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ESTUDO DE CASO

Conceitos Fundamentais
JUR0227_v1.1

Luís Henrique Bortolai


1. O caso
No dia 23 de maio de 2016, segunda-feira, o Estado do Rio Grande do Norte
Em um processo que tramita hoje na comarca de Barueri/SP, o magistrado
da primeira vara cível, esgotadas as providências preliminares, apresenta a
seguinte decisão:
“Trata-se de ação em que a autora pleiteia a declaração da nulidade do
contrato empresarial de fornecimento de insumos mantido com a ré. Embora a
autora tenha sede em Sorocaba/SP e a ré em Santos/SP, e não obstante o
contrato tenha por objeto a entrega de matéria-prima para a planta industrial da
autora em Boituva/SP, a ação foi ajuizada nesta Comarca de Barueri/SP, que não
guarda relação alguma com as partes ou com o litígio. O contrato indica que as
partes elegeram esta Comarca em razão da equidistância entre as sedes. Caberia
à ré suscitar a incompetência em contestação, mas foi silente. Isso não convalida,
contudo, a nulidade da cláusula de eleição de foro. Não é dado às partes escolher
o juízo que lhes prestará jurisdição. Caso assim pretendam, deveriam optar pela
arbitragem. No Poder Judiciário, há critérios para a fixação de competência.
Admite-se a eleição de foro, mas desde que tenha relação com o litígio ou com
as partes, e não aleatoriamente, como no presente caso. Ante o exposto, declaro
a nulidade da cláusula de eleição de foro, reconheço a incompetência deste Juízo
e determino a remessa eletrônica dos autos a Santos/SP para redistribuição”.

2. Papel do aluno e sua


participação na resolução
do problema
Você é contratado pelo advogado da parte autora para elaboração de um
parecer, devidamente embasado, com relação aos seguintes questionamentos:
a) Com o reconhecimento da nulidade da cláusula contratual de ofício, agiu
corretamente o magistrado? Fundamente a sua resposta com base na
doutrina e jurisprudência.
b) Caso o juiz tivesse reconhecido a incompetência assim que recebida a
petição inicial, sem ouvir nenhuma das partes, teria agido
corretamente o magistrado? Fundamente a sua resposta com
base na doutrina e jurisprudência.

c) Em que situações pode ser tida como inválida a eleição de foro?


Fundamente a sua resposta com base na doutrina e jurisprudência.
d) Por que meios podem as partes impugnar a decisão proferida
pelo magistrado? Fundamente a sua resposta com base na
doutrina e jurisprudência.

3. Objetivos
Gerais
• Desenvolver a prática do advogado, diante de um caso concreto
apresentado.

• Planejar as atividades no tempo disponível e na medida em que a


situação necessita.

• Desenvolver a autonomia na realização de pesquisas.


• Ser criativo na solução do desafio.

Específicos
• Retratar determinada situação jurídica hipotética capaz de instigar a
reflexão do tema de forma ampla e profunda.
• Compreender a necessidade de um estudo aprofundado do tema, seja
em relação à pesquisa doutrinária e jurisprudencial sobre a situação,
de modo a apresentar uma manifestação processual coerente.
• Promover a interpretação contextual para que melhor se possa
compreender a manifestação geral de um dado problema.
• Estimular o desenvolvimento de raciocínio crítico e argumentativo.
• Desafiar o aluno a identificar e avaliar a problematização e a propor
solução.
• Compreender o instituto da análise da competência a partir do estudo
de caso proposto.
• Identificar os requisitos apresentados sobre o assunto no Novo Código
de Processo Civil em questão e verificar se eles foram respeitados.

• Examinar se é possível, conforme entendimento jurisprudencial sobre


o caso, um posicionamento coerente sobre o caso.

4. Atividades
Considerando as informações contidas no enunciado deste estudo de caso,
você deve desenvolver seguindo as etapas a seguir:
Apoiar-se nas leituras complementares, tanto doutrinárias como
jurisprudenciais disponíveis:
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Manual de Direito Processual Civil. 16. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
CUNHA, Leonardo José Carneiro. Jurisdição e Competência. 2 ed. São Paulo.
Revista dos Tribunais, 2013.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil. V. 1. 18 ed. Salvador:
Juspodivm, 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Declaração ex officio da incompetência relativa?
Fundamentos do Processo Civil Moderno. T. 1. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
JATAHY, Vera Maria Barrera. Do conflito de jurisdições. Rio de Janeiro: Forense,
2003.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. 6 ed.
Curso de Processo Civil. V. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: Teoria Geral do Processo. V.
1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do
processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Notas sobre o foro de eleição. Revista de
Processo 97/149-156.
MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Competência Cível da Justiça Federal. 8.
ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Processo e constituição. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
SILVA, Ovídio Batista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 6 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

5. Resolução
Em um processo que tramita hoje na comarca de Barueri/SP, o magistrado
da primeira vara cível, esgotadas as providências preliminares, apresenta a
seguinte decisão:
“Trata-se de ação em que a autora pleiteia a declaração da nulidade do
contrato empresarial de fornecimento de insumos mantido com a ré. Embora a
autora tenha sede em Sorocaba/SP e a ré em Santos/SP, e não obstante o
contrato tenha por objeto a entrega de matéria-prima para a planta industrial
da autora em Boituva/SP, a ação foi ajuizada nesta Comarca de Barueri/SP, que
não guarda relação alguma com as partes ou com o litígio. O contrato indica que
as partes elegeram esta Comarca em razão da equidistância entre as sedes.
Caberia à ré suscitar a incompetência em contestação, mas foi silente. Isso não
convalida, contudo, a nulidade da cláusula de eleição de foro. Não é dado às
partes escolher o juízo que lhes prestará jurisdição. Caso assim pretendam,
deveriam optar pela arbitragem. No Poder Judiciário, há critérios para a fixação
de competência. Admite-se a eleição de foro, mas desde que tenha relação com
o litígio ou com as partes, e não aleatoriamente, como no presente caso. Ante
o exposto, declaro a nulidade da cláusula de eleição de foro, reconheço a
incompetência deste Juízo e determino a remessa eletrônica dos autos a
Santos/SP para redistribuição”.
Você é contratado pelo advogado da parte autora para elaboração de um
parecer, devidamente embasado, com relação aos seguintes questionamentos:
a) Com o reconhecimento da nulidade da cláusula contratual de ofício, agiu
corretamente o juiz? Fundamente a sua resposta com base na doutrina e
jurisprudência.
No início da década de 1990, o Superior Tribunal de Justiça pacificou por meio
da Súmula 33 o entendimento que “A incompetência relativa não pode ser
declarada de ofício”. Dentro dessa dinâmica, portanto, não seria permitido ao juiz
invalidar a cláusula de eleição de foro e remeter os autos ao juízo do domicílio do
réu por se tratar de competência relativa e não absoluta.
Porém, após o advento do Código de Defesa do Consumidor, o STJ passou a
relativizar a Súmula 33, a fim de proteger a parte hipossuficiente da relação
consumerista, especialmente em relação à cláusula de eleição de foro. Na lição
de Fredie Didier Junior:

A despeito das premissas levantadas, e com fundamento na circunstância de


serem de ordem pública as normas relacionadas à proteção do consumidor (art.
1º CDC), tem-se admitido que, reconhecendo o magistrado a ineficácia da
cláusula de foro de eleição, poderia ele remeter os autos ao juízo competente.
(DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2006, p. 130)

Nesse sentido, a Lei n. 11.280/2006 introduziu ao CPC/1973 o parágrafo único


ao artigo 112, consagrando o entendimento do STJ no tocante aos contratos de
adesão e não mais se limitando às relações de consumo.
Seguindo a mesma linha, o Código de Processo Civil de 2015 dispõe em seu §
3º do artigo 63 que o juiz pode, antes da citação do réu, declarar ineficaz a
cláusula de eleição de foro, desde que seja reconhecida a sua abusividade, não
mais se limitando aos contratos de adesão. Portanto, agora o juiz pode declarar
ineficaz o foro eleito pelas partes, desde que seja configurada a abusividade.
Sublinha-se, contudo, que, por se tratar ainda de competência relativa, a
impugnação, mesmo que ex officio, deve ser feita em momento apropriado, sob
pena de preclusão. Assim, o juiz pode declinar a competência territorial após o
recebimento da petição inicial e antes da citação do réu. Caso contrário, a matéria
será considerada preclusa e o processo deverá tramitar normalmente no foro de
sua regular distribuição.
Nesse cenário, em razão da preclusão da matéria, o juiz em comento não
poderia ter declarado de ofício a remessa dos autos ao juízo do domicílio do réu
após contestada a ação e a competência ser prorrogada, tramitando os autos
naquele foro, que então passou a ser o competente para o feito.
Ainda, em relação ao caso em tela, não há que se falar em abusividade em
relação à escolha do foro eleito. Ao contrário do que é afirmado pelo juiz em sua
decisão, não há na legislação vigente limitações em relação à comarca escolhida
pelas partes, desde que ambos os polos tenham pleno acesso à justiça. Assim,
não havendo vulnerabilidade de uma das partes (hipossuficiência), nada impede
que contratem um foro de eleição que não das respectivas sedes e delimitem isso
por meio de um contrato ou instrumento apto a vincular ambos.
O Superior Tribunal de Justiça traz exemplos nesse sentido, conforme abaixo
apresentado, que não se enquadram no caso em tela, uma vez que não existe
menção a relação de consumo entre as partes do caso, porém servem de
importante referência para o estudo:

A 2ª Seção houve por bem definir a competência, em se tratando de contratos


de adesão, sob a disciplina do Código de Defesa do Consumidor, como absoluta,
a autorizar, consequentemente, o pronunciamento de ofício do juiz perante o
qual ajuizada a causa em primeiro grau, ao argumento da prevalência da norma
de ordem pública que protege o consumidor e garante sua defesa em juízo. No
caso, no entanto, de o próprio réu-devedor postular pela validade da cláusula
de eleição de foro, alegando que não terá dificuldade em sua defesa, deve a
mesma prevalecer. (STJ, 4a Turma, Resp. 225.866/MS, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo, DJ 14/02/2000, COAD 92034/2000).

I. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art.


3., § 2., estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A
circunstância de o usuário dispor do bem recebido através de operação
bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços,
não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pela
instituição. II. A cláusula de eleição de foro inserta em contrato de adesão não
prevalece se abusiva, o que se verifica quando constatado que da prevalência
de tal estipulação resulta inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao
Judiciário. Pode o juiz, de ofício, declinar da sua competência em ação
instaurada contra consumidor quando a aplicação daquela cláusula dificultar a
defesa do réu em Juízo. Precedentes da Segunda Seção. (STJ, 3a Turma, Resp.
190860/MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 18/12/2000).

Sem prejuízo do entendimento contido no verbete 33 da Súmula desta Corte,


reconhece-se, na hipótese e na linha do decidido no CC 17.735-CE, a
competência do juízo suscitante porquanto, em sendo a nulidade da cláusula de
eleição de foro em contrato regido pelo Código de Defesa do Consumidor
questão de ordem pública, absoluta é a competência decorrente. (STJ, 2a Seção,
CC 18652/GO, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 26/03/2001).

A atividade bancária de conceder financiamento e obter garantia mediante


alienação fiduciária em garantia é atividade que se insere no âmbito do Código
de Defesa do Consumidor. É nula a cláusula de eleição de foro inserida em
contrato de adesão quando dificultar a defesa ao aderente em juízo, podendo o
juiz declinar de ofício de sua competência. Precedentes. (STJ, 4a Turma, REsp
201195/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 07/05/2001).
Ainda nessa esteira, Cássio Scarpinella Bueno afirma:

A ‘exceção de incompetência’ foi abolida pelo novo CPC, que preserva, não
obstante, os principais efeitos (e diferença) da incompetência relativa e da
incompetência absoluta como se verifica deste art. 64 e do art. 65. Assim, de
acordo com o art. 64, caput, tanto a incompetência relativa como a
incompetência absoluta devem ser arguidas em preliminar de contestação pelo
réu. (…) o § 4º traz novidade importante: diferentemente do CPC de 1973, as
decisões proferidas por juízo absolutamente incompetente não se consideram,
desde logo, nulas. Seus efeitos são preservados até que nova decisão seja
proferida pelo juízo competente a respeito de sua conservação. A redação do
dispositivo permite a aplicação desta mesma sistemática para os casos de
incompetência relativa já que, em última análise, a manutenção, ou não, das
decisões anteriores pressupõe proferimento de nova decisão em um ou em
outro sentido. O § 1º do art. 64 permite que a incompetência absoluta seja
alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, sem prejuízo de ela também
ser reconhecida de ofício pelo magistrado. Há antinomia com o caput? A melhor
resposta à questão é no sentido de superar eventual incompatibilidade entre as
duas regras. Nada de diferente, aliás, do que existe no sistema do CPC de 1973.
Assim, cabe ao réu arguir a incompetência absoluta desde logo, fazendo-o em
preliminar de contestação. Se não o fizer, contudo, poderá levantá-lo ao longo
do processo porque não há preclusão. Tanto que é dever do magistrado
pronunciar-se sobre a incompetência absoluta de ofício (e sempre após prévio
contraditório) em qualquer tempo e grau de jurisdição. (BUENO, Cassio
Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 82/83).

Portanto, a conclusão que se chega ao caso é de que não poderia o


magistrado, após todo o trâmite processual apresentado, simplesmente
encaminhar a demanda para outro juízo, uma vez que já havia precluído tal
possibilidade, bem como que ele se tornara apto para o caso, uma vez que o foro
de eleição não levantado por nenhum das partes, bem como não ocorreu
qualquer prejuízo para os litigantes, devendo o processo ali permanecer.
b) Caso o juiz tivesse reconhecido a incompetência assim que recebida a
petição inicial, sem ouvir nenhuma das partes, teria agido corretamente o
magistrado? Fundamente a sua resposta com base na doutrina e jurisprudência.
Muito embora determine a lei que o juiz deve se manifestar sobre a ineficácia
da cláusula de eleição de foro no momento do recebimento da petição inicial, ou
seja, sem mesmo citar o réu, a Autora deveria ter sido intimada para se
manifestar sobre essa decisão por conta do princípio das decisões são surpresas
(artigo 9º, CPC/2015).
Isto porque, qualquer decisão que afete o interesse da parte não pode ser
tomada sem antes ser dada a oportunidade de manifestação e defesa, em
respeito ao princípio do contraditório e da não surpresa.
Assim, o atual sistema processual, consagra o contraditório efetivo e não
apenas o contraditório prévio, evitando quaisquer “decisões surpresas” em
homenagem ao processo democrático e justo. (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de direito processual civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo
de conhecimento e procedimento comum. vol. 1, 57. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 154)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, após a entrada em vigor do novo
diploma processual, tem mantido posicionamento quase que uniforme,
conforme consta abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA.


DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRINCÍPIO DA NÃO
SURPRESA. 1. A petição inicial deve ser instruída com os documentos
indispensáveis à propositura da ação, nos termos do art. 283 do Código de
Processo Civil, possuindo a parte autora direito subjetivo à sua emenda.
Inteligência do art. 284 do CPC. Doutrina. Jurisprudência. 2. Conforme o
princípio da não surpresa, positivado nos arts. 9 e 10 do novo código de processo
civil, às portas de entrar em vigor, é vedado ao juiz decidir com base em
fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se
manifestar. 3. A extinção do processo, sem resolução do mérito, tendo por
fundamento fato ao qual o juiz não oportunizou manifestação, ou, ainda,
quando aparentemente sanado o vício, caracteriza violação ao devido processo
legal e, por consequência, ao Princípio da Não Surpresa, base da nova ordem
legal processual civil. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70040791626,
Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula
Dalbosco, Julgado em 18/02/2016).

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.


CERCEAMENTO DE DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRINCÍPIO DA
NÃOSURPRESA. Evidenciada violação ao devido processo legal e ao princípio da
não-surpresa, impõe-se seja desconstituída a sentença, oportunizando-se a
realização da prova almejada. Tendo ambas as partes postulado a realização de
prova pericial, cumpre à parte autora adiantar as despesas correspondentes.
Art. 33 do CPC. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº
70042736579, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Paulo Sérgio Scarparo)

O Código de Processo Civil Português, por exemplo, apresenta essa mesma


linha, conforme citação abaixo destacada:
Os princípios do contraditório e da igualdade de armas são reflexos do princípio
geral da igualdade das partes, através dos quais o legislador procurou garantir
às partes idênticos meios e oportunidades na defesa dos seus interesses,
facultando a sua audição no processo antes de proferida qualquer decisão —
salvo em caso de manifesta desnecessidade, quer para contraditarem qualquer
alegação da parte contrária, quer para obstar a decisões-surpresa. II - Está
vedado ao STJ pronunciar-se sobre o juízo fáctico do Tribunal da Relação, salvo
em caso de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de
prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de
prova. III - O legislador ampliou o âmbito de aplicação da renovação dos meios
de prova e transformou o que constituía uma faculdade, conferida aos juízes da
Relação, num dever, impondo a obrigatoriedade de renovação dos meios de
prova sempre que se verifiquem dois pressupostos: (i) existência de dúvidas
sérias sobre a credibilidade do depoente; (ii) existência de dúvidas sérias sobre
o sentido do seu depoimento. IV - Do acórdão recorrido não transparece que,
na apreciação da impugnação da decisão fáctica, se tivesse suscitado qualquer
dúvida acerca da credibilidade ou sentido do depoimento da testemunha N,
razão pela qual não se verificam os pressupostos necessários à renovação de
prova, constantes do art. 662.º, n.º 2, al. a), do NCPC (2013).V - Mesmo que nem
sempre as provas permitam alcançar a verdade material, não pode, porém, o
tribunal abster-se de julgar com fundamento na dúvida insanável, pelo que – em
situação de dúvida insuperável – é necessário fazer intervir as regras
da repartição do ônus da prova. 08.01.2015. (Revista 780/11.8TVLSB.L1.S1 7.ª
Secção Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Pires da Rosa Maria dos
Prazeres Beleza.)

A doutrina nacional também se manifesta conforme abaixo apontado:

O juiz, por força do seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas
equidistante delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente
assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas
provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente pela soma da
parcialidade das partes (uma representando a tese, e a outra, a antítese) o juiz
pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que foi dito que
as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de
colaboradores necessários”: cada um dos contendores age no processo tendo
em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na
eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve. (...) Em virtude da
natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas
formalmente, mas sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar
inconstitucionais as normas que não o respeitem (CINTRA, Antônio Carlos de
Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral
do Processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 57/59.)

Portanto, ainda entendesse que ele não seria competente para o caso, no
início do trâmite da demanda deveria o magistrado possibilitar que as partes se
manifestassem, em prol do princípio da publicidade e do contraditório, de modo
a permitir uma efetiva e real participação dos verdadeiros interessados no feito.
c) Em que situações pode ser tida como inválida a eleição de foro?
Fundamente a sua resposta com base na doutrina e jurisprudência.
Diferente do que determinava o parágrafo único do artigo 112 do CPC/1973,
a abusividade da cláusula de eleição de foro não está mais limitada aos contratos
de adesão de acordo com o texto do novo CPC. Assim, a abusividade será
verificada sempre que o foro eleito representar obstáculo ao acesso da parte
contrária à justiça. Esse é, inclusive, o entendimento do STJ sobre o assunto:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA - FORO DE ELEIÇÃO - CLÁUSULA VÁLIDA -


EXPRESSIVO VALOR ECONÔMICO DO CONTRATO - LITIGANTES DETENTORAS DE
CONDIÇÕES PARA DEMANDAR EM COMARCA DIVERSA DE SUAS SEDES -
PRECEDENTES DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. 1. A cláusula do foro de eleição é
eficaz e somente pode ser afastada quando for reconhecida a sua abusividade,
resultar na inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Poder Judiciário.
Precedentes da Segunda Seção. 2. O elevado valor do negócio realizado entre
as partes autoriza presumir o conhecimento técnico da cláusula de eleição do
foro, a qual, ausente qualquer vício de validade, deve prevalecer e ser
respeitada pelas contratantes. 3. Existindo, na hipótese, identidade da causa de
pedir entre as ações e decisões liminares com efeitos colidentes, faz-se
necessária a reunião das demandas, sobretudo por conexão probatória, junto
ao foro contratual. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo
de Direito da 1.ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ. (CC 142.750/RJ, Rel.
Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 11/05/2016, DJe 25/05/2016)
Portanto, sempre que verificada uma situação de evidente desequilíbrio entre os
contratantes, mesmo que não seja em relações de consumo, o foro eleito deve
ser declarado ineficaz para o prosseguimento do processo.
Sublinha-se, aqui, que é possível verificar hipossuficiência em uma relação de
duas pessoas jurídicas desde que se verifique a indefensibilidade de uma delas,
algo não presente no caso em questão, uma vez que o foro de eleição foi
escolhido de comum acordo e ninguém levantou qualquer tipo de alegação
durante o trâmite processual, especialmente na apresentação da defesa,
momento oportuno para isso.
Outra ferramenta disponível ao réu é a possibilidade de, ao alegar a
incompetência relativa em sua contestação, protocolar sua defesa no foro de seu
domicilio nos termos do artigo 340 do CPC/2015 garantindo assim seu acesso à
justiça. Dessa forma, muito embora haja vulnerabilidade de uma das partes, é
possível que tal assunto seja devidamente tratado dentro do devido processo
legal, algo também não apresentado no presente caso.
Ademais, de acordo com o entendimento doutrinário, a hipossuficiência
pode ser superveniente ao contrato. Nesse caso, mesmo se no momento da
contratação as partes se encontravam em pé de igualdade, a cláusula de eleição
de foro pode ser tida como abusiva:

Ainda que a celebração do contrato tenha sido realizada em ambiente ou clima


“paritário”, sobrevindo abusividade em relação ao foro, com manifesta
vantagem a uma das partes e excessiva dificuldade ao exercício do direito de
defesa pela outra, é de se reconhecer o abuso do direito de contratar,
reputando-se ineficaz (e não nula, como diz o parágrafo único do art. 112 do
CPC/1973.) tal cláusula. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Breves
Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Brasil: Revista dos Tribunais,
2016, p. 235)

Assim, caso o julgador identifique a hipossuficiência de uma das partes que


será prejudicada caso a ação tramite perante o foro de eleição, a abusividade
poderá ser constatada e declarada de ofício. Porém, no caso em análise, não
parece plausível tal possibilidade, uma vez que nenhuma das partes arguiu tal
prejuízo, que pudesse deslocar a demanda ao foro de uma das sedes, seja ela
autora ou ré.
d) Por que meios podem as partes impugnar a decisão proferida pelo
magistrado? Fundamente a sua resposta com base na doutrina e jurisprudência.
Por ter cunho decisório, mas não pôr fim ao processo, a decisão proferida
tem natureza de decisão interlocutória, sendo cabível, portanto, o recurso de
agravo de instrumento. Contudo, nem todas as decisões interlocutórias são
recorríveis por meio de tal recurso uma vez que o atual rol de possibilidades de
interposição disposto no artigo 1.015 do CPC/2015 é taxativo e não dispõe sobre
a possibilidade de impugnar o declínio de competência em razão da declaração
de abusividade da cláusula de foro de eleição.
Nesta esteira, as partes poderiam discutir novamente o assunto em
preliminar de apelação após a prolação de sentença. A matéria não sofreria
preclusão e o Tribunal competente poderia rever a decisão inicial quando
então provocado.
Porém, parte da doutrina e da jurisprudência tem defendido que, muito
embora seja taxativo o rol do art. 1.015 do CPC/2015, nada impede a
interpretação extensiva de suas hipóteses. Em outras palavras, apesar da
legislação ser categórica sobre as matérias recorríveis por agravo de instrumento,
nada impede que novas situações correlatas sejam cabíveis desde que guardem
a devida semelhança às hipóteses legais.
O intuito não é ampliar o conteúdo da norma, apenas reconhecer que
determinada circunstância deve ser regida pela regra. A interpretação extensiva
não pode ampliar o rol previsto em lei, devendo apenas oportunizar que certa
situação se enquadre no dispositivo. Consequentemente, taxatividade não deve
significar literalidade.
Destarte, uma vez que o art. 1.015, inciso III, do CPC/2015, determina ser
cabível agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que rejeitam a
alegação de convenção de arbitragem, também caberia agravo de instrumento
para impugnar decisões que tratam sobre a declaração de ineficácia do foro de
eleição por abusividade. Isto porque ambos os assuntos são semelhantes por
tratarem de competência. Portanto, por interpretação extensiva, seria possível a
interposição de agravo de instrumento no caso em tela. Alguns tribunais já têm
aderido a tais interpretações:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÕES QUE VERSAM SOBRE COMPETÊNCIA -
RECURSO CABÍVEL - INCISO III DO ART. 1015 DO CPC - INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA - EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - ENTIDADE FECHADA DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA - FORO COMPETENTE - DOMICÍLIO DA PARTE RÉ - FORO
DE ELEIÇÃO - LOCAL ONDE SE PRESTOU SERVIÇOS À PATROCINADORA. Por
interpretação extensiva do disposto no inciso III do artigo 1.015 do Código de
Processo Civil, é cabível o agravo de instrumento contra decisões que versam
sobre competência, de maneira geral. 2. Em ação envolvendo entidade fechada
de previdência privada e o seu participante, é competente o foro do domicílio
da ré ou o foro de eleição contratual ou o do local onde se trabalhou para a
patrocinadora. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.16.057381-2/001,
Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª Câmara Cível, julgamento em
23/03/2017, publicação da súmula em 29/03/2017)

Em oposição a tal posicionamento, há, ainda, uma minoria da doutrina que


entende incabível a interposição do agravo de instrumento em razão da
taxatividade absoluta do rol do art., 1.015. Essa parcela de autores defende a
possibilidade do ajuizamento de mandado de segurança a fim de assegurar o
direito em debate. (ROMÃO, Pablo Freire. Taxatividade do rol do art. 1.015, do
NCPC: Mandado de Segurança como sucedâneo do agravo de instrumento.
Disponível em: <https://bit.ly/2HTA6ca> Acesso em: 25 de janeiro de 2018.)
Contudo, cabe recordar que o mandado de segurança não deve ser utilizado
como sucedâneo recursal e deve apenas debater sobre direitos líquidos e certos,
o que não ocorre no caso concreto, uma vez que provocaria um aumento de
demandas e ações mandamentais, podendo inclusive causar um prejuízo ao
Poder Judiciário.
Como destaca Cássio Scarpinella Bueno:

[a nova sistemática] será bem-vinda, justamente para não generalizar o


emprego do mandado de segurança como sucedâneo recursal, interpretação
ampliativa das hipóteses do art. 1.015, sempre conservando, contudo, a razão
de ser de cada uma de suas hipóteses para não generalizá-las indevidamente.
(BUENO. Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 623)
Portanto, a conclusão mais plausível que se chega ao presente caso é,
exatamente, de que a parte deve ingressar com um agravo de instrumento
para discussão imediata da questão, não devendo deixar isso para ser debatido
após todo o trâmite processual, em eventual caso de apresentação de
recurso de apelação.

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