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SEMANA 01

SUMÁRIO

TEMA 01

DIREITO CONSTITUCIONAL – Pág. 03


Ponto 3.a. Poder Constituinte: teoria, conceito, natureza, classificação, titularidade,
formas de manifestação e exercício. Poder Constituinte originário: exercício e processo
constituinte. Reforma constitucional: poder, limites e processo. Cláusulas pétreas
expressas e implícitas. Revisão e emenda constitucional. Mutação constitucional.

Ponto 7.b. (...). Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. (...).

TEMA 02

DIREITO CONSTITUCIONAL – Pág. 20


Ponto 1.d. Constituição: conceito, concepções teóricas, sentidos material e formal,
classificação, estrutura, funções, objeto e conteúdo.

Ponto 1.c. Formação do constitucionalismo brasileiro: fases colonial, monárquica e


republicana. Formação histórica das constituições brasileiras.

Ponto 1.b. Constitucionalismo. Formação. Constitucionalismo moderno e Estado


Constitucional. Constitucionalismo social. Constitucionalismo contemporâneo:
neoconstitucionalismo, transconstitucionalismo e cosmopolitismo.

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TEMA 03

DIREITO CONSTITUCIONAL – Pág. 44


Ponto 2.a. Normas constitucionais: teoria, conceito, estrutura, classificações. Eficácia e
aplicabilidade. Efetividade e força normativa da Constituição. As normas constitucionais
no tempo e no espaço. Teoria da recepção. Preâmbulo. Disposições constitucionais
transitórias.

Ponto 2.c. Regras e princípios constitucionais: critérios distintivos, funções e eficácia. (...).

TEMA 04

DIREITO HUMANOS – Pág. 65


Ponto 1.a. Teoria Geral dos Direitos Humanos: conceito, terminologia, formação
histórica, classificação, dimensões e fundamentos. Dignidade da pessoa humana.

Ponto 2.b. Alcance subjetivo dos Direitos Humanos: titulares e obrigados. (...).

Continua...

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TEMA 01

DIREITO CONSTITUCIONAL

Ponto 3.a. Poder Constituinte: teoria, conceito, natureza, classificação, titularidade,


formas de manifestação e exercício. Poder Constituinte originário: exercício e processo
constituinte. Reforma constitucional: poder, limites e processo. Cláusulas pétreas
expressas e implícitas. Revisão e emenda constitucional. Mutação constitucional.

Ponto 7.b. (...). Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. (...).

PODER CONSTITUINTE

Conceito de Poder Constituinte: poder de criar a Constituição e de fundar ou refundar o


Estado e a ordem jurídica (poder constituinte originário ou propriamente constituinte). A
expressão é também empregada para designar o poder de modificar a Constituição
(poder “constituinte” derivado-reformador), bem como o de elaborar, nos Estados
federais, as constituições estaduais (poder “constituinte” derivado-decorrente), em que
pese esses dois últimos serem, a rigor, poderes constituídos, na medida em que
instituídos e limitados pelo poder constituinte originário.

Poder Constituinte Poder “Constituinte” Poder “Constituinte”


Originário Derivado-Reformador Derivado-Decorrente
Cria a Constituição, Modifica a Constituição já Elabora, nos Estados
fundando ou refundando o existente federais, as Constituições
Estado e a ordem jurídica estaduais

Origem histórica: a noção de Poder Constituinte é fruto das teorias constitucionais


francesa e norte-americana do período revolucionário do século XVIII (Constitucionalismo
clássico).

Marco teórico: contribuição teórica trazida por Emmanuel Sieyès – que escreveu o livro
“O que é o Terceiro Estado?”, em 1788. Sieyès separa o Poder Constituinte dos seus
poderes constituídos. No Brasil, a obra de Sieyès foi lançada com o título "A Constituinte
Burguesa”.

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A teoria política norte-americana do século XVIII também concebeu a
distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, mas foram os conceitos
franceses, forjados por Sieyès, que se tornaram a principal referência teórica.

Poder Constituinte

Origem histórica
Marco teórico
Constitucionalismo francês e
Livro “O que é o Terceiro
norte-americano
Estado?”, de 1788, elaborado
(Constitucionalismo clássico
por Emmanuel Sieyès
do século XVIII)

Titularidade do Poder Constituinte: para a teoria da soberania nacional, formulada por


Sieyès, é a Nação a titular do Poder Constituinte. No art. 3º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, a ideia é recepcionada. Essa versão da teoria também foi adotada,
no Brasil, na Constituição Imperial de 1824.

Contemporaneamente, contudo, é praticamente unânime o entendimento de que é o


Povo o titular do poder constituinte (teoria da soberania popular, concebida
classicamente por Rousseau). Trata-se da teoria enunciada, por exemplo, no preâmbulo
da Constituição norte-americana. Ademais, a Constituição brasileira de 1988 proclama a
democracia, e enuncia claramente o princípio da soberania popular, ao declarar, no seu
art. 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente”.

Titularidade do Poder Constituinte


Inicialmente Contemporaneamente
Nação Povo
Teoria da Soberania Nacional Teoria da Soberania Popular
Sieyès Rousseau
Declaração dos Direitos do Homem e do Constituição norte-americana, de 1787
Cidadão, de 1789 Constituição da República de 1988

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Constituição Imperial de 1824

Com relação à titularidade do poder constituinte, haveremos de distingui-la do exercício


desse poder, pois, não há, comumente, coincidência entre o titular e o exercente do
poder constituinte. Excetuando-se a hipótese de revolução - quando, no caso, o titular
será o mesmo a exercer o poder -, a titularidade é conferida ao povo e o exercício àqueles
por ele eleitos com o objetivo maior de manifestação constituinte e consecução de suas
aspirações, guindando-as ao status de finalidade da unidade política, fundamento mesmo
da razão de ser e de existir do Estado. (Curso de Direito Constitucional. Manoel Jorge e
Silva Neto. Pág. 13).

EXERCÍCIO DO PODER
CONSTITUINTE

DEMOCRÁTICO DEMOCRÁTICO AUTOCRÁTICO


DIRETO INDIRETO

ASSEMBLEIA
OUTORGA/PODER
PLEBISCITO REFERENDO NACIONAL
USURPADO
CONSTITUINTE

CONSTITUIÇÕES
CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS DE
BRASIELEIRAS DE 1891,
1824, 1937, 1967 E
1934, 1946 E 1988
1969

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO: CARACTERÍSTICAS

Poder Constituinte Originário

Denominações: Genuíno, Primário, de Primeiro Grau, Inicial, Inaugural.

Conceito: é aquele que instaura a primeira ou uma nova ordem jurídica, neste último
caso rompendo por completo com a ordem jurídica precedente.

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Características:

1. Inicial: não precedido por qualquer poder anterior;


2. De fato e político: tem natureza pré-jurídica, pois funda a si próprio, se impondo como
força social ou político-social;
3. Autônomo: determina a estrutura da nova Constituição;
4. Ilimitado juridicamente: não se subordina a nenhuma ideia jurídica preexistente –
corrente positivista. A corrente jusnaturalista, por sua vez, assevera que, apesar de não
ser limitado pelo direito positivo anterior, o poder constituinte originário está
subordinado aos princípios do direito natural.

Em que pese os positivistas negarem a existência de direitos naturais, anteriores


ao Estado, eles partilham do ideal de que a ausência de limites não deve ser lida como
absoluta, haja vista referir-se, tão somente, às imposições da ordem jurídica pré-
existente.
Nesse contexto, admitem a existência de alguns limites ao poder constituinte, como, por
exemplo, os geográficos/territoriais, as circunstâncias sociais e políticas que lhe dão
causa, além de outros limites transcendentes (advêm dos imperativos do direito natural
e de valores éticos superiores), imanentes (referentes à soberania e a forma de Estado),
heterônomos de direito internacional (regras e princípios provenientes do direito
internacional que impõem limites à conformação estatal) e heterônomos de direito
interno (nos Estados Federados, resulta das obrigações entre a União e os Estados-
membros).

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Para J. J. Gomes Canotilho, o poder constituinte
originário obedece a "padrões e modelos de conduta
espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na
consciência jurídica geral da comunidade", devendo
observar os princípios do direito internacional (como a
defesa da paz, a autodeterminação dos povos, a
prevalência dos direitos humanos e de justiça).

5. Incondicionado e soberano: livre quanto aos procedimentos a serem adotados para a


criação da nova Constituição, não precisando seguir qualquer formalidade
preestabelecida;
6. De natureza híbrida: tem o poder de desconstituir um ordenamento por meio de
revogação e de elaborar outro;
7. Permanente: não se esgota com a edição da nova Constituição, sobrevivendo a ela e
fora dela como forma de expressão da liberdade humana, enquanto ideia de subsistência.
Ao contrário da Assembleia Constituinte, cuja atuação se exaure com a promulgação da
Constituição, o poder constituinte originário não desaparece com a entrada em vigor da
Carta Constitucional.

CARACTERÍTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

DE FATO E ILIMITADO
INICIAL AUTÔNOMO
POLÍTICO JURIDICAMENTE*

INCONDICIONADO DE NATUREZA
PERMANENTE
E SOBERANO HÍBRIDA

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Classificações:

- Quanto às dimensões:
a) Material: orientador da atividade do constituinte originário formal, traduzido pelo
conjunto de forças político-sociais que vão produzir o conteúdo de uma nova
Constituição; e
b) Formal: é o ato de criação propriamente dito, que vai formalizar a ideia de Direito
construída por meio do poder constituinte material.

- Quanto ao momento de manifestação:


a) Histórico ou fundacional: surge com a construção de um novo Estado nacional (com o
processo de descolonização), que vai necessitar de uma nova Constituição; e
b) Revolucionário ou pós-fundacional: surge em Estados nacionais já existentes e dotados
de uma Constituição.

Poder Constituinte Originário e Direitos Adquiridos:

Segundo o entendimento do STF, inexiste alegação de "direitos adquiridos" perante a


nova Constituição, perante o trabalho do Poder Constituinte originário. Para ilustrar, vale
mencionar o art. 17 do ADCT da CF/88, que assim preconiza: "os vencimentos, a
remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria
que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente
reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de
direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título".

Ademais, o STF entende que as normas do Poder Constituinte originário são dotadas de
eficácia de retroatividade mínima (aptidão para atingir efeitos futuros de fatos passados),
somente excepcionalmente ostentando eficácias retroativa média e máxima.

PODER CONSTITUINTE DERIVADO: LIMITAÇÕES À REFORMA CONSTITUCIONAL

Denominações: Instituído, Constituído, Secundário, de 2º grau, Remanescente, de


Reforma.

Conceito: é um poder jurídico, responsável pela reforma da Constituição (no Brasil isso
se dá por meio da edição de emendas constitucionais, pela revisão constitucional ou pela
incorporação de tratados internacionais de direitos humanos).

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Previsão normativa: não é previsto expressamente na Constituição Federal de 1988,
entendendo-se estar implícito na norma contida no seu art. 60, a qual prevê a
possibilidade de edição de emendas à Constituição.

Características: é um poder jurídico com limitações e condições para o seu exercício,


subordinando-se às definições do Poder Constituinte originário, sendo, portanto:

- Derivado (ou de 2º grau): pois deriva do poder originário, ou seja, é poder de direito
que encontra seu fundamento na Constituição, dela retirando sua existência e sua
validade;
- Condicionado: na medida em que a Constituição prevê meios para sua modificação,
condicionando o poder reformador àquelas formas e hipóteses;
- Subordinado (ou limitado): suas ações são pautadas pelas limitações (expressas e
implícitas) inseridas na Constituição e, por consequência, se sujeitam aos diferentes
mecanismos de controle de constitucionalidade.

CARACTERÍSTICAS DO PODER
CONSTITUINTE DERIVADO

DERIVADO OU DE SUBORDINADO
JURÍDICO CONDICIONADO
2º GRAU (OU LIMITADO)

Poder Constituinte Derivado Reformador: também chamado de “competência


reformadora”, tem a capacidade de modificar a Constituição por meio de um
procedimento específico estabelecido pelo Poder Constituinte originário, sem que haja
uma revolução. É um poder jurídico. Para a doutrina majoritária, a reforma é um gênero
que apresenta duas espécies, quais sejam:

1) Revisão Constitucional: reforma global do texto. Conta com limites temporais e


procedimentais, conforme explicita o art. 3º do ADCT da CF/88:

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Art. 3º do ADCT da CF/88. A revisão constitucional será realizada após cinco anos,
contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros
do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Revisão
Constitucional

Resultou em 6
Após cinco emendas de revisão,
anos, contados Voto da maioria Em Sessão
sujeitas ao controle
absoluta dos de
da promulgação unicameral constitucionalidade
da CF/88 membros do CN
e à observância das
cláusulas pétreas

2) Emendas Constitucionais: reformas pontuais do texto, as quais contam com limitações


circunstanciais, procedimentais e materiais.

Limites impostos ao Poder Constituinte Derivado Reformador:

a) Temporal: busca uma certa estabilização nas relações jurídicas durante um


determinado momento no tempo. Na atual Constituição, somente foi estabelecido limite
temporal no tocante à Revisão, nos termos do art. 3º do ADCT supratranscrito. Portanto,
não há limite temporal à elaboração de Emendas Constitucionais. As limitações
temporais, na história constitucional brasileira, foram previstas apenas na Constituição
do Império, de 1824, não se verificando nas que se seguiram.

b) Circunstancial: impede a alteração da CF/88 em momentos de extrema gravidade, nos


quais a manifestação do poder reformador possa estar viciada – vide art. 60, §1º, da
CF/88:

Art. 60 da CF/88. (...).


§ 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de
estado de defesa ou de estado de sítio.

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c) Formais/procedimentais: no tocante às Emendas Constitucionais, podem ser de duas
espécies, quais sejam:
c.1) formal subjetiva: referente aos legitimados específicos, vide art. 60, I, II e III, da CF/88:

Art. 60 da CF/88. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados OU do Senado
Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

De acordo com o texto constitucional, não há previsão para a iniciativa


popular de PEC (posicionamento majoritário na doutrina).

c.2) Formal objetiva: afeta ao quórum qualificado e demais aspectos do procedimento de


aprovação – vide art. 60, §§ 2º e 3º, da CF/88:

Art. 60 da CF/88. (...).


§ 2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros.

§ 3º. A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados
E do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

d) Materiais: cláusulas pétreas – vide art. 60, § 4º, da CF/88:

Art. 60 da CF/88. (...).


§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

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MNEMÔNICO:

CLÁUSULAS PÉTREAS

FOI VOCÊ QUE SEPAROU OS DIREITOS?

Foi = Forma Federativa de Estado


Você = Voto direito, secreto, universal e periódico (aqui também existe o mnemônico
Voto SeDiUP)
Separou = Separação dos Poderes
Direitos = Direitos e garantias individuais

Em que pese a conotação sexual, outra opção de mnemônico muito utilizada para
rememorar as cláusulas pétreas é: VoSe FoDi, fazendo referência, respectivamente, ao
Voto direito, secreto, universal e periódico, à Separação dos Poderes, à Forma Federativa
de Estado e aos Direitos e garantias individuais.

A obrigatoriedade do voto não constitui cláusula pétrea expressa!

CLÁUSULAS PÉTREAS EXPRESSAS E IMPLÍCITAS

A doutrina menciona os limites materiais implícitos ao poder de emenda no tocante a


matérias que, embora não estejam expressamente mencionadas no § 4º do art. 60 da
CF/88, não podem ser suprimidas, sob pena de ferir o sistema constitucional e o seu
núcleo essencial engendrado pelo Poder Constituinte originário.

As matérias constantes do art. 60, § 4º, da CF/88 (cláusulas pétreas expressas) podem
ser modificadas, mas desde que seja para sofisticá-las.

Outrossim, o STF tem posicionamento no sentido de que os direitos e garantias


individuais considerados cláusulas pétreas pela CF/88 não se restringem àqueles
expressos no elenco do art. 5º, admitindo interpretação extensiva para definição de
direitos análogos – vide ADI 939 – cláusulas pétreas implícitas.

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JURISPRUDÊNCIA:

A EC 3, de 17-3-1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício
de inconstitucionalidade ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo,
não se aplica "o art. 150, III, b, e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os
seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da
anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º; art. 60, § 4º, IV; e
art. 150, III, b, da Constituição). [STF, ADI 939, rel. min. Sydney Sanches, j. 15-12-1993, P,
DJ de 18-3-1994.]

O STF também definiu que os limites materiais ao Poder Constituinte de reforma não
significam a intangibilidade literal da disciplina dada ao tema pela Carta Magna, mas a
proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos protegidos pelas cláusulas
pétreas – vide ADI 2.024.

JURISPRUDÊNCIA:

A "forma federativa de Estado" – elevado a princípio intangível por todas as Constituições


da República – não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de
Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e,
como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de
resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei
Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na
Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e
institutos cuja preservação nelas se protege. [STF, ADI 2.024, rel. min. Sepúlveda
Pertence, j. 3-5-2007, P, DJ de 22-6-2007.]

São apontados como limites constitucionais implícitos:


1 - Impossibilidade de se alterar tanto o titular do Poder Constituinte originário quanto o
titular do Poder Constituinte derivado reformador; e
2 - Impossibilidade de se revogar uma cláusula pétrea, para, em seguida, modificar aquilo
que a cláusula pétrea protegia (teoria da dupla revisão).

Teoria da dupla revisão: tese defendida por doutrinadores que entendem que
as normas que impedem a revisão de certos preceitos são juridicamente vinculantes, mas

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não seriam elas próprias imunes à alteração e à revogação, de modo que, se forem
suprimidas num primeiro momento, abrir-se-ia o caminho para, em seguida, serem
removidas as cláusulas pétreas. Segundo a referida teoria, poderia haver a modificação
do art. 60 da CF/88, para, após, alterar as cláusulas pétreas por ele protegidas. O STF, no
entanto, entende ser impossível a revogação do art. 60, § 4º, da CF, por ser limite
implícito ao poder de reforma.

Por se tratar de matéria de considerável importância para o concurso do MPT, é


importante destacar que, embora o inc. IV do § 4º do art. 60 da CF/88 disponha
expressamente que os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas, não faz
qualquer menção aos direitos sociais, restando dúvida quanto à sua caracterização ou
não enquanto cláusula pétrea. Há duas correntes quanto ao tema:
a) 1ª corrente: entende que as normas disciplinadoras de direitos sociais não são
cláusulas pétreas, por não estarem previstas expressamente no rol do art. 60, § 4º, da
CF/88 e por se inserirem no rol dos direitos prestacionais, ou seja, dependentes das
condições de tempo e recursos disponíveis para sua concretização, o que impede que
sejam classificados como intangíveis; e
b) 2ª corrente: defende que as normas estabelecedoras de direitos sociais também são
sim cláusulas pétreas, por se tratarem de efetivos instrumentos para a concretização
integral da dignidade da pessoa humana e dos demais fundamentos da República
Federativa do Brasil, razão pela qual os direitos fundamentais sociais devem ser
albergados como cláusulas pétreas – corrente que mais se afina com o entendimento
institucional do MPT.

Uma emenda constitucional não pode ampliar o rol de cláusulas pétreas,


uma vez que o Poder Reformador recebe a sua autoridade do Constituinte Originário.
Logo, o Poder Reformador só pode ser limitado pelo Constituinte Originário.

Segundo o STF, cabe mandado de segurança quando PEC desrespeita cláusula


pétrea. Tem legitimidade para a impetração o parlamentar federal, pois é ele quem tem
o direito subjetivo ofendido (direito de não ser convocado para participar de votação
inconstitucional/ direito ao devido processo legislativo).

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Após a promulgação da Emenda Constitucional, o controle de constitucionalidade pode
ser feito pelo Poder Judiciário (via controle concentrado e abstrato por quaisquer dos
legitimados para ADI, ou via controle difuso e concreto).

Poder Constituinte Derivado Decorrente

Conceito: tem por missão estruturar a Constituição dos Estados-Membros ou modificá-


la, na forma dos arts. 25 da CF/88 e 11 do ADCT, com fundamento na autonomia dos
Estados, representada por: capacidade de auto-organização, autogoverno e
autoadministração.

Assim como o Poder Constituinte reformador, por ser criado pelo Poder Constituinte
originário e ser dele proveniente, se submete aos parâmetros por ele traçados.

Art. 25 da CF/88. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que


adotarem, observados os princípios desta Constituição.

Art. 11 do ADCT da CF/88. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes,


elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da
Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.

Características: secundário, limitado e condicionado.

Trata-se de um poder originário em relação à Constituição Estadual e, ao mesmo tempo,


derivado em relação à CF/88, cujos princípios deverão ser obedecidos.

Limites ao Poder Constituinte Derivado Decorrente:

- Princípios constitucionais sensíveis: art. 34, VII, da CF/88;

Art. 34 da CF/88. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

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e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

MNEMÔNICO:

PRINCÍPIOS SENSÍVEIS

FARDASP

F= Forma republicana;
A= Autonomia municipal;
R= Regime democrático;
D= Direitos da pessoa humana;
A= Aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
S= Sistema representativo;
P= Prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

- Princípios constitucionais extensíveis: normas organizatórias para a União que se


estendem aos Estados por previsão constitucional (arts. 28 e 75) ou implícita (arts. 58, §
3º, 59 e seguintes);
- Princípios constitucionais estabelecidos: restringem a capacidade organizatória dos
Estados por meio de limitações constitucionais expressas (art. 37) ou implícitas (art. 21).

Há doutrinadores que subdividem o Poder Constituinte Derivado Decorrente em:


- Poder Constituinte Derivado decorrente inicial ou instituidor (para se referir ao
responsável pela elaboração da Constituição Estadual); e
- Poder Constituinte Derivado decorrente de revisão estadual ou de 2º grau (com a
finalidade de modificar o texto da Constituição Estadual).

Esse poder é dirigido aos Estados e ao Distrito Federal!

Territórios Federais e Municípios não são detentores do Poder Constituído Derivado


Decorrente! Isso porque não houve previsão literal na CF/88, bem como porque as leis

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orgânicas são subordinadas às Constituições Estaduais e à Federal, de modo que não
poderíamos ter um Poder Constituinte decorrente de um Poder Constituinte que já é
decorrente.

Quanto ao Distrito Federal, embora já tenha havido alguma celeuma doutrinária, o STF
decidiu na Reclamação 3.436 que incide o Poder Derivado Decorrente, uma vez que sua
Lei Orgânica, no tocante à parte das matérias (de natureza estadual), ostenta status de
Constituição Estadual, se submetendo à Constituição Federal.

MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Conceito: por mutação constitucional (também chamada de Poder Constituinte Difuso),


entende-se o processo informal de mudança da Constituição, alterando-se o seu sentido
interpretativo, sem promover qualquer alteração no seu texto, que permanece intacto e
com a mesma literalidade.

A noção de mutação constitucional, assim como a de reforma constitucional, guarda


relação com a concepção de que, em determinado sentido, uma constituição é um
organismo vivo, submetido à dinâmica da realidade social, e que, portanto, não se esgota
por meio de fórmulas fixas e predeterminadas.

Características: se instrumentaliza de modo informal e espontâneo, como verdadeiro


poder de fato. Decorre de fatores sociais, políticos e econômicos, não sendo titularizado
por um único órgão. Conserva-se em estado de latência.

Manoel Jorge e Silva Neto (Curso de Direito Constitucional. Pág. 23) aponta como
características da mutação constitucional:

a) a informalidade (modificações ditadas informalmente);


b) a imprevisibilidade (impossibilidade de previsão de sua ocorrência); e
c) a intermitência (ocorrência em momentos cronologicamente distintos).

Procedimento: altera-se a interpretação sobre o texto constitucional, dando-lhe um


sentido novo.

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Classificação: pode ocorrer por via de interpretação, pela atuação do legislador e por
costume.

Mutação constitucional inconstitucional: consiste em atribuir a uma norma


constitucional uma inovadora interpretação contrária aos valores consagrados pela Carta
Magna. Para evitar que isso ocorra, a mutação constitucional deve observar como limites
o próprio texto constitucional e o conjunto de valores por ela prestigiados.

Exemplos de mutações constitucionais havidas sob a égide da CF/88:


- A interpretação do STF sobre o conceito de casa traçado pelo art. 5º, XI, da CF/88, para
incluir também escritórios profissionais, hotéis, motéis e congêneres; e
- O julgamento do STF sobre a exegese do dispositivo constitucional que trata da união
estável entre homem e mulher, que, a despeito do texto, foi estendido às uniões estáveis
entre pessoas do mesmo sexo.

“Se é verdade que o fenômeno da mutação constitucional pode colher como destinatária
precípua constituição rígida, não menos é que defender sua exclusividade a sistemas
constitucionais de tal espécie envolve, inegavelmente, grande equívoco. As constituições
flexíveis, a seu modo, também se sujeitam a transformações sem que haja a mudança da
norma. Algo diferente de dizer que a flexibilidade de um texto constitucional implica a
adoção de processos menos rigorosos para consumar-se a adequação da norma ao
contexto social, político, econômico, é, sem dúvida, afirmar que os sistemas flexíveis são
incompatíveis com a mutação constitucional. Não há qualquer nexo entre uma e outra
realidade. A necessidade de tornar a constituição instrumento normativo sempre apto a
atender as demandas dos indivíduos deve invariavelmente permear a atuação dos
protagonistas da mutação constitucional, pouco importando que o sistema para o qual
as demandas da coletividade são plasmadas seja de natureza flexível ou rígida. A mutação
é um fato. E o seu aparecimento está vinculado a injunções outras que não aquelas
referentes à opção do poder constituinte originário por um sistema flexível ou rígido.”
(Curso de Direito Constitucional. Manoel Jorge e Silva Neto. Pág. 24).

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Quadro Sinóptico sobre o tema “Poder Constituinte”
(extraído da obra “Direito Constitucional em Mapas Mentais”. Roberto Troncoso, Marcelo Leite e Thiago
Strauss. 2. ed. Brasília: Ponto dos Concursos)

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TEMA 02

DIREITO CONSTITUCIONAL

Ponto 1.d. Constituição: conceito, concepções teóricas, sentidos material e formal,


classificação, estrutura, funções, objeto e conteúdo.

Ponto 1.c. Formação do constitucionalismo brasileiro: fases colonial, monárquica e


republicana. Formação histórica das constituições brasileiras.

Ponto 1.b. Constitucionalismo. Formação. Constitucionalismo moderno e Estado


Constitucional. Constitucionalismo social. Constitucionalismo contemporâneo:
neoconstitucionalismo, transconstitucionalismo e cosmopolitismo.

CONSTITUIÇÃO: CONCEITO, CONCEPÇÕES TEÓRICAS, SENTIDOS MATERIAL E FORMAL,


CLASSIFICAÇÃO, ESTRUTURA, FUNÇÕES

O termo “Constituição” é definido a partir de múltiplas sentidos/concepções teóricas,


sendo as principais:

- Sentido sociológico - Ferdinand Lassalle - obra “O que é uma Constituição?” - 1862.

“Constituição” seria a somatória dos fatores reais de poder que regem a sociedade
(aspectos econômicos, sociais, militares, religiosos etc.), de modo que, havendo conflito
entre a Constituição escrita e a realidade (Constituição real), esta sempre prevaleceria.
Assim, a Constituição escrita que não reproduzisse os fatores reais de poder não passaria
de uma mera folha de papel.

LaSSalle – Sentido Sociológico

- Sentido político - Carl Schmitt – obra “Teoria da Constituição” - 1928.

Distingue “Constituição” (decisão política do titular do poder constituinte) de “leis


constitucionais” (dispositivos inseridos no texto constitucional, que não contêm matéria
afeta à decisão política fundamental).

20
SchmiTT – PolíTico

- Sentido jurídico - Hans Kelsen – obra “Teoria pura do Direito” - 1934.

Enumera dois sentidos para o termo “Constituição”, quais sejam, o lógico-jurídico (norma
fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da
validade da Constituição jurídico-positiva) e o jurídico-positivo (norma positiva suprema
que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau).

Sentido Idealizador Conceito


Sociológico Lassale Somatória dos fatores reais de poder.
Político Schmitt Decisão política fundamental.
Jurídico Kelsen Acepções:
- Lógico-jurídica (norma fundamental hipotética); e
- Jurídico-positiva (norma positiva suprema).

- Sentido material: Constituição como norma definidora das regras estruturais da


sociedade e de seus alicerces fundamentais (forma de Estado, forma de governo, direitos
fundamentais etc.).

- Sentido formal: Constituição como documento escrito (e solene) que positiva as normas
jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte
específico, independentemente de seu conteúdo.

A respeito dos sentidos material e formal, Pedro Lenza faz as seguintes observações:

“a) em primeiro lugar, por mais que pareça estranho dizer, ao eleger o critério material,
torna-se possível encontrarmos normas constitucionais fora do texto constitucional, na
medida em que o que interessa no aludido conceito é o conteúdo da norma, e não a
maneira pela qual ela foi introduzida no ordenamento interno. Como o próprio nome
sugere e induz, o que é relevante no critério material é a matéria, pouco importando sua
forma; b) em segundo lugar, em se tratando do sentido formal, qualquer norma que
tenha sido introduzida por um poder soberano, como aquelas fruto da manifestação do
poder constituinte originário, ou aquelas introduzidas pelo poder constituinte derivado
reformador ou revisor, terá natureza constitucional, não importando o seu conteúdo

21
(vale dizer, tomando-se o sentido formal, o que nos interessa é a forma de nascimento
da norma). Lembramos um exemplo que supomos ilustrar bem o raciocínio: trata-se do
art. 242, § 2º, da CR/88, que estabelece que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do
Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.” (Direito Constitucional Esquematizado.
Pág. 85).

- Sentido culturalista (J. H. Meirelles Teixeira): Constituição é produto de um fato cultural,


produzido pela sociedade e que nela pode influir. É formação objetiva de cultura.
Relaciona-se com o conceito de constituição total, que apresenta, na sua complexidade
intrínseca, aspectos econômicos, sociológicos, jurídicos e filosóficos, a fim de abranger o
seu conceito em uma perspectiva unitária.

O sentido culturalista engloba, pois, os sentidos sociológico, político e jurídico


anteriormente vistos. Na mesma linha a lição de Dirley Cunha Júnior: "Devemos, porém,
confessar que a concepção de Constituição como fato cultural é a melhor que desponta
na teoria da Constituição, pois tem a virtude de explorar o texto constitucional em todas
as suas potencialidades e aspectos relevantes, reunindo em si todas as concepções — a
sociológica, a política e a jurídica — em face das quais se faz possível compreender o
fenômeno constitucional". (Curso de Direito Constitucional. 15. ed. Salvador: Juspodivm,
2021, Pág. 95.)

- Virgílio Afonso da Silva (A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas


relações entre particulares. Págs. 107/131), inspirado em Gustavo Zagrebelsky, propõe a
análise do papel da Constituição, isto é, da sua função no ordenamento jurídico e a sua
relação com a atividade legislativa ordinária, trazendo os seguintes conceitos:

⮚ Constituição-lei: Constituição é uma lei como qualquer outra e seus dispositivos


teriam uma função meramente indicativa, apontando ao legislador um caminho possível
a ser seguido. Tal conceito não é mais acolhido na maioria das democracias
contemporâneas;
⮚ Constituição-fundamento ou Constituição-total: a onipresença (ubiquidade) da
Constituição é tamanha que a área reservada ao legislador, aos cidadãos e à autonomia
privada se torna muito pequena. Relaciona-se com a teoria da constituição aberta, de
Peter Häberle, que defende que nenhuma área da vida teria independência das normas
constitucionais. Aproxima-se, também, da noção de Constituição-dirigente (ideia
subjacente de “fixar um plano de ação para a transformação da sociedade”);

22
⮚ Constituição-moldura ou Constituição-quadro: proposta intermediária que evita
a politização excessiva da Constituição-lei (sua concretização fica a serviço do legislador),
ou a judicialização excessiva da Constituição-total (ao legislador não sobraria qualquer
espaço de atuação, sobrecarregando o Judiciário para verificar se houve abuso).
Constituição como mero limite para a atividade legislativa (moldura sem tela, sem
preenchimento); e
⮚ Constituição dúctil ou maleável: ponto de partida para a realização de políticas
constitucionais diferenciadas, que reflitam o pluralismo social, político e econômico.
Decorre da necessidade de uma dogmática fluída, que garanta a sobrevivência da
sociedade complexa, pluralista e democrática.

Alguns doutrinadores preconizam a ideia de “Constituição Aberta”

(constantes releituras, com permanente reinterpretação do texto para melhor


acompanhar as mutações da sociedade), ligada à possibilidade de permanência dentro
do seu tempo, evitando o risco de perda ou desmoronamento da sua força normativa.

Outra parte da doutrina associa tal expressão à ideia de “A sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição” (Peter Häberle), segundo a qual todo aquele que vive o que
é regulado pela norma constitucional é também um intérprete dela. Logo, praticamente
todas as ações humanas seriam, ao mesmo tempo, reguladas pela Constituição e
manifestação de uma interpretação constitucional.

Crowdsourced constitution: Constituição que deriva da participação popular

por meio da internet (crowdsourcing), em um processo constituinte bastante


interessante de “terceirização para a multidão”. Revela uma nova forma de democracia
e de participação popular por meio das redes sociais. Modelo já utilizado pela Islândia
(2010), quando o “Conselho Constitucional” estabelecido transmitiu as discussões ao
vivo, com possibilidade de participação popular por meio das redes sociais.

Constitucionalização simbólica (Marcelo Neves): aponta a discrepância entre a função


predominantemente simbólica e a insuficiente concretização jurídica de diplomas

23
constitucionais. “Trata-se de Constituição que não corresponde minimamente à
realidade, não logrando subordinar as relações políticas e sociais subjacentes. Ela não é
tomada como norma jurídica verdadeira, não gerando, na sociedade, expectativas de que
seja cumprida”. (Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Cláudio
Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Pág. 65). Se assemelha à Constituição nominal,
de Karl Lowenstein, como veremos.

Classificação:

1. Quanto à origem:

- Outorgada: imposta unilateralmente por agente revolucionário que não recebeu


legitimidade para atuar. Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969 (EC 01/69);
- Promulgada/democrática/votada ou popular: fruto do trabalho de uma Assembleia
Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para em nome dele atuar.
Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.

Como saber quais Constituições brasileiras foram outorgadas e quais foram

promulgadas?

1º – Lembrar que o Brasil já teve 8 Constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967,
1969 e 1988), sendo 4 outorgadas e 4 promulgadas;
2º - Outorgadas: a primeira (em ordem crescente) que termina com número par (1824)
+ as demais terminadas com números ímpares: 1937, 1967 e 1969; e
3º – Promulgadas: a primeira (em ordem crescente) que termina com número ímpar
(1891) + as demais finalizadas com números pares: 1934, 1946 e 1988.

- Cesarista/Bonapartista: formada por plebiscito ou referendo popular sobre um projeto


elaborado por um Imperador/Ditador. Participação popular apenas para ratificar a
vontade do detentor do poder. Exemplos: plebiscitos napoleônicos e de Pinochet no
Chile.
- Pactuada/dualista: surge de um pacto, nos casos em que o poder constituinte originário

24
se concentra nas mãos de mais de um titular. Exemplo: Carta Magna de 1215 (pacto entre
os barões ingleses e o Rei João Sem Terra).

2. Quanto à forma:

- Escrita ou Instrumental: organizada em um documento solene de organização do


Estado. Exemplo: Constituição brasileira de 1988.

Pedro Lenza ensina que a ideia de uma Constituição escrita sempre Codificada

(contida inteiramente de um único Código) vem sendo relativizada. Nesse contexto,


alerta que, “no direito brasileiro, vêm sendo encontrados textos escritos com natureza
de Constituição (não se resumindo a um único código), por exemplo, nos termos do art.
5º, § 3º, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros e que, dessa maneira, passam a ser equivalentes às
emendas constitucionais. Por isso, parece interessante a ideia, apesar de tímida, de uma
Constituição legal (Constituição escrita e que se apresenta esparsa ou fragmentada em
textos ...)”. (Direito Constitucional Esquematizado. Pág. 95).

- Costumeira/Não Escrita/Consuetudinária: formada por textos esparsos, reconhecidos


pela sociedade como fundamentais, e baseada nos usos, costumes, jurisprudência,
convenções. Exemplo: Constituição da Inglaterra.

Não é correto afirmar que as Constituições costumeiras não contêm textos

escritos! Eventualmente, elas podem assentar parte de seus princípios em leis, como
ocorre na própria Inglaterra.

3. Quanto à extensão:

- Sintética: também chamada de concisa, breve, sumária, sucinta, básica. Veicula apenas
os princípios fundamentais e estruturais do Estado. Mais duradoura, pois seus princípios
estruturais são interpretados e adequados aos novos anseios pela atividade da Suprema
Corte. Exemplo: Constituição brasileira de 1891; e
- Analítica: também chamada de ampla, extensa, larga, prolixa, desenvolvida, volumosa,

25
inchada. Aborda todos os assuntos que os representantes do povo entenderem
fundamentais. Exemplo: Constituição Federal de 1988.

4. Quanto ao conteúdo:

- Material: é o texto que contêm as normas fundamentais e estruturais do Estado, a


organização de seus órgãos, os direitos e garantias fundamentais, como a Constituição de
1824, que prescrevia ser constitucional somente temas ligados aos limites/atribuições
dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; e
- Formal: elege como critério o processo de sua formação, e não o conteúdo de suas
normas. Qualquer regra nela contida terá caráter de constitucional. Exemplo:
Constituição Federal de 1988.

Pedro Lenza pontua que, com a introdução do § 3º no art. 5º, pela EC n.


45/2004, passamos a ter uma espécie de conceito misto, pois essa nova regra só confere
a natureza de emenda constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos (matéria), desde que observadas as formalidades de aprovação
(forma).

5. Quanto ao modo de elaboração:

- Dogmática/Sistemática: sempre escrita, contém os dogmas estruturais e fundamentais


do Estado, sendo elaborada de uma só vez por uma Assembleia Constituinte; e
- Histórica: constituída por um lento e contínuo processo de formação, reunindo a história
e as tradições de um povo. Aproxima-se da costumeira e tem como exemplo a
Constituição inglesa.

6. Quanto à alterabilidade:

- Rígida: exige, para sua alteração, um processo legislativo mais árduo e solene do que o
de alteração das normas infraconstitucionais. À exceção da Constituição de 1824
(considerada semirrígida), todas as Constituições brasileiras foram rígidas;
- Flexível ou plástica: não prevê um processo legislativo de alteração mais dificultoso do
que o das normas infraconstitucionais. Não há hierarquia entre a Constituição e a lei
infraconstitucional;
- Semirrígida ou semiflexível: contém algumas matérias que exigem um processo de

26
alteração mais dificultoso do que o exigido para alteração das leis infraconstitucionais.
Exemplo: Constituição Imperial de 1824;
- Fixa ou silenciosa: somente pode ser alterada por um poder de competência igual àquele
que a criou (Poder Constituinte originário), não estabelecendo, expressamente, o
procedimento para sua reforma;
- Transitoriamente flexível: suscetível de reforma com base no mesmo rito das leis
infraconstitucionais, limitada a determinado período, após o qual passa a ser rígida;
- Imutável/Permanente/Granítica/Intocável: inalterável, que se pretende eterna; e
- Super-rígida: classificação dada à CF/88 pelo professor e hoje Ministro do STF Alexandre
de Moraes, em razão da existência de matérias imutáveis (cláusulas pétreas). Não
prevalece na doutrina.

7. Quanto à sistemática:

- Reduzida/unitária/codificada: materializada em um só código básico e sistemático, como


a brasileira até o advento da EC 45/04 (antes da possibilidade de existirem normas
formalmente constitucionais fora do texto básico – vide art. 5º, § 3º, da CF/88); e
- Variada/inorgânica/legal: distribuída em vários textos e documentos esparsos, formada
de várias leis constitucionais.

8. Quanto à dogmática:

- Ortodoxa: de uma só ideologia, como a soviética de 1977; e


- Eclética: ideologias conciliatórias, como a brasileira de 1988. “Constituição
compromissória” (Canotilho), por decorrer de um “pacto” entre forças políticas e sociais.

9. Quanto à correspondência com a realidade (critério ontológico - Karl


Loewenstein):

- Normativa: aquela em que a limitação do poder se implementa na prática, havendo


correspondência com a realidade. Segundo a doutrina majoritária, a CF/88 “pretende ser”
normativa, mas ainda não o é;
- Nominalista: contém disposições de limitação e controle de dominação política com
insuficiente concretização, não havendo efetiva normatização do processo real de poder;
e
- Semântica: busca conferir legitimidade meramente formal aos detentores do poder, em

27
seu próprio benefício.

10. Quanto ao sistema:

- Principiológica: predominância dos princípios, identificados como normas


constitucionais providas de alto grau de abstração, consagradores de valores; e
- Preceitual: prevalência de regras individualizadas revestidas de pouco grau de abstração.

11. Quanto à função:

- Provisória/revolucionária: é uma pré-Constituição (conjunto de normas que visam à


definição do regime de elaboração e aprovação da Constituição formal); e
- Definitiva: produto final do processo constituinte.

12. Quanto à origem de sua decretação:

- Heterônoma (heteroconstituição): decretada de fora do Estado por outro Estado ou


organizações internacionais. Exemplo: Constituição japonesa de 1946, da Namíbia de
1990 e do Camboja de 1993, sendo essas duas últimas imposição das Nações Unidas; e
- Autônoma (autoconstituição ou homoconstituição): elaborada e decretada dentro do
próprio Estado que irá reger.

13. Constituições garantia, balanço e dirigente (Manoel Gonçalves Ferreira Filho):

- Constituição garantia: busca garantir a liberdade, limitando o poder;


- Constituição balanço: descreve e registra a organização política estabelecida. Se
alcançado novo estágio, adota-se nova Constituição. Exemplo: evolução socialista da
URSS; e
- Constituição dirigente: estabelece um projeto de Estado. Caracteriza-se em
consequência de normas programáticas.

14. Constituição liberal (negativa) e social (dirigente) - conteúdo ideológico das


Constituições (André Ramos Tavares):

- Constituição liberal: surge com o triunfo da ideologia burguesa (liberalismo). Destaque


aos direitos humanos de 1ª dimensão. Constituição negativa -absenteísmo estatal; e
- Constituição social: reflete um momento posterior, de necessidade da atuação estatal,

28
consagrando a igualdade substancial e os direitos sociais (direitos humanos de 2ª
dimensão). Percepção de uma atuação positiva do Estado e de dirigismo estatal.

15. Constituição expansiva: Raul Machado Horta inscreve a CF/88 no grupo das
Constituições expansivas, em razão dos temas novos e da ampliação conferida a temas
permanentes, como no caso dos direitos e garantias fundamentais.

De olho na classificação da CF/88:

Quanto à origem Promulgada


Quanto à forma Escrita/Instrumental
Quanto à extensão Analítica/Prolixa
Quanto ao conteúdo Formal
Quanto ao modo de elaboração Dogmática/Sistemática
Quanto à alterabilidade Rígida
Quanto à sistemática Reduzida/Unitária (até a EC 45/2004, que
introduziu o § 3º ao art. 5º da CF/88)
Quanto à dogmática Eclética
Quanto à correspondência com a “Pretende ser” Normativa, mas ainda não o é.
realidade
Quanto ao sistema Principiológica
Quanto à função Definitiva
Quanto à origem Autônoma/Autoconstituição/Homoconstituição
Manoel Gonçalves Ferreira Filho Garantia e Dirigente
Quanto ao conteúdo ideológico Social (dirigente)
Raul Machado Horta Expansiva

Função: Sarlet, Marinoni e Mitidiero (Curso de Direito Constitucional. Pág. 112) apontam
8 (oito) funções principais das Constituições, quais sejam:

(1) limitação jurídica e controle do poder: instrumento de limitação e controle do poder


político, por meio da separação dos Poderes constituídos (art. 2º da CF/88) e da garantia
de direitos fundamentais;
(2) ordem e ordenação: condição (função) de ordem fundamental do Estado, pois
configura jurídico-politicamente o Estado (complexo institucional) e o modo de sua

29
atuação pelo Direito, além de operar como fundamento de validade e eficácia das demais
normas que integram o ordenamento jurídico;
(3) organização e estruturação do poder: cria órgãos constitucionais, fixa suas respectivas
competências e estabelece os princípios estruturantes da organização do poder político;
(4) legitimidade e legitimação da ordem jurídico-constitucional: opera, simultaneamente,
como fundamento de validade e eficácia do restante da ordem jurídica, e como
fundamento e parâmetro de sua legitimidade;
(5) estabilidade: embora possa ser superada e substituída por uma nova ordem
constitucional, cumpre uma função de estabilidade, pois tem caráter duradouro;
(6) garantia e afirmação da identidade política: por meio dela, as sociedades
politicamente organizadas alcançam determinada identidade, que as distingue entre si;
(7) reconhecimento e garantia (proteção) da liberdade e dos direitos fundamentais: mais
importante função das Constituições modernas;
(8) imposição de programas, fins e tarefas estatais (função “impositiva” ou “dirigente”):
por meio das normas programáticas.

Elementos da Constituição: José Afonso da Silva, agrupando as normas


constitucionais de acordo com sua finalidade, aponta 5 (cinco) categorias de elementos
da CF/88:

1) elementos orgânicos: normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder. Exemplos:


a) Título III (Da Organização do Estado); b) Título IV (Da Organização dos Poderes e do
Sistema de Governo); c) Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da Segurança
Pública); d) Título VI (Da Tributação e do Orçamento);
2) elementos limitativos: normas que compõem o elenco dos direitos e garantias
fundamentais (direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos
políticos e democráticos), limitando a atuação dos poderes estatais. Exemplo: Título II
(Dos Direitos e Garantias Fundamentais), excetuando o Capítulo II (Dos Direitos Sociais),
estes últimos definidos como elementos socioideológicos;
3) elementos socioideológicos: revelam o compromisso da Constituição entre o Estado
individualista e o Estado social, intervencionista. Exemplos: a) Capítulo II do Título II (Dos
Direitos Sociais); b) Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira); c) Título VIII (Da Ordem
Social);
4) elementos de estabilização constitucional: normas destinadas a assegurar a solução de
conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das instituições
democráticas. São instrumentos de defesa do Estado e buscam garantir a paz social.

30
Exemplos: a) art. 102, I, “a” (ação de inconstitucionalidade); b) arts. 34 a 36 (Da
intervenção nos Estados e Municípios); c) arts. 59, I, e 60 (Processos de emendas à
Constituição); d) arts. 102 e 103 (Jurisdição constitucional); e) Título V (Da Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas, especialmente o Capítulo I, que trata do estado
de defesa e do estado de sítio, já que os Capítulos II e III do Título V caracterizam-se como
elementos orgânicos);
5) elementos formais de aplicabilidade: normas que estabelecem regras de aplicação das
Constituições. Exemplos: a) preâmbulo; b) disposições constitucionais transitórias; c) art.
5º, § 1º, quando estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.

Elementos da Constituição
De
Orgânicos Limitativos Socioideológicos estabilização Formais de
constitucional aplicabilidade
normas que normas que revelam o normas normas que
regulam a compõem o compromisso da destinadas a estabelecem
estrutura do elenco dos Constituição assegurar a regras de
Estado e do direitos e entre o Estado solução de aplicação das
Poder. garantias individualista e o conflitos Constituições.
fundamentais Estado social, constitucionais,
(individuais, de intervencionista, a defesa da
nacionalidade no que inclui os Constituição,
e políticos), direitos sociais. do Estado e das
limitando a instituições
atuação dos democráticas.
poderes
estatais.

CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

Constituições Brasileiras

Constituição de 1824 – Monárquica - (Mais duradoura!)

a) governo monárquico e hereditário; b) forma unitária de Estado; c) território dividido


em províncias subordinadas ao Poder Central; d) religião oficial (católica); e) 4 poderes

31
políticos reconhecidos (Legislativo, Executivo, Judicial e Moderador – centralismo
político-administrativo); f) sufrágio censitário; g) semirrígida; h) constitucionalismo
liberal (importante rol de direitos civis e políticos); e i) não estabeleceu sistema de
controle de constitucionalidade (soberania do Parlamento).

Constituição de 1891 (1ª da República!)

a) sistema de governo presidencialista; b) forma de Estado federal (abandono do


unitarismo); c) forma de governo republicana; d) estado não confessional; e) extinção
do Poder Moderador; f) bicameralismo federativo; g) sufrágio direto; h) STF como órgão
máximo do Judiciário; i) prevalência de proteção às clássicas liberdades privadas, sem
previsão de direitos dos trabalhadores; j) previsão pela primeira vez do Habeas Corpus;
l) criou o controle difuso de constitucionalidade; e m) estabeleceu a possibilidade de
intervenção federal nos Estados.

Constituição de 1934 (Estado Social de Direito)

a) influência da Constituição de Weimar (1919), evidência de direitos humanos de 2ª


dimensão; b) bicameralismo desigual (unicameralismo imperfeito, Senado Federal (SF)
era colaborador da Câmara dos Deputados - CD); c) STF passou a se chamar Corte
Suprema; d) constitucionalização do voto feminino e do voto secreto; e) prestígio à
legislação trabalhista e representação classista; f) previsão do MS e da Ação Popular; e
g) manteve o sistema de controle difuso e criou a ADI interventiva, a cláusula de reserva
de plenário e a atribuição ao SF de competência para suspender a execução, no todo
ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva.

Constituição de 1937 (“Polaca”)

a) influência de ideais autoritários e fascistas da Constituição Polonesa (1935) - ditadura


(“Estado Novo”); b) redução da autonomia estadual - regime federativo meramente
“nominal”; c) tripartição “formal” dos Poderes com esvaziamento prático do Legislativo
e Judiciário; d) extinção do Senado Federal; e) supressão do MS e da Ação Popular; f)
proibição da greve e lockout (recursos antissociais); g) nacionalização formal da
economia + conquista de direitos trabalhistas; e h) possibilidade de o Presidente da
República interferir nas decisões do Judiciário que declarassem inconstitucionalidade,
podendo, discricionariamente, submetê-la ao Parlamento, para reexame, podendo
redundar na invalidade da declaração e restabelecimento da lei.

32
Constituição de 1946 (Redemocratização)

a) Inspirada nas ideias liberais (Constituição de 1891) e sociais (Constituição de 1934);


b) procurou harmonizar o princípio da livre-iniciativa com o da justiça social; c) prestígio
ao municipalismo; d) restabeleceu a tripartição de “Poderes”; e) restabeleceu o
bicameralismo igual; f) constitucionalização dos partidos políticos; g) Juízes e Tribunais
do Trabalho como órgãos do Poder Judiciário; h) restabeleceu o MS e a Ação Popular;
i) consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; j) reconheceu
expressamente o direito de greve e previu dissídio coletivo e o poder normativo da JT;
l) manteve as garantias dos trabalhadores conquistadas durante o “Estado Novo”; m)
vedou a organização/registro/funcionamento de qualquer partido político/associação,
cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático; n) EC 4/1961 (instituiu o
Parlamentarismo, derrubado por meio de referendo em 1963); e o) EC n. 16/65 previu
a ADI – controle concentrado, de legitimidade exclusiva do PGR, e possibilidade de
controle concentrado em âmbito estadual.

Constituição de 1967 (AI-5)

a) concentração do poder no âmbito federal (Presidente - Executivo), esvaziando os


Estados e Municípios; b) preocupação com a segurança nacional; c) excluiu o controle
concentrado em âmbito estadual; e d) baixa do AI-5 (1968) - fechamento do Congresso
Nacional por mais de 10 meses com consequências como a possibilidade de decretação
de intervenção federal e estadual sem limites, de suspensão de direitos políticos, de
confisco de bens, suspensão do HC, exclusão da apreciação judicial de todos os atos
praticados de acordo com o AI-5.

Emenda Constitucional 01/1969 (Governo de “Juntas Militares”)

a) considerada como manifestação de um novo poder constituinte originário, que


“constitucionalizava” a utilização dos Atos Institucionais; e b) previu o controle de
constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Estadual, para fins de
intervenção no Município.

Constituição de 1988 (“Constituição Cidadã”)

a) contou com ampla participação popular durante sua elaboração e constante busca

33
de efetivação da cidadania; b) maior equilíbrio na tripartição dos Poderes - “freios e
contrapesos”; c) criou o STJ (STF = temas predominantemente constitucionais); d)
consolidação dos princípios democráticos e da defesa dos direitos individuais e
coletivos; e) consagração de direitos fundamentais inéditos e ampliação dos direitos
trabalhistas; f) previsão do MS Coletivo e do HD; g) capítulo específico sobre meio
ambiente; h) separação da ordem econômica e da social; i) ampliação dos legitimados
para propositura de ADI; j) controle das omissões legislativas (Mandado de Injunção e
ADI por omissão); l) criação da ADPF; e m) retorno da possibilidade de controle
concentrado em âmbito estadual.

A ADC foi criada pela EC 03/93. Com a EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário),


ampliou-se a legitimação ativa para o ajuizamento da ADC, igualando aos legitimados da
ADI (art. 103 da CF/88).

Como foi a previsão do Ministério Público nas constituições brasileiras?

Constituição Ministério Público


1824 Não previu a instituição MP.
1891 Não previu a instituição MP, mas continha a previsão de que o Presidente
da República deveria designar, dentre os membros do STF, o PGR.
1934 MP como órgão de cooperação nas atividades governamentais. Primeira
a prever expressamente a instituição MP. Previu o quinto constitucional,
estabilidade e necessidade de concurso público para o ingresso na
carreira.
1937 Retrocesso. Apenas disposições esparsas sobre a chefia do órgão
ministerial, exercida pelo PGR, mediante livre nomeação do Presidente
da República.
1946 MP recupera status constitucional, sendo previsto como instituição
independente. Voltou a prever a estabilidade e a necessidade de
concurso público para o ingresso na carreira.
1967 MP como órgão do Poder Judiciário. União era representada em juízo
por membros do MPF.
EC 01/1969 MP como órgão do Poder Executivo, com continuidade da

34
representação da União em juízo por membros do MPF.
1988 Função Essencial à Justiça. Autônomo e independente. Órgão
“extrapoder”. União passou a ser representada pela AGU.

CONSTITUCIONALISMO. ESPÉCIES. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

Conceito: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo


limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno
representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. J. J. Gomes Canotilho. 7. ed., Pág. 51).

As principais características do constitucionalismo são:


1) limitação do poder estatal (especialmente pela ideia de separação dos poderes); e
2) instituição de direitos e garantias fundamentais.
Nesse sentido o art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

Evolução do Constitucionalismo: Daniel Sarmento divide a evolução histórica do


constitucionalismo nos seguintes moldes:
1) Constitucionalismo antigo e medieval;
2) Constitucionalismo Moderno (3 versões: inglesa, francesa e norte-americana,
destacando-se 2 fases: Estado liberal-burguês e Estado Social); e
3) Constitucionalismo Pós-moderno.

1.1) Constitucionalismo antigo: as experiências mais importantes na antiguidade são:


a) Hebreus: teocrático. Dogmas religiosos limitavam o poder do soberano;
b) Grécia: vivenciou a democracia direta, com o início da racionalização do poder, que
objetiva a busca do bem comum em detrimento da garantia de liberdades individuais.
Visão organicista da comunidade política: cidadão = mera parte integrante do corpo
social;
c) Roma: valorização da esfera individual e da propriedade, concomitante à sofisticação
do direito privado romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de Roma
(direito ao casamento, à celebração de negócios jurídicos, à elaboração de testamento e
à postulação em juízo). Algumas instituições do período republicano romano
prenunciavam a concepção moderna de separação dos poderes, equilibrando-os.

35
1.2) Constitucionalismo medieval: principal expoente na Magna Carta do Rei João Sem-
Terra (1215), que deixou implícito, pela primeira vez na história política, que o rei se
achava naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita. Inexistia, contudo, a
universalidade que caracterizaria as constituições modernas, pois eles não reconheciam
direitos extensivos a todos os cidadãos, apenas liberdades que beneficiavam os
estamentos privilegiados.

2) Constitucionalismo Moderno:

Versões
a) Constitucionalismo inglês (pôs fim ao absolutismo e gerou documentos
importantes como o Petition of Rights - 1628; o Habeas Corpus Act - 1679 e o Bill of
Rights - 1689).
b) Constitucionalismo americano e francês - os documentos principais são a
Declaração de Independência Americana de 1776, a Constituição Americana de 1787
e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Surgimento da
Constituição em sentido moderno (texto escrito único limitador do poder estatal).

Fases
a) Constitucionalismo liberal-burguês: baseou-se na ideia de que a proteção dos
direitos fundamentais dependia da limitação dos poderes estatais. Direitos
fundamentais concebidos como negativos, impondo apenas abstenções aos poderes
políticos. Previsão dos direitos de 1ª dimensão.
b) Constitucionalismo social: decorreu das consequências trazidas pelo
Constitucionalismo Liberal, tais como Revolução Industrial, inchaço dos centros
urbanos, surgimento das classes sociais, e avanço da pobreza. Surgimento de uma
nova classe de pensadores (os pensadores socialistas), que se insurgiam contra as
condições sociais do período. Destaque para as Constituições Mexicana (1917) e de
Weimar (1919). Reconhecimento dos direitos de 2ª dimensão.

3) Constitucionalismo Pós-moderno/Neoconstitucionalismo: surgiu após a 2ª Guerra


Mundial, num contexto de diversas crises, como as sobre o conceito de Condição
Humana, a da Noção de Soberania Nacional e a do Positivismo. Segundo Luís Roberto
Barroso (artigo doutrinário “Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito”),
são marcos do Neoconstitucionalismo:

36
I - Histórico: Fim da Segunda Guerra Mundial e Constitucionalismo do Pós-Guerra;
II - Filosófico: Pós-Positivismo; Ressignificação do Conceito de Norma; Reaproximação
entre Direito, Ética e Moral; e
III - Teórico: A força normativa da Constituição; A expansão da jurisdição constitucional
(avanço do papel dos Tribunais Constitucionais); A nova interpretação constitucional
(ampliação da possibilidade de interpretação de resolução de conflitos pelo Judiciário).

Histórico Fim da 2ª Guerra

Marcos do Filosófico Pós-positivismo


Neoconstitucionalismo
(Luís Roberto Barroso) Força normativa
da Constituição

Expansão da
Teóricos jurisdição
constitucional

Nova
interpretação
constitucional

No Brasil, o Neoconstitucionalismo chegaria apenas com a Constituição de


1988.

4) Constitucionalismo do futuro ou do porvir: José Roberto Dromi prega um equilíbrio


entre os atributos do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo
contemporâneo. É a Constituição do “porvir”, a busca por equilíbrio. Prega a consolidação
dos direitos humanos de 3ª dimensão, fazendo prevalecer a noção de fraternidade e
solidariedade. Segundo o autor, tal modelo de constitucionalismo deve identificar-se com
7 (sete) valores: a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a universalidade,
a participação e a integração (VESOCOCO + UNPAIN).

37
verdade Solidariedade
Constitucionalismo
do Futuro:

7 valores:
VESOCOCO + UNPAIN

Consenso Continuidade

Participaçã Integraçã
o o

Universalidade.

Transconstitucionalismo:
Trata-se de uma expressão cunhada por Marcelo Neves, professor da Universidade de
Brasília. Refere-se a um processo de convivência cooperativa entre as perspectivas
jurídicas apresentadas por ordens jurídicas constitucionais e internacionais, um diálogo
jurídico e cultural entre várias instâncias decisórias, de maneira que casos comuns
possam ser enfrentados conjuntamente. Nas palavras do mencionado autor, é “o
entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais,
internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza
constitucional.
Fazendo-se uso do transconstitucionalismo, combinando as ordens jurídicas diversas,
buscando a existência de normas e precedentes internacionais, supranacionais, pode-se
chegar a uma melhor conclusão, amparando e tutelando diversos olvidados pelo
ordenamento constitucional interno.
Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, de maneira lenta e gradual, vem adotando
práticas transconstitucionalistas na medida em que inúmeras vezes cita tratados e

38
convenções internacionais não incorporados no ordenamento jurídico brasileiro (como
tratados europeus), bem como decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos, e
também decisões de outros Tribunais Constitucionais. Obviamente, tais decisões e atos
não têm o caráter de precedentes, mas de fundamentos cognitivos de embasamento. É
o que Marcelo Neves chama de “fertilização constitucional cruzada”: “as cortes
constitucionais citam-se reciprocamente não como precedente, mas como autoridade
persuasiva”. Isso porque é muito comum que “um mesmo problema de direitos
fundamentais pode apresentar-se perante uma ordem estatal, local, internacional,
supranacional e transnacional (no sentido estrito) ou, com frequência, perante mais de
uma dessas ordens, o que implica cooperações e conflitos, exigindo o aprendizado
recíproco”.

Diferenças entre o “transconstitucionalismo” e o “constitucionalismo


transnacional/supranacional” e o “constitucionalismo global”:
O transconstitucionalismo difere do “constitucionalismo transnacional” e “global”, pois
reconhece a existência de ordens jurídicas diversas, não buscando a unificação regional
ou mundial. O transconstitucionalismo não busca uma unificação normativa, mas uma
combinação ou cooperação.
A expressão constitucionalismo transnacional (chamado por alguns de constitucionalismo
supranacional) decorre da tradução de transnational constitutionalism, decorrente da
doutrina constitucional europeia e americana em língua inglesa. Consiste na elaboração
de uma só Constituição aplicável a vários países. Cada país abre mão de uma parcela de
autonomia, elege seus representantes que farão parte de uma Assembleia Legislativa
Transnacional e elaboram uma só Constituição. Trata-se de uma decorrência do processo
de globalização, experimentado principalmente na União Europeia. (...). Parte da doutrina
entende que o Tratado da União Europeia deve ser considerado um exemplo de
Constituição Transnacional. (...). Todavia, a própria autora reconhece que o processo de
constitucionalização transnacional europeia ainda não está acabado.
(...) o constitucionalismo global é uma tentativa de se elaborar um arcabouço normativo
único (formado por um ou mais textos), de conteúdo materialmente constitucional,
servindo de “guarda-chuva legal”, em superposição ao direito constitucional de cada país,
a partir do qual é instituído um “constitucionalismo multinível”. Esse novo movimento
compreende diversas linhas de pensamento, que visam avançar do direito internacional
para o direito constitucional global, universal.

Cosmopolitismo:

39
O Direito também reservou ao tema sua importância. Desde os egípcios até os autores
contemporâneos a ideia de uma sociedade cosmopolita fascina e atrai. Dezenas de
autores fundamentais consumiram seus estudos na busca pela identificação de um
conteúdo mínimo que trouxesse em seu sentido a essência daquilo que inicialmente foi
chamado de “cidadão do mundo” por Diógenes, um dos Cínicos Gregos. O termo
cosmopolitismo possui diversos sentidos de acordo com o autor que aborda o tema. Para
uns, como Martha Nussbaum, significa uma atitude de moralidade que substitui o amor
pelo país pelo amor a humanidade. Para outros, como Jeremy Waldron, o cosmopolitismo
significa a certeza de que a característica do indivíduo e de suas complexas aspirações
não podem ser circunscritas a fantasias nacionalistas e comunidades primordiais. Um
terceiro grupo de pensadores, ligados a Teoria Crítica, veem o cosmopolitismo como uma
filosofia normativa que carrega o universalismo das normas do discurso ético para além
dos estados nações, como Habermas, Held e Bohaman.
Para Seyla Benhabib, uma das autoras com liderança na defesa do cosmopolitismo
jurídico, o cosmopolitismo é a emergência de normas que deveriam governar as relações
entre os indivíduos numa sociedade civil global. Essas normas não estariam nem presas
ao sentido de normas morais, tampouco ao sentido de normas legais. Elas estariam
melhor enquadradas, diz a autora, como “morality of the law”.
Já para Garret Wallace Brown, outro autor contemporâneo que entende o
cosmopolitismo sob seu prisma jurídico, o termo possui um sentido que se alimenta em
Kant e, apesar dos diversos prismas, sustenta-se na constituição e limitação de princípios
normativos e morais de respeito ao valor humano e justiça global.
Como afirmou José María Rosales: “o Estado-nação não deixou e nem deixará de ser a
referência básica no reconhecimento do estatuto da cidadania, mas sua evolução
universalista ou cosmopolita, junto ao desbordamento que supõe a consolidação dos
cidadãos coletivos na arena política (partidos, sindicatos, movimentos cívicos,
organizações não governamentais, grupos de pressão), permitem pensar na possibilidade
razoável de uma transformação universalista do estatuto da cidadania, que haveria de
começar pelo desenvolvimento de sua capacidade inclusiva”.

Novo Constitucionalismo Latino-americano (ou Constitucionalismo Andino ou


Constitucionalismo Indígena):
É fruto de reivindicações sociais de parcelas historicamente excluídas do processo
decisório nesses países, notadamente as populações indígenas.
O denominado Constitucionalismo Latino-americano nasce (do ponto de vista normativo)
a partir, sobretudo, das Constituições do Equador de 2008 e da Bolívia de 2009 e se

40
apresenta, para muitos, como uma verdadeira ruptura com as tradicionais bases do
constitucionalismo (seja ele clássico ou contemporâneo) de matriz europeia até então
vigente.
Esse Constitucionalismo Latino-americano surge no contexto de busca pela promoção de
um Estado Plurinacional. Sua fundamentação teórica é a de que os Estados nacionais
modernos foram criados a partir da lógica da homogeneização e uniformização, sendo
desde a origem Estados que visaram negar a diversidade.
Todo esse processo de “culturicídio” de grupos e etnias por meio do modelo homogêneo
e uniformizador é questionado pelo novo constitucionalismo da América Latina, numa
perspectiva plural de reconhecimento e inclusão do “outro” nos processos de formação
da vontade política e distribuição do poder.
Com a “plurinacionalidade” há uma refundação do conceito de Estado, pois o Estado
Plurinacional deve congregar e reconhecer diferentes nações em seu seio (grupos sociais
heterogêneos que conformam o Estado), numa incessante tentativa de rechaçar o
“universal” como uma categoria abstrata.
Trata-se, portanto, de um movimento social, jurídico e político voltado à ressignificação
do exercício do poder constituinte, da legitimidade, da participação popular e do próprio
conceito de Estado. O Estado do Constitucionalismo Latino-americano é o Estado
Plurinacional, que reconhece a pluralidade social e jurídica, respeitando e assegurando
os direitos de todas as camadas da população. Em outras palavras: esse novo
constitucionalismo consiste em proposta jurídico-política de um Estado Plurinacional que
tem como objetivo a criação de um modelo de gestão pública das diferenças e de respeito
aos modos de vida dos grupos culturalmente diferenciados que, no modelo colonial,
foram excluídos do sistema de tomadas de decisão relativas ao mesmo espaço geográfico
e político.
A Constituição da Bolívia, por exemplo, prevê: a) cota de parlamentares oriundos dos
povos indígenas; b) a propriedade exclusiva da terra, recursos hídricos e florestais pelas
comunidades indígenas; c) além de estabelecer a equivalência entre a justiça tradicional
indígena e a jurisdição ordinária estatal. Ou seja: cada comunidade indígena poderá ter
seu próprio Tribunal e suas decisões não poderão ser revisadas pela justiça comum.
Culmina com a promulgação das Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) e
sedimenta-se na ideia de Estado plurinacional, reconhecendo, constitucionalmente, o
direito à diversidade cultural e à identidade e, assim, revendo os conceitos de
legitimidade e participação popular, especialmente de parcela da população
historicamente excluída dos processos de decisão, como a população indígena.

41
Evolução do Constitucionalismo brasileiro:

EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

1ª fase – Constitucionalismo do Império (1822 -1889)


Início com a proclamação da Independência, indo até a proclamação da República.
Influência do constitucionalismo francês e inglês, com a implantação de uma
monarquia constitucional (introdução à formação de um Estado Liberal, vinculado,
todavia, a uma sociedade escravocrata).

2ª fase – Constitucionalismo da Primeira República (1889-1934)


Início com a proclamação da República e término com a promulgação da Constituição
de 1934. Concepção política e ideológica de um Estado Liberal. Mudança do eixo de
valores e princípios norteadores da organização formal de poder, da Europa para os
Estados Unidos. Predomínio do trabalho livre, com substituição da mão de obra
escrava africana, base da monarquia constitucional, pelo trabalho do imigrante.
Forma republicana + sistema presidencial de governo + forma federativa de Estado +
Suprema Corte

3ª fase – Constitucionalismo do Estado Social (a partir de 1934)


Início com a promulgação da Constituição de 1934. Influência de uma nova corrente
de princípios em matéria de direitos fundamentais, com ênfase no aspecto social, que
tem o modelo de Weimar como principal vetor orientativo. Fatos históricos
influenciaram a ruptura de períodos constitucionais com a promulgação ou outorga de
novos textos constitucionais.

- 1º momento (Segunda República - entre 1934 e 1937): A principal característica foi


reconstitucionalização do País;
- 2º momento (Ditadura unipessoal do “Estado Novo” - entre 1937 e 1945): embasado
em uma Carta outorgada, de cunho extremamente autoritário; e
- 3º momento (Terceira República - 29 de outubro de 1945 - Golpe de Estado): nova
fase de restauração constitucional do sistema representativo, com uma Constituição
promulgada por uma Assembleia Constituinte em 1946.

Golpe Militar -1964: ditadura militar que limitou direitos e garantias individuais e teve
como forma de controle e dominação a institucionalização da tortura, culminando na

42
Constituição de 1967 e na EC 01/1969. Notória influência do constitucionalismo
alemão do século XX.

4ª fase – Neoconstitucionalismo (CF/88)


Barroso defende que, no Brasil, o marco histórico do neoconstitucionalismo foi a CF/88
e o processo de redemocratização.

43
TEMA 03

DIREITO CONSTITUCIONAL

Ponto 2.a. Normas constitucionais: teoria, conceito, estrutura, classificações. Eficácia e


aplicabilidade. Efetividade e força normativa da Constituição. As normas constitucionais
no tempo e no espaço. Teoria da recepção. Preâmbulo. Disposições constitucionais
transitórias.

Ponto 2.c. Regras e princípios constitucionais: critérios distintivos, funções e eficácia. (...).

NORMAS CONSTITUCIONAIS: TEORIA, CONCEITO, ESTRUTURA, CLASSIFICAÇÕES

Classificação:

Normas materialmente constitucionais: tratam de temas de natureza essencialmente


constitucional – notadamente forma de governo, forma de Estado, separação de poderes,
obtenção e exercício do poder e direitos fundamentais —, não importando onde estejam
positivadas.

Normas formalmente constitucionais: consideradas constitucionais pelo simples fato de


terem sido contempladas no texto da Constituição, independentemente do seu objeto.
Ex.: art. 242, § 2º, da CF/88 – “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro,
será mantido na órbita federal”.

Estrutura: estruturalmente, a Constituição de 1988 pode ser dividida em três partes:


(i) preâmbulo;
(ii) parte permanente (corpo); e
(iii) ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

44
ESTRUTURA DA CF/88

Preâmbulo

Parte Permanente (Corpo)

ADCT

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional.
Pág. 92) preceituam que, a depender dos assuntos tratados nas normas constitucionais,
elas dão ensejo a pelo menos duas grandes partes da Constituição - a parte orgânica e a
parte dogmática.

Parte orgânica: normatiza aspectos de estrutura do Estado, como as regras que definem
a organização do Estado, determinando as competências dos órgãos essenciais para a
sua existência, bem como as que disciplinam as formas de aquisição do poder e os
processos do seu exercício. Esses preceitos racionalizam o exercício das funções do
Estado e estabelecem limites recíprocos aos seus órgãos principais.

Parte dogmática: proclama direitos fundamentais, declarando e instituindo direitos e


garantias individuais, direitos econômicos, sociais e culturais, marcando o tom que deve
nortear a ação do Estado e expressando os valores indispensáveis para a comunidade.

Eficácia e aplicabilidade: José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas


Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, Págs. 88/102) classifica as normas
constitucionais de acordo com sua eficácia em normas de eficácias plena, contida (ou
prospectiva) e limitada.

- Eficácia plena: aplicabilidade direta, imediata e integral. Apta a produzir todos os seus
efeitos no momento em que a Constituição entra em vigor;

45
- Eficácia contida (ou prospectiva): aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente
não integral. Embora também aptas a produzirem todos os seus efeitos, podem sofrer
restrição em sua abrangência. As restrições às normas de eficácia contida poderão ser
impostas: a) por lei; b) por outras normas constitucionais; e c) por conceitos ético-
jurídicos; e
- Eficácia limitada: aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. Necessitam de integração
mediante norma regulamentadora infraconstitucional ou até mesmo, eventualmente,
por meio de emenda constitucional. Podem ser subdivididas em dois grupos:
1) normas de princípio institutivo (ou organizativo): contêm esquemas gerais (iniciais) de
estruturação de instituições, órgãos ou entidades;
2) normas de princípio programático: veiculam programas a serem implementados pelo
Estado, visando à realização de fins sociais (Ex.: art. 7º, XI - participação nos lucros, ou
resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão
da empresa, conforme definido em lei; art. 7º, XX - proteção do mercado de trabalho da
mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; art. 7º, XXVII - proteção em
face da automação, na forma da lei; etc.).

As normas de eficácia limitada não são totalmente destituídas de eficácia


jurídica, visto que, segundo Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.
ed. Almedina, 2003), elas: a) estabelecem um dever para o legislador ordinário; b)
condicionam a legislação futura (sendo inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem);
c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica,
mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação
dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleológico para a
interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e) condicionam a atividade
discricionária da Administração e do Judiciário; e f) criam situações jurídicas subjetivas,
de vantagem ou de desvantagem.

Eficácia e Aplicabilidade das normas da CF/88 na Jurisprudência do STF:

Normas Eficácia e Aplicabilidade


art. 5º, V — direito de resposta proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Eficácia plena e
aplicabilidade imediata

46
art. 5º, LI (parte final) — extradição do brasileiro
naturalizado no caso de comprovado envolvimento em Eficácia limitada e
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da aplicabilidade mediata
lei. e reduzida
art. 8.º, IV — contribuição confederativa instituída pela
assembleia geral. Eficácia plena e
aplicabilidade imediata
art. 230, § 2º— estabelece a gratuidade dos transportes
coletivos urbanos aos maiores de 65 anos. Eficácia plena e
aplicabilidade imediata
art. 17 do ADCT — vencimentos e proventos — redução
imediata aos limites constitucionais. Eficácia plena e
aplicabilidade imediata
art. 201, § 5º — veda a filiação ao regime geral de
previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de Eficácia plena e
pessoa participante de regime próprio de previdência. aplicabilidade imediata
art. 201, § 6º — a gratificação natalina dos aposentados e
pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de Eficácia plena e
dezembro de cada ano. aplicabilidade imediata
art. 5º, XIII — é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a Eficácia contida e
lei estabelecer. aplicabilidade imediata
art. 37, I — os cargos, empregos e funções públicas são Eficácia contida (em
acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos relação aos brasileiros)
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na
forma da lei. Eficácia limitada (em
relação aos estrangeiros
— na forma da lei)

art. 37, VII — direito de greve dos servidores públicos. Eficácia limitada -
primeiro momento da
jurisprudência;
Eficácia contida -
segundo e atual
momento da
jurisprudência

47
art. 14, § 9º — outras hipóteses de inelegibilidade além das
expressamente previstas na CF/88. Eficácia limitada
art. 7º, XXI — aviso prévio proporcional ao tempo de Eficácia limitada
serviço.
art. 7º, XXIII — adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Eficácia limitada

A norma do art. 9º da CF/88, que regula o direito de greve dos trabalhadores


em geral, é de eficácia contida, pois o § 1º prescreve que a lei definirá os serviços ou
atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da
comunidade, reduzindo, assim, a sua amplitude (Lei n. 7.783/89). Já a norma do art. 37,
VII, da CF/88, que prevê o direito de greve para os servidores públicos, suscita
considerável cizânia doutrinária e jurisprudencial, havendo quem sustente tratar-se de
norma de eficácia limitada, a exemplo de Pedro Lenza (Direito Constitucional
Esquematizado. Pág. 173) e Nathalia Masson (Manual de Direito Constitucional. Pág.
120). A posição mais recente do STF é no sentido de que este dispositivo constitucional
constitui norma de eficácia contida, senão vejamos:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRABALHISTA. DIREITO DE GREVE DOS


SERVIDORES PÚBLICOS. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO AO
DIREITO DE GREVE POR AUSÊNCIA DE LEI REGULAMENTADORA. JURISPRUDÊNCIA DO
PLENÁRIO QUE DECLAROU A MORA LEGISLATIVA E A APLICABILIDADE DA LEI 7.783/89
NO QUE COUBER, ATÉ QUE SEJA PROMULGADA NORMA ESPECÍFICA. MANDADO DE
INJUNÇÃO Nº 708. 1. O art. 37, VII, da CF é norma de eficácia contida, sendo que o direito
de greve dos servidores públicos civis carece de regulamentação. 2. A falta da referida
norma regulamentadora no entanto não serve de obstáculo para o exercício do direito
constitucionalmente assegurado, sendo que o Plenário desta Corte Suprema assentou
ser aplicável a regra prevista no regime geral para os servidores públicos até que seja
sanada a mora legislativa. Precedente do Plenário: MI 708, da relatoria do Ministro Gilmar
Mendes, DJe de 31.10.2008.3. In casu, o acórdão recorrido assentou: RECURSO
ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE NO SEGMENTO PÚBLICO. ART. 37, VII, CF.
REGRA DE EFICÁCIA CONTIDA, PORTANTO, COM EFEITO IMEDIATO APLICAÇÃO DO
DIPLOMA JURÍDICO GENÉRICO. LEI 7.783/89. O dispositivo do art. 37, VII, da CF/88, deve
ser considerado como regra de eficácia contida, isto é, preceito constitucional que
assegura direito dotado de eficácia imediata, embora autorizando à normatividade
infraconstitucional que fixe condições e regras para seu exercício. Ora, sendo regra de

48
eficácia contida - como claramente evidencia ser -, o preceito autorizador do direito de
greve tem eficácia imediata, nos limites que a ordem jurídica hoje confere ao instituto
(nos limites, pois, do diploma que regula genericamente a greve, Lei nº 7.783 de 1989),
tudo até que lei específica para a área pública venha regular diferentemente a matéria.
Recurso ordinário improvido. 4. Recurso extraordinário com agravo desprovido. (....).”
(STF - ARE: 657385 SP, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data de
Publicação: DJe-052 Divulg 12/03/2012 Public 13/03/2012).

Posição também adotada pelo consagrado doutrinador Mauricio Godinho Delgado


(examinador do 20º Concurso do MPT):
“O Supremo Tribunal Federal, durante a década de 1990, examinando a matéria, por
distintas vezes, entendeu tratar-se o art. 37, VII, de norma de eficácia limitada,
absolutamente dependente de legislação ulterior, porque a Constituição deixa claro que
o direito será exercido “nos termos e limites definidos em lei complementar” (...) Não se
tem, em tal caso, norma de eficácia contida ou restringível, mas, na verdade, norma de
eficácia limitada ou reduzida. É o que prevaleceu na ADIn 339-RJ, de 17.7.1990, no MI
20-DF, de 1.5.1994 e também no MI 438-GO, de 11.11.1994(21). Com tais decisões, o
direito de greve dos servidores públicos ainda não seria válido no País, uma vez que não
editada, naquela época (na verdade, inclusive até a presente data: 31.12.2017), a
respectiva lei reguladora. Curiosamente, entretanto, ao longo das últimas décadas, desde
1988, têm ocorrido, com alguma frequência, greves no segmento dos servidores
públicos, sendo que o Poder Executivo, grande parte das vezes, não tem apelado para
sua ilegalidade. Isso traduz certo pensar cultural de que tal importante direito social e
coletivo teria efetiva validade nesse segmento, desde a CF/88, por ser compatível com os
quadros da Democracia implantada na sociedade civil e na sociedade política do País. O
sustentáculo teórico-técnico para tal pensar seria considerar-se o dispositivo do art. 37,
VII, como regra de eficácia contida, isto é, preceito constitucional que assegura direito
com eficácia imediata, embora autorizando à normatividade infraconstitucional que fixe
condições e regras para seu exercício. Ora, sendo regra de eficácia contida — como
claramente evidencia ser —, o preceito autorizador do direito de greve teria eficácia
imediata, nos limites que a ordem jurídica hoje confere ao instituto (nos limites, pois, da
Lei n. 7.783/1989), até que lei específica para a área pública venha regular
diferentemente a matéria. A propósito, desde a 1ª edição de nossa obra, Direito Coletivo
do Trabalho (2001), temos insistido ser de eficácia contida (e não de eficácia limitada) o
preceito do art. 37, VII, da Constituição. Para tanto, retomávamos clássico debate do
constitucionalismo relativo à eficácia jurídica das normas constitucionais — cuja
rememoração é sempre crucial em sociedade e Estado de constituição analítica, como o

49
Brasil. Essa rememoração consta da antiga obra, Introdução ao Direito do Trabalho (3ª
ed. São Paulo: LTr, 2001), estando também explicitada no atual Curso de Direito do
Trabalho, em seu Capítulo V (“Ordenamento Jurídico Trabalhista”), no item IV.1.B
(“Eficácia Jurídica da Constituição”) – (...). Considerado, portanto, o dispositivo inserto no
inciso VII do art. 37 como regra de eficácia contida — quer em sua versão original de
1988, que se reportava à lei complementar, quer em sua versão reformada em 1998, que
se reporta à lei específica —, a conclusão inexorável é que a Constituição da República
assegura, sim, aos servidores civis o direito à greve.” (Curso de Direito do Trabalho. Págs.
1.718/1.719).

PRINCÍPIOS E REGRAS

A doutrina distingue duas espécies de normas jurídicas constitucionais, quais sejam, os


princípios e as regras. Ambos são referenciais para o intérprete e não guardam hierarquia
entre si, especialmente diante da ideia da unidade da Constituição. Cada espécie
normativa desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo sequer
conceber uma sem a outra.

DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO, REGRA E NORMA

Princípios e regras são espécies do gênero norma jurídica e possuem, portanto, força
normativa, motivo pelo qual se fala em norma-regra e norma-princípio.

Regras como mandados de definição: que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. São
normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo
em termos definitivos.

Princípios como mandados de otimização: ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Traduzem
a ideia de “proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno
jurídico” (Curso de Direito Individual do Trabalho. Mauricio Godinho Delgado. Pág. 222).

“a) existe uma diferença qualitativa (e não de grau) entre princípios e regras: Regras
são normas jurídicas das quais se extraem consequências jurídicas específicas, ou seja,
uma vez ocorridos os fatos descritos em seu enunciado, a consequência jurídica é
tangível e delimitada. Dos princípios, ao contrário, não se extraem consequências
específicas, automáticas; apenas enunciam uma razão que conduz ao argumento em

50
uma certa direção; b) os princípios, quando em conflito, são ponderados, enquanto as
regras são aplicadas segundo o critério de validade: as regras são logicamente
aplicadas à maneira do tudo-ou-nada (all or nothing). Significa que, num caso concreto,
ou uma regra é válida e deve incidir sobre a hipótese fática, ou não é válida e não se
aplica. Existindo colisão entre regras, somente uma delas prevalecerá, pelos
postulados de que a lei posterior revoga a anterior, a lei especial sobrepõe-se à geral e
pelo princípio máximo da hierarquia, cujo enunciado é de que as regras de maior
hierarquia devem sempre prevalecer. Os princípios, ao revés, densificam uma carga
valorativa e abrigam decisões políticas. Por esta razão, a colisão entre princípios não se
resolve pela exclusão de um deles, mas pela ponderação, ou seja, utiliza-se uma técnica
pela qual se busca estabelecer os pesos de cada um dos princípios envolvidos. c)
desobedecer a um princípio é mais grave do que desobedecer a uma regra, porquanto
esta última é a densificação daquele.” (“Teoria dos Princípios em Dworkin”. Rosângela
Rodrigues Dias de Lacerda – examinadora do 21º Concurso do MPT).

De olho nas distinções essenciais entre princípios e regras!

Princípios Regras
Grau de abstração elevado. Grau de abstração reduzido.
Dimensão da importância, peso e Dimensão da validade, especificidade e
valor. vigência.
Aplicados mediante ponderação em Aplicadas mediante subsunção, dentro da
cada caso concreto. ideia de “tudo ou nada”.
Em caso de conflito, não haverá Em caso de conflito, uma das regras será
declaração de invalidade dos afastada pelo princípio da especialidade, ou
princípios em colisão. Diante das será declarada inválida — cláusula de exceção,
condições do caso concreto, um que também pode ser entendida como
princípio prevalecerá sobre o outro. “declaração parcial de invalidade”.
Mandados de otimização. Mandados de definição.

Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição. Págs. 357/358) constata


que, mais recentemente e avançando as ideias de Dworkin e os novos desenvolvimentos
analíticos trazidos por Alexy, “já se discute tanto a aplicação do esquema tudo ou nada
aos princípios como a possibilidade de também as regras serem ponderadas. Isso porque,
como visto, determinados princípios — como o princípio da dignidade da pessoa humana

51
e outros — apresentam um núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra,
aplicável biunivocamente. Por outro lado, há situações em que uma regra, perfeitamente
válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado
ambiente, ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do comportamento descrito pela
regra violará gravemente o próprio fim que ela busca alcançar”.

Nesse contexto, destaca-se a denominada derrotabilidade (defeasibility): ideia atribuída


a Hart, que reconhece a derrotabilidade das regras, superando o modelo “tudo ou nada”
de Dworkin. Segundo Dirley da Cunha Júnior, “A derrotabilidade da norma jurídica
significa a possibilidade, no caso concreto, de uma norma ser afastada ou ter sua
aplicação negada, sempre que uma exceção relevante se apresente, ainda que a norma
tenha preenchido seus requisitos necessários e suficientes para que seja válida e
aplicável. Em razão dessa teoria, toda norma, seja ela qualificada como regra ou princípio,
está sujeita a exceções que não são previstas de forma exaustiva, podendo, em face da
incidência da exceção, ser superada ou derrotada de acordo com o caso concreto e a
argumentação desenvolvida”.
(https://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/207200076/o-que-e-
derrotabilidade-das-normas-juridicas ).

Ao lado das normas (gênero que se divide em princípios e regras), há


também os postulados, os quais, segundo Humberto Ávila, distingue-se dos princípios,
pois estes “estabelecem fins a serem buscados”. Para Ávila, os postulados não seriam
normas, mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura
de aplicação de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados “(...) não
impõe a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de
promover um fim”, além disso “(...) não prescrevem comportamentos, mas modos de
raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem
comportamentos.” Para Ávila, são exemplos de postulados a ponderação, a concordância
prática e a proibição de excesso, bem como a igualdade, razoabilidade e
proporcionalidade.

52
PREÂMBULO

Preâmbulo da CF/88

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte


para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Por incrível que pareça, já caiu no Concurso do MPT (17º Concurso) uma questão
cobrando a literalidade do Preâmbulo. Portanto, desenvolvemos o seguinte mnemônico:

MNEMÔNICO:
DIS DIJ LSB FPSP

DIS – Direitos Individuais e Sociais


DIJ – Desenvolvimento, Igualdade e Justiça
LSB – Liberdade, Segurança e Bem-Estar
FPSP – Fraterna, Pluralista e Sem Preconceitos

Como se vê, não é o mais perfeito dos mnemônicos, mas, se o decorar, certamente o
auxiliará caso seja novamente cobrado o teor do preâmbulo da CF/88.

Natureza jurídica do preâmbulo:

- Tese da irrelevância jurídica: na expressão de Peter Häberle, os preâmbulos são ‘pontes


do tempo’, exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e esperanças que
palmilharam o ato constituinte originário, sem natureza jurídica;
- Tese da plena eficácia: mesma eficácia jurídica das demais normas constitucionais; e
- Tese da relevância jurídica indireta: não o reconhece como uma norma constitucional
vinculante, mas entende ser ele um vetor de cunho hermenêutico.

53
O STF já assentou sobre o Preâmbulo que:
- não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, não contendo, portanto,
relevância jurídica (ADI 2.076);
- a invocação a Deus no preâmbulo não enfraquece a laicidade do Estado brasileiro;

Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus:


não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo
força normativa. [ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-8-2002, P, DJ de 8-8-2003.]

- não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual;


- não pode servir como parâmetro para o controle de constitucionalidade;
- pode servir como norte interpretativo das normas constitucionais (ADI 2.649), o que,
para parte da doutrina, indica que o STF estaria caminhando para adoção da tese da
relevância jurídica indireta.
No entanto, o STF ainda adota, majoritariamente, a tese da irrelevância jurídica:

Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que
podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se
organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade
fraterna, pluralista e sem preconceitos (...). E, referindo-se, expressamente, ao
Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escolia José Afonso da Silva que "O Estado
Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores
supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional;
não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’.
Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’,
tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização
dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas
constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico" (...). Na esteira destes
valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se
afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade. [ADI
2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.]

EFEITOS DAS NORMAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O estudo da dinâmica constitucional diz respeito aos efeitos das normas constitucionais
no tempo (passado – presente - futuro). O surgimento de uma nova Constituição traz

54
uma série de consequências para o ordenamento jurídico do Estado, sendo seus possíveis
efeitos em relação a normas pré-existentes:

Recepção: normas Revogação: normas Repristinação: a nova


infraconstitucionais infraconstitucionais Constituição não restaura
que não contrariem a produzidas antes da nova normas que não mais se
nova ordem, serão Constituição e encontravam em vigor durante
recepcionadas, incompatíveis com ela, a vigência da Constituição
podendo, inclusive, serão revogadas por falta pretérita, salvo disposição
adquirir uma nova de recepção. expressa do poder constituinte.
“roupagem”. Pode
ocorrer de forma O Brasil não adotou a
expressa ou tácita. repristinação tácita!
Neste caso
não há
inconstitucionalidade
superveniente!

DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL

Principais pontos acerca da recepção de normas:

- Só se analisa a compatibilidade material perante a nova Constituição;


- A lei, para ser recepcionada, precisa ter compatibilidade formal e material perante a
Constituição sob cuja regência foi editada;
- É possível a recepção de somente parte da lei;
- A recepção ou a revogação acontecem no momento da promulgação do novo texto
constitucional;
- Como a análise perante o novo ordenamento é somente do ponto de vista material,
uma lei pode ter sido editada como ordinária e ser recebida como complementar (“nova
roupagem”), vide exemplo o CTN que foi elaborado com quórum de lei ordinária e
recepcionado pela nova ordem como lei complementar;
- Um ato normativo que deixe de ter previsão no novo ordenamento também poderá ser
recebido. É o caso, por exemplo, do decreto-lei, que não mais existe perante o
ordenamento de 1988: o Código Penal (DL n. 2.848/40) foi recebido como lei ordinária;
- Se incompatível, a lei anterior será revogada por ausência de recepção, não se falando
em inconstitucionalidade superveniente (não admitida pelo STF). Nesse caso, a técnica
de controle ou é pelo sistema difuso ou pelo concentrado, mas, neste último caso,

55
somente por meio da ADPF. Isso porque só se fala em ADI de uma lei editada a partir de
1988 e perante a CF/88 (contemporaneidade);
- É possível, também, mudança de competência federativa para legislar, ou seja, matéria
que era de competência da União pode perfeitamente passar a ser de competência
legislativa dos Estados-Membros (como exemplo, citamos a instituição de região
metropolitana, que, na atual Constituição, passou a ser de competência estadual — art.
25, § 3º, da CF/88). Nesse caso, a norma federal é recepcionada como norma estadual,
para que não haja descontinuidade jurídica, sendo aplicável até que sobrevenha
legislação estadual específica.

No entanto, caso uma matéria de competência estadual seja prevista na nova


Constituição como de competência federal, não há possibilidade de federalização das
normas estaduais anteriores (ainda que haja compatibilidade material), por
impossibilidade prática de se federalizar simultaneamente tantas leis.

O STF não admite a constitucionalidade superveniente!


Ou seja, se uma lei é inconstitucional de acordo com a Constituição vigente à época, uma
nova Constituição não poderá tornar essa lei constitucional, porque a lei era nula desde
o início/vício congênito (Princípio da Nulidade).

Desconstitucionalização: fenômeno pelo qual as normas da Constituição anterior, desde


que compatíveis com a nova ordem, permanecem em vigor com status de lei
infraconstitucional. Não se aplica no Brasil.

Retroatividade da nova norma constitucional: o STF vem se posicionando no sentido de


que as normas constitucionais fruto da manifestação do poder constituinte originário
têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham a
ocorrer após sua promulgação, mesmo que relacionados a negócios celebrados no
passado, ou seja, alcançam os efeitos futuros de fatos passados. Ex.: a Emenda
Constitucional 35 acabou com a necessidade de prévia licença da Casa para o
processamento dos parlamentares. O STF entendeu que a nova regra alcança todos os
fatos que aguardavam manifestação das Casas, vale dizer, referentes a fatos ocorridos
antes do advento da nova EC. Sendo regra a retroatividade mínima, nada impede que a

56
nova norma constitucional tenha retroatividade média ou máxima, desde que exista
expressa previsão na Constituição.

DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Definição: a finalidade do ADCT é estabelecer regras de transição entre o antigo e o novo


ordenamento jurídico, providenciando a acomodação e a transição do direito edificado.
São normas encontradas nas Constituições brasileiras anteriores, exceto na de 1824.

Classificação: Luís Roberto Barroso, identificando espécies distintas de disposições


transitórias, estabeleceu três categorias:

- disposições transitórias propriamente ditas: disposições típicas que regulam de modo


transitório determinadas relações, estando sujeitas a condição resolutiva ou termo.
Como exemplo, o autor lembra o art. 10, § 1º, e o art. 23, caput;
- disposições de efeitos instantâneos e definitivos: não aguardam uma condição ou um
termo, operando imediatamente ou no prazo estabelecido. Exemplo: art. 13, caput, do
ADCT, que criou o Estado do Tocantins, ou o art. 15, que extinguiu o Território Federal de
Fernando de Noronha, reincorporando a sua área ao Estado de Pernambuco;
- disposições de efeitos diferidos: são as que “sustam a operatividade da norma
constitucional por prazo determinado ou até a ocorrência de um determinado evento”.
Exemplo: art. 5º, caput, do ADCT, que determinou a não aplicação do disposto no art. 16
e das regras do art. 77 do corpo da Constituição às eleições previstas para 15.11.1988.

Natureza jurídica: o ADCT, como o próprio nome indica, tem natureza jurídica de norma
constitucional, podendo trazer exceções às regras do corpo da Constituição, e servindo
de parâmetro ou paradigma de confronto para a análise da constitucionalidade dos
demais atos normativos.

Possibilidade de alteração: na ADI 829, o STF, reconhecendo o caráter constitucional das


normas do ADCT, não admitiu qualquer natureza de imutabilidade em razão de sua
transitoriedade, reconhecendo a possibilidade de reforma das disposições do ADCT por
emenda, desde que respeitados os limites ao poder de reforma.

57
As normas originárias do ADCT não podem ser objeto de controle de
constitucionalidade (pois fruto da atuação do PCO), enquanto aquelas nele incluídas pelo
Constituinte Derivado podem.

Principais dispositivos do ADCT para fins de concurso:

Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma
(república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) que devem vigorar no País.

Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação
da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em
sessão unicameral.

Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos
humanos.

Sinaliza a atenção do Constituinte originário aos Direitos Humanos, na esteira dos arts.
4º e 5º, § 2º, do texto constitucional.

Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946


até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de
motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou
complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de
dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de setembro de 1969,
asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que
teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em
atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e
peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os
respectivos regimes jurídicos.

§ 1º. O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação
da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.

58
§ 2º. Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do
setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente
políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades
remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades
profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

§ 3º. Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional
específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-
50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza
econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em
vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.

§ 4º. Aos que, por força de atos institucionais, tenham exercido gratuitamente mandato
eletivo de vereador serão computados, para efeito de aposentadoria no serviço público
e previdência social, os respectivos períodos.

§ 5º. A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e
aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas
ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham
sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de
decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4
de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão
dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º.

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art.
7º, I, da Constituição:
I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem
prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de
acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o
parto.

§ 1º. Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo
da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.

59
§ 2º. Até ulterior disposição legal, a cobrança das contribuições para o custeio das
atividades dos sindicatos rurais será feita juntamente com a do imposto territorial rural,
pelo mesmo órgão arrecadador.

§ 3º. Na primeira comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas pelo


empregador rural, na forma do art. 233, após a promulgação da Constituição, será
certificada perante a Justiça do Trabalho a regularidade do contrato e das atualizações
das obrigações trabalhistas de todo o período.

Art. 13. É criado o Estado do Tocantins, pelo desmembramento da área descrita neste
artigo, dando-se sua instalação no quadragésimo sexto dia após a eleição prevista no §
3º, mas não antes de 1º de janeiro de 1989.

Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados


em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos.

Art. 15. Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua área
reincorporada ao Estado de Pernambuco.

Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os


proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a
Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se
admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a
qualquer título.

§ 1º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de


médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta
ou indireta.

§ 2º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de


profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou
indireta.

60
Art. 18. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo,
lavrado a partir da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que tenha por objeto
a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração
direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.

Art. 18-A. Os atos administrativos praticados no Estado do Tocantins,


decorrentes de sua instalação, entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1994,
eivados de qualquer vício jurídico e dos quais decorram efeitos favoráveis para os
destinatários ficam convalidados após 5 (cinco) anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé. (Redação dada pela Emenda constitucional 110,
de 2021)

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício
na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que
não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são
considerados estáveis no serviço público.

§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título
quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos
de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo
de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de
servidor.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos
da lei.

Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao


Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as
Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação

61
própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas
continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

§ 1º. O Presidente da República, no prazo de cento e vinte dias, encaminhará ao


Congresso Nacional projeto de lei complementar dispondo sobre a organização e o
funcionamento da Advocacia-Geral da União.

§ 2º. Aos atuais Procuradores da República, nos termos da lei complementar, será
facultada a opção, de forma irretratável, entre as carreiras do Ministério Público Federal
e da Advocacia-Geral da União.

§ 3º. Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o
membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição,
observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.

§ 4º. Os atuais integrantes do quadro suplementar dos Ministérios Públicos do Trabalho


e Militar que tenham adquirido estabilidade nessas funções passam a integrar o quadro
da respectiva carreira.

§ 5º. Cabe à atual Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, diretamente ou por


delegação, que pode ser ao Ministério Público Estadual, representar judicialmente a
União nas causas de natureza fiscal, na área da respectiva competência, até a
promulgação das leis complementares previstas neste artigo.

Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em


lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.

Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto
mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição
de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.

Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de
comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco
anos, a partir da promulgação da Constituição.

62
Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que
disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de
Manaus.

Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas


durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei n.º 5.315, de 12 de setembro de
1967, serão assegurados os seguintes direitos:
I - aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade;
II - pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas,
que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer
rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários,
ressalvado o direito de opção;
III - em caso de morte, pensão à viúva ou companheira ou dependente, de forma
proporcional, de valor igual à do inciso anterior;
IV - assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes;
V - aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo, em
qualquer regime jurídico;
VI - prioridade na aquisição da casa própria, para os que não a possuam ou para suas
viúvas ou companheiras.

Parágrafo único. A concessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os


efeitos legais, qualquer outra pensão já concedida ao ex-combatente.

Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei n.º 5.813, de 14 de


setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei n.º 9.882, de 16 de setembro de 1946,
receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos.

§ 1º. O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo


brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha,
na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial.

§ 2º. Os benefícios estabelecidos neste artigo são transferíveis aos dependentes


reconhecidamente carentes.

§ 3º. A concessão do benefício far-se-á conforme lei a ser proposta pelo Poder Executivo
dentro de cento e cinqüenta dias da promulgação da Constituição.

63
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos.

64
TEMA 04

DIREITOS HUMANOS

Ponto 1.a. Teoria Geral dos Direitos Humanos: conceito, terminologia, formação
histórica, classificação, dimensões e fundamentos. (...).

Ponto 2.b. Alcance subjetivo dos Direitos Humanos: titulares e obrigados. (...).

TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

Conceito: afirma-se que “os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos


considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e
dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.”
(Curso de Direitos Humanos. André de Carvalho Ramos. Pág. 24).

O rol dos direitos humanos não é exauriente, sobretudo porque as necessidades


humanas variam, contextual e historicamente, de forma que, paulatinamente, são
acrescidos novos direitos ao catálogo dos direitos essenciais a uma vida digna.

Imprecisão terminológica: há uma multiplicidade de termos utilizados para a designação


desses direitos. Tal imprecisão terminológica resulta de alterações provenientes do
constante redesenho e gradativa evolução da proteção de direitos considerados
essenciais à existência humana digna.

Terminologia Conceito Apontamentos doutrinários


Direitos Naturais Inerentes à natureza humana Desconsidera a
(premissa jusnaturalista). historicidade e conquista
dos direitos.
Direitos do Homem Premissa também jusnaturalista. Desconsidera a
historicidade e conquista
dos direitos;
Viés sexista.
Direitos Individuais Direitos civis não políticos. Excludente: só engloba os
direitos denominados de

65
primeira geração ou
dimensão.
Liberdades Públicas Direitos do indivíduo contra a Obsolescência da
intervenção estatal. expressão:
Mudança do papel do
Estado;
Aplicação dos direitos
humanos nas relações entre
particulares.
Direitos Fundamentais “direitos humanos” - Tal diferenciação resta
e Direitos Humanos estabelecidos em normas fragilizada, motivo pelo qual
internacionais. já se vê na doutrina a união
“direitos fundamentais” - entre as duas expressões,
positivados pelo Direito criando-se uma nova
Constitucional de um Estado terminologia: “direitos
específico. humanos fundamentais”.

Relação com os Direitos Fundamentais: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos são


duas expressões comumente utilizadas no século XXI para designar os direitos
considerados essenciais à existência humana digna.

Parte considerável da doutrina assevera que os “direitos humanos” servem para definir
os direitos estabelecidos em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria.
Já a expressão “direitos fundamentais” designaria aqueles direitos reconhecidos e
positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico.

Nesse sentido, Valério Mazzuoli assevera que “preferimos o uso do termo direitos
humanos para conotar a proteção da ordem internacional a esses direitos, e o emprego
da expressão direitos fundamentais quando a matriz protetiva se encontrar in foro
doméstico.” (“Curso de Direitos Humanos”. Pág. 31).

66
Diferenciação clássica, com base no
âmbito de positivação

Direitos fundamentais seriam os


direitos concretizadores da
Direitos humanos seriam aqueles dignidade da pessoa humana
direitos essenciais à vida digna positivados na Constituição de um
previstos em normas internacionais determinado Estado

Para a prova objetiva, saber essa diferenciação entre direitos humanos e


direitos fundamentais, com base no âmbito de positivação, geralmente é suficiente.
Contudo, como a prova de Direitos Humanos do MPT tem vindo um pouco mais
aprofundada ultimamente, é importante pelo menos saber que existe corrente
doutrinária que critica essa diferenciação, a exemplo daquela defendida por André
Carvalho Ramos (Curso de Direitos Humanos. Págs. 39/41).
Isso porque o Direito Internacional não é uniforme quanto à utilização da locução
“direitos humanos”. Na “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” (2000), por
exemplo, encontra-se a expressão “direitos fundamentais”. Também o Direito
Constitucional de um país pode adotar a expressão “direitos humanos”, como se vê,
inclusive, no art. 34, VII, “b”, da CRFB/88, que insere a terminologia “direitos da pessoa
humana”.
Daí o motivo pelo qual já se vê na doutrina a união entre as duas expressões, “direitos
humanos” e “direitos fundamentais”, criando-se uma nova terminologia: “direitos
humanos fundamentais”, a evidenciar que a diferenciação entre “direitos humanos”,
representando os direitos reconhecidos pelo Direito Internacional, e os “direitos
fundamentais”, representando os direitos positivados no Direito Constitucional de um
Estado específico, resta fragilizada, perdendo sua relevância, especialmente
considerando-se a contínua aproximação entre o Direito Internacional e o Direito interno
na temática dos direitos humanos, inclusive no Brasil.

67
Evolução histórica: a evolução histórica dos direitos humanos passou por fases, as quais
contribuíram para sedimentar o conceito desses direitos essenciais. Daí a importância de
conhecer as raízes mais remotas da preocupação internacional com os direitos humanos,
muito embora se saiba que a universalização de tais direitos, não obstante seja uma obra
ainda inacabada, tem inquestionavelmente como marco a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.

1. Fase pré-Estado Constitucional

Antiguidade:
- Codificação de Menes (3100-2850 a.C.), no Antigo Egito;
- Código de Hammurabi, editado pelo Rei Hammurabi da Babilônia (Suméria): é
considerado o primeiro código de normas de condutas, preceituando esboços de direitos
dos indivíduos (1792-1750 a.C.), prevendo também a Lei do Talião, que impunha a
reciprocidade no trato de ofensas; e
- Cilindro de Ciro: também na região da Suméria e Pérsia, Ciro II editou, no século VI a.C.,
uma declaração de boa governança.

Cilindro de Ciro. Museu Britânico, em Londres.

Grécia: uma das ideias centrais dos direitos humanos é a superioridade de determinadas
regras de conduta, em especial contra a tirania e a injustiça. Platão, em sua obra A
República (400 a.C.), defendeu a igualdade e a noção do bem comum. Aristóteles, na Ética
a Nicômaco, salientou a importância do agir com justiça, para o bem de todos da pólis,
mesmo em face de leis injustas.

Roma: uma contribuição do direito romano à proteção de direitos humanos foi a


sedimentação do princípio da legalidade, do conceito de boa-fé, do reconhecimento da
igualdade pela aceitação do jus gentium, o direito aplicado a todos, romanos ou não.

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Remonta à Roma Antiga também a abolição da execução da obrigação sobre a pessoa do
devedor.

O Antigo e o Novo Testamento e as influências do cristianismo: O Antigo Testamento faz


menção à necessidade de respeito a todos, em especial aos vulneráveis. No Novo
Testamento, o Cristianismo apregoa a igualdade e solidariedade com o semelhante.

2. Idade Média e Idade Moderna

Carta Magna (1215, Inglaterra): assinada pelo Rei João Sem Terra, estabeleceu, pela
primeira vez, a vinculação entre os atos do monarca e as leis editadas por ele. Embora
marcadamente elitista, consistiu em um diploma essencial ao futuro regime jurídico dos
direitos humanos, já que continha um catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado
(disposições de proteção ao Baronato inglês, contra os abusos do monarca João Sem
Terra), os quais foram, posteriormente, universalizadas. Instituiu, dentre outras, a regra
de que nenhum homem livre poderá ser preso ou privado de seus bens sem julgamento
de seus pares segundo as leis do país.

Petition of Right (1628): novamente o baronato inglês, representado pelo Parlamento,


estabelece o dever do Rei de não cobrar impostos sem a autorização do Parlamento,
numa tentativa de restabelecer as tradicionais liberdades contempladas na Carta Magna.
Estabeleceu a lei da terra, parte importante do devido processo legal a ser implementado
posteriormente.

Habeas Corpus Act (1679): formalizou o mandado de proteção judicial aos que haviam
sido injusta e arbitrariamente presos, protegendo, assim, a liberdade de locomoção. O
“Habeas Corpus Act” potencializou o instituto do habeas corpus, que já existia na
Inglaterra, ampliando as garantias dos súditos e a prevenção de arbitrariedades, inclusive
fora dos limites da Inglaterra.

Bill of Rights (1689): o poder autocrático dos reis ingleses foi reduzido de forma definitiva
(fim do regime de monarquia absoluta). Trata-se de declaração na qual consta,
basicamente, a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei.
Representou, ainda, a institucionalização da separação dos poderes do Estado, impondo
limites ao poder da Coroa e transferindo prerrogativas ao Parlamento. Assegurou o
direito de petição, o direito ao voto, havendo, ainda, limitado a imposição de fianças e de
penas cruéis.

69
3. Fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos

Declaração de Direitos da Virgínia (1776): composta por 18 artigos, que contém


afirmações típicas da promoção de direitos humanos com viés jusnaturalista. Proclama,
entre outros direitos, o direito à vida, à liberdade e à propriedade, prevendo ainda o
princípio da legalidade, o devido processo legal, o Tribunal do Júri, o princípio do juiz
natural e imparcial, a liberdade religiosa e de imprensa (direitos de primeira geração ou
dimensão).

Declaração de Independência Americana (1776): escrita em grande parte por Thomas


Jefferson, estipulou que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo
seu Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade (inclusive de
escolher seus representantes) e a busca da felicidade.

Constituição Americana (1787): não possuía um rol de direitos, uma vez que vários
representantes na Convenção de Filadélfia (que editou a Constituição) temiam introduzir
direitos humanos em uma Constituição que organizaria a esfera federal, o que permitiria
a consequente federalização de várias facetas da vida social. Somente em 1791, esse
receio foi afastado e foram aprovadas 10 Emendas que, finalmente, introduziram um rol
de direitos na Constituição norte-americana (Bill of Rights).

Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): em vigor até os dias
atuais na França, com apenas 17 artigos, é a primeira com vocação universal. Proclamou
os direitos humanos a partir de premissa que permeará diplomas futuros: todos os
homens nascem livres e com direitos iguais (influência jusnaturalista - “os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem”). O art. 16 da Declaração dispõe: “Toda
sociedade onde a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos
poderes determinada, não tem Constituição”.

Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791): reivindicou a igualdade


de direitos de gênero.

Primeira Constituição da França revolucionária (1791): consagrou a perda dos direitos


absolutos do monarca francês, implantando-se uma monarquia constitucional, mas, ao
mesmo tempo, reconheceu o voto censitário.

70
4. Fase do socialismo e do constitucionalismo social

A persistência da miséria fez eclodir, na Europa do século XIX, os movimentos socialistas,


que questionavam os fundamentos liberais da Declaração Francesa de 1789 e
reivindicavam condições materiais mínimas de sobrevivência, a partir da implementação
de direitos sociais, tais como educação e assistência social.

Em 1848, Marx e Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista, no qual são


defendidas novas formas de organização social, de modo a atingir o comunismo, forma
de organização social na qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido
de cada um segundo a sua possibilidade.

Influências da ascensão das ideias socialistas no século XIX:

No plano político: Revolução Russa em 1917, que, pelo seu impacto, estimulou novos
avanços na defesa da igualdade e justiça social.

No plano constitucional: aprofundou o que se denomina constitucionalismo social, com


a introdução dos chamados direitos sociais em diversas Constituições, tendo sido
pioneiras a Constituição do México (1917), da República da Alemanha (República de
Weimar, 1919) e, no Brasil, a Constituição de 1934.

No plano do Direito Internacional: no período entre guerras, consagrou-se, pela primeira


vez, uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores
(Organização Internacional do Trabalho-OIT, criada em 1919, pelo Tratado de Versalhes,
que pôs fim à Primeira Guerra Mundial), sendo considerada uma antecessora da
internacionalização da proteção dos direitos humanos juntamente com a Liga das Nações
e o Direito Humanitário.

Liga das Nações (1919): instituída ao final da Primeira Guerra Mundial e antecessora da
ONU.

Registre-se, ainda, a Convenção de Genebra, de 1863, a qual estabelece que todos os


combatentes têm direito, quando feridos, a atendimento no próprio de batalha ou local
apropriado, fazendo surgir o Direito Humanitário, ou direito das guerras, também
apontado, como dito, como antecedente histórico da internacionalização dos direitos
humanos.

71
Antecedentes históricos da
internacionalização dos Direitos Humanos

Criação da Liga das Nações em 1919

Criação da OIT em 1919

Surgimento do Direito Humanitário em 1863

5. Fase da internacionalização dos direitos humanos

Até meados do século XX, o Direito Internacional possuía apenas normas internacionais
esparsas referentes a certos direitos essenciais (combate à escravidão no século XIX,
criação da OIT em 1919). Contudo, a criação do Direito Internacional dos Direitos
Humanos está relacionada à nova organização da sociedade internacional no pós-
Segunda Guerra Mundial, que teve como marco a Conferência de São Francisco em 1945,
na qual se firmou a “Carta de São Francisco” ou “Carta das Nações Unidas”, tratado
criador da ONU (assinado em 26 de junho de 1945, pouco antes do fim da segunda
guerra, que ocorreu em 15 de agosto do mesmo ano).

A reação às atrocidades nazistas culminou na inserção da temática de direitos humanos


na Carta da ONU, que possui várias passagens com o termo “direitos humanos”.

Entretanto, a Carta da ONU não elencou o rol dos direitos que seriam considerados
essenciais, motivo pelo qual foi aprovada com 48 votos a favor, oito abstenções e sem
voto em sentido contrário, sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU, em
10 de dezembro de 1948, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(“Declaração de Paris”), que contém 30 artigos sobre direitos humanos aceitos
internacionalmente, e enumera direitos políticos e liberdades civis (arts. III ao XXI), bem
como direitos econômicos, sociais e culturais (arts. XXII-XXVII), inclusive o direito ao
mínimo existencial (art. XXV, DUDH), além de estabelecer que toda pessoa tem deveres
para com a comunidade (art. XXIX) e que o exercício dos direitos humanos e liberdade

72
fundamentais podem ser, excepcionalmente, limitados (art. XXIX), o que evidencia não
serem eles absolutos.

Correntes doutrinárias sobre a força vinculante da DUDH:

Favorável:
- a DUDH possui força vinculante por se tratar de interpretação autêntica do termo
“direitos humanos”, previsto na Carta das Nações Unidas (tratado internacional com
força vinculante); e
- a DUDH possui força vinculante por representar o costume internacional sobre a
matéria.

Contrária:
- a DUDH representa soft law, conjunto de normas ainda não vinculantes, mas que
orientam futuras ações dos Estados na implementação de tratados, convenções
internacionais e legislação interna que reproduzem os direitos e garantias elencados na
DUDH e têm força vinculante.

Em dezembro de 1966, foram assinados o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos


Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP),
que entraram em vigor, respectivamente, em 03 de janeiro de 1976 e 23 de março de
1976, os quais formam, juntamente com a DUDH, a “Carta Internacional de Direitos
Humanos”.

Carta
Internacional de
Direitos Humanos

DUDH de 1948 PIDCP de 1966 PIDESC de 1966

A evolução galgada na proteção internacional dos direitos humanos, pós-Segunda


Guerra, foi impulsionada pelo receio de virem a ser cometidas novas atrocidades,

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semelhantes às ocorridas na Alemanha nazista. Entretanto, os embates geopolíticos no
contexto da Guerra fria desencadearam retrocesso na marcha de proteção dos direitos
humanos no cenário internacional, contribuindo para a emergência de sangrentas
ditaduras, por exemplo, na Argentina, no Brasil e no Chile.

A proteção aos direitos humanos arrefeceu, também, após a queda das torres gêmeas,
em 11 de setembro de 2001, com a instalação de um estado de exceção e suspensão de
direitos fundamentais, colocada em evidência com a prisão de Guantánamo, com
prisioneiros vítimas de tortura e das mais diversas violações de direitos humanos.

5.1 Revisões do modelo de proteção inaugurado pela DUDH

1) I Conferência Mundial de Direitos Humanos (Teerã, 1969): teve por objetivo avaliar a
experiência mundial na proteção internacional dos direitos humanos, desde a DUDH
(1948). Representa a transição paradigmática entre a formação da proteção
internacional, pautada por constante evolução legislativa, e a sua consolidação, efetivada
por intermédio de mecanismos processuais aptos a garantir a fruição dos direitos
materiais enunciados nas diversas declarações, e também por instrumentos de apuração
de violação de direitos.

2) II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993): teve por desiderato


reavaliar a experiência mundial na proteção internacional dos direitos humanos,
estimulando o seu aperfeiçoamento, além de haver reconhecido expressamente a
universalidade e interdependência desses direitos, bem como articulado diversos
sistemas de monitoramento do cumprimento das normas internacionais.

3) Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000): Assinada por 191 nações, teve por
objetivo identificar os desafios da Organização no novo século, havendo sido fixadas
metas concretas de avanço em áreas prioritárias, a fim de que fosse assegurado o Direito
ao Desenvolvimento Social ou Integral (desenvolvimento econômico, social e proteção
ao meio ambiente), a ser concretizado por meio da efetivação dos Oito Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (“ODM”), dentre os quais se destacam:
1. Erradicar a extrema pobreza e a fome:
Alcançar o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos, incluindo
mulheres e jovens.

74
Promover a igualdade de gênero e autonomia da mulher como meios eficazes para
combater a pobreza, a fome e as doenças e promover um desenvolvimento
verdadeiramente sustentável.

Em 2015, quando já iminente o término do prazo fixado para que fossem atingidas as
metas estabelecidas para cada “ODM” (final de 2015), foram fixadas novas metas (169)
associadas aos “Dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, com previsão de
cumprimento nos próximos 15 anos (Agenda 2030), destacando-se, dentre os objetivos:
5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; e
8) promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego
pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

ESTRUTURA DOS DIREITOS HUMANOS

Os Direitos Humanos têm estrutura variada e acarretam obrigações do Estado ou de


particulares revestidas, respectivamente, na forma de: (i) dever, (ii) ausência de direito,
(iii) sujeição e (iv) incompetência. Podem ser:

ESTRUTURA SIGNIFICADO
busca de algo
contrapartida de outrem do dever de prestar.
direito-pretensão Ex.: direito à educação fundamental, que gera o dever do Estado
de prestá-la gratuitamente (art. 208, I, da CF/88).
faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro
ente ou pessoa.
direito-liberdade Ex.: liberdade de credo (art. 5º, VI, da CF/88), não possuindo o
Estado (ou terceiros) nenhum direito (ausência de direito) de exigir
que essa pessoa tenha determinada religião.
relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do
direito-poder Estado ou de outra pessoa.
Ex.: Uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a
assistência da família e de advogado, o que sujeita a autoridade
pública a providenciar tais contatos (art. 5º, LXIII, da CF/88).
autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa,
impedindo que outra interfira de qualquer modo.

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direito-imunidade Ex.: uma pessoa é imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que
outros agentes públicos possam alterar a posição da pessoa em
relação à prisão.

OS DESTINATÁRIOS DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos, por definição, são direitos de todos, sem qualquer distinção. Esse
é o sentido do art. 5º da CF/88, que prevê que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”, o que não é incompatível com a máxima consoante a
qual se deve “tratar desigualmente os desiguais”, a fim de que se alcance a igualdade
material de todos. São, assim, destinatários de tais direitos, inclusive:

DESTINATÁRIOS OBSERVAÇÕES
art. 5º, caput: “estrangeiro residente”.
Interpretação: os direitos previstos na Constituição devem
ser estendidos aos estrangeiros não residentes.
Estrangeiros não residentes Fundamentos:
- Estado Democrático de Direito (art. 1º, “caput”),
- Dignidade humana (art. 1º, III),
- Direitos decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil
(art. 5º, §§ 2º e 3º).
Assim já se pronunciou o STF em mais de uma ocasião.
A nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017) também
caminhou nesse sentido.
São titulares de direitos fundamentais.
Necessário haver pertinência temática com a natureza da
pessoa jurídica.
Pessoa jurídica de direito A art. 52 do CC/02 (“Aplica-se às pessoas jurídicas, no que
privado couber, a proteção dos direitos da personalidade”)
Súmula 227 do STJ (“A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”).
Pode utilizar as garantias fundamentais para sua proteção.

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Contudo, atenção: Tese 11 da Jurisprudência em Teses do
Pessoa jurídica de direito STJ - Responsabilidade Civil – Dano Moral (Edição 125) - “A
público pessoa jurídica de direito público não é titular de direito à
indenização por dano moral relacionado à ofensa de sua
honra ou imagem, porquanto, tratando-se de direito
fundamental, seu titular imediato é o particular e o
reconhecimento desse direito ao Estado acarreta a
subversão da ordem natural dos direitos fundamentais.”
Entes despersonalizados Podem invocar determinados direitos pertinentes com
(sociedades de fato, sua situação (por exemplo, acesso à justiça).
condomínio, espólio, massa
falida e o nascituro)
Outros seres vivos (fauna e Discussão recente (e minoritária) projetando a gramática
flora) dos direitos humanos para um paradigma biocêntrico ou
ecocêntrico.
Ex.: art. 10 da Constituição do Equador de 2008

SUJEITOS PASSIVOS DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O Estado é, em geral, o responsável pelo cumprimento dos direitos humanos. Entretanto,


há ainda a invocação dos direitos humanos em face de particulares (eficácia horizontal e
diagonal dos direitos humanos) e ainda em face da sociedade. A Constituição de 1988
expressamente menciona a família no polo passivo do direito à educação (art. 205), além
do Estado, a sociedade no polo passivo do direito à seguridade (art. 195) e a coletividade,
no polo passivo do direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225).

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Sujeitos passivos dos
Direitos Humanos

Estado Particulares Sociedade

Continua...

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