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Ensaios sobre
a América Portuguesa
3
Ensaios sobre
a América Portuguesa
ORGANIZADORES:
Carla Mary S. Oliveira
Mozart Vergetti de Menezes
Regina Célia Gonçalves
PREFÁCIO DE
Adriana Romeiro
João Pessoa - PB
2009
4
ISBN 978-85-7745-403-7
206 p.: il. - inclui notas.
SUMÁRIO
Apresentação ....................................................................................................................... 7
Prefácio ................................................................................................................................. 9
Adriana Romeiro
APRESENTAÇÃO
Os organizadores.
João Pessoa, novembro de 2009.
9
PREFÁCIO
pretensões políticas.
Festa barroca mas, sobretudo, política – como bem observou Maravall –
o que nela se celebrava era sobretudo a própria sociedade, estamental e
hierarquizada, que ali se dava a ver. É o que revela também o ensaio
“Celebrando a monarquia nos extremos da América Portuguesa: Natal e a
Colônia do Sacramento no século XVIII”, no qual Paulo César Possamai
propõe uma démarche arrojada: o estudo comparado entre as festas públicas
realizadas, no século XVIII, em dois extremos da América – Natal e a Colônia
do Sacramento, regiões muito distintas. De um lado, a pobreza de Natal,
com um contingente demográfico pouco expressivo. De outro, a Colônia
do Sacramento, um dos mais prósperos entrepostos comerciais do Império
e, ao mesmo tempo, posto avançado de fronteira. O brilho e a pompa
barrocos da corte joanina alcançavam, ainda que numa versão esmaecida,
esses territórios tão distantes, onde também os grandes eventos da
monarquia – como nascimentos, casamentos, exéquias fúnebres – eram
celebrados com solenidade. Em Natal, por exemplo, o casamento dos
príncipes do Brasil e das Astúrias com as infantas Maria Vitória de Bourbon
e Maria Bárbara de Bragança, realizado em 1729, deu lugar a nove dias de
comemorações: malgrado a pobreza do lugar, agravada sobremaneira pelas
secas que dizimavam o gado no sertão, a pequena população local assistiu
a comédias, máscaras, cavalhadas, fogos de artifício, salvas de artilharia,
missa solene cantada e procissão. Tudo por obra do capitão mor de
Pernambuco, que tudo fizera para festejar condignamente os casamentos
dos príncipes, posto que a Câmara local parecia pouco inclinada a financiar
as festas – eventos dispendiosos, que demandavam tempo e recursos – ,
preferindo investir nas festas locais, sobretudo as que celebravam o orago
de invocação do lugar. Afinal, se as festas constituíam um poderoso
instrumento de representação do poder e afirmação da elite local, as
localidades mais pobres tendiam naturalmente a se concentrar nas festas
locais, de caráter religioso, mais adequadas para a expressão de prestígio e
status. Diferente era a situação dos funcionários régios, que viam em tais
festividades uma forma de expressar a fidelidade à Coroa, abrindo caminho
para a ascensão nos quadros administrativos do Reino.
A Colônia do Sacramento trazia uma peculiaridade que a distinguia de
Natal: numa região de fronteira, a exibição de poder e magnificência
funcionava como um estratagema político, direcionado para impressionar
os vizinhos, amenizando as tensões entre eles. As celebrações cívicas
destinavam-se a afirmar a glória do monarca português diante dos
espanhóis, e a expressar a fidelidade e a obediência de vassalos afastados
do centro da monarquia.
De uma perspectiva muito semelhante, também centrada na tese da
circulação das concepções e práticas do Antigo Regime, Carla Mary S.
16 ADRIANA ROMEIRO
Adriana Romeiro
Belo Horizonte, outubro de 2009.
23
JESUÍTAS E MISSÕES:
REPRESENTAÇÕES DAS FRONTEIRAS
NA CAPITANIA DO RIO GRANDE
A noção de fronteira
2
BOXER, Charles. A Igreja e a expansão ibérica. Lisboa: Edições 70, 1981. MULLET Michel.
A Contra-Reforma. Lisboa, Gradiva, 1985. PROSPERI, Adriano. Tribunali della coscienza.
Inquisitore, confessori, missionari. Turim: Einaudi, 1996. RODRÍGUEZ DE LA FLOR,
Fernando. De las Batuecas a las Hurdes: fragmentos para una historia mítica de
Extremadura. Mérida: ERE, 1989, p.17.
3
DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
4
Caso do âmbito francês, cerca de 1213, onde fronteira está definida como a vanguarda
das tropas militares e, por volta de 1292, como praça fortificada que está em frente do
inimigo. FEBVRE, Lucien. Frontière: le mot et la notion. In: ______. Pour un histoire à part
entière. Paris: École de Hautes Études en Sciences Sociales, 1962, p. 11-24. Já a fronteira
do Alentejo, no início do século XVI, não era cobiçada pela monarquia por ser área de
conflito, de modo que D. Manuel (1495-1521) a propõe como presente a D. Maria,
infanta de Castela. MAGALHÃES, Joaquim Romero. Fronteras y espacios: Portugal y
Castilla. In: TORRES, Ana Maria C. (org.). Las relaciones entre Portugal y Castilla en la época
de los descubrimientos y la expansión colonial. Salamanca: Ediciones Universidad de
Salamanca, 1994, p. 91-101.
JESUÍTAS E MISSÕES 25
formação colonial a partir da ação social dos bandeirantes em São Paulo, nos
remete a uma história social das fronteiras brasileiras reconhecendo a
importância dos espaços abertos e zonas distantes na história da colonização
lusitana na América: “longe das igrejas e conventos...”, assim como outros
trabalhos ligados à história regional que recuperam, sob uma nova ótica,
uma história de espaços que continuam oferecendo questões por
compreender, mas que ainda não encontraram visibilidade na historiografia
nacional. Janice Theodoro tem se dedicado às distintas mestiçagens e
entrecruzamentos muito próprios do mundo americano, pois aí estão os
agentes sociais que operam o diálogo entre universos aparentemente
incompatíveis favorecendo a sua articulação e permeabilização. Isso nos leva
a considerar o conceito de fronteira em sua dimensão de espaço de trocas e
negociações com o outro, especialmente com os grupos étnicos que cabia às
missões controlar8.
As limitações ou estímulos ao desenvolvimento de uma região obedecem
ao posicionamento geopolítico que ela ocupa no contexto geral da trajetória
e expansão da colonização e essa foi a tendência que criou regiões centrais e
marginais no sistema colonial. A necessidade de protegê-la das sublevações
indígenas, da expansão do contrabando e das interferências estrangeiras é
característico da fronteira. Ali os gastos eram reduzidos, vigorava a escravidão
indígena e o papel das instituições, como as missões ou as guarnições de
soldados pagos estacionados nos fortes ou nas áreas de conflito, era
significativo. Já nas regiões centrais originárias, a conquista decisiva foi
seguida rapidamente de uma desmilitarização e de um longo período de
consolidação. As formas de intervenção nas regiões de fronteira obedeciam
a uma política de conquista e de redução de toda oposição. A região que
resistia à dominação não apresentava a menor possibilidade de integrar-se
na dinâmica ocidentalizada do sistema colonial. Isso é algo que nos remete a
outra importante característica das fronteiras que é justamente sua
mobilidade, ao contrário da zona-limite, cuja maior virtude é, pelo menos,
garantir uma soberania política e é algo evidente tanto no processo natural
de fuga das populações indígenas das zonas ocupadas, como nas
transferências de populações operadas pelas forças coloniais9.
privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 42.
8
THEODORO, Janice. O barroco como conceito. In: SCHUMM, Petra (org.). Barrocos y
modernos: nuevos caminos en la investigación del Barroco Iberoamericano. Frankfurt:
Vervuert; Madri: Iberoamericana, 1998.
9
A crônica jesuítica sobre a conquista da Paraíba nos aproxima do deslocamento da
fronteira em direção ao Rio Grande que se conformava, então, como espaço de
concentração de forças dos índios Potiguares que fugiam progressivamente das etapas
de conquistas portuguesas: “... e em toda a parte a miúdo eram salteados, ou se passariam
todos além do Rio Grande, como já muitos tinham feito...”. ANÔNIMO. Summario das
armadas que se fizeram e guerras que se deram na conquista do Rio Parahiba. Revista
do Instituto Histórico e Geográphico Brasileiro, Rio de Janeiro, IHGB, n. 36, 1873, p. 63.
Provavelmente escrito, em 1586, a pedido do visitador Christóvão de Gouveia S.J.
pelo P. Simão Travassos S.J.
JESUÍTAS E MISSÕES 27
15
Relação de Pero de Castilho, 1614. HCJB, vol. V, p. 511.
16
Instruções do Padre General Claudio Aquaviva para o Provincial P. Pero Rodrigues.
Roma, 1597-1598, ARSI, Bras, maço 2, f. 131-132v; Algumas advertências para a Provincia
do Brasil, Roma, 1601, Biblioteca Vittorino Emanuele, Roma, Fundo dos Jesuítas, maço
1255, f. 10-14. Daqui em diante, citado como Bib. Vittº Em., Gesuitici.
17
Carta do Provincial Pero Rodrigues ao Padre General Claudio Aquaviva, Baía, 20 de
Setembro de 1600. ARSI, Bras., maço 3-I, f. 194-194v.
18
Carta de Pero Rodrigues, 1599. HCJB, vol. I, p. 524.
19
Conforme o panfleto de Lopo Curado Garro: Breve, verdadeira autêntica Relação das
últimas tiranias e crueldades que os pérfidos Holandeses usaram com os moradores
do Rio Grande, 23 out. 1645. Publicações do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1929.
JESUÍTAS E MISSÕES 31
20
BRUNO, Ernani da. Silva. História do Brasil geral e regional - Vol. 2: Nordeste. São Paulo:
Cultrix, 1967.
32 MARIA EMILIA MONTEIRO PORTO
Portalegre), Gramació (Vila Flor) e Mipibu (S. José de Mipibu). Neste contexto,
os jesuítas são outra vez convocados para pacificar as fronteiras, assim como
as forças especializadas do Terço dos Paulistas. Quando se estabelecem, no
momento e lugar mais tenso de todo conflito, servem a um plano pragmático
de controlar o espaço, evitar a dispersão dos grupos indígenas remanescentes,
negociar com a natureza desolada e precária e com a moral da colônia.
Esta nova aproximação compreendia duas aldeias de índios Paiacus, a de
S. João Batista do Apodi e outra, às margens do rio Jaguaribe, já no Ceará,
que além de terem funcionado como apoio institucional a um importante
fluxo de povoamento que se dirigia para a região do Açu, integrando-os,
segundo a perversa lógica do colono, nas formas e frentes de trabalho
ocidentais, obedecia também à lógica missionária de afastar os aldeamentos
das proximidades das guarnições de soldados no litoral. Mas a pressão
escravista levou os missionários a afastarem os núcleos indígenas de catequese
também dos povoamentos dos colonos, estabelecendo aldeamentos mais
eficientes e estáveis, conclusão a que, aliás, já haviam chegado os missionários
do tempo de Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Organizaram duas outras
missões cerca do litoral, as aldeias de Guaraíras e Guajiru que se mantinham
em tensão direta com as duas outras do interior.
As correspondências entre os centros administrativos da Colônia, como
esta de 1699, nos vão dando conta da intensidade dos conflitos entre colonos
e índios e nos recordam a precariedade da situação do Rio Grande durante a
Guerra dos Bárbaros: “Das Capitanias do Norte tinham ido várias e repetidas
vezes a fazer guerra aos Bárbaros do Rio Grande, 37 cabos dos de maior nome e
suposição, havendo algum que levou mais de 700 homens brancos, e que todos
estes não conseguiram outro feito mais que só o das consideráveis despesas que
fizeram aos miseráveis povos das ditas Capitanias”21.
A fronteira, como zona militar, torna-se visível a partir dos conflitos pela
conquista do espaço, nos quais aparecem as estratégias utilizadas e o conjunto
da política monárquica e colonial22. É notável, neste momento, que se tratava
mais de defender uma posição estratégica na fronteira do que propriamente
defender uma população civil organizada. Segundo o documento, e também
conforme o discurso dos Oficiais da Câmara, esta população civil se reduzia
“a quatro moradores que ali habitavam” enquanto o auxílio em forças militares
teria sido de 200 homens. Certos dados, como a criação do Posto de Coronel
de Cavalaria da Ordenança em 1686 para socorrer os colonos nas áreas de
conflitos com os índios, a aparição da noção de fronteira na linguagem militar
em documento de 1694, com o sentido de um espaço fortalecido por
21
Carta de D. João de Lencastro, Governador Geral do Brasil a D. Fernando Martins
Mascarenhas de Lencastro, Baía, 11 nov. 1699. Documentos Históricos da Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro, 1937, pp. 39, 88, 83, 72, 117, 118.
22
As referências que vem a seguir são encontradas nos seguintes documentos: Livro de
Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal (LCPSC), Livro de Termos de Vereação
(LTV), Documentos do Arquivo Ultramarino (AHU), cobrindo o período de 1686, 1689,
1694, 1696, 1701, 1704, 1710, 1713, 1725 e 1730.
JESUÍTAS E MISSÕES 33
23
Termo da Junta das Missões em S. Luiz do Maranhão, 30 mar. 1726. HCJB, vol. III, p. 442-
443.
24
Manuscrito do Arquivo do IHGRN, Pasta 32, maço 7, folha 2. Apud GALVÃO, Helio.
História da Fortaleza da Barra do Rio Grande. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura,
1979, p. 209.
JESUÍTAS E MISSÕES 35
25
Carta do Pe. Pero Dias. Olinda, 30 jul. 1689. HCJB, vol. V, p. 529.
26
LCPSC, Recife, 24 mai. 1713, Bando do Governador Geral de Pernambuco, José Félix
Machado de Mendonça, Cx. 75, Lv. 5, f. 133v-134; LCPSC, Natal, 28 jul. 1713, “papel de
pazes” feitas entre os índios tapuias e o Capitão Teodósio da Rocha, Cx. 99, Lv. 6, f.
8v.
27
HCJB, vol. V, p. 545.
28
Diário da Viagem de Regresso para o Reino, de João da Maia da Gama, e de inspeção
das barras dos rios do Maranhão e das Capitanias do Norte, em 1728. In: GALVÃO,
História..., p. 277-285, p.282.
29
Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V. Lisboa, 5 jun. 1731. AHU, Doc. 153:
1731, 05 de Junho, Lisboa, rolo 02, 232.
36 MARIA EMILIA MONTEIRO PORTO
30
Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V. Lisboa, 5 jun. 1731. AHU, Doc. 153:
1731, 05 de Junho, Lisboa, rolo 02, 232.
JESUÍTAS E MISSÕES 37
31
HANKE, Lewis. La Humanidad es una: estudio acerca de la querella que sobre la capacidad
intelectual y religiosa de los indígenas americanos sostuvieron en 1550 Bartolomé de
las Casas y Juan inés Sepúlveda. Ciudad del México: FCE, 1985 [1974].
39
15
Nome pelo qual era conhecido o conselho soberano da República dos Países Baixos
Unidos. HULSMAN, Lodewijk. Índios do Brasil na República dos Países Baixos: as
representações de Antônio Paraupaba para os Estudos Gerais. Revista de História. São
Paulo, n.154, 2006, p.39.
POVOS INDÍGENAS NO PERÍODO DO DOMÍNIO HOLANDÊS 43
cultura cristã para a qual o outro é uma ameaça constante e precisa ser
transformado. Nesse sentido, quando aqueles líderes utilizam um discurso
com elementos alheios à sua cultura, estão interagindo e dialogando com
aquela a partir da sua própria. Portanto, ao lermos os documentos, temos
que ser sensíveis para perceber que ali se encontra o produto de contatos
culturais complexos, rearticulados através de anos de convivência – quase
sempre não pacífica, muito pelo contrário, em que ambos os lados se
transformam e são transformados.
Os estudos realizados por inúmeros pesquisadores, dentre eles, Florestan
Fernandes 19 , John Manuel Monteiro 20 e Eduardo Viveiros de Castro 21
ressaltaram que, pelo menos os Tupi, o grupo que é melhor conhecido por
nós, emergem, desde os primeiros relatos dos cronistas quinhentistas, como
portadores de um cultura especialmente atenta à lógica de outros povos.
Viveiros de Castro no ensaio “O mármore e a murta: sobre a inconstância da
alma selvagem”, aprofunda a análise desta característica indígena e nos
fornece a chave para o entendimento da autoconstrução de sua identidade –
especialmente dos Tupi –, a partir da análise do Sermão da Sexagésima de
Antonio Vieira (1655), em que o pregador se refere aos índios comparando-
os à murta, que não se deixa esculpir, a não ser aparentemente e por breve
tempo, nem pelo mais competente dos jardineiros. Tal como a murta, afirma
um desalentado Vieira, os “brasis” se deixam evangelizar para, logo em
seguida, retomarem os antigos hábitos, o seu ancestral modo de vida,
esquecendo todos os ensinamentos dos soldados de Cristo22. Neste sermão,
o jesuíta faz uma comparação entre a murta e o mármore, que representam,
respectivamente, o indígena do Brasil e o nativo do Oriente. Essa analogia se
refere à aparente “facilidade” com que os missionários catequizavam os índios,
assim como o jardineiro trabalharia uma escultura de murta. Dizia Vieira:
Eis aqui a diferença que há entre umas nações e outras na doutrina
da fé. Há umas nações naturalmente duras, tenazes, e constantes,
as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus
antepassados; resistem com as armas, duvidam com o
entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam,
argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas,
uma vez rendidas, uma vez que recebem a fé, ficam nelas firmes e
constantes, como estátuas de mármore: não é necessário trabalhar
19
FERNANDES, Florestan. A função social da guerra na sociedade Tupinambá. 2. ed. São
Paulo: Pioneira; Edusp, 1970.
20
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MONTEIRO, John Manuel. Tupis, tapuias
e historiadores: estudos de História Indígena e do indigenismo. Tese de Livre Docência.
Universidade Estadual de Campinas, 2001.
21
CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de
Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
22
VIEIRA, António. Sermões. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2001, p. 53-
70.
POVOS INDÍGENAS NO PERÍODO DO DOMÍNIO HOLANDÊS 45
28
RIBEIRO & MOREIRA NETO, A fundação..., p. 230.
48 R. C. GONÇALVES, H. S. CARDOSO & J. P. C. R. PEREIRA
31
HULSMAN, Índios do Brasil..., p. 56. Destaque nosso.
32
RIBEIRO & MOREIRA NETO, A fundação..., p. 230.
POVOS INDÍGENAS NO PERÍODO DO DOMÍNIO HOLANDÊS 51
VIDAL DE NEGREIROS:
UM HOMEM DO ATLÂNTICO NO SÉCULO XVII1
Ângelo Emílio da Silva Pessoa2
De André Vidal direi a V.M. o que não atrevi até agora, por me não apressar; e,
porque tenho conhecido tantos homens, sei que há mister muito tempo para se
conhecer um homem. Tem V. M. mui poucos nos seus reinos que sejam como
André Vidal; eu o conhecia pouco mais que de vista e fama: é tanto para tudo o
demais como para soldado: muito cristão, muito executivo, muito amigo da
justiça e da razão, muito zeloso do serviço de V.M. e observador das suas reais
ordens, e sobretudo muito desinteressado, e que entende mui bem todas as
matérias, posto que não fale em verso, que é a falta que lhe achava certo ministro
grande da corte de V.M.
Pelo que tem ajudado a esta cristandade lhe tenho obrigação; mas pelo que toca
ao serviço de V.M. (de que nem ainda cá me posso esquecer) digo a V.M. que
está André Vidal perdido no Maranhão, e que não estivera a Índia perdida se
V.M. lha entregara.
Carta do Pe. Antônio Vieira ao Rei D. João IV, Pará, 6 dez. 1655.3
à época da ocupação holandesa da Bahia, em 1624, sua idade era de 18 anos, o que
coloca o seu nascimento por volta de 1606; também se refere ao fato de ser filho de
um senhor de engenho. PINTO, Luiz. Vidal de Negreiros: afirmação e grandeza de uma
raça. São Paulo: Alba, 1960, p. 28.
5
BOXER, Charles R. Os Holandeses no Brasil (1624-1654). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1961, p. 228.
6
Em 1942 seus restos mortais, junto aos de João Fernandes Vieira, foram transferidos em
préstito solene para a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes,
onde repousam na condição de heróis do nativismo brasileiro. Na ocasião o Arcebispo
da Paraíba, D. Moisés Coelho, fez o elogio do herói: “Aqui ao clarão destes sepulcros,
onde repousam em cinzas gloriosas os corpos de Vidal de Negreiros e João Vieira, estará o
Brasil, em constantes romarias, não só para cultuar seus nomes, mas também para inspirar-
se nos seus exemplos de patriotismo e de fé, e ainda para afinar seus próprios sentimentos
naqueles sentimentos de verdadeiro patriota e brasileiro, os quais sempre animaram o
coração e a alma dos ímclitos [sic] lutadores”. In: Revista do Instituto Arqueológico Histórico
e Geográfico Pernambucano, Recife, n. 38, 1943, p. 224.
7
Esse drama está estudado com argúcia em MELLO, Evaldo Cabral de. O nome o sangue:
uma fraude genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
8
AHU_ACL_CU_014, Cx. 11, D. 927.
VIDAL DE NEGREIROS 55
12
As complexas situações referentes à conquista e consolidação da presença portuguesa
no território da Capitania Real da Paraíba podem ser vistos em PRADO, João Fernando
de Almeida. A conquista da Paraíba. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964. LINS,
Guilherme Gomes da Silveira d’Ávila. Páginas de História da Paraíba: revisão crítica sobre
a identificação e localização dos dois primeiros engenhos de açúcar na Paraíba. João
Pessoa: Empório dos Livros, 1999. GONÇALVES, Regina Célia. Guerras e Açúcares: política
e economia na Capitania da Paraíba (1585-1630). Bauru: EDUSC, 2007.
13
Veja-se BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil [1618]. 3. ed.
Recife: Fundaj/ Massangana, 1997. HERCKMANS, Elias. Descrição geral da Capitania da
Paraíba [1639]. João Pessoa: A União, 1982.
14
Nos anos que se seguiram à fundação da Capitania da Parahyba, entre finais do século
XVI e início do XVII, ordens como os jesuítas, os franciscanos, os beneditinos e os
carmelitas se estabeleceram na região e desenvolveram atividades ligadas à catequese
dos índios, tal como acontecera em Pernambuco anos antes. Veja-se HOORNAERT,
Eduardo et al. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo.
(Primeira Época). Tomo II, vol. 1. 4 ed. Petrópolis: Paulinas; Vozes, 1992.
VIDAL DE NEGREIROS 57
eles.17
Seja como for, Vidal não permaneceu tempo suficiente para se envolver
de forma mais aguda no desgaste dos conflitos maranhenses e, nos anos
seguintes à sua saída, essas disputas recrudesceram e os jesuítas acabaram
expulsos, em 1661, por colonos descontentes.
Assumiu o governo de Pernambuco em 1657, o que atestava seu prestígio
estando à frente de uma das Capitanias mais importantes do Império
português. Substituía a Francisco Barreto de Menezes, que exercera o governo
no momento delicado da restauração, para o que obtivera poderes muito
amplos e especiais. Vidal lutou para confirmar essas prerrogativas para seu
governo e entrou em atritos com o mesmo Francisco Barreto que, então,
acabara de assumir o Governo Geral na Bahia. Nessa contendas por jurisdição
com a Bahia, além do fogo das vaidades e brios pessoais, pesava o controle
de importantes postos de governo e a definição de políticas que interessavam
diretamente à açucarocracia local e influíam nos negócios de produtores e
comerciantes de açúcar.
17
O Regimento de Vidal de Negreiros está reproduzido em MENDONÇA, Marcos Carneiro
de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro: IHGB; Brasília:
Conselho Federal de Cultura, 1972, p. 695-714.
60 ÂNGELO EMÍLIO DA SILVA PESSOA
18
Um interessante estudo sobre esses conflitos entre Vidal e Barreto é o de ACIOLI, Vera
Lúcia Costa. Jurisdição e conflitos: aspectos da administração colonial – Pernambuco –
Século XVIII. Recife: Ed. UFPE, 1997.
VIDAL DE NEGREIROS 61
19
Essa questão pela disputa do tráfico atlântico de escravos entre portugueses e holandeses
pode ser vista em PUNTONI, Pedro. A mísera sorte: a escravidão africana no Brasil
holandês e as guerras do tráfico no Atlântico Sul, 1621-1648. São Paulo: Hucitec, 1999.
20
BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1686). São Paulo:
Companhia Editora Nacional; Edusp, 1973.
62 ÂNGELO EMÍLIO DA SILVA PESSOA
21
ALENCASTRO, Luís Filipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
22
MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates - Pernambuco
1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
VIDAL DE NEGREIROS 63
Fig. 2 - Igreja de Nossa Senhora dos Guararapes, erguida no século XVII, no atual
Parque Histórico Nacional dos Guararapes, local de importante celebração dos eventos
relativos à guerra contra os holandeses (Jaboatão dos Guararapes - PE).
Foto: Ângelo Pessoa, 2008.
1
Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Líder do GEHSCAL -
Grupo de Estudos em História Sociocultural da América Latina (UPE/ Diretório CNPq).
Professora Adjunta da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, da
Universidade de Pernambuco, e Docente Colaboradora do Programa de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Pesquisadora financiada
pela FACEPE. E-Mail: <gehscal@uol.com.br>.
2
Para as festas barrocas, ver: SILVA, Kalina Vanderlei. Cerimônias públicas de manifestação
de júbilo: símbolos barrocos e os significados políticos das festas públicas nas vilas
açucareiras de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. In: ______ (org.). Ensaios culturais
sobre a América Açucareira. Recife: Edupe, 2008. Já para as comemorações das entradas
reais em Lisboa, ver: MEGIANI, Ana Paula. O rei ausente: festa e cultura política na visita
dos Filipes a Portugal (1581 e 1619). São Paulo: Alameda, 2004. Para a comemoração
das armas de Castela contra Barcelona, ver: DE LA FLOR, Fernando & BLASCO, Esther.
Política y fiesta en el Barroco - 1652: descripción, oración y relación de fiestas en Salamanca
con motivo de la conquista de Barcelona. Salamanca: Ediciones Universidad de
Salamanca, 1994.
68 KALINA VANDERLEI SILVA
rei se traduzia em uma tentativa da elite urbana reafirmar seu próprio status,
demarcando a hierarquia entre seus pares, demonstrando seu prestígio
perante o povo e, ao mesmo tempo, sua lealdade perante a Coroa. Sem
esquecer que a elite local aproveitava ainda para relembrar ao rei seus serviços
prestados.
Imagem paradigmática dessa funcionalidade foi a comemoração da
conquista de Barcelona pela Coroa castelhana em uma festa organizada e
celebrada em Salamanca em 1652, com direito a toda a pompa barroca e
publicação de relação comemorativa. E se tais eventos não eram raros na
Península Ibérica de então, também as câmaras municipais americanas do
período procuravam se manter ao corrente dos padrões festivos europeus.
Assim foi que, poucas décadas depois, Olinda seguiu muito de perto o modelo
de Castela ao promover a festa de ação de graças pela Restauração da Capitania
de Pernambuco contra os holandeses. Festejo que, assim como sua congênere
castelhana, assumiu uma função múltipla de espaço de demarcação de
prestígios locais, lealdades régias e de reafirmação de uma identidade fidalga
por parte da elite açucareira. Identidade essa construída em torno da
Restauração de Pernambuco e da memória desse fato.
Olinda, a Elite Açucareira e a Restauração
Em 1654 terminava a ocupação da Capitania de Pernambuco, e anexas,
pela WIC, a Companhia das Índias Ocidentais, que desde 1630 controlava a
região. A chamada guerra de Restauração, que opusera os senhores de
engenho de Pernambuco e seus aliados à WIC, durara de 1648 a 1654 e deixara
um saldo de destruição nos canaviais, nas cidades e nas fortunas, permitindo
à Coroa portuguesa retomar o poder sobre a Capitania, inclusive de forma
mais presente e intrusiva que antes de 1630, visto que nesse segundo período
de governo português os donatários de Pernambuco haviam dado lugar aos
governadores metropolitanos3.
As muitas modificações sociais, econômicas e políticas da Capitania haviam
atingido todos os grupos sociais, dos escravos que fugiram para o quilombo
de Palmares, passando pelos homens livres ingressos nas inchadas fileiras do
exército ou moradores da crescente povoação do Recife, até a elite de
senhores de engenho que encabeçara a guerra. Esses senhores, que se
denominavam restauradores, viram seu prestígio perante a Coroa atingir o
ápice com os sempre lembrados serviços prestados na devolução da capitania
ao império. Um prestígio que lhes garantiu a manutenção de seu poder político
mesmo quando, no século XVIII, os mercadores já haviam se tornado um
grupo hegemônico4.
3
A guerra de Restauração é bastante conhecida a partir do estudo clássico de MELLO,
Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:
Topbooks, 1998.
4
A situação da capitania no pós-guerra pode ser vista em SILVA, Kalina Vanderlei. ‘Nas
Solidões vastas e assustadoras’: a conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 69
açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE, 2009. E a ascensão da elite mercantil
em SOUZA, George Cabral. Elite y ejercicio de poder en el Brasil Colonial: La Cámara
Municipal de Recife (1710-1822). Tesis Doctoral. Facultad de Geografía y Historia de la
Universidad de Salamanca. Salamenca, 2007.
5
Por exemplo, REQUERIMENTO do Bispo de Pernambuco ao Rei pedindo se remeta ao
Desembargador do Paço a representação dos conflitos com o governador de
Pernambuco sobre o cerimonial romano e o lugar que deve ocupar o assento do
governador na Igreja. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa- AHU_ACL_CU_015, cx. 16.
1636; PARECER incluso na carta do capitão-mor de Igarassu, Francisco Xavier Carneiro
da Cunha, ao rei, D Jose I, sobre as dúvidas a respeito dos assentos nas festas e
procissões daquela vila assistidas pela câmara. AHU_ACL_CU_015, Cx. 081, D. 6751.
70 KALINA VANDERLEI SILVA
quando este senado se encontra com eles por ocasião das festas
reais, que este senado debaixo de estandarte os vá receber aos
adros das igrejas, como se este senado representasse pessoa inferior
a que eles representam. E porquanto finalmente nos parece que os
governadores não podem pretender semelhante obséquio, que
somente lhes deveria ser feito se este senado não representasse a
Real Pessoa de Vossa Alteza assim e do mesmo modo que lhes
representam. Portanto suplicamos a vossa alteza real aja por bem
decidir em que lugar deve esse senado receber aos governadores,
e aos excelentíssimos reverendíssimos bispos em semelhantes
ocasiões.6
Nessa carta, a Câmara de Olinda insistia nas mesmas reivindicações que já
vinha fazendo desde o século XVII sobre seu papel como representante da
Coroa. A mesma reivindicação que fez, por exemplo, em 1677, quando, depois
do estabelecimento dos governadores do rei na capitania, em geral sediados
no Recife, os senhores de Olinda começaram a disputar com eles a posição de
representantes da Coroa, como podemos ver na ordem régia passada em
julho daquele ano:
Oficiais da Câmara da Capitania de Pernambuco. Eu o Príncipe vos
envio muito saudar. Havendo mandado ver o que me escrevestes
em carta de 10 de junho do ano passado, sobre as diferenças que
tivésseis com o Vigário Geral da Matriz da Vila de Olinda acerca do
lugar em que nas procissões havia de ir o pendão da Câmara, por
querer que saísse adiante do pálio, fora do corpo da câmara e o que
sobre isso resolveu o governador D. Pedro de Almeida, e porque
convém atalhar diferenças, me pareceu dizer-vos que o governador
não representa mais minha pessoa do que a representa o senado: e
assim não havia de resolver que nas procissões que não fosse o
pendão porque só quando eu vou nelas deixa de ir o pendão e nas
mais começa do pendão o corpo do senado da câmara, e nesta
forma se deve observar daqui em diante; e assim o mando advertir
ao Vigário Geral, e que não inquiete meus ministros contra o estilo
dos [ ] de que não registra indecência alguma.7
Essa reclamação da Câmara de Olinda é eloquente sobre sua vontade e
insistência em ser reconhecida pelos altos funcionários da burocracia régia
como parte integrante e importante do poder imperial, representando ela
mesma o rei. Uma representação que deveria ser feita através da investidura
6
CARTA dos oficiais da Câmara de Olinda ao Príncipe Regente, D João, sobre as dúvidas
acerca de onde deveria ir o pendão da câmara nas procissões. AHU_ACL_CU_015, Cx.
212, D. 14418.
7
REGISTRO da carta de S. majestade escrita aos oficiais da câmara, sobre ir, ou não o
pendão da câmara nas procissões. Escrita a 18 de julho de 1677. Livro de Registro de
cartas, provisões e ordens régias. L. 1º. Arquivo Público Jordão Emerenciano - APEJE.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 71
10
“Juiz, Vereadores e Procurador da Cidade de Olinda. Eu El Rei vos envio muito saudar: Por
estar confirmada e ratificada a paz que celebrei com El Rei de Castela, e ser esta nova de
grande gosto, é justo que como tal se festeje no Reino, a mandeis publicar no 1º do presente
mês de maio na [forma] que vereis na cópia inclusa, com a demonstração de luminárias,
repique, e salvas de artilharia na noite do dia da publicação e nos dias seguintes, e da mesma
sorte o fareis assim executar pela parte que vos toca”. REGISTRO da carta de S. Majestade
para os oficiais da câmara pela qual manda se festeje a paz que se celebrou com el rei
de Castela. Escrita em 15 mai. 1715. LIVRO de registro de cartas, provisões e ordens
régias da Câmara de Olinda. L 1º, fl. 125. APEJE.
11
Para a definição da elite açucareira, ver: ACIOLI, Vera Lúcia. Jurisdição e conflito: aspectos
da Administração Colonial. Recife: Ed. UFPE, 1997; FERLINI, Vera Lúcia. Terra, trabalho
e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988.
Em Acioli encontramos também os conflitos dessa elite com os governadores de
Pernambuco e Bahia.
12
O imaginário da fidalguia ibérica pode ser visto em: FRANÇA, Eduardo D’Oliveira.
Portugal na época da Restauração. São Paulo: Hucitec. 1997. Sobre o viático e seus rituais,
ver: CAVALCANTI, Viviane. Religiosidade e morte: instrumentos do projeto colonial
português. Columbia: The University of South Carolina, 1995. A Irmandade do Santíssimo
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 73
14
ACIOLI, Jurisdição e conflito, p. 18.
15
CÂMARA de Pernambuco e Povos das Capitanias do Norte do Brasil a D João IV.
Biblioteca da Ajuda, 1654, apud MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: o imaginário da
Restauração Pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008, p. 92.
16
A expressão “fiéis vassalos” vem do próprio discurso da câmara de Olinda e da Coroa
portuguesa, como no expresso no REGISTRO da Carta de S. Majestade para a câmara,
de agradecimento pelas festas que fizeram no nascimento da Infanta. 12 out. 1699.
Livro de registro de Cartas, Provisões e ordens régias da Câmara de Olinda. L. 1º, fl. 95.
APEJE, onde o rei agradece as festas que em Olinda se fizeram pelo “nascimento da
Sereníssima Infanta, minha muito amada e prezada filha”, afirmando que “pareceu de tão
bons, fiéis e honrados vassalos, que não faltam a mostrar nela o vosso amor, por ser tanto
gosto para esse reino e de todos os seus domínios”.
17
O fenômeno de fabricação de memória nas festas públicas foi estudado por LOPES,
Emílio Carlos Rodrigues. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre as
manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: EDUSP,
2004.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 75
20
O modelo ibérico de festas barrocas, assim como a descrição de suas práticas, pode ser
visto em ÁVILA, Affonso. O Lúdico e as Projeções do Mundo Barroco - Vol. 1: uma linguagem
a dos cortes, uma consciência a dos Luces. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 144-154.
21
MACHADO, Simão Ferreira. Triunfo Eucarístico, Exemplar da Cristandade Lusitana em Pública
Exaltação da Fé na solene Transladação do Diviníssimo Sacramento da Igreja da Senhora do
Rosário, para um novo Templo da Senhora do Pilar em Vila Rica, etc. Lisboa Ocidental: Oficina
de Música, 1734, apud ÁVILA, O Lúdico...; AUREO Trono Episcopal, Collocado nas Minas de
Ouro, ou Notícia Breve da Criação do Novo Bispado marianense, da sua felicíssima posse, e
pomposa entrada do seu meritíssimo primeiro Bispo,e da Jornada, que fez do Maranhão, etc.
Lisboa: Oficina de Miguel Manascal da Costa, 1749, apud ÁVILA, O Lúdico...
22
Ambas as relações, assim como a da aclamação de d José, foram transcritas por José
Aderaldo Castello em O Movimento Academicista Brasileiro, apud ARAÚJO, Rita de Cássia.
A redenção dos pardos: a festa de São Gonçalo Garcia no Recife, em 1745. In: JANCSÓ,
Istvan & KANTOR, Iris (orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. Vol.
1. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial, 2001, p. 419-444.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 77
disputando com a de Olinda. Por outro lado, a ação de graças pela Restauração
não atraiu sua atenção, celebração que era dos feitos dos senhores de
engenho olindenses, enquanto em Recife dominavam os comerciantes de
grosso trato26.
E não apenas o Recife não organizou festa semelhante, como não
prestigiou a comemoração em Olinda, como demonstra a reclamação que a
câmara daquela cidade fez ao rei a respeito da ausência do governador, então
sediado em Recife, e demais autoridades na ação de graças de 1725 e 1726.
Em 1725, escreveu o rei ao governador de Pernambuco, então D. Manuel
Rolim de Moura, reproduzindo a queixa dos oficiais da Câmara de Olinda
sobre a ausência das autoridades na comemoração da “memória da gloriosa
restauração da capitania” que se fazia por ordem régia todos os anos. A carta
régia descreve a organização da cerimônia com missa, Santíssimo Sacramento
exposto e sermão na Santa Sé, assistida pelos terços de Olinda e Recife, além
dos ministros, oficiais de Justiça e Fazenda. Mas no ano em questão só se
achavam presentes os oficiais da Câmara de Olinda. A essa reclamação
respondeu então o governador dizendo que
Sempre a assisti e os ditos ministros em a dita festa, como também
todo o terço inteiro da cidade marcha para a Sé como é estilo, e
não tenho notícias que o terço do Recife se achasse também em
outros anos na tal celebridade, como afirmam os ditos oficiais.27
No ano seguinte os oficiais de Olinda voltaram a reclamar ao rei, solicitando
que, como era costume em anos anteriores, na festa da Restauração
marchassem os dois terços, o de Olinda e o de Recife, com seus mestres de
campos, além do terço dos henriques com mestre de campo, e que todos
recebessem pólvora para uma salva de artilharia em memória do dia. Além
disso, reiteravam seu pedido de que o governador, ministros e oficiais, e
todas as “pessoas da nobreza” dentro de duas léguas da cidade fossem
obrigados a comparecer a festa28.
26
As querelas de jurisdição entre Olinda e Recife em torno da festa de Corpus Christi
estão registradas em documentos como a CARTA dos oficiais da câmara de Olinda ao
rei [d João v], sobre a pretensão da câmara de Recife de fazer a procissão do corpo de
Deus no mesmo dia em que se faz em Olinda. AHU_ACL_CU_015, cx 63, D. 5386, e
CARTA dos Oficiais da Câmara do Recife ao rei [D João V], sobre se realizar a procissão
de Corpo de Deus no Recife devido à isenção do seu povo e clero de comparecerem à
de Olinda. AHU_ ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3499.
27
CARTA do governador da capitania de Pernambuco ao rei sobre a ordem para que
todos os ministros, oficiais de justiça e fazenda, governador, senado e todos os terços
de Recife e Olinda participem dos festejos da Restauração. AHU_ACL_CU_015, Cx. 31,
D. 2849. Pernambuco, 18 jul. 1725.
28
CARTA dos oficiais da câmara de Olinda ao rei, d. João V, sobre a ordem para que na
festa de ação de graças de 27 de janeiro, marchem os terços e compareçam o
governador, ministros e oficiais. AHU_ACL_CU_015, Cx. 32, D. 2950.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 79
Essa repetida queixa deixa claro o desrespeito das elites de Recife com a
celebração da nobreza olindense, que se queria fidalga. Clara também fica a
insistência dessa ‘nobreza da terra’, já então em pleno processo de perda de
hegemonia política sobre a capitania, na festa como marco de sua importância
social e política. Uma insistência que enfatizava a memória do feito que esta
celebração deveria comemorar.
E, apesar dessa decadência, ou por causa dela, a elite açucareira continuou
a insistir na festa da Restauração pelo menos até a década de 1740, quando a
implantou também em Igarassu:
Prostrados aos benignos pés de Vossa Real Majestade, que Deus
guarde, como mais leais e fiéis vassalos, damos conta a Vossa
Majestade, que sendo essa vila de Santos Cosme e Damião de
Igarassu a mais antiga desta capitania de Pernambuco, e fazendo
na cidade de Olinda no dia vinte e sete de janeiro, anualmente
ação de graças a Deus Nosso Senhor por ser o dia em que se restaurou
esta terra do poder do holandês, nesta vila se não faz ato algum de
lembrança, e parecendo ser necessário, fazermos a mesma ação
de graças no dito dia, para lembrar aos presentes o que fielmente
obraram os nossos antepassados; Demos conta a Vossa majestade,
que sendo servido, nos mandar ordem para a podermos fazer, com
a mesma despesa, que se costuma fazer nesta vila a do Anjo
Custódio, paga das sobras do Concelho.29
Era a reafirmação da memória dos feitos gloriosos dos senhores de
engenho que, em 1740, enfrentavam o crescimento do Recife e sua elite
comercial. Uma última tentativa de fixar na memória coletiva da capitania os
feitos pelos quais a elite açucareira tanto se orgulhava e sobre os quais baseava
todas as suas reivindicações de nobreza. Uma tentativa de “lembrar aos
presentes o que fielmente obraram os nossos antepassados”, segundo as
palavras da própria câmara. Afirmação que enfatiza a função da festa como
ato de criar e cristalizar uma memória, ao mesmo tempo oficial e coletiva, em
torno dos fatos em questão.
Se as festas públicas do Antigo Regime deveriam instituir memória ao
cristalizarem determinadas representações sobre o passado, representações
essas que traziam a público uma memória selecionada, um passado que se
queria recordar, tal papel foi assumido à perfeição pela festa de ação de
graças pela Restauração da capitania de Pernambuco que procurava
comemorar e construir uma dada memória de feitos heróicos da elite
açucareira.
Mas se a festa barroca tinha a função de construir memória, também tinha
29
CARTA dos oficiais da câmara de Igarassu ao rei, d. João V, pedindo ordem para fazer
ação de graças pela Restauração da capitania de Pernambuco do poder dos holandeses,
como se faz anualmente em Olinda, no dia 27 de janeiro. AHU_ACL_CU_015, Cx. 59, D.
5054.
80 KALINA VANDERLEI SILVA
1
Doutor em História pela Universidade de Salamanca. Pesquisador do Grupo de Pesquisas
O Mundo Atlântico (PPGH-UFPE/ Diretório CNPq). Professor Adjunto do Departamento
de História e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Pernambuco. Associado efetivo do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano. Pesquisador financiado pela FACEPE. E-Mail:
<georgecabral@yahoo.com>.
2
LOBO, E. M. L. Processo administrativo ibero-americano. Rio de Janeiro: Bibliex Editora,
1962, p. 144. VIANNA, O. Instituições políticas brasileiras. Brasília: Senado Federal, 1999,
p. 133 e ss. OMEGNA, N. A cidade colonial. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1961, p.
34-35.
82 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
políticos, foi necessário também definir claramente toda uma série de questões
de escopo político, administrativo, econômico e, inclusive, religioso, uma vez
que a existência do padroado régio mesclava os temas eclesiásticos com os
demais. Observemos alguns aspectos específ icos destes conflitos,
concretamente no que tange às questões relacionadas com a formação do
patrimônio da câmara do Recife, ao longo do século XVIII.
As câmaras municipais possuíam um conjunto de despesas e receitas que
deviam gerenciar para cumprir suas obrigações legais. As municipalidades
desfrutavam de alguma autonomia fiscal, mas as fontes de renda costumavam
ser exíguas e pouco estáveis. Os recursos para custear as despesas municipais
eram arrecadados pela própria câmara, e a origem deles era local. Segundo
Hespanha, as principais fontes de financiamento das câmaras eram: 1) os
rendimentos de bens patrimoniais como edifícios alugados na sede da vila ou
em seu termo; 2) direitos cobrados pela utilização dos bens comunais como
pastos e bosques; 3) multas por descumprimento das posturas; 4) as
penalidades aplicadas pelos almotacés; 5) as penas pecuniárias aplicadas pelos
juízes; e, também, 6) os tributos municipais, como as portagens, as taxas
cobradas sobre o valor das mercadorias que entravam ou saíam da sede da
vila, e os terrádigos, um imposto cobrado sobre as transferências de terrenos
por venda. No caso de necessidade, se recorria às fintas e talhas. Essas
contribuições oficialmente eram voluntárias e se adequavam a cada um de
acordo com o nível de propriedade3. Na realidade, eram contribuições
obrigatórias para custear obras de defesa, pontes, estradas, caminhos, o
envio de procuradores à corte, festas, procissões ou para colaborar no esforço
de defesa mais amplo juntamente com outras municipalidades.
No quesito de despesas, ainda segundo Hespanha, figuravam como
principais gastos: 1) um terço da arrecadação que era repassada ao tesouro
régio; 2) o pagamento de funcionários da câmara e a profissionais de interesse
público (boticários, médicos, professores entre outros); 3) o salário dos juízes
de fora sempre que estes não recebessem diretamente do tesouro real; 4) a
assistência aos expostos, pobres e doentes; 5) gastos para as solenidades,
procissões, festas, casamentos ou funerais reais; 6) envio de procuradores;
7) gastos com correios; 8) solicitações extraordinárias do Rei (pedido do Rei);
e, finalmente, 9) os pequenos gastos cotidianos da câmara.
Na realidade colonial, este perfil nem sempre se aplicava completamente,
existindo variações consideráveis segundo as características econômicas e
demográficas locais. A falta de recursos costumava ser comum e as fintas
eram impostas à população com alguma frequência e nem sempre dentro do
espírito de equilíbrio previsto na lei. Zenha, em seu estudo sobre as
3
VIDIGAL, L. O municipalismo em Portugal no século XVIII. Lisboa: Horizonte, 1989. p. 76-77.
ZENHA, E. O município no Brasil, 1532-1700. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948,
p. 125-126. HESPANHA, A. M. História das instituições: épocas medieval e moderna.
Coimbra: Livraria Almedina, 1982, p. 240-241. Ordenações Filipinas, Livro I, tít. 66, par.
40.
PATRIMÔNIO, TERRITORIALIDADE, JURISDIÇÃO E CONFLITO NA AMÉRICA PORTUGUESA 83
4
PEREIRA DA COSTA, F. A. Anais pernambucanos. 2. ed. Recife: Fundarpe, 1983. Vol. I, p.
267; Vol. II, p. 135.
5
MELLO, E. C. de. Fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 62-67. A grande quantidade de rendas
administradas pela Câmara de Olinda despertava cobiça entre os funcionários
metropolitanos em Pernambuco. Além disso, as irregularidades eram frequentes e as
contas, no mínimo, obscuras. Daí que depois da Restauração, vários governadores e
outros funcionários terem tentado limitar as atribuições fiscais da “Câmara de
Pernambuco”, agravando as tensões entre os interesses locais e o poder central.
84 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
6
MELLO, E. C. de. Rubro veio: o imaginário da Restauração Pernambucana. 2. ed. São
Paulo: Topbooks, 1997, p. 150-151. Veja-se ainda: AHU_ACL_CU_015, Cx. 25, D. 2307, 12
set. 1713.
7
“Cada novo concelho era uma amputação a um outro território concelhio, era uma limitação
não apenas espacial, mas social da jurisdição. O que não deixava de ser recebido da pior
maneira. Onde os interesses em jogo eram relativamente insignificantes a luta podia
estender-se durante longos anos sem turbulências, enredando-se os papéis nos tribunais régios
pela chicana dos procuradores”. MAGALHÃES, J. R. Reflexões sobre a estrutura municipal
portuguesa e a sociedade colonial brasileira. Revista de história económica e social. Lisboa,
v. 16, 1985, p. 18.
8
HESPANHA, A. M. Vísperas del Leviatán. Madrid: Taurus, 1989, p. 83-84; MELLO, Fronda
dos mazombos, p. 228-229. Mello destaca que os vereadores de Olinda tentaram uma
saída jurídica baseada na salvaguarda desse tipo de privilégios jurisdicionais para
fechar a recém-instalada Câmara do Recife. Para um interessante caso de disputa
patrimonial na América Hispânica ver: PÉREZ, J. M. S. Élites, poder local y régimen colonial:
el Cabildo y los regidores de Santiago de Guatemala, 1700-1787. Cádiz: Universidad de
Cádiz, 1999, p. 274-303.
PATRIMÔNIO, TERRITORIALIDADE, JURISDIÇÃO E CONFLITO NA AMÉRICA PORTUGUESA 85
Em fins dos anos 1770 uma denúncia assinada pelos moradores do Rio de
Janeiro informava à coroa que os protegidos dos oficiais municipais enchiam
suas arcas sub-arrendando parcelas de terrenos urbanos concedidos pela
edilidade. O mecanismo era simples e lucrativo: os vereadores arrendavam
terras públicas por foros baixíssimos a pessoas próximas a quem não
interessava construir, e sim repassar as concessões aos que de fato buscavam
espaço para novas edificações. Estes últimos se viam obrigados a pagar foros
muito mais elevados aos primeiros arrendatários. Com o respaldo da
municipalidade aplicavam cobranças cada vez mais altas segundo o valor da
área se incrementava, novas construções eram feitas ou as já existentes eram
melhoradas9.
Por outro lado, além do problema das freguesias rurais anexadas à nova
vila, chegou de Lisboa a ordem de que se procedesse ao inventário dos bens
patrimoniais de Olinda, exatamente na época em que ocorriam os momentos
críticos do enfrentamento entre nobres e mascates. O trâmite era necessário
para que se comprovasse a confirmação real das doações de terrenos feitas
por Duarte Coelho à Câmara de Olinda em 1537. A câmara solicitava esta
confirmação porque os documentos originais se perderam durante a invasão
holandesa. Em 1678 a coroa confirmou uma parte das possessões de Olinda,
mas os terrenos ocupados por particulares deviam ser judicialmente
reivindicados. Daí a necessidade de proceder a catalogação, o que dava uma
excelente oportunidade para importunar a gente do Recife, pois muitos
ocupavam terrenos de Olinda sem pagar o foro devido10.
A autonomia política do Recife ficou garantida com a retomada definitiva
do funcionamento da nova municipalidade sob o governo de Félix José de
Machado em 18 de novembro de 1711. Ainda assim, o suporte financeiro da
instituição tardaria várias décadas até se consolidar. A falta de recursos
impedia o cumprimento das obrigações básicas de uma municipalidade
lusitana. Uma das ocasiões mais importantes do calendário litúrgico era a
procissão de Corpus Christi, e sua realização era uma das atribuições das
câmaras. Além do mais, era o momento ideal para as representações simbólicas
do poder no Antigo Regime. Há um longo rol de contendas entre as duas
9
BICALHO, M. F. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 190, 210-220. Também sobre os conflitos entre a Câmara
do Rio e os funcionários da coroa acerca de questões patrimoniais ver os seguintes
artigos: SANCHES, M. G. O rei visita os seus súditos...: a Ouvidoria do Sul e as correições
na Câmara do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de
Janeiro, IHGB, ano 164, n. 421, 2003, p. 130-131. IGREJAS, C. dos A. F. Centralização
joanina e realidade colonial: a ação de Luís Vaía Monteiro no Rio de Janeiro. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, IHGB, ano 164, n. 421, 2003,p.
175-177.
10
A provisão régia foi passada em 20 fev. 1709 atendendo a um requerimento da Câmara
de Olinda. A conclusão do trâmite, levado a cabo pelo ouvidor de Pernambuco, José
Inácio de Arouche, se deu em 23 set. 1710. PEREIRA DA COSTA, Anais pernambucanos,
vol. V, p. 154-157. MELLO, Fronda dos mazombos, p. 232-233.
86 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
11
Ver SOUZA, G. F. C. de. Elite y ejercicio de poder en el Brasil colonial: la Cámara Municipal de
Recife (1710-1822). Tese de doutorado. Universidade de Salamanca, 2007.
12
BOXER, C. R. A idade de ouro do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 145.
“Muitos poucos tinham entre suas fileiras a dignidade da representação e estar entre os que
desfilavam significava se diferenciar da plebe”. FURTADO, J. F. Homens de negócio: a
interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec,
1999, p. 31, 141 e 220. RAMINELLI, R. Festa. In: VAINFAS, R. (org.). Dicionário do Brasil
Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 233-234.
13
Consulta do Conselho Ultramarino a D. José I, 2 dez. 1754, AHU_ACL_CU_015, Cx. 77, D.
6450. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. José I, AHU_ACL_CU_015, Cx. 73, D.
6134. Certificado do escrivão da Câmara do Recife que atesta os ingressos desta câmara,
PATRIMÔNIO, TERRITORIALIDADE, JURISDIÇÃO E CONFLITO NA AMÉRICA PORTUGUESA 87
5 mar. 1759, AHU_ACL_CU_015, Cx. 90, D. 7250. Carta dos oficiais da Câmara do Recife
a D. José I, 28 jun. 1752, AHU_ACL_CU_015, Cx. 73, D. 6134.
14
SILVA, M. B. N. da. História da família no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1998, p. 208-209. FARIA, S. de C. Roda dos expostos. In: VAINFAS, Dicionário..., p. 512-
513. Receita e despesa da Câmara de Olinda, 1766, e Receita e despesa da Câmara do
Recife, 1766, ambos em AHU_ACL_CU_015, Cx. 104, D. 8069. Carta da Câmara do
Recife ao Rei D. João V sobre as rendas e despesas da câmara, 17 mai. 1729,
AHU_ACL_CU_015, Cx. 41, D. 3671. Carta da Câmara do Recife ao Governador de
Pernambuco, 26 mar. 1722. Registros da Câmara (LRCMR), 1733-1808, f. 109v, Instituto
Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP).
88 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
15
Carta da Câmara do Recife a D. João V, 20 mar. 1738, LRCMR, f. 177, IAHGP. Por outro
lado, “o sino da casa de câmara era um verdadeiro símbolo edilício, a par do pelourinho, que
demarcava esta espécie de ‘noblesse de cloche’ ainda que o símbolo português fosse mais
sonoro…”. VIDIGAL, O municipalismo..., p. 62. ACIOLI, V. L. C. Jurisdição e conflito. Recife:
UFPE, 1997. p. 37-38. Carta da Câmara do Recife a D. João V, 28 abr. 1721, LRCMR, f.
103v, IAHGP.
16
MELLO, Fronda dos mazombos, p. 233 e ss. 3º volume de Cartas de Pernambuco (CP),
AHU, Cód. 258, f. 184v, 21 mar. 1718. 4º volume de CP, AHU, Cód. 259, f. 192.
AHU_ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3497, 20 jul. 1729. AHU_ACL_CU_015, Cx. 41, D. 3671, 15/
9/1730. AHU_ACL_CU_015, Cx. 44, D. 4002, 20 jun. 1733. Carta da Câmara do Recife a D.
João V, 20 mar. 1738, LRCMR 1733-1808, hoja 177, IAHGP. AHU_ACL_CU_015, Cx. 73, D.
6134, 28 jun. 1752.
PATRIMÔNIO, TERRITORIALIDADE, JURISDIÇÃO E CONFLITO NA AMÉRICA PORTUGUESA 89
17
Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 29 jul. 1729, AHU_ACL_CU_015, Cx.
39, D. 3497. Carta dos of iciais da Câmara do Recife a D. João V, 20 jun. 1733,
AHU_ACL_CU_015, Cx. 44, D. 4002. O conjunto de documentos que registra os
pagamentos e as dívidas dos foros de Olinda se encontra em vários volumes, já
devidamente transcritos e catalogados disponíveis na Secretaria da Fazenda de Olinda.
Os índices permitem localizar as unidades tanto pelo nome do proprietário do imóvel,
como pelo terreno tributado.
18
Carta do governador de Pernambuco a D. João V, 15 set. 1730, AHU_ACL_CU_015, Cx.
41, D. 3671.
90 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
20
MELLO, Fronda dos mazombos, p. 243. Carta do governador de Pernambuco a D. João V,
24 jul. 1710, AHU_ACL_CU_015, Cx. 24, D. 2174. Carta dos oficiais da Câmara do Recife
a D. João V, 9 ago. 1715, AHU_ACL_CU_015, Cx. 27, D. 2458. HESPANHA, A constituição...,
p. 186.
92 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
22
Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 20 jun. 1733, AHU_ACL_CU_015, Cx.
44, D. 4006. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 19 ago. 1769,
AHU_ACL_CU_015, Cx. 107, D. 8315. O Recife se tornou a capital de Pernambuco somente
em 1827. MELO, M. Genealogia municipal de Pernambuco. Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, IAHGP, v. XXXII, n. 151-154, p.
23-25. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 20 jun. 1733, AHU_ACL_CU_015,
Cx. 44, D. 4006. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. José I, 25 mai.1757, Ordem
Régia de 21 jul. 1779 e Carta do Governador de Pernambuco a D. Maria I, 22 mar. 1780.
Todos em: AHU_ACL_CU_015, Cx. 84, D. 6977.
23
No despacho do Conselho, datado de 1º de março de 1782, na carta do Governador
citada na nota anterior, se pedia informe sobre as receitas e despesas da Câmara do
Recife, provavelmente para verificar a real necessidade de concessão do ofício,
AHU_ACL_CU_015, Cx. 84, D. 6977.
24
Carta de D. João V ao Ouvidor de Pernambuco, 25 mai. 1715, 3º volume de CP, AHU,
Cód. 258, f. 74. Salgado não define as atribuições do oficio de escrivão do alcaide, mas
podemos supor que sua principal obrigação fosse registrar as incidências policiais
chegadas ao conhecimento do alcaide a quem estava subordinado. Carta dos oficiais
da Câmara do Recife a D. João V, 29 jul. 1729, AHU_ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3497. Carta
de D. João V ao governador de Pernambuco, 13 out. 1732, Carta do governador de
Pernambuco a D. João V, 27 jun. 1734 e despacho do Conselho Ultramarino sobre
pedido da Câmara do Recife, 30 abr. 1735, todos em AHU_ACL_CU_015, Cx. 47, D. 4158.
Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 8 jul. 1747, AHU_ACL_CU_015, Cx.
66, D. 5586.
94 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
Nem sempre a solicitação era feita pelos vereadores para que se desse um
oficio. Houve um caso em que se pediu que fosse extinto o ofício de cordeador
e arruador25, e que o salário pago pela Fazenda Real ao seu ocupante fosse
destinado à câmara 26 . Em outra ocasião, a câmara tentou vincular
indevidamente os ofícios de justiça da capitania submetidos ao mando do juiz
de fora. Sabemos que a câmara recebeu a concessão real da propriedade dos
postos secundários vinculados ao juiz de fora em 1735. Quando João de Souza
Menezes Lobo, que era juiz de fora de Olinda e Recife em 1744, assumiu também
o posto de provedor dos defuntos e ausentes, os vereadores do Recife
trataram de açambarcar os ofícios de avaliador e partidor27 daquela repartição.
Isso provocou uma disputa entre o juiz de fora e a câmara. O ministro régio
alegava que os ofícios eram independentes uns dos outros e, ao mesmo
tempo, ordenou à câmara que justificasse sua pretensão de nomear para o
ofício em questão. Como não havia nenhum registro de nomeações feitas
pelo senado e como também não houve manifestação similar da Câmara de
Olinda, a disputa acabou resolvida de forma desfavorável para a
municipalidade recifense.
A concessão por parte da coroa da propriedade de um cargo não significava
em absoluto garantia de que os ingressos gerados pela função concedida
fossem regularmente arrecadados. Também não estava garantida a não
interferência de outras autoridades na nomeação. Havendo recebido a
propriedade do ofício de escrivão do alcaide e da almotaçaria, a câmara viu
suas atribuições violadas pelo governador Henrique Luis Pereira Freire. Os
vereadores se queixaram ao ouvidor, em 1749, que o governador desacatou
o privilégio real que a câmara ostentava de designar ocupante para estas
funções, e estava exigindo que os arrendatários pagassem um donativo para
receber provimento para a função. A obrigação de pagar essa taxa reduzia o
valor dos ofícios e causava prejuízo às combalidas finanças municipais
recifenses. Anos depois, os vereadores exigiam outra vez que as nomeações
feitas pela câmara para os cargos de sua propriedade não dependessem da
aprovação dos governadores.
Por outro lado, os ocupantes dos cargos arrendados pela câmara nem
sempre cumpriam suas obrigações, recusando-se a pagar o valor definido
pela avaliação dos ofícios. Em 1759 a municipalidade denunciou ao Rei que o
25
Pereira da Costa define o termo “cordear”: “determinar o alinhamento de uma rua, ou de
um prédio que se vai construir, de acordo com o traçado do respectivo arruamento; cordear,
dar cordeação, cujo serviço era feito pelo cordeador da municipalidade, depois engenheiro
cordeador”. PEREIRA DA COSTA, F. A. Vocabulário pernambucano. 2. ed. Recife: Secretaria
de Educação e Cultura do Governo de Pernambuco, 1976, p. 266.
26
Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 20 jul. 1729, AHU_ACL_CU_015, Cx.
39, D. 3501.
27
Na obra organizada por Salgado, o mais completo guia dos cargos da administração
colonial, não há referência a estes ofícios, mas podemos supor que se tratavam dos
encarregados de avaliar os bens deixados e proceder a divisão destes bens, nos casos
nos quais houvesse mais de um herdeiro.
PATRIMÔNIO, TERRITORIALIDADE, JURISDIÇÃO E CONFLITO NA AMÉRICA PORTUGUESA 95
28
Carta do governador de Pernambuco, a D. João V, 3 out. 1744, carta do Juiz de Fora de
Olinda e Recife ao governador de Pernambuco, 5 mar. 1746 e certificado do escrivão
da Câmara do Recife, 4 mar. 1746, todos em AHU_ACL_CU_015, Cx. 62, D. 5346. Carta
da Câmara de Recife ao ouvidor geral de Pernambuco, 20 abr. 1749, AHU_ACL_CU_015,
Cx. 69, D. 5816. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. José I, 16 mai. 1756,
AHU_ACL_CU_015, Cx. 81, D. 6738. Carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. José I,
21 mar. 1759, AHU_ACL_CU_015, Cx. 90, D. 7248.
29
Certificado do escrivão da Câmara do Recife, 3 out. 1744, carta de D. João V ao governador
de Pernambuco, 28 jan. 1744 e carta dos oficiais da Câmara do Recife a D. João V, 3 out.
1744, todos em: AHU_ACL_CU_015, Cx. 61, D. 5189. Ata de sessão, 21 set. 1788, Livro de
Atas da Câmara do Recife, n. 4, f. 46, IAHGP. PEREIRA DA COSTA, Anais pernambucanos,
vol. VI, p. 138.
30
Carta da Câmara do Recife ao governador de Pernambuco, 18/6/1800, LRCMR 1733-
1808, f. 94, IAHGP.
96 GEORGE F. CABRAL DE SOUZA
12
MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de maioria a minoria (1750-1850).
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 47.
13
MOREIRA NETO, Índios da Amazônia..., p. 56.
14
ALMEIDA, Metamorfoses indígenas, p. 155. Sobre o papel das lideranças, ver também:
DOMINGUES, Quando os índios..., p. 169. Para ela os Principais eram identificados pelos
colonizadores entre os indivíduos “com prestígio social ou com atitudes de comando”
que detinham “poder político e social persuasivo e pouco coercitivo”, e tornaram-se os
“interlocutores por excelência no processo de negociação nos descimentos e aldeamentos”.
CAPITÃES MORES DAS ORDENANÇAS DE ÍNDIOS 101
20
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), Livro de Cartas e
Provisões da Câmara de São José de Mipibu, fl. 139, Carta do Ouvidor Geral e Corregedor
da Comarca à Câmara da Vila de São José, 7 out. 1779.
21
Idem, fl. 163v., Carta do Gov. de Pernambuco à Câmara de São José de Mipibu, 4 mar.
1784.
22
Idem, fl. 177-177v., Carta Patente do Capitão-mor do Índio Juvenal Batista Pereira, 12
dez. 1789.
23
Ibidem.
CAPITÃES MORES DAS ORDENANÇAS DE ÍNDIOS 103
24
IHGRN, Livro de Registro da Antiga Vila Flor, fl. 150-150v., Carta Patente do Governador
de Pernambuco ao posto de Capitão-mor das Ordenanças dos Índios de Vila Flor, 4
fev. 1777.
25
Ibidem.
26
BNRJ – I-12,3,35, fl. 84-84v., Carta do Gov. de Pernambuco ao Diretor da Vila de Arez, 24
ago. 1761.
104 FÁTIMA MARTINS LOPES
31
Ibidem. (grifo nosso).
32
Conhecença é a oferta pecuniária dada a um cura, em lugar de rendimentos regidos por
dízimos.
33
BNRJ – I-12,3,35, p. 42-42v., Carta do Gov. de Pernambuco ao Vigário de Estremoz, 25
mai. 1761.
106 FÁTIMA MARTINS LOPES
34
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Gov. do Estado de Pernambuco,
1987, p. 133.
35
BNRJ – I-12,3,35, p. 42-42v., Carta do Gov. de Pernambuco ao Vigário de Estremoz, 25
mai. 1761.
36
Ibidem. (Grifo nosso).
CAPITÃES MORES DAS ORDENANÇAS DE ÍNDIOS 107
37
BNRJ – I-12,3,35, fl. 43-44, Carta do Governador de Pernambuco ao Diretor de Estremoz,
25 mai. 1761. (Grifo nosso).
38
Ibidem.
39
BNRJ – I-12,3,35, fl. 161v.-162v., Carta do Governador de Pernambuco ao Diretor de
Estremoz, 22 dez. 1761.
40
Idem, fl. 43-44, Carta do Governador de Pernambuco ao Diretor de Estremoz, 25 mai.
1761.
108 FÁTIMA MARTINS LOPES
44
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Cód. 1822, fl. 34 v.-35, Carta do Capitão-mor dos
Índios da Missão de Guajiru ao Governador de Pernambuco, 3 jul. 1759.
45
Idem, fl. 38-42, Carta do Diretor de Estremoz ao Governador de Pernambuco, 2 jul. 1759.
46
SAMPAIO, Espelhos partidos, p. 195.
110 FÁTIMA MARTINS LOPES
mesmo da criação das primeiras Vilas entre 1759 e 1762, devia-se premiar alguns
índios escolhidos com mais terras que outros, principalmente porque
acreditava que, além da diferenciação social, isso os levaria ao desenvolvimento
econômico da povoação e ao aumento consequente dos dízimos a serem
recolhidos. Assim, determinara ao responsável pelo estabelecimento das novas
vilas que “... além das [terras] que tivessem bem fabricadas e povoadas lhes
desse as que lhes tocam pelo Diretório, querendo-as e sendo-lhes precisas”47.
Como justificativa as suas decisões de dar a alguns índios de sua jurisdição
mais terras do que estava previsto no Diretório dos Índios, o Governador
alegava que incentivava a “boa disposição” dos Principais em acatar as novas
leis:
Da nova forma que se lhes dá, se mostram contentes e protestam
em todo o tempo ser pela sua Fidelidade agradecidos, sujeitando-
se a esquecerem-se da língua em que até agora os entretinha e
aplicarem-se com cuidado à Portuguesa e a toda instrução
necessária a civilizarem-se e serem bons cultores para por estes
meios se poderem habilitar a igualdade que aspiram lograr com os
mais vassalos que temos a honra de o ser de S. Mag. F. em que lhes
segurei que para o conseguirem se careciam de se fazerem dignos
pela regularidade de seu bom procedimento.48
Porém, nesta passagem, muito mais do que incentivar a “boa disposição”
dos Principais, se percebe que o Governador os ameaçava com seu poder.
Assim, da mesma maneira que os índios Principais poderiam contar com o seu
apreço, enquanto se f izessem “dignos pela regularidade de seu bom
procedimento”, também poderiam contar com a sua oposição quando assim
não agissem, como se viu nos episódios relatados anteriormente sobre a
substituição nos cargos oficiais.
Constata-se, portanto, que sob os acordos, negociações e privilégios dos
Principais existiam as ameaças e o controle da colonização. O que demonstra
que o “governo” que esses Principais tinham sobre seus pares era parcial,
posto que controlado pelas ameaças das autoridades. A aceitação das novas
leis, ou, pelo menos, a disposição em aceitarem-nas, era forjada pela força de
coerção.
Apesar de tudo, conforme Maria Regina Almeida, estas diferenças
econômicas e sociais permitiam aos Oficiais das Ordenanças uma acumulação,
ainda que em pequena escala, identificada pela posse de gado, terras próprias
e por rendimentos anuais superiores aos demais índios49.
No Rio Grande do Norte, viu-se através de algumas listagens de índios
pagadores de dízimos que, efetivamente, os Capitães Mores das Ordenanças
47
BNRJ – II-33, 6, 10, doc. 2, fl. 7-12. Carta do Governador de Pernambuco ao Secretário de
Estado, 13 jun. 1759.
48
Ibidem (Grifo nosso).
49
ALMEIDA, Metamorfoses indígenas, p. 160.
CAPITÃES MORES DAS ORDENANÇAS DE ÍNDIOS 111
de Índios e seus oficiais tinham uma renda que ficava pouco acima da média
dos demais moradores. Na maioria dos casos, eles não apareceram como os
maiores pagadores de dízimos, mas também não ficaram entre os menores.
De qualquer forma, a sua identificação nominal na lista já é uma boa indicação
de que tinham uma posição social diferenciada nas comunidades, visto que
nenhuma outra forma de distinção, prof issional ou hierárquica, foi
encontrada.
As listagens de índios pagadores de dízimos identificadas foram de três
Vilas do Rio Grande: Estremoz, Vila Flor e São José. Foram as únicas encontradas
e apenas para os anos identificados, mas possibilitam uma mostra da realidade
que se percebe comum nas três Vilas. Observa-se que, na análise das listas de
índios pagadores de dízimos, alguns nomes dos pagadores não se repetem
em todos os anos. Talvez porque não tenham produzido o suficiente para ser
avaliado para a cobrança. Talvez se deva à forma de se recolher a informação,
muitas vezes anotada nos Cadernos dos Diretores e só muito mais tarde
passada à Provedoria.
Na série de cinco anos dos índios pagadores da Vila de Estremoz, a média
dos valores pagos pelos Oficiais das Ordenanças foi de 392 réis e ficou pouco
acima do que foi pago pela maioria dos índios listados: em 1783, 69,3% dos
homens listados pagaram menos que $320 de dízimo; em 1784, foram 87,5%;
em 1785, 50%; em 1786, 70%; e em 1787, 66,6% pagaram menos que trezentos
e vinte réis de dízimo50.
Ressalta-se que as funções militares das Ordenanças não eram
remuneradas e que os dízimos eram calculados apenas sobre o que era
produzido na terra ou obtido nos trabalhos prestados a colonos ou obtido
com o trabalho de outros índios, não havendo, portanto, ligação direta entre
o valor do dízimo e a hierarquia dos postos da Ordenança. Por isso, encontrou-
se um Sargento ou um Tenente pagando dízimo maior que um Capitão Mor.
Sobre os índios pagadores de dízimo de Vila Flor, podem ser feitas as
mesmas observações: inexistência de relação entre os valores pagos e a
hierarquia militar e pagamento de dízimos pelos Oficiais das Ordenanças acima
da média do restante da população indígena. A maioria da população (58,9%)
pagou valores abaixo de 120 réis, mas os Oficiais das Ordenanças identificados
pagaram valores médios de 211 réis. O que indica que também tinham uma
renda superior ao da maioria da população, mesmo que em pequena escala51.
Para a Vila de São José só foi encontrada a listagem de índios pagadores
de dízimos do ano de 1787, que, apesar da pequena mostra, também indica
situações semelhantes às já vistas nas outras Vilas: os Oficiais pagaram valores
superiores aos 160 réis pagos pela maioria dos demais índios listados.
50
IHGRN, Cx. Dízimos Reais (1773-1826), Dízimos dos Índios da Vila de Estremoz (1783 a
1787).
51
Idem, Dízimos cobrados dos Índios de Vila Flor (1783 a 1794).
112 FÁTIMA MARTINS LOPES
52
Idem, Dízimos dos Índios da Vila de Estremoz (1783 a 1787).
53
Idem, Dízimos cobrados dos Índios de Vila Flor (1783 a 1794): em Vila Flor, um único
índio, Manuel de Sepúlveda, foi o detentor do título de maior pagador: em 1789,
pagou $480; em 1790, $320; em 1791, $640; em 1792, $480 e em 1794, pagou $620; Idem,
Dízimos dos Índios da Vila de São José (1787): na Vila de São José, em 1787, o maior
valor pago foi $640.
54
KOSTER, Viagens ao Nordeste..., p. 35.
55
BNRJ – I-12,3,35, fl. 83-84, Carta do Governador de Pernambuco ao Diretor da Vila de
Arez, 22 ago. 1761.
CAPITÃES MORES DAS ORDENANÇAS DE ÍNDIOS 113
o gado sem pastor e sem recolhê-los aos currais à noite56. Ou ainda, quando
pleiteou que seu filho não fosse alistado para o serviço nas Ordenanças, nem
prestasse serviço a terceiros fora da Vila57.
Os pedidos quanto ao gado foram negados pelo Governador que ordenou
ao Diretor Domingos Jacques da Costa que o criador fosse preso por dez dias
na Cadeia da Vila, por ter se ausentado da Vila sem licença, “... para que tenha
o castigo da liberdade e insolência com que se houve.” Quanto aos pedidos
para o filho, o Governador resolveu que o jovem, “visto ter qualidade de
índio,” deveria ser alistado nas Ordenanças e “... regular-lhe o serviço pela
escala com aos demais soldados...”58.
As respostas negativas aos seus pedidos não impede que se perceba que
o criador tinha uma situação econômica diferenciada dos outros índios para
poder sustentar o filho sem que fosse necessário que ele trabalhasse, como
era ordenado no Diretório. Além disso, o que é ainda mais interessante é que
ele desejava se beneficiar de privilégios diferenciadores e que acreditava que
poderia pleiteá-los livremente.
Este episódio, somado à constatação da existência de índios pagadores
de dízimos bem mais elevados que a maioria, demonstra que a política colonial
de diferenciação social e econômica acabou por tocar outros elementos da
comunidade e não apenas o Oficialato das Ordenanças, sem prejuízo deste
ter sido o alvo favorito do Diretório.
Apesar de os Oficiais das Ordenanças, principalmente os Capitães Mores,
não serem os únicos a se integrarem a essa política diferenciadora, eram,
porém, aqueles que tinham o direito de fazer requerimentos e por isso mesmo,
em muitos casos, continuavam a ser os interlocutores entre as comunidades
e as autoridades coloniais. Interlocutores que, como se viu, muitas vezes
utilizaram seus direitos de pleito para benef iciarem-se econômica e
socialmente. Conclui-se, portanto, que ao se apropriarem dos valores
europeus em benefício próprio, constituíram-se em novos interlocutores entre
o mundo colonial e o indígena, podendo ter contribuído para muitas das
redefinições culturais desses últimos frente à colonização.
56
Idem, fl. 27-27v., Carta do Governador de Pernambuco aos Oficiais da Câmara da Vila
de Arez, 15 abr. 1761.
57
Idem, fl. 28-29, Carta do Governador de Pernambuco ao Diretor da Vila de Arez, 16 abr.
1761.
58
Ibidem.
115
2
Carta do Governador da Paraíba Manoel Soares de Albergaria ao Rei de Portugal D.
Pedro II, de 14 mai. 1699. AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226.
3
AHU_ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919, p. 298-304.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 117
prêmio pela conquista e pazes com os índios, como é o caso da doação feita
em 1708, ao sargento mor Antônio José da Cunha, que solicita doação de
terras próximas a um riacho descoberto por ele chamado do Peixe, habitado
pela nação Icó-Pequeno, com os quais dizia, o suplicante, ter estabelecido
paz9. Mas, o mais interessante são as doações de terras feitas aos Cariri, Pega
e Xucuru na primeira metade do século XVIII. Em 1714, Os Cariri, através do
seu governador D. Pedro Valcacer, situados na missão de N.S. do Pilar do
Taipu, solicitam terras no lugar chamado Bultrins, em remuneração dos seus
serviços como leais vassalos no que são atendidos10. Em 1718 é a vez dos
Xucuru:
Os Índios Sucurus, representados por seo capitão-mor Sebastião
da Silva, dizem que por ordem do meu antecessor vieram com sua
aldeia para esta capitania a defender e reparar os assaltos que
davão os Tapuias barbaros levantados, em que faziam grande
estrago e se situaram na serra Boa Vista, no olho d’agua, aonde
estavão assistindo de baixo de missão; e como para sua assistencia
era mais conveniente para defensão desta capitania a dita paragem,
por estar nas cabeceiras do districto della, como era entre o
Curimataú e Araçagy, por onde estavão os Tapuias levantados a
fazer o maior damno nesta capitania – requerião uma legoa de
terra em quadro fazendo peão no Olho d’agua do meio –(...)para
que podesse elle supplicante com sua aldeia viver e plantar suas
lavouras para se sustentarem.Fez-se a concessão com a clausula de
não poder ser alheiada a terra e ficar devoluta no caso de mudança
da aldeia, uma legoa em quadro aos 4 de Agôsto de 1718.11
Finalmente, em 1738, os Pega, através do seu capitão mor, Francisco de
Oliveira Ledo, solicitam doação de terras no sertão das Piranhas, para que
nelas possam situar sua aldeia, no que são atendidos12.
Essas doações de terras mostram que alguns povos indígenas
aproveitaram as brechas oferecidas pela Coroa portuguesa e conquistaram
um espaço dentro da nova ordem estabelecida, mesmo que de forma
subalterna; estratégia que garantiu um pouco mais a sua sobrevivência étnica.
O que se observa paralelamente a essas doações são os constantes conflitos
com os índios pela posse da terra. Esses conflitos podem ser exemplificados
pelo ocorrido com os Corema, entre 1733 e 1736. Por uma sentença conseguida
pelos moradores do Piancó, os Corema foram transferidos para o lugar Riacho
do Aguiar, tendo voltado para o seu local de origem, o que gerou insatisfação
entre os moradores. Baseado no ocorrido o rei solicita ao governador da
Paraíba um parecer sobre o assunto13.
9
Cf. JOFFILLY, Synopsis..., p. 40; e TAVARES, Apontamentos..., p. 70.
10
Cf. JOFFILLY, Synopsis..., p. 60 e TAVARES, Apontamentos..., p. 87.
11
Cf. JOFFILLY, Synopsis..., p. 74.
12
Cf. JOFFILLY, Synopsis..., p. 127-128.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 119
13
Carta do rei ao capitão-mor da Paraíba. 14 fev. 1733. LIVRO DE REGISTO de cartas régias,
provisões e outras ordens para Pernambuco, do Conselho Ultramarino. 1731-1744.
AHU_ACL_CU_CARTAS DE PERNAMBUCO, Cód. 260, f. 109.
14
Carta do capitão-mor da Paraíba Pedro Monteiro de Macedo ao Rei de Portugal D. João
V. 22 abr. 1736. AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 798.
120 RICARDO PINTO DE MEDEIROS
15
Certidão do ouvidor-geral da Paraíba, José Ferreira Gil. 25 jan. 1752. AHU_ACL_CU_014,
Cx. 16, D. 1321.
16
Carta de Vicente Ferreira Coelho ao Rei de Portugal D. José I. 5 mai. 1755.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 18, D. 1435.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 121
Caboclos de Língua
Paraíba Utinga Beneditino
Geral
Caboclos de Língua
Mamanguape Baía da Traição Carmelita da Reforma
Geral
Caboclos de Língua
Mamanguape Preguiça Carmelita da Reforma
Geral
Religioso de Sta.
Mamanguape Boa Vista Canindé e Xucuru
Teresa
Religioso de Sta.
Piancó Pan at i Tapuia
Teresa
21
AHU_ACL_CU_CARTAS DE PERNAMBUCO, Cód. 911, f. 125-126v.
22
AHU PE – documentos avulsos (d a). 10 dez. 1739.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 123
23
A mesma relação encontra-se com pequenas alterações na “Informação geral da Capitania
de Pernambuco em 1749”, publicada nos Anais da Biblioteca Nacional. Descrição de
Pernambuco com parte de sua história e legislação até o governo de D. Marcos
Noronha, em 1746: e mais alguns documentos até 1758. Revista do Instituto Arqueológico
Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, n. 11, 1904, p. 168-180; e Anais da Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro, v. 28, 1906, p. 117-496.
24
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. 2. ed. João Pessoa: Editora Universitária/
UFPB, 1978, Vol. II, p.120.
25
Cf. ALMEIDA, História da Paraíba, Vol.II, p.70.
26
Cf. MARIZ, Celso. Apanhados históricos da Paraíba. 2. ed. João Pessoa: Editora Universitária/
UFPB, 1980, p. 42.
124 RICARDO PINTO DE MEDEIROS
27
OLIVEIRA, Elza Régis de.Capitania da Paraíba. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.).
Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994, p. 614.
28
Ano de 1761 – Relação das aldeias a que vai o dr. ouvidor geral da comarca das Alagoas,
Manuel de Gouveia Álvares, por ordem de S. Magestade Fidelíssima, dar nova forma
de vilas, e lugares, reduzindo-as ao número competente, e estabelecendo-lhe o regime,
e polícia que as leis, e bulas pontificiais transcrevem, e reconheceu a inata piedade do
mesmo senhor, ser indispensável para se acabarem de cristianizar os seus habitantes,
e florescerem como se procura, com o meio mais apto a brindar os índios silvestres
que residiam no mato, despidos das luzes do Evangelho, a unirem-se as mesmas, e
cessarem as irregularidades com que até agora eram dirigidas, de que se seguia o
horror com que as desamparavam e se perpetuavam no paganismo e Relação das
aldeias a que vai o Dr. Juiz de Fora Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo Branco, por
ordem de S. Magestade F idelíssima, dar nova forma de vilas, e lugares, (...) ,
ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919, f. 322-337.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 125
29
IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) códice 1.1.14 – Correspondência do
Governador de Pernambuco – 1753-1770.Cartas do governador de Pernambuco a
Francisco Xavier Mendonça Furtado. 15 jul. 1761, f. 277v-284v, e 9 ago. 1761, f. 284v-
285v.
30
Termo sobre o que há de seguir o dr. Juiz de Fora Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo
Branco a respeito dos novos estabelecimentos e o mais que neles se contém. Recife,
24 ago. 1761. BN - I - 12,3,35, f 87-88.
126 RICARDO PINTO DE MEDEIROS
31
Termo sobre o que há de seguir o dr. Juiz de Fora Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo
Branco a respeito dos novos estabelecimentos e o mais que neles se contém. Recife,
24 ago. 1761; Petição dos moradores da serra dos Martins para que se não mude para
ela a missão do Apodi e despacho nela proferido. 27 set. 1761. BN - I - 12,3,35, f 87-88
e 102-103; e LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio
Grande do Norte sob o diretório pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em
História). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2005, p.141-144.
32
Processo dos autos de devassa sobre as vilas de índios. [post. 10 fev. 1763]
AHU_ACL_CU_015, Cx. 99, D. 7735.
33
LOPES, Em nome..., p. 159.
34
Livro Composto, principalmente de cartas, portarias e Mapas versando sobre vários
assuntos, relacionados com a administração de Pernambuco e das capitanias anexas.
Recife, 1760-1762. Biblioteca Nacional – Códice: I – 12,3,35.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 127
37
Carta de Jerônimo Mendes da Paz para o capitão mor do Piancó Francisco de Oliveira
Ledo. Ararobá, 19 fev. 1760, ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919, f. 100-100v.
38
Carta de Jerônimo Mendes da Paz para Frutuoso Barbosa da Cunha Capitão Mor dos
índios da nação Icozinho. Alojamento das Flores da Ribeira do Pajaú, 2 jul. 1760,
ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919, f. 115.
39
Cópia da ordem passada por Jerônimo Mendes da Paz a Pedro Soares de Mendonça
sargento Mor dos indios da nação Icozinho da Aldeia de Santa Luzia. Alojamento das
Flores. 4 jul. 1760. ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919, f. 116.
40
Cópia da ordem passada a Cosme Dias da Silva e Joam Roiz da Cunha capitães dos
índios Panatis. 7 jul. 1760. AHU_ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Cód. 1919.
CONTATOS, CONFLITOS E REDUÇÃO 129
41
Carta do Sargento-mor Jerônimo Mendes da Paz ao governador e capitão geral de
Pernambuco. Alojamento das Flores Ribeira do Pajaú. 6 jul. 1760. ACL_CU_LIVROS DE
PERNAMBUCO, Cód. 1919, f.89-92v.
131
4
Não conhecemos um estudo sobre o abastecimento interno da capitania até a primeira
metade do século XVIII. Dessa data em diante temos a pesquisa de Thiago Alves Dias,
que contradiz o cronista, pois existe farta documentação que mostra a precariedade
do abastecimento da cidade de Natal. Consultar: DIAS, Thiago Alves. Carne, farinha e
aguardente: o Senado da Câmara de Natal e o abastecimento alimentício interno (1750-
1808). Monografia (Bacharelado em História). Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Natal, 2007.
5
PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. São Paulo: W. M. Jackson
Editores, 1958, p. 75-76.
6
O que era Natal em 1746 (Do relatório de Frei Luís de Santa Teresa à Santa Sé, em 1746).
In: MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra natalense. Natal: Fundação José Augusto, 1991, p.
101.
7
Relação de toda a extensão desta Capitania do Rio Grande (1756). In: MEDEIROS FILHO,
Terra natalense, p. 111.
CELEBRANDO A MONARQUIA NOS EXTREMOS DA AMÉRICA PORTUGUESA 133
8
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora
Massangana, 2002, p. 158-159.
9
Mapa da população da Capitania do Rio Grande do Norte. AHU_ACL_CU_18, CX 9, D.
623.
10
Sobre a questão da “vizinhança” em Portugal e em suas colônias, consultar: HESPANHA,
António Manuel. Porque é que foi “portuguesa” a expansão portuguesa? ou o
revisionismo nos trópicos. Lisboa: s.r., s.d., p. 13. Disponível em: <http://www.
hespanha.net/papers/2005_porque-foi-portuguesa-a-expansao-portuguesa.pdf>.
Acesso em: 8 mar. 2008.
11
LOPES, Índios..., p. 62.
12
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à história do Rio Grande do Norte. 3. ed. Natal:
EDUFRN, 2007, p. 63-64.
134 PAULO CÉSAR POSSAMAI
21
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 102.
22
PIMENTEL, António Filipe. Arquitectura e poder: o real edifício de Mafra. Coimbra: Instituto
de História da Arte, Universidade de Coimbra, 1992, p. 76.
23
Para Cortesão: “O barroco foi em Portugal, mais do que em nenhures, um estilo de império.
Para exprimir, quer a onipotência dum regime – o absolutismo – e duma classe – a nobreza,
quer a majestade do divino, o artista, na lógica do barroco, funde todos os elementos do fausto
imperial. (...) E é no Brasil, que o barroco, de origem e importação portuguesa, se tornou por
definição o estilo dum Estado colonizador e absolutista e, por consequência, o mais apropriado
para exprimir em arte, por todos os ilusionismos duma força e grandeza sem limites, o domínio
da Coroa sobre os seus vassalos”. CORTESÃO, Jaime. O tratado de Madrid. Brasília: Senado
Federal, 2001, tomo 1, p. 85-86.
24
PEREIRA, Ana Cristina Duarte. Princesas e Infantas de Portugal (1640-1736). Lisboa: Colibri,
2008, p. 31.
CELEBRANDO A MONARQUIA NOS EXTREMOS DA AMÉRICA PORTUGUESA 137
25
SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. A vila em ricas festas: celebrações promovidas
pela Câmara de Vila Rica, 1711-1744. Belo Horizonte: FACE-FUMEC, 2003, p. 41.
26
LOPEZ, Emilio Carlos Rodrigues. Festas públicas, memória e representação: um estudo
sobre manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo:
Humanitas;FFLCH-USP, 2004, p. 30.
27
LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América
portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 53.
28
BEBIANO, Rui. D. João V, poder e espectáculo. Aveiro: Estante, 1987, p. 109-118.
138 PAULO CÉSAR POSSAMAI
Sodré era favorável a que Navarro recebesse uma arroba e meia de cera, pois
“além das referidas despesas, serviu a Vossa Majestade com bom procedimento
neste lugar”41. O parecer do governador de Pernambuco foi aprovado pelo
Conselho Ultramarino que, em 1732, manifestou-se favoravelmente à entrega
uma arroba e meia de cera a Domingos de Morais Navarro.
O problema do financiamento da iluminação pública durante os festejos
era antigo. Já em julho de 1713 a Câmara de Natal pedia ao rei os mesmos
subsídios que a Câmara da Paraíba recebia da Coroa para a realização de
festas religiosas42. Embora a Coroa tenha formalmente regulamentado a
hierarquia entre as diferentes autoridades coloniais, na prática, ela encorajava
a autonomia das capitanias com o objetivo de “dissipar o aparecimento de
uma mentalidade colonial separada, ou de uma estrutura colonial interna que
pudesse desenvolver-se independentemente do controle metropolitano”43. A
desigualdade de tratamento que a Coroa dava às diferentes capitanias era
norma durante o Antigo Regime, quando as relações entre os monarcas e as
cidades ou províncias eram regidas de acordo com as circunstâncias, que
ditavam as mercês concedidas pelos reis, mas, como vimos acima, nem por
isso os pedidos de equiparação entre as diferentes circunscrições
administrativas deixavam de ser feitos.
A falta de recursos para as celebrações oficiais era constante e talvez os
membros do Senado da Câmara de Natal estivessem satisfeitos em responder
que não havia dinheiro para as cerimônias que deveriam ser realizadas por
ocasião da morte de D. José I44. O protesto contra a falta de verbas era dirigido
contra a própria instituição monárquica, pois os funerais da família real tinham
um importante caráter de celebração litúrgica 45. Situação semelhante
aconteceu em 1786, quando o Senado da Câmara escreveu ao ouvidor geral
e ao corregedor que, devido à falta de verbas, não se realizaram as celebrações
ordenadas pelo corregedor em honra aos casamentos dos príncipes. Não
houve o Te Deum cantado na matriz e a única homenagem prestada foi a
iluminação da casa da Câmara46.
Possuímos ainda alguns registros de festas religiosas que foram realizadas
em Natal de acordo com ordens vindas de Lisboa. Em primeiro de maio de
40
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei. 18 mai. 1729. AHU_ACL_CU_018, Cx. 2, D.
140.
41
Carta de Duarte Sodré Pereira Tibão ao rei. 13 mar. 1732. AHU_ACL_CU_015, Cx. 42, D.
3801.
42
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei. 17 jul. 1713. AHU_ACL_CU_018, Cx. 1, D. 69.
43
SCHWARTZ, Stuart. O Brasil no sistema colonial. In: BETHENCOURT, Francisco &
CHAUDHURI, Kirti (orgs.). História da expansão portuguesa - vol. III: O Brasil na Balança
do Império, 1697-1808. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, p. 148.
44
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN). Senado da Câmara de
Natal, Livro de Termos de Vereação, Cx. 1, f. 226v-227, 18 jun. 1777.
45
MARTINS, Maria Cristina Bohn. Sobre festas e celebrações: as reduções do Paraguai
(séculos XVII e XVIII). Passo Fundo: UPF Editora, 2006, p. 46.
CELEBRANDO A MONARQUIA NOS EXTREMOS DA AMÉRICA PORTUGUESA 141
46
IHGRN. Senado da Câmara de Natal, Livro de Termos de Vereação. Cx. 2, liv. 1784-1803,
f. 23.
47
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei. 1 mai. 1757. AHU_ACL_CU_018, Cx. 7, D.
403. Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei. 1 mai. 1757. AHU_ACL_CU_018, Cx. 7,
D. 404.
48
Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei. 6 fev. 1759. AHU_ACL_CU_018, Cx. 7, D.
414.
49
SANTIAGO, A vila..., p. 117.
50
IHGRN. Senado da Câmara de Natal, Livro de Termos de Vereação. Cx. 1, liv. 1709-1721,
f. 59v.
51
IHGRN, Senado da Câmara de Natal, Livro de Termos de Vereação. Cx. 2, liv. 1793-1802,
f. 10-10v.
142 PAULO CÉSAR POSSAMAI
52
SANTIAGO, A vila..., p. 93
53
CHARTIER, Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004, p. 31.
54
SANTIAGO, A vila..., p. 71.
55
SCHWARTZ, Stuart. Cerimonies of public authority in a colonial capital. Anais de história
de além-mar. Lisboa, 2004, v. 5, p. 11.
56
Carta de José Inácio Borges ao rei. 14 out. 1821. AHU_ACL_CU_018, Cx. 10, D. 655.
CELEBRANDO A MONARQUIA NOS EXTREMOS DA AMÉRICA PORTUGUESA 143
57
Consulta do Conselho Ultramarino. 3 jul. 1734. IHGB, Arq. 1.1.26.
58
Consulta do Conselho Ultramarino. 19 abr. 1730. IHGB, Arq. 1.1.26, f. 67-71v.
59
ALMEIDA, Manuel Lopes de (org.). Notícias históricas de Portugal e Brasil (1715-1750).
Coimbra: Coimbra Editora, 1961, p. 165.
60
MEGIANI, Ana Paula Torres. O rei ausente: festa e cultura política nas visitas dos Filipes
a Portugal (1581 a 1619). São Paulo: Alameda, 2004, p. 189.
61
MARTINS, Sobre festas..., p. 53.
144 PAULO CÉSAR POSSAMAI
64
RELAÇÃO das festas que fez Luiz Garcia de Bivar. Lisboa: Oficina de Pedro Ferreira, 1753.
65
MARAVALL, A cultura do barroco, p. 382.
146 PAULO CÉSAR POSSAMAI
66
GOLIN, Tau. A guerra guaranítica. Porto Alegre: UFRGS; Passo Fundo: Ediupf, 1998, p.
255-261.
CELEBRANDO A MONARQUIA NOS EXTREMOS DA AMÉRICA PORTUGUESA 147
1
Este trabalho foi apresentado, numa versão reduzida e preliminar, sob o título “O forro
da Casa de Orações dos Terceiros no Convento de Santo Antônio da Paraíba: algumas
questões sobre suas imagens e a vida de São Francisco de Assis”, no Simpósio Temático
“Imagens de Arte: fronteiras disciplinares entre história da imagem e história da arte”,
durante o XXIV Simpósio Nacional de História da ANPUH - “História e
Multidisciplinaridade: Territórios e Deslocamentos”, realizado na UNISINOS, em São
Leopoldo (RS), entre 15 e 20 de julho de 2007.
2
Historiadora, Doutora em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. Professora
Adjunta do Departamento de História e Docente Permanente do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do projeto
de cooperação acadêmica “Patrimônios - Conexões Históricas” (PROCAD-NF Capes no
2338/2008 - PPGH-UFPB/ PPGHis-UFMG). Líder do Grupo de Pesquisas Estado e Sociedade
no Nordeste Colonial (NDIHR-UFPB/ Diretório CNPq) e pesquisadora dos Grupos de
Pesquisa Saberes Históricos: Ensino de História, Historiografia, História da Educação e
Patrimônios (PPGH-UFPB/ Diretório CNPq) e Perspectiva Pictorum (PPGHis-UFMG/ Diretório
CNPq). No segundo semestre de 2009 desenvolveu Estágio Pós-Doutoral junto ao
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, com
a pesquisa “O Barroco no Brasil: (des) conexões entre Minas Gerais e o litoral do
Nordeste”, sob supervisão da Profa Dra. Adalgisa Arantes Campos, com bolsa financiada
pela Capes. E-Mail: <cms-oliveira@uol.com.br>. Sítio eletrônico: <http://cms-
oliveira.sites.uol.com.br/>.
3
Expressão francesa utilizada para designar uma pintura que contenha artifícios de
perspectiva, cores e formas a fim de criar uma ilusão de realidade para o observador,
como se o espaço da pintura fosse uma continuação do ambiente que a abriga.
Literalmente, a expressão pode ser traduzida como “engana o olho”.
150 CARLA MARY S. OLIVEIRA
Fig. 4 - Joaquim Gonçalves da Rocha, Santo Elias subindo aos céus observado por São
Eliseu, 1812-1813. Madeira policromada; detalhe do forro, medalhão central; nave
principal da Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo,
Sabará, Minas Gerais8.
Rio de Janeiro: Bloch, 1988. NÓBREGA, Humberto Carneiro da Cunha. Arte colonial da
Paraíba. João Pessoa: UFPB, 1974.
8
Fonte da ilustração: FALCÃO, Edgard de Cerqueira. Relíquias da Terra do Ouro. São Paulo:
F. Lanzara, 1946.
ALEGORIA E STATUS NA PARAÍBA COLONIAL 153
Fig. 5 - Giotto da Bondone, Legenda de São Francisco, Oitava Cena: Visão do Carro de Fogo,
1297-1299. Afresco em painel de parede lateral; 270 X 230 cm;
nave central da Basílica Superior de São Francisco, Assis, Itália9.
9
Fonte da ilustração: <http://www.sanfrancescoassisi.org/>.
10
Forma carinhosa pela qual contemporâneos de São Francisco o chamavam e que, entre
seus devotos, se perpetuou até nossos dias. Literalmente, pode ser traduzida como
“pobrezinho de Assis”.
154 CARLA MARY S. OLIVEIRA
de julho de 1228: “como a estrela da manhã entre as nuvens,/ como a lua em seu
completo esplendor,/ como o sol brilhando no Templo do Altíssimo” 11.
A cena do carro de fogo, por sua vez, foi detalhadamente narrada em
várias das biografias do santo escritas por membros da Ordem àquela época.
Tomás de Celano, frade que conviveu com Francisco, provavelmente foi
incumbido pelo próprio Gregório IX de escrever uma “vida” do religioso recém
canonizado, trabalho que deve ter concluído entre 1229 e 1230. Conhecido
como Primeira Vida de São Francisco, o texto descreve brevemente em seu
capítulo XVIII a aparição do santo, num carro de fogo, a alguns frades menores
em oração, e talvez este seja o primeiro relato escrito daquela cena fantástica:
Lá pela meia-noite, quando alguns frades descansavam e outros
rezavam em silêncio com devoção, entrou pela pequena porta um
rutilante carro de fogo, deu duas ou três voltas para cá e para lá na
casa, tendo sobre ele um globo enorme, que era parecido com o sol
e iluminou a noite. Os que estavam acordados se espantaram e os
que estavam dormindo se assustaram, pois sentiram uma claridade
não só corporal mas também interior.12
Outra das muitas descrições desta aparição está também na Vida de São
Francisco13 de Juliani di Spira14, que foi escrita por volta de 1232 para uso na
França, onde o frade alemão desenvolvia trabalho missionário. Entretanto, a
versão mais difundida do episódio talvez seja aquela presente na Legenda
Maior, escrita por São Boaventura15 após o Capítulo16 de Narbonne (1260) e
11
BROOKE, Rosalind B. The image of St. Francis: responses to sainthood in the Thirteenth
century. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 8. O texto da versão em
inglês: “like the morning star among the clouds,/ like the moon at the full,/ like the sun shining
on the Temple of the Most High”.
12
TOMÁS DE CELANO. Primeira vida de São Francisco de Assis. São Paulo: Província dos
Capuchinhos de São Paulo, s.d. [c. 1229-1230], cap. XVIII, § 47: 3-4. Disponível em:
<http://www.procasp.org.br/>. Acesso em: 21 out. 2006.
13
Considerada, em sua maior parte, como cópia resumida da obra de Celano, salvo em
seus trechos finais.
14
JULIANI DI SPIRA. Vida de São Francisco. São Paulo: Província dos Capuchinhos de São
Paulo, s.d. [c. 1232-1235], cap. V, § 29. Disponível em: <http://www.procasp.org.br/>.
Acesso em: 21 out. 2006.
15
Nascido em 1221, em Bagnorea, nas cercanias de Viterbo, e batizado com o nome de
Giovanni di Fidanza, conta-se que foi curado de grave doença, ainda criança, através da
intercessão do próprio São Francisco, que ao recebê-lo nos braços teria exclamado “oh!
Buona Ventura”, e a partir daí o menino passou a ser chamado por este nome. Foi
teólogo, doutor da Igreja, Cardeal de Albano e Ministro Geral dos franciscanos, tendo
morrido em Lyon, em 16 de julho de 1274. Foi canonizado em 14 de abril de 1482, pelo
papa Sisto IV. ROBINSON, Pascal. “St. Bonaventura” (verbete). In: New Advent Catholic
Encyclopedia. Vol. II. New York: Robert Appleton Company, 1907. Disponível em: <http:/
/www.newadvent.org/>. Acesso em: 15 jan. 2007.
16
Nome dado à assembléia de religiosos que decide sobre matérias relativas à província,
congregação ou ordem católica de que seus membros fazem parte ou, por extensão, o
local em que se reúne essa assembléia.
ALEGORIA E STATUS NA PARAÍBA COLONIAL 155
podiam assistir aos serviços religiosos, sendo de uso corrente a partir do século XVII.
No Brasil colonial, muitas vezes servia de local de reunião para as irmandades, quando
estas não possuíam capela ou igreja própria. Trata-se de solução arquitetônica comum
nos conventos franciscanos e nas capelas rurais setecentistas do Nordeste. CORONA,
Eduardo & LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: EDART,
1972, p. 236. HOUAISS, Antônio (ed.). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Edição on
line. São Paulo: Objetiva, s.d. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/>. Acesso em: 11
mar. 2007.
28
O uso do carneiro parece ter sido interrompido a partir da década de 1830. Irineu
Ferreira Pinto transcreve, em seu Datas e Notas para a Historia da Parahyba, um ofício do
presidente da Província ao Guardião do Convento, de 23 de dezembro de 1831,
reafirmando a determinação de construir um cemitério no terreno dos franciscanos,
“tão necessaria quão vantajosa obra”, que serviria a toda a população da cidade e não
apenas aos Frades Menores e Irmãos Terceiros. A obra, contudo, nunca foi efetivada.
PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a Historia da Parahyba. Volume II. Cidade da
Parahyba do Norte: Imprensa Official, 1916, p. 119.
ALEGORIA E STATUS NA PARAÍBA COLONIAL 159
29
Sobre a formação da elite paraibana nas primeiras décadas da colonização e o jogo de
poderes e interesses envolvido neste processo, que certamente se estendeu pelos
séculos seguintes, ver: GONÇALVES, Regina Célia. Guerra e açúcar: a formação da elite
política na Capitania da Paraíba (sécs. XVI-XVII). Portuguese Studies Review, Peterborough,
Canadá, Trent University, v. 14, n. 1, 2006, p. 35-64.
161
1
Este texto deriva de um projeto de iniciação científica intitulado Fernando Delgado Freire
de Castilho, governador da Capitania da Paraíba: um ilustrado nos trópicos, financiado pelo
PIBIC/UFPB/CNPq e executado entre agosto de 2007 e julho de 2009.
2
Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do
Departamento de História e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador do Grupo de Pesquisas Estado
e Sociedade no Nordeste Colonial (NDIHR-UFPB/ Diretório CNPq). E-Mail:
<mozartvergetti@uol.com.br>.
3
Graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba. Exbolsista PIBIC/UFPB/
CNPq. E-Mail: <yamepaiva@yahoo.com.br>.
4
MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em Ação: fiscalismo, economia e sociedade
na Capitania da Paraíba (1647-1755). Tese de Doutorado (História Econômica). Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.
5
AHU_ACL_CU_014, Cx. 31, D. 2264 e AHU_ACL_CU_014, Cx. 30, D. 2229, respectivamente.
162 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
anexação.
Desta feita, o desenlace político-administrativo separando as duas
capitanias só foi anunciado pela carta de 17 de janeiro de 17996, ou seja,
durante o governo de Fernando Delgado Freire de Castilho. Sendo o último
capitão-mor subordinado e o primeiro da situação subsequente, Fernando
Delgado é considerado um dos porta-vozes da desanexação.
Designado, por carta régia de 23 de outubro de 1797, para investigar a
situação da Capitania, principalmente nos aspectos fiscais e produtivos,
Fernando Delgado assumiu o governo da Paraíba com uma importante missão:
analisar as vantagens ou desvantagens da subordinação da Paraíba a
Pernambuco. Em cumprimento às determinações metropolitanas, escreveu
uma memória sobre a Capitania na qual descreveu suas características naturais,
as produções desenvolvidas e comercializadas, a situação da segurança, os
corpos militares, os obstáculos que retardavam seu crescimento, os prejuízos
provocados pela subordinação a Pernambuco, o desprezo da autoridade e as
vantagens que a Fazenda Real e os habitantes obteriam com a separação de
Pernambuco7.
Em diversas correspondências à Secretaria de Estado da Marinha e Domínios
Ultramarinos, Fernando Delgado foi categórico e incisivo nos seus argumentos
sobre as agruras da anexação. Reclamava da falta de regimento pelo qual
pudesse se guiar, das arbitrariedades e abusos do general governador de
Pernambuco, dos prejuízos do comércio e da falta de negociantes. Ressaltava
também as potencialidades da Paraíba e suas possibilidades de crescimento.
Pode-se inferir que as demonstrações favoráveis de Castilho sobre a capitania
que administrava embasaram a decisão régia pela desanexação.
Incumbido de apresentar, como dissemos, as inconveniências ou não de
se manter na Paraíba um governo subordinado, Fernando Delgado, nas suas
missivas, apresentara uma postura ilustrada que pode ser visualizada na
maneira como conduz e constrói seu discurso8. Seus ofícios, memórias e cartas
compõem preciosas informações acerca da Paraíba de fins do século XVIII.
Seu olhar ilustrado, aprimorado, num sentido mais amplo, pelo movimento
de profusão das ciências naturais em Portugal, captou as potencialidades da
Capitania, legando à posteridade valorosas avaliações sobre o quadro natural,
humano e econômico destas fainas setentrionais.
No conjunto de levantamentos realizados sobre a Capitania, em
atendimento à referida ordem de 23 de outubro de 1797, insere-se uma
sequência de dados relativos à produção/ consumo/ exportação/ importação,
número de habitantes, de casamentos, nascimentos e mortes, moléstias
6
A carta régia que determina o fim da subordinação da Paraíba a Pernambuco encontra-
se em: PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a Historia da Parahyba. Volume I. Cidade
da Parahyba do Norte: Imprensa Official, 1908, p. 214.
7
AHU_ACL_CU_014, CX. 34, D. 2471.
8
Fernando Delgado frequentou a Universidade de Coimbra e possuía estudos
matemáticos, conferir em: AHU_ACL_CU_014, Cx. 32, D. 2372.
ILUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO E CIRCUITOS MERCANTIS 163
9
A documentação em tela integra o conjunto de documentos avulsos da Capitania da
Paraíba existentes no Arquivo Histórico Ultramarino.
10
NOVAIS, Fernando Antônio. Aproximações: ensaios de história e historiografia. São
Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 167.
11
HESPANHA, Antônio Manuel & SANTOS, Maria Catarina. Os poderes num Império
oceânico. In: MATTOSO, José (dir). História de Portugal. Quarto volume: o Antigo Regime
(1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1998. BICALHO, Maria Fernanda Baptista.
Mediação, pureza de sangue e oficiais mecânicos. As câmaras, as festas e a representação
do Império Português. In: PAIVA, Eduardo França & ANASTÁCIA, Carla Maria Junho
(orgs.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e viver (séculos XVI a XIX). São Paulo:
Annablume; PPGHis-UFMG, 2002.
12
GRUZINSKI, Serge. 1480-1520: as origens da colonização. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999, p. 53.
164 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
18
NOVAIS, Aproximações, p. 168.
19
A partir de 1792, em virtude dos problemas de saúde de D. Maria, seu filho D. João VI
assume o trono como príncipe regente.
20
Um interessante estudo sobre a atuação e o significado das práticas ilustradas
promovidas pela Academia Real das Ciências de Lisboa encontra-se em: MUNTEAL
FILHO, Oswaldo. A Academia Real das Ciências de Lisboa e o Império Colonial
Ultramarino (1779-1808). In: FURTADO, Júnia Ferreira (org). Diálogos Oceânicos: Minas
Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
21
NOVAIS, Aproximações, p. 169.
168 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
26
ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba – Vol. II. João Pessoa: Editora Universitária/
UFPB, 1978, p. 87.
27
Desde 1723 a arrematação do dízimo da Paraíba se dava na praça de Pernambuco, em
um só contrato. Pernambuco ficava responsável por enviar vinte mil réis anuais à
Paraíba, quantia, teoricamente, considerada equivalente à arrecadação desse imposto
nesta capitania. As delongas no envio desta importância e mesmo a sua não remessa
geravam atritos entre o governador da Paraíba e o de Pernambuco. Não raro, aquele
subia à real presença a pouca atenção e mesmo o descuido do general governador de
Pernambuco na execução de sua obrigação. Para mais informações, ver: MENEZES,
Colonialismo..., capítulo IV.
ILUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO E CIRCUITOS MERCANTIS 171
28
ALMEIDA, História da Paraíba, p. 87.
29
SMITH, Roberto. A presença da componente populacional indígena na demografia
histórica da Capitania de Pernambuco e suas anexas na segunda metade do século
XVIII. In: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Anais... Ouro
Preto: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2002, p.7.
172 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
A linha leste dirige-se para o Ceará, onde passa por Arneirós e Icó;
daí se dirige à Paraíba, que atravessa pelo eixo do seu território,
tocando em Pombal e Patos, alcançando o rio Paraíba que
acompanha até o lugar onde hoje está Itabaiana. Aí se bifurca,
continuando um ramo pelo mesmo rio até a capital da capitania;
infletindo o outro para o sul em demanda de Pernambuco.300
Irineu Joffily também distingue alguns caminhos que intercomunicava
comercialmente a Paraíba às capitanias vicinais. Reconhecendo Campina
Grande como importante conduto de integração entre litoral e sertão, visto
que a mesma constituía uma feira de gado, Jofilly identifica-a como o ponto
de união das duas artérias do sertão, denominadas estradas do Seridó e de
Espinharas. Diz o autor:
A primeira [estrada do Seridó] tomava o rumo de noroeste, passando
pelos lugares onde hoje estão as povoações de Pocinhos e S.
Francisco e territórios adjacente à de Pedra Lavrada, onde descia a
Borborema (fralda ocidental), dava no rio Seridó, e acompanhando-
lhe as margens penetrava na Capitania do Rio Grande do Norte até
os sertões do baixo Piranhas e Apody.Transpondo os limites desta
capitania, de um lado, procurava de novo o Paraíba pela ribeira de
Porcos ou Patú, e de outro atingia as águas do baixo Jaguaribe, no
Ceará.
A estrada de Espinharas tomava a direção de oeste passando por
grandes travessias; tocava na pequena ribeira de Santa Rosa, a
dez léguas, e nove mais adiante na povoação dos Milagres, no rio
Taperoá; e acompanhando mais ou menos as margens deste rio,
tocava na lagoa do Batalhão, e descendo a Borborema seis léguas
além dava nas águas do rio Piranhas ou Espinharas, que
acompanhava até o lugar onde hoje é a vila de Patos. Aí dividia-se
a estrada; à esquerda dirigia-se para o Piancó, tendo um
desenvolvimento de cerca de 40 léguas até os confins da respectiva
ribeira; à direita seguia em linha reta para a povoação das Piranhas,
depois vila e cidade de Pombal; continuando para Sousa, no rio do
Peixe, passaria depois mais ou menos próximo aos lugares hoje
ocupados pela Vila de S. João do rio do Peixe e cidade de Cajazeiras,
em seguida penetrava na capitania do Ceará, onde subdividia-se
servindo a todo o vale dos Cariris Novos e sertões do Icó, Inhamúns
e Crateús, por onde entrava na capitania de Piauí.
Esta foi a grande artéria que ligava à capital aos sertões mais
afastados da capitania, ligando igualmente estes aos de suas
vizinhas, e esta comunicação tem-se mantido sem a menor
30
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense,
2004, p. 241.
ILUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO E CIRCUITOS MERCANTIS 173
31
JOFFILY, Irenêo. Notas sobre a Parahyba. 2. ed. facsimilar. Brasília: Thesaurus, 1977, p.
225-226.
32
AHU_ACL_CU_014, Cx. 33, D. 2423, AHU_ACL_CU_014, Cx. 35, D. 2510, AHU_ACL_CU_014,
Cx. 36, D. 2617, AHU_ACL_CU_014, Cx. 38, D. 2711, AHU_ACL_CU_014, Cx. 39, D. 2764,
AHU_ACL_CU_014, Cx. 41, D. 2890, AHU_ACL_CU_014, Cx. 41, D. 2891,
AHU_ACL_CU_014, Cx. 46, D. 3273, AHU_ACL_CU_014, Cx. 46, D. 3274,
AHU_ACL_CU_014, Cx. 47, D. 3318, AHU_ACL_CU_014, Cx. 47, D. 3319.
174 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
entanto, não está em questão aqui o valor da mesma para a Coroa. Cabe
apenas verificar, através desses dados, que a capitania não produzia apenas
para consumo interno. Atendendo ao seu próprio status de colônia, ela gerava
riquezas, comprava manufaturas da metrópole e ainda contribuía para a
própria reprodução do corpo de oficiais régios no além-mar, sendo
responsável pela manutenção do aparato administrativo da Capitania da
Paraíba. Cumpria, pois, o papel a ela designado.
População da Capitania da Paraíba na virada para o século XIX
Tarefa árdua é lidar com população do período colonial brasileiro. Fontes
fragmentadas, esparsas, mal conservadas tornam-se cotidiano do historiador
afeito pela demografia. Para o século XVIII há alguns recenseamentos
realizados na área das Capitanias do Norte. Por não apresentarem um padrão
homogêneo, é difícil traçar uma evolução da população a partir dos seus
componentes. Quando um deles aparece em determinado ano, somem no
seguinte, ressurgindo no subsequente. Se atualmente uma idéia exata da
população não pode ser garantida, muito menos se deve esperar exatidão
para os homens coloniais. Contudo, isto não invalida os dados por eles
fornecidos.
Dentre os levantamentos realizados durante o século XVIII, os que se
iniciam em 1797, prolongando-se até 1830, são os que apresentam mais
detalhes, sendo, por isso, os mais completos. A partir daí se “introduz
aperfeiçoamentos no processo de recenseamento das populações no Brasil.
O recenseamento passa a incorporar um conjunto de informações econômico-
mercantis e maior abrangência das informações populacionais”35. Segundo
Smith, amparado na divisão (fase proto-estatística) proposta por Marcílio36, a
etapa 1797-1830 se inicia com a ordem régia de D. Maria I, datada de 21 de
outubro de 179737. A partir dela, o Conselho Ultramarino emite um dispositivo
dirigido aos capitães-mores do Brasil expressando:
Desejando Sua Majestade que a esta corte cheguem anualmente
noções muito exatas, e individuais de cada uma das capitanias do
Brasil, foi servida ordenar que se preparassem os mappas que
acompanham esta carta, e que os remettesse a VMCE, afim de que
se principie um trabalho, por meio do qual se possa chegar ao
conhecimento: 1) dos habitantes que existem na Capitania; 2) das
occupações dos mesmos habitantes; 3) dos casamentos annuais,
movimento comercial da Paraíba. É inferior ao comércio da África e das Ilhas. Assim como
Santos”. ARRUDA, José Jobson de. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980,
p. 271-272.
35
SMITH, A presença..., p. 2. Neste trabalho o autor da uma idéia da população das
Capitanias de Pernambuco e suas anexas com base nos recenseamentos realizados no
século XVIII.
36
MARCÍLIO, Maria Luíza. Levantamentos censitários da fase proto-estatística do Brasil.
Anais de História, Assis, v. II, p. 63-75 (apud SMITH, A presença..., p. 2).
37
MARCÍLIO apud SMITH, A presença..., p. 2.
176 M. V. DE MENEZES & Y. G. DE PAIVA
38
AHU - Mato Grosso, maço 24. In: MARCÍLIO, apud SMITH, A presença..., p. 2-3.
ILUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO E CIRCUITOS MERCANTIS 177
LITORAL SERTÃO
ANO
PRETOS CATIVOS MULATOS CATIVOS PRETOS CATIVOS MULATOS CATIVOS
1 7 98 12 % 2% 5% 2%
1 800 7% 2% 8% 1%
1 801 10 % 3% 6% 1%
1 802 8% 2% 5% 2%
1 804 7% 2% 8% 2%
42
GALLIZA, Diana Soares de. O declínio da escravidão na Paraíba (1850-1888). João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 1979, p. 54.
43
Segundo Ricardo Medeiros, Pombal ordenara que se transformassem “em vilas as
missões de Pernambuco e suas anexas administradas pelos jesuítas [...], que nas missões de
sua jurisdição, que eram administradas pelos jesuítas, fossem criadas vigarias colativas,
substituindo os missionários por clérigos regulares”. MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Política
indigenista do Período Pombalino e seus reflexos nas Capitanias do Norte da América
portuguesa In: OLIVEIRA, Carla Mary S. & MEDEIROS, Ricardo Pinto de (orgs.). Novos
Olhares sobre as Capitanias do Norte do Estado do Brasil. João Pessoa: Editora Universitária,
2007, p.128. Além disso, Maria do Céu Medeiros diz que “como a legislação sobre o índio
previa a união de aldeias, quando estas não atingiam um determinado número de casais, o
Governador de Pernambuco ordenou a transferência de índios do interior para o litoral, no ano
de 1780”. Daí a desproporcionalidade existente entre as aldeias do litoral e as do
interior. MEDEIROS, Maria do Céu. O trabalho na Paraíba escravista (1585-1850). In:
MEDEIROS, Maria do Céu & SÁ, Ariane Norma de Menezes. O trabalho na Paraíba: das
origens à transição para o trabalho livre. João Pessoa: Editora Universitária/ UFPB,
1999, p.46.
ILUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO E CIRCUITOS MERCANTIS 179
1
Pesquisa parcialmente financiada pelo CNPq e pelo programa de Estágio Pós-Doutoral
promovido pela UNESP/ Banco Santander, que me permitiu a permanência de dois
meses e meio em Lisboa, onde me beneficiei de pesquisas realizadas na Torre do
Tombo e de muitas idéias discutidas nos seminários promovidos pelo Centro de Estudos
de Além Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa e pelo Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa. Parte das indagações levantadas nestas linhas
foram provocadas por seminários e reuniões ocorridas no núcleo Dinâmicas Econômicas
e Sociais no Império português do Atlântico, da Cátedra Jaime Cortesão, da Universidade
de São Paulo. Meus mais sinceros agradecimentos a Maximiliano Max Menz por ceder
cópia dos mapas de importação e exportação que digitalizou para sua pesquisa sobre
o Rio Grande.
2
Pós-Doutora em História pela Universidade Nova de Lisboa, Doutora em História
Econômica pela Universidade de São Paulo. Professora Assistente do Departamento
de História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de
Franca.
3
Três teses norte americanas podem ser consideradas ponta de lança para as pesquisas
sobre o comércio na América portuguesa e, especialmente, na Bahia. Duas foram
182 DENISE A. SOARES DE MOURA
9
ARRUDA, José Jobson de Andrade. Decadence or crisis in the Luso-Brazilian Empire: a
new model of colonization in the Eigtheenth Century. Hispanic American Historical
Review, v. 80, n. 4, 2000, p. 865-878.
10
FRAGOSO, Homens de grossa...; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Os homens de negócio
do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750). In:
FRAGOSO, O antigo regime...
11
DANTAS, Sandra Mara. A fabricação do urbano: civilidade, modernidade e progresso em
Uberabinha - MG (1888-1929). Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho. , 2009.
O COMÉRCIO COLONIAL E SUAS RELAÇÕES COMPLEMENTARES 185
12
Exceção ao trabalho de Maximiliano Menz. MENZ, Maximiliano M. Centro e periferias
coloniais: o comércio do Rio de Janeiro com Santos e Rio Grande (1802-1818). Revista
de História, São Paulo, n. 154, 2006, p. 251-266.
186 DENISE A. SOARES DE MOURA
13
Esta constatação deve-se à pesquisa realizada nas Habilitações de Familiar do Santo
Ofício e Ordem de Cristo, na Torre do Tombo, em Lisboa. Um banco de informações
construído a partir dos Maços de População de Santos, disponível no Arquivo do
Estado de São Paulo, permitiu chegar aos nomes de negociantes. De onze habilitados
na Familiatura, seis estabeleceram-se primeiro no Rio de Janeiro, Bahia, Recife ou
minas de Goiazes.
14
Júnia Furtado constatou processo semelhante no circuito Minas-Gerais/Bahia. Não se
tratava de movimento unidirecional, litoral-interior, mas interior-litoral, pois os
viandantes de volta de Minas levavam para o porto de Salvador produtos coloniais,
como couro e tabaco, empregado no comércio de escravos na África. As zonas
tradicionais da extração do ouro faziam parte de um amplo circuito envolvendo Salvador,
Lisboa e África. Devo fazer a mesma conexão, como o circuito Santos/ Recife combinava
o interior, outros portos do sul e capitania, África e Lisboa. FURTADO, Júnia Ferreira.
Teias de negócio: conexões mercantis entre as Minas do ouro e a Bahia, durante o
século XVIII. In: FRAGOSO, Nas rotas..., p. 170.
15
Divisão formada pelas capitanias de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro,
separada da Bahia e outras capitanias que constituíam o Estado do Brasil. Apud
BELLOTTO, Heloisa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do
Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775). 2. ed. São Paulo: Alameda, 2007, p. 22.
O COMÉRCIO COLONIAL E SUAS RELAÇÕES COMPLEMENTARES 187
19
PRADO JÚNIOR, Caio. O fator geográfico na formação e desenvolvimento da cidade de
São Paulo. In: Evolução política do Brasil e outros estudos. 8. ed. São Paulo: Brasiliense,
1972, p. 104.
20
PRADO JÚNIOR, Caio. Contribuição para a geografia urbana da cidade de São Paulo. In:
Evolução política..., p. 117.
21
PRADO JÚNIOR, Contribuição..., p. 117.
22
Heloisa Liberalli Bellotto enfatiza os aspectos militares. BELLOTTO, Autoridade e conflito...
O COMÉRCIO COLONIAL E SUAS RELAÇÕES COMPLEMENTARES 189
23
Carta dos oficiais da Câmara de São Paulo à rainha [D. Maria I] expondo as dificuldades
de comércio de São Paulo com as outras capitanias. AHU - São Paulo, Cx. 7, D. 13, D. 469
no catálogo, 1777.
190 DENISE A. SOARES DE MOURA
24
Atas da Câmara, vol. XIX, 1793, p. 368-372.
O COMÉRCIO COLONIAL E SUAS RELAÇÕES COMPLEMENTARES 191
1 808 15 01
1 81 8 11 03
1 808 02 01
1 81 8 07 05
Fonte: Alfândega – almoxarifado, AESP, 1772-1822, Santos, C00227.
25
Relação das cartas de serviço do governador e capitão general da capitania de São
Paulo, Morgado de Mateus. AHU - São Paulo, Cx. 5, D. 24, D. 340 no catálogo, 1768.
192 DENISE A. SOARES DE MOURA
26
PETRONE, Maria Teresa. O Barão de Iguape: um empresário da época da independência.
São Paulo: Companhia Editora Nacional; Brasília: INL, 1976 (Col. Brasiliana, vol. 361).
27
Francisco Pereira Mendes. ANTT, Hábitos da Ordem de Cristo, Maço 4, D. 7, 1753.
O COMÉRCIO COLONIAL E SUAS RELAÇÕES COMPLEMENTARES 193
28
MENZ, Centro e periferias..., p. 251-266.
29
Mapa da exportação dos produtos da paróquia da vila de Santos no ano de 1798.
Alfândega – almoxarifado, AESP, 1772-1822, Santos, C00227, D. 1-25-2.
194 DENISE A. SOARES DE MOURA
1 801 2:093$900
1 802 5:999$500
1 803 16:111$24 0
1 804 52:096$960
1 805 77:676$34 0
1 806 92:232$94 0
1 807 142:287$160
Tou cin h o,
ban h a, car n e
de por co,
Açú car , tou cin h o,
fu mo de
car n e de por co,
min as , feijão,
ban h a, fu mo de
far in h a de Toicin h o, ban h a, car n e
min as , far in h a de
man dioca, de por co, fu mo de
man dioca, feijão,
1 81 8 mil h o, qu eijos min as , ar r oz, feijão,
ar r oz, caixetas de
de min as , far in h a, qu eijos da
mar mel ada,
caixetas de ter r a
mil h o, qu eijos da
mar mel ada,
ter r a, taboado,
azeite de peixe
g amel as
g r os so, cer a
da ter r a, v el as
de s ebo
comércio com a Ásia neste intervalo, o que indica que a mercadorias vinha
especialmente da Europa, Portugal e Grã Bretanha, tendo em vista que a
liberdade de comércio já estava estabelecida. Da Bahia vinham vários tecidos
adquiridos em Goa, mas todos ordinários.
Em 1809 a pauta de importações da Bahia em Goa incluía anil, baetas,
canela, chá, chalés, chitas, coromandeis, drogas, gangas, gantaz, gengibre,
golas, linhas surrates, lenços, maragazes, manodiz, morins, pimentas,
prócolos, pimenta, sanas, zuartes35. Entre 1814-1816-1817-1821 Santos importou
da Bahia baetas, chalés de seda, sanas, gangas (tecido vulgar), zuarte (tecido
de algodão ordinário) e drogas, mercadorias que este porto comprava
também na Ásia36.
As mercadorias de luxo também eram provenientes de Pernambuco.
Tomando apenas o ano de 1816 aparecem na listagem das mercadorias
importadas: chapéus finos, vestidos, guarda sol, chalés, meias, tudo em seda.
Seguiam ainda gêneros de consumo alimentar europeu, como manteiga,
queijos flamengos, bacalhau, vinho, azeite, vinagre. Como produto colonial
destacam-se os “cocos de cumer”. Estes “cocos de cumer” eram
comercializados na costa sul, especialmente em Santa Catarina.
O que leva a crer que os tecidos e vestimentas de luxo adquiridas nos
portos das capitanias do norte, complementado o que já vinha do Rio de
Janeiro, subia a serra é a constatação, através dos registros de exportação de
Santos, que estas mercadorias não eram distribuídas na costa da capitania.
Para Iguape, Paranaguá, Rio de São Francisco seguiram apenas panos ou
varas de panos de algodão e pacotes de fazenda.
As mercadorias européias, asiáticas e escravos da costa da África adquiridos
por Santos via capitanias do norte integravam, portanto, o interior da capitania
e o oeste de Minas Gerais e Goiás à Monarquia portuguesa. Os portos menores
da costa eram agregados ao conjunto da Monarquia portuguesa como
fornecedores de mercadorias coloniais, seguidos via Santos para as principais
praças atlânticas e para Goa.
O comércio complementar aperfeiçoava o comércio colonial, possibilitando
o acesso às mercadorias européias, viabilizando sua redistribuição em partes
isoladas e distantes da costa, ampliando a margem de circulação das
mercadorias coloniais e assegurando a organicidade da Monarquia
portuguesa.
35
Mapa da importação que fez Portugal e navios estrangeiros, África, Ásia e Portos do
Brasil sobre a Bahia em todo o ano de 1808.
36
Mapa da Importação e Exportação do Porto de Santos nos anos de 1814, 1816, 1817,
1821.
197
esteio do império”.
No entanto, o alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia manufaturas de
linho, lã, seda e algodão nos domínios da América, reconhece que “a verdadeira
e sólida riqueza [consiste] nos frutos e produções da terra, os quais somente se
conseguem por meio de colonos e cultivadores e não de artistas e fabricantes”7.
Mas seria enganoso deixar-se levar apenas pela sua implícita valoração
fisiocrática, ou assumir que com a política de contenção do contrabando
fossem os únicos móveis a respaldar os interesses em torno desta questão.
O lugar reservado às atividades dos artífices em textos econômicos de um
doutrinador paradigmático pode exemplificar outras razões por onde se
buscava encaminhar este setor na virada do século XVIII para o XIX8. Tomando
como ponto de partida e de chegada de sua reflexão a articulação equilibrada
entre as diferentes partes do Império, Azeredo Coutinho admite sua
necessidade para a autonomia do Reino frente a outras monarquias da Europa,
mas adverte para os cuidados na implementação dos estabelecimentos.
A todo custo deveria ser evitado o excessivo afluxo de riquezas neste
setor para não desequilibrar aos demais nem encarecer em demasia a mão-
de-obra. O fabrico de artigos de luxo exigiria artífices qualificados, aliás mais
comuns nas potências concorrentes e, portanto, não deveriam ser
consentidos. Mas o mais interessante é a relação que tece entre razão de
Estado e os homens livres que andavam à margem dos benefícios do progresso
material do Império. Os estabelecimentos a serem fundados deviam
simultaneamente promover a fixação dos pobres e ocupá-los nos serviços
vitais à República, ou seja, na produção de vestuário e armas para o exército,
velas e cordas para a marinha, além do couro e do papel.
Deste modo, os arsenais de guerra (e de marinha) tinham uma função
implícita de integrar os desocupados ao impedi-los de servir a si próprios,
guiando-os em direção aos interesses maiores da nação. Na capitania de
Pernambuco, este papel pode ser creditado primordialmente à Inspetoria do
Trem Militar. Como o Trem encontrou a sua forçada clientela e como pode
adaptá-la aos seus propósitos?
Para isto é importante avaliar as dimensões externas e internas que
conformaram a oficina urbana. Em primeiro lugar, o serviço de Sua Majestade
requeria não apenas homens livres mas também sua fixação, sua constância,
sua regularidade. Estas premissas estavam ausentes das experiências
cotidianas dos artífices coloniais e, por conseguinte, sua integração trazia a
necessidade de modificar, pelo menos em parte, a postura de incorporação
eventual em favor de outros modos de controle, mais sofisticados que os
usuais e mais adequados ao manejo de homens e coisas nas atividades
artesanais.
7
NOVAIS, F. A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa no
fim do século XVIII. Revista de História, São Paulo, n. 67, p. 165.
8
COUTINHO, J. de A. Ensaio sobre o comércio de Portugal e suas colônias. In: HOLANDA,
S. B. de (org.). Obras econômicas de Azeredo Coutinho (1794-1808). São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1966, p. 55-172.
200 ACÁCIO JOSÉ LOPES CATARINO
Seria necessário, desse modo, inserir uma cunha regeneradora nos hábitos
destas camadas. Não havendo possibilidade de maiores reformulações
tecnológicas ou de importação maciça de mão-de-obra qual poderia ser a
saída? A resposta poderia estar na subversão da hierarquia tradicional da
oficina pela sua subordinação ao controle militar direto.
O que representava subverter esta hierarquia? Já não se tratava apenas
de encaminhar novas ordens e diretivas gerais e esperar vê-las atendidas;
significava, de um só golpe, penetrar na normatividade consuetudinária da
oficina para enfraquecê-la em seu interior e reconstruí-la num outro campo
do jogo de representações simbólicas do trabalho. A burocracia busca então
ser o elemento coesionador ao romper com alguns dos pontos-chave destas
relações tradicionais, pois ao submetê-la a uma ambiência institucionalizada
emprestou-lhe um caráter como que obrigatório, dotado de uma lógica fixa,
ao contrário do personalismo e da aleatoriedade que regiam a oficina na
cidade colonial.
De qualquer modo, é possível começar a caracterizar quais são as balizas
desta mudança de perspectivas ao rever o comportamento dos personagens
inseridos na oficina tradicional. Uma gravura de Debret sintetiza um dia na
oficina de um sapateiro. Embora as prateleiras envidraçadas e os calçados de
seda colorida demonstrem uma boa situação do mestre, também o mostra
trabalhando cercado por seus escravos, desvelando uma ambiência comum a
outros artífices. A punição como parte do rito cotidiano é assinalada pelo
texto explicativo que acompanha a gravura, como um castigo recebido “de
acordo com a falta” – para aquele que a aplica e inclusive para quem a sofre9.
Esta cena, que é registrada com certa ansiedade por outro dos escravos
presentes, é observada por sua mulher através da porta que comunica a
oficina aos aposentos domésticos. Esta aparente intimidade é ainda mais
ressaltada por estar amamentando uma criança. Ao mesmo tempo, o interior
da of icina não parece estar vedado à entrada livre de fregueses ou
companheiros dos sapateiros
A partir da identificação da oficina como ponto de interseção do espaço
doméstico com a rua, o artesão reagia costumeiramente aos diversos estímulos
destes ambientes de forma mais ou menos livre, retardando ou acelerando
encomendas segundo sua conveniência, num procedimento que
possivelmente causava estranheza a estrangeiros, oriundos de sociedades
aonde a ética do trabalho abstrato já se vulgarizara em amplos setores.
Neste enquadramento oficinal também a compulsão tinha seu lugar –
como foi dito, um dos trabalhadores é punido de forma dolorosa –, mas esta
hierarquização centrada na figura do mestre era contrabalançada pelo fato
de que a tradição limitava seu alcance ao inscrever num mesmo horizonte
cultural os integrantes da oficina. Num quadro de escassa mobilidade social e
cultural-valorativa, isto acabava por gerar um encadeamento de atitudes e
expectativas circulares quanto à sua inserção no local de trabalho e na vida
social – neste período fortemente imbricados –, que se por um lado
estabilizaram a rotina das oficinas, por outro lado as tornaram pouco
adaptáveis às novas necessidades do século XIX, que no Brasil também foi
um período de mutações generalizadas.
O Trem impacta-se à esta iniciação pela sabedoria “comum”, tradicional.
Ao controle pessoal, opõe a ordenação institucional e impessoal; ao saber
implícito no fazer, explicita um discurso racionalizante e transcendental, que
apela ao serviço da Pátria e do imperador. Um mantém-se pela reiteração dos
atos cotidianos, outro procura reproduzir-se pelo efeito teatral ou coercivo,
adaptável segundo as exigências das diferentes conjunturas.
A superposição do militarismo ajudou a este tráfego: vincula-se melhor o
trabalhador à defesa da nação, à manutenção da soberania. Na fala dos
inspetores foi muito forte a perspectiva ordenadora universalizante: No Trem,
“como Casa Real”, trabalha-se “por conta da Nação” porquanto “é a primeira
obrigação do vassalo habilitar-se no exercício das armas para defender o seu
soberano e sua Pátria”. Não por acaso os inspetores estavam no epicentro do
poder militar da capitania, assinando seus documentos a partir do “Quartel
de Pernambuco” 10.
O Trem, portanto, foi um dos efetivadores desta passagem vital – necessária
9
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 2 vol. São Paulo: Martins;
Edusp, 1972, p. 251.
10
Respectivamente, Arsenal de Guerra (AG). AG-1, 5.6.1818, f. 242; AG-1, 29.9.1823, f. 150;
AG-1, 11.3.1819, f. 277.
202 ACÁCIO JOSÉ LOPES CATARINO
para a relação:
22
AG-1, 29.4.1819, f. 295 v.
23
AG-1, 4.3.1819, f. 273 v.
206