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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Márcia Guerra Pereira

Casablanca tropical:
a polícia política e a espionagem britânica
1939-1942

Rio de Janeiro
2001
Márcia Guerra Pereira

Casablanca Tropical:
a polícia política e a espionagem britânica
1939-1942

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
História Política.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Edmilson Martins Rodrigues.

Rio de janeiro
2001
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

V297c Pereira, Márcia Guerra


Casablanca tropical: a polícia política e a espionagem
britânica 1939 – 1942. / Márcia Guerra Pereira – 2010.
125 f.

Orientador: Antonio Edmilson Martins Rodrigues.


Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Vargas, Getúlio, 1883-1954. 2. Polícia Política – Teses.


3. Brasil – Política e Governo, 1930 – 1945 - Teses. I.
Rodrigues, Antonio Edmilson Martins. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.

CDU 981

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Márcia Guerra Pereira

Casablanca tropical:
A polícia política e a espionagem britânica
1939-1942

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
História Política.

Aprovada em 19 de abril de 2001.

Banca examinadora:

________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Edmilson Martins Rodrigues (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

________________________________________________
Prof. Dr. Luis Reznik
Faculdade de Formação de Professores da UERJ

________________________________________________
Prof.ª Dra. Miriam Saraiva
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

Rio de Janeiro
2001
DEDICATÓRIA

Para meu pai,


Que me ensinou a ser feliz.

Para o Erô,
Que me deu a felicidade.

Para Luan
– a felicidade
Para Rogério e Vera,
parceiros de sonho.
AGRADECIMENTOS

Quando se tem mais de quarenta anos ao concluir uma dissertação de

mestrado, a lista de pessoas que se fizeram importantes, ou mesmo

imprescindíveis, ao longo de nossa trajetória (a vida e a academia se juntam

indissolúveis) torna-se extremamente longa. Desculpem-me, portanto, os que

estão a ler este trabalho exclusivamente por seu conteúdo científico (poucos

certamente); os outros entenderão.

A UFF – professores, funcionários e alunos que me ensinaram que história é

vida.

Ao professor Francisco Carlos, influência indelével na minha formação.

Professor de Moderna, de Contemporânea, paraninfo, orientador de iniciação

científica, chefe, orientador de projetos, amigo. Generoso e apaixonado. Pela

História e pela vida. Hoje, apesar de distante, sinto sua presença em cada uma

das minhas escolhas profissionais.

Ao Edmílson, meu orientador, pela confiança com que me honrou.

À professora Mirian Saraiva, que com atenção realizou a leitura crítica do

projeto.

Aos muitos amigos que ajudaram a segurar a onda do Luan, Danielle em

especial, tornando mais leve a sua convivência com a mãe enlouquecida e


estressada e que, espero, contribuíram fortemente para que meu filho não

tenha horror a seguir uma carreira acadêmica.

Aos amigos de fé que, como diz a canção, não costumam falhar: Marcito, meu

amo e senhor, que ficou furioso por ter ajudado menos do que queria; Sueli,

misto de comadre e sargento, a me lembrar sempre do tempo e dos prazos e

sempre disposta a ajudar, da ida ao arquivo à xerox na biblioteca, passando

por uma almoço gostosinho ou o chopp para relaxar; Ao Adolfo, amigo recente,

pelo sorriso (sem esquecer dos organogramas); À Vera Borges e ao Paulo

Cavalcanti, pela gentileza e solidariedade. Sem a Vera acho que teria perdido

todos os prazos;

Ao Luis, parceiro de tantas aventuras intelectuais, pela cumplicidade.

Ao Luan, meu filho, pela paciência e resignação com os compromissos da mãe.

Torceu, como gente grande, pelo fim de cada capítulo, mas sempre teve a

certeza de que eu iria extrapolar os prazos combinados.

À minha mãe e a minha irmã, pelo suporte emocional. Só saber que estão aí já

me deixa mais feliz. Nos últimos dias de preparação do trabalho, quando tudo

que pode dar errado, dá, minha mãe mudou-se de armas e bagagens para

minha casa. Saber que ela estava por perto, vê-la fazendo todo esforço para

que tudo desse certo, deu-me a certeza de que tudo daria certo.
Ao Erô, apesar dos furos, apesar dos pesares, apesar de pular do barco no

meio da travessia. Sem ele não haveria prova de seleção, eu não teria feito o

projeto ou qualificação. Foi um misto de tudo: babá, copydesk, pesquisador,

revisor, digitador, moleque de recado e debatedor habilitado. Não posso

responsabilizá-lo por nada do que aqui está escrito, mas cada palavra, cada

espaço desse texto tem a sua contribuição.

A todos vocês que me fazem viver neste mundo, sem ter vergonha de ser feliz ,

Obrigada,
Nossa geração teve pouco tempo,
começou pelo fim.
Ah, moça!
Mas como foi bela a nossa procura.
Com tanta ilusão perdida,
quebrada.
Com tanto caco de sonho
onde até hoje a gente se corta

Alex Polari
RESUMO

PEREIRA, Márcia Guerra. Casablanca tropical: a polícia política e a


espionagem britânica 1939-1942. 2001. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

Esta dissertação teve como objetivo acompanhar o crescimento da


Policia Política no Brasil, articulando-a ao papel desempenhado pela Delegacia
Especial de Segurança Política e Social – DESPS no combate ao chamado
“Perigo Estrangeiro”, conceito desenvolvido pelas agências de segurança
durante o governo Getúlio Vargas, bem como pelas atividades de informação e
contra-informação durante a Segunda Guerra Mundial.Para alcançar este
objetivo acompanhamos as investigações desenvolvidas pela DESPS sobre a
comunidade britânica na cidade do Rio de Janeiro, entre 1939 e 1942,
baseando-me em documentos produzidos pela Policia Política durante o
período – relatórios, boletins, cartas e notas – que se encontram sob a guarda
do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, arrolados no fundo
DOPS/DPPS.

Palavras-Chaves: Polícia. Política. DESPS. Segunda Guerra mundial. Brasil,


Relações internacionais. Era Vargas. Espionagem britânica.
ABSTRACT

This dissertation has the purpose of following the growth of the Political
Police, articulated to the role played by the Delegacia Especial de Segurança
Política e Social - DESPS (Social and Political Special Security Department),
fighting the so called "foreign danger" and the information and counter-
information activities during the Second World War.So as to rich this aim, it
concentrates itself on the investigations developed by the police around the
British Community in the city of Rio de Janeiro, between 1939 and 1942, based
on documents produced by the own Political Police during their duty period -
reports, bulletins, letters and notes - gathered at the DOPS/DPPS files, under
the care of the Public Archives of the State of Rio de Janeiro

Keywords: Politic, Police. DESPS. Second World War. Brazilian International


Relations . Age Vargas, British Spy Service.
SUMÁRIO

1. RUMO À CASABLANCA ................................................................... 12

1.1 Tentando evitar o conflito................................................................... 14

1.2 Quando a guerra eclode ..................................................................... 30

2. ESTADO NOVO, "PERIGO ESTRANGEIRO" E POLÍCIA


POLÍTICA...............................................................................................37
2.1 Nação e "perigo estrangeiro" ............................................................ 39

2.2 Perigo estrangeiro" e a legislação .................................................... 50

2.3 A Polícia Política e o controle de estrangeiros ................................ 62

3. EM BUSCA DE INFORMAÇÕES ......................................................... 78

3.1 Os ingleses e a Polícia Política .......................................................... 82

3.2 A Polícia Política e os ingleses .......................................................... 88

3.2.1 Reprimindo a Campanha da Vitória ...................................................... 93

3.2.2 O Siqueira Campos, o Buarque e o Itapé ........................................... 100

3.2.3 Espionando a espionagem .................................................................. 107

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 112

FONTES.............................................................................................. 114

BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 116


12

1 Rumo à Casablanca

Em um dia quente de janeiro de 1940, o investigador 804 deixa sua casa

no bairro do Rocha, subúrbio carioca. Vai mudar-se, temporariamente, para

Copacabana. Conforme instruções recebidas de Seraphim Braga, chefe da

Seção de Segurança Social, precisava aproximar-se do capitão D.F. Mac Graff,

adido naval britânico no Rio de Janeiro. Havia alguns meses que a Delegacia

Especial de Segurança Pública procurava manter controle sobre a atuação dos

serviços de inteligência e propaganda da Inglaterra em território brasileiro. O

investigador 804 já empreendera diversas diligências com este fim. Campanas,

infiltrações, análises de documentos interceptados levavam-no a acreditar que

estavam prestes a revelar a hierarquia de agentes do Intelligence Service - IS -

no Brasil. Se conseguisse tornar-se próximo de Mac Graff, suspeito de ser um

dos chefes da organização inglesa, poderia vir a obter informações que

levassem a montagem final do quebra-cabeças. Possuía grande experiência

nesse tipo de tarefa e julgava-se bastante capaz.

Enquanto ia cumprindo o longo trajeto que o levaria ao famoso bairro de

Copacabana, na zona sul, para onde iria mudar-se temporariamente,

rememorava os passos necessários ao bom resultado da missão. O

apartamento, alugado por temporada, ficava a pequena distância da residência

do adido, permitindo, dessa forma, que ocorressem encontros "inesperados" e,

principalmente, por estar a poucos minutos da praia, que lá estivesse bem


13

cedo, horário em que Mac Graff fazia seus exercícios. A prática lhe dizia que

este seria o melhor momento para iniciar a abordagem. Considerou suficiente a

quantia que o capitão Seraphim Braga colocara a sua disposição para fazer

frente às despesas que viria a ter; o inglês não era dado a hábitos

extravagantes ou luxuosos. De toda sorte, dinheiro não era um problema. A

verba especial reservada pelo Chefe de Polícia, major Filinto Müller, para

tarefas como a que iria empreender, se necessário seria acionada.

Mentalmente foi relacionando os contatos já conhecidos do capitão:

nome, nacionalidade, posição social, cargo ocupado, grau de intimidade com o

inglês, tendências políticas e possível papel desempenhado no IS.

Preocupava-se em não esquecer quaisquer detalhes pois eles eram

fundamentais na investigação policial.


14

A cena que acabamos de ler parece ter saído de um dos inúmeros

romances de espionagem que, impressos em papel jornal e em formato de

bolso, eram vendidos em cada esquina a preço barato, introduzindo aventura e

mistério no modorrento ir e vir do trabalho de milhares de brasileiros, isso lá

pelos anos cinqüenta/sessenta. Entretanto, não é ficção. Todos os fatos ali

descritos foram extraídos dos relatórios nos quais Cecil Borer, o agente n.º

804, um dos responsáveis pelo mapeamento da rede de espionagem inglesa

no Rio de Janeiro, presta contas a seu chefe.

Para que possamos acompanhar melhor o desencadear da história, que

envolve guerra, diplomacia, espionagem, disfarces e infiltrações, delações e

falsas amizades, tentaremos delinear o cenário no qual a trama se desenrola.

1.1 Tentando evitar o conflito

No transcorrer da década de 30, os avanços da política expansionista

alemã, deixavam antever aos contemporâneos, de forma cada vez mais nítida,

tempos de crescentes conflitos. Essa possibilidade não agradava aos ingleses,

marcados pelos pesados revezes da Primeira Grande Guerra e bastante

interessados em evitar a generalização dos embates no continente, na certeza

de que não conseguiriam manter-se à margem em um conflito que adquirisse

grandes proporções.

Bem a gosto dos britânicos, o primeiro-ministro Neville Chamberlain

empenhava-se na construção de uma saída civilizada e sensata: a

possibilidade da Alemanha ser contida uma vez que houvessem sido satisfeitas
15

suas justas queixas. Isto é, desde que fosse reconhecido internacionalmente

que o Tratado de Versalhes fora injusto em relação aos germânicos e de que

não lhes poderia ser negado o direito a exercer um papel proeminente no

continente (para o que certamente contribuía a visão não muito positiva dos

ingleses em relação a seus aliados franceses). Mormente se tal

reconhecimento não envolvesse a cessão de interesses britânicos.(MORGAN :

1984)

A avaliação do gabinete de Neville Chamberlain era de que em caso de

guerra a Grã-Bretanha nada teria a ganhar. E que, de toda sorte, uma derrota

alemã deixaria a Europa oriental desguarnecida frente a Rússia soviética.

Perspectiva bastante temerária, do ponto de vista conservador. Assim sendo, o

Apaziguamento configurava o melhor caminho a ser trilhado1.

Até o acordo de Munique, em setembro de 1938, esta orientação poderia

ser considerada majoritária no interior do Império. A. J. Taylor nos diz que

quando a crise dos Sudetos estava no seu auge, sentia-se por toda a parte o

medo de que os bombardeios do Reich reeditassem em Londres o massacre

que acometera Guernica. Por esta razão, ao ser firmado o pacto de não

agressão germano-britânico, quase toda a imprensa da Ilha, com um certo

alívio, afirmou ser ele uma alternativa preferível à guerra, referendando a

posição do gabinete inglês. (TAYLOR : 1989, p. 383) Não obstante, ficara o

desconforto ante a constatação da fragilidade partilhada por Inglaterra e

França. Tornava-se imperioso melhorar o arsenal das democracias, fosse para

1
Apaziguamento é o termo cunhado pela historiografia para designar a política capitaneada
pelo primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain de tentar evitar a eclosão da guerra e, em
especial a participação britânica por meio de concessões parciais aos principais contentores.
Conferir A.J.P. Taylor, História de Inglaterra, capítulo XII.
16

servir de lastro nas próximas negociações ou para travar a guerra. Esta

considerada, por um número cada vez maior de pessoas, como inevitável.

Muito embora as vozes favoráveis a uma ação britânica contra os

nazistas se tornassem cada vez mais altas, foi possível ao governo dar

continuidade à sua diretriz conciliadora por mais alguns meses, pois os

alemães pareciam satisfeitos em suas pretensões. O que permitiu, também,

que perdurassem as desavenças internas em relação à preparação bélica,

levando a que os efeitos, em termos materiais, da decisão de incrementar o

rearme fossem lentos, uma vez que para concretizá-la era necessário desviar

mão-de-obra e capital da indústria aérea, considerada por grande parte dos

estrategistas militares da época como a de maior prioridade2.

O desmembramento da Tchecoslováquia, em março de 1939, pode ser

tomado como marco na mudança do estado de espírito dos ingleses. Apenas

seis meses depois de assegurarem o fim das anexações, os alemães, sem

quaisquer formalidades, se apoderavam da parcela mais desenvolvida e

valiosa do antigo Estado (a Boêmia). Para grande parte da opinião pública

britânica esta atitude configurava o deslanchar da conquista mundial nazista

que só poderia ser barrada pelas armas. Cabia a Inglaterra a defesa da

Europa. Cabia ao gabinete Chamberlain organizar a defesa do reino. Essa

pressão refletiu-se em acordos internacionais e medidas internas, como a

criação do ministério de abastecimento e o serviço militar obrigatório. O

ministério Chamberlain empenhava-se em evitar o confronto, todavia, o xadrez

da guerra já era o tema principal em discussão. A terra de John Bull tombaria

2
Segundo A. J. P. Taylor, apenas em 1941 os objetivos elencados em 1938 foram alcançados.
17

vergada pela disciplina germânica? Em que medida a imperial esquadra de

Sua Majestade ainda ditaria os rumos do mundo? Qual o procedimento frente a

uma possível invasão da Polônia? França e Inglaterra poderiam contra-atacar?

A ajuda soviética poderia ser assegurada? Seria desejável?

Quando, no primeiro dia de setembro, as tropas do Reich invadiram a

Polônia, ninguém foi surpreendido pelo episódio. O mundo já a esperava.

Entretanto, apenas a França, a Grã-Bretanha e seus domínios declararam

guerra aos invasores. Os demais países optaram por aguardar os próximos

acontecimentos. E, surpreendentemente para os contemporâneos, estes

tardaram.

Por toda a parte havia a impressão de que se tratava de uma falsa

guerra, ou uma Guerra de Mentira como era chamada pela imprensa ocidental,

pois não apresentava a virulência e a ferocidade que haviam marcado o conflito

de 1914 e a Guerra Civil Espanhola, por exemplo. Alemães, franceses e

ingleses, ao contrário do que era esperado, não haviam travado qualquer

grande batalha. O ímpeto do Reich parecia ter sido contido após a devastadora

tomada de Varsóvia. Na Inglaterra, as máscaras contra gases distribuídas à

população permaneciam sem uso. Os teatros e cinemas haviam voltado a

funcionar e cerca de 2/3 das mães e crianças mandadas, em setembro, para

longe das áreas consideradas mais vulneráveis da ilha, já haviam retornado a

suas casas.

Poder-se-ia mesmo pensar que a paz ainda poderia ser negociada,

desde que "o governo alemão... [desse] ... provas convincentes de seu desejo

de paz, por meio de atos concretos ou por meio de garantias efetivas de suas
18

intenções de cumprir seus compromissos"3. Lamentar-se-ia a perda do Polônia,

mas afinal ela mesma não havia invadido uma parte da Tchecoslováquia, em

1938?

Mas, a própria possibilidade de negociações assentava-se num relativo

equilíbrio de forças e, portanto, se no front não se travavam verdadeiras

batalhas, na economia, na produção e na diplomacia o mesmo não ocorria.

Cada país, direta ou indiretamente envolvido, procurava dispor de suas peças

da melhor forma possível.

Isso significava mobilização interna, políticas práticas de cooperação

internacional, acordos e pesquisas para disponibilização de matérias-primas e

tecnologia, pesquisa e, não menos importante, a montagem de agências

capazes de dotar os governantes de informações sobre a movimentação do

inimigo - os serviços secretos.

No continente americano, desde que as disputas européias começaram

a tomar vulto, evidenciava-se a preocupação com o não envolvimento

continental. Cada país apresentava um conjunto de justificativas para manter-

se à margem dos contendores, mas, de uma forma geral, os argumentos

poderiam ser assim resumidos:

- não temos nada a ver com isso: os interesses em jogo são

exclusivamente europeus. As retaliações, as injustiças e as pretensões

brandidas estão referidas ao contexto europeu e as nações americanas nada

terão a ganhar ou a perder com elas;

3
Declaração do Primeiro Ministro britânico, Neville Chamberlain, à Câmara dos Comuns, em
12 de outubro de 1939, a propósito da possibilidade de abertura de negociações acenada por
Adof Hitler e divulgada pela imprensa alemã. Citada em História do Século XX, v.4, p. 1838.
19

- nossa tradição é o pacifismo: ideologicamente, as rivalidades

se referem ao cenário europeu. A tradição americana dá origem a outros perfis

ideológicos, não se colocando, portanto, a disputa neste cenário;

- não estamos militarmente preparados: há inexistência de

armamento e quadros humanos suficientes para assegurar a defesa do

território frente a um inimigo e dificuldade de contar com o apoio do aliado que

estaria a pelo menos um oceano de distância;

- não podemos prejudicar os negócios: pois a dependência

visceral do mercado externo, como fornecedor e consumidor da produção

nacional, levava a que uma interrupção ou redução de fluxo do mesmo, em

virtude da guerra, pudesse vir a provocar sérios abalos na ordem interna. A

possibilidade de fornecer para os dois possíveis blocos em choque se mostrava

muito mais lucrativa. Evidentemente esta argumentação não se aplicava aos

Estados Unidos, muito embora este também visse com bastante agrado a

perspectivas comerciais do conflito.

Este conjunto de argumentos deve ser pensado tendo como pano de

fundo o quadro geral de reação aos efeitos da crise econômica de 1929 e

poderiam ser apresentados separadamente ou combinados.

Para a América Latina, distante todo um oceano do palco dos conflitos,

não se apresentava imediatamente a necessidade de tomar posições entre os

campos em choque. Antes de tudo, se colocava o reconhecimento da

fragilidade estrutural de um modelo agrário-exportador, que viria a sofrer um

sério impacto com a ruptura das vias regulares de crédito e comércio. Impacto

cujas conseqüências poderiam ser radicais, em se pensando a fragilidade das


20

alianças internas, a presença de novos atores na cena política e uma pressão

já existente no sentido da modernização capitalista. Manter-se à margem do

conflito era quase imperioso, mormente enquanto esse não estivesse

claramente definido.

A situação norte-americana, por sua vez, também a levava a encarar a

guerra como um episódio circunscrito ao Velho Mundo. Um dos pilares de sua

estratégia de superação da crise econômica foi a recomposição do comércio

internacional. A dimensão de sua economia, mesmo abalada pela crise,

permitia-lhe pensar uma saída mundial, que destinava à América Latina um

espaço privilegiado - seu „destino manifesto‟ era tornar-se mercado fornecedor

de matérias-primas e consumidora de bens manufaturados de seu parceiro do

norte. A ação americana foi bastante incisiva e levou a que, durante a década,

os EUA se tornassem efetivamente indispensáveis à economia da maioria dos

estados da América Latina.

Se, por um lado, a destinação desse papel de trampolim para o

crescimento norte-americano àqueles que se encontram ao sul do Rio Grande

não era novidade, a forma pela qual procuraram implementá-lo ganhou novos

contornos. Em 1932, é eleito presidente dos Estados Unidos Franklin D.

Roosevelt. E será no quadro das transformações postas em prática durante

seu governo como forma de superar os efeitos da crise de 1929 – conhecidas

como New Deal - que se processará a reorientação da política externa

americana, subordinando aos interesses mais gerais do Estado aqueles do

capital privado.
21

Sua expressão foi a substituição da imposição da dominação por meio

de instrumentos coercitivos, tais como a Doutrina Monroe e o seu famoso

corolário Roosevelt, por uma busca de estreitamento dos laços comerciais,

políticos e culturais que viessem a unir o continente - boa vizinhança e pan-

americanismo4 são sua tradução5. Roosevelt, em seu discurso de posse, revela

esta nova6 orientação ao afirmar que se empenharia "...no estabelecimento de

uma política de respeito com nossos vizinhos [...] numa política de respeito aos

direitos de nossos bons vizinhos. Bons vizinhos devem cumprir acordos e

respeitar tratados."7 A partir da segunda metade da década de 1930, estes

procedimentos irão se tornando mais e mais significativos no processo de

afirmação dos EUA.

Não obstante, a centralidade desempenhada pelo comércio externo na

agenda de Roosevelt não supera a presença popular de um forte sentimento

isolacionista - o mesmo que atuara decisivamente na decisão do congresso

americano, em 1918, de não integrar a Liga das Nações - cuja expressão

política mais decisiva, em território norte-americano, é o Partido Republicano,

majoritário no congresso e oposição aos democratas no poder. O peso da

perspectiva isolacionista se fez sentir quando, em 1935, foram definidas em lei,

normas que assegurassem total neutralidade norte-americana em caso de

guerra. Ou, de forma ainda mais incisiva, com a publicação em 1936, de


5
Antonio Tota, em seu livro O Imperialismo Sedutor, analisa os mecanismos de implementação
desse novo tratamento dispensado pelo governo norte-americano aos 'amigos do sul', na qual
se destaca a ação do Office of the Coordinator of Inter-american Affairs, sob a regência de
Nelson Rockefeller, na americanização do Brasil.
6
Se não de todo nova, pois Hoover reagindo à contestação ao Big Stick manifestara claros
indícios de suavizar a pressão do abraço do amigo do Norte, agora era encarada como
estratégia oficial da política externa americana para a América Latina.
7
Apud TOTA (2000 : 177)
22

adendos à legislação impedindo toda forma de comércio com países

beligerantes. O isolacionismo sobrepunha-se à máxima de que "os negócios

dos Estados Unidos são os negócios".8

O crescimento das tensões internacionais, entretanto, impõe novas

exigências aos EUA. Se um setor expressivo da sociedade norte-americana se

mostra refratário a qualquer envolvimento, mesmo comercial, com os

beligerantes, essa não é a posição do presidente nem de parte do seu staff. O

peso da sua economia e a sua dimensão mundial, impõem sua presença. É

para os EUA que os britânicos se dirigem pedindo auxílio. É, também, para os

EUA que se voltam os olhos dos estrategistas do Eixo. A imobilidade torna-se

cada vez mais difícil de ser mantida externamente. Ainda que, em função do

forte peso dos isolacionistas internamente, os movimentos tenham que ser

milimetricamente planejados e precedidos de sondagens de opinião e

propaganda.

Washington mostra-se preocupado com a crescente presença nazista na

América do Sul. Os não partidários do isolacionismo, entre os quais se incluía o

próprio presidente Roosevelt, imputavam à falta de reação norte-americana o

espaço ocupado pela Alemanha na região. Os preconceitos isolacionistas

vedariam uma ação mais incisiva e menos tradicional para a área, que pudesse

se contrapor às facilidades comerciais oferecidas pelos germanos e que

resultavam da imperiosa necessidade de produtos primários nos projetos de

expansão de Hitler. Kennedy nos chama atenção para as fraquezas da

economia alemã em seu processo de rearmamento e preparação para a

8
Quase todas as obras que discutem a eclosão da II Grande Guerra abordam o isolacionismo
americano. Destaco o trabalho de Nicholas Cull no qual o autor analisa o papel da propaganda
23

guerra: o crescimento vertiginoso de sua estrutura militar foi acompanhado por

uma demanda crescente por matérias-primas e minerais estratégicos de que

não dispunha internamente, ao contrário dos Estados Unidos, do Império

Britânico e da União Soviética. “Rico apenas em carvão, o Reich precisava de

enormes quantidades de minério de ferro, cobre, bauxita, níquel, petróleo,

borracha e muitos outros itens dos quais a indústria moderna depende”

(KENNEDY : 1995, p.206/7).

Será esse o eixo principal a nortear os interesses alemães no continente

americano e, em particular no Brasil, contando ainda como aspectos

facilitadores de sua ofensiva a existência da expressiva zona de colonização

alemã (cerca de 1 milhão de imigrantes alemães e teuto-brasileiros ao sul do

Brasil) e a identificação ideológica de parcela dos quadros dirigentes ao regime

alemão, além de certo sentimento antibritânico e antiamericano a permear as

camadas médias e as elites locais (fruto da tradição comercial exploradora

destes dois países).

Desde 1934 foram se estreitando as relações comerciais entre a

Alemanha e os países ao sul do continente americano, tendo como pedra

fundamental o comércio compensado, ao qual se somaram a criação de

mecanismos conjuntos de combate ao comunismo e uma certa identidade

resultante das práticas autoritárias de governo (GAMBINI : 1987; SEITENFUSS

: 1985).

britânica na sua superação.


24

Os resultados desta pressão ficam claramente expressos ao

constatarmos a importância relativa destes países na balança comercial

brasileira:

PARCEIROS COMERCIAIS DO BRASIL – IMPORTAÇÕES (%)9

Ano Estados Alemanha Inglaterra


Unidos
1932 30,2 9,0 19,2
1936 22,1 23,5 *
1937 23,0 23,9 *
1938 24,2 25,0 10,4
1939 33,4 19,4 9,3
1940 51,9 1,8 9,4
* dado não disponível
PARCEIROS COMERCIAIS DO BRASIL – EXPORTAÇÕES (%)10

Ano Estados Alemanha Inglaterra


Unidos
1932 45,8 8,9 *
1938 34,3 19,1 8,8
1939 36,6 12,0 9,6
1940 42,3 2,2 17,3
* dado não disponível

9
A tabela é de minha autoria tomando por base os dados constantes em CERVO e BUENO.
História da Política Exterior do Brasil..
10
Idem.
25

Face a este quadro, os homens de Tio Sam, sempre tão crédulos,

pareciam achar verdadeiramente possíveis os boatos de que os alemães ou

italianos viriam a incorporar áreas das Américas Central e do Sul aos seus

territórios. Para os que partilhavam deste diagnóstico a presença de

expressivo contingente de imigrantes de nacionalidade alemã ou italiana e os

vínculos de parcela das elites dirigentes, sobretudo o Exército, com a

Alemanha, facilitariam as pretensões nazistas. Configurava-se, destarte, uma

ameaça concreta aos Estados Unidos. Colocava-se, para ele, então, a

ampliação de seus limites de defesa para além daqueles já tradicionais – o

Pacífico, o Caribe e a América Central – incorporando toda a América do Sul.

Era preciso, portanto, vencer as resistências que poderiam advir dos países

que compunham a região e que já poderiam ser previstas, levando-se em conta

as relações pretéritas dos EUA com alguns deles.

Estreitar os laços, aparar arestas, fazer concessões, vencendo as

resistências quer da opinião pública norte-americana, quer da latino-americana,

vindo a forjar uma sólida unidade continental, na qual a periferia viesse a

perceber como seus os interesses oriundos do centro hegemônico do sistema

de poder. Delicada missão para os formuladores da política externa dos EUA.

Foi levada a cabo, com o reforço dos ideais do pan-americanismo, sólida

construção ideológica internacionalista que justifica o papel protagônico

desempenhado pelos Estados Unidos imputando-o a necessidade de defesa

do continente contra um inimigo externo, ocultando dessa forma o verdadeiro

significado de sujeição no processo11. Na consecução desse objetivo

11
A eficiência ideológica do pan-americanismo pode ser comprovada nos registros do DOPD.
registros do DOPS: Apesar do grande número de empresas norte-americanas atuando no Rio
26

sobrelevam-se as relações diplomáticas bilaterais e, principalmente coletivas,

como as diversas reuniões de consulta para dirimir problemas entre as várias

Repúblicas do continente, reafirmando simbolicamente a igualdade entre elas.

Vejamos, como exemplo, a realização da Conferência de Consolidação

da Paz, ocorrida por iniciativa dos Estados Unidos, em dezembro de 1936.

Roosevelt, em julho de 1935, chama a seu gabinete Oswaldo Aranha,

embaixador brasileiro nos EUA, e lhe diz:

"Dada a situação mundial resolvi dirigir-me, em carta


pessoal, a todos os presidentes dos países americanos
sugerindo a necessidade de aproveitarmos esta oportunidade
para reunir todos os nossos países em uma conferência a fim
de dar segurança à paz americana, quer pela ratificação de
acordos já existentes, quer pela modificação dos mesmos para
torná-los mais efetivos, quer por novos que venham a ser
sugeridos. Não faço convites. Sugiro apenas. (...) Não quero
tomar essa iniciativa sem conhecer a opinião do Presidente
Vargas. Peço-lhe que faça isso servindo de intermediário entre
dois amigos. Diga-lhe que quero sua opinião e mesmo seu
conselho..."12(grifos meus)

de janeiro, da circulação de artistas, pesquisadores de opinião, técnicos em comunicação e


militares, destacando algumas atividades sempre encaradas com suspeição pela Polícia
Política os norte-americanos não são identificados como possíveis suspeitos. Suas atividades
praticamente, não são controladas. Há apenas uma pasta da qual constam registros banais
sobre a Embaixada. Comparemos as presenças:
Nacionalidade Vistos 1938/1939 1938/1944
concedidos

Alemães 2.694 7.734 10.428


Espanhóis 2.342 1.045 3.387
Franceses 2.211 1.744 3.955
Ingleses 3.555 3.249 6.804
Italianos 1.504 4.536 6.040
Japoneses 3.354 4.161 7.415
Norte-americanos 22.616 6.033 28.649
Portugueses 22.910 23.726 56.636
Total Geral 98.265 67.471 167.736
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. 1939;1940;1941/45
Excluídos os sul-americanos, que como afirmamos acima foram alvo de preocupação
específica da polícia, estão aí representadas as principais nacionalidades a obterem vistos no
Brasil. Todas, salvo portugueses, tiveram pastas abertas no período. O conceito de estrangeiro,
portanto, está para além do geográfico.
12
CPDOC. AGV. " Telegrama de Oswaldo Aranha a Getúlio Vargas, de 20 de julho de 1935".
27

O presidente brasileiro, uma semana depois, envia carta a seu

embaixador respondendo:

"Acolhi a sugestão com viva e sincera simpatia. (...)


Observação atenta da marcha dos acontecimentos acabou
convencendo-me da necessidade de orientarmos os nossos
destinos para rumos diferentes. A situação política da Europa e
da Ásia, o imperialismo agressivo das nações mais fortes
desses continentes, os nacionalismos econômicos com
tendências a se fixarem na autarquia, o acordo de Ottawa, que
asfixiou o tradicional livre-cambismo da Inglaterra, a
colonização da África, desenvolvida com o objetivo de
dispensar o consumo de produtos americanos, ...enfim, esses e
outros aspectos sintomáticos do desequilíbrio alarmante que
abala, nesta hora de profundas inquietações, a estrutura dos
povos da velha civilização, vinham preocupando, há muito, o
meu espírito. A atitude que se me afigurava mais razoável e
simpática, para reagirmos contra semelhante estado de coisas,
era a de uma aproximação cada vez maior de todos os países
americanos, em defesa de seus interesses, fazendo um direito
americano, uma pauta aduaneira americana, organização de
crédito americano etc. (...)13

Na mensagem do presidente norte-americano a cordialidade, diríamos

mesmo fraternidade, é bastante evidente: no chamamento do embaixador a

seu gabinete, que se justifica na amizade que une Roosevelt a Vargas; na

ênfase dada a importância dos conselhos do brasileiro, o que pressupõe estar

confiante na convergência de opiniões. Bem como é evidente a intenção de

não parecer estar a fazer imposições. Sequer convida, sugere. Vargas, ao

responder, mostra-se sensível a esta preocupação, destacando a simpatia

como critério positivo na tomada de posições, e reafirma a busca da união,

sobretudo de uma união que se reflita em medidas concretas.

Avançando neste sentido, o Itamaraty chega mesmo a preparar um

proposta de Pacto Interamericano de Segurança Coletiva, em que propõe


28

normas a serem cumpridas em caso de intervenção de potência

extracontinental em qualquer país americano. Oswaldo Aranha, que deveria

discuti-la com o Departamento de Estado norte-americano presta conta das

dificuldades que vem encontrando:

"Este país, em virtude de pressões da opinião pública, tende,


cada vez mais, a isolar-se de questões internacionais. (...) Sei
que organizações pacifistas, que se encontram neste país por
milhares, fizeram sentir ao Presidente que, como complemento
à política do 'good neighbor', devia declarar que o monroismo
não tinha mais razão de ser. Sei que o Presidente dos Estados
Unidos não concordou, afirmando: 'Enquanto eu for presidente
dos Estados Unidos, nenhum país extracontinental ocupará
uma polegada do território continental', tendo Mrs. Davies, uma
das grandes líderes pacifistas deste país, representando
milhões de mulheres, retorquido que 'para isso ele não
contaria com o povo americano, pois nada justificaria o
sacrifício deste país para acautelar terras despovoadas e
abandonadas como, por exemplo, as do Brasil, da Venezuela e
outras."14

As marchas e contramarchas diplomáticas levaram a aprovação de um

pacto muito menos incisivo, no qual se reafirmava o princípio de que uma

ameaça extracontinental à segurança de uma nação americana seria

considerada como uma ameaça a todas e se estabelecia mecanismos de

consulta entre os países hemisféricos em caso destes se sentirem em perigo.

Se menos enfático e prescritivo do que esperavam alguns, suficiente para

assegurar a coesão dos participantes.

A necessidade de que as decisões tomadas expressassem uma posição

unitária das nações americanas foi outro traço característico da política do pan-

americanismo que pautou o jogo diplomático do continente nos anos em foco.

Em cada um dos encontros coletivos respondia-se as demandas da conjuntura

13
CPDOC. AOA. "Carta de Getúlio Vargas a Oswaldo Aranha, de 27 de julho de 1935"
29

internacional, preservando o consenso. Em todas as reuniões interamericanas

que se seguiram este princípio foi resguardado.15

Todo esse processo de construção de uma identidade continental é

profundamente bem sucedido, tornando-se mais do que discurso oficial,

discurso hegemônico.16 Quando a guerra eclode, por toda a parte se propaga o

discurso da neutralidade e identidade continentais, referenciadas na posição

norte-americana. Tomemos como exemplo o editorial "A Posição do Brasil",

escrito por Danton Jobim para o Diário Carioca, publicado em 05 de setembro

de 1939.

O governo baixou ontem um decreto lei mandando


observar completa neutralidade na guerra entre a Alemanha e
a Polônia.
Este ato de nosso governo não pode deixar de ser bem
recebido pelo país inteiro, pois não existe um só brasileiro que
não deseje a paz. Nossa atitude deve ser, portanto, a de
conservarmo-nos alheios à guerra, fiéis à tradição pacifista que
tem sido uma constância na civilização nacional. Na reunião
de Sábado, no palácio do Catete, ficaram assentadas as
diretrizes da atitude brasileira, em face da guerra, atitude que
será de neutralidade e de paz, segundo declarou a nota oficial
distribuída aos jornais.
(...)
***

No discurso que acaba de dirigir aos seus compatriotas,


o presidente Roosevelt definiu de maneira clara a conduta de

14
CPDOC. AOA. "Carta de Getúlio Vargas a Oswaldo Aranha, de 26 de agosto de 1936".
15
Na Conferência de Lima, em 1938, quando é aprovado aquele que é considerado o
documento mais importante da história das relações interamericanas (SEITENFUSS, 1985),
cujo texto reafirma a solidariedade continental e o princípio da não-intervenção estrangeira nas
questões continentais; identifica a democracia e a liberdade como valores comuns aos
governos americanos, defendendo a sua preservação contra o ataque de ideologias exógenas;
constata que na América prevalece o espírito de integração étnica, lingüística e religiosa entre
os povos que não confere legitimidade à invocação coletiva da condição de minoria;
assegurando, por fim, a liberdade dos Estados americanos interditarem a atividade política aos
estrangeiros, a oposição da Argentina às proposições de Estados Unidos e Brasil fez com que
as resoluções tivessem apenas o caráter de recomendação, não obrigando os seus signatários.
16
É crescente o número de trabalhos que analisam a implementação da chamada política da
Boa Vizinhança, abordando as distintas esferas de sua implementação. Remetemos ao
trabalho de Tota já citado para um aprofundamento bibliográfico.
30

seu país em face da guerra européia. São suas as palavras


abaixo transcritas as quais interpretam o pensamento
continental, nesta hora de apreensões e amargura pelo mundo
inteiro:
(...)
***
Esse é, como se verifica, o ponto de vista de todos os
americanos diante da espantosa catástrofe que ensangüenta o
mundo.
Devemos ficar materialmente alheios a guerra,
mantendo uma neutralidade efetiva. Na verdade nada temos
que ver com as divergências e lutas dos povos europeus.
Todavia temos muito que ver com a civilização e a cultura, é
por isso que acompanhamos, com verdadeira desolação o
desenrolar dos acontecimentos no Velho Mundo.
Não temos a menor dúvida de que a causa do direito e
da justiça - ou melhor a causa da civilização - triunfará nessa
guerra. É nesse sentido que formulamos os nossos votos,
porque só nos devem interessar as forças espirituais. A posição
do Brasil é a mais estrita neutralidade.
***
Por tudo isso, a neutralidade deve ser a nossa lei
suprema diante dos horrores da guerra, porque a vocação
histórica do povo brasileiro foi sempre a de seguir a causa da
paz.
Só assim seremos dignos do nosso passado e
evitaremos que a tragédia européia seja transportada para o
solo livre e pacífico da América.17

1.2.Quando a guerra eclode

Uma vez deslanchado o conflito, as preocupações de alemães, norte-

americanos e ingleses em relação ao Brasil sofrerão algumas alterações.

Como vimos acima, imediatamente após a invasão da Polônia pela tropas de

Hitler o presidente brasileiro anuncia a posição de neutralidade diante do

conflito e define as regras que deverão ser seguidas, publicando-as em todos

os principais órgãos de imprensa. O decreto-lei presidencial faz saber que:

17
Diário Carioca, 05/09/1939, p. 6
31

"Art. 1.º– O Governo do Brasil abster-se-á de qualquer ato que,


direta ou indiretamente, facilite, auxilie ou hostilize a ação dos
beligerantes. Não permitirá, também, que os nacionais ou
estrangeiros, residentes no país, pratiquem ato algum que
possa ser considerado incompatível com os deveres de
neutralidades do Brasil.
Art. 2.º– No território do Brasil, compreendendo as águas
interiores e as territoriais, com seus respectivos fundos fluviais,
lacustre e marinho, e o espaço aéreo correspondente, não será
tolerado ato algum dos beligerantes que possa ser considerado
ofensivo da neutralidade brasileira.
Art. 3.º– Não constitui infração da neutralidade a simples
passagem por águas territoriais brasileiras de navios de guerra
e presas dos beligerantes.
Art. 4.º – É vedada a formação, em território brasileiro, de
corpos de combatentes para servirem a quaisquer dos
beligerantes, e bem assim a instalação de escritórios, agências
e ofícios de alistamento, quer dos próprios nacionais dos
beligerantes, quer de brasileiros ou naturais de outros países.
É vedada também a arrecadação de donativos ou remessa de
fundos para as nações beligerantes, exceto para o serviço da
Cruz Vermelha.
Art. 8.º– É absolutamente interdito aos beligerantes fazerem
do litoral e das águas territoriais brasileiras bases de operações
navais contra os adversários. É igualmente vedado aos
beligerantes receber nos portos do Brasil gêneros vindos
diretamente para eles em navios de qualquer nacionalidade.
......................................................................................................
Art. 18.º– Os navios beligerantes admitidos nos portos, baías
ou ancoradouros brasileiros, permanecerão nos portos que
lhes foram designados pelas autoridades locais, em perfeita
tranqüilidade e completa paz com todos os demais navios que
ali estiveram, ainda que sejam de guerra, de outra potência
beligerante.
......................................................................................................
Art. 23.º– Todo ato de hostilidade, inclusive a captura e o
exercício de visita, praticada por navio ou aeronave
beligerante, em águas territoriais brasileiras ou espaço aéreo
correspondente, constitui violação da neutralidade brasileira e
ofende a soberania da nação. O Governo Federal pedirá ao
governo beligerante, a que pertencer o navio ou a aeronave,
além da satisfação pela ofensa recebida, as providências
tendentes à anulação dos efeitos do abuso praticado ou a
reparação do dano causado."18

18
Decreto-lei presidencial n.º 1561, de 02 de setembro de 1939.
32

Ainda em setembro tem lugar a primeira reunião extraordinária dos

ministros das Relações Exteriores do continente americano - a Conferência do

Panamá - convocada com o fito de recomendar aos participantes medidas

relativas à aplicação da neutralidade, à proteção da paz e à cooperação

econômica continental. Seitenfuss, em sua análise da participação brasileira e

das tensões que envolveram o continente por ocasião da reunião afirma que

"A Conferência do Panamá faz três declarações importantes: a


primeira é uma Declaração Geral de Neutralidade (...). A
Segunda declaração fundamental é uma interpretação da
neutralidade. Ela é conhecida como sendo a Declaração do
Panamá, e visa tornar efetiva a neutralidade e a paz do
continente americano, instituindo uma 'zona de segurança
continental" marítima no Atlântico. (...) Essa zona de paz - com
300 milhas de largura - permite, além do mais, que os países
americanos mantenham, como no passado, sua navegação
marítima, sem medo de serem envolvidos nas operações de
guerra. (...) A terceira declaração de princípios importante é
conhecida como Declaração conjunta de Solidariedade
Continental. Não se trata de um pacto militar ou de um tratado
que dita as normas de segurança coletiva continental, (...)
trata-se apenas de uma declaração de princípios, com três
pontos, na qual os Estados americanos colocam em evidência
sua interdependência diante da paz e fazem uma promessa
mútua de utilizarem todos os meios 'materiais e espirituais' a
fim de conservar e consolidar a paz no Novo Mundo.91985, P.
160/1)

Do ponto de vista dos países beligerantes a neutralidade continental

provoca reações em dois campos distintos, em relação à chamada "zona de

segurança" e em relação à liberdade comercial e de comunicações nas áreas

neutras.19 Observando friamente a posição dos signatários do documento

19
Em relação à liberdade comercial e de comunicações há uma pressão por parte da
Alemanha para que ela seja interpretada de forma mais plena possível, isso significando que
os países neutros podem comerciar quaisquer produtos, inclusive armamentos e matérias-
primas estratégicas, com quaisquer das partes, bem como liberdade de operações de firmas,
embaixadas e cidadãos dos países beligerantes (desde que não atos propriamente militares)
em território neutro. Quanto à zona de segurança a Inglaterra, principalmente, vai frisar sua
33

percebemos que apenas os Estados Unidos poderiam fazer valer o escrito.

Aos demais governantes faltavam condições mínimas para operacionalização

das decisões tomadas.

Em larga medida, o que define o alcance da posição é a própria

dinâmica da guerra. Neste caso, um dos fatores determinantes foi a guerra

travada no Atlântico entre Sua Majestade e o Führer visando, por parte dos

aliados, a salvaguardar, por meio de sua reputada superioridade naval, a

integridade das linhas de fornecimento dos suprimentos que lhes eram

indispensáveis, ao mesmo tempo em que bloqueavam o comércio dos países

neutros com as forças do Eixo e, por parte deste, produzir o isolamento da Grã-

Bretanha. Episódio conhecido como a Batalha do Atlântico.20 Os Estados

Unidos eram capazes de exercer a vigilância sobre o seu litoral, abarcando

ainda o mar das Caraíbas. E a América do Sul com o seu vasto litoral? E,

principalmente o Brasil, que possuía sozinho 7 400 quilômetros de costas e

uma Marinha de Guerra incipiente como poderia assegurar a proclamada

neutralidade? Como poderiam impedir que, quer Alemanha, quer Inglaterra

viessem a se instalar em seu território, instalando rádios, localizando navios,

transmitindo suas posições, abastecendo e abrigando vasos de guerra – enfim,

envolvendo-os diretamente na conflagração.

insustentabilidade em relação ao Direito Internacional, por ser um gesto unilateral, e não a


a
reconhecerá. Cf. SEITENFUSS, 1985; SILVA, 1972 ; HUMPHREYS, 1981/2.
20
Assim que a guerra é declarada o transatlântico britânico Athenia é posto a pique pelo U30 -
submarino alemão. Para evitar novas perdas os aliados organizam um sistema de navegação
no qual os navios mercantes viajam agrupados e protegidos por vasos militares, trafegando por
duas rotas, exclusivamente. Uma ligando Leste/Oeste e outra para os navios procedentes do
Atlântico Sul, Mediterrâneo e África Ocidental. Apesar da superioridade inicial aliada, que além
da maior quantidade de naves possui o radar, quando a França é conquistada pelos exércitos
alemães (maio de 1940) a situação se inverte. Passando a dispor de bases que permitiam
alcançar com facilidade as linhas de navegação mercante no Atlântico os ataques germânicos,
34

A prevenção aos ataques marítimos alemães fazia com que a América

latina e o brasil em seu interior, viessem a se tornar extremamente importantes

do ponto de vista estratégico. Londres e seus aliados em Washington, aí

incluídos Roosevelt e seu staff (que entretanto mantinha internamente a

posição de neutralidade assumida no Congresso Americano) passaram a

trabalhar com dois cenários distintos em relação ao Brasil, ambos geradores de

grandes preocupações.

Num primeiro, o governo brasileiro, ainda que respeitando piamente a

posição de neutralidade, desprovido do instrumental básico - aviões, lanchas,

radiotransmissores entre outros - sem agentes treinados - espiões, oficiais,

criptógrafos - e sem recursos, não possuía condições de controlar a ação do

Eixo em terra e, em muito menor escala, no mar. Na primavera de 1939, o

Cônsul e o Vice-cônsul Britânicos na Bahia, em entrevista com o interventor

interino e o representante da polícia local, apresentaram uma lista de quesitos

a serem respondidos formalmente pelas autoridades brasileiras. Nela se pode

perceber a intranqüilidade dos ingleses, bem como a incredulidade na

eficiência da ação brasileira :

– solicitação de patrulha no cais;


– em caso de solicitação de patrulha se haveria a
possibilidade dela ser feita imediatamente;
– possibilidade do Estado fazer fiscalização de todas as
pessoas que entram nos cais e armazéns;
– concessão de passes para acesso às áreas de cais e
trapiches;
– se o Estado poderá tomar medidas especiais para
rigorosa fiscalização de todos os trapiches;
– se o Estado poderá tomar precauções para proteção dos
depósitos de explosivos da ilha de Itaparica;

até dezembro de 1941, irão afundar ou destruir um total de navios que superava em 7 milhões
de toneladas os navios lançados ao mar para substituí-los. Cf. MACYNTIRE, 1968.
35

– se quando o cônsul comunicar o nome de pessoas


capazes de provocar atos de sabotagem o Estado terá
condições de vigiá-las;
– se o Estado fará ou permitirá que seja feita a fiscalização
de estivadores, conferentes de carga, etc. indo a bordo
dos vapores;
– se o Estado permitirá a colocação de barricadas móveis
ao longo do cais junto aos navios;
– se o Estado fará a conferência exterior das cargas, se
aparelhos adequados forem fornecidos;
– se passará o Estado instruções para que toda a
bagagem dos passageiros seja retirada ou colocada a
bordo por pessoal de bordo para evitar a subida a bordo
dos carregadores;
– se poderá o Estado baixar instruções e regulamentos
para que as embarcações pequenas não sejam
permitidas a chegar dentro de um raio de 20 metros dos
vapores;
– se poderão as alvarengas carregadas ao embarcarem as
cargas serem providas de guardas e serem obrigadas a
ancorarem juntas;
– se o Estado poderá baixar instruções para que guardas
estejam de serviço às portas dos armazéns das docas
quando embarcando ou descarregando, isto é, tanto da
rua quanto do lado do mar e que as portas sejam
trancadas quando não estão sendo utilizadas para
recepção de mercadorias;
– se poderá o Estado baixar instruções para que
embarcações pequenas e vindas do interior
desembarquem suas cargas diretamente para os navio;
– se o Estado poderá fornecer patrulhas de lanchas." 21

Por incompetência e falta de verbas, a solução encontrada, com a

aquiescência das autoridades locais, foi a própria Inglaterra organizar a

defesa de suas belonaves e súditos, cabendo à polícia brasileira apenas a

supervisão. Mas, essa solução não era possível em todos os casos.

Um segundo cenário possível era o estabelecimento de um governo

declaradamente pró-germânico resultante de forças no interior do governo

Vargas ou fruto de uma insurreição da imensa colônia alemã presente no

21
APERJ,DOPS. Setor Inglês. Pasta 1. Dossiê "Embaixada Britânica"
36

Brasil, apoiada por tropas mandadas diretamente pelo Reich. (HILTON : 1985)

Em fins de 1940, a embaixada britânica no Brasil chegou a divulgar que "seis

mil nazistas estariam se dirigindo ao Brasil em navios mercantes para juntar-se

a elementos nazistas locais e derrubar Vargas"22

Nos dois casos torna-se evidente a necessidade de que os aliados

possuíssem instrumentos autônomos de controle capazes de, do seu ponto de

vista, garantir-lhes a segurança e o domínio sobre a região. Segundo essa

lógica são criados pelos americanos o Special Intelligence Service - SIS, em

junho de 1940, braço direito do FBI específico para a América Latina e pelos

britânicos o British Security Coordination - BSC, com sede em Nova York.

Organização de abrangência mundial, o BSC possuía uma seção específica

dedicada ao território americano do sul e que segundo o General Góes

Monteiro, em dezembro de 1940, já possuía no Brasil "mais de cem agentes

secretos [operando] sem serem molestados".23

22
Apud HILTON,1985 : 268
23
Apud HILTON, 1985 : 271
37

2 Estado Novo, "perigo estrangeiro" e Polícia Política

O investigador caminhava a passos rápidos em direção ao Largo da

Lapa onde pretendia tomar o bonde que o levaria às Laranjeiras. Por mais

que as agitações dos últimos dias estivessem deixando-o extenuado, o

futebol era sagrado. Iria ver o seu Botafogo derrotar o pó-de-arroz em Álvaro

Chaves. Hoje, a noite seria de festa. Tentou relaxar e deixar de pensar no

trabalho. Itapé, ingleses, germanófilos, as reações populares tudo deveria

ficar para trás por algumas horas.

Quando o bonde para corre os olhos pelo seu interior. Num misto de

dever de ofício e busca de distração resolve sentar-se junto a um exemplar do

Diário Carioca, certamente esquecido por um passageiro apressado. Ao

levantá-lo é surpreendido pelo esparramar-se de um maço de panfletos. Já

completamente alerta verifica tratar-se de mais uma reação aos atentados

britânicos. Apócrifo! Começa a lê-lo procurando identificar a autoria.

BRASILEIROS!!

A série humilhante e repetida de atentados à soberania


nacional que, no curto lapso de tempo de 20 dias, a orgulhosa
Inglaterra nos infringiu, com o mais despudorado acinte, está
merecendo a mais viva reação dos VERDADEIROS BRASILEIROS.
Assistimos estupefatos e cobertos de vergonha, ao sucedido aos
nossos navios "SIQUEIRA CAMPOS", "BUARQUE" e "ITAPÉ", enquanto
aguardamos com ansiedade a palavra oficial, que não veio ainda,
para dar uma satisfação plena aos brasileiros. A diplomacia indígena
de nosso Itamarati é uma panacéia ridícula diante das afrontas que
vimos sofrendo.. Falta-nos um homem no Ministério do Exterior, pois
o nosso ministro é "fan" confesso dos ingleses e vive a propalar
impatrioticamente "o brasil é um deserto de homens e idéias".
Basta de discurso estéreis. Queremos atos e não palavras vãs. Já
38

temos ouvido muito e outrora, por muito menos, FLORIANO, a grande


figura da República, disse muito mais e na mais curta das palavras -
à bala. Abaixo, portanto, a demagogia retórica dos dirigentes
fazedores de frases bonitas. Onde está a nossa impetuosidade
tropical de latino americanos? Onde está o patriotismo do povo
brasileiro? Onde está o gesto viril que inicia a ação da violência
contra a violência? Quem nos dirige nessa hora que precisamos
revidar ultrajes a nossa soberania? Somos ou não somos um povo
livre e, no momento preciso, um povo aguerrido capaz de reagir à
violação dos seus direitos?
REAJAMOS! Iniciemos um boicote as ingleses por todos os
meios e um boicote contra os produto e firmas inglesas.
Denunciemos os espiões ingleses que pululam entre nós. Apontemos
ao povo os maus brasileiros, aqueles já alcunhados de "rafaelos" e
"rafianos". Fechemos os nossos portos aos navios ingleses.
Apelemos as classes armadas do Brasil sem esquecer a entusiástica
classe estudantil. Iniciemos a violência e não reconheçamos limites
nem foros de direito no combate a agressão: Sejamos PATRIOTAS!
REAJAMOS! VIVA O BRASIL!

Desiste do jogo. Novamente os estrangeiros! Na madrugada já haviam

colado um cartaz no Marechal Floriano. A BALA! Ainda bem que o 1281 havia

tirado o cartaz antes que alguém o visse. Mas não prendera os mequetrefes!

Não bastava fazerem a guerra nas suas terras, queriam transportá-la

para o Brasil! O presidente já dissera: O Brasil era e iria permanecer neutro.

O investigador parte apressado para a chefatura. Tem muito trabalho

pela frente.
39

Os agentes do SIS e do BSC que estavam agindo no Rio de Janeiro

integravam a população de estrangeiros que vivia ou transitava pela cidade,

neste momento. Segundo os dados do IBGE eram 215 670 pessoas, em 1940,

que perfaziam um pouco mais de 12% dos habitantes da capital da República.

Gente de todas as nacionalidades, que independente de sua origem, era vista

com certa suspeição pelas autoridades e pela população. Sentimento que

refletia não só paixões e identidades criadas pelo conflito internacional em

curso, mas, também, a trajetória de afirmação de um nacionalismo, de

construção de uma identidade, de um ser brasileiro - a brasilidade tão presente

nos textos da época, que marcava o cenário intelectual e político desde o início

do século, ganhando centralidade com a chegada de Vargas ao poder.

2.1 Nação e "perigo estrangeiro"

“(...) Tínhamos, até 37, um povo, uma nação, mas sem


organização superior – sem portanto uma consciência, uma
vontade, uma personalidade (...). Só agora descobrimos a
nossa razão nacional de viver, que está na formação de uma
grande pátria. Só agora, com o Estado Novo, nos vamos
organizando conforme essa razão última de ser de povo. Tem,
pois, razão Azevedo Amaral, quando escreve que o Brasil
contemporâneo é a „nebulosa genetriz em que se está
formando o embrião indecifrável de uma grande nação‟.
Por tudo isso, vamos ganhando um modo particular de
ser. Vamos adquirindo individualidade. Começamos a construir
uma nacionalidade.”
(Paulo A. de Figueiredo)24

“...ser brasileiro – são as palavras do Chefe do Estado


Nacional – não é somente respeitar as leis do Brasil e acatar as
suas autoridades. Ser brasileiro é amar o Brasil. É possuir o

24
„O Estado brasileiro e o sentido do nacionalismo‟, Cultura Política, n.º 13, p. 44-5
40

sentimento que permite dizer: „o Brasil nos deu o pão; nós lhe
daremos o nosso sangue‟. É cultivar o sentimento de
brasilidade, pela dedicação, pelo afeto, pelo desejo de
concorrer para a realização da grande obra, na qual todos
somos chamados a colaborar, porque só assim poderemos
contribuir na marcha ascensional da prosperidade e da
grandeza da Pátria.”
(Edmylson Perdigão, 1941) 25

“As novas gerações terão papel decisivo a


desempenhar, pois o mundo que já somos ainda é bem pouco
diante do que poderemos ser, com as nossas imensas
possibilidades. É necessário formar nessas crianças e nesses
adolescentes a mentalidade capaz de levar o país aos seus
destinos, mas conservando os traços fundamentais de nossa
fisionomia histórica, com o espírito tradicional da nacionalidade,
que o regime instituído é o único apto a cultuar na sua verdade.
A essa necessidade correspondem os artigos da nova
Constituição sobre a matéria educativa, orientando-a no
sentido essencialmente cívico e nacionalista.”
(Getúlio Vargas, 1938).26

Nação, nacional, nacionalidade, pátria, patriotismo, cívico, civismo,

destino do país... São temas recorrentes nos discursos, nas análises e nas

ações dos diversos agentes sociais nos anos 30. Será através deles que a

nova ordem instaurada por meio de um golpe de Estado, irá buscar sua

legitimação.

Essa recorrência e relativa coincidência de percepções nacionalistas se

torna mais clara se pensarmos que a geração que chega ao poder em 1930 foi

formada num quadro intelectual em que, independente da concepção a qual se

filiavam, as discussões estavam centradas na elaboração de um diagnóstico da

realidade brasileira que identificasse as razões de não estar o Brasil ainda

25
„Política eugênica‟, Ciência Política, agosto 1941, p. 70
26
Apud Sônia de Deus Rodrigues Bercito, nos Tempos de Getúlio, p. 41
41

ocupando a posição de destaque que lhe cabia, por seus recursos internos, no

contexto das nações modernas.27

Poderíamos avançar um pouco mais e afirmar que um outro traço

característico dessa geração é uma filiação autoritária que identifica uma

fragilidade inerente à sociedade, uma incapacidade dela vir a superar por si

própria as debilidades do seu processo formativo, apontando o Estado como o

agente determinante do processo de modernização. (LAMOUNIER : 1972)

Ao alcançar o governo, esta geração será impelida a passar da

anamnese à cura, isto é, terá que partir para a efetivação de propostas que

visem a superar as debilidades apontadas no diagnóstico. Oliveira Viana e

Francisco Campos, apenas como exemplo, terão destacado papel na

organização do sistema sindical de corte corporativista e na reforma

educacional, respectivamente. Entretanto, tal tarefa será empreendida não

mais através do esforço intelectual individual, mas por meio do próprio aparelho

de Estado – sua burocracia, seu sistema educacional, seu sistema de

propaganda, suas forças armadas.

Para os seus agentes, a Revolução de 30 deveria construir o novo

calcada no diagnóstico que faziam da situação pretérita do país – identificada

como de desordem, de anarquia, de decomposição do país provocada pelos

governos liberais da República Velha. Liberalismo que tinha tido por meta

construir o progresso sem cogitar do homem em sua dimensão total,

27
Isso se aplica mesmo àqueles que não se inseriam ativamente no debate intelectual e
político travado à época mas que traziam dos bancos escolares uma visão construída através
de obras de amplo uso nas escolas como o clássico de Affonso Celso, “Porque me ufano de
meu país” ou, o um pouco menos conhecido em nossos dias, “Atravéz do Brasil – livro de
leitura para os cursos médios das Escolas Primárias” escrito por Olavo Bilac e Manuel Bonfim
que se podem ser consideradas ufanistas, não prescindem de um diagnóstico do Brasil.
42

descartando sua dimensão subjetiva e espiritual. Que cosmopolita, não lograra

oferecer ao homem brasileiro uma direção própria, uma razão para se integrar

à tarefa de construção nacional. Idéia sintetizada por Paulo Figueiredo ao

afirmar que

“Enfim, o Estado Liberal da Primeira República não conseguira


integrar o homem à terra brasileira: as instituições existentes
colidiam com a realidade social. Havia dois mundos distintos: o
do homem e o da natureza, e a política era algo distante de
tudo e de todos”. i

As novas instituições deveriam fazê-lo, resgatando através do

aprofundamento de estudos científicos sobre a sociedade brasileira o elo entre

política e sociedade, possibilitando, por meio do estabelecimento de estruturas

compatíveis com a efetiva identidade nacional - que descartassem a

importação de modelos - a articulação entre Estado e forças sociais.

Permeando esse processo, o reconhecimento da ausência da

„consciência nacional‟ e a premência de sua construção. Esperava-se que a

medida em que a nação se tornasse mais nitidamente definida e melhor

conhecida, viesse a ampliar-se o alcance da identidade popular para com ela.

O que não significava descartar um forte investimento ideológico por parte do

Estado, que fará uso sistemático da dimensão simbólica no estreitamento dos

vínculos entre ele e a nação (DUTRA : 1997)

A noção de pátria possui uma potencialidade estratégica que faz dela

uma das vigas-mestras daqueles que pretendem a construção de um edifício

social de estrutura autoritária. Os exemplos históricos se avolumam e,

particularmente, de fins do século XIX ao encerramento da Segunda Guerra, os

apelos patrióticos e nacionalistas irão ser empregados por toda parte e por
43

todas as cores do espectro político: nazistas, comunistas, conservadores,

liberais, modernistas ou tradicionalistas buscarão na salvação e/ou afirmação

da pátria a justificativa maior de suas escolhas políticas.

Poder-se-ia dizer que a idéia de pátria, ainda que extremamente difícil

de definir do ponto de vista conceitual (ANDERSON: 1989, GUIBERNAU: 1997,

HOBSBAWM: 1991), tem esse enorme potencial estratégico pois nos remete

de forma quase imediata à idéia do espaço público onde se encontra (ou se

espera encontrar) a proteção e a segurança imaginariamente garantidas junto à

mãe, à família e ao lar. Os medos e temores gerados pelas tensões, ameaças

e desigualdades presentes na sociedade são, assim, minimizados por “um

retorno imaginário à segurança da família, da infância, senão do próprio útero

materno” (MOORE : 1987).

Buscamos a segurança quando ela nos falta. Esta assertiva, tão

peremptoriamente óbvia, é a chave para compreendermos porque, em

determinados momentos, as idéias-força impregnadas desse significado

ganham relevância. No caso brasileiro, se podemos perceber uma situação

conjuntural, quer econômica, quer política, quer social que nos permite

identificar o espaço para que possa pairar na sociedade o sentimento de

insegurança, nos anos que se seguem ao golpe de outubro de 1930, o Estado

teve também o papel de produzir esse „clima de insegurança‟, de resgatar

elementos da realidade que potencializassem este sentimento, fazendo com

que fossem carreadas em sua direção as aspirações de segurança e

tranqüilidade, isto é, respaldando seu papel de mantenedor da ordem.


44

A ameaça de desintegração e de caos social pelos „ouvidos moucos‟ do

liberalismo às pressões dos novos agentes sociais foi a justificativa para a

ruptura da ordem em 1930. Mas a ameaça viria, também, por parte da

selvageria do capitalismo internacional que poderia chegar a destruir, pelo mal

uso, as riquezas da terra. Tínhamos ainda o federalismo desagregador não

apenas dos paulistas , mas também das forças “oligárquicas” a agir contra a

integridade do território, rasgando o país num confronto fratricida.

Todavia é a partir de 1935 que esse processo se acentua. O forte

crescimento da Aliança Nacional Libertadora, o avanço da violência dos

confrontos entre integralistas e comunistas, o pronunciamento de Luis Carlos

Prestes à nação (que resulta no fechamento da ANL) e, mormente, o levante

comunista de 1935 forjam o contexto que permite ao governo definir o „inimigo

perfeito‟ face ao qual é mister salvaguardar a nação – o comunismo

internacional. Este se torna o grande tema nacional até 1937, com a instalação

do Estado Novo. Em seu nome instala-se o Tribunal de Segurança Nacional,

decreta-se o estado de sítio, reforça-se a Lei de Segurança Nacional, aprova-

se a equiparação do estado de sítio ao estado de guerra.

É ele também que justifica a criação dos mecanismos que reforçam a

autoridade e a centralização do Estado, limitando a esfera de liberdade privada.

O malogro dos insurretos de 1935 permite fixar com clareza as características

do inimigo: ele age em surdina, penetra nos lares furtivamente, é contra a

família, a religião e às tradições mais caras ao povo brasileiro, é invasor, vem

de fora, é estranho, é estrangeiro – “O inimigo não invade mais as fronteiras

com os seus exércitos, nem se ouvem mais o rufar de seus tambores e o toque
45

de comando. O inimigo é invisível, e a sua ação é clandestina.”28 É, também,

bárbaro, selvagem:

“À luz da nossa formação espiritual, só podemos concebê-lo [o


comunismo] como o aniquilamento absoluto de todas as
conquistas da cultura ocidental, sob o império dos baixos
apetites e das ínfimas paixões da humanidade – espécie de
regresso ao primitivismo, às formas elementares da
organização social, caracterizadas pelo predomínio do instinto
gregário e cujos exemplos típicos são as antigas tribos do
interior da Ásia.” 29

Elemento exógeno, primitivo frente a civilização ocidental e a tradição

nacional. Aqueles que estão a seu lado são traidores, aliaram-se ao mal. Em

oposição define-se o bem – o povo avança na tomada de consciência de sua

unidade E mais, acentua-se a necessidade da ação do Estado para assegurar

esta mesma unidade. A nação está sendo golpeada e encontra-se incapaz de

defender-se por si só posto estar fraca, doente, sofrendo de uma verdadeira

enfermidade.

“O Brasil nunca pensou que a enfermidade moscovita batesse


a nossa porta com intenção de entrar. Nós a imaginávamos
uma doença social sui generis de caráter asiático, com um
habitat particular, vivendo num ambiente confinado, sem
capacidade de penetração em nossa terra, devendo interessar
apenas a alguns espíritos amantes de exotismos políticos ou
doutrinários.”30

Precisa, mesmo tendo sido eliminados os sintomas, ser protegida

sistematicamente para que se evite uma reincidência, prevenindo a população,

28
DISCURSO de Agamenon Magalhães na União dos Empregados do Comércio do Rio de
Janeiro, em 30 de outubro de 1937. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. n.
39, nov. 1937.
29
DISCURSO do Presidente Getúlio Vargas à Nação brasileira, em 1º de janeiro de 1936.
Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 17, jan. 1936.
30
LAGE, Cypriano. Táctica comunista. A Noite, de 20 de outubro de 1937.
É interessante perceber a reiterada associação do comunismo a uma origem asiática. Seu
caráter exógeno se acentua quer por não pertencer à tradição política ocidental, quer por estar
46

educando-a, cuidando de suas crianças e jovens, incutindo-lhes os valores da

nacionalidade. Este é o grande dever do Estado. Cabe à polícia, em particular

a polícia política, revelar o "inimigo", tornando-o visível, para que dele se possa

dar cabo. Neste processo, irão se consolidando mutuamente as concepções de

pátria e do seu inimigo, comunista antes de mais nada, mas também

estrangeiro.

Com poderes reforçados, podendo desfechar golpes à esquerda e à

direita, o governo de Vargas, nacionalista, centralizador e autoritário mesmo

em seu curto intervalo constitucional, percorrerá rapidamente o caminho em

direção à ditadura que tem início com o golpe de novembro de 1937 e a

implantação do Estado Novo. Esta não significou, contudo, uma alteração

significativa de seu perfil.

Seus ideólogos fazem parte da geração autoritária e nacionalista que

chega ao poder com a Revolução de 1930 e que se vê imersa no cenário de

transformações contínuas e de busca de soluções que marcam o entreguerras.

Eles se percebem como homens de seu tempo, vivendo uma modernidade na

qual "cabia reconhecer a mutabilidade e o desenvolvimento das idéias,

abandonando formas que buscassem a permanência no tempo e no espaço"

(GOMES : 1988, p. 216). Portanto, não obstante não ser pensado como

ruptura em relação ao período de 1930-1937, o projeto do Estado Novo é tido

como único, específico. É reflexo da trajetória também única e específica do

Brasil, a qual não se adaptam as formas de governo liberais que haviam já

fracassado em sua dimensão política ao terem levado ao total hiato entre

relacionado a uma região que no nosso imaginário remete ao primitivismo e à barbárie (Átila,
invasões, diversidade étnica).
47

Estado e indivíduo, através da falência das instituições da democracia liberal,

gerando a desintegração deste último, bem como na capacidade de prover

algum equilíbrio na distribuição de riquezas que conduzisse a um mínimo de

justiça social. Por outro lado, também refutavam as formas de governo que,

historicamente, reagindo ao abandono do homem pelo Estado encetaram sua

"estatização" - o comunismo e o fascismo, resultando nova "desumanização".

Para Angela Gomes, o conteúdo da crítica estado-novista ao liberalismo

pode ser sintetizado nos seguintes aspectos31:

 a democracia liberal, alicerçada na idéia de liberdade dissociada de justiça

social, transforma os mecanismos de representação eleitoral das massas e

do sufrágio universal em ficção, dando às massas a ilusão de participação

igualitária, mas expressa, em realidade, o primado dos interesses da

"oligarquia capitalista";

 compreensão, pelo liberalismo, da igualdade como eqüidade política,

fazendo desta o centro de sua proposição democrática, mascarando, assim,

as injustiças existentes resultantes do fato de que os indivíduos são

desiguais por natureza e de que compete ao Estado promover

artificialmente condições de maior igualdade social;

 redução do papel da 'política' e do Estado, fundamentada numa posição

que valorizando o potencial do "conflito" recusava-se a reconhecer sua

dimensão dramática e desagregadora, jogando a sociedade nos braços dos

regimes autoritários, produtores de resultados catastróficos;

31
Nossa análise do Estado Novo partilha das conclusões de Angela de Castro Gomes,
expressas ao longo de sua vasta obra, mas expostas com maestria em seu livro acima citado.
48

formalismo político que tem por base a idéia de que a democracia

resulta da liberdade de expressão de concepções doutrinárias e de

interesses da sociedade posto que 'a construção da unidade nacional

não comportava a existência de partidos ou facções que impediam a

formação de um verdadeiro espírito nacional, alimentando conflitos

regionais e setoriais" (GOMES : 1988, p. 224).

Assim o projeto político do Estado Novo afirmava-se numa concepção

de democracia identificada como a possibilidade de assegurar a justiça social;

na afirmação do papel mediador do Estado em relação ao mercado, sem

suprimir a livre iniciativa econômica mas, ao mesmo tempo, sem permitir que

ele massacrasse o bem-estar coletivo; num ideal corporativo, em que são

reconhecidas as especificidades e o valor inerente às partes que compõem o

organismo social, hierarquizando-as de forma a assegurar a dimensão

humana do indivíduo; e, numa prática autoritária, que rejeitava os mecanismos

eleitorais e as mediações institucionais em nome de uma relação direta e

verticalizada entre o povo e o poder público, personalizado na autoridade do

presidente, cujas qualidades inerentes lhe permitiam interpretar a consciência

coletiva da nação.

A ampla divulgação desse projeto se dava, todavia, recorrendo a outro

tipo de linguagem, a múltiplos meios de divulgação e a mecanismos

sofisticados de convencimento e incorporação. Dentre eles gostaríamos de

destacar a afirmação da nacionalidade em articulação com o papel da

produção de regras legais, cujo exercício era controlado e assegurado pela

polícia política. Como nos diz GOMES (1999, p. 56),


49

"Um sistema de regras legais incorpora os princípios


ideológicos de um regime na exposição de motivos e nos
objetivos mais ou menos explícitos das leis, ao mesmo tempo
que os assegura com a garantia das penas e sanções. As
regras legais, mesmo em sua face mais eminentemente
coercitiva, não traduzem uma pura negatividade/interdição,
mais exprimem e defendem valores definidos no campo
eminentemente "construtivo", que é o da busca/criação
ideológica do consentimento. Quase o mesmo poderia ser dito
em relação ao aparelho policial e particularmente à polícia
política."

A discussão sobre a forma de se trazer à tona os elementos da

nacionalidade que se acham latentes no povo brasileiro, a que já nos referimos

mais acima, antecede a instalação do Estado Novo, mas ganha com sua

implantação maior destaque.

Quando, recuperando Azevedo Amaral, nos diz que o Estado Novo é "a

nebulosa genetriz em que se está formando o embrião indecifrável de uma

grande nação", num processo em que "vamos ganhando um modo particular

de ser. Vamos adquirindo individualidade. Começamos a construir uma

nacionalidade.” Paulo A. Figueiredo ilustra a relevância que é dada ao assunto,

mas, também, o conteúdo impreciso dessa nacionalidade. Nas marchas e

contramarchas de sua consecução vai-se delineando seu conteúdo. Sua

implementação se dá por meio da complementaridade entre as ações de cunho

claramente ideológico e àquelas de caráter coercitivo - legislação e práticas

policiais repressoras dos não nacionais: estrangeiros, imigrantes, brasileiros

naturalizados mas cuja brasilidade não é reconhecida. Partilham todos a

condição de ameaça à unidade e integridade nacionais - comunistas antes de

tudo, mas também, liberais, judeus, nacionalistas alemães e italianos,

poloneses... Quanto mais sob controle parece estar a atuação dos comunistas
50

maior a atenção destinada aos demais inimigos da nação - estrangeiros por

excelência.

2.2 O "perigo estrangeiro" e a legislação

A idéia de um perigo estrangeiro, como já afirmamos anteriormente é,

em grande medida, construção. Foi acompanhada por um movimento de

inscrição deste perigo nos códigos legais do país, permitindo assim que os

'valores' da nação fossem positivamente definidos e protegidos pelo Estado.

Acompanharemos o desenrolar deste movimento a partir de três conjuntos de

normas: a Constituição, as leis e decretos federais de caráter ordinário e a

Legislação específica de segurança nacional32

A República, ao nascer, indicava por parte de seus formuladores, uma

atitude americana e generosa em relação ao estrangeiro. O Brasil é a terra

nova, onde se constrói o futuro, a que terão acesso todos aqueles que

colocaram seu trabalho, seu suor neste 'vir a ser'. A Constituição de 1891,

portanto, pressupõe que todos os que vivem e trabalham no Brasil, nele serão

cidadãos:

Art. 69. São cidadãos brasileiros:


1.º Os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não
residindo este a serviço de sua nação;
2.º Os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira,
nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na
República;
3.º Os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao
serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se;
4.º Os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de
novembro de 1889, não declararem, dentro de seis meses

32
A relação da legislação atinente aos estrangeiros no período de 1889 a 1942 encontra-se
anexada.
51

depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar


a nacionalidade de origem;
5.º Os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e
forem casados com brasileiras, ou tiverem filhos brasileiros,
contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a
intenção de não mudar de nacionalidade;
6.º Os estrangeiros por outro modo naturalizados.

Bem como não pressupõe por parte daqueles nascidos fora do território

nacional quaisquer ameaças:

§ 10. Em tempo de paz, qualquer um pode entrar no território


nacional ou dele sair, com a sua fortuna e bens, quando e
como lhe convier, independentemente de passaporte.

Não é necessário fazer deles registro especial, investigar passos

pretéritos etc. Também não será justificado tratamento desigual àqueles que

optaram pela naturalização, quer tacitamente quer por ato expresso. Gozam de

todos os direitos políticos assegurados aos brasileiros natos e podem exercer

todos os cargos públicos, exceto de presidente e vice-presidente da República,

sendo que os brasileiros por naturalização precisam ser brasileiros a mais de

quatro anos para que possam ser eleitos para a Câmara e mais de seis, para o

Senado.

O "seio dadivoso da mãe gentil" vai mostrar-se, pouco a pouco, menos

generoso para com aqueles que se recusam a cumprir o papel a eles destinado

nos sonhos maternos – nem braços para a lavoura, nem capital para o

crescimento econômico. "Rebeldes", alguns estrangeiros mostram-se

incapazes de reconhecer a grandeza daqueles que os acolheram e se

insurgem – contra os patrões, contra as fábricas, contra os governantes.

Promovem a desunião e o conflito, que não fazem parte da "índole do povo

brasileiro", insuflam seus patrícios, promovem a desordem. Tornam-se,


52

destarte, "intoleráveis". Em janeiro de 1907, o Congresso Nacional decreta a

primeira legislação especial da República a regular a atividade dos estrangeiros

no território nacional:

Art.1º O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a


segurança nacional ou a tranqüilidade pública, pode ser
expulso de parte ou de todo o território nacional.
Art.2º São também causas bastantes para a expulsão:
1.º a condenação ou processo pelos tribunais estrangeiros
por crimes ou delito de natureza comum;
2º duas condenações, pelo menos, pelos tribunais
brasileiros, por crimes ou delitos de natureza comum;
3.º a vagabundagem, a mendicidade e o lenocínio
competentemente justificados.
Art.4º O poder executivo pode impedir a entrada no território
da República a todo o estrangeiro cujos antecedentes
autorizem a incluí-lo entre aqueles a que se referem os arts. 1.º
e 2.º. 33

Cabia também ao governo selecionar os estrangeiros que podiam entrar

no país. Apesar de ter levado à expulsão de 132 pessoas no ano de sua

promulgação, a lei de expulsão dos estrangeiros, conhecida ainda por lei

Adolfo Gordo não foi suficiente para conter a crescente insatisfação popular.

Pois, como nos diz Edgar Rodrigues "ninguém parecia enxergar as

necessidades reais da família operária, sem nenhuma esperança, salvo certas

arrancadas por meio de greves."(1978 : 107). Muitas delas lideradas por

estrangeiros. O Estado endurece a letra da lei e, em 1913, retira o impedimento

à expulsão de estrangeiros casados com brasileira ou viúvos com filhos

brasileiros, impedindo também a existência de recurso ou efeitos

suspensivos.34

33
Decreto N.º 1.641, de 07 de Janeiro de 1907, regulamentado pelo Decreto N.º 6.486, de 23
de maio do mesmo ano.
34
Queremos frisar que trata-se aqui de uma análise dos termos da lei e não da sua efetiva
aplicação. Paulo Sérgio Pinheiro nos mostra claramente que na repressão às revoltas e
protestos populares, desde o início do século XX, o Estado age à margem da lei, através das
53

A vitória bolchevique, em 1917, faz grassar, por toda a parte, o medo de

insurreições. As reivindicações por melhores condições de vida e as greves por

salários, são confundidas com rebeliões. O discurso internacionalista e, por

vezes, considerado incendiário dos comunistas, potencializa o pavor que a

burguesia sente da ação das massas. Em 1918, Rui Barbosa nos diz que

o incentivo a essas doutrinas que estão associadas ao nome


de bolchevismo e que estavam sendo fomentadas e
estimuladas por anarquistas estrangeiros, e a não ser que o
movimento seja controlado por uma mão firme [...] acabaria
numa coalizão entre as classes trabalhadoras e as tropas que
não estavam submetidas absolutamente à disciplina, apesar de
largas somas despendidas com o Exército. (apud PINHEIRO :
1991, 117)

Idéias estrangeiras + agitações operárias + militares rebeldes,

combinação explosiva que exigia maior repressão por parte do Estado. No

tocante aos estrangeiros, para além de submetidos à legislação de exceção,

que restringe as liberdades políticas asseguradas pela Constituição de 1891,

uma nova lei regulamentará os casos em que é facultado ao Estado expulsar

ou impedir a entrada dos mesmos em território nacional. O comprometimento

da segurança nacional e da tranqüilidade pública, a que se referia a lei de 1907

ganha maior concretude em 1921. Revela-se, nesse movimento, o conteúdo a

ser temido – o estrangeiro a respeito de quem se provar:

1.º que foi expulso de outro país;


2.º que a polícia de outro país o tem como elemento pernicioso
à ordem pública;

"blitzen policiais, sem mandato legal, nos bairros populares e favelas" executa importantes e
inconstitucionais operações de "prevenção ao crime". O destino mais comum àqueles que eram
pegos por esses arrastões perpetrados pelas autoridades policiais da época era o desterro,
sem que fossem abertos inquéritos ou processos regulares. Entre esses encontram-se
estrangeiros - anarquistas e anarcosindicalistas, em geral. No material analisado pelo autor
eles não se apresentam em número significativo, mas trata-se de uma amostra limitada. (1991,
capítulos 5 a 7) .
54

3.º que provocou atos de violência para, por meio de fatos


criminosos, impor qualquer seita religiosa ou política;
4.º que, pela sua conduta, se considera nocivo à ordem pública
ou à segurança nacional;
5.º que se evadiu de outro país por ter sido condenado por
crime de homicídio, furto, roubo, bancarrota, falsidade,
contrabando, estelionato, moeda falsa ou lenocínio35

Na conjuntura da década de vinte, os quatro primeiros itens parecem

projetar, com clareza, o temor em relação a um estereótipo de estrangeiro - o

militante revolucionário, indivíduo que tem como proposta de vida a

participação ativa na propagação da Revolução (por essa razão foi expulso de

outras terras), isto é, a transformação radical (atos de violência) da sociedade

capitalista (nocivo à ordem e a segurança). Nesta ótica transmudou-se em

inimigo interno. Pinheiro (1991) nos chama a atenção para a identificação

produzida no imaginário burguês, durante a década de dez do século passado,

entre anarquismo e ações violentas, como sabotagem e explosões. Bem como

entre movimento operário, anarquismo e estrangeiro.

Ainda que esta associação careça de comprovação e que a ação

operária no Brasil não esteja circunscrita à orientação anarquista, é importante

frisar que o crescimento do movimento de massas, associado a afirmação da

Revolução Bolchevique, foram os principais responsáveis por uma onda de

"temor da ameaça estrangeira" nos principais centros urbanos do país,

alimentado e alimentando reações semelhantes por toda a América e Europa.

É assim que a Sexta Conferência Internacional Americana, reunida em Havana

durante o mês de fevereiro de 1928, aprova uma "Convenção sobre a

condição dos estrangeiros" na qual se afirma ser-lhes vedadas "as atividades

35
Decreto n.º 4.247, de 6 de janeiro de 1921.
55

políticas privativas dos cidadãos do país no qual se encontre[m]" e assegurado

aos Estados o poder de "por motivos de ordem ou segurança pública, expulsar

o estrangeiro domiciliado, residente ou simplesmente de passagem pelo seu

território." 36

No período compreendido entre 1930 e 1937, a legislação nos

demonstra um outro foco de preocupação em relação aos estrangeiros.

Passam a ser vistos como competidores pelos postos de trabalho. O Estado

centralizador preocupa-se em regular a presença do estrangeiro no mercado

de trabalho. Partindo do princípio de que

Dada a grande extensão territorial do país, é de


imprescindível necessidade o povoamento de seu solo e
conseqüente incremento de sua agricultura;
...que uma das mais prementes preocupações da
sociedade é a situação de desemprego forçado de muitos
trabalhadores, que, em grande número, afluíram para a Capital
da República e para outras cidades principais, na ânsia de
obter ocupação...
...uma das causas do desemprego se encontra na
entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem
o concurso útil e quaisquer capacidades, mas freqüentemente
contribuem para o aumento da desordem econômica e
insegurança social. Decreto n.º 19.482, de 12 de dezembro de
193037

O Governo Provisório estabelecerá as condições de entrada,

permanência e trabalho de estrangeiros no Brasil, no mais extenso e minucioso

decreto assinado sobre o assunto. Nele, das quatorze condições em que é

interdita a entrada de estrangeiros imigrantes, apenas uma se refere

especificamente àqueles cuja conduta seja "nociva à ordem publica ou à

segurança nacional"(item XII). Dos demais, dois referem-se a indivíduos já

36
Promulgada pelo Congresso Nacional através do Decreto n.º 18.956, de 22 de outubro de
1929.
37
Decreto n.º 19.482, de 12 de dezembro de 1930
56

condenados por atos criminosos, segundo os códigos brasileiros; e, todos os

outros, a condições que incapacitassem ao trabalho ou fossem consideradas

desqualificadoras para o exercício do mesmo, como o analfabetismo e o

nomadismo. Cabe ressaltar que a lei considera imigrante aquele que

"permanecer por mais de trinta dias com o intuito de exercer a sua atividade em

qualquer profissão licita e lucrativa". Os estrangeiros não imigrantes são os

representantes diplomáticos e seus empregados, turistas, estudantes,

esportistas, artistas e religiosos de toda a sorte, os que para cá vieram investir

capital e os que por meio das "Cartas de Chamadas" pretendem trabalhar no

Brasil. Há toda uma previsão de controle do deslocamento destes a ser

exercida pelas Chefaturas de Polícia.

Na Constituição de 1934, promulgada alguns meses depois, reafirma-se

que a União poderá "expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à

ordem pública ou nocivos aos interesses do país"(art. 113, item 15) e a

presença de restrições aos não nacionais aos quais é vedada a propriedade de

empresas jornalísticas, políticas e religiosas, bem como a responsabilidade

principal e de orientação intelectual ou administrativa da imprensa política ou

noticiosa; a propriedade e o comando de navios nacionais de cabotagem, que

devem possuir pelo menos dois terços de brasileiros em sua tripulação; o

exercício de profissões liberais (a partir da promulgação da Constituição) e a

revalidação de diplomas obtidos em institutos estrangeiros de ensino; a

composição da maioria das administrações ou representações nas empresas

concessionárias ou contratantes de serviços públicos em qualquer esfera.


57

O agravamento das tensões internas, com o crescimento da militância

integralista e comunista, leva a definição de uma legislação específica visando

a proteção da ordem política e social – a chamada Lei de Segurança de 193538.

Nela não há referência especifica à ação de não brasileiros, sendo previsto o

cancelamento da naturalização daqueles que vierem a infringir quaisquer dos

artigos ali previstos. É de se destacar que o adendo a esta lei, publicado em

dezembro de 1935, menos de um mês após a tentativa de tomada de poder

pelos comunistas, também não é incisivo em relação ao tema. Em seus vinte e

quatro artigos, a cooptação no interior do aparelho de Estado – funcionalismo

civil e militar – está refletida em onze. Só um trata de estrangeiros,

endurecendo o tratamento a eles dispensado:

Fica sujeito à expulsão imediata o estrangeiro, mesmo


proprietário de imóveis, que praticar qualquer dos crimes
definidos nesta ou na lei n.38 e proibida a entrada livre no País
ao estrangeiro que, igualmente proprietário, de qualquer modo
possa atentar contra a ordem e segurança nacionais. (art. 21)

É interessante lembrar que a Lei n.º 38 não se ocupa especificamente

da possibilidade de estrangeiro praticando crime contra a ordem e a segurança

nacionais.

Não nos parece que tal omissão resulte da ausência de estrangeiros

entre as massas insatisfeitas ou entre os conspiradores. Também não reflete o

desconhecimento ou o despreparo do Estado face as possibilidades de ações

no interior do país orquestradas internacionalmente. A repressão aos

envolvidos no movimento insurrecional de 1935 evidencia tanto um fato como

outro, quer através da presença direta de militantes comunistas procedentes de

38
Lei n.º 38, de 04 de abril de 1935, modificada pela Lei n.º 136, de 14 de dezembro de 1935.
58

diferentes países articulados na III Internacional, quer externando as

articulações travadas entre os governos e suas polícias na perseguição ao

comunismo (PINHEIRO : 1991; HUGGINS: 1998).

É nossa impressão que o quadro descrito reflete uma adequação da lei

às demandas daquela conjuntura específica. O conjunto de normas que viemos

descrevendo era eficiente para o fim a que se propunha – excluir os

estrangeiros que perpetrassem crimes contra a ordem e a segurança

nacionais, consoante a legislação em vigor. A inclusão dos proprietários de

imóveis entre os passíveis de expulsão visava a atualizar o código em relação

a um novo patamar da ação internacionalista que passara a contar com

recursos mais vultosos. Mas não produz/reflete mudança substancial.

É com a decretação do Estado Novo que esta situação se altera. Nos

marcos de um nacionalismo excludente, o estrangeiro passa a ser

anatemizado. Já nos referimos ao papel desempenhado por essa condenação

no processo de definição da brasilidade e de legitimação do governo

autoritário. A ameaça estrangeira é refuncionalizada, passando a fornecer a

dimensão da coesão nacional. Quanto mais se torna nítido o perigo contido em

um, mais se unifica aquele que o combate.

A Constituição de 1937, no capítulo "Dos direitos e garantias

individuais", já aborda a questão de forma distinta, indicando que

Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e


estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
2 – Todos os brasileiros gozam do direito de livre
circulação em todo o território nacional, podendo fixar-se em
qualquer dos seus pontos, aí adquirir imóveis e exercer
livremente a sua atividade.
59

12 – Nenhum brasileiro poderá ser extraditado por


governo estrangeiro.
13 – (...) Além dos casos previstos na legislação militar
para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de
morte para os seguintes crimes:
a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à
soberania de Estado estrangeiro;
b) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado
estrangeiro ou organização de caráter
internacional, contra a unidade da Nação,
desmembrar o território sujeito à sua soberania;
c) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado
estrangeiro ou organização de caráter
internacional, a mudança da ordem política ou social
estabelecida na Constituição;

De forma clara diferenciava-se brasileiros e estrangeiros no tocante a

livre circulação no interior do Brasil, permitindo ao Estado alocar os últimos de

acordo com suas necessidades, bem como se salientava a hipótese de

incursão externa – dos seis itens em que é prevista a pena capital, três

contemplam essa possibilidade.

O ano de 1938 nos parece ser um momento crucial no deslanchar da

cruzada contra o inimigo estrangeiro. Nessa direção confluem diversos fatores.

As constantes denúncias da ação de partidos políticos39 e agências de

propaganda nazistas e fascistas (quando a mesma estava proibida aos

brasileiros), a iminência da guerra, o levante integralista e a suspeita de que

contara com apoio externo, revigoram a capacidade de definir-se a brasilidade

por oposição, no processo de desqualificação do "outro". O "outro" é aquele

cuja fidelidade está destinada à outra pátria e que, portanto, impede a coesão e

a unidade da nação. É, neste sentido, um antagonista em potencial.

39
O plano Cohen, empregado como pretexto para a decretação do Estado Novo, fazia explícita
referência à ação comunista internacional no país.
60

Visando a fortalecer essa coesão, durante o ano de 1938, são tomadas

várias medidas de controle das atividades de estrangeiros/imigrantes -

deslanchando o chamado processo de nacionalização:

– Decreto-lei n.º 341, de 17/03/1938: estabelecia que para poderem

abrir firmas no Brasil os estrangeiros deveriam apresentar documentos

comprovando estarem em situação regular: carteira de identidade, atestados

de tempo de residência e de bom procedimento no país (expedidos pela chefia

de Polícia ou autoridades por ela designadas).

– Decreto-lei n.º 383, de 18/04/1938: proibia aos estrangeiros

organizar, criar ou manter sociedades, fundações, companhias, clubes e

quaisquer estabelecimentos de caráter político ainda que tivessem por fim

exclusivo a propaganda ou a difusão, entre os seus compatriotas, de ideais,

programas ou normas de ação de partidos políticos do País de origem. Proibia,

ainda, as atividades de indução a adesão dos compatriotas aos ideais ou

programas partidários estrangeiros, a ostentação ou porte de símbolos, a

organização de desfiles, passeatas, comícios ou reuniões de natureza política,

ou seja, qualquer forma de publicidade e difusão da ideologia política

estrangeira. O decreto recomenda a transformação das entidades existentes

em associações para fins culturais, beneficentes ou assistenciais, vedando o

recebimento de subvenção estrangeira pelas mesmas, assim como a

participação de brasileiros, natos ou naturalizados, em seus quadros.

– Decreto-lei n.º 389, de 25/04/1938: definindo os critérios para a

naturalização, nos quais se inclui, pela primeira vez, o domínio da língua

brasileira.
61

– Decreto-lei n.º 392, de 27/04/1938: regula a expulsão de

estrangeiros, que pode ocorrer desde que o seu procedimento se tenha

tornado nocivo à ordem publica, à segurança nacional ou à estrutura das

instituições.

– Decreto-lei n.º 394, de 28/04/1938: regula a extradição, mantendo a

proibição quando de brasileiros a pedido de governo estrangeiro, mas

legislando sobre a extradição de brasileiros a pedido do governo do Brasil e de

estrangeiros a pedido de seus países.

– Decreto-lei n.º 406, de 04/05/1938: dispõe sobre a entrada de

imigrantes. Veda a entrada de aleijados, mutilados, inválidos, indigentes,

vagabundos, ciganos, doentes nervosos ou com doenças infecciosas, menores

de 18 anos ou maiores de 60 sem as respectivas famílias, aqueles de profissão

ilícita ou que não tivessem bens para manterem-se, os de conduta nociva à

ordem social e à segurança pública, condenados ou expulsos de outros países

etc. Estabelece ainda cotas de imigração e a proibição de constituírem-se

núcleos de imigrantes de uma mesma nacionalidade. Cria o Conselho de

Imigração e Colonização.

– Decreto-lei n.º 868, de 18/11/1938: define a nacionalização do ensino

primário em todos os núcleos de população de origem estrangeira,

complementado em 25 de agosto de 1939 com a obrigatoriedade de que dois

terços dos professores fossem brasileiros e a interdição dos cargos de direção

aos estrangeiros.

No curto intervalo de um mês se normatiza a atuação do estrangeiro no

território brasileiro: quem, quando e como entra, permanece e sai. Culminando


62

na decretação do Decreto-lei n.º 431, de 18/05/1938, que define os crimes

contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado e

contra a ordem social, também conhecida como Lei de Segurança de 1938,

que reitera os casos previstos com pena de morte na Constituição e destaca

que "é circunstância agravante, preponderante, em qualquer dos crimes

definidos nesta lei, quando não for elementar do crime, a condição de

estrangeiro, de naturalizado ou de funcionário civil ou militar"(art. 18)

O cerco à ação daninha do estrangeiro estava fechado e novas medidas

legais só serão tomadas para responder às demandas relacionadas à entrada

do Brasil no conflito mundial.

2.3 A Polícia Política e o controle dos estrangeiros

Ao mesmo tempo em que a "ameaça estrangeira" vai tendo seus

contornos definidos na lei, em um movimento que podemos descrever como de

singularização do seu conteúdo, processa-se a especialização daqueles que

têm como função proteger a sociedade de seu ataque. Quanto mais específico

o alvo, mais específico o mecanismo encarregado de combatê-lo. Verificando-

se, destarte, um movimento de retroalimentação entre o caçador e a caça, no

qual as habilidades desta justificam e comprovam a qualidade do caçador.

Neste sentido, é interessante observarmos que a maior parte das

medidas que são tomadas em relação aos estrangeiros, descritas

anteriormente, já havia sido prescrita nas resoluções do 1 o Congresso de


63

Secretários de Segurança e Chefes de Polícia dos Estados Unidos do Brasil,

realizado entre 20 de outubro e 5 de novembro de 193640.

Reunindo representantes da Polícia Civil de praticamente todos os

Estados da Federação (salvo Rio Grande do Sul e Mato Grosso), do território

do Acre, dos Ministérios da Guerra, da Marinha, das Relações Exteriores e do

Trabalho, Indústria e Comércio e coordenado pela Polícia Civil do Distrito

Federal, as discussões do encontro centraram-se em torno de quatro temas

fundamentais:

– atividades de estrangeiros (mesmo quando turistas), incluindo a

política de imigração, que foram assunto de 24 dos 49 itens em que foi

sintetizada a discussão;

– propaganda extremista e sua ação nos sindicatos e associações;

– produção, importação, posse e venda de armas e explosivos;

– centralização e padronização das atividades policiais.

É nítida a associação, expressa inclusive numericamente nas

resoluções, entre o "perigo estrangeiro" e a "desordem" e a ameaça à

segurança e integridade do Estado, levando-nos a crer que os pressupostos

nacionalistas e excludentes que pautaram o pensamento autoritário do período

não são externos aos responsáveis pelo aparelho policial do Estado.

Integrando, ao contrário, e de forma inequívoca o seu sistema de crenças.

Acreditamos, ainda, que a Polícia ali reunida se percebe no campo dos

formuladores da políticas, ultrapassando um papel meramente regulador e

controlador da sociedade. Desde 1936, ressaltando a ameaça à coesão e

40
O Congresso é realizado ainda em meio a onda de repressão que se seguiu ao malogro dos
levantes comunistas de novembro de 1935 e o conteúdo das discussões deixa clara a
64

ordem política interna que representam os estrangeiros quer por seus recursos,

por sua organização, quer pela sua quantidade e concentração, a polícia

pleiteia medidas que a capacitassem ao exercício de uma ação vigorosa no

sentido de mantê-los sob vigilância, de controlar e mapear suas atividades,

para que pudesse, no momento em que se fizesse necessário, extirpar o

inimigo do seio da Nação. Caçador que se redesenha no embate com a presa.

Ao analisarmos o resultado final do encontro, vemos a polícia

desenhando sua relevância, produzindo as razões para o seu fortalecimento. O

que, pela sua ótica, passaria pela centralização e modernização da Instituição.

São debatidas e elaboradas propostas de modificação dos anteprojetos de lei

que virão a resultar nos decretos sobre estrangeiros e imigração que serão

publicados em abril de 1938. O teor das emendas é a necessidade de

limitação, de se regular/controlar os passos do "inimigo". Partindo do princípio

de que o estrangeiro não se preocupará em respeitar as leis do país, nem

tampouco honrará a verdade, é preciso que suas afirmações sejam

comprovadas/verificadas no Brasil. Passaportes visados a partir de 'atestados

de bons antecedentes', obviamente emitidos pela polícia brasileira. Mobilidade

registrada, em todas as etapas do deslocamento pela polícia. Comprovação da

idoneidade dos documentos apresentados, fotografias, autorizações... sempre

por meio das Chefias de Polícia. Tomemos um exemplo:

"f) – para os estrangeiros incluídos no inciso VII será seguido o


mesmo processo da legislação vigente, incluindo-se a
identificação obrigatória ...;
g) – para os estrangeiros do inciso VII, o processo será o
incluído no anteprojeto, exigindo-se, além disso mais a
identificação e o registro ...;

associação estrangeiro/ideologia 'exótica'/desordem


65

h) – para os estrangeiros incluídos no inciso IX proceder-se-á


exatamente como prevê a legislação vigente, exigindo-se mais
o atestado de bons antecedentes sociais, já aprovado
anteriormente, identificação obrigatória e comunicação à
Polícia do Estado para onde se dirigir o estrangeiro em
questão, para fins de registro. Exigir-se-á, além disso, a
obrigação de apresentar-se à Polícia Estadual do Estado de
destino;"41

São dezesseis resoluções versando sobre estrangeiros (as dezesseis

primeiras) as quais sucedem

XVII - que sejam especializadas, nas Polícias Estaduais, as


funções policiais de ordem política e social.
XVIII - que seja adotada, como padrão dessas organizações, a
Superintendência de Ordem Política e Social do Estado de São
Paulo, de acordo com as necessidades de cada Estado.
XIX - que seja criada em todas as capitais dos Estados uma
Escola de Polícia nos moldes das que existem no Distrito
Federal e em São Paulo...
XX - que seja criado, na Chefia de Polícia do Distrito Federal,
um Arquivo Geral de Ordem Política e Social.
XXI - que, pelas várias legislações estaduais, seja criado um
selo policial estadual, em benefício dos serviços
especializados, e também como meio de contrapropaganda
extremista.
XXII - que sejam instaladas em todos os Estados estações
radiotelegráficas, afim de tornar mais eficientes os meios de
comunicações entre as várias polícias.
(...)
LIX - que, considerando o interesse que tem a Polícia brasileira
em conhecer as atividades subversivas desenvolvidas em
outros países, seja lembrada ao Ministério da Justiça a
conveniência de um entendimento com o Ministério das
Relações Exteriores, para que este amplie cada vez mais o
intercâmbio de informações entre os dois Ministérios.
LX - que seja fiscalizada nos postos alfandegários a entrada de
livros, revistas e publicações diversas que constem da
bagagem dos passageiros.
LXI - que em nossa legislação penal sejam introduzidos artigos
capitulando as penas aplicáveis a quem em tempo de paz,
procure desvendar os segredos de Estado, cuja divulgação
ponha em perigo a segurança nacional.

41
Resoluções do 1º Congresso dos Secretários de Segurança Pública e Chefes de Polícia dos
Estados Unidos do Brasil. APERJ.DOPS. Administração 1
66

LXII - que seja introduzido na nossa carta magna um


dispositivo colocando o comunismo fora da lei.

Uma vez implementada a legislação de controle aos estrangeiros,

grande parte de sua execução ficará a cargo da Polícia Civil do Distrito Federal,

que na prática centralizava e normatizava suas congêneres estaduais. Para

sermos mais precisos, será objeto no interior da Polícia Civil, da repartição que

desempenhava o papel de polícia política – a Delegacia Especial de Segurança

Política e Social, DESPS –, demonstrando que o perigo antevisto nos

estrangeiros era o de ameaça a ordem interna.

Segundo Reznik, a criação da DESPS, em 1933, e sua regulamentação,

em 1934, estão inscritas "no processo de redefinição do Estado , na direção de

maior regulação e intervenção na sociedade" que se desenvolve nos anos 30,

mas têm o significado particular de consolidação da autonomia da polícia

política no âmbito federal. Autonomia essa que se caracterizou pela elaboração

de uma agenda: "preocupação com a subversão pela violência, greves, fraudes

comerciais e a posse de armas e explosivos; controle do funcionalismo público,

dos militares, dos meios de comunicação e de todos os indivíduos, grupos e

associações vinculados à possibilidade de subversão da ordem" e métodos

próprios que tornaram a polícia política apta "enfrentar os novos desafios das

sociedades metropolitanas em regime democrático"(REZNIK : 2000, p. 90 e

seguintes). Nesta construção o combate ao comunismo e ao perigo estrangeiro

desempenharam papel protagônico.


67

Para que aquilatemos o crescimento da instituição no período,

retomaremos brevemente a sua história. Ao ser criada42, possuía a seguinte

estrutura:

É um contingente bastante acanhado, composto por um delegado

especial, um secretário, dois auxiliares, três chefes de seção e um número

móvel de investigadores, os quais atuam nas três subdivisões que

correspondem fielmente aos casos previstos na Lei de segurança, de abril de

1935.

Em 1939, as mudanças saltam aos olhos. São mais de uma centena de

funcionários e várias seções e serviços especializados. Vejamos.

42
Decreto n.º 22.332, de 10 de janeiro de 1933 (criação) e decreto n.º 24.531, de 2 de julho de
1934 (regulamentação)
68

O Capitão Felisberto Baptista Teixeira, delegado especial da DESPS,

define com clareza o sentido da transformação que se opera: ela atendeu à

necessidade de uma atuação profilática, em que "todos os elementos suspeitos

passaram a ser continuamente vigiados" de forma "a ser muito difícil que venha

a ocorrer qualquer fato grave de natureza política e social sem que dele
43
tenhamos prévio conhecimento" . Ao que se aliava a busca de eficiência

máxima, obtida por meio da multiplicação da quantidade de informações e

diversificação de suas fontes, o que concorria "para aumentar a proporção de

veracidade das comunicações, chegando em grande número de casos a 100%,

43
Cap. Felisberto Baptista Teixeira. Relatório de 1940...p. 7
69

isto é, a certeza, quando as informações coincidem, o que constitui o ideal de

todo e qualquer serviço secreto" 44.

A DESPS passa a contar, então, com as informações provenientes:

– do Serviço Secreto de Informações (SSI) - órgão subordinado ao

Chefe de Polícia que age em conexão com a DESPS de maneira que "um

possa completar e fiscalizar o outro".

– do Serviço Reservado (SR) - a quem o Delegado Especial

encaminha serviços de todas as naturezas, tais como a vigilância e o controle

de políticos, comunistas, integralistas, militares e dos meios econômicos,

contra-espionagem e fiscalização de estrangeiros, pois está destinado a

reforçar o trabalho das demais seções. Faz escuta e infiltrações;

– do Serviço de Ronda - que durante a noite patrulha o Distrito

Federal em zonas "por onde, dada a sua situação topográfica, forçosamente

em caso de subversão da ordem pública, devem se reunir ou transitar grupos

de rebeldes"45

– do Serviço Secreto - composto por agentes infiltrados com a função

de "antenas, lançadas em todas as direções e capazes de colher alteração de

sentimento popular ou de entrar na intimidade de certos grupos

conspiradores."46

– da Seção de Segurança Política (S-1) - que controla a atuação de

políticos, militares e afins;

44
idem. p. 44
45
Felisberto Baptista Teixeira. op. cit. p. 53.
46
Felisberto Baptista Teixeira. op. cit. p. 55.
70

– da Seção de Segurança Social (S-2) - que controla as atividades

anti-sociais e a fiscalização dos meios trabalhistas e associativos, inclusive o

controle das embaixadas e navios estrangeiros;

– da Seção de Fiscalização de Armas, Explosivos e Munições

(S-3);

Todas estas informações são arquivadas, comparadas e processadas -

reunidas e redistribuídas posteriormente pelo Gabinete Técnico, a quem

compete:

I. Estudo sistematizado da técnica conspiratória dos partidos da

Direita e da Esquerda;

II. Controle dos serviços políticos realizados pela Delegacia

Especial;

III. Pareceres sobre publicações consideradas suspeitas ou nocivas;

IV. Biblioteca de publicações apreendidas;

V. Serviço cartográfico;

VI. Serviço criptográfico;

VII. Correspondência reservada para as Polícias dos Estados e

autoridades públicas;

VIII. Fichário dos serviços e fichário fotográfico;

IX. Preparo e expedição das ordens de serviço para as seções;

X. Expedição de notas reservadas;

XI. Índices nominais de suspeitos, presos, condenados, etc.;

XII. Preparo dos Boletins Semanais e Mensais.47

47
Felisberto Baptista Teixeira. op. cit. p. 38.
71

Só no ano de 1940 foram abertas pelo Gabinete Técnico 25.560 fichas

informativas, assim distribuídas:

Setor INTEGRALISTA 5500

Setor COMUNISTA 4325

Setor POLÍTICO 3000

Setor ESTRANGEIRO 2700

Setor ECONÔMICO 1018

Setor MILITAR 3500

Setor PAULISTA 1700

Setor GERAL 1100

Setor CONTRAVENÇÃO 1045

Fichas FOTOGRÁFICAS 1467

Ilustrando um pouco mais esse movimento, que pretende manter ampla

vigilância sobre os possíveis suspeitos, vejamos algumas atividades do Arquivo

Geral48:

48
A tabela foi elaborada a partir dos dados constantes do Relatório de 1940, do capitão
Felisberto Baptista Teixeira. op. cit. pp. 14/15.
72

MOVIMENTO DO ARQUIVO GERAL 1938 1940

Documentos recebidos para informar 9.686 6.101

Informações prestadas para diversos fins 9.864 8.988

Informações para naturalizações - 2.290

Prontuários abertos 3.325 857

Prontuários anotados 5.518 4.116

Prontuários completados - 4.796

Prontuários consultados 11.228 11.292

Prontuários unificados 27.161 2.487

Fichas consultadas para informações - 14.744

Fichas consultadas para embarque - 3.312

Fichas preventivas abertas - 251

Fichas de nomes iguais - 1.429

Fichas de profissão - 6.000

Fichas de vulgo - 300

Reafirmando o uso do combate ao estrangeiro como elemento de

promoção da centralização do aparato policial, da sua modernização e da

afirmação do seu caráter fundamental como sustentáculo do regime, o Capitão


73

Baptista, em 1940, reivindica a montagem de um órgão especializado,

substituindo o excessivamente burocrático, na sua opinião, Serviço de Registro

de Estrangeiros. Sua argumentação merece ser descrita, apesar de um pouco

extensa:

"É necessário um serviço permanente de observação e


sindicâncias sobre as atividades de elementos alienígenas, a
maioria das quais indesejáveis às coletividades de origem e
que por isso aflui para o nosso solo, na esperança de aqui
encontrar um campo fácil às suas ambições, não muitas vezes
honestas e confessáveis e quase sempre inúteis, se não
prejudiciais ao nosso País. (...)

O Brasil é ainda o paraíso dos espertos. Aqui se


instalam supostos capitalistas, industriais, etc., ..., que logo
depois penetram em nossa alta sociedade. (...)

No Rio de Janeiro pululam vários estrangeiros


regiamente instalados sem profissão definida. São
intermediários dos magnatas da indústria estrangeira (...), que
se aproveitam de sua influência social ou política, para obter
magníficos negócios de fornecimento a preço previamente
majorados, ..., em detrimento da economia nacional.

Esses elementos precisam ser vigiados, verificadas suas


ligações e métodos de atividade para que o Governo
devidamente informado, possa prevenir-se contra seus golpes,
defendendo os interesses do povo brasileiro. (...)

Esse órgão deve ser a Delegacia de Fiscalização de


Estrangeiros e sua criação é absolutamente necessária pelas
razões acima expostas e outras de fácil compreensão. "49

Como podemos perceber, o "perigo estrangeiro", na fala do Delegado

Especial, não está consubstanciado apenas nos comunistas ou nazifascistas -

extremistas de esquerda e de direita, como são designados nos documentos

da época. Mas apresenta-se também com a face do capitalista predador, que

tem por objetivos sugar as riquezas naturais do país; corromper com a


74

perspectiva do lucro fácil parcela do empresariado nacional, levando a que os

interesses individuais viessem a se sobrepor aos da nação; em suma, dar

continuidade à prática de subordinação aos interesses internacionais que havia

caracterizado a experiência liberal da República Velha.

O controle da atividade dos estrangeiros vai ao encontro, ainda, das

pretensões da política externa brasileira em um cenário em que a deflagração

de um conflito bélico de proporções se anuncia inevitável. Manter a

neutralidade afigurava-se imprescindível, quer por razões estratégicas, quer

por perceberem o potencial do conflito para o fortalecimento econômico do

Estado. "É doloroso dizê-lo, mas é uma realidade: uma conflagração européia

só poderá trazer benefícios a um país como o nosso", afirma Ribeiro Couto;

"países ricos em matérias-primas como o nosso forçosamente têm de tirar o

melhor proveito [da guerra]", diz o embaixador Francisco d'Alamo Lousada.

Para aproveitar todo esse potencial é mister agir de forma pragmática,

deixando à margem quaisquer predileções ideológicas. Góes Monteiro, é

absolutamente explícito ao concluir que a postura brasileira durante a guerra

deve ser a de estabelecer "o máximo de relações comerciais e o mínimo de

relações políticas com a Europa".50

Se a polícia política reivindicava para si o papel de guardiã da nação

frente a ação desagregadora do estrangeiro em tempos de paz, também o faz

no cenário do conflito mundial. Cabe a ela zelar para que a ação de súditos

estrangeiros no país não venha a comprometer as diretrizes norteadoras da

49
Capitão Felisberto Baptista Teixeira. Relatório de 1940. op. cit. pp. 68/71.
50
Diplomata Ribeiro Couto, carta de 4 de dezembro de 1936; diplomata Francisco d'Alamo
Lousada, carta de 27 de novembro de 1937; general Góes Monteiro, Relatório do EME de
1939, respectivamente. Apud Hilton : 1977, p. 71.
75

política externa, a qual vinha desempenhando papel determinante como

instrumento na modernização estrutural do Estado. O Brasil que até pouco

tempo atrás mantinha aberta suas fronteiras à imigração, ainda não concluíra a

obra de nacionalização de sua população encetada pelo Estado Novo, o que

permitia antever que lealdades originárias do nascimento poderiam levar à

ação imigrantes e seus dependentes, causando constrangimentos diplomáticos

e perturbações na política em curso. Os vínculos afetivos, econômicos e

comerciais do país com o exterior, para além de sustentarem fidelidades

perigosas, justificavam a presença e o trânsito de grande número de

estrangeiros no território brasileiro, permitiam a arrecadação de fundos para

propaganda dos beligerantes e poderiam acobertar a ação de espiões.

Observemos os quadros abaixo:

ESTRANGEIROS ENTRADOS NO DISTRITO FEDERAL


(por ano)

EUA Alemanha Inglaterra Espanha Itália Japão França

1938 2 694 3 174 2 072 533 2 532 2 637 923


1939 3 339 4 560 1 177 512 2 006 1 524 814
1940 4 337 1 783 945 869 1 029 1 471 711
1941 4 734 837 646 557 387 1 883 718
1942 3 596 66 587 300 44 - 282
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, ano VI

ESTRANGEIROS SAÍDOS DO DISTRITO FEDERAL


(por ano)

EUA Alemanha Inglaterra Espanha Itália Japão França

1938 1 720 4 778 1 488 314 1 644 1 083 594


1939 1 827 5 961 1 568 617 1 481 1 554 803
1940 2 194 456 594 466 636 1 667 360
1941 4 046 450 703 502 341 941 419
1942 1 455 423 504 225 467 387 191
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, ano VI
76

Segundo as normas de ação da DESPS era legítimo concluir que todos

constituíam uma ameaça para o país. Poderiam ser agentes secretos, espiões

britânicos, alemães, japoneses, italianos, franceses. A todos era preciso

controlar para evitar danos à política nacional.

O acirramento dos conflitos internacionais levava a que os países

beligerantes intensificassem a ação de seus serviços de Inteligência, o que

corroborava a desconfiança da Polícia Política. Em 1940, o presidente norte-

americano institui no interior do FBI - Federal Bureau of Investigation - um novo

órgão com a completa responsabilidade por toda a atividade norte-americana

de inteligência no Hemisfério Ocidental, o SIS - Special Intelligence Service.

Seus agentes agem quer por meio da colaboração com as polícias locais quer

através da infiltração e espionagem.

Ainda no mesmo ano, a Inglaterra potencializa as ações de seu serviço

secreto, estabelecendo uma sede do mesmo em Nova York com o nome de

BSC - British Security Coordination. A BSC imediatamente passou a agir na

América Latina empregando as mesmas táticas de seu congênere norte-

americano. Antes mesmo de se especializarem os serviços de espionagem

para a América Latina, o general Góes Monteiro, chefe do EME - Estado Maior

do Exército, manifestava sua indignação com o fato de o Brasil ter

conhecimento de que agentes estrangeiros agiam no interior do país sem que

lhe fosse dado aquilatar os "efeitos perniciosos" desta espionagem, ainda que

as informações remetidas "se destinassem unicamente a fins especulativos de

caráter econômico ou militar"(HILTON : 1983, p. 257)


77

É interessante destacar que os diversos serviços de inteligência que

operavam no país procuravam cooptar membros do staff governamental e da

elite nacional, aproveitando-se do fato de que a estratégia empreendida pelo

governo permitia a coabitação no interior do aparelho de Estado de

germanófilos e pró-aliados. E que, para tal, incrementavam suas ações de

propaganda. A ameaça ganha volume crescente. Um exemplo do acirramento

do clima de tensão é a iniciativa do Ministro das Relações Exteriores Oswaldo

Aranha de solicitar ao FBI o envio de agentes que viessem a constituir um novo

serviço secreto, diretamente subordinado ao seu ministério, que fosse inclusive

desconhecido da S-2 da DESPS, que vinha colocando sob vigilância os

próprios membros do ministério de Oswaldo Aranha. (HUGGINS : 1998, p.

59/60).

A polícia política, face a este quadro, reivindicará uma maior

especialização do seu efetivo, bem como sua ampliação, de forma a manter

todos os suspeitos sob constante controle, assegurando a capacidade de agir

imediatamente, localizando e prendendo os "indesejáveis", bastando que o

chefe do executivo manifestasse seu interesse.


78

3 Em busca de informações

"– Você pode conseguir o material para fabricar um papel igual a este?

Perguntou Stephenson, mostrando uma folha de papel timbrado.

Vining levou o papel até a luz.

– Talvez.

– E o timbre?

– O Departamento de Falsificação não terá muita dificuldade?

– E quanto à máquina de escrever?

Vining examinou as letras.

– Máquina italiana?

– Certo. E antiga.

– Teremos de reconstruir uma, com todas as imperfeições. – Vining

devolveu o papel. – Esta é a única cópia?

– Não se preocupe. – Stephenson sorriu inclinando a cabeça. – Nós

conseguiremos o original.

– As facilidades nos Estados Unidos seriam maiores.

– Não enquanto estiverem usando luvas de pelica.

Do Rockefeller Center seguiu uma mensagem para o chefe do Serviço

Secreto de Informações britânico no Brasil: 'Propomos fazer chegar ao governo

brasileiro uma carta que pareça ter sido escrita por alguma autoridade italiana,

para um executivo no Brasil. O propósito é comprometer os serviços aéreos


79

transatlânticos italianos que facilitam passagens para agentes inimigos,

documentos secretos e materiais estratégicos. Apreciaríamos receber detalhes

e espécime de papel timbrado da empresa de aviação LATI".

(...)

Uma carta falsa estava sendo produzida em fins de setembro. O papel

timbrado foi produzido pelo Posto M, empregando a polpa de uma fibra

somente encontrada normalmente na Europa. (...)Uma máquina de escrever,

que era uma duplicata perfeita da máquina de Roma, havia sido construída. A

carta foi endereçada a Coppola [gerente regional da LATI no Brasil] e

'assinada' pelo presidente da LATI. Dizia assim:

"Caro amigo:

Obrigado pela carta e pelo relatório incluso... Discuti o relatório,

imediatamente, com os nossos amigos. Eles o consideraram da maior

importância. Comparam-no, em minha presença, com certas informações que

já haviam recebido da Piazza del Prete. Os dois relatórios coincidiram quase

exatamente... Ele me fez sentir envaidecido... Não pode haver dúvida que o

"baixinho" está caindo nas mãos dos americanos, e que somente uma ação

violenta por parte dos camisas verdes pode salvar o país. Entendo que tal ação

tem sido preparada por nossos respeitáveis colaboradores em Berlim..."

William Stevenson. Um homem chamado Intrépido. Rio de Janeiro : Círculo do

Livro, 1986. p. 330/1.


80

A presença de espiões estrangeiros agindo em território brasileiro não

era nova, mas se acentua no movimento internacional de repressão ao

comunismo. A troca de informações entre governos e polícias no caso da

Insurreição dos comunistas brasileiros em 1935 é comprovada nos trabalhos,

entre outros, de Robert Levine (1970) e Martha Huggins (1997). Nos Arquivos

do DOPS também encontramos exemplos dessas parcerias, como no caso da

atuação de FRANZ GRUBER ou, melhor, JOHNY DE GRAAF ou PAULO ou,

ainda, PEDRO. Indicado pela Internacional Comunista para assessorar os

comunistas brasileiros com explosivos e sabotagens, o alemão acompanhado

pela esposa faz uma escala em Paris onde, segundo nos diz

Primeiramente se apresentou ao major Vivian - chefe do

departamento anti-Komintern do INTELLIGENCE SERVICE , o

qual viera de Londres especialmente para esse fim, dando-lhe

nessa ocasião conhecimento de todos os planos para executar

no Brasil; o referido Major aprovou vivamente a decisão de

GRUBER de vir ao Brasil, dando-lhe instruções de que ao

chegar examinasse o plano aludido e que na hipótese de achá-

lo viável, avisar imediatamente o INTELLIGENCE SERVICE

para que este pudesse avisa o governo brasileiro, e que no

caso de improbabilidade de êxito do plano citado deixasse

correr os acontecimentos para que a reação eminente se

seguisse ao mesmo tempo que o governo brasileiro tomaria

medidas militares e políticas que assegurassem maiores

possibilidades na luta contra o comunismo.


81

...

Em abril de 1935 chegou ao Rio o Major Vivian, do

INTELLIGENCE SERVICE, [com quem] conversou no Hotel

Copacabana [e] apresentou-o logo após a ALFRED HUTT,

chefe da seção de gás da Light e também agente do

INTELLIGENCE SERVICE51

Graff, nome de registro do alemão, foi o responsável por ter a Polícia

do Rio apreendido intactos toda a documentação e os dólares do Partido

Comunista que se encontravam no cofre de Luis Carlos Prestes. Este era

protegido por um engenho instalado por Graff e que deveria explodir quando

aberto indevidamente... No seu depoimento destacamos, para além da

presença de uma base fixa do INTELLIGENCE SERVICE – IS na cidade, a

tática empregada: desde que não se apresente risco imediato deixar correr os

fatos sem conhecimento do governo brasileiro que só será comunicado

quando, e se, os britânicos considerarem pertinente. Esta abordagem se

repetirá durante todo o período em tela e, acreditamos, não era recebida com

agrado pela polícia brasileira.

Com a proximidade da guerra intensifica-se o contingente e a atuação

dos espiões em território brasileiro. A historiografia registra a presença, em

maior número, de membros de agências de espionagem norte-americana,

italiana, francesa e alemã (HILTON : 1985; PERAZZO : 1999; SILVA : 1972).

51
APERJ. DESPS. Prontuário n.º 444, p. 15.
82

Um dos temas centrais da guerra secreta travada pelos principais países

beligerantes em solo brasileiro foi, ainda, segundo Stanley Hilton, a

preocupação aliada, em particular norte-americana, de que a América do Sul

era "um foco de intriga nazista, ou no mínimo uma área fértil para maquinações

do Eixo". O autor afirma que não constatou qualquer referência a tentativas

germânicas de anexação de territórios na região, estando focada a atuação do

Abwehr no fornecimento de informações sobre o inimigo.

Buscam um mapeamento seguro das tendências no interior do governo

brasileiro, proceder a propaganda de sua causa, avaliar o grau de

suscetibilidade militar, obter informações estratégicas sobre as decisões

políticas e econômicas do governo Vargas e, sobretudo, controlar o

conhecimento de que dispõem os outros envolvidos no conflito.

3.1 Os ingleses e a Polícia Política

O título pomposo encobre, na verdade, uma pretensão bem mais

modesta. Um estudo sobre os interesses ingleses no Brasil após a República

Velha e, em particular, durante a II Grande Guerra viria a preencher uma

lacuna existente em nossa historiografia. Não é essa nossa intenção, neste

momento. Identificamos aqui, a partir da documentação arquivada pela

DESPS, as linhas gerais de preocupação dos representantes da velha Albion

no trato com a polícia de Vargas.

Durante todo o período foi mantida uma cooperação formal entre a

Embaixada britânica no Rio de Janeiro e a Polícia Política. Alguns agentes


83

brasileiros eram designados pelo Delegado Especial para fazerem a

intermediação entre as duas agências - isto é, para "colaborar" com o

embaixador; outros, prestavam informações "não-oficiais" e recebiam, por isso,

algumas recompensas.

O teor dos documentos não nos permite supor que os britânicos

fizessem uso sistemático das informações obtidas por meio dos policiais a que

tinham acesso. A maior parte dos registros indica a preocupação de

checar/controlar a atuação de alemães ou teuto-descendentes suspeitos de

colaboração com o nazismo ou, ainda, informar ou indicar/buscar o paradeiro

de agentes nazistas em atuação na América do Sul. Em dezembro de 1940, a

Embaixada já dispõe de uma "organização atual do nazismo no Brasil",

organizada pelo senhor Connor Green, que será enviada para a DESPS

visando a auxiliar o Delegado oficial. Este tipo de pedido é mais freqüente ao

início da guerra e vai rareando depois. Talvez pela eficiência do fichário

britânico. A pedido britânico, K-41 apurou os seguintes resultados:

Elizabeth Berkett - alemã, solteira, 25 anos. Declarou as


autoridades residir no Hotel Londres,
entretanto hospedou-se no Pax Hotel e
atualmente reside a rua Correia Dutra.
Host Becker - alemão de 22 anos, residente a rua Alberto
Torres. É representante da firma Wisleile
Perluzan e por ela pode fazer qualquer
transação. Costuma ir ao consulado americano
e britânico a fim de legalizar o embarque de
pedras preciosas, negócio explorado pela
firma.
Vassily Van Waldenburg - russo. É casado com Mary Van
Waldenburg e mora com Victor
Alex Feretky. Expressa-se
desairosamente sobre alemães
e sovietes, não demonstrando
84

estar envolvido em questões


políticas.
Leonard Singer - 44 anos, suas atividades não merecem
especial vigilância
Gustav Stange - é alemão brasileiro. Nutre simpatias pelo
nazismo e ataca o regime brasileiro taxando-o
de fraco
Carlos Theodoro Mayer - é alemão. Ao que parece não se
preocupa com qualquer assuntos
políticos pois, nas palestras que
toma parte evita comentários sobre
os acontecimentos na Europa
Martins Duque Ibas - não foi localizado52

Por vezes, encontramos a preocupação de verificar o grau de exatidão

das informações contidas no fichário da Polícia do Distrito Federal. O sr.

William Freeman, segundo as informações da DESPS um dos dirigentes no

Brasil do Serviço Secreto inglês, determinou a K-47 que verificasse o seguinte:

- o que existe de positivo sobre as atividades ligadas a


COSSEL, capitão Hauptman von COSSEL, residente à rua
Barão da Torre 462, reveladas pela revista americana TIME. Se
é verdade que COSSEL teve em relação ao integralismo a
posição que lhe é atribuída. Se é certo que gozou de proteção
especial dispensada pelo ministro da Justiça.53

Em outras ocasiões, não muito freqüentes, preocupam-se em detectar o

posicionamento de autoridades brasileiras face ao conflito em curso:

k-47, ao entrar em contato com a embaixada inglesa através do


senhor William Freeman, foi designado para apurar que Heitor
Muniz, freqüentemente citado pelo rádio alemão, é tido como
porta-voz do sr. Filinto Müller. Deseja-se saber com segurança
até que ponto isso é verdade.
– O que de verdadeiro existe sobre as divergências de opiniões
sobre a guerra européia no Ministério da Guerra.
– É o gen. Eurico Gaspar Dutra germanófilo?

52
DOPS. INGLÊS. Pasta 3.
53
DOPS. INGLÊS. Pasta 3. 20.09.1940.
Cossel, na verdade Hans Henning von COSSEL era o principal dirigente do partido nacional
socialista alemão no Brasil
85

– É o gen. Valentin Beninger a favor da Inglaterra?

O resultado deve ser encaminhado ao "Comitê pour la France


Livre - De Gaulle", aos cuidados do sr. William Freeman,
quartas e sextas, no Cassino Club, Rua Siqueira Campos, nos
dias de reunião de costura, na seção francesa da Cruz
Vermelha.54

Nestes casos, o procedimento dos agentes policiais envolvidos é

apresentar para a censura do Delegado Especial o relatório que será

posteriormente entregue. Foi o que fez K-47 ao enviar para censura o seu

relatório, escrito em inglês, no qual afirmava que Heitor Muniz era, sem dúvidas

simpatizante do Eixo, mas ocupava no Correio da Manhã um cargo de pouca

responsabilidade, em virtude de ter entrado em choque com a linha editorial do

jornal sobre política internacional, quando de artigo publicado em "A Pátria". O

autor afirma, também, que a adesão do jornalista ao Eixo dá-se por ter sido,

numa viagem a Europa, mais bem recebido em Berlim do que em qualquer

outro lugar. A desqualificação continua na afirmação de que, apesar de ser

dizer bom jornalista, só fala uma segunda língua, o francês, e mesmo assim

sem muita fluência. E que

"Toda a sua inspiração lhe vem, em matéria de política externa,


por meio de publicações como Je suis partout, Gringoire e
Candide , o que já é bastante para explicar as suas aspirações
totalitárias. Em relação a suas ligações com o senhor Filinto
Müller, consta que ele ocupa um lugar, sem atribuições
definidas, no gabinete do chefe de Polícia. Lugar este
vinculado ao serviço de propaganda. Pessoalmente K-47 não
acredita que ele seja porta-voz do senhor major Filinto Müller.

54
DOPS. INGLÊS. Pasta 3, !6.09.1940
86

Apesar de germanófilo, é incapaz de exercer influência sobre alguém ou

sobre a imprensa, somos levados a concluir. Muito menos sobre o senhor

Chefe de Polícia.

Inquirido sobre a posição do governo brasileiro, K-47 é preciso: não há

nomes, não há "partidos". Apenas a nação, que se expressa na voz do

presidente:

A oposição "subterrânea" ao governo mistura


propositadamente o "caso brasileiro" com os fatos europeus e
afirma que o Brasil, por não ser dirigido por uma Democracia
(sob a forma teórica que esta palavra era entendida antes de
1939), o governo que dissolveu o Congresso é favorável ao
Eixo. Há, como é natural, simpatizantes da Alemanha
espalhados por todo o país, porém em número menor do que
em 1914. Porém, parece que ainda não está bem esclarecido,
mesmo para alguns brasileiros, que a política geral do governo
em relação aos assuntos internacionais é primeiro brasileira e
depois sul-americana; e, que o sr. Presidente é sincero toda
vez que esboça essa tendência em seus discursos.55

A representação dos britânicos na cidade também recorre à DESPS

para obter autorizações, vistos, pedir segurança para prédios ou residências

oficiais e contestar algumas práticas policiais. Independente da natureza do

pedido, a Polícia não parece preocupada com um atendimento ágil. Os pedidos

de visto destinados aos elementos que fazem a segurança das propriedades

britânicas no Cais do Porto e assinados pessoalmente pelo Embaixador são

todos respondidos, mas isso pode levar mais de dois meses. Em outros casos,

não há qualquer indicação de ter havido uma resposta do órgão. Tais indícios

nos levam a supor uma ausência de deferência, por parte da polícia, no trato

com a Embaixada, comportamento que não é típico das autoridades

55
DOPS. INGLÊS. Pasta 3. 16.09.1940
87

brasileiras e que resulta, a nosso ver, quer do sentimento do Estado Novo em

relação aos estrangeiros, quer de embates como o gerado pela carta do Sr.

Embaixador ao Delegado Especial, datada de 14 de março de 1940:

Tenho a honra de fazer referência a minha carta de 22


de fevereiro último, da qual até a presente data ainda não
recebi resposta, e trazer ao conhecimento de V. S.ª Ter o Sr.
Francisco Xavier DUTT-ROSS me informado de que realmente
esteve detido 'incomunicável' desde às 18 horas do dia 20 de
fevereiro até às 10,30 horas do dia 23 do mesmo mês, quando
foi interrogado e posto em liberdade, sem ter sido formulada
culpa contra o mesmo senhor. (...)
Desejo acrescentar que este proceder é usado no Reino
Unido, onde, a um estrangeiro detido é facilitado comunicar-se
livremente e sem demora com o representante consular do seu
país.

Na qual o capitão Baptista Teixeira anota, em 14 de maio, para


responder:
Foi detido por ter convidado sargentos do Exército
brasileiro a alistarem-se como voluntários no Exército inglês.
Que quanto as comunicações com o consulado não é
possível enquanto não forem os casos devidamente
esclarecidos, sendo este o uso na polícia brasileira, muito
embora sejam respeitadas as práticas usadas nas polícias de
outros países.56

Poderíamos dizer, em resumo, que as relações entre os britânicos e a


polícia política, apesar da cooperação estabelecida entre elas, que antecede o
próprio advento do Estado Novo e nele tem continuidade, não são pautadas
por um clima de cordialidade e confiabilidade. Levando-nos a crer que a
defesa dos interesses britânicos no Rio de Janeiro tenha ficado sob a
responsabilidade de seu próprio governo.

56
DOPS.INGLÊS. Pasta 1
88

3.2 A Polícia Política e os ingleses

Instruções para os agentes do Intelligence Service

Estabelecer o maior contato possível com as pessoas de


influência política e fazer propaganda para a entrada do Brasil
na Guerra ao lado da Inglaterra e dos Estados Unidos57.

O informe obtido pelo investigador da DESPS infiltrado junto aos

britânicos é a senha para que identifiquemos as principais questões colocadas

para a Polícia Política brasileira nesta sua esfera de atuação. A primeira vista

parece não trazer nenhuma novidade. Chega mesmo a parecer banal: um país

em guerra - a Inglaterra, envolvido num conflito de dimensões crescentes, tem

como alvo de sua atuação em território neutro, mas estratégico, angariar

simpatias para sua causa, buscando a adesão dos dirigentes à opção já

tomada pelo seu principal parceiro comercial.

É preciso que pensemos, porém, que neste momento, os alemães já

haviam conquistado quase toda a Europa continental e iniciado o bombardeio

sobre aeroportos e fábricas inglesas58. A União Soviética tomara a Estônia, a

Letônia e a Lituânia. A Itália ocupara a Somália. Hitler declarara o bloqueio

sobre a Inglaterra. O quadro, bastante desvantajoso para a Grande Dama,

lançava-a numa luta de vida e morte. Visceralmente dependente das provisões

e armamentos provenientes do outro lado do grande mar, seu objetivo

57
APERJ.DOPS. INGLÊS. Pasta 3
58
Os maciços bombardeios sobre Londres, Southampton, Bristol, Cardiff, Liverpool e
Manchester começarão em 15 de setembro, fazendo parte da Operação Leão do Mar
(invasão da Grã-Bretanha. Ainda no mês de setembro os americanos a lei de alistamento
militar é aprovada nos EUA
89

prioritário é assegurar a continuidade do abastecimento, o que, em outras

palavras, quer dizer eliminar ou reduzir ao máximo a atuação alemã no

Atlântico. O Brasil sobreleva-se neste cenário. (MORGAN : 1992; CULL : 1995)

Menos por sua capacidade de fornecimento de alimentos e matérias-

primas estratégicas, que poderiam ser obtidas por intermédio dos Estados

Unidos, e, sim, pela possibilidade de servir de base para as investidas militares

alemães. Esta análise resultava de uma interpretação do cenário interno

brasileiro que apontava para a fragilidade militar e de constituição do próprio

Estado, aliadas à falta de vontade política dos governantes (ou de boa parte

deles) em conter a atuação alemã. Ponto de vista compartilhado por boa parte

dos súditos de Sua Majestade de alguma forma envolvidos com a questão

brasileira que provavelmente concordariam com a afirmação do comandante

Pullen, adido naval britânico no Brasil:

A germanofilia da maioria dos oficiais que serve no


Ministério da Guerra se explica por diversos fatos. Um dos
principais é a incapacidade intelectual do ministro Gaspar Dutra
a deixar certos oficiais do seu gabinete, como o major Afonso
de Carvalho, a escrever artigos francamente a favor da
Alemanha, como os que estão saindo no Estado de São Paulo.
Este oficial, cuja cotação é grande, teve a coragem de
assinar um relatório onde afirma que as equipagens dos
tanques alemães são escolhidas de tal maneira como
classificação dos glóbulos de sangue, que no caso de um
sendo ferido gravemente, se servindo de sangue de outro
membro da tripulação, poderá se operar uma transfusão
imediata. Um tal non-senso (sic), que importaria em um médico
em cada tanque, no entanto foi aceito pela maioria dos oficiais
superiores que serve no ministério da Guerra e objeto até de
discussão entre eles e certos membros de nossa colônia no Rio
de Janeiro.
Isto para dar uma idéia do que está acontecendo nos
meios militares do Rio de Janeiro.
Existe uma grande necessidade de aumentar e
desenvolver mais ativamente nossa propaganda nos meios
90

militares, porém encontraremos, como os americanos


encontrarão, dois sérios obstáculos que são:
a) que o serviço de imprensa da 2ª seção de EM está
em mãos de elementos reconhecidos notoriamente nazistas
que recebem o seu serviço de imprensa da embaixada alemã,
isto de acordo e comprovado pelos relatórios interceptados do
adido militar alemão gen. Gutten Schurr. Há talvez um pouco
de exageração nos dizeres deste nosso adversário, porém
existem fortes razões para acreditarmos que isto seja verdade.
b) que o Estado Maior brasileiro é germanófilo urbi et
orbi e deseja a vitória alemã. A melhor prova é que até esta
data não foi nomeado um adido militar para a embaixada do
Brasil a Londres, nem nenhum observador militar se encontra
junto as tropas britânicas em operações de guerra, em despeito
que nós temos a já bastante tempo nosso adido militar no Rio
de Janeiro. Queriam só saber dos alemães, nada de nós;
c) enquanto as polícias e autoridades militares do Peru
tudo fizeram, a pedido dos Estados Unidos, para prender o
aviador militar Renam Fran von Uerran este deixou o Rio de
Janeiro com papéis falsos e esteve em contato com diversos
militares do EM do Exército. Embora o serviço de nossa
propaganda tenha sido mais ativo, não acreditamos que poderá
lutar com vantagens contra os germânicos, que dispõem de
elementos mais numerosos, todos no caminho da propaganda
pessoal visando determinadas pessoas, principalmente oficiais
do exército.59

O perfil político do Estado Novo e as posições publicamente assumidas

por Vargas corroboravam esta interpretação (GAMBINI: 1977; GOMES: 1988;

MOURA 1980, 1991; SEITENFUS ; 1985).

É lícito, então, ainda que não dispondo de dados que permitam

mensurar essa ofensiva, supor que a inscrição do Brasil no quadro das

prioridades do Império, deve ter sido acompanhada de medidas concretas, tais

como o incremento das atividades de segurança e propaganda, a elevação dos

fundos destinados à essa atividade, o crescimento do contingente envolvido e

deslocado para a região. O empenho britânico para alterar a posição de


91

neutralidade norte-americana, descrito detalhadamente por Cull (1995), nos dá

uma idéia do que pode estar envolvido, respeitando-se, é claro, os distintos

papéis desempenhados na conjuntura por Estados Unidos e Brasil. Novamente

recorremos às sugestões do Adido Naval britânico para aquilatarmos as

medidas que são cogitadas/implementadas em relação ao Brasil:

A melhor forma a empregar para mudar a opinião


germanófila no exército será a pressão econômica: restringir ao
mínimo nossas compras no Brasil, reduzir ao mínimo o
fornecimento de óleos combustíveis e seus subprodutos, de
certas matérias-primas como os subprodutos de fosfato cuja
falha paralisaria estas industrias brasileiras trazendo o
descontentamento, desemprego e reação social etc. Um tal
programa só poderá ser executado com a colaboração dos
EEUU, os quais se precisa convencer que só por pressão
econômica se poderá acabar com a germanofilia dos
elementos nazistas que enchem o Ministério da Guerra no
Brasil.

Portanto, quando as instruções do Intelligence Service apontam para

"estabelecer o maior contato possível com as pessoas de influência política e

fazer propaganda para a entrada do Brasil na Guerra ao lado da Inglaterra"

devemos entender que não se tratam apenas de relações diplomáticas com

membros autorizados do staff político brasileiro, tampouco que estas

transações viessem a cingir-se nos estreitos limites impostos pela censura

estado-novista, cujas normas atendiam às diretrizes da política nacional, cuja

espinha dorsal, no tocante à política externa, era a manutenção da mais

estreita neutralidade.

O maior contato possível pode incluir opositores do regime, pode

também levar a seu interior contraposições, conflitos que fujam ao controle do

59
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 5. 01.04.1941
92

executivo nacional. A propaganda para a entrada na guerra pode conter apelos

que antagonizem distintas concepções de democracia, confrontando-se com

àquela construída pelo Estado Novo.

A percepção de que a Inglaterra, em virtude da fragilidade de sua

situação no confronto, não terá maiores escrúpulos em sua atuação no Brasil

nos é dada por K-47:

Em palestra com o Sr. Theodor Xantacky, secretário da


Embaixada Norte-Americana, [revela que] chegou a conclusão
de que o serviço secreto daquele país está agindo paralela
mas independente do Intelligence Service, sobretudo pelo fato
dos yankees dispensarem maior interesse por tudo que diz
respeito à situação interna do Brasil, enquanto os ingleses,
segundo as próprias expressões do Sr. Theodor Xantacky,
estão apenas preocupados em não perder a guerra, sem
pensar no que possa vir depois.60

Duas são, portanto, as ênfases investigativas da Polícia Política:

– identificar as articulações entre a propaganda britânica e os setores

de oposição à Getúlio Vargas;

– evitar as ações que possam resultar em situações que venham a

tencionar a Neutralidade brasileira face ao conflito internacional,

desarticulando a estratégia de modernização e crescimento

econômico, planejada como um dos pilares de sustentação de seu

projeto político (MOURA : 1980).

Os dois casos, como podemos constatar, estão articulados à dimensão

interna da política brasileira.

60
APERJ. DOPS. NORTE-AMERICANO. Pasta 1. [1940] grifos meus.
93

3.2.1 Reprimindo a campanha da vitória

Em 4 de agosto de 1941, Churchill lança, através de um discurso na

BBC, a Campanha da Vitória. Seu objetivo é injetar ânimo entre os aliados e a

população dos países ocupados pela Alemanha, buscando neutralizar os

efeitos negativos provocados pela invasão da União Soviética pelos exércitos

alemães. Os êxitos recentes da Inglaterra, como o afundamento do Bismarck, a

invasão e ocupação da Síria, a vitória aliada no Líbano, o acordo de

cooperação mútua entre a Inglaterra e a União Soviética, a suspensão de

relações diplomáticas entre Estados Unidos e Japão, assim como o embargo

de Petróleo pelos Estados Unidos são usados para alavancar o moral aliado. O

chamamento de Churchill é para que cada cidadão que se identifica com a

causa da democracia, que se identifica com a causa dos aliados engaje-se na

campanha, mostrando a sua face. A identificação, o reconhecimento de que

todos partilham desta mesma causa de defesa da humanidade é dado pelo uso

do "V" em bottons, no vestuário, em bonés, pintado nas portas, muros. O "V"

cumpre ainda o papel de contrapor-se à cruz gamada do Nacional - Socialismo.

A entrada da União Soviética na guerra reforçou as ações de resistência

incorporando, por toda parte, os disciplinados e valorosos militantes

comunistas, muitos deles já bastante experientes em atividades clandestinas.

Em uma mesma manhã de agosto as esquadrilhas da RAF percorreram

os céus de todos os países conquistados e os aviões lançaram do espaço

panfletos exortando a libertação e a vitória que já se aproximava. Isto no

mesmo dia em que Wiston Churchill, pela BBC, lançava a campanha.. Na

França, na Holanda, na Bélgica, na Noruega e na Tchecoslováquia, as paredes


94

e as portas, as árvores e as praças, foram assinaladas com a letra inicial da

palavra Victory, e que segundo Churchill significa o protesto das populações

dominadas pela bota totalitária e a certeza de que com a vitória da Inglaterra,

adviria sua libertação.

No Brasil a campanha também ganhou adesões:

Ontem (04.08.1941), no Club Alemão de Niterói a letra V foi


pintada em diversas paredes. Estes fatos motivaram sérios
conflitos entre sócios do Club e alguns jovens em virtude
destes procurarem o símbolo da vitória61

O investigador 345 apreendeu na Rua Cardoso de Moraes e no


interior de uma quitanda, instalada no número 99 da mesma
rua dois grandes V's, os quais, segundo informações, foram
recolocados por uma empregada doméstica de cor preta e um
indivíduo que se dizia propagandista da vitória britânica. O
policial em apreço solicitou ao guarda local encarregado da
vigilância municipal que caso encontrasse o indivíduo
supracitado o encaminhasse a delegacia da 20ª DP.62

Não só no Rio de Janeiro, mas, segundo os registros da DESPS,

também em São Paulo e no Paraná. Panfletos eram distribuídos pelo correio,

deixados em cinemas ou salões de sinuca. Alusões ao V eram encaixadas em

vitrines de casas comerciais independente do ramo ou publicadas na forma de

notas pelos jornais, como a redigida pelo Sr. Aurélio Ferreira Guimarães, na

qual o V é feito pelo entrelace da bandeira britânica e dos Estados Unidos

encimando os seguintes dizeres:

Pelo Brasil, Pelos Estados Unidos, Pelas Américas, pela


Vitória! Viva o presidente Getúlio Vargas, Viva a democracia,
contra a quintacoluna! Abaixo totalitarismo! Tremendo libelo
contra a quintacoluna. Devemos combatê-la com energia e
violência. V, o símbolo acima, além de representar a vitória

61
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2
62
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2. 26.08.1941
95

aliada é também uma advertência aos brasileiros quanto as


atividades dissolventes da quintacoluna. NOTA
Uma das formas mais criativas, e muito constante, era a sua inserção

na forma de anúncios classificados e propaganda comercial publicada em

jornais e revistas como O Cruzeiro, Seleções Readers Digest e a Revista da

Semana, cujo trabalho gráfico enfatizava a presença da letra V, sem

necessariamente articula-lo ao conflito em curso, como este publicado no jornal

O Imparcial, de 06 de dezembro de 1941:

Campanha do V, da vitamina e não da vitória. Como se trata da


vitamina, vamos alimentá-la. A campanha, não a vitamina.
Juntem e guardem os vês de ovo, ave e ova. De eva também,
se puder. A vontade do cidadão é livre, as vezes.63

Desenvolveu-se, paralelamente, um outro viés da Campanha, em que

esta passa a ter também o significado de oposição à ditadura Varguista. Como

no panfleto abaixo, lançado à ruas para preparar uma manifestação de repúdio

ao governo no próprio dia 4 de agosto:

No Brasil a campanha também vai ser feita e aqui com os


mesmos objetivos dos com que é realizada nos países
conquistados. Porque também os brasileiros estão sob o jugo
de uma ditadura que esmagou a vontade popular e se mantém
no poder pela força das armas. Aqui, também, no Brasil, a voz
do povo é sufocada pela censura policial aos jornais, aos
telefones, à correspondência privada. Porque, aqui também,
em nossa pátria a espionagem observa ruas e porque aqui,
também, há presídios que são campos de concentração.
Porque aqui também é um país que respira o ar pesado e
sufocante da tirania e do despotismo. Enfim, nós também
confiamos na vitória da democracia, representada pela
Inglaterra e dela esperamos a nossa libertação.
Brasileiros, alistai-vos na campanha da letra V, escrevendo
esse sinal de esperança nas ruas, nas paredes, nas casas e
nas árvores. Marcai com a buzina de vossos carros os três
pontos e o traço final que, em telegrafia Morse, distinguem a
letra da vitória. Apitai, com a sirene de vossas fábricas aquilo

63
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2
96

que não podem gritar com as vossas bocas. No aparelho


radioamador as letras que nos anunciam a libertação esperada.
Porque para o Brasil a campanha do V significa pela libertação,
contra Getúlio!
Vê Vê Vê
Pi Pi Pi Piiiiiii
Tu Tu Tu Tu
Iniciemos pois a 4 de agosto, que comemora a bárbara
dominação da Bélgica, a campanha que há marcar a primeira
fase de nossa grande vitória!
Se você presa a sua liberdade, se você ama a democracia, se
você deseja ser livre faça de hoje a aurora desse dia.64

A associação é explicita entre a ditadura estadonovista e o totalitarismo

nazifascista. A alusão à repressão policial, à censura e violação de

correspondência, aos campos de concentração e à ditadura no Brasil retiram o

conteúdo "universal" da defesa da democracia e justificam a proibição e as

perseguições que se sucedem.

Manifestação de teor semelhante pode ser vista neste outro panfleto65:

Antes da Durante a Depois da


Guerra Guerra Guerra
Itália
Vociferação Velocidade Vergonha
Alemanha
Vontade Violência Vencida
Inglaterra
Verdade Vontade Vitória
Brasil
Vargas Vargas Vargas

A Campanha foi severamente reprimida pela Polícia. Seus autores

presumidos, presos ou postos sob vigilância da Polícia. As instruções da polícia

64
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2
65
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2. 30.09.1941
97

eram de que fossem desenvolvidas sindicâncias minuciosas buscando

identificar a autoria dos mesmos. Segundo foi apurado, houve grande

distribuição do panfleto em São Paulo e no Rio, juntamente com cópias

mimeografadas do discurso de Arthur Bernardes em que este dizia que

depois de mais de quarenta anos de ausência de São Paulo,


era com sincero júbilo e alguma emoção que voltava a visitar a
sua opulenta capital, testemunha que foi dos sonhos e teatro
das muitas vitórias acadêmicas
(...)
o honrara o convite da associação dos alunos da faculdade de
Direito. O Direito havia sido em diversos países uma ficção
como o era nos dias atuais. O eclipse que o Direito sofria
ganhou em amplitude e duração o que não era de esperar. E a
civilização só não acreditava que o Direito fosse desaparecer
porque ela confiava na vitória final das forças morais. Porque o
Direito ia sendo uma ficção, porque o Direito sem garantias era
um Direito inexistente. Há na magistratura órgão destinado a
interpretá-lo e declará-lo aplicável para dar-lhe, como outrora,
as necessárias garantias, porque ela própria não as tinha para
os seus representantes que eram os juizes. Desde que se
fizesse tabula rasa dos postulados em que se alicerçava a
independência dos juizes - a inamovibilidade, a vitaliciedade e
a irredutibilidade dos vencimentos não há independência dos
magistrados e não há garantia de qualquer Direito. A
independência da magistratura ficava exposta no ombro do
juiz. Tudo aquilo lhe parecera paradoxal numa festa de homens
de Direito reunidos para comemorar uma data do Direito, em
dias em que o mesmo estava atravessando um eclipse.
Todavia, decidira comparecer, não só para participar do
referido encontro com os colegas da rede pública, senão
também para corresponder aos insistentes convites recebidos.
E ali se achava, contente e feliz, em companhia de tão grandes
colegas, homens de todas as idades e representantes de duas
gerações acadêmicas. Mas não para solenizarem o ocaso do
Direito, que não morre, por ser eterno. Mas sim para fazer à
sociedade conturbada de nossos dias a afirmação da fé
inquebrantável que todos tinham no Direito.66

66
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2
98

As investigações levam a DESPS até a cidade de São Paulo,

considerado um dos pólos de lançamento da campanha. O investigador SE-24,

descreve a situação política na cidade:

"Em São Paulo, inicialmente, convém destacar notável


desenvolvimento da Campanha do V, natural conseqüência da
atividade do bloco democrático, os quais com a paralisação dos
exercícios germânicos na frente russa mostram-se, agora, cada
vez mais audaciosos. Este fato, entretanto, tem a capacidade
de neutralizar o trabalho de propaganda dos adeptos do Eixo,
pois na terra bandeirante, como o sabemos, predomina entre
os grupos alienígenas ali radicados, a colônia italiana pois os
membros, em sua maioria, são favoráveis à causa totalitária.67

As investigações não foram conclusivas, portanto ficamos sem saber a

identidade dos autores da Campanha. Ainda que seu foco não tenha sido o

Serviço de Propaganda Britânico, a este deve ter agradado a dimensão tomada

pelo movimento e, certamente, foi com bons olhos que viu a possibilidade de

crescimento fornecida pela incorporação das lideranças oposicionistas

paulistas e mineiras e pelos estudantes da Faculdade de Direito. Tanto lhe

agradou que passou a freqüentá-la com assiduidade. O próprio adido de

imprensa da Embaixada, considerado pela Polícia o chefe do Serviço de

Propaganda, desloca-se para São Paulo, fomentando reuniões. A DESPS

mantém lá também sua vigilância, constando do relatório de D-11:

O Sr. Abott, ex-consul geral da Inglaterra em São Paulo e atual


adido de imprensa da Embaixada britânica nesta capital esteve
em São Paulo, na semana passada, onde convidou inúmeras
pessoas para realizarem reuniões com o objetivo de fazer
propaganda da causa inglesa. Uma dessas pessoas, o
professor Ataliba, tomou a si o encargo de promover uma
manifestação estudantil ao senhor Cecil M. Cross, Cônsul geral
dos Estados Unidos em São Paulo, a qual foi levada a efeito no
dia 29 do corrente. O Sr. Cecil, em palestra com os estudantes,

67
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 2. 12.09.1941
99

falou sobre a necessidade de manifestações acadêmicas e


"festas de caridade", prometendo se interessar para que uma
delegação composta de estudantes das diversas escolas
paulistas visite os Estados Unidos. Os senhores Alcir Porchat,
Paulo de Carvalho e Marcelino de Carvalho trabalham
ativamente na organização de "chás" promovidos pela Cruz
Vermelha inglesa e de conferências nas associações de cultura
norte-americanas. Cásper Líbero, após regressar dos Estados
Unidos passou a chefiar a propaganda britânica. Este senhor
foi portador de copioso material destinado a seu jornal e a
outros fins68

Forjava-se o embrião de um movimento que poderia repercutir com

eficiência às pretensões britânicas. O fato de que, para tal, talvez fosse preciso

derrubar o governo, soava apenas como um "desvio necessário".

O recurso a meios extremados é usado freqüentemente por países em

guerra e se algumas vezes chega a provocar problemas diplomáticos, em

muito poucas parece gerar problemas de consciência. A história universal é

farta em exemplos desse tipo de conduta, muitos deles protagonizados pelo

governo britânico. Em janeiro do ano de 1941, D-11 fizera registrar nos

arquivos da DESPS, resultante de suas investigações, a informação de que a

explosão do avião da LATI69 fora obra dos serviços de inteligência da França e

da Inglaterra;

A sabotagem contra os aviões da L.A.T.I. foi projetada no


tempo da cooperação franco-britânica e deveria ser executada
através da adição de matérias estranhas aos combustíveis e
lubrificantes e de explosivos acionados por meio de relógios.
No aeródromo de Natal foram feitas diversas tentativas neste
sentido, as quais, em virtude da extrema vigilância dos
funcionários da L.A.T.I. não lograram êxito. Em Recife, porém,
a sabotagem torna-se mais fácil, pois ali o Intelligence Service

68
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 5. 31.07.1941
69
A LATI, a empresa de aviação italiana que operava nos céus do Brasil, era acusada pela
espionagem britânica de ser responsável por espionagem e envio de informações militares
que colocavam em risco a segurança dos aliados. Havia grande empenho por parte desses
para suspender suas operações no Brasil . (HILTON : 1985)
100

conta com um maior número de agentes, que auxiliados pela


intensidade do movimento da cidade, podem desempenhar
melhor tarefas dessa natureza. O avião desaparecido recebeu
o excesso de carga em Recife..70
O próprio Abott já declarava que "era necessário passar por essas

coisas quando se quer vencer, e, principalmente, estando em jogo a vida de

um Império não se deve hesitar em praticar atos que normalmente seriam

condenados".71. Referia-se, nessa ocasião, as ações que o governo de seu

país tomara em relação aos navios brasileiros e que tão mal haviam

repercutido entre as autoridades e o povo do Brasil .

3.2.2 O Siqueira Campos, o Buarque e o Itapé

Em novembro de 1940, as relações entre o governo brasileiro viveram,

talvez, seu maior momento de tensão no contexto da guerra, chegando mesmo

a ser cogitada a possibilidade de o Brasil vir a romper relações diplomáticas

com a Inglaterra. No centro do conflito, a retenção no porto de Gibraltar, por

ordens do Almirantado britânico, do navio brasileiro Siqueira Campos que

continha a última parcela do material bélico encomendado à Fábrica Krupp, em

25 de março de 1938, e considerado pelos militares brasileiros indispensável a

defesa do território nacional. Após já haver, em condições de exceção, liberado

as duas primeiras remessas o Comitê do Bloqueio britânico decide não

conceder o navicert, ou seja, a permissão para que o Siqueira Campos

70
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 5. 31.01.1941
71
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. A passagem é extraída de um relatório de K-47 e
refere-se ao caso do navio brasileiro Itapé.
101

atravessasse o Atlântico. Em meio a demoradas gestões diplomáticas, o Brasil

resolve zarpar independente das ameaças da Inglaterra, que apreende o navio.

Enquanto ainda estão sendo feitas gestões para liberar o conteúdo do

Siqueira Campos o navio Buarque, do Lóide Brasileiro, é detido e levado para

Trinidad onde tem sua carga de tecido confiscada como contrabando.

Em 3 de dezembro, a 18 milhas do Farol de São Tomé, um cruzador

auxiliar britânico intercepta o navio mercante brasileiro Itapé, soldados

britânicos sobem a bordo e o revistam, aprisionando vinte e dois cidadãos

alemães que se destinavam a portos do norte do país. O Itapé era um navio de

cabotagem que viajava em águas costeiras e, apenas naquele trecho, se

afastava da faixa litorânea para se evitar um trecho de recifes. (SILVA : 1972,

p. 300). De toda a sorte, encontrava-se ainda no interior da faixa de 350 milhas,

declarada pela Conferência do Panamá, em 1939, como zona de segurança

das Américas.72

A repercussão do caso é acompanhada atentamente pela DESPS, que

reúne os documento relativos ao caso num dossiê denominado Caso Inglês.

Os agentes policiais infiltrados na Embaixada Britânica procuram saber qual é

efetivamente a posição dos ingleses sobre o episódio.

Relatam que, no caso do Itapé, os ingleses afirmavam que o Direito

Internacional não lhes permitia reconhecer a chamada zona de neutralidade e

que se os navios alemães operavam nesta área, não se poderia recusar o

direito de guerra aos ingleses, isto é, o direito de afundar e capturar navios, que

72
A Inglaterra nunca se propôs, é bem verdade, a acatá-la (CAMARGO :1996, p. 208)
102

está, segundo os britânicos, estava sendo exercido pelos alemães ao longo de

toda a costa brasileira.

Entre os britânicos, o investigador recolhe também a informação de que

a bordo do Itapé havia tripulantes do Graff Spee e de outros navios, munidos

ilegalmente de documentos fornecidos pelas autoridades policiais e consulares

brasileiras. E toma conhecimento da opinião inglesa de que

está perfeitamente reconhecido pela chancelaria americana


que é impossível à Armada dos Estados Unidos exercer uma
ação eficiente na zona sul das repúblicas do Equador e da
Venezuela. Não existe, também, garantia de patrulhamento na
zona de neutralidade em águas do Brasil, Argentina e Chile,
não podendo ninguém negar aos ingleses, por conseguinte, o
direito de se defender nas referidas águas. Ficou, em princípio,
reconhecido aos ingleses pelo governo de Washington o direito
de controle sobre navios e malas de correio aéreo sobre as
Bermudas e Caraíbas, não havendo razão em não reconhecer
este direito em outros mares. E as comunicações sobre o
Atlântico Sul são vitais para a Inglaterra que de nenhuma
maneira desistirá de seu direito de policiar os mares fora das
três milhas de águas territoriais. 73

Quanto ao caso do "BUARQUE", o investigador obtém junto ao auxiliar

do Adido Naval à Embaixada a seguinte análise:

Os tecidos que foram apreendidos no Buarque destinavam-se


a firmas que figuravam na lista negra britânica e a apreensão é
justificada. A marinha inglesa tem o dever de proteger o
comércio britânico onde ele existir, sendo muito difícil no caso
em apreço levantar a apreensão. O controle britânico é por
demais tolerante para com o Brasil, permitindo o transporte de
frutas do país para a Argentina, embora uma grande parte
desta exportação seja financiada e dê lucros aos bancos
alemães que se encontram também na lista negra, os quais
enviam parte deste lucro para os fundos de guerra alemães.
Acha o sr. Müller que considerando isso chegar-se-á facilmente
a um acordo no caso do Buarque.74

73
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1
74
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1
103

Sobre o caso do SIQUEIRA CAMPOS constata que a resolução do

mesmo dependia exclusivamente de Londres, mas que os funcionários da

Embaixada julgam que se fosse oferecida ao Brasil uma indenização valiosa ou

outras vantagens, talvez o governo brasileiro concordasse em que ficasse

apreendido na Grã-Bretanha o material do Siqueira Campos.

Ao mesmo tempo em que desenvolvem a espionagem no interior da

Embaixada Inglesa no Rio de Janeiro, os agentes da Delegacia Especial

preocupam-se com a repercussão do episódio nas ruas da cidade. A censura

do D.I.P., que inicialmente interditou qualquer referência ao episódio, foi

gradativamente autorizando sua veiculação. O impacto das medidas britânicas

entre os militares e a opinião publica servia de elemento de pressão nas

negociações entre o governo brasileiro e o inglês. Cabia a DESPS recolher, de

forma sistemática, informações que permitissem ao governo aquilatar a

situação. Esta sondagem é feita diariamente. Em três de dezembro ela informa

que:

Segundo informações do sr. Correia de Araújo, a atitude da


Inglaterra causou grande indignação no Exército. Entretanto, os
partidários extremados da Inglaterra, argumentam que o porão
de um dos navios abordados - o Itapé - tinha a seu bordo
armamentos alemães destinados a guarnecer um submarino
nazista que estaria agindo no Atlântico.
Nos meios populares a atitude dos ingleses repercutiu de modo
gravemente desfavorável, notadamente depois que os jornais
passaram a criticar os britânicos.75

No dia seguinte:

A rádio alemã tem explorado intensamente o incidente do


Siqueira Campos, e o Exército brasileiro está indignadíssimo, a
começar pelo ministro da Guerra, com o fato dos ingleses
haverem apreendido armamento brasileiro que se achava a

75
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 03.12.1940
104

bordo daquele navio. O povo em geral está revoltado com a


atitude dos representantes da marinha inglesa abordando o
Itapé. Apenas alguns políticos procuram justificar a perda
britânica dizendo que esta atitude fora adotada em virtude do
Brasil não ter feito nenhum negócio com as companhias
britânicas. Segundo comentários (...) no Itamaraty não se dá
muita importância ao incidente, sobretudo devido a grande
amizade existente entre o Brasil e a Inglaterra.76

Em cinco de dezembro, o relatório traz a opinião nos meios políticos:

Os meios políticos continuam comentando o caso do


aprisionamento dos navios brasileiros por um cruzador auxiliar
inglês. É dito, abertamente, que a atitude inglesa no caso do
Itapé foi motivada por viajarem naquele navio marinheiros
alemães que se destinavam ao navio alemão Maceió, a fim de
conduzirem carvão e mantimentos para o corsário alemão que
está agindo no Atlântico Sul. A embaixada inglesa, por sua vez,
a despeito de várias tentativas feitas por nossos jornalistas,
nega-se a dar quaisquer esclarecimentos sobre o caso,
limitando-se a desmentir a notícia publicada pelo O Globo
segundo a qual a embaixada britânica teria se comunicado com
Londres a fim de serem dadas explicações ao governo
brasileiro.77

O interior do próprio governo é investigado, levando-nos a concluir a

presença de investigadores ou informantes da Polícia Política no seio do

executivo federal:

Em palestra com os senhores Moreira da Rocha, Souza


Dantas e Mário Magalhães, o ministro Átila Soares declarou
que o sr. Oswaldo Aranha não tem culpa alguma na apreensão
do material do Siqueira Campos. Pois sua excelência pedira
"navicert" para determinadas espécies de material, mas o
controle inglês verificando a existência a bordo de mercadorias
não incluídas na lista, adotara aquela atitude atentatória à
soberania do Brasil. O sr. Souza Dantas, elemento ligado aos
senhores Muniz Aragão e Mac Cumon, informou que os nossos
insensatos chefes militares terão que se submeter a estas
contingências pois a Inglaterra é bastante poderosa para não
temer ameaças. Para o Itamaraty a notícia de que os militares
responsabilizam o sr. Oswaldo Aranha pelos três atentados

76
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. O4.12.1940
77
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 05.12.1940
105

ingleses a nossa soberania provocou profunda impressão,


sendo opinião geral que se trata de manobra visando a
desacreditar o nosso chanceler. O sr. Átila Soares, [afirma] que
malgrado essa campanha, o sr. Oswaldo Aranha permanecerá
a frente de sua pasta e que a Inglaterra dará as devidas
explicações ao nosso governo.78

Destacamos a preocupação especial com o que pensavam os

partidários do Ministro da Relações Exteriores, um alvo constante da polícia do

Major Filinto Müller:

Os senhores Francisco Chagas, ex-Delegado Auxiliar, Pereira


da Rocha, Oswaldo Paixão, Hugo Ramos, Luiz de Miranda,
Amaro da Silveira e o jornalistas Santos Mello, Álvaro Cotrim,
(...) da Mota, João Lyra Filho e Paulo Gama e outros amigos do
sr. Oswaldo Aranha, comentando as notícias de que ao sr.
Oswaldo Aranha é atribuída a culpa da revoltante atitude
inglesa, afirmaram que a situação é pura manobra do nosso
governo, cujas tendências totalitárias e germanófilas são
fartamente conhecida.79

Também se procura saber a posição dos norte-americanos, apesar de

Sumner Welles estar desempenhando um papel-chave nas negociações entre

o Brasil e a Inglaterra (SILVA : 1972):

Segundo elementos que têm mantido contato com oficiais do


cruzador americano Nunes Filho, os Estados Unidos apoiam
os atos praticados pelos ingleses dentro da faixa de segurança
do continente americano. Essa mesma atitude é mantida pelos
oficiais da referida belonave.80

As manifestações populares são também auscultadas pela Polícia que

recolhe panfletos, ouve comentários pelas ruas, registra os atentados

78
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 08.12.1940

79
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 08.12.1940.
80
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 09.12.1940.
106

cometidos contra os ingleses, recebe destes os pedidos de proteção. O tom

dos protestos populares é claramente antibritânico, recebendo um forte apoio

da contrapropaganda alemã, que faz divulgar panfletos e matérias pagas,

explorando ao máximo os eventos:

Acontece que os cidadãos do grande império subtraíram


alguns fardos da fazenda dos porões do navio brasileiro
Buarque. Que conclusões podemos tirar desse ocorrido? Duas
se me afiguram imediatas: desejo premeditado de ferir o Brasil,
ou necessidade de tecidos. A primeira é muito forte, prefiro a
segunda e preferindo-a não posso deixar de sentir compaixão
dos ingleses. Vamos raciocinar com calma e procurar os
motivos que levaram os ingleses a imitação dos feitos que
celebrizaram os gangsteres.
Andam tão mal da vida que não podem resistir à tentação
de se apropriar de alguns fardos de tecidos que o destino (com
um empurrão da espionagem) colocou diante deles.
E daí parece que os aviões do Reich andam estragando de
fato com a indústria inglesa e que o dinheiro para compra no
exterior anda escasseando.
Acontece que o vapor Siqueira Campos, trazendo material
encomendado pelo exército brasileiro foi detido em Gibraltar.
Que conclusões podemos tirar?
1. O exército inglês está muito necessitado de armamentos;
2. Não é muito grande a consideração do império britânico pelo
Brasil.
Acontece que de bordo do Itapé, navio costeiro, navegando
dentro da faixa de segurança, foram retiradas duas dezenas de
alemães que navegavam sobre proteção da bandeira brasileira.
Que conclusões podemos tirar?
1. O receio dos ingleses diante de duas dezenas de alemães é
maior do que o respeito que eles tem, ou melhor, deveriam ter
por todas as nações da América reunidas.
2. A navegação entre os portos brasileiros não oferece mais
segurança tal como nos tempos em que existia a chamada
pirataria.
Considerando os três fatos conjuntamente, o que
deveremos concluir?
Que os ingleses parecem um tanto irritados com o Brasil.
Para explicar tal fato algumas hipóteses surgem:
1. É possível que não tenhamos concordado com todas as
propostas comerciais que eles nos fizeram;
2. É possível que sejamos considerados uma colônia comercial,
daí a idéia de que somos obrigados a auxiliá-los;
107

3. É possível que eles estejam sentindo aquele desespero das


causas perdidas.
Fiquemos por aqui, mas antes porém constatemos que até o
raciocínio, com sua tendência para revelar a verdade dos fatos,
e talvez por isso mesmo, não anda nada favorável aos
ingleses.81

O processo de recolhimento e disseminação das informações no

acompanhamento do chamado caso inglês pela DESPS, nos mostra a

agilidade do órgão. As informações são colhidas ao mesmo tempo em que os

fatos estão se desenrolando, permitindo que funcionem como suporte do

executivo no seu processo de tomada de decisões.

Para cumprir essa meta foi necessário que a Polícia Política estivesse

instalada no interior da própria Embaixada Britânica, revelando seus

pensamentos secretos, buscando antever seus próximos passos, tentando

descobrir o que eles, os ingleses, sabiam, ou pensavam saber, das pretensões

do governo brasileiro. Este processo de infiltração de agentes secretos se

mostra presente desde o início do conflito internacional.

3.2.3 Espionando a espionagem

O exame da documentação da DESPS nos leva a concluir que, pelo

menos na esfera da Delegacia Especial, nunca houve certeza da forma pela

qual se organizava o Intelligence Service no Brasil, ou mesmo no Rio de

Janeiro. Não nos defrontamos com relatórios conclusivos ou com revelações

de espiões que mudam de lado ou que por alguma imprevidência, permitem

que se descubra a estrutura da organização secreta. Tampouco a GESTAPO,


108

que municiava a Polícia Política com informações sobre a espionagem inglesa,

foi conclusiva. O que não é demérito algum em se tratado da propalada

competência dos Serviços Secretos de Sua Majestade.

Três dossiês aglutinam as informações, relatórios e informes obtidos

pelos diversos agentes e investigadores sobre a espionagem britânica82:

"serviço secreto inglês", "serviço britânico de informações" e "propaganda

inglesa". Apesar dos títulos indicarem conteúdos distintos, o que realmente

ocorre em relação a predominância de enfoque, em todos eles revela-se a

preocupação em identificar a estrutura do Intelligence Service (agentes,

hierarquia, fontes de financiamento, pontos de encontro) e sua forma de agir,

particularmente as tentativas de cooptação de brasileiros. Há, por parte da

Polícia Política, uma clara associação entre as atividades do Intelligence

Service e a promoção dos interesses políticos ingleses.

As investigações procedem de agentes posicionados de forma distinta.

Há aqueles que procuram não deixar transparecer quaisquer vínculos com a

polícia, os infiltrados

O agente que está procurando se infiltrar na Embaixada


inglesa, comunica, que, hoje, dia 22, esteve no consulado
inglês, em companhia de um amigo, afim de alistar-se como
voluntário, e, sem qualquer formalidade, lhe foi entregue um
questionário, para ser preenchido no momento, e , logo após,
entregue ao encarregado da secretaria".83

81
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. 20.12.1940
82
Dossiê é a unidade de arquivamento no interior de cada pasta temática e reúne diversos
documentos, sem unidade quanto à procedências ou tipologia. Relatório é o "informe" (dado)
processado pela "Inteligência", isto é, analisado.
83
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 1. Dossiê Embaixada Inglesa. 22.07.1940.
109

Há os que, como o investigador Cecil Borer, apesar da ligação aparente

com o aparelho policial, são agentes qualificados capazes de cumprir dupla

função:

"Ilmo Sr. Chefe da S-2, levo ao conhecimento de V. S. que


prosseguindo no serviço de infiltração e observação entre os
elementos do I.S. apurei na segunda quinzena de janeiro o
seguinte:
(...)
Com relação a Alfred Hutt venho mantendo encontros
freqüentes afim de observá-lo e ao mesmo tempo informá-lo a
respeito dos serviços a mim confiados.84

Outros parecem ser os clássicos agentes duplos, estão a serviço dos

ingleses, acreditam que os ingleses não conheçam suas ligações, mas sua

lealdade pertence à Polícia Política:

O Adido Naval inglês estabeleceu ligações entre K-48 e o chefe


da firma Wheatley Blake Cia Ltd, (...), a fim de que lhe fossem
enviada toda e qualquer informação política.85

O senhor Richard Coit seguiu em avião para Buenos Aires,


devendo visitar também as capitais do Chile e do Peru.
Regressando a esta capital via Bolívia, em fevereiro ou
princípios de março do corrente ano. Antes de partir o Sr. C
indicou o apartamento 52 da Palmares, local onde o agente k-
47 poderia entrar em contato direto com o senhor Noel Charles
Bart , embaixador da Inglaterra. O referido apartamento está a
disposição dos agentes britânicos em visita a esta capital. K-47
em visita a este apartamento teve a oportunidade de palestrar
com o sr. Noel Charles Bart.86

Nos seus métodos de aproximação fazem uso de artimanhas:

Pude constatar também a presteza com que são obtidas as


informações do exterior. Pois usando de um truque que ao
mesmo tempo serviu para mostrar o carinho com que guardam
as informações por insignificantes que pareçam .
O truque foi o seguinte:

84
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta
85
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 3. Dossiê Serviço Secreto. 01.06.1940
86
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 3. Dossiê Serviço Secreto. 31//01/1942.
110

- a tempos em palestras com o senhor Graff disse-lhe conhecer


um nazista extremado e homem capaz de grandes atos de
audácia e que parecia suspeito por viajar constantemente, cujo
nome era A. Templer.
Há poucos dias procurei o senhor Hutt e lhe disse ter chegado
a meu conhecimento ter aportado a essa capital um indivíduo
de nome Hans F. Templer que era membro destacado da
Gestapo e que trazia importante missão para um país da
América do Sul.
Como nesta ocasião o senhor Hutt mostrasse interesse na
informação e eu lhe pedisse que verificasse se já tinham
conhecimento do referido nome e se tinham conhecimento do
seu paradeiro, prontificou-se ele a telefonar a Embaixada
inglesa, donde três minutos depois recebeu um telefonema no
qual lhe informaram não ter conhecimento do referido indivíduo
mas que constava um nome semelhante que era A. Templer,
como um nazista perigoso.
Prontificando-se o Senhor Hutt na ocasião a se comunicar com
Londres para saber do paradeiro do referido indivíduo, ele ficou
de no dia seguinte me responder. O que de fato o fez87

Procuram manter-se informados do curso dos acontecimentos

internacionais:

K-47, inquirido pelo senhor Noel sobre se os


nossos administradores acima mencionados eram de fato
simpáticos ao Eixo respondeu que ultimamente parece haver
uma tendência a considerar que todo aquele que é disciplinado
e disciplinador, amigo de uma autoridade forte, como
germanófilos, sendo de notar que os aliadófilos vão ao ponto
de cortar trechos do discurso do Sr. Wiston Churchill, nos quais
o primeiro ministro inglês reconhece, às vezes, a seriedade da
situação. Acrescentou ainda k-47, que o sr. Noel não deveria
se impressionar com os boatos correntes e com a impressão
que outros têm de nossas autoridades e da atual situação pois,
sendo leitor assíduo do TIMES podia assegurar que se
diversas noticias telegráficas e artigos publicados pelo referido
órgão da imprensa inglesa fossem fielmente traduzidos para o
nosso idioma, o TIMES seria logo apontado como um jornal
derrotista ou mesmo quinta-colunista.88

Mudam de endereço e sofisticam a percepção:

87
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 3. Dossiê Serviço Secreto. 05.01.1941
88
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 3. Dossiê Serviço Secreto. 31.01.1942
111

Até o presente momento, nada me foi dado observar além do


exposto, sendo que a minha aproximação com o senhor Mac
Graff por motivo de sua inteligência e perspicácia não resultará,
em absoluto, na minha admissão a seu serviço. No entanto se
mostra bastante amável, é também muito retraído, não me
dando margem a que force a situação sem que me torne
suspeito. Em vista disso, como já estivesse terminando o prazo
para a ocupação de apartamento próximo ao do senhor Graff, e
com a anuência do senhorio, desocupei-o.89

Freqüentam os cassinos e bares onde a colônia britânica se encontra,

vão a sessões de cinema e reuniões de propaganda. Em todos os lugares

estão preocupados em anotar nomes, endereços, contatos. Algumas vezes

contraditórios. Mas isso não foi um problema. Todos foram devidamente

registrados nos arquivos da Polícia, aguardando a ocasião de virem a ser

transformados em informação.

89
APERJ. DOPS. INGLÊS. Pasta 3. Dossiê Serviço Secreto. 05.02.1942
112

4 Considerações Finais

Em dezembro de 1941, com o ataque japonês à Pearl Harbour, os

Estados Unidos declaram guerra ao Eixo. Em janeiro de 1942, realiza-se no

Rio de Janeiro a Terceira Reunião de Consulta dos Ministros das Relações

Exteriores das Repúblicas Americanas, presidida por Oswaldo Aranha, que

recomenda aos países americanos a ruptura de relações comerciais e

diplomáticas com o Eixo, além de assegurar aos Estados Unidos :

A compra exclusiva de materiais estratégicos e o controle


absoluto de sua distribuição no continente nos anos seguintes;
a Reunião também assegurou aos Estados Unidos tratamento
preferencial no comércio interamericano e garantia para seus
investimentos; em nome do esforço de guerra, subordinou os
projetos econômicos no continente aos interesses bélicos
americanos e deu pouca atenção ao desenvolvimento industrial
efetivo da América Latina; criou as bases para a coordenação
policial e militar no continente, sob a égide da liderança
americana. (MOURA : 1991, p. 9)

Em 28 de janeiro de 1942 o Brasil rompe relações diplomáticas com os

países do Eixo. Em 15 de fevereiro o Buarque é torpedeado pelo submarino

alemão U-432. A ele se seguem o Olinda, o Cabedelo, o Arabutam e o Cairu. A

indignação popular e as pressões para que o Brasil entre em guerra são o

próximo passo. Propriedades de alemães são atacadas, publicam-se insultos

contra os cidadãos dos países do Eixo, que por toda parte são humilhados e

perseguidos. A luta antifascista ganha terreno. A 4 de junho de 1942 a UNE -

União Nacional dos Estudantes marca uma passeata pela democracia e contra

o Eixo. Essa iniciativa provoca um choque no interior do governo, opondo o

major Filinto Müller, que tentou impedir a manifestação estudantil, ao Ministro

da Justiça, Vasco Leitão da Cunha, que deu ordem de prisão ao chefe de


113

polícia. Como resultado Filinto Müller, Vasco Leitão da Cunha, Lourival Fontes

e Francisco Campos deixaram seus cargos. Em 22 de agosto o Brasil declara-

se em estado de beligerância com a Alemanha e a Itália.

Os registros de sindicâncias sobre as atividades de propaganda ou

espionagem inglesa empreendidos pela Polícia Política escasseiam-se até

praticamente desaparecerem, ao longo do ano de 1942.

O fim da possibilidade de convivência entre germanófilos e anglófilos no

interior do Estado Novo, significou também o fim da condição de "alvo"

desfrutada pelas atividades britânicas no Brasil nas investigações da DESPS.

Com a inclinação definitiva do Brasil pelos aliados, o "perigo" que a

Inglaterra representava deixa de existir - não há mais neutralidade a ser

abalada e tampouco pretextos que possam servir de trunfo ou apoio aos

opositores de Vargas.

Os governos da Inglaterra e do Brasil estão unidos: pela democracia e

contra os regimes totalitários!

Os espiões britânicos continuaram a agir em território brasileiro...

A Polícia Civil do Distrito Federal é transformada em março de 1944 em

Departamento Federal de Segurança Pública. A DESPS torna-se Divisão de

Polícia Política e Social...


114

5 FONTES

Arquivos

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro


fundo Polícias Políticas do Rio de Janeiro
Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea
Arquivo Filinto Müller
Arquivo Oswaldo Aranha

Legislação

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Anuários Estatísticos

IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Ano VI - 1941/1945


Rio de Janeiro : Serviço Gráfico do IBGE, 1946

Periódicos

Diário Carioca, 1939 -1942


Diário da Noite, 1939 - 1942
115

Nota sobre as fontes

Os dossiês, unidade de arquivamento básica no interior da subsérie

inglês, contém diversos tipos de documentos - boletins, relatórios, cartas,

informações, recortes de jornais, panfletos, livros e folhetos, fotos. A maior

parte dos documentos não tem referida em si a tipologia a qual pertence.

Muitos não possuem data ou assinatura, apenas um carimbo com a data

de arquivamento. Podemos perceber que no interior de um dossiê os

documentos são ordenados cronologicamente, pelo menos na maior parte dos

casos.

Por esta razão optamos por incluir datas nas referências apenas quando

esta consta do próprio documento, isto é, não incluímos os registros dos

arquivistas.

O mesmo princípio foi seguido em relação a designação de tipos para os

documentos. Apenas registramos a tipologia quando esta estava explícita.

Todos os grifos, marcados em itálicos, são meus.


116

6 BIBLIOGRAFIA

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