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SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO DE APELAÇÃO

Stare Decisis and the prevention of appeals

SUELI APARECIDA DE PIERI


Advogada, mestre em Direito Civil pela Universidade
Metodista de Piracicaba-SP coordenadora da Escola
Superior de Advocacia de Jaú-SP
suelidepieri@netsite.com.br

RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar a Lei 11.276/06 que criou a
súmula impeditiva de recursos, instituto que reduzirá o excesso de recursos, quando
a decisão do juízo a quo estiver em consonância com súmulas do Supremo Tribunal
Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Referida lei, oriunda do Projeto
de Lei nº 4.724/2005 – vigente desde maio de 2006, dentre outras providências,
institui a súmula impeditiva de recursos, modificando a redação dos arts. 504, 506,
515 e 518 do Código de Processo Civil (CPC). Com a nova redação do art. 518
do CPC, dispositivo que institui a mencionada súmula impeditiva de recurso, está-se
diante de uma nova ordem processual, motivo pelo qual estudam-se as modificações
trazidas com a nova lei. Preliminarmente, destacam-se comentários sobre os recursos
como meio de reexame da decisão monocrática e seus requisitos de admissibilidade;
posteriormente, destacam-se as modificações ocorridas, demonstrando-se a eficácia
da alteração processual em comento.
Palavras-chave RECURSO – SÚMULA VINCULANTE – SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO.

ABSTRACT This article aims to examine the Law 11276/06 which created the stare
decisis preventing the possibility of appealing in an attempt to decrease an excessive
amount of appeals, when the decision of the court is in conformity of the Abridgement
of Laws of the Federal Higher Court and the Higher Court of Justice. The referred
law, originated by Law Project no. 4724/2005 – enforced since May, 2006, institutes,
among other determinations, the stare decisis that prevents appeals, altering the
contents of articles 504, 506, 515, and 518 of the Civil Proceedings Code. The new
text of article 518 of the Civil Proceedings Code, which enforces the referred stare
decisis, brings a new procedural order, and this is why studies about the alterations
provoked by the new law are necessary. Firstly, we will discuss the possibility of
appealing as a way of re-examining a monocratic decision and its admittance
requirements, showing the efficiency of the procedural alteration.
Keywords APPEAL – STARE DECISIS – STARE DECISIS PREVENTING APPEALS.

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SUELI APARECIDA DE PIERI

INTRODUÇÃO

No campo dos recursos, há inúmeros assuntos que ainda são objetos de


alterações legislativas, gerando, portanto, a necessidade de constante e imediata
atualização dos operadores do direito.
A maior preocupação tem sido solucionar a tão debatida “morosidade
processual”, questão atinente à efetiva prestação jurisdicional de forma célere e
justa.
Com a Emenda Constitucional 45/04, promulgada em 8 de dezembro de
2004, além de inúmeras inovações constitucionais, foi acrescido o inciso LXXVIII ao
art. 5º da Constituição Federal1, para cristalizar a garantia da celeridade processual
com o princípio da duração razoável do processo, no intuito de evitar dilações
indevidas.
Cuidando dos recursos, insere-se a figura da súmula vinculante, consoante
o art. 103-A na Constituição Federal,2 somente de decisões sumuladas pelo Supremo
Tribunal Federal.
Porém, na busca de garantir a determinação do novo inciso LXXVIII do art.
5º da Constituição Federal, a referida Emenda Constitucional, em seu art. 7º3,
estabelece prazo para que o Congresso Nacional instale comissão especial, visando
criar os meios exigidos pela nova ordem.
1
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
2
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de
dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Parágrafo 1º - A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas,
acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública
que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Parágrafo 2º - Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento
de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
Parágrafo 3º - Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-o procedente,
anulará ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida
com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
3
Art. 7º - O Congresso Nacional instalará imediatamente após a promulgação desta emenda constitucional,
comissão especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à
regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando
tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional.

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Assim, no sentido do efetivo cumprimento da norma que determina a


razoável duração do processo, são necessárias alterações processuais, notadamente
nos institutos relacionados ao direito processual civil, tocante ao sistema recursal
brasileiro, uma vez que este abre incontáveis oportunidades para recursos, o que
tem gerado a morosidade, a procrastinação dos feitos, bem como elevado índice de
acúmulo de decisões a serem prolatadas pela instância de segundo grau.
Nesse sentido destaca-se uma das mais recentes alterações processuais,
objeto deste estudo, que foi a Lei 11.276/06, a qual criou a súmula impeditiva de
recursos, instituto que reduzirá o excesso de recursos, quando a decisão do juízo a
quo estiver em consonância com súmulas do STF e STJ.
Referida Lei, surgiu por intermédio do Projeto de Lei no 4.724/2005, o
qual, dentre outras providências, instituiu a súmula impeditiva de recursos, e modificou
a redação dos arts. 504, 506, 515 e 518 do CPC.
A justificativa do referido projeto teve como marco a busca na celeridade
processual a ser abarcada por meio da redução do número excessivo de impugnações
sem possibilidades de reforma.
Desta forma, com a nova redação do art. 518 do CPC, dispositivo que
instituiu a mencionada súmula impeditiva de recurso, está-se diante de uma nova
ordem processual.
Busca-se destacar as modificações introduzidas por intermédio da referida
alteração processual, tecendo preliminarmente comentários sobre os recursos como
meio de reexame da decisão monocrática e seus requisitos de admissibilidade; após,
destacam-se as modificações ocorridas, pretendendo demonstrar a eficácia da
alteração processual em comento.

CONCEITO E OBJETIVO DOS RECURSOS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

A palavra recurso é derivada do latim recursus, que contém a idéia de


voltar, retroagir, retornar, recuar, retroceder.
O CPC não estabeleceu um conceito de recurso, limitando-se apenas a
enumerar os recursos cabíveis consistentes no art. 496.
Pode-se identificar recurso como um remédio jurídico-processual, que
pode ser utilizado para proteger direito que se supõe existir, como um instrumento
processual destinado a corrigir um desvio jurídico, em vez de apenas constatá-lo e
tirar suas conseqüências. É um instrumento, portanto, de correção, em sentido amplo.4
Em sentido lato, pode-se conceituar o recurso como todo o meio
empregado pela parte litigante a fim de defender o seu direito.

4
CARNELUTTI, 1936, p. 487.

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Já em sentido técnico e restrito, recurso é o meio ou o poder de provocar


o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra
hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou modificação, ou apenas a
sua invalidação.5
À luz do direito brasileiro, o recurso pode ser definido como o meio
processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um
terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a
reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.6
Assim, recurso é um ato de inconformismo, pelo qual a parte sucumbente,
pretendendo a reforma ou a anulação da decisão impugnada, busca outra que a
satisfaça, instaurando-se um novo procedimento, no qual a celeuma da efetividade
das decisões precisa ser analisada.
O direito brasileiro ressente-se, entre outros, de dois defeitos fundamentais:
a) sob o aspecto terminológico, o emprego de uma expressão única para designar
institutos diferentes; b) sob o aspecto sistemático, uma quantidade excessiva de
meios de impugnar as decisões.7
O ato de recorrer é um desdobramento do exercício do direito de ação e
defesa, prolongando, assim, a existência do processo.
Dentre as mais relevantes finalidades dos recursos, pode-se citar o intuito
de impedir e evitar a formação da coisa julgada.
Dentro da análise do conceito do recurso, tem-se com a impugnação
voluntária de ato decisório, com o objetivo de, no mesmo processo, buscar a reforma,
a anulação, a integração, o esclarecimento ou o aclaramento da decisão judicial
impugnada ou parte dela.
Quanto ao fim colimado pelo recorrente, os recursos podem ser classificados
como de reforma, de invalidação e de esclarecimento ou integração.8, 9
Em síntese, todo aquele que se sentir lesado ou prejudicado no âmbito do
processo, em face de uma decisão judicial, tem o poder de pedir a sua reforma ou
invalidação, a fim de conseguir a melhoria ou reparação de sua própria sorte por
meio da modificação do pronunciamento jurisdicional anterior, além, é claro, da
5
THEODORO, 2004, p. 509.
6
NERY JUNIOR, 2000, p. 204.
7
Ibid., p. 204.
8
a) de reforma, quando se busca uma modificação na solução dada à lide, visando a obter um
pronunciamento mais favorável ao recorrente; b) de invalidação, quando se pretende apenas anular ou
cassar a decisão, para que outra seja proferida em seu lugar; ocorre gerando em caso de vícios processuais;
c) de esclarecimento ou integração, são os embargos declaratórios onde o objeto do recurso é apenas de
afastar a falta de clareza ou imprecisão do julgado, ou suprir alguma omissão do julgador.
9
THEODORO JUNIOR, 2004, p. 509.

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simples integração ou esclarecimento acerca de pontos controvertidos ou obscuros


da decisão impugnada.
Como diz Chiovenda, basta que o juiz saiba que a sua sentença possa ser
reexaminada e modificada por um tribunal superior para que ela seja mais cuidadosa
e mais justa.10
Todavia, em determinados casos recursais, por envolverem risco de
perecimento do direito em razão do transcurso do tempo, é necessária a readequação
do ordenamento para permitir a efetividade da decisão judicial antes do término do
procedimento recursal, já que não há tempo suficiente para analisar o recurso antes
do esvaziamento fático da situação prática posta em litígio.

ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS E OS NOVOS PODERES DO RELATOR

Para que um recurso seja recepcionado, é necessário o preenchimento de


certos requisitos e pressupostos que antecedam a análise sobre o juízo de mérito do
recurso, sendo que, faltando esses pressupostos, o conteúdo do recurso não será
examinado.
Os recursos específicos têm seus próprios pressupostos, mas há
pressupostos gerais para todos os recursos. No geral, o tribunal verificará se o
recurso é cabível, se está presente a legitimidade para recorrer, se há interesse em
recorrer, se o recurso é tempestivo, etc. Conhecido o recurso, o tribunal proferirá o
juízo de mérito, dando ou não provimento ao recurso interposto pela parte.
A ausência de quaisquer desses pressupostos implica a impossibilidade
de conhecimento do recurso, obstaculizando, assim, o exame da matéria de mérito
nele versada. É de suma importância que se faça a distinção entre mérito do recurso
e mérito da lide, pois há possibilidade de que o primeiro atente, apenas, para questão
exclusivamente processual.
Os pressupostos e as condições gerais dos recursos podem ser divididos
em pressupostos e condições objetivos e pressupostos e condições subjetivos.
São pressupostos objetivos: 1) o cabimento e adequação do recurso; 2) a
tempestividade; 3) a regularidade procedimental, incluídos nesta o pagamento das
custas e a motivação; e 4) a inexistência de fato impeditivo ou extintivo.
São pressupostos subjetivos: 1) a legitimidade; e 2) o interesse que decorre
da sucumbência.11
Ainda, de acordo com a nova redação do art. 557 do CPC, dada pela
Lei 9.756, de 17 de dezembro de 1998, o relator pode dar provimento ao recurso
se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com
10
GRECO, 2000, p. 265.
11
Ibid., p. 272-273.

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jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores. Conforme verifica-se a cada


reforma legislativa que se faz, mais poderes são outorgados ao relator.
O ministro Peçanha Martins, do STJ, no artigo “Exame do artigo 557 do CPC”,
destaca o princípio da colegialidade das decisões, citando a lição de Pontes de
Miranda:

7) Colegialidade das Decisões. A regra, para os recursos, é


a colegialidade das decisões. Quer dizer: a pluralidade de
julgadores, com o fim político de assegurar diversos exames
no mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo exame, no tempo,
pelo juiz do primeiro grau e os demais juízes superiores. A
ciência ensina-nos, hoje, que a assembléia não nos veio da
reflexão; foi a reflexão que veio da assembléia. Portanto, o
homem é que é produto da assembléia. Essa prioridade do
exame múltiplo ao mesmo tempo, em relação ao exame de
um só, se transforma em superioridade sempre que
desejamos maior certeza. A colegialidade para a decisão
dos recursos obedece a esse pendor íntimo do homem
quando se deseja guiar pela razão.12

Forma-se, assim, mais um requisito de admissibilidade aos recursos,


quando este estiver baseado em súmula ou jurisprudência dominante.

ELEMENTOS QUE DIFEREM A SÚMULA VINCULANTE DA IMPEDITIVA DE RECURSO

Antes de estudar as modificações introduzidas pela Lei 11.276/06, é mister


salientar elementos significativos que diferem a súmula vinculante, da impeditiva de
recursos, que serão destacadas. Instituída por norma constitucional, consoante
parágrafo 1º do art. 103-A, a Emenda Consitucional nº 45/04, admitiu a súmula
vinculante, que tem como objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas. Assim, a súmula vinculante, por imperativo constitucional, é aquela
que emerge do STF, a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido sobre a
matéria constitucional, envolvendo normas acerca das quais haja atual controvérsia
entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, situação essa capaz
de acarretar grave insegurança jurídica.
A súmula vinculante é instituto que se apresenta para firmar um entendimento
sobre determinada matéria por aquele órgão que a proferiu, somente possível para
as súmulas do STF, de acordo com o imperativo constitucional do art. 103-A.
12
MARTINS, 2001, p.154.

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Para Alan Martins, o Poder Constituinte Reformador logrou êxito em


implementar, na ordem judicial posta, uma norma com perspectivas de alcance dos
objetivos, de acordo com os quais foi projetada:

Mais do que isso, além de não imunizar a Administração


Pública como autora ou ré de relações processuais perante
o Poder Judiciário, o que representará, por certo, uma forte
arma contra a proliferação inútil de recursos perante a
segunda e as superiores instâncias da Justiça, fez com que
o efeito vinculante incidisse sobre as decisões tomadas pela
própria Administração Pública Direta, formada pelos órgãos
pertencentes à estrutura centralizada das pessoas políticas
e igualmente pela Administração Pública indireta ou
descentralizada, composta pelas entidades autarquias e
fundacionais, além das empresas estatais, seja sob a
modalidade de empresa pública, seja as constituídas na forma
de sociedade de economia mista.13

Cumprindo o objetivo da Emenda Constitucional nº 45/04, foi editada a


Lei 11.276/2006, que modificou a redação do art. 518 do CPC, instituindo a súmula
impeditiva de recursos.14
Décio Sebastião Daidone brevemente difere a súmula vinculante da
impediva de recurso:

As súmulas impeditivas de recursos pouco diferem das


vinculantes de competência do Supremo Tribunal Federal,
quanto aos seus efeitos finais dentro do processo de
desenvolvido, pois como se deduz das próprias denominações,
umas ‘impedem’ o seguimento de recurso contra decisões
que forem prolatadas com base em matéria sumulada,
enquanto que as outras ‘vinculam’ o próprio juiz e, portanto
na origem, de proferir decisões contrariando súmula. 15

Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel


Garcia Medina relatam que:
13
MARTINS, 2005, p. 44.
14
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao
apelado para responder.
§ 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula
do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
§ 2o Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de
admissibilidade do recurso.
15
DAIDONE, 2006, p. 82.

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Com o novo parágrafo 1º do artigo 518 do Código de


Processo Civil, o próprio juiz que proferiu a sentença apelada
poderá indeferir o processamento deste recurso, ‘quando a
sentença estiver em conformidade com súmula do Superior
Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal’. Antes,
atividade semelhante poderia ser realizada somente pelo
relator da apelação, através de decisão monocrática
proferida de acordo com o art. 557 do CPC com a redação
da Lei 9.756/1998, mas não pelo juízo a quo.16

Referidos doutrinadores entendem que, nesse caso, o recurso não é


indeferido em razão da ausência de um de seus requisitos de admissibilidade, já que
saber se a sentença está ou não em consonância com um entendimento sumulado
pelo STF ou pelo STJ é questão atinente ao juízo de mérito do recurso.
Assim, a súmula impeditiva de recursos não é fundada em sentença com
força vinculante, mas dotada de efeito “impeditivo” de recurso de apelação, pois,
além dos requisitos de admissibilidade já exigidos a esse tipo de recurso, se faz
necessário que a sentença recorrida não tenha se fundamentado em súmula do STJ
ou do STF, para que ele seja admitido.

MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11.2476/06 E A SÚMULA IMPEDITIVA DE


RECURSO

A primeira modificação decorrente da Lei 11.276/06 foi a redação do art.


504 do CPC, alterado para a impossibilidade de se recorrer de despachos, não
mais elucidado tal qual na redação anterior, ou seja, como despachos de mero
expediente.
Todavia, não se pode olvidar que muitos despachos têm conteúdo
decisório, podendo causar prejuízo aos litigantes, entendidos como passíveis de
recurso de agravo de instrumento ou na forma retida. Para que a decisão seja passível
de recurso, basta haver caráter prejudicial.
Outra relevante modificação introduzida pela Lei 11.276/06, foi a
implementação de um quarto parágrafo ao art. 515, a saber: “Constatando a
ocorrência de nulidade sanável, o Tribunal poderá determinar a realização ou
renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre
que possível prosseguirá o julgamento da apelação.”
Referida inserção justifica-se pela economia processual, bem como pelos
anseios da jurisprudência consagrada.
16
WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2006, p. 226.

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A novidade inserida no art. 518 cria a súmula impeditiva de recursos.


Assim, existindo súmula perante os Tribunais Superiores (STJ ou STF), e o magistrado
tiver proferido julgamento da lide com fulcro na referida súmula, o sucumbente poderá
recorrer, ciente que o Tribunal fatalmente não receberá de seu apelo, posto que a
sentença foi proferida em conformidade com a súmula.
Seguramente, grande benefício foi criado pela recente legislação processual,
pois fulmina o princípio do duplo grau de jurisdição, estando o magistrado
condicionado a julgar de acordo com os Tribunais Superiores, sob pena de ver
todas as suas decisões reformadas.
Em contrapartida, Dr. Celso Luiz Limongi critica a efetividade da súmula
vinculante, pois:
a) a tradição em nossa cultura de desobediência, seja de
regras, seja de decisões judiciais; e b) a súmula vinculante
não impede às partes de recorrerem, o que é direito dos
jurisdicionados. A conjugação desses dois fatores tornam a
súmula vinculante inefetiva. Veja-se que a súmula vinculante
tem como destinatários todos os agentes públicos, os quais,
por ela, deveriam obedecer seu preceito.17

Diante de tais considerações, o art. 518 do CPC permite ao magistrado a


possibilidade de julgar conforme a súmula ou a de julgar contrariamente à súmula.
Todavia, caso o magistrado julgue conforme a súmula, a parte sucumbente
fica impossibilitada de recorrer; se o magistrado julgar contrariamente à súmula, a
parte prejudicada pode interpor recurso, o que para alguns, diante da nova ordem
processual, caberá recurso contra sentenças contrárias às súmulas do STJ e do
STF, sendo certo que, contra as decisões favoráveis às súmulas, a sentença nascerá
transitada em julgado.
Discorda-se do posicionamento de que a súmula cria um “gesso” que se
impõe ao magistrado de primeira instância. Aliás, processos idênticos repetem-se
de formas infinitas, sendo que uma das viáveis e práticas formas de controle dessa
segurança jurídica é a súmula impeditiva de recursos.
A exposição de motivos do projeto que ensejou a lei em comento, quanto
à busca na celeridade processual, não deixa dúvida:

O anteprojeto igualmente altera o artigo 518 do CPC, e de


maneira a inserir em seu § 1º a previsão do não recebimento,
pelo juiz, do recurso de apelação, quando a sentença estiver
em conformidade com Súmula do Superior Tribunal de
17
ALMEIDA, 2006, p. 20.

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Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Trata-se, portanto,


de uma adequação salutar que contribuirá para a redução
do número excessivo de impugnações sem possibilidades
de êxito.18

O projeto de lei iniciou-se na Câmara dos Deputados (PL 4724/04), no


qual o relator, deputado Inaldo Leitão, deu parecer favorável afirmando:

[...] é preciso atentar para a recente publicação da já


mencionada Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do
Judiciário), que adotou, no âmbito no Supremo Tribunal
Federal, a chamada súmula Vinculante, acrescentando o
artigo 103-A à Constituição da República.19

Retornou à Câmara (PEC 358, de 2005) a parte que se tem a previsão da


súmula impeditiva de recurso para o STJ e para o Tribunal Superior do Trabalho
(TST).
Dúvidas não restam que as inúmeras alterações processuais ocorridas no
campo recursal dizem respeito à busca do legislador em agilizar os andamentos
processuais.
Mas, na visão crítica de vários doutrinadores, a vigência da Lei 11.276/06
não impedirá a interposição de recursos contra sentenças embasadas nas súmulas
do STJ e do STF, haja vista que os sucumbentes se apoiarão na supremacia do
princípio do duplo grau de jurisdição, constitucionalmente assegurado, no intuito de
garantir a plenitude da sua defesa.
Cândido Rangel Dinamarco, oportunamente, destacou, ao traçar as linhas
gerais do movimento das ondas renovatórias de Cappelletti – em seu artigo “Nasce
um novo processo civil” – que tais “ondas” teriam surgido com a pragmática
postulação de alterações legislativas, a par da imprescindível mudança de mentalidade
dos operadores do sistema.20
Vale dizer que as reformas devem ser eficazes, e o processo é o instrumento
de alcance da efetividade da justiça, para que a decisão final seja justa. Esse
instrumento – processo – deve ser justo, ou seja, deve assegurar garantias que
permitam o alcance da justiça.21
Novamente, Cândido Rangel Dinamarco aponta para a preocupação
legislativa, no sentido de alterar as leis com o intuito meramente de resolver problemas
do Judiciário:
18
http:// Acesso em 18/10/2006www.direitoprocessual.org.br>
19
NERY JUNIOR, 2006, p. 747.
20
DINAMARCO, 1996, p. 4.
21
WAMBIER; NERY JÚNIOR, 1999, p. 186-187.

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SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO DE APELAÇÃO

As alterações ocorridas em vários dispositivos do Código


de Processo Civil revelam com nitidez a intenção de reduzir
a carga de trabalho dos órgãos superiores da jurisdição, seja
mediante a imposição de mais óbices à admissibilidade dos
recursos, seja através do acréscimo de poderes do relator,
seja limitando a instauração do incidente de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público
[...] Se louvores merece a nova lei diante do notório
congestionamento dos tribunais, também grandes
preocupações e perplexidades ela vem provocando, com
sérios riscos de causar injustiças [...] no afã de simplificar
sem ouvir democraticamente os especialistas, o legislador
andou arranhando valores garantidos constitucionalmente e
com isso pôs em perigo a efetividade da tutela jurisdicional
justa e tempestiva [...]22

A morosidade é um dos problemas mais relevantes a serem enfrentados


pelo Judiciário. Assim, devem-se elogios à presente medida, a qual não fere aos
consagrados princípios constitucionais em nossa legislação pátria.

ADMISSÃO DO RECURSO DE APELAÇÃO CONSOANTE A APLICAÇÃO DA SÚMULA


IMPEDITIVA

A redação do art. 518, parágrafo 1º, que em determinadas decisões pode


ocorrer a supressão de hipótese de cabimento do principal recurso, ou seja, a
apelação, trouxe preocupação no sentido de fazer valer o princípio do duplo grau
de jurisdição.
Com a súmula impeditiva de recurso, foi criado um novo requisito de
admissibilidade do recurso, pois somente será apreciado o recurso pelo órgão
superior se a decisão não estiver fundamentada em súmula do STJ ou do STF.
Esse novo requisito de admissibilidade somente antecipa o que o órgão
superior poderia decidir ao examinar tais requisitos, economizando tempo e,
obviamente, o pagamento de custas processuais, muitas vezes demasiadamente
onerosas para a parte recorrente, uma vez que o intuito maior da nova lei, ao alterar
os dispositivos processuais que instituíram a súmula impeditiva de recursos, foi o da
celeridade processual, garantida pelo princípio constitucional da razoável duração
do processo, inicialmente destacado.
No entanto, situações adversas poderão surgir no momento em que a
parte deseja que sua sentença seja apreciada por um órgão superior, por entender
22
Ibid, p. 127-128.

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que a sentença não foi proferida em conformidade com a súmula e, assim, interpor
apelação para atingir seu objetivo de revisão da sentença, que poderá certamente
ser indeferida seu seguimento pelo juízo a quo, com fulcro no art. 518, parágrafo 1º.
Nesses casos, poderá a parte recorrente interpor o agravo de instrumento,
conforme dispõe o art. 522, com a nova redação dada pela Lei 11.187/05.23
Sobre o assunto, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier
e José Miguel Garcia Medina afirmam:

Parece-nos, em princípio, que a parte que apelou contra a


sentença dificilmente deixará de interpor agravo contra a
decisão a que se refere o artigo 518, parágrafo 1º - agravo
que, no caso, será de instrumento, obrigatoriamente, cf. nova
redação do artigo 522 do CPC, de acordo com a Lei 11.187/
2005. É que, quando se interpõe apelação, revela-se que a
parte não se contenta com a sentença proferida, e tal
descontentamento não cessará se a apelação não for
admitida pelo mesmo juiz que proferiu a sentença apelada.
Ora, quem apela o faz não apenas porque discorda de uma
determinada decisão, mas porque espera ouvir, também de
outro órgão jurisdicional, uma resposta à sua pretensão. 24

Cabe ressaltar que o agravo interposto resolverá apenas e tão somente a


questão sobre a admissibilidade do recurso, uma vez que, procedente para reexame
ao juízo de segundo grau, é imperioso que se abra oportunidade para a parte contrária
contra-arrazoar o recurso de apelação por seu mérito próprio.25
No entanto, se a admissão parcial vier a ser externada em juízo de
retratação, conforme faculta o art. 518, parágrafo 2º26, do CPC, ocorre a hipótese
de que a matéria toda da apelação já terá sido objeto de debate, pois o
pronunciamento do juiz ocorre depois de apresentada resposta pelo apelado.27
Reafirma-se, assim, que a criação da súmula impeditiva de recurso não fere o princípio
do duplo grau de jurisdição.
23
Art. 522- Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo
quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos
casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será
admitida a sua interposição por instrumento.
24
WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, 2006, pág. 236.
25
AGNOL JUNIOR, 2006, p. 186.
26
Parágrafo 2º - Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em 5 (cinco) dias, o reexame dos pressupostos
de admissibilidade do recurso.
27
AGNOL JUNIOR, 2006, p. 186.

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Súmula Impeditiva de Recurso de Apelação

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O breve estudo demonstra que o legislador está buscando dar sentido ao


efetivo cumprimento da norma que determina a razoável duração do processo,
instituída pela Emenda Constitucional 45/04, promulgada em 8 de dezembro de
2004, conforme inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal,28 para cristalizar a
garantia da celeridade processual.
As alterações processuais são necessárias, uma vez que, o sistema recursal
brasileiro abre incontáveis oportunidades para recursos, o que tem gerado a
morosidade, a procrastinação dos feitos, bem como elevado índice de acúmulo de
decisões a serem prolatadas pela instância de segundo grau.
Referida alteração processual que criou a súmula impeditiva de recursos,
inserida pela Lei 11.276/06, certamente reduzirá o excesso de recursos, quando a
decisão do juízo a quo estiver em consonância com súmulas do STF e STJ, sem,
contudo, ferir princípios constitucionais de recorribilidade, uma vez que não retira
da parte o direito de recorrer do indeferimento ou impedimento da interposição do
recurso com fulcro em súmula.
No entanto, é necessário que os operadores do direito tenham
conscientização de que alterações processuais inovadoras são indispensáveis, a fim
de tornar as medidas eficazes e garantir justiça igualitária a todo ser humano que
busque no judiciário a garantia do seu direito de forma célere e justa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, J. L. (Org). A reforma do poder judiciário. Campinas: Millennium, 2006.

AGNOL JUNIOR, A. J. D. Admissão do recurso de apelação e súmulas: exegese do


artigo 518, parágrafo 1º do CPC. Revista do Advogado, São Paulo, ano 26, n. 85,
p. 43, nov. 2006.

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17. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

_______. Código de processo civil anotado. Organização dos textos, notas


remissivas e índices por Theotônio Negrão. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

28
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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DINAMARCO, C. R. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, S F (Org.).


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Recebimento: 20/5/09
Aprovado: 28/4/09

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