física (IRPF). Em julgamento que durou cerca de duas horas,
11 dos 18 desembargadores federais que compõem o Órgão Especial do
tribunal entenderam que proibir o abatimento integral viola o direito de
acesso à educação previsto na Constituição Federal, além da capacidade
contributiva. "Se a Constituição diz que é dever do Estado promover e
incentivar a educação, é incompatível vedar ou restringir a dedução de
despesas", disse o relator do caso, desembargador Mairan Maia.(...)
A constitucionalidade do limite de abatimento foi analisada a partir de
um recurso de um contribuinte paulista que caiu na malha fina por não
ter observado o valor máximo para dedução na declaração do IR em 2002.
Na época, o limite era de R$ 1,7 mil. Para 2012, o montante foi fixado em
R$ 2.958 mil. Na ação, o contribuinte pleiteia o direito de abater todos os
gastos com educação de seus filhos e esposa.(...)
No voto, proferido ao longo de cerca de 40 minutos, afirmou ainda que a
imposição de limites cria obstáculos para que os brasileiros consigam exercer
um direito básico. "É uma legislação despida de justificativa econômica e
lógica que onera o contribuinte e arbitra um valor sem critério", disse,
referindo-se ao dispositivo da Lei nº 9.250, de 1995, que fixa o limite de
dedução com despesas na educação infantil, ensino fundamental, médio e
educação superior.
A desembargadora Regina Costa afirmou ainda que a Constituição determina
que o salário mínimo deve ser suficiente para atender necessidades básicas,
como saúde, moradia e educação. Da mesma forma, as despesas com esses
itens não deveriam ser consideradas para apuração do IR. "O Fisco não aceita
a dedução integral e ainda tributa sobre gastos com direitos vitais", disse.
O conceito de renda, previsto na legislação, reforça a incompatibilidade da
norma com a Constituição, segundo os desembargadores. De acordo com
eles, o que seria tributável é o acréscimo patrimonial ou riqueza nova que
fosse apurada durante o ano. (...)

Diante da decisão do TRF3, exponha argumentos favoráveis ao limite


de dedução de gastos com educação (posição do fisco), trazendo exemplos
numéricos para fundamentar a sua resposta.

FGV DIREITO RIO 219


Tributos em Espécie

AULA 14. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO:


ITBI - IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO INTERVIVOS DE BENS IMÓVEIS

ESTUDO DE CASO

A sociedade XYZ Ltda., cuja atividade consiste exclusivamente na locação


e venda de imóveis, daí advindo a totalidade das suas receitas, teve o seu capi-
tal social aumentado com a incorporação de bens imóveis de propriedade dos
dois únicos sócios para o seu patrimônio, por meio do registro do contrato
social na Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro – JUCERJA. Uma
semana após o registro do contrato, os sócios desistiram da operação antes de
transcrever a transferência no registro imobiliário – RGI. Não obstante a de-
sistência, o Município do Rio de Janeiro cobra da sociedade o ITBI incidente
em tal operação. Na qualidade de consultor externo, responda: considerando
que o ITBI tem como fato gerador a transferência da propriedade, e que a
mesma ocorre apenas com o registro no RGI, nos termos do art. 1.245 do
CC/02, a cobrança do imposto neste caso é válida? Vide TJRJ - 0034685-
19.2009.8.19.0000 - Des. Jose Geraldo Antonio - Julgamento: 10/05/2010
- Órgão Especial.

1. Critérios Material e Temporal

O ITBI, tributo com previsão no art. 156, II, da CF/88 combinado com
§2º do mesmo dispositivo constitucional, de competência dos Municípios,
tem seu fato gerador definido no art. 35, do CTN:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão


de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio
útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como defi-
nidos na lei civil;
II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis,
exceto os direitos reais de garantia;
III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos in-
cisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fa-
tos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

A previsão do CTN refere-se ao antigo imposto estadual sobre trans-


missão de bens imóveis, o qual incidia sobre qualquer transmissão de
bens imóveis, seja a título gratuito ou oneroso, inter vivos ou causa mortis.

FGV DIREITO RIO 220


Tributos em Espécie

Dessa forma, é necessário realizar a adequação de tais normas do CTN ao


atual imposto municipal sobre a transmissão, inter vivos, por ato oneroso,
de bens imóveis.
De acordo com a previsão constitucional, para incidência do ITBI é
necessária a observância de três conceitos, quais sejam: transmissão, inter
vivos e oneroso.

a) Transmissão – Transmissão de bens imóveis e cessão de direitos


reais sobre imóveis. É indispensável a transmissão do direito de
uma pessoa para outra.
b) Ato inter vivos – As pessoas entre as quais ocorre a transmissão
devem estar vivas.
c) Oneroso – A onerosidade exigida para incidência do ITBI não
se concentra necessariamente em uma entrega de dinheiro, po-
dendo, por exemplo, ocorrer uma permuta, hipótese em que a
transmissão também é onerosa.

Qualquer ato de registro de direito real sobre algum imóvel, se a título


oneroso, sofre a incidência do ITBI, ao passo que nas hipóteses a título gra-
tuito haverá a incidência do ITCMD.
Dessa forma, pode-se dizer que o critério material do ITBI consiste em
“(I) transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, a) de bens imó-
veis, por natureza ou acessão física; e b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto
os de garantia e as servidões; (II) a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à
aquisição de bens imóveis.”283
Destaque-se que o §2º, inciso I do art. 156, CF/88 prescreve uma hipó-
tese de imunidade do ITBI, com relação à integralização de capital social
com bens imóveis:

§ 2º - O imposto previsto no inciso II:


I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados
ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre
a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação,
cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a ativida-
de preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens
ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

O conceito de atividade preponderante pode ser encontrado no art. 37 do
283
PAULSEN, Leandro e MELO, José
CTN, o qual prescreve que se mais de 50% da receita operacional, nos dois Eduardo Soares de. Impostos federais,
anos anteriores ou posteriores à operação, for de atividade com bens imóveis, estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
haverá a incidência do ITBI. gado editora, 2011. p. 299

FGV DIREITO RIO 221


Tributos em Espécie

A previsão constitucional também faz referência às hipóteses de trans-


missão de bens imóveis quando da extinção da pessoa jurídica. Entretanto,
não há qualquer referência às hipóteses de retirada de bem imóvel da pessoa
jurídica sem extinção da mesma. O art. 36, parágrafo único do CTN, por
sua vez, trata da desincorporação do imóvel do patrimônio da pessoa jurí-
dica. Há, portanto, quem entenda que o parágrafo único do art. 36 não foi
recepcionado pela CF/88.
Nas promessas de compra e venda, de acordo com o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, não há in-
cidência de ITBI, vez que a transmissão ainda não finalizou, conforme
súmula 82 do STF:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE


SEGURANÇA. ITBI. FATO GERADOR. CTN, ART. 35 E CÓ-
DIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860, PARÁGRAFO ÚNICO. RE-
GISTRO IMOBILIÁRIO.
1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre
com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na
conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário.
2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o
ordenamento jurídico em vigor.
3. Recurso ordinário conhecido e provido.

Diante de tal posicionamento jurisprudencial, conclui-se, portanto,


que o momento de ocorrência do critério material se dá no registro da
transmissão ou cessão dos direitos, momento em que se pode constatar a
efetiva transferência.
Neste sentido, Paulsen afirma que:

Na realidade, o imposto (conhecido por sisa) é exigido por ocasião da


lavratura de escritura de alienação imobiliária, ou se direitos a ela re-
lativos, sendo que os tabeliães podem ficar proibidos de praticar este
ato atinente ao seu ofício, se não for feita prova de seu pagamento.284

A transmissão se dá, assim, no momento do registro da transmissão peran-


te o órgão competente. No entanto, a legislação municipal muitas vezes exige
o recolhimento em momento anterior, o que é indevido.
Como exemplo, o Município do Rio de Janeiro, valendo-se da substitui-
ção tributária para frente, passou a defender que seria possível a cobrança do
284
PAULSEN, Leandro e MELO, José
ITBI com a simples assinatura de eventual contrato que preveja a transferên- Eduardo Soares de. Impostos federais,
cia de imóveis para integralização de capital de sociedades, independente- estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
mente de a mesma não ter se realizado. gado editora, 2011. p. 301

FGV DIREITO RIO 222


Tributos em Espécie

No entanto, a intepretação conjunta dos princípios constitucionais da irre-


troatividade, legalidade tributária e vedação ao confisco, indica no sentido da
impossibilidade de cobrança de tributo antes da ocorrência do fato gerador.
Excepcionalmente, e especificamente no caso da substituição tributária
para frente, o legislador constitucional derivado, no citado §7º, art.150, da
CR-88, contemplou exceção à regra acima mencionada e, reverenciando o
princípio da praticidade, permitiu que os entes tributantes valham-se da co-
brança antecipada do tributo a ser devido em fases posteriores de uma cadeia
de circulação, garantindo aos contribuintes a imediata devolução da quantia
antecipada acaso não ocorrido o fato gerador.
No caso do ITBI, e demais impostos incidentes sobre o patrimônio, não
se está diante de hipótese de substituição tributária a que se refere o dispositi-
vo constitucional, somente sendo viável a cobrança do imposto com a efetiva
ocorrência de seu fato gerador.
Não obstante todo o exposto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de janeiro, através de decisão de seu Órgão Especial, decidiu que “A trans-
ferência de imóveis do patrimônio dos sócios para o da empresa, como forma de
subscrição para aumento de capital, através de alteração contratual devidamente
registrada na Junta Comercial, constitui fato gerador de ITBI”. 285

2. Critério Espacial
285
“AÇÃO RESCISÓRIA – MANDADO
O ITBI é devido ao Município onde se localiza o bem imóvel, conforme pre- DE SEGURANÇA – TRANSMISSÃO DE
visão do art. 156, §2º, II, CF/88. O art. 41 do CTN faz previsão semelhante. IMÓVEIS DO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS
PARA O DA SOCIEDADE – ALTERAÇÃO
Importante destacar que os arts. 39 e 40 do CTN não foram recepciona- CONTRATUAL INSCRITA NA JUNTA CO-
MERCIAL – FALTA DO REGISTRO IMOBI-
dos pela CRFB/88, vez que significariam uma indevida ingerência da lei de LIÁRIO – IMPOSTO SOBRE
normas gerais na autonomia dos municípios. TRANSMISÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI)
– ISENÇÃO TRIBUTÁRIA – INTERPRE-
Além do mais, importante a afirmação de Aires Barreto no sentido de que TAÇÃO DO ARTIGO 111, II, DO CTN –
ACÓRDÃO QUE NEGA PROVIMENTO AO
“diversamente do que ocorre com o IPTU e ITR, no ITBI não há distinção RECURSO DE APELAÇÃO E MANTÉM A
entre zona urbana e rural, valendo, pois, para todo e qualquer imóvel situado SENTENÇA QUE DENEGOU A SEGURAN-
ÇA PRETENDIDA PELO AUTOR.
no território do Município”286. A transferência de imóveis do patri-
mônio dos sócios para o da empresa,
como forma de subscrição para au-
mento de capital, através de alteração
contratual devidamente registrada
3. Critério Pessoal na Junta Comercial, constitui fato
gerador de ITBI. As empresas que
têm como atividade a administração,
O polo ativo de cobrança do ITBI é ocupado pelo Município de loca- compra e venda e locação de imóveis,
próprios ou de terceiros, não se bene-
lização do bem. ficiam da isenção prevista no § 2º, do
artigo 156, da Constituição Federal.
O polo passivo, por sua vez, de acordo com ao art. 42 do CTN, pode ser Improcedência do pedido.” (TJRJ,
ocupado pelo alienante ou pelo adquirente. Existe jurisprudência do STJ Órgão Especial, Ação Rescisória
2009.006.00261, Rel. Desembargador
no sentido de que o contribuinte do ITBI deve ser o adquirente. Entre- José Geraldo Antônio, Juglado em
10/05/2010)
tanto, a lei municipal pode escolher quem figurará como contribuinte do 286
BARRETO, Aires F. Curso de Direito
tributo ora em discussão. Tributário Municipal. Ed. Saraiva, 2009

FGV DIREITO RIO 223


Tributos em Espécie

O Município do Rio de Janeiro, por exemplo, determina que o ad-


quirente é o contribuinte do ITBI e o alienante figura como responsável.
Logo, caso o adquirente não efetue o recolhimento do tributo, o Município
pode cobrar do alienante.
Destaque-se, por oportuno, que em tais hipóteses, com fulcro no art. 134,
inciso VI do CTN, os tabeliães podem responder solidariamente, verbis:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumpri-


mento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem soli-
dariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omis-
sões de que forem responsáveis:
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos
tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles,
em razão do seu ofício;

Nas palavras do professor Leandro Paulsen, “Os responsáveis poderão


ser os tabeliães e os oficiais dos registros de imóveis, no caso de não exigi-
rem a prova do recolhimento do imposto por ocasião da prática dos atos
que lhes competirem (lavratura e escritura, transcrição dos títulos)”287

4. Critério Quantitativo

A base de cálculo do ITBI, de acordo com o art. 38, CTN, é estabelecida


pelo valor venal do bem imóvel ou dos direitos transmitidos.
No que se refere às alíquotas, estas serão fixadas pelos Municípios.

QUESTÕES

1) No caso de imóvel adquirido em hasta pública, qual será a base de cálculo


do ITBI? O valor da arrematação ou o valor venal do imóvel?

2) Em 10/05/2005 LIVINA MARIA ANDRADE arrematou judicialmente


um imóvel por R$ 350.000,00 localizado no Município de Rancho Quei-
mado. Recolheu o ITBI, com base no valor arrematado em juízo. A Sra.
LIVINA MARIA ANDRADE é agricultora e utiliza o imóvel para a pro-
dução agrícola e pecuária. O imóvel está dentro da zona urbana definida
por lei pelo Município, já que a rua onde se encontra o imóvel é asfaltada
287
PAULSEN, Leandro e MELO, José
e o Município fornece água e sistema de esgoto sanitário. Eduardo Soares de. Impostos federais,
Em 10/05/2008 recebeu notificação fiscal exigindo diferenças no valor do estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
ITBI pago por ocasião da aquisição judicial do imóvel. O Fisco Municipal gado editora, 2011. p. 303

FGV DIREITO RIO 224


Tributos em Espécie

entendeu que o tributo deveria ser calculado com base no valor da avalia-
ção judicial realizada no processo de execução no qual ocorreu a arrema-
tação (R$ 380.000,00). A Sra. LIVINA permaneceu inerte e é inscrita em
dívida ativa em 10/8/2008. Diante do caso, pergunta-se: tal cobrança está
correta? (42º Exame de Ordem – adaptada)

3) Caio e Tício pretendem celebrar contrato de compra e venda de bem


imóvel. Contudo, para consumarem o negócio, constituem previamente
a pessoa jurídica Provisória Ltda. formada por eles apenas, tendo por
fito única e exclusivamente não fazer incidir o ITBI sobre a operação,
com amparo no art.156, §2º, I, da CRFB, que prevê hipótese de imu-
nidade da referida exação sobre o imóvel utilizado na integralização do
capital social. Nesse sentido, Caio, originalmente proprietário alienante
do bem, integraliza suas quotas na forma do imóvel, e Tício completa
o capital social da empresa depositando o montante correspondente ao
valor do bem objeto da alienação. Após pouco mais de duas semanas,
Caio e Tício dissolvem a sociedade e, como consequência, Caio recebe
sua parcela do capital em dinheiro, ao passo que Tício recebe o seu qui-
nhão na forma do imóvel.
Analise a conduta adotada pelos particulares e responda se, e como, pode-
ria a Fazenda Municipal satisfazer seu crédito com relação à situação apre-
sentada, uma vez descoberta a real intenção dos dois agentes. (IV Exame
Unificado OAB)

LEITURA OBRIGATÓRIA

MELO, José Eduardo Soares de, PAULSEN, Leandro. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Livraria do Advogado, 6ª edição, 2011

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Barreto, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo:


Saraiva, 2009, p. 280-311.

FGV DIREITO RIO 225


Tributos em Espécie

AULA 15. TRIBUTAÇÃO SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÔNIO:


ITCMD - IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS OU DOAÇÃO

ESTUDO DE CASO

João, viúvo, pai de Pedro, Gabriel e Carolina, nos auge dos seus 100 anos,
por uma infelicidade do destino, vem a falecer após ter contraído uma forte
gripe. Quando da realização do inventário, Pedro, filho mais velho, deci-
de renunciar o seu direito ao recebimento dos bens na herança, mas ainda
não decidiu se prefere destiná-los a Gabriel, ou se seria melhor uma divisão
igualitária com Carolina. Na dúvida sobre a melhor opção a ser adotada,
Pedro chega a seu Escritório e solicita uma consulta sobre qual seria a me-
lhor das alternativas para reduzir a carga tributária. Vide Tjrj - 0010360-
77.2009.8.19.0000 (2009.002.03510) - Agravo de Instrumento Des. Elton
Leme - Julgamento: 27/02/2009 - Decima Sétima Camara Cível

1. Critério Material

A CF/88, em seu artigo 155, I, dispõe que “compete aos Estados e ao Dis-
trito Federal instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação, de
quaisquer bens ou direitos”. O ITCMD não estava previsto na Constituição
anterior, razão pela qual igualmente não se encontra previsão deste imposto
no CTN. Não há, igualmente, lei complementar nacional para regulamentá-
-lo. Assim, tanto a instituição, quanto a previsão de normas gerais e da regra-
-matriz do ITCMD, dependerá das leis de cada Estado. No Estado do Rio
de Janeiro, a lei que o prevê é a Lei nº 1.427/89
O Critério Material do ITCMD é transmitir bem ou direito a título gra-
tuito: a) por sucessão legitima ou testamentária ou b) por doação288. O pri-
meiro caso diz respeito a bens que, na divisão de patrimônio na partilha ou 288
A Lei Estadual do Rio de Janeiro
dispõe que: Art. 1.º O Imposto sobre
adjudicação, forem atribuídos aos cônjuges e herdeiros. Já a doação, segundo a Transmissão Causa Mortis e por Do-
o artigo 538 do Código Civil, é o contrato em que uma pessoa, por liberali- ação, de quaisquer Bens ou Direitos,
tem como fato gerador: I - a transmis-
dade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o da outra, haven- são da propriedade ou domínio útil de
bens imóveis por natureza ou acessão
do, assim mudança de titularidade a título gratuito. física, como definidos na lei civil; II -
a transmissão de direitos reais sobre
imóveis, exceto os de garantia e as
servidões prediais; III - a transmissão
de títulos, créditos, ações, quotas,
2. Critério Espacial valores e outros bens móveis de qual-
quer natureza, bem como os direitos a
eles relativos. IV - a aquisição de bem
O § 1.º do art. 155 dispõe que o ITCMD será devido, relativamente a ou direito em excesso pelo herdeiro,
cônjuge ou companheiro, na partilha,
bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Dis- em sucessão causa mortis, dissolução
de sociedade conjugal ou alteração do
trito Federal. Já no caso de bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado regime de bens.

FGV DIREITO RIO 226


Tributos em Espécie

onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doa-


dor, ou ao Distrito Federal. Assim, o critério espacial dependerá da nature-
za do objeto transmitido. Se imóvel, ocorrerá o fato gerador do ITCMD no
Estado da situação do bem; para os casos de bens móveis, títulos e créditos,
o imposto incidirá no Estado onde se processar o inventário ou arrolamen-
to, ou tiver domicílio o doador. Estas regras, além de estipularem o critério
espacial da regra-matriz, também determinam o sujeito ativo da relação
jurídica a se instaurar.
Um aspecto importante é se, ante a omissão do legislador nacional em
editar lei complementar com normas gerais relativas à competência para
instituir o imposto, poderia ou não haver cobrança dos Estados sobre bens
localizados no exterior, tendo em vista o que dispõe o art. 155, §1º, III, da
Constituição Federal289.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria
nos autos do RE nº 851.108, em 03 de junho de 2015. No caso a ser apre-
ciado pela Corte, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na origem,
decidiu que não poderia haver a cobrança, pois a omissão legislativa não
poderia ser suprida pelos Estados:

ITCMD. Incidência sobre doação de bem imóvel localizado no exte-


rior. Descabimento. Exigência constitucional de lei complementar (art.
155, § 1º, III) ainda não editada. Omissão legislativa que não pode
ser suprida pelos Estados-membros. Precedentes. Recursos não providos.

Critério Temporal

No caso da transmissão por sucessão causa mortis, o critério temporal


ocorre no momento do óbito, tendo em vista que é neste momento que se
abre a sucessão e que se transmite os bens e direitos aos sucessores. No caso
de transmissão por doação, o critério temporal dependerá da natureza do
bem – se móvel ou imóvel. No primeiro caso, a transmissão acontece com
a tradição, no segundo, com a transcrição no registro imobiliário. Assim, o
critério temporal será o momento em que ocorre a transmissão dos bens.

3. Critério Pessoal 289


Art. 155. Compete aos Estados e ao
Distrito Federal instituir impostos sobre
(...)
Sujeito Ativo § 1º O imposto previsto no inciso I:
III - terá competência para sua institui-
ção regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou resi-
Conforme vimos no critério espacial, o § 1.º do art. 155 da CF/88 dispõe dência no exterior;
que, quando se tratar de bens imóveis, o ITCMD será devido no Estado b) se o de cujus possuía bens, era re-
sidente ou domiciliado ou teve o seu
da situação do bem. Já quando a transmissão tiver por objeto bens móveis, inventário processado no exterior;

FGV DIREITO RIO 227


Tributos em Espécie

o sujeito ativo será o Estado onde se processar o inventário ou arrolamento,


no caso de transmissão causa mortis ou ao Estado onde tiver domicílio o do-
ador, no caso de doação.

Sujeito Passivo

A Constituição Federal não estabeleceu, ao contrário do que fez com os


demais critérios, quem seriam os sujeitos passivos do ITCMD. Assim, caberá
a cada Estado defini-los na lei que instituir e regular o imposto. Em confor-
midade com o critério material e com o princípio da capacidade contribu-
tiva, poderão ser sujeitos passivos do ITCMD o herdeiro ou legatário, na
transmissão em razão da morte; o donatário, na doação ou o cessionário. A
Lei Estadual do Estado do Rio de Janeiro nº 1.427/89, estabelece que

Art. 5.º  Contribuinte do imposto é o adquirente do bem ou direito


sobre imóvel, títulos, créditos, ações, quotas, valores e outros bens
móveis de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos,
assim entendida a pessoa em favor da qual se opera a transmissão,
seja por doação ou causa mortis.

4. Critério Quantitativo

Base de cálculo

A base de cálculo do ITCMD será o valor venal do bem ou direito trans-


mitido. A súmula 113 do STF dispõe que o ITCMD é calculado sobre o va-
lor dos bens do espólio na data da avaliação. Já a súmula 114 do STF dispõe
que o ITCMD não é exigível antes da homologação do cálculo em sede dos
autos de inventário. Ressalta-se que não são abatidas as dívidas que recaem
sobre os bens para fins de estipulação da base de cálculo do ITCMD.

Alíquota:

O inciso IV do § 1.º do art. 155 da CF/88 estabelece que o ITCMD terá


suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal. A resolução n° 09/92 do
Senado fixou então a alíquota máxima do imposto em 8%. No Estado do
Rio de Janeiro, a alíquota do ITCMD é de 4%.
Os tribunais não vinham admitindo a possibilidade de alíquotas progres-
sivas, sob o fundamento de tratar-se de imposto real e de não haver previsão
pela CF/88. A jurisprudência, entretanto, foi alterada pelo Supremo Tribu-
nal Federal, em julgamento submetido à sistemática da repercussão geral.

FGV DIREITO RIO 228


Tributos em Espécie

Na hipótese, o STF deu provimento ao RE nº 562.045. O governo do


Rio Grande do Sul contestava decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-
-RS), que entendeu inconstitucional a progressividade da alíquota do ITCD
(de 1% a 8%) prevista no artigo 18, da Lei gaúcha 8.821/89, e determinou a
aplicação da alíquota de 1%.
A maioria dos ministros votou pelo provimento do recurso extraordiná-
rio, concluindo que a progressividade em relação ao ITCD não é incompa-
tível com a Constituição Federal, tampouco fere o princípio da capacidade
contributiva.
Ainda com relação à alíquota, a súmula 112 do STF290 dispõe que se aplica
a alíquota vigente à época da abertura da sucessão.

LEITURA OBRIGATÓRIA

MELO, José Eduardo Soares de, PAULSEN, Leandro. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Livraria do Advogado, 6ª edição, 2011

Barreto, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo:


Saraiva, 2009, p. 280-311.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Oliveira, Jose Jayme de Macedo. Impostos Estaduais - ICMS , ITCMD,


IPVA. São Paulo: Saraiva.

290
SÚMULA Nº 112 STF: O IMPOSTO
DE TRANSMISSÃO “CAUSA MORTIS” É
DEVIDO PELA ALÍQUOTA VIGENTE AO
TEMPO DA ABERTURA DA SUCESSÃO.

FGV DIREITO RIO 229


Tributos em Espécie

Aula 16. IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE: itr, IPTU E IPVA

ESTUDO DE CASO - ITR

José dos Santos é proprietário de imóvel na zona urbana do Município


do Rio de Janeiro, no qual exerce atividade de exploração extrativa vege-
tal. Com base no art. 32, §1º, do CTN, e considerando que existem dois
melhoramentos mantidos pelo Poder Público (abastecimento de água e
rede de iluminação), recolhe regularmente o Imposto sobre a Proprieda-
de Predial e Territorial Urbana – IPTU. Contudo, discordando da inter-
pretação do contribuinte sobre a incidência do imposto municipal, a Re-
ceita Federal do Brasil lavra Auto de Infração para cobrança de ITR. Na
qualidade de advogado de João dos Santos, quais seriam os argumentos a
serem usados na defesa? Vide REsp 1112646/SP, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26/08/2009, Dje 28/08/2009.

ESTUDO DE CASO - IPTU

A Lei Municipal nº 5.641/89, do Município de Belo Horizonte, esti-


pulou as alíquotas do IPTU de forma progressiva, de acordo com o va-
lor e local do imóvel. Inconformado, um contribuinte ajuizou uma ação
sustentando a inconstitucionalidade da cobrança do tributo referente aos
anos de 1998 e 1999, tendo em vista a redação original dos artigos 156 e
182 da Constituição Federal. A decisão do STF foi no seguinte sentido:

EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário


nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o
império da atual Constituição, não é admitida a progressividade
fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145,
§ 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível
com a progressividade decorrente da capacidade econômica do
contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo
constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico).
- A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivo-
camente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal
a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação
especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com
finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portan-
to, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando

FGV DIREITO RIO 230


Tributos em Espécie

de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo


156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constan-
tes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Fede-
ral. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se
inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da
Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.(RE
153771, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em
20/11/1996, DJ 05-09-1997 PP-41892 EMENT VOL-01881-
03 PP-00496 RTJ VOL-00162-02 PP-00726)

Você concorda com o entendimento do STF de que a progressivida-


de com base na capacidade contributiva somente é aplicável a impostos
pessoais? Haveria alguma alteração no entendimento, caso a legislação
tivesse sido editada nos idos de 2004?

ESTUDO DE CASO - ipva

Diante da crise que vem afetando os Entes Públicos, o Estado de Per-


nambuco editou recentemente a Lei nº 15.603/15, fixando em 6% a
alíquota do IPVA “para embarcações recreativas ou esportivas, inclusive jet
ski”, no período de 1º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2019, com
base em interpretação extensiva do que seria “veículos automotores”.
Inconformado, um contribuinte impetrou Mandado de Segurança ob-
jetivando se livrar da referida cobrança, sob o argumento de que o refe-
rido imposto incide apenas sobre automóveis, não sobre as embarcações.
Na qualidade de Juiz, o que você decidiria?

ITR

1. Critério Material

Conforme se extrai do art. 153, VI, da CF/88, à União foi atribuída


competência para instituir o Imposto sobre Propriedade Territorial Ru-
ral, o qual incide sobre a propriedade de imóvel rural.

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


VI - propriedade territorial rural;

FGV DIREITO RIO 231


Tributos em Espécie

De acordo com o art. 29 do Código Tributário Nacional, a incidência


do imposto ora em comento se dá sobre a propriedade, o domínio útil ou a
posse do imóvel localizado fora da zona urbana do Município.

Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade


territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio
útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil,
localização fora da zona urbana do Município.

A Lei 9.393/1996, lei que institui o imposto, dispõe acerca do critério


material no mesmo sentido do Código Tributário Nacional.
Há discussão acerca da extrapolação da base econômica definida na
CRFB/88 pelo art. 29, do CTN. O art. 110, do CTN estabelece que a lei
tributária não pode alterar a definição, conteúdo e o alcance dos conceitos
de direito privado utilizados pela CRFB/88 para definir ou limitar compe-
tência tributárias.
O conceito de propriedade vigente quando da edição do CTN era aquele
constante do art. 500 do Código Civil de 1916, o qual prescrevia que pro-
priedade é o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los de
quem injustamente o possua. Com o advento do Código Civil de 2002,
o supramencionado conceito não foi consideravelmente modificado. Dessa
forma, vê-se que o conceito de propriedade do direito privado não abrange o
domínio útil e a posse, o que atrairia a inconstitucionalidade para o previsto
no art. 29, do CTN.
Entretanto, os tribunais têm se posicionado no sentido de que o domínio
útil e a posse são alcançados pelo ITR, uma vez que tais institutos, algumas
vezes, estão inseridos no conceito de propriedade.
Importante ressaltar que, diferentemente do IPTU, o ITR incide somente
sobre a propriedade territorial (e não sobre a predial). Na prática, isso quer
dizer que importa para a cobrança do ITR somente a extensão do território,
não fazendo diferença se há construções (prédios, casas, etc) sobre esta.
Com relação à imunidade, o art. 153, §4º, inciso II, da CF/88 prevê que o
ITR não incidirá sobre pequenas glebas rurais definidas em lei (Lei 9.393/96
– art. 2º) quando o proprietário destas não possuir outro imóvel.
O art. 3º da Lei 9.393/96 dispõe acerca de isenções do ITR. A Lei de Po-
lítica Agrícola (Lei 8.171/91), por sua vez, em seu art. 104, parágrafo único,
determina que são isentas do ITR as áreas dos imóveis rurais consideradas
de preservação permanente e de reserva legal. Ressalte-se, por oportuno, que
a referida isenção se estende às áreas de propriedade rural que se prestem a
preservação ambiental.

FGV DIREITO RIO 232


Tributos em Espécie

2. Critério Temporal

O fato gerador do ITR ocorre em 1º de janeiro de cada ano, conforme


previsão do art. 1º, da Lei 9.393/1996.

Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de


apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio
útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urba-
na do município, em 1º de janeiro de cada ano.

Interessante destacar que caso um indivíduo adquira um imóvel locali-


zado fora da zona urbana do município no mês de março, por exemplo, e
o ITR não tenha sido pago pelo proprietário quando da ocorrência do fato
gerador (1º de janeiro), a cobrança recairá sobre este primeiro proprietário,
pois era ele que se revestia da condição de contribuinte quando da ocorrên-
cia do fato gerador.

3. Critério Espacial

O art. 29 do CTN, como visto, determina que para incidência do ITR o


imóvel deve estar localizado fora da zona urbana do Município.
Conforme visto, cabe às leis municipais definir as zonas urbanas, podendo
ser consideradas urbanas as áreas urbanizadas ou de expansão urbana cons-
tantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, incidindo, nesses
casos, IPTU, conforme previsão do art. 32, §2º, do CTN.
A definição da zona rural, portanto, se faz por exclusão à definição de
zona urbana determinada pela municipalidade. Ou seja, uma vez determi-
nada a zona urbana pelo plano diretor do Município, tudo o que estiver
fora deste conceito será considerado zona rural, desde que atendidos as
regras previstas no CTN.
Entretanto, há de se ressaltar que caso o imóvel, mesmo que localizado
na zona urbana, desenvolva atividade extrativa, vegetal, pecuária ou agroin-
dustrial, haverá incidência do ITR, nos moldes do disposto no art. 15 do
Decreto-Lei 57/66:

Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de


1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utiliza-
do em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-indus-
trial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com
o mesmo cobrados. (Revogação suspensa pela RSF nº 9, de 2005)

FGV DIREITO RIO 233


Tributos em Espécie

Nas palavras do professor Luís Fernando de Souza Neves:

O art. 29 do CTN, ao dispor sobre o Imposto Territorial Rural, op-


tou por uma definição negativa de critério espacial e estabeleceu que
imóvel rural é aquele localizado fora da zona urbana do município.
Contudo, o art. 32 desse codex ao tratar do IPTU, elencou os re-
quisitos mínimos a serem seguidos pelos Municípios para delimitar
a zona urbana.

Como se pode ver, o CTN adotou o critério da localização para estabele-


cer a incidência de IPTU ou ITR. Entretanto, como mencionado acima, o
art. 15 do Decreto-Lei 57/66 adotou o critério da destinação. De acordo com
o referido dispositivo normativo, não incide IPTU, mas sim ITR quando o
imóvel, ainda que localizado em zona urbana, seja utilizado em exploração
extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro industrial. Esse dispositivo foi
recepcionado pela CF/88 e deve ser interpretado sistematicamente quando
diante das situações descritas.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRI-


BUTÁRIO. IPTU. VIOLAÇÃO DO ART. 32, § 1º, DO CTN.
NÃO-OCORRÊNCIA. IMÓVEL SITUADO NA ZONA UR-
BANA. ART. 15 DO DECRETO 57/66. CRITÉRIO DA DES-
TINAÇÃO ECONÔMICA. NECESSIDADE DE COMPRO-
VAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O critério da localização do imóvel é insuficiente para que se deci-
da sobre a incidência do IPTU ou ITR, sendo necessário observar-se
o critério da destinação econômica, conforme já decidiu a Egrégia
2ª Turma, com base em posicionamento do STF sobre a vigência
do DL nº 57/66 (AgRg no Ag 498.512/RS, 2ª Turma, Rel. Min.
Francisco Peçanha Martins, DJ de 16.5.2005).
2. Não tendo o agravante comprovado perante as instâncias ordiná-
rias que o seu imóvel é destinado economicamente à atividade rural,
deve incidir sobre ele o Imposto Predial e Territorial Urbano291.

De acordo com Leandro Paulsen292, “para identificação das áreas rural e ur-
bana, é fundamental a análise do plano diretor de cada Município, devendo-se, 291
Superior Tribunal de Justiça. AgRg
no REsp nº 679173/SC. Relator: Mi-
ainda, contrastá-lo com o art. 32, §1º, do CTN que, estabelecendo os requisitos nistra Denise Arruda. Julgamento em
mínimos de infraestrutura urbana para a caracterização de determina área como 11/09/2007. Dj 18/10/2007
292
PAULSEN, Leandro e MELO, José
zona urbana (e, a contrario sensu, como zona rural), previne conflitos de compe- Eduardo Soares de. Impostos federais,
tência e dá elementos objetivos para que se resolvam as dúvidas que porventura estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
surgirem sobre a sujeição do proprietário ao ITR ou ao IPTU” gado editora, 2011. p. 180-181

FGV DIREITO RIO 234


Tributos em Espécie

4. Critério Pessoal

A competência para instituir o ITR, como já mencionado, é da União


Federal. A capacidade tributária ativa, no entanto, pode ser delegada aos
Municípios que assim optarem, conforme art. 153, §4º, CF/88. A lei nº
11.250/2005 dispõe sobre esta questão:

Art.1º A União, por intermédio da Secretaria da Receita Fe-


deral, para fins do disposto no inciso III do § 4o do art. 153 da
Constituição Federal, poderá celebrar convênios com o Distrito
Federal e os Municípios que assim optarem, visando a delegar as
atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos crédi-
tos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural, de que trata o inciso VI do art. 153 da Consti-
tuição Federal, sem prejuízo da competência supletiva da Secre-
taria da Receita Federal.

Quando o município assume o exercício da capacidade tributária


ativa, a arrecadação da totalidade do tributo permanece com ele. Caso
contrário, apenas 50% da receita serão destinados aos municípios.
O sujeito passivo, por sua vez, é o proprietário, o titular do domí-
nio útil ou o possuidor com animus domni do imóvel localizado em
zona rural.

5. Critério Quantitativo

A base de cálculo do ITR é o valor da terra nua tributável, conforme


previsão do art. 11, da Lei 9.393/96. Valor da terra nua tributável é o pre-
ço de mercado do imóvel, excluído o valor das construções, instalações,
benfeitoria, culturas permanentes, pastagens, florestas plantadas, etc, nos
moldes da previsão do art. 10, §1º, I, da Lei 9.393/96. Importante res-
saltar que devem ser excluídas da base de cálculo as áreas de preservação
permanente, reserva legal, de interesse ecológico e comprovadamente im-
prestáveis para exploração agrícola e pecuária.
As alíquotas do ITR são progressivas em razão de seu caráter extrafis-
cal (art. 153, §4º, CF/88). A progressividade poderá ser feita através do
aumento da alíquota em relação ao aumento da base de cálculo, mas tam-
bém por critérios que levem em conta a destinação econômica do imóvel
rural, tal como acontece com a tabela prevista na lei 9.393/96:

FGV DIREITO RIO 235


Tributos em Espécie

Area total Grau de Utilização – GU (em %)

(hectares) Maior que 80 Entre 65 e 80 Entre 50 e 65 Entre 30 e 50 Até 30

Até 50 0,03 0,20 0,40 0,70 1,00


50 – 200 0,07 0,40 0,80 1,40 2,00
200 – 500 0,10 0,60 1,30 2,30 3,30
500 – 1000 0,15 0,85 1,90 3,30 4,70
1000 –5000 0,30 1,60 3,40 6,00 8,60
Mais que 5000 0,45 3,00 6,40 12,00 20,00

Conforme podemos observar na tabela acima, as alíquotas do ITR variam


em função de dois critérios: o grau de utilização da terra e da área total des-
ta. O grau de utilização corresponde à porcentagem da terra que está sendo
cultivada ou utilizada em relação à área total aproveitável desta (GU= área
utilizada/ área aproveitável). Assim, quanto maior a área total e menor o grau
de utilização, maior será a alíquota do ITR, podendo alcançar até a porcenta-
gem de 20%. Já o contrário – pequena área e grande grau de utilização – terá
a incidência de uma alíquota baixa (a partir de 0,03%).

IPTU

1. Critério Material

O IPTU, tributo de competência dos Municípios, está previsto pela


CF/88 no seu art. 156, I:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


I - propriedade predial e territorial urbana;

A regra-matriz do IPTU tem por critério material “ser proprietário, ter o


domínio útil ou ser possuidor de bem imóvel”, conforme artigo 32 do CTN:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a pro-


priedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a pro-
priedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza
ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona
urbana do Município.

FGV DIREITO RIO 236


Tributos em Espécie

Para bem definirmos tal critério, é preciso se fazer uma incursão em alguns
conceitos típicos de direito civil. O primeiro deles é o conceito de proprieda-
de. O art. 1.228 do Código Civil dispõe que:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor


da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injusta-
mente a possua ou detenha.

Já o domínio útil é o direito de utilização, fruição e disposição, inclusi-


ve o de alienação, decorrente do regime de enfiteuse. O regime de enfiteuse
configura-se um direito real sobre coisa alheia, na qual o proprietário atribui a
outrem o domínio útil do imóvel, mediante recebimento de pensão, foro, lau-
dêmio. Apesar deste instituto não estar mais previsto no Novo Código Civil,
as enfiteuses estabelecidas anteriormente a esta norma permanecem vigentes.
Por fim, cumpre conceituarmos o conceito de posse. A posse está prevista no
art. 1196 do CC nos seguintes termos: “considera-se possuidor todo aquele que
tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Há que sublinhar, no entanto, que somente a posse ad usucapionem, ou
seja, aquela que tem o ânimo de ser proprietário, é que pode ser configurada
como critério material do IPTU.
Ainda sobre o critério material, o bem a que se refere a propriedade, domí-
nio útil e posse deve ser um bem imóvel, de acordo com art. 79 do CC: “São
bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.
Ou seja, o IPTU recai somente sobre aqueles bens incorporados de forma
permanente ao solo que possam servir de habitação ou para o exercício de
quaisquer atividades, em condições de habitabilidade.

2. Critério Espacial

O critério espacial do IPTU tem a peculiaridade de ser apenas uma parte


do território do Município: a zona urbana. Assim, somente os imóveis loca-
lizados dentro dos limites da zona urbana de determinado Município poderá
ser gravado pelo IPTU, pois os demais (localizados na zona rural) serão tri-
butados pelo ITR – Imposto Territorial Rural – de competência da União.
Mas como se pode definir o que é zona urbana? O art. 32, § 1° e 2° do CTN
traz elementos para a definição de zona urbana. Segundo este artigo, há que
haver a presença de no mínimo dois dos melhoramentos elencados:

§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a


definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da exis-
tência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos in-
cisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

FGV DIREITO RIO 237


Tributos em Espécie

I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;


II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para
distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3
(três) quilômetros do imóvel considerado.

Assim, será urbana a área dotada de equipamentos, tais como hospitais,


centro de saúde, escolas, redes de água, luz, esgoto, etc.
O § 2º do artigo 32 define que “a lei municipal pode considerar urbanas as
áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados
pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mes-
mo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior”.
Assim, permite o CTN que os Municípios considerem como urbanas as áreas
nas quais não necessariamente existam os melhoramentos indicados no § 1º,
mas que sejam consideradas como urbanizáveis ou de expansão urbana.
O STJ293 também tem adotado o entendimento de que quando se tratar
de imóvel localizado em zona considerada urbana, mas que tenha finalidade
agrícola, pecuária ou agroindustrial incidirá o ITR e não o IPTU. Este enten-
dimento fundamenta-se no artigo 15 do DL 57/66 que dispõe :

Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de


1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utili-
zado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-in-
dustrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos
com o mesmo cobrados.

3. Critério Temporal

O critério temporal do IPTU dependerá da lei de cada município. Nor- 293


TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA
URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU.
malmente se elegem os dias 31 de dezembro ou 1° de janeiro de cada ano NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL
para se considerar ocorrido o critério material do imposto e, por conseguinte, 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART.
543-C DO CPC. 1. Não incide IPTU, mas
efetuar a cobrança da exação. ITR, sobre imóvel localizado na área
urbana do Município, desde que com-
Com relação ao critério temporal, cumpre salientar, na linha do que afirma provadamente utilizado em exploração
Aires Barreto294, que são irrelevantes alterações físicas ou de titularidade ocorri- extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou
agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).
das após o marco temporal de incidência do imposto definido pela lei munici- 2. Recurso Especial provido. Acórdão
sujeito ao regime do art. 543-C do CPC
pal. Ou seja, o que importa, para fins de IPTU, é a existência da propriedade, e da Resolução 8/2008 do STJ. (REsp
domínio útil ou posse naquela data. Assim, a imposição não se modifica por 1112646/SP, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
fato superveniente no decorrer do exercício, tais como demolição ou desapare- em 26/08/2009, DJe 28/08/2009)

cimento do prédio, venda e mudança de proprietário, etc. Eventuais mudanças 294


BARRETO, Aires F. Curso de Direito
Tributário Municipal. São Paulo: Sa-
ocorridas após a data indicada por lei só valerão para o próximo exercício. raiva, 2009.

FGV DIREITO RIO 238


Tributos em Espécie

4. Critério Pessoal

Por fim, passemos a análise do consequente da Regra Matriz do IPTU.


Temos como sujeito ativo os Municípios e como sujeito passivo, segundo
o art. 34 do CTN, o proprietário do imóvel, titular de seu domínio útil ou
possuidor a qualquer título:

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titu-


lar do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Proprietário é aquele que tem a propriedade do imóvel, ou seja, a faculda-


de de usar, gozar e dispor do bem, conforme vimos no critério material. Im-
portante salientar que a propriedade somente se prova mediante o registro no
Registro de Imóveis. O titular do seu domínio útil, por outro lado, é aquele
que mantém um regime de enfiteuse face o imóvel. Já o possuidor é aquele
que exerce uma das prerrogativas inerentes à propriedade e tem o animus
295
PAULSEN, Leandro e MELO, José
domini, ou seja, a vontade de ter o bem como seu ( posse ad usucapionem). Eduardo Soares de. Impostos federais,
Com relação ao contribuinte do IPTU, questões controvertidas podem estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
surgir no que diz respeito, por exemplo, à situação do locatário, arrendan- gado editora, 2011.

te, comodatário, usuário e titular do direito de habitação, bem como do 296


TRIBUTÁRIO - IPTU - CONTRIBUINTE -
POSSUIDOR - ART. 34 DO CTN.
promitente comprador. 1. O IPTU é imposto que tem como con-
tribuinte o proprietário ou o possuidor
Com relação ao locatário, arrendante, comodatário, Paulsen295 afirma por direito real que exerce a posse com
que estes, por somente possuírem a posse direta do bem e não tendo a animus definitivo - art. 34 do CTN.
2. O comodatário é possuidor por re-
possibilidade de transferir, locar ou ceder a terceiros, não podem ser con- lação de direito pessoal e, como tal,
não é contribuinte do IPTU do imóvel
siderados contribuintes. O STJ também entende neste mesmo sentido296. que ocupa.
Mesmo que o contrato de locação preveja que o pagamento do IPTU será 3. Não sendo contribuinte o possuidor
e confundindo-se, no Município, as
feito pelo locatário, tal cláusula não terá efeito perante o fisco, tendo em posições de proprietário do imóvel e de
sujeito ativo para a cobrança do IPTU,
vista o artigo 123 do CTN297. resulta indevido o tributo.
4. Recurso especial improvido.
O usuário e o titular do direito de habitação igualmente não podem (REsp 325.489/SP, Rel. Ministra ELIANA
ser considerados contribuintes, vez que “apenas usam a coisa e percebem CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/11/2002, DJ 24/02/2003, p. 217)
seus frutos quando o exigirem as necessidades suas e de sua família; e ha- 297
Art. 123. Salvo disposições de lei em
bitam gratuitamente casa alheia e não possuem a titularidade do imóvel contrário, as convenções particulares,
relativas à responsabilidade pelo
e sequer a posse298”. pagamento de tributos, não podem
ser opostas à Fazenda Pública, para
Por fim, com relação à possibilidade do promitente comprador do imóvel modificar a definição legal do sujeito
ser contribuinte do IPTU, a doutrina diverge entre duas posições. A primeira passivo das obrigações tributárias cor-
respondentes.
defende que o promitente comprador somente poderá ser contribuinte do 298
PAULSEN, Leandro e MELO, José
IPTU quando se tratar de “promessa irretratável de venda, houver pago todas Eduardo Soares de. Impostos federais,
estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
as parcelas contratuais e se encontrar habilitado a lavrar escritura”299. atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado editora, 2011.
Já a segunda corrente defende que sempre o promitente comprador pode-
299
PAULSEN, Leandro e MELO, José
rá ser alçado como sujeito passivo do IPTU, vez que este detém a posse com Eduardo Soares de. Impostos federais,
o animus domini. Neste sentido é o entendimento do STJ que já decidiu a estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
questão na sistemática do recurso repetitivo: gado editora, 2011.

FGV DIREITO RIO 239


Tributos em Espécie

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. CONTRATO DE


PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LEGITIMI-
DADE PASSIVA DO POSSUIDOR (PROMITENTE COMPRA-
DOR) E DO PROPRIETÁRIO (PROMITENTE VENDEDOR).
1. Segundo o art. 34 do CTN, consideram-se contribuintes do
IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o
seu possuidor a qualquer título.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que tanto
o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel
quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a
propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes
responsáveis pelo pagamento do IPTU.
(...)
4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-
C do CPC e da Resolução STJ 08/08.
(REsp 1110551/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2009, DJe
18/06/2009)

Por fim, vale destacar, embora o caso analisado tenha como objeto o ITR,
mas com o racional que também se aplica ao IPTU, que o STJ300 se mani-
festou no sentido de que, se houve invasão do Movimento “Sem Terra” em
determinado imóvel, com a perda dos direitos inerentes à propriedade – usar,
gozar e dispor –, o proprietário não seria legítimo para figurar no polo passi-
vo da cobrança da dívida.

5. Critério Quantitativo

O critério quantitativo tem como base de cálculo o valor venal do imóvel,


segundo o art. 33 do CTN:

Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.


Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se con-
sidera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente
ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração,
aformoseamento ou comodidade. 300
STJ, Segunda Turma, REsp nº
1144982/PR, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Julgado em 13/10/2009
O valor venal do imóvel é o valor de mercado, de venda da propriedade. 301
PAULSEN, Leandro e MELO, José
O valor venal do imóvel é periodicamente apurado pela Prefeitura, através de Eduardo Soares de. Impostos federais,
estaduais e municipais. 6ª edição rev.
normas e métodos específicos e em função de diversos elementos (preço de e atual – Porto Alegre: Livraria do Ad-
mercado, custo de produção, profundidade, idade, padrão, esquina, encrava- vogado editora, 2011. BARRETO, Aires
F. Curso de Direito Tributário Municipal.
mento, etc.), restando consignado na “planta genérica de valores”301. São Paulo: Saraiva, 2009.

FGV DIREITO RIO 240


Tributos em Espécie

Com relação à base de calculo, ressalta-se que a atualização do valor


venal, pela correção monetária, não constitui majoração da base de cálculo
do IPTU, podendo ser feita, por conseguinte, mediante ato do poder exe-
cutivo e não exclusivamente por lei.
As alíquotas do IPTU serão estabelecidas em lei municipal. O Muni-
cípio, no entanto, não pode fixá-la em valores exorbitantes, devendo res-
peitar o princípio da capacidade econômica e do não-confisco. Após a EC
29/00 é possível estabelecer alíquotas progressivas em razão do valor, da
localização e do uso do imóvel, assunto que passaremos a ver a seguir.

6. Progressividade no IPTU

A Emenda Constitucional nº 29 de 2000, ao modificar o § 1º do arti-


go 156 da CF, inseriu expressamente a possibilidade de progressividade do
IPTU em razão do valor, localização e uso do imóvel:

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o


art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso
do imóvel. 

De acordo com o entendimento do STF, a progressividade do IPTU


só foi possível com a Emenda 29/2000, que introduziu este dispositivo na
Constituição. Antes disso, a progressividade somente era permitida para fins
de cumprimento da função social da propriedade, tal como prevista no art.
182 § 4º da CF/88. Neste sentido é a súmula 668 do STF:

Constitucionalidade - Lei Municipal - Alíquotas Progressivas -


IPTU - Função Social - Propriedade Urbana -   É inconstitucional
a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitu-
cional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se desti-
nada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade
urbana. (STF Súmula nº 668 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p.
4; DJ de 10/10/2003, p. 4; DJ de 13/10/2003, p. 4)

Assim, a partir da EC 29/2000, o IPTU poderá ser cobrado de forma


progressiva em três casos: quanto maior o valor do imóvel maior poderá ser
a alíquota, tal como acontece na sistemática do Imposto de Renda – Pessoa
Física ou pode ter alíquotas diferenciadas em função da localização do imóvel

FGV DIREITO RIO 241


Tributos em Espécie

(imóveis localizados em áreas nobres teriam alíquotas maiores e localizados


em bairros de classe baixa, menores) e em função do modo de utilização dos
mesmos (diferenciação de alíquotas entre imóveis residenciais, comerciais,
destinados a certos fins, etc).
Em sua redação original, a CF/88 já previa, no art. 182 § 4º, a progressi-
vidade do IPTU no tempo como um instrumento de política urbana:

Art. 182 § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante


lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos
da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subuti-
lizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamen-
to, sob pena, sucessivamente, de:
(...)
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progres-
sivo no tempo;

A progressividade no tempo permite um agravamento da carga tributária


ao proprietário que não promover um adequado aproveitamento do imóvel
ao longo do tempo. Este instituto tem uma finalidade extrafiscal, com intuito
de desestimular a manutenção de imóveis sem a devida utilização e destino.

IPVA

1. Critério Material

A tributação sobre a propriedade de veículos no Brasil se iniciou com a


Taxa Rodoviária Única – TRU, de cobrança anual. Em 1985, a TRU foi
extinta, tendo a EC 27/85 sido a responsável pela introdução do IPVA no
ordenamento jurídico com a inserção do item III no artigo 23 da Constitui-
ção de 1967. Em razão da mencionada inserção, a TRU foi extinta e o IPVA
a substituiu.
Conforme se extrai do art. 155, III, CF/88, aos Estados e ao Distrito Fe-
deral foi atribuída competência para instituir o IPVA, o qual incide sobre a
propriedade de veículos automotores.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir


impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
3, de 1993)
III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

FGV DIREITO RIO 242


Tributos em Espécie

Destaque-se que o IPVA não possui lei complementar nacional de


definição de normas gerais. Dessa forma, até que venha a ser editada
a referida lei complementar, os Estados e o Distrito Federal possuem
competência legislativa plena para disciplinar tal tributo, conforme art.
24, §3º, da CF/88.
No que se refere ao fato gerador do IPVA, pode-se dizer que o concei-
to de propriedade utilizado abrange a propriedade plena ou não. Assim
como ocorre com o IPTU, é possível que a lei estabeleça a incidência de
IPVA sobre a propriedade plena, o domínio útil ou a posse do veículo
automotor. A título de exemplo, temos a Lei 7.431/85 do Distrito Fe-
deral, a qual prevê a incidência do IPVA sobre o domínio útil e a posse
do veículo automotor.
Quando o veículo encontra-se na montadora, a propriedade é da
montadora, entretanto, entende-se que não há incidência do IPVA em
tais hipóteses, uma vez que o automóvel figura como mercadoria para as
montadoras. Somente a partir do momento em que ele é vendido para o
consumidor final, há a incidência do IPVA.
Questão relevante refere-se ao IPVA sobre as embarcações e aerona-
ves. O STF, ao decidir acerca da incidência do IPVA sobre tais veículos,
interpretou o fato gerador à luz da origem do tributo. A TRU somente
incidia sobre veículos automotores terrestres e o IPVA foi instituído para
substituí-la, logo, sua incidência deve ocorrer nos mesmos moldes da
TRU. Além disso, o registro de embarcações é federal e, por isso, sendo o
IPVA um tributo estadual, sua incidência não abarcaria as embarcações.

Recurso Extraordinário. Tributário. 2. Não incide Imposto de


Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre embarca-
ções (Art. 155, III, CF/88 e Art. 23, III e § 13, CF/67 conforme
EC 01/69 e EC 27/85). Precedentes. 3. Recurso extraordinário
conhecido e provido302.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 379572, o ministro Jo-


aquim Barbosa se manifestou nos seguintes termos: “a expressão consti-
tucional ‘veículos automotores’ é ampla o suficiente para abranger embarca-
ções, ou seja, veículos de transporte aquático”303. Carlos Ayres Britto, por
sua vez, utilizou os seguintes argumentos: “Entendo que veículos automo-
tores, à luz da CRFB/88, tem sentido estrito e não lato; implica, a meu ver, 302
Supremo Tribunal Federal, Recurso
deslocamento por via terrestre, exclusivamente”304. O ministro Cezar Pelu- Extraordinário nº 379572. Tribunal
Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes.
so sustentou que “a definição do alcance da expressão ‘veículos automotores’ Julgamento em 11/04/2007.
deve ser tomada em sua acepção técnica, abrangendo, exclusivamente, os Idem
303

veículos de transporte viário ou terrestre; escapam de seu alcance, pois, as Idem.


304

aeronaves e embarcações”305. Idem.


305

FGV DIREITO RIO 243


Tributos em Espécie

2. Critério Temporal

O critério temporal será a data prevista na Lei Estadual que institui o


IPVA. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei 2.877/1997 determina que
o fato gerador ocorre em 1º de janeiro de cada ano para veículos já usados.

Art. 1º - O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automo-


tores, devido anualmente, tem como fato gerador a proprieda-
de de veículo automotor de qualquer espécie, por proprietário
domiciliado ou residente no Estado do Rio de Janeiro ou que
esteja sujeito à inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do
Estado do Rio de Janeiro - CADERJ, nos termos do Capítulo
IX desta Lei.
§ 1º - Para efeito desta lei, veículo automotor é qualquer veículo
aéreo, terrestre, aquático ou anfíbio, dotado de força motriz própria,
ainda que complementar ou alternativa de fonte de energia natural.
§ 2º - Considera-se ocorrido o fato gerador:
I - em 1º de janeiro de cada exercício ou quando o veículo for en-
contrado no território do Estado do Rio de Janeiro sem o com-
provante do pagamento do imposto objeto desta lei;
II - na data de sua primeira aquisição por consumidor final, no
caso de veículo novo;
III - na data do desembaraço aduaneiro, em se tratando de veícu-
lo novo ou usado, importado do exterior pelo consumidor final.

Destaque-se, novamente, que, na aquisição de veículos novos, o fato


gerador ocorre no momento da referida aquisição.

3. Critério Espacial

O IPVA é devido ao Município em que registrado e licenciado o veículo


nos cadastros das autoridades de trânsito. Caso não haja necessidade de regis-
tro, o IPVA compete ao Município em que domiciliado seu proprietário306.
Importante ressaltar que o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n°
9503/97), em seu artigo 120 dispõe que “todo veículo automotor, elétri-
co, articulado, reboque ou semi-reboque deve ser registrado perante o órgão
executivo de trânsito do estado ou do Distrito Federal, no município de do-
306
PAULSEN, Leandro e MELO, José
micílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”.Assim para que Eduardo Soares de. Impostos federais,
um indivíduo registre o carro em determinado estado, é necessário que estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
ele resida ou ali seja domiciliado. gado editora, 2011. p. 278

FGV DIREITO RIO 244


Tributos em Espécie

4. Critério Pessoal

O pólo ativo de cobrança do IPVA é ocupado pelos Estados e o Distrito


Federal. Destaque-se, entretanto, que, de acordo com o art. 158, III, da
CRFB/88, 50% da arrecadação se destinam ao Município no qual o veícu-
lo foi licenciado.

Art. 158. Pertencem aos Municípios:


III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto
do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licencia-
dos em seus territórios;

O pólo passivo, por sua vez, é ocupado pelo proprietário do veículo em


1º de janeiro. A lei estadual, no entanto, pode prever responsabilidade do
adquirente, conforme art. 128, do CTN.
O contribuinte é o proprietário do veículo, podendo ser responsáveis:
(I) o adquirente (em relação ao veículo adquirido sem o pagamento do
imposto do exercício ou exercícios anteriores); (II) o titular do domínio e/
ou possuidor a qualquer título; (III) o proprietário do veículo de qualquer
espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público en-
carregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula de veículo
de qualquer espécie, sem a prova do pagamento ou do reconhecimento de
isenção ou imunidade do imposto307.
Com relação ao contribuinte no arrendamento mercantil, o STJ assim
se posiciona:

Em arrendamento mercantil, a arrendante é responsável solidária


para o adimplemento da obrigação tributária concernente ao IPVA,
nos termos do art. 1º, § 7º da Lei Federal n. 7.431/85, por ser ela
possuidora indireta do bem arrendado e conservar a propriedade até
o final do pacto. (REsp 897205/DF, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ
29/03/2007, p. 253)

5. Critério Quantitativo

A base de cálculo do IPVA é definida pelo valor de venda (valor venal) 307
PAULSEN, Leandro e MELO, José
Eduardo Soares de. Impostos federais,
dos veículos usados, o valor de aquisição para os veículos novos e o valor da estaduais e municipais. 6ª edição rev. e
atual – Porto Alegre: Livraria do Advo-
importação para os veículos importados. gado editora, 2011. p. 278

FGV DIREITO RIO 245


Tributos em Espécie

As alíquotas são definidas em lei estadual. No julgamento do Recurso


Extraordinário nº 414259, o STF decidiu que as alíquotas podem variar em
razão do tipo do automóvel ou utilização do mesmo, mas não em razão de
sua origem, conforme art. 155, §6º, II, da CRFB/88:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁ-


RIO. IPVA. LEI ESTADUAL. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS
EM RAZÃO DO TIPO DO VEÍCULO. 1. Os Estados-membros
estão legitimados a editar normas gerais referentes ao IPVA, no
exercício da competência concorrente prevista no artigo 24, § 3º,
da Constituição do Brasil. 2. Não há tributo progressivo quando
as alíquotas são diferenciadas segundo critérios que não levam em
consideração a capacidade contributiva. Agravo Regimental a que
se nega provimento.(RE 414259 AgR, Relator(a):  Min. EROS
GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-152 DI-
VULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-
05 PP-00931 LEXSTF v. 30, n. 360, 2008, p. 160-165)

Há de se ressaltar que as alíquotas mínimas do IPVA serão fixadas pelo


Senado Federal, de acordo com redação do art. 155, §6º, I, da CRFB/88

questões - ITr

1) Em janeiro de 2007, o agricultor Manoel Santos teve sua extensa pro-


priedade invadida por cinquenta famílias de camponeses. Inconfor-
mado, ele moveu, tempestivamente, ação de reintegração de posse
com pedido de medida liminar no intuito de ser reintegrado na posse
do imóvel, a qual foi prontamente deferida, embora siga pendente de
cumprimento, por inércia do poder público. Com base na situação
apresentada, responda, fundamentadamente, como repercute a inci-
dência do Imposto Territorial Rural. (V Exame de Ordem Unificado
– 2011-02/ FGV Projetos)

2) José é proprietário de imóvel na cidade Y, no estado de Minas Gerais.


No ano de 2004, José foi contribuinte de imposto sobre propriedade
territorial rural (ITR). Em 2005, o município Y editou lei em que pas-
sou a considerar como urbana a localidade em que está situado o imó-
vel de José, razão pela qual lhe exigiria imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana (IPTU) no exercício seguinte. Na situação
hipotética apresentada, no ano de 2006, José deveria pagar em relação
à propriedade do imóvel ITR ou IPTU? Justifique sua resposta. (36º
Exame de Ordem – 1ª Fase (2008-2/ CESPE-UNB).

FGV DIREITO RIO 246


Tributos em Espécie

3) Construa a Regra-Matriz do ITR, conforme a Lei 9.393/96.1) Sem-


prônio dos Santos é proprietário de um sítio de recreio, local destina-
do ao lazer, na área de expansão urbana, na região serrana de Paraíso
do Alto. A área é dotada de rede de abastecimento de água, rede de
iluminação pública e esgotamento mantidas pelo município, embora
não existam próximos quer escola, quer hospitais públicos. Neste caso
Semprônio deve pagar o seguinte imposto (42º Exame de Ordem – 1ª
Fase – 2010-02 FGV-Projetos):
(A) o IPTU, por ser área de expansão urbana, dotada de melhoramentos.
(B) o ITR, por ser sítio de recreio, não inserido em área urbana.
(C) o IPTU, por ser sítio, explorado para fins empresariais.
(D) o ITR, por não haver escola ou hospital próximos a menos de3km do
imóvel

4) Caso determinado município venha a atualizar o valor monetário da


base de cálculo do IPTU, tal hipótese (42º Exame de Ordem – 1ª Fase
– 2010-02 FGV-Projetos):
(A) deve vir regulada por lei.
(B) deve vir regulada por lei complementar.
(C) enquadra-se como majoração de tributo.
(D) poderá ser disciplinada mediante decreto.

5) Ruth recebeu, em sua residência, o carnê para pagamento do impos-


to sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) em valor
muito superior ao que lhe havia sido cobrado no ano anterior. Pes-
quisando os motivos do novo valor, constatou que a base de cálculo
do imposto fora majorada por decreto do Poder Executivo. Incon-
formada com o valor do imposto, Ruth consultou profissional da
advocacia com o propósito de informar-se a respeito da legalidade
da referida cobrança. Em face dessa situação hipotética, na quali-
dade de advogado(a) consultado(a) por Ruth, responda, de forma
fundamentada, qual seria a medida judicial cabível para a defesa dos
interesses de sua cliente. (40º Exame de Ordem – 1ª Fase - 2009-3 /
CESPE-UNB)

6) Com relação ao IPTU, responda:


a) Uma instituição de educação sem fins lucrativos é proprietária de di-
versas casas e apartamentos que aluga para terceiros. O Município do
Rio de Janeiro enviou à instituição o carnê de cobrança do IPTU de
2012, alegando que tais imóveis, por estarem alugados a terceiros, não
estariam sendo usados na atividade-fim da entidade (educação). Esta
cobrança é legítima? Por quê? Fundamente.

FGV DIREITO RIO 247


Tributos em Espécie

b) Francisco Buarque possui uma extensa propriedade dentro do Municí-


pio do Rio de Janeiro, na qual cultiva frutas, verduras e legumes, bem
como cria alguns animais para consumo próprio. A Municipalidade
vem cobrando do cantor o IPTU de 2012 relativo ao imóvel, já que
este se encontra em área considerada urbana pelo plano diretor. Segun-
do o entendimento majoritário do STJ, como deve ocorrer a tributação
deste imóvel?

LEITURA OBRIGATÓRIA

Barreto, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Sa-


raiva, 2009, p. 175-224.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

FERNANDES, Cintia Estefania. IPTU: Texto e Contexto. São Paulo: Quar-


tier Latin, 2005, p. 303-399.

MELO, José Eduardo Soares de, PAULSEN, Leandro. Impostos Federais,


Estaduais e Municipais. Livraria do Advogado, 6ª edição, 2011

FGV DIREITO RIO 248


Tributos em Espécie

AULA 17. SIMPLES NACIONAL


O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado, simplificado e


favorecido previsto na Lei Complementar nº 123/2006. Este regime é aplicá-
vel às Microempresas e às Empresas de Pequeno Porte, a partir de 01.07.2007.
O sistema abrange todos os entes da Federação, é facultativo, mas irre-
tratável para o ano calendário. O recolhimento é mensal e calculado sobre
a receita bruta mensal da pessoa jurídica. O pagamento deve ser feito até
o último dia da primeira quinzena ao mês subsequente em que a receita
tiver sido auferida.
A Lei Complementar 139/2011 alterou os valores máximos de receita
bruta anual para definição de micro e pequena empresa. Na redação origi-
nal da LC 123/06, considerava-se microempresa, para fins de inclusão no
SIMPLES, o empresário, pessoa jurídica, ou a ela equiparada, que aufira,
em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00
e Empresa de Pequeno Porte o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela
equiparada, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a
R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00. A partir de 2012,
estes valores passaram a ser de até R$ 360.000,00 para microempresário
e R$ 3.600.000,00 para pequena empresa.
A Lei Complementar nº 155/2016 alterou novamente o limite, que
passou a ser, para as empresas de pequeno porte, a partir de 2018, de
R$ 4.800.000,00.

Tal sistema tem por vantagem o fato de abranger os seguintes tributos:

• Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ);


• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
• Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
• Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS);
• Contribuição para o PIS/Pasep;
• Contribuição Patronal Previdenciária (CPP);
• Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação (ICMS);
• Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

FGV DIREITO RIO 249


Tributos em Espécie

O recolhimento dos tributos sob o regime do Simples Nacional não


exclui, contudo, a incidência de outros tributos não listados acima, como,
por exemplo:

• Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a


Títulos ou Valores Mobiliários (IOF),
• Imposto sobre a Importação (II),
• Imposto sobre a Exportação (IE),
• Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)

O recolhimento dos tributos é feito na forma das tabelas anexas à Lei


Complementar nº 123/06, com as alterações posteriores, sendo cada uma
das tabelas aplicadas a determinadas atividades.
A título de exemplo, cumpre trazer à baila o Anexo I do referido diplo-
ma legal, que trata das alíquotas para o Comércio:

(Vigência: 01/01/2018)
Alíquotas e Partilha do Simples Nacional – Comércio
Valor a Deduzir
Receita Bruta em 12 Meses (em R$) Alíquota
(em R$)
1ª Faixa Até 180.000,00 4,00% -
2ª Faixa De 180.000,01 a 360.000,00 7,30% 5.940,00
3ª Faixa De 360.000,01 a 720.000,00 9,50% 13.860,00
4ª Faixa De 720.000,01 a 1.800.000,00 10,70% 22.500,00
5ª Faixa De 1.800.000,01 a 3.600.000,00 14,30% 87.300,00
6ª Faixa De 3.600.000,01 a 4.800.000,00 19,00% 378.000,00

Vale destacar, ainda, que o SIMPLES possui diversos impedimentos, o


que pode fazer com que diversas empresas não possam escolher esta op-
ção. Dentre as principais limitações que fazem com a pessoa jurídica não
possa se enquadrar no regime do SIMPLES, destacam-se308:

• a uferir, no ano-calendário imediatamente anterior ou no ano-ca-


lendário em curso, receita bruta no mercado interno superior a R$
4.800.000,00 ou ao limite adicional de igual valor para exportação de 308
Retirado de http://www8.receita.
fazenda.gov.br/SimplesNacional/sobre/
mercadorias e serviços; perguntas.asp

FGV DIREITO RIO 250


Tributos em Espécie

• a uferir, no ano-calendário de início de atividade, receita bruta no


mercado interno superior ao limite proporcional de R$ 400.000,00
multiplicados pelo número de meses em funcionamento no período,
inclusive as frações de meses, ou ao limite adicional de igual valor para
exportação de mercadorias e serviços;
• ter participação de outra pessoa jurídica em seu capital;
• q ue seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa
jurídica com sede no exterior;
• t er participação em seu capital de pessoa física que seja inscrita como
empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento ju-
rídico diferenciado do SIMPLES NACIONAL, desde que a receita
bruta global ultrapasse o limite de R$ 4.800.000,00
• t er participação em seu capital de pessoa física com mais de 10% do
capital de outra empresa não beneficiada pelo SIMPLES NACIONAL,
desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de R$ 4.800.000,00;
• t er participação em seu capital de pessoa física que seja administrador
ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que
a receita bruta global ultrapasse o limite de R$ 4.800.000,00;
• ser constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo;
• que participe do capital de outra pessoa jurídica;
• q ue exerça atividade financeira (banco, corretoras, empresa de arrenda-
mento mercantil, de seguros privados e de previdência complementar)
e atividade de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos,
asset managements, factorings
• r esultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma de des-
membramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5
anos-calendário anteriores;
• constituída sob a forma de sociedade por ações;
• que tenha sócio domiciliado no exterior;
• t er participação em seu capital de entidade da administração pública,
direta ou indireta, federal, estadual ou municipal;
• q ue possua débito com o INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal,
Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa;
• q ue preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de
passageiros;

FGV DIREITO RIO 251


Tributos em Espécie

• q ue exerça as seguintes atividades: geração, transmissão, distribuição ou


comercialização de energia elétrica; importação ou fabricação de auto-
móveis e motocicletas; importação de combustíveis; produção ou venda
no atacado de cigarros, armas, munições e explosivos, bebidas alcoólicas,
refrigerantes, entre outros produtos
• p
restação de serviços de atividade intelectual, de natureza técnica, cien-
tífica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regula-
mentada ou não, bem como serviços de instrutor, de corretor, de despa-
chante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios;
• que realize cessão ou locação de mão-de-obra;
• que realize atividade de consultoria;
• que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis; e
• q ue realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando tri-
butados pelo ISS.

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Tributos em Espécie

LEONARDO DE ANDRADE COSTA


Mestre em Direito Econômico e Financeiro, pela Harvard Law School e
USP. Pós-Graduado em Contabilidade pela FGV. Bacharel em Ciências
Econômicas, pela Puc-RJ, Bacharel em Direito, pela Puc-RJ. Auditor
Fiscal do Estado do Rio de Janeiro.

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Tributos emPÚBLICAS
FINANÇAS Espécie

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Sérgio Guerra
DIRETOR
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO

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