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JUR0231_v1.

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Precedentes e Recursos I
Disciplina: Precedentes e Recursos I
Autoria: Carolina Uzeda

Estudo de Caso
1. Caso
Ronaldo, advogado, ajuizou demanda em face de sua antiga cliente, Suzana, na qual cobra
honorários de êxito em processos iniciados e concluídos sob sua responsabilidade, além de
indenização prevista no contrato de prestação de serviços advocatícios em caso de rescisão
unilateral e reembolso das despesas incorridas com a administração dos processos.

Foi designada audiência de conciliação, na forma do art. 334 do CPC, tendo Suzana, após
regularmente citada, manifestado expressamente seu desinteresse na realização do ato.
Como, porém, Ronaldo foi omisso em sua petição inicial, a audiência foi mantida e realizada
em 16 de maio de 2017.

Suzana, que já havia manifestado seu desinteresse, não compareceu à audiência, e, por tal
motivo, foi-lhe aplicada a multa prevista no art. 334, § 8º.

Por entender que a decisão era irrecorrível, naquele momento, Suzana deixou de interpor
agravo de instrumento, aguardando pela aplicação da regra prevista no art. 1.009, § 1º,
especialmente porque reputava a sanção injusta e o valor da multa ultrapassava R$
100.000,00.

Ocorre que a sentença foi de improcedência do pedido, tendo sido Ronaldo condenado ao
pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da causa.

2. Papel do aluno e sua participação na resolução do problema


O aluno, como novo advogado contratado por Suzana apenas para a fase recursal, deve
explicar, fundamentadamente, se nesse caso (a) Suzana deveria ter interposto recurso de
agravo de instrumento à época da aplicação da multa; ou (b) se foi correta a decisão, no
sentido de aguardar a sentença, para interposição do recurso em preliminar de
razões/contrarrazões de apelação.

Caso o aluno parta da primeira premissa, ou seja, do recurso cabível contra a decisão que
aplica a multa prevista no art. 334, § 8º ser o agravo de instrumento, explicar (a) se a
decisão transitou em julgado, tendo precluído o direito de Suzana; ou (b) se, nesse caso, é
possível a aplicação do princípio da fungibilidade, tendo em vista a existência de dúvida
séria na doutrina acerca da interpretação extensiva do rol do art. 1.015.

Partindo da segunda premissa, ou seja, do recurso cabível contra a decisão que aplica a
multa prevista no art. 334, § 8º ser a preliminar de razões/contrarrazões de apelação,
explicar (a) se é possível a interposição do referido recurso, considerando que Suzana foi
integralmente vencedora na sentença; e, se afirmativa a resposta, (b) se Ronaldo, intimado
para contrarrazoar o eventual recurso interposto por Suzana, poderá interpor recurso de
apelação adesivo, para ver reformada a sentença de improcedência do pedido.

3. Objetivos
Gerais
• Desenvolver a prática do autoaprendizado e do trabalho em equipe.

• Planejar as atividades no tempo disponível.

• Desenvolver a autonomia na realização de pesquisas.

• Ser criativo na solução do desafio.

Específicos
• Retratar determinada situação jurídica hipotética capaz de instigar a reflexão do
tema de forma ampla e profunda.

• Promover a interpretação contextual, para que melhor se possa compreender a


manifestação geral de um dado problema.
• Estimular o desenvolvimento de raciocínio crítico e argumentativo.

• Desafiar o aluno a identificar e avaliar a problematização e a propor solução.

• Compreender novos institutos do CPC/15, como a recorribilidade diferida das


decisões interlocutórias e o novo recurso de apelação.

4. Atividades
Considerando as informações contidas no enunciado, esse Estudo de Caso deve ser
desenvolvido seguindo a etapa a seguir:

Apoiar-se nas leituras complementares:

ARAÚJO, Luciano Vianna. Apelação cível no Código de Processo Civil de 2015.


Revista de Processo, v. 261. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov/2016.

ARAÚJO, José Henrique Mouta. A recorribilidade das interlocutórias no novo CPC:


variações sobre o tema. Revista de Processo, n. 251. São Paulo: Revista dos
Tribunais, jan-2016, pp. 207-228.

AURELLI, Arlete Inês. Meios de impugnação das decisões interlocutórias no novo


CPC. In: Recursos no CPC/15: perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras Beatriz
Magalhães Galindo e Marcela Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

BARIONI, Rodrigo. Preclusão diferida, o fim do agravo retido e a ampliação do


objeto da apelação no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 243.
São Paulo: Revista dos Tribunais, mai, 2015.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2017.

CREMASCO, Suzana Santi. A interpretação extensiva da hipótese de cabimento de


agravo de instrumento prevista no art. 1.015, III, do NCPC: o reconhecimento de
competência do árbitro como pressuposto processual negativo no processo
judicial. In: Recursos no CPC/15: perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras
Beatriz Magalhães Galindo e Marcela Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito


processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador:
Editora Juspodivm, 2017.

__________; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o


processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e
querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 14. ed. reform.
Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

__________; __________. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre


competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na
fase de conhecimento. Revista de Processo, n. 242. São Paulo: Revista dos
Tribunais, abr, 2015.

__________; __________. Apelação contra decisão interlocutória não agravável:


a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor. Revista de Processo,
n. 241. São Paulo: Revista dos Tribunais, mar, 2015.

DUARTE, Zulmar. Elasticidade na preclusão e centro de gravidade. Alterações do


sistema preclusivo pelo Novo CPC serão terrenos férteis para semeadura de
problemas. Disponível em https://jota.info/colunas/novo-cpc/elasticidade-na-
preclusao-e-o-centro-de-gravidade-do-processo-29062015.

FERREIRA, William Santos. Pressupostos processuais, condições da ação e mérito.


Estudos revisitados e o Projeto do CPC. In: O direito de estar em juízo e a coisa
julgada: Estudos em homenagem a Thereza Alvim. [AURELLI, Arlete Inês; et. al
coord.]. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

LIBARDONI, Carolina Uzeda. Interesse recursal complexo e condicionado quanto às


decisões interlocutórias não agraváveis no novo Código de Processo Civil: segundas
impressões sobre a apelação autônoma do vencedor. Revista de Processo, n. 249.
São Paulo: Revista dos Tribunais, nov, 2015.

LINS, Liana Cirne. Apelação contra decisão interlocutória não agravável: natureza
jurídica e possibilidade de interposição autônoma. In: Recursos no CPC/15:
perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras Beatriz Magalhães Galindo e Marcela
Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Interesse recursal eventual e o recurso adesivo


condicionado ao julgamento do recurso principal. Revista Dialética de Direito
Processual, n. 32, novembro, 2005.

PANTOJA, Fernanda Medina; HOLZMEISTER, Verônica Estrella. O agravo de


instrumento contra decisão parcial e a impugnação de decisões interlocutórias
anteriores. In: Recursos no CPC/15: perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras
Beatriz Magalhães Galindo e Marcela Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

PEREZ, Marcela Melo. Qual a natureza jurídica e aspectos procedimentais da


preliminar de apelação e contrarrazões prevista no art. 1009, parágrafo primeiro,
do NCPC? In: Recursos no CPC/15: perspectivas, críticas e desafios. Coordenadoras
Beatriz Magalhães Galindo e Marcela Kohlbach. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação.


São Paulo: Atlas, 2017.

ROQUE, Andre Vasconcelos; BAPTISTA, Bernardo Barreto. O novo CPC e o agravo


de instrumento na recuperação judicial e falência: por uma interpretação
funcional. Disponível em
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI224424,81042-
O+novo+CPC+e+o+agravo+de+instrumento+na+recuperacao+judicial+e. Acesso
em 22.11.2017.

SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.

TALAMINI, Eduardo. Interesse recursal. In: O Processo civil entre a técnica processual
e a tutela dos direitos: estudos em homenagem a Luiz Guilherme Marinoni. Sérgio
Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero, coordenadores; Rogéria Dotti, organizadora. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pp. 807/826.

5. Resolução
Uma importante alteração trazida pelo CPC/15 foi a tentativa de restringir o uso do agravo
de instrumento, diferindo a recorribilidade de parte das decisões interlocutórias para a
apelação. Para fazê-lo, o legislador trouxe no art. 1.015 um rol de decisões passíveis de
serem recorridas por agravo. Fora desse rol, afirma o art. 1.009, §§ 1º e 2º, as decisões
devem ser recorridas em preliminar, nas razões ou contrarrazões de apelação. Assim,
dependendo do conteúdo da decisão, encontramos diferentes formas de impugnação.

O art. 1.015 autoriza a interposição de agravo de instrumento contra decisões que versem
sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção
de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do
pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição
ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de
limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X -
concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; e XI -
redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o, além de outros casos
previstos em lei e das decisões prolatadas nas fases de liquidação ou de cumprimento de
sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

O rol limitado de decisões recorríveis por agravo de instrumento, que exclui situações
graves, fez surgir grande controvérsia sobre o tema na doutrina e na jurisprudência. O STJ,
recentemente, em julgamento da Quarta Turma, decidiu pela recorribilidade, por agravo de
instrumento, de decisões interlocutórias que versem sobre competência.

Pelo que se extrai do voto da lavra do Min. Luis Felipe Salomão, o cabimento do recurso se
extrai a partir de uma “interpretação analógica ou extensiva da norma”. Isso porque, em
primeiro lugar, o art. 64, § 4º afirma que o juiz decidirá imediatamente a alegação de
incompetência. Além disso, nas palavras do Relator, ao admitir a interposição do recurso
contra tais decisões, evitam-se as consequências nefastas de um processo que tramite
perante juízo incompetente. (REsp nº 1.679.909/RS, julgado em 14.11.2017).

A recorribilidade das interlocutórias que versam sobre competência já era defendida


pela doutrina, especialmente por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, que
sustentam que, embora taxativo, o rol do art. 1.015 comporta interpretação extensiva.
Em suas palavras:

“É verdade que interpretar o texto normativo com a finalidade de evitar o uso


anômalo e excessivo do mandado de segurança pode consistir num
consequencialismo. Como se sabe, o consequencialismo constitui método de
interpretação em que, diante de várias interpretações possíveis, o intérprete deve
optar por aquela que conduza a resultados econômicos, sociais ou políticos mais
aceitáveis, mais adequados e menos problemáticos. Busca-se, assim, uma melhor
integração entre a norma e a realidade. É um método de interpretação que pode
servir para confirmar a interpretação extensiva ora proposta.”1

A questão da decisão que arbitra multa por ato atentatório à dignidade da justiça (em
decorrência da ausência injustificada à audiência de conciliação), porém, não repousa na

1DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de
competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. – Salvador :
Editora JusPodivm, 2016, pp. 208/212.
controvérsia acerca da possibilidade de interpretação extensiva do rol do agravo. O
problema aqui é outro.

Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha defendem que, no caso, ao arbitrar sanção
processual, o juiz amplia o mérito do processo. A decisão seria, portanto, agravável, na
forma do art. 1.015, II, do CPC. Ou seja, estaria expressamente prevista no rol e, em caso de
não impugnação imediata, ocorreria o trânsito em julgado.

Não podemos concordar com tal afirmação. A decisão que arbitra multa, em que
pese possa ser, em última análise, considerada uma decisão de mérito, não pode ser
confundida com aquela que compreende o “mérito do processo”. É preciso, então, observar
que os conceitos de decisão de mérito e decisão sobre o mérito do processo não se
confundem. A decisão poderá ser de mérito e não versar sobre o mérito do processo, ou
seja, não ter vinculação com a pretensão das partes, não estar relacionada com o objeto do
processo, mas, sim, ter surgido incidentalmente. O julgamento parcial do pedido formulado
por qualquer das partes (na inicial ou na reconvenção), este, sim, é decisão de mérito que
versa sobre o mérito do processo, uma vez que integra o objeto litigioso, o núcleo do que
foi levado ao Judiciário, o pedido iluminado pela causa de pedir.

Sendo, pois, decisão interlocutória não recorrível por agravo de instrumento, a


decisão que arbitra multa deverá ser impugnada pela parte em preliminar de razões ou
contrarrazões de apelação, na forma do artigo 1.009, § 1º.

Caso não se verifique interesse recursal para a interposição de apelação contra a sentença,
considerando que o rol previsto no art. 1.015 não se presta a impedir a interposição do
recurso, mas, apenas, a transferir o momento da impugnação; Suzana poderá interpor o
recurso contra a decisão interlocutória autonomamente, como, inclusive, é a orientação
prevista no enunciado 67 do CJF2:

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No mesmo sentido, o Enunciado 662, do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “É admissível impugnar, na apelação,
exclusivamente a decisão interlocutória não agravável”.
“Há interesse recursal no pleito da parte para impugnar a multa do art. 334, § 8º, do
CPC por meio de apelação, embora tenha sido vitoriosa na demanda.”

Assim, respondendo à questão apresentada, Suzana não deveria ter interposto recurso de
agravo de instrumento, tendo sido correta a decisão, no sentido de aguardar a sentença
para interposição do respectivo recurso (ainda que autonomamente). Caso o faça de forma
autônoma, considerando que foi vitoriosa na sentença, Ronaldo não poderá interpor
recurso adesivo, uma vez que, não tendo recorrido oportunamente, a sentença – não
impugnada por Suzana – transitou em julgado. O objeto recursal, repita-se, será apenas a
decisão interlocutória.

Caso, porém, o aluno parta da premissa do cabimento de agravo de instrumento, por força
do art. 1015, II, evidentemente a decisão interlocutória transitou em julgado, tendo
precluso o direito de Suzana interpor o recurso em apelação.
Nesse caso, porém, considerando que há dúvida na doutrina acerca do cabimento
(inclusive com enunciado do CJF em sentido contrário), é possível a aplicação do
princípio da fungibilidade, e o recurso de Suzana, feito em apelação, não poderá
ser inadmitido.

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