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A natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 de acordo com o Superior Tribunal de Justi-
ça e seu papel no desenvolvimento de um processo jurisdicional democrático.

Philipe Barcelos de Oliveira1

Sumário: 1 Introdução; 2 Apresentação do caso; 3 Revisão


da jurisprudência; 4 Entendimento doutrinário; 5 Normas
que regulamentam a matéria; 6 Análise crítica; 7 Conclu-
são. Referências

1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o atual Código de Processo Civil, trouxe ao


ordenamento jurídico brasileiro inovações de diversas ordens, sobretudo no campo do direito
jurisprudencial, trazendo consigo uma nova racionalidade normativa no que concerne às deci-
sões judiciais.
Esta nova racionalidade, pautada nas figuras da estabilidade, da coerência e da integri-
dade, conforme preceituado pelo art. 926 do Código de Processo Civil, se consagrou em razão
da necessidade de se conferir maior segurança ao longo do caminhar procedimental, extrapo-
lando-se o regramento dos padrões decisórios e inserindo-se em outros campos, como o sis-
tema recursal, por exemplo.
Assim, diversos mecanismos foram inseridos na redação do Código de Processo Civil
de 2015, reformulando-se toda a sistemática processual e, de forma mais específica, recursal,
na qual se inclui a figura do recurso de Agravo de Instrumento.
Após diversas reformas legislativas pontuais ao longo das últimas décadas, o recurso
de Agravo de Instrumento revestiu-se de significativa importância, vindo a assumir um dos
pontos centrais do debate concernente à elaboração do projeto de lei que posteriormente se
tornaria o Código de Processo Civil de 2015.
Conduto, tão logo houve a sua promulgação, iniciou-se uma discussão a respeito da
natureza do rol do art. 1.015 do diploma processual, o qual traz as hipóteses de interposição
do aludido recurso.

1
Bacharel em Relações Internacionais e graduando em Direito pela PUC Minas. Pós-Graduando em Direito
Processual pela PUC Minas. CEO da Papel Jurídico.
2

A discussão centrava-se na abertura hermenêutica do dispositivo legal, se taxativa ou


exemplificativa, se de taxatividade mitigada ou incólume, dentre outros tipos de classifica-
ções.
Tal debate põe em risco a própria efetividade do sistema recursal no que concerne à
figura do Agravo de Instrumento.
Destarte, no presente artigo, realizar-se-á um estudo acerca da natureza do art. 1.015
do Código de Processo Civil de 2015, cujo recorte teórico possibilitará a compreensão de sua
importância em um modelo processual democrático.
Fundamenta-se a escolha da figura recursal em razão da necessidade de se conferir
maior estabilidade ao sistema processual-recursal, sobretudo considerando a sistemática nor-
mativa inaugurada pelo CPC/15.
Assim, desenvolve-se o presente texto a partir de uma metodologia jurídico-teórica, do
tipo jurídico-compreensivo, utilizando-se fontes primárias, como análise de decisões judiciais
e da legislação vigente, no intuito de se compreender o regramento dos recursos, além de fon-
tes secundárias, como obras e artigos científicos, cujas lições construirão a base teórica deste
trabalho.
No tópico 2, apresenta-se o problema central do presente trabalho, com o escopo de se
compreender a sua conceituação e facilitar a inserção do aspecto jurisprudencial, no tópico
seguinte.
No tópico 4, discutir-se-á sob a perspectiva doutrinária os principais enfoques para a
controvérsia, analisando-se o aspecto legal no tópico 5.
Após análise crítica do tema, no tópico 6, construído a partir do aporte teórico colacio-
nado nos tópicos iniciais, concluir-se-á o presente trabalho no tópico 7.

2 APRESENTAÇÃO DO CASO

A figura do recurso de Agravo de Instrumento passou por diversas mudanças estrutu-


rais pela via legislativa desde o Código de Processo Civil de 1939, quando eram previstas três
modalidades: Agravo de Petição, Agravo de Instrumento e Agravo no auto do processo.
A partir do Código de Processo Civil de 1973, o Agravo de Petição foi extinto e o
Agravo de Instrumento passou a ser utilizado para impugnar todas as decisões interlocutórias.
Com a Lei de nº 9.139/1995, a figura recursal passou a ser denominada apenas como
‘Agravo’, sendo retido ou de instrumento, conforme a modalidade de interposição.
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Em 2001, com a edição da Lei de nº 10.352, foram definidas novas hipóteses de inter-
posição obrigatória do Agravo Retido e novas regras de interposição para o Agravo de Ins-
trumento, como, por exemplo, a comunicação ao juízo de primeira instância acerca da inter-
posição perante o tribunal e a antecipação de tutela recursal.
A Lei de nº 11.187/2005 transformou o Agravo Retido como regra, sendo possível a
interposição de Agravo de Instrumento somente em hipóteses previamente definidas em lei,
notadamente quando envolvia urgências e riscos em seu manejo tardio.
Com o Código de Processo Civil de 2015, inaugurou-se um novo regramento proces-
sual, extinguindo-se a figura do Agravo Retido e estabelecendo-se hipóteses taxativas de in-
terposição do agravo de instrumento na fase de conhecimento.
Na nova sistemática, aqueles casos não previstos no rol taxativo de interposição do
Agravo de Instrumento devem ser impugnados através do recurso de Apelação, como preli-
minar.
Contudo, há casos não previstos no rol do art. 1.015 do CPC/15 que se assemelham
àqueles inseridos pelo legislador, razão pela qual diversos juristas passaram a defender uma
interpretação ampliativa do dispositivo legal.
A partir disso, diversas correntes se formaram.
Alguns juristas defendiam uma interpretação ampliativa do dispositivo, de modo a
abranger situações não previstas no dispositivo, mas que se assemelhassem àquelas postas.
Outros defendiam uma interpretação bastante restritiva de sua redação, não havendo
autorização para interposição do recurso em outras situações, mesmo que similares.
Por fim, uma outra corrente defendia um caráter meramente exemplificativo, de modo
a autorizar a interposição do recurso em diversas outras situações, mesmo que não similares
àquelas inseridas pelo legislador.
Com a insegurança jurídica originada pelas divergências teórica e jurisprudencial, eis
que a temática se mostrava bastante pragmática, a discussão chegou aos diversos tribunais
existentes no país, havendo decisões judiciais em todos os sentidos mencionados.
Contudo, no julgamento do REsp 1704520/MT, em 2018, de relatoria da ministra
Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que o art. 1.015 do
CPC/15 apresenta um rol de taxatividade mitigada, sendo possível a interposição do recurso
de Agravo de Instrumento, fora das hipóteses legais, somente em casos de urgência ou risco
no julgamento da questão através do recurso de Apelação.
Assim, houve uma tentativa de uniformização da temática por parte do STJ, pois a tese
fora fixada no sistema de recursos repetitivos, conferindo-lhe efeito erga omnes.
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A importante decisão do Superior Tribunal de Justiça será analisada no tópico seguin-


te.

3 REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA

A controvérsia teórica quanto à natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 logo chegou
aos tribunais, uma vez que, diante da multiplicidade de entendimentos, recursos de Agravo de
Instrumento eram interpostos ora fundamentos em uma teoria, ora fundamentos em teorias
distintas.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar inicialmente a questão, chegou a
defender uma interpretação extensiva, inserindo-se questões atinentes à competência como
possibilidade de interposição do recurso de Agravo de Instrumento:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS


NORMAS PROCESSUAIS. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO CABÍVEL.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N.1 DO STJ. EXCEÇÃO DE INCOMPE-
TÊNCIA COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO
CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO PELA CORTE
DE ORIGEM. NORMA PROCESSUAL DE REGÊNCIA. MARCO DE DEFINI-
ÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍ-
VEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU
EXTENSIVA DO INCISO III DO ART. 1.015 DO CPC/2015. [...] 5. Apesar de não
previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória
relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de
instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inci-
so III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja,
afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado
julgue a demanda. 6. Recurso Especial provido. (REsp 1679909/RS, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/11/2017, Dje 01/02/2018).

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por sua vez, havia firmado o enten-
dimento de que o rol do agravo de instrumento era taxativo, não admitindo interpretação ex-
tensiva:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – DECISÃO AGRAVA-


DA – ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC/2015 – HIPOTESE NÃO
ELENCADA. 1. O art. 1.015 do CPC/2015 prevê um rol taxativo de hipóteses para
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o cabimento do recurso de agravo de instrumento, em se tratando de processos em


fase de conhecimento. 2.A interposição do recurso contra decisão não contemplada
nos casos previstos em lei acarreta a sua inadmissão. V.V. A decisão interlocutória
que relacionada à modificação de competência desafia agravo de instrumento, diante
da possibilidade de interpretação extensiva ao art. 1.015, III do CPC/2015. 3. Agra-
vo de Instrumento conhecido. (TJ-MG – AI: 10000181035932001 MG, Relator:
Claret de Moraes, Data de Julgamento: 27/11/2018, Data de Publicação:
13/12/2018).

Em 2018 a questão foi decidida em sede de Recurso Especial, através do regime de re-
cursos repetitivos.
O recurso originou-se de uma ação ordinária de rescisão contratual com pedido de re-
paração por danos patrimoniais e morais, distribuída perante o Tribunal de Justiça do Estado
do Mato Grosso.
Alegada a incompetência pelos réus, houve o seu acolhimento pelo juízo, remetendo-
se o processo ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Logo, os autores interpuseram o recurso de Agravo de Instrumento, tendo sido este
negado por unanimidade, sob o fundamento de inadequação do instituto recursal, recorrendo-
se à tese de taxatividade do rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015.
Sob alegação de urgência na resolução da questão, foi interposto Recurso Especial de
nº 1.704.520/MT perante o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso que, antes de en-
caminhá-lo ao Superior Tribunal de Justiça, selecionou o recurso para afetação e processa-
mento sob o rito dos recursos repetitivos.
Encaminhado o recurso ao Superior Tribunal de Justiça, este foi admitido pela relato-
ra, ministra Nancy Andrighi, possuindo como objeto a definição acerca da natureza do rol do
art. 1.015 do CPC/15, tendo sido julgado no ano de 2018.
Neste caso, venceu a tese defendida pela relatora, ministra Nancy Andrighi, apresen-
tando seu pensamento na primeira sessão de julgamento, realizada no dia 19 de setembro da-
quele ano.
Para a ministra Nancy Andrighi, o rol do art. 1015 do CPC/15 possui uma taxatividade
mitigada, cabendo interposição de recurso de Agravo de Instrumento, fora de suas hipóteses,
somente quando há urgência ou risco do julgamento da questão através do recurso de Apela-
ção.
Como exemplo citado pela ministra Nancy Andrighi em seu voto, tem-se a situação
em que há negativa, pelo juízo, de sigilo na tramitação do feito, situação que, até o julgamento
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de eventual recurso de Apelação, poderia causar efeitos nefastos à parte, que teria sua privaci-
dade e intimidade expostos ao longo de todo caminhar procedimental (BRASIL, 2018).
Neste sentido, a ministra defendeu uma abertura hermenêutica no sentido de se permi-
tir a interposição do recurso de Agravo de Instrumento para questões consideradas urgentes.
Os ministros Jorge Mussi, Napoleão Maia Nunes, Felix Fischer, Luiz Felipe Salomão,
Benedito Gonçalves e Raul Araújo acompanharam o entendimento da ministra Nancy An-
drighi.
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, responsável pelo voto divergente, de-
veria ser mantida a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15, considerando ter sido
uma opção legislativa.
Desse modo, não caberia à função jurisdicional do Estado alterar tal natureza, sob pe-
na de interferência indevida no devido processo legislativo.
Além disso, a ministra Maria Thereza de Assis Moura levantou ainda questões prag-
máticas, como, por exemplo, o risco de se ter inúmeros recursos de Agravo de Instrumento
interpostos por advogados por receio da preclusão.
Os ministros Humberto Martins, João Otávio de Noronha, Mauro Campbell Marques e
Og Fernandes acompanharam o entendimento da ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Como breve resumo do julgamento, vale a transcrição integral da ementa relativa ao
REsp 1704520/MT, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO


PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO
CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POS-
SIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IM-
PUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 1-
O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recur-
sos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verifi-
car a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a
fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória
que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispo-
sitivo legal. 2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas
na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais,
exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações
que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de ape-
lação". 3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o
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agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e ju-


risprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do
processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art.
1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria abso-
lutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 4- A tese de que o rol
do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou
analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositi-
vo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo ci-
vil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair
o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da in-
terpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos
jurídicos ontologicamente distintos. 5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC
seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do
regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora consci-
entemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Po-
der Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressa-
mente externada pelo Poder Legislativo. 6- Assim, nos termos do art. 1.036 e
seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do
CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de
instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julga-
mento da questão no recurso de apelação. 7- Embora não haja risco de as partes
que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreen-
didas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se
cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela
parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de tran-
sição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente
seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente
acórdão. 8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para deter-
minar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conhe-
ça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competên-
cia. 9- Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1704520/MT, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe
19/12/2018)_grifo do autor.

Percebe-se que, ao se valer do fundamento da urgência para justificar outros casos de


interposição do recurso de Agravo de Instrumento, a ministra Nancy Andrighi resgata a sis-
temática existente ao tempo do CPC/73, em que o recurso era cabível em situações de lesão à
parte, dentre as quais comumente está presente a urgência.
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Ademais, a tese fixada pelos julgadores acaba por ser diferente das três correntes prin-
cipais levantadas pela doutrina, sobre as quais se estudará no capítulo seguinte.

4 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO

Quando se analisa a doutrina jurídica, encontram-se diversas correntes distintas a res-


peito da aplicabilidade do rol do art. 1.015 do CPC/15.
Há autores que defendem uma interpretação extensiva do aludido rol, alargando-se seu
alcance para situações que, embora não previstas, guardem semelhança com aquelas previstas
no dispositivo legal.
Como prelecionado por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha (2017), a in-
terpretação extensiva é uma modalidade de interpretação corretiva, ampliando-se o sentido
normativo para além do escrito.
Logo, “a interpretação extensiva opera por comparações e isonomizações, não por en-
caixes e subsunções” (DIDIER JR. e CUNHA, 2017, p. 244).
Assim, por exemplo, encontra-se inserida no rol do art. 1.015 do CPC/15, no inciso III,
a hipótese de interposição de Agravo de Instrumento contra decisão que rejeita alegação de
convenção arbitragem.
Trata-se, precipuamente, de uma decisão a respeito de competência.
Seria possível, neste caso, por exemplo, por interpretação extensiva, a interposição de
Agravo de Instrumento contra uma decisão que rejeitasse a alegação de incompetência.
Encampando o entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro a respeito da
natureza do aludido rol, Daniel Amorim Assumpção Neves chega a afirmar que a sistemática
rigorosamente taxativa do art. 1.015 poderia vir a causar até mesmo um cerceamento de defe-
sa das partes (NEVES, 2016).
Noutro giro, há autores que defendem uma intepretação extremamente restritiva, isto
é, literal, da redação do art. 1.015.
Tem-se, como exemplo de defensor desta corrente ao tempo da promulgação do Códi-
go de Processo Civil, Alexandre Câmara, para o qual não caberia interpretação extensiva do
rol do art. 1.015, mas interposição do recurso de Agravo de Instrumento somente nas hipóte-
ses elencadas expressamente pelo legislador (CÂMARA, 2016).
Por fim, há ainda aqueles autores que defendem uma natureza exemplificativa do rol
do art. 1.015 do CPC/15.
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O jurista Flávio Luiz Yarshell é um dos defensores desta corrente, aduzindo que, ao
longo do processo, diversos atos de caráter decisório podem ser proferidos de modo a causar
prejuízos à parte se não impugnados imediatamente, como, por exemplo, competência ou
indeferimento de quesitos, razão pela qual deveria haver uma abertura maior à possibilidade
de interposição do recurso de Agravo de Instrumento (YARSHELL, 2015).
Percebe-se, destarte, que as três teorias se mostram distintas, possuindo cada uma os
seus próprios fundamentos de defesa.
A doutrina, aliás, assume papel importante na interpretação a ser conferida ao rol do
art. 1.015 do CPC/15, eis que através de um raciocínio crítico, é capaz de levantar discussões
que acabam por nortear decisões judiciais e, consequentemente, uniformizar a tratativa jurídi-
ca da matéria.

5 NORMAS QUE REGULAMENTAM A MATÉRIA

Até a inauguração de uma nova sistemática normativa em relação aos recursos no Có-
digo de Processo Civil de 2015, a figura do Agravo de Instrumento passou por diversas trans-
formações ao longo das últimas décadas, conforme estudado anteriormente.
Com o regramento vigente, a figura recursal passou a ser utilizada em situações ex-
pressamente elencadas pelo legislador, durante a fase de conhecimento, e contra todas as deci-
sões proferidas nas fases de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo de exe-
cução e no processo de inventário.
Dado o recorte teórico do presente trabalho, serão abordadas no presente tópico, preci-
puamente, as possibilidades de interposição do recurso de Agravo de Instrumento na fase de
conhecimento.
Normatiza o art. 1015 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versa-
rem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua re-
vogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à exe-
cução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
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XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutó-
rias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no
processo de execução e no processo de inventário. (BRASIL, 2015).

As hipóteses elencadas ora se referem ao próprio objeto do processo (tutela provisória


e mérito do processo) ora à possibilidade de participação de outras partes (exclusão de litis-
consorte ou admissão e inadmissão de intervenção de terceiros), dentre outras situações.
Engloba-se ainda hipótese indiretamente relacionada a competência, como rejeição da
alegação de arbitragem, e outras ligadas à produção probatória, como, por exemplo, exibição
ou posse de documento ou coisa e a redistribuição do ônus probatório.
O rol é, portanto, amplo, sob uma perspectiva temporal do processo, eis que abrange
situações que possam ocorrer desde o início até a fase de produção de provas.
Ademais, há, no inciso XIII do artigo supramencionado, uma opção político-
legislativa pela previsão de outras hipóteses de interposição do recurso de Agravo de Instru-
mento pela via legal.
Não há, destarte, ao menos na redação do CPC/15, uma abertura interpretativa confe-
rida ao juízo, como ocorre em outras situações, como, por exemplo, a admissibilidade de in-
tervenção de amicus curiae, inserida no art. 138 do diploma legal.
O que se percebe é a busca por uma certa previsibilidade com o escopo de se estabele-
cer maior segurança jurídica nas ações judiciais. Contudo, se levada ao pé da letra e aplicada
de forma rigorosamente taxativa, a redação do art. 1.015 do CPC/15 pode vir a gerar outros
tipos de riscos.
Uma análise crítica da temática, sob uma perspectiva ampla, se fará no próximo tópi-
co.

6 ANÁLISE CRÍTICA

De início, importante salientar que só há uma interpretação possível do tema: aquela se


coadune ao modelo processual consolidado na Constituição da República de 1988.
Quando se analisa a temática sob a perspectiva do modelo constitucional de processo,
busca-se uma solução que seja consectária aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo
em observância aos devidos processos legislativo e jurisdicional.
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Por tal motivo, o devido processo jurisdicional é, sobretudo, um direito fundamental


complexo, formado através da soma de diversos outros direitos, como a publicidade, o juízo
natural e o contraditório, por exemplo (DIDIER JR. e CUNHA, 2017).
Um dos direitos que integram o conteúdo do devido processo jurisdicional é a segu-
rança jurídica, revelando-se através de uma previsibilidade, por parte dos cidadãos, a respeito
de suas condutas e consequências jurídicas possíveis, apresentando-se também no campo pro-
cedimental do processo.
Quando há uma política legislativa ou jurisdicional que gere um crescente número de
demandas judiciais, de modo a inviabilizar uma efetiva atividade jurisdicional pelo alto núme-
ro de acervo, tem-se um problema atinente ao devido processo.
Por isso, embora questões de eficiência numérica nem sempre devam prevalecer em
discussões relacionadas à atividade jurisdicional, seus impactos certamente serão levados em
consideração quando da adoção de determinados posicionamentos.
Ademais, em razão do regramento do CPC/15 concentrar os mecanismos de formação
de padrões decisórios vinculantes nos tribunais, a figura do recurso passa a ter uma importân-
cia ainda maior na seara processual.
A taxatividade do rol do art. 1.015 é um destes temas controvertidos.
Os limites da mitigação defendida pelo Superior Tribunal de Justiça não foram claros.
Quais são os casos de urgência ou de risco que autorizam o manejo do recurso de
Agravo de Instrumento?
A abertura hermenêutica presente na decisão não findará a discussão, por óbvio, mas
apenas a estenderá às prováveis hipóteses de interposição, cabendo o Superior Tribunal de
Justiça, caso a caso, decidir se determinada hipótese se insere no conceito de ‘risco’ ou de
‘urgência’ consolidado na decisão.
Continuará, pois, existindo multiplicidade de processos e insegurança jurídica, eis que,
por receio da ocorrência de preclusão temporal, cada vez mais advogados precisarão interpor
recursos de Agravo de Instrumento.
Se a tese da interpretação extensiva tivesse sido aplicada, o risco de insegurança jurí-
dica seria consideravelmente menor, uma vez que somente se admitiria interpretação e inser-
ção de novas hipóteses a partir daquelas já inseridas pelo legislador.
Haveria, destarte, um parâmetro interpretativo posto através do devido processo legis-
lativo, cabendo ao Judiciário tão somente realizar o controle de legalidade das interpretações
decorrentes.
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A problemática se reveste de maior gravidade quando analisado o cenário de alta ins-


tabilidade decisória no Brasil atualmente, em que, em um verdadeiro sistema lotérico, os juí-
zes proferem decisões através de convicções pessoais, conferindo resultados jurídicos distin-
tos para situações fáticas similares.
Assim, tornar-se-á possível, em breve, em dois casos similares, decisões de admissibi-
lidade e inadmissibilidade do recurso de Agravo de Instrumento em razão da convicção pes-
soal do relator acerca da existência ou não de urgência.
Outra situação curiosa é que, conforme o Superior Tribunal de Justiça julgar os casos
levados à sua apreciação e fixar, a partir deles, entendimentos a respeito de hipóteses de ad-
missibilidade do Agravo de Instrumento, será cada vez mais comum a edição de enunciados
sumulares para fins de uniformização da jurisprudência.
O risco é de que, súmula a súmula, o Superior Tribunal de Justiça acabe por acrescen-
tar novas hipóteses específicas de admissibilidade do aludido recurso no 1.015, violando-se
inclusive o disposto no inciso XIII do dispositivo, que dispõe expressamente ser de incum-
bência do legislador autorizar o manejo do Agravo de Instrumento em novas situações.
O questionamento reside em um principal ponto: haverá, por parte do Superior Tribu-
nal de Justiça, uma atividade legislativa indevida em patente violação ao princípio da separa-
ção dos poderes?
Ademais, a intepretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da taxati-
vidade do rol do art. 1.015 se deu quase que imediatamente após a promulgação do Código de
Processo Civil de 2015.
Não houve, pois, o devido amadurecimento do debate, de modo que a multiplicidade
de casos até então existentes não seria suficiente para, por si só, justificar a necessidade de
uniformização da matéria em sede de recursos repetitivos.
Ao contrário, com a abertura hermenêutica da decisão proferida, objeto do presente
trabalho, o debate tende a se diluir em relação às possibilidades que permitem ou não a inter-
posição do Agravo de Instrumento de acordo com o preenchimento do requisito ‘urgência’,
prologando-se para muito além da natureza do rol.
A subjetividade imposta pelo Superior Tribunal de Justiça não se coaduna ao espírito
normativo do Código de Processo Civil de 2015 que, a todo momento, “luta” contra a insegu-
rança jurídica nas decisões judiciais.
Os futuros inúmeros casos de interposição desnecessárias, por receio de ocorrência de
preclusão temporal, farão com que as divergências teóricas continuem a chegar nos tribunais
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brasileiros, cabendo novamente ao Superior Tribunal de Justiça definir novas teses de aplica-
ção geral.

7 CONCLUSÃO

O tema acerca da taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC/15 é extremamente impor-


tante no cenário processual atual, considerando a importância que assumem as figuras recur-
sais no sistema normativo inaugurado pelo diploma legal.
As três principais teses existentes acerca da problemática possuem fundamentos de na-
tureza político-jurídica extremamente válidos.
Contudo, sob a ótica do devido processo jurisdicional, com o respeito aos direitos e
garantias fundamentais, a tese consectária ao processo democrático parece ser aquela que
permite uma interpretação extensiva do aludido rol a partir de situações já inseridas previa-
mente pelo legislador.
Isto porque a interpretação extensiva teria como parâmetro de interpretação situações
já inseridas pelo legislador, diminuindo-se a insegurança jurídica tão combatida pelo diploma
processual vigente.
Neste cenário, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1704520/MT apre-
senta uma resposta insuficiente à temática da natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15, de mo-
do que não atende aos anseios e ao espírito normativo do novo cenário processual civil brasi-
leiro.
Contudo, considerando a possibilidade de revisão de entendimentos jurisprudenciais,
notadamente em sede de padrões decisórios vinculantes, há possibilidade de, no futuro, a par-
tir das reflexões críticas do julgado, o Superior Tribunal de Justiça vir a fixar nova tese, desta
vez consectária ao modelo constitucional do processo, por privilegiar a segurança jurídica.
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REFERÊNCIAS

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