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22/02/2024, 12:46 Formação dos reinos bárbaros

Formação dos reinos bárbaros


Prof.ª Nathália Serenado da Silva

false

Descrição

O contexto de transição da Antiguidade para a Idade Média pela


perspectiva da formação política e social dos reinos bárbaros.

Propósito

O conhecimento acerca dos reinos bárbaros e da transição da


Antiguidade para a Idade Média é um fenômeno importante para o
conhecimento do processo histórico do Ocidente e um debate central
para o historiador e professor de História.

Objetivos

Módulo 1

Bárbaros: do território imperial à


formação dos reinos bárbaros
Reconhecer o conceito de bárbaro e seu impacto na transição do
território imperial ocidental para a formação dos reinos romano-

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bárbaros.

Módulo 2

Reinos bárbaros na Hispânia e


Itália
Categorizar os aspectos formativos dos reinos bárbaros na Hispânia
e Itália.

Módulo 3

Reino franco: entre merovíngios e


carolíngios
Identificar eventos característicos do reino franco e seu impacto no
território imperial do Ocidente.

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Introdução
O conhecimento acerca dos reinos bárbaros e da transição da
Antiguidade para a Idade Média é um fenômeno importante para
o entendimento do processo histórico do Ocidente e um debate
central para o historiador e professor de História.

O conceito de “bárbaro” só pode ser entendido por sua relação de


diferença e contato (alteridade) com outras categorias e
fenômenos históricos. Portanto, as populações “bárbaras”, bem
como o que se convencionou designar como reinos bárbaros,
devem ser compreendidas na sua relação com o Império
Romano, a população romana e a noção de romanidade.

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À luz dessa relação de alteridade, vamos compreender mais


profundamente a categoria “bárbaro” e sua relação com a
transição da Antiguidade para a Primeira Idade Média. Os reinos
bárbaros, afinal, foram múltiplos.

Neste conteúdo, conceituaremos “bárbaro” e conheceremos um


panorama de algumas dessas organizações políticas. Em
seguida, exploraremos os reinos que se estabeleceram na
Península Ibérica (suevo e visigodo) e na Península Itálica
(ostrogodo e lombardo). Por fim, vamos debater e conhecer o
reino franco, o mais duradouro dos reinos bárbaros, analisando
seu impacto no território que antes fazia parte do Império
Romano do Ocidente.

1 - Bárbaros: do território imperial à formação dos


reinos bárbaros
Ao final desse módulo, você será capaz de reconhecer o conceito de
bárbaro e seu impacto na transição do território imperial ocidental para a
formação dos reinos romano-bárbaros.

Bárbaros: uma categoria

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Breve histórico da transição


entre o fim da Antiguidade e
o início da Idade Média
Antes de mergulharmos nos debates, vamos relembrar aspectos da
transição da Antiguidade para o Medievo. Frente a frente, Rodrigo
Rainha e Nathalia Serenado debatem a questão.

Quem são os bárbaros?

O termo “bárbaro” surgiu na Grécia por volta do século VI a.C. e dizia


respeito a todas as populações não gregas. A principal marca de
diferenciação entre gregos e aqueles que a população grega
considerava “bárbaros” era a língua grega. Posteriormente, durante as
guerras médicas, esse termo assumiu uma conotação ligada à noção de
não civilidade e uma marca negativa acentuada.

Yuri Cooke

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Yuri Cooke

Definição de ”bárbaros” pela população grega no século VI a.C.

Já os romanos, no período da república, durante os séculos III e II a.C.,


adotou essa noção grega, bem como seu sentido negativo em relação à
civilização. Por outro lado, diferentemente dos gregos, os autores
romanos acreditavam que os bárbaros poderiam ser integrados à
romanidade.

De acordo com Patrick Geary (2005, p. 91):

A principal máquina de romanização era o


exército.

Nesse sentido, é bastante significativo que, em relação ao Império


Romano, a principal atividade integrativa entre os bárbaros tenha sido a
militar. Esse processo de romanização influenciado pelo exército se
dava pela movimentação de populações através do território imperial
por meio do alistamento militar. Portanto, era comum que indivíduos
alistados, por exemplo, na África ou na Ásia Menor fossem enviados em
legiões em direção às Ilhas Britânicas ou à Hispânia.

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Essa movimentação criava uma identidade vinculada ao exército e ao


poder imperial, forjando novas relações e movimentando as
características da população.

Édito de Caracala.

Entretanto, essa identidade romana específica se transformou no século


III com a ampliação da cidadania decretada pelo Édito de Caracala
(212), quando decretou que todos os habitantes livres do Império
Romano, onde quer que vivessem, eram cidadãos romanos. Isso fez
com que praticamente toda população tivesse acesso às legiões, que
começaram a recrutar nos distritos onde se estabeleciam.

Outro aspecto foi que, no fim do século II a.C., passou a ser permitido
que os soldados em atividade se casassem. As esposas oriundas das
populações locais aceleraram o processo de formação de vínculos entre
as legiões e as comunidades regionais.

Nessa relação entre romanos e bárbaros, há outra identidade que deve


ser levada em consideração: as identidades regionais. A crise do século
III colocou em órbita as identidades provinciais. Portanto, no contexto
de enfraquecimento do governo imperial central, as identidades locais
ganhavam força e eram expressas com termos provenientes das
subdivisões civis e do vocabulário étnico pré-romano. Tais aspectos
começaram a dominar a retórica dos discursos provincianos.

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As províncias romanas no ano 117.

Era comum não só ver pessoas expressarem sua civilidade romana em


cargos que remetiam ao governo imperial central, mas também fazer
referências à sua origem pré-romana. Os exemplos mais numerosos
podiam ser vistos entre os galo-romanos e são sinalizados por meio de
insurgências em relação ao poder imperial, como no caso do Império
Gálico.

É nessa realidade de multiplicidade identitária que os povos “bárbaros”


se inserem no contexto imperial. Nesse sentido, o entendimento romano
acerca dos bárbaros é dependente dos termos populus, gens, natio ou
tribus.

Entre esses termos, é importante notar uma questão. Por meio da


alteridade, era apenas o populus romanus que possuía uma história, um
grupo de indivíduos que vivia de acordo com uma única lei.

Nesse sentido, o populus romanus tinha uma característica


constitucional.

Populus romanus.

Por outro lado, os outros populus ou gens bárbaros seguiam, de acordo


com a concepção romana, a lei natural. Além disso, seus sistemas

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sociais eram baseados em critérios objetivos e imutáveis. Sendo assim,


esses populus só passavam a fazer parte da história quando entravam
na órbita romana.

Contrariando a expectativa romana, os povos bárbaros


eram unidades políticas de caráter constitucional que
uniam grupos de origens culturais, linguísticas e
geográficas diversas sob a liderança dos clãs de
guerreiros nobres.

Entretanto, segundo Geary:

Quando surgiram na órbita do


Império, suas estruturas
econômicas, sociais e políticas
foram moldadas pela civilização
romana, assim como a percepção
que tinham de si mesmos, foi
fortemente influenciada pelos
sistemas de classificação de seus
vizinhos imperialistas, cujos
costumes procuravam assimilar.

(GEARY, 2005, p. 76).

No entanto, vamos voltar um pouco na história para compreender a


importância da Germânia, de Tácito, para a construção da noção de
bárbaros germanos. Nessa obra, o autor busca descrever
detalhadamente os costumes desses povos. O livro manifesta uma
simpatia pelo populus germano.

security Não é como inimigo que ele descreve esses povos.


Como aspecto social, Tácito aponta que os
germanos desconheciam o Estado e a cidade,
centrando sua vida na tribo e no clã. Por outro lado,
o caráter político é descrito pelo traço militar, que
seria típico da tradição germânica.

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security Do ponto de vista cultural, esse povo estava


interligado ao ser caráter guerreiro (SONSOLES
GUERRAS, 1987, p. 14-23).

security Entretanto, a descrição feita pela obra de Tácito, do


século I, dizia respeito muito mais a uma crítica do
autor à sociedade romana feita por meio de
germanos idealizados.

Bárbaros: em contexto
imperial
As migrações bárbaras para o território imperial

Ainda hoje, poucas são as conclusões e os consensos sobre as


populações bárbaras no período anterior ao contato com o Império
Romano, mesmo porque esse contato sempre foi ativo nas regiões de
fronteira. Entretanto, o contato com os romanos foi decisivo na
transformação desses povos.

Exemplo
Os povos germânicos e os da Escandinávia iniciaram suas primeiras
tentativas de centralização como resultado da influência do Império
Romano (SILVA, 2019, p. 20).

Outro aspecto dessa transformação foi a utilização de títulos romanos,


como, por exemplo, Rex e Flavio, por líderes político-militares bárbaros
dentro e fora do território imperial.

Esse processo de centralização em relação ao poder imperial também


pode ser verificado nas fronteiras, já que é possível encontrar o
surgimento de alianças de tribos bárbaras nas regiões do Limes

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germânico para se defenderem dos ataques romanos, dando origem a


novos grupos, como é o caso dos francos (SILVA, 2019, p. 20-21).

Limes germânico reconstruído próximo a Saalburg, Alemanha.

É importante estar atento à heterogeneidade da composição desses


grupos populacionais, os quais majoritariamente reuniam-se no entorno
de uma elite militar que negociava com o Estado Imperial.

Como conformação social e política, os grupos bárbaros eram


compostos por pequenas comunidades de fazendeiros e pastores que
viviam nas aldeias às margens de rios, no litoral e em clareiras, desde os
mares do Norte e do Báltico até o Mar Negro.

Vilarejo germânico.

Esses grupos de homens e mulheres livres estavam organizados em


núcleos familiares comandados pelos maridos e pais. Seu status social
estava relacionado diretamente ao aspecto econômico, enquanto a
riqueza era medida pelo tamanho do rebanho de cada família e pela
destreza militar.

Os núcleos familiares eram integrados a um grupo mais amplo


chamado de sipe ou clã. Já o núcleo familiar era a unidade primária da
sociedade bárbara. As gentes (ou povos), por sua vez, eram formadas
por uma combinação de tradições religiosas, legais e políticas que
proporcionavam um dorme (sentimento de unidade) instável.
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Recriação de como os povos germânicos se vestiam.

Um aspecto importante desses grupos sociais era o compartilhamento


de um mito de origem, que era a base de suas tradições, de seu sistema
legal e, em especial, de seus líderes. Cabe notar que esses mitos
ancestrais eram moldados para obter a legitimidade do status de
determinado grupo, e novos líderes podiam se aproveitar desses mitos
para se legitimar suas mudanças de posições de poder.

Os especialistas têm chamado esses complexos de crenças de “núcleos


de tradição” que perpassavam as famílias reais – Traditionskern (GEARY,
2005, p. 93).

Hunos em batalha.

A relativa estabilidade nas fronteiras do Império Romano e dos povos


bárbaros foi abalada tanto por influências externas como por aspectos
internos. Como caráter externo, podemos destacar o impacto da
confederação dos hunos na migração dos povos bárbaros para o
território imperial. Em uma geração, esses guerreiros das estepes
destruíram as confederações bárbaras que se encontravam na fronteira
do Império.

Um dos principais impactos foi na confederação gótica, que destituiu a


autoridade gótica no Danúbio. Como opção para esse esfacelamento
institucional, os grupos góticos possuíam duas opções: se unir aos

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hunos ou requisitar ao imperador romano sua entrada e


estabelecimento no território imperial. Do ponto de vista interno, a
entrada dos povos bárbaros no território imperial se deu
majoritariamente por conta das necessidades de alistamento militar.

Adaptado de historyofenglishpodcast.com

Adaptado de historyofenglishpodcast.com

Movimentos migratórios dos godos, visigodos e ostrogodos.

É comum que o pensamento do senso comum promova uma ligação


direta entre o fim do Império Romano do Ocidente e as “invasões
bárbaras”. Mais que um olhar popular, esse período recebe um sentido
de causa e consequência em uma perspectiva histórica.

Esse olhar é baseado em diversos autores, como Edward Gibbon (1737-


1794) e Henri Pirenne (1862-1935). Entretanto, pesquisas mais
atualizadas apontam para problemas internos existentes no mundo
imperial (Frighetto, 2012, p. 135), como:

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A pressão política e militar exercida pelas populações bárbaras que já
estavam instaladas no interior do Império.

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O desaparecimento da figura do imperador romano ocidental e o total
esvaziamento do poder e da autoridade imperial motivados pela força

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do regionalismo.

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O estabelecimento e a readequação política e institucional promovida
pelos reinos romano-bárbaros.

update_off
A incapacidade do poder imperial romano de se reformular em termos
ideológicos.

Entendemos que a perda do domínio, por parte dos governos imperiais,


das províncias que compreendem a região norte-africana, a Península
Ibérica, a Gália e as Ilhas Britânicas significa o desfecho de um longo
processo de falência política e militar, cujas causas decisivas incluem
uma multiplicidade de elementos internos, como o gigantismo da
administração, a vasta corrupção das instituições, a retração do
comércio, o declínio das cidades e a reduzida vitalidade demográfica da
população, bem como as ondas migratórias bárbaras
(MASTROMARTINO, 2011, p. 68-69).

Sarcófago de “Grande Ludovisi” com cenas de batalha entre soldados romanos e bárbaros.

Além disso, o termo “invasões bárbaras” não é apropriado para referir a


esse fenômeno migratório plural. A expressão “invasões” supõe a
existência de um movimento coordenado.

Entretanto, não havia um centro a partir do qual as ondas bárbaras


entravam no território imperial. Além disso, as formas de instalações
desses povos variavam bastante, desde o uso de força até o
estabelecimento de alianças com Roma (SILVA, 2019, p. 20-21).

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Há dois conceitos centrais para se compreender a entrada e o


estabelecimento dos grupos bárbaros no território imperial - em
especial, em sua porção ocidental: deciticii e foedus.

<em>Deciticii</em>

Era a condição com que esses indivíduos ingressavam na órbita


imperial, servindo como um status ou uma condição de vencidos
e integrados ao Império. Ou seja, a condição de deciticii descrevia
a piedade romana e a sobrevivência dos povos derrotados, que
deveriam atuar em favor dos interesses imperiais.

<em>Foedus</em>

Era o tratado que estabelecia as obrigações desses povos


vencidos com o imperador. Ele obrigava os grupos bárbaros a
respeitar as fronteiras do Império e fornecer tropas, gado e outros
bens para o exército imperial. A relação principal era estabelecida
com os líderes bárbaros, que se tornavam aliados de Roma e
percebiam que, lutando pelo Império, podiam alcançar níveis de
poder e influência. Dessa maneira, grupos favoráveis e contra
Roma se desenvolviam no interior das confederações bárbara ao
longo do Limes, mantendo um estado de tensão e desunião entre
elas.

O regime dos foedus (ou federados) mudará os contornos geopolíticos


do território romano ocidental. Esse fenômeno será a base para aquilo
que conhecemos como reinos bárbaros.

Os reinos bárbaros
Os reinos bárbaros e a nova organização política

O regime dos foedus serviu como base para o impulso inicial dos reinos
bárbaros no contexto do que antes era conhecido como território
imperial. Os líderes bárbaros se instalam nas províncias do Ocidente por
meio da sua função de aliados militares, já que os foedus concediam o
estabelecimento em um território, tendo em vista sua salvaguarda, a
proteção das populações e a manutenção das instituições romanas.

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Vália, rei dos visigodos entre os anos 415 e 418.

O caso mais famoso desse tipo de assentamento de povos bárbaros - e


que criou um verdadeiro modelo para o fenômeno - foi o do foedus dos
visigodos, em 418, entre Vália e o imperador Honório, que concedeu aos
godos uma região para seu assentamento, situado na província da
Aquitanica Secunda, e alguns distritos urbanos das províncias vizinhas
Nouempopulania e Narbonensis Prima, onde estava Tolosa.

Esse assentamento serviu de base para a fundação do reino visigodo de


Tolosa.

Como contexto geral, o processo de fragmentação da hegemonia


romana ocorreu concomitantemente à instalação dos povos bárbaros
nas províncias ocidentais do Império. Inicialmente ligados aos centros
de governo imperiais por meio da relação de foederatio, esses reinos
agiam ideologicamente como uma espécie de prolongamento ideal da
antiga ordem romana.

Do ponto de vista geográfico, o desgaste da autoridade romana facilitou


a formação desses principados bárbaros que dividiram as províncias do
Império:

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Reinos bárbaros durantes os séculos V e VI.

O aproveitamento das instituições romanas por parte dos reinos


bárbaros não é consenso na historiografia, variando conforme a
corrente historiográfica do autor, bem como o reino analisado.

Mastromartino, que avalia mais o impacto dos povos bárbaros na


Península Itálica, considera que o estabelecimento dos bárbaros
aconteceu no interior dos compartimentos circunscricionais romanos,
de modo que a maior parte dos serviços e órgãos do sistema imperial
foi incorporada nos novos reinos (MASTROMARTINO, 2011, p. 70).
Outros autores chamam atenção para os elementos de ruptura
sistêmica entre o poder imperial e a consolidação dos reinos bárbaros.

Em nossa concepção, a base política institucional do


Império Romano foi crucial para a sistematização
desses reinos. Além desse aspecto, precisamos
chamar a atenção para o impacto da religião cristã
como base ideológica e social de tais sistemas de
governo.

No momento de inserção no território romano ocidental, é comum notar


a conversão ou prática desses grupos bárbaros para o cristianismo
ariano. O arianismo funcionou, em geral, como elemento diferenciador
entre a população bárbara e a autóctone-romana, a qual
majoritariamente professava a fé no cristianismo de base nicena
(relativa ao Primeiro Concílio de Niceia).

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Primeiro Concílio de Niceia. Afresco na Capela Sistina, Vaticano.

Mas o que a conversão ao cristianismo significava para as populações


bárbaras?

Resposta
A incorporação de uma concepção de história, assim como as práticas
de inumação, a construção de igrejas e, em especial, a aliança com
grupos autóctones, já que a maioria do clero era composta por
membros da aristocracia senatorial romana (SILVA, 2019, p. 19).

Ao longo do desenvolvimento desses reinos, devido à articulação com


as elites regionais e senatoriais e à relação com as camadas mais altas
da hierarquia eclesiástica, isto é, os bispos, era comum um processo de
conversão ao cristianismo niceno por parte desses reis bárbaros. Essas
conversões foram responsáveis por mudanças sistemáticas nos reinos
e na articulação entre os grupos assentados no território sob domínio
bárbaro.

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Os francos. Séculos X e VI.

Outra mudança importante ocorrida ao longo dos séculos foi a seguinte:


se inicialmente as identidades bárbaras possuíam um significado militar,
elas, entre os séculos VI e VIII, passaram a designar mais do que isso,
ganhando um contorno geopolítico. Por exemplo, o título de rei dos
francos só começou a ser atribuído a Clóvis após a sua morte. Além
disso, o reino dos francos passou a ser considerado como todo o
território sob domínio de uma família, a qual, somente a partir da
segunda metade do século VI, passou a se intitular franca, mas que
dominava o latim, cunhava moedas romanas e, sobretudo, governava
pessoas de origens diversas (SILVA, 2019, p. 30).

Do ponto de visto da narração da história, as identidades bárbaras


ganharam como aporte as histórias dos povos bárbaros. Redigidas a
partir do século VII, elas descrevem a origem desses povos, como é o
caso da obra seminal de Jordanes, De origine actibusque getarum, que
narra a genealogia mítica dos godos. Esse aspecto demonstra que as
elites bárbaras tinham como objetivo reforçar a legitimidade de tais
reinos por meio da fabricação de mitos de origem.

Outro aspecto central para a efetivação dos reinos bárbaros foi a


sistematização de uma legislação específica, como é o caso das Lex
Salica e Lex Visigothorum. De acordo com Silva (2019, p. 35), as leis
bárbaras, mesmo que diversas, possuíam duas características em
comum:

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Foram redigidas em latim nos territórios que correspondiam ao antigo


Império Romano.

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Os textos que as compõem foram reunidos segundo critérios
semelhantes aos adotados no Código Teodosiano.

As leis bárbaras foram uma adaptação do Direito Romano às demandas


dos novos reinos bárbaros do Ocidente. É comum que a historiografia
chame a atenção para os atos de violência interpessoal, o que acaba por
destacar o caráter violento desses grupos. Entretanto, além de essas
leis serem instrumentos de combate à violência, elas eram uma
ferramenta para a afirmação e a fabricação de uma identidade dos
povos bárbaros (SILVA, 2019, p. 35-36).

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Vamos ligar esses pontos?
Rodrigo Rainha bate um papo sobre os bárbaros. Vamos lá!

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Os conceitos de deciticii e foedus são centrais para o


estabelecimento de reinos bárbaros em território imperial. Nesse
sentido, avalie as assertivas:

I- O deciticii é a categoria que os derrotados assimilados ao Império


Romano recebiam ao estabelecer tratados de relacionamento com
a autoridade imperial.

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II- O deciticii é a maneira encontrada pelos romanos para expressar


sua piedade cristã em relação às populações escravizadas no
contexto de guerra imperial.

III- Os foedus eram tratados estabelecidos entre líderes bárbaros e a


autoridade imperial para o assentamento de povos e a manutenção
de serviços militar e transferências de riqueza, como bens
pecuários.

IV- Os foedus eram tratados que visavam ao estabelecimento de


populações refugiadas da guerra entre povos bárbaros e hunos.

Marque a alternativa correta.

A I e II somente.

B I e III somente.

C II e III somente.

D II e IV somente.

E III e IV somente.

Parabéns! A alternativa B está correta.

Os conceitos de deciticii e foedus são centrais para o


estabelecimento de reinos bárbaros em território imperial. Eles
possibilitaram a entrada e o assentamento das populações
bárbaras no território imperial. O deciticii diz respeito a uma
categoria recebida pelos líderes militares vencidos e integrados à
autoridade imperial. Por outro lado, o foedus era um tratado para o
estabelecimento de populações bárbaras no território imperial
mediante o reconhecimento de sua autoridade, serviços militares e
pagamento de tributos. Em contrapartida, esses grupos recebiam o
assentamento em regiões específicas e a legitimação de sua
autoridade entre a população bárbara e, por vezes, local.

Questão 2

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A conversão dos reis bárbaros do paganismo ou arianismo para o


cristianismo niceno propiciou uma mudança na conformação dos
reinos bárbaros. Por que a conversão ao cristianismo niceno
promoveu uma transformação política nesses reinos?

Promoveu a conversão ao cristianismo ortodoxo,


A levando a população bárbara para a corrente
religiosa correta.

Promoveu uma integração entre as elites bárbaras,


B
já que passaram a expressar a mesma religião.

Promoveu a relação com o Império Oriental, o que


C
propiciou a integração da cristandade.

Promoveu a integração com as elites regionais que


D majoritariamente expressavam o cristianismo
niceno.

Promoveu o afastamento dos líderes bárbaros da


E
população bárbara.

Parabéns! A alternativa D está correta.

Inicialmente, as escolhas religiosas dos líderes e da população


bárbara – em especial, pelo arianismo – tendiam a ser um elemento
identitário e de diferenciação em relação à população autóctone-
romana. A partir da conversão ao cristianismo niceno, foi possível
uma maior assimilação entre as elites bárbaras e as aristocracias
regionais. Além disso, podemos verificar uma verdadeira integração
entre a instituição monárquica e a religiosa em alguns reinos.

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2 - Reinos bárbaros na Hispânia e Itália


Ao final desse módulo, você será capaz de categorizar os aspectos
formativos dos reinos bárbaros na Hispânia e Itália.

O noroeste da Hispânia sob


os suevos
Reino suevo e o modelo de realeza cristã

A inserção dos suevos no território imperial e seu posterior


assentamento na Península Ibérica aconteceram a partir da retirada
legionária da região do Reno para proteger e guarnecer a Itália contra
novas incursões bárbaras.

Nesse sentido, independentemente dos acordos estabelecidos entre o


poder imperial e algumas elites bárbaras na forma de foedus, outros
grupos ingressaram e formaram novas reinos no território. Esse é o
caso dos suevos, que entraram pela Gália em 406, junto a vândalos e
alanos, sem grande resistência, trazendo consigo as demandas internas
e os levantes aristocráticos, como o de Constantino III.

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Migração dos suevos.

Obras como as de Hidácio e Paulo Orósio indicam que os suevos


entraram na Península Hispânica já em 409. Tendo vagado pela
península inicialmente sem fixação, eles posteriormente se organizaram
no território a partir da correlação de forças com outros grupos
bárbaros.

Os grupos mais fortes teriam ficado com as regiões mais ricas e


amplas. Dessa forma, os suevos passaram a exercer poder e ocupar a
Gallaecia, no noroeste da Hispânia, área menos rica da península (SILVA,
2008, p. 29-31).

Expansão dos suevos até a província romana Baetica.

A partir de 411, suevos, vândalos e alanos já haviam promovido uma


divisão estável dos núcleos de seus assentamentos. Após esse período
(e com a influência dos visigodos, federados romanos, na região), o
Império promoveu a dizimação de alanos e visigodos silingos. Depois de
tal episódio, houve a oportunidade de expansão dos suevos até a Bética.

De acordo com Silva (2008, p. 31), um reino, mesmo que incipiente,


começou a se formar desde o início do assentamento na Gallaecia, o
que conferia independência política aos suevos. O domínio suevo na
região se caracterizou no primeiro momento pelo pouco interesse do
grupo nas áreas urbanas, que continuaram sendo um espaço de poder
dos grupos aristocráticos hispano-romanos pelo reduzido número da

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população sueva em relação aos locais e pela funcionalidade do


sistema fiscal romano.

A monarquia sueva tinha como fundamento a valorização do elemento


militar. Além disso, o conceito de monarquia já existia entre os suevos
antes de sua entrada no território imperial.

Cabe notar que, mesmo tendo sua origem na Panônia (atual Hungria), a
população sueva já compusera outras confederações bárbaras nos
Limes romanos.

As primeiras referências documentais aos reis suevos apontam para o


reconhecimento de sua liderança militar pelos guerreiros durante e após
sua chegada à Hispânia (SILVA, 2008, p. 37). Outro aspecto da
monarquia diz respeito ao regime sucessório entre os reis suevos, que
tem como critério a hereditariedade.

Hemérico, rei dos suevos entre 406 a 438.

Como já apontamos, a conversão ao cristianismo niceno teve um papel


central na consolidação desses governos e na assimilação dos grupos
bárbaros e da população autóctone. Entre os suevos, isso não foi
diferente.

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Rei Ariamiro com os bispos Lucretius, Andreas e Marinho do Dume durante o primeiro Concílio
de Braga.

A conjuntura política do reino a noroeste da Península Ibérica no século


VI é produto da associação realizada entre a monarquia sueva e a igreja
galaica. A política religiosa empregada pelo seu episcopado construiu
um empenho de legitimação realizada com a dupla atuação das
instituições a partir da conversão da coroa sueva ao cristianismo
niceno.

Essa conformação política e a relação próxima entre Igreja e monarquia


seriam mantidas até o fim do reino suevo. Em 585, Leovigildo, rei
visigodo, promoveu uma campanha militar contra o reino suevo da
Gallaecia, motivado pelos problemas sucessórios ocasionados pela
morte do rei Miro em 583. A partir desse momento, o reino suevo deixa
de existir, passando Gallaecia à condição de província hispano-visigoda
(FRIGHETTO, 2012, p. 170).

Saiba mais
Por se tratar das migrações bárbaras até o Império Carolíngio, não
podemos explorar todos os reinos bárbaros. Entretanto, faremos um
pequeno adendo sobre os vândalos que passaram pela Hispânia e
estabeleceram um reino no norte da África em 439, após a conquista de
Cartago. Apesar de esse reino não ser fruto de um foedus com a
autoridade imperial, é possível verificar uma relação com a elite
autóctone-romana e a manutenção da administração imperial. Por outro
lado, a posição dos vândalos sobre o cristianismo de corrente ariana
não possibilitou uma assimilação à população local, elemento que foi
significativo para a instabilidade do reino e para sua derrota sob a
campanha de Justiniano em 533 (SILVA, 2019, p. 27).

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Do reino visigodo de Tolosa


ao reino visigodo de Toledo

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Visigodos?
Mas tem gente que estuda esses povos? Vamos entender um pouco
mais sobre esse tópico conversando com dois medievalistas que, em
suas pesquisas, discutem o reino visigodo. Para isso, assistiremos ao
debate com Nathalia Serenado e Rodrigo Rainha.

Reino visigodo e a identificação entre monarquia


e Igreja

Os godos são uma força importante nas fronteiras e no território


imperial durante o fim da Antiguidade e o início da Idade Média.
Marcando presença no exército romano ou como grupos federados, os
godos são uma força política desse período.

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Reino dos visigodos circa 500.

O foedus dos visigodos em 418 criou um verdadeiro modelo para o


fenômeno de assentamento e organização política entre o Império e os
povos bárbaros. Além disso, esse assentamento serviu de base para a
fundação do reino visigodo de Tolosa. O modelo possibilitou que líderes
bárbaros fossem tanto reis em relação à população bárbara como
representantes do Império no tocante à população autóctone-romana.
Ou seja, o modelo que se construiu a partir do caso visigodo é de uma
dupla legitimação e atuação.

Entretanto, vamos recuar um pouco nesse processo para compreender a


chegada dos visigodos à posição de federados e posteriormente à
formação do reino bárbaro. A confederação gótica vivia mais a leste da
Europa com sua monarquia militar, que se fragmentou sob a pressão
imperial.

Posteriormente, os godos de tais regiões mais a leste reconheceram a


autoridade de uma nova família real. Já entre os grupos góticos a oeste,
os inúmeros reiks (líderes de guerra) compartilhavam e disputavam o
poder oligárquico.

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Império Romano em 337 d.C.

Em 332, Constantino estabeleceu um tratado com um líder desses


grupos, Aorico, filho de Ariarico, que havia sido criado em
Constantinopla. Sob o comando de Ariarico, Aorico e Atanarico, esses
godos do oeste se tornaram cada vez mais integrados ao sistema
imperial, fornecendo tropas auxiliares para as regiões do leste do
Império (GEARY, 2005, p. 106-107).

Com o impacto dos hunos na população goda, aqueles que escaparam


do ataque de 375 tiveram duas opções: anexação pelos hunos ou
entrada em território imperial. Uma minoria abandonou o grupo de
Atanarico e fugiu com Fritigerno, cruzando o Danúbio. Isso provocou
uma mudança de identidades desse grupo: seus membros tornaram-se
os tervíngios.

Atanarico e o imperador romano Valente sobre o Rio Danúbio. Eduard Bendemann, 1860.

Entrando no Império como derrotados, eles foram recebidos sob


custódia de oficiais romanos. Entretanto, a realidade é que esses godos
eram numerosos e criaram dificuldades para a administração romana.

Além disso, eles não haviam se rendido a Roma. A situação pouco


comum desse grupo provocou uma resistência armada dos godos
quando os maus tratos e a fome os assolaram. O resultado foi uma
série de vitórias deles contra os romanos.

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Visigodos comemorando vitória sobre os romanos.

Em 378, as vitórias góticas culminaram na derrota do exército imperial e


na morte do imperador Valente, em Adrianópolis. Quatro anos depois,
um tratado foi assinado; com isso, os góticos passaram a ser
reconhecidos como federados. Os romanos permitiram que eles se
estabelecessem entre o Danúbio e as montanhas balcânicas com seus
próprios governantes.

Bispo Úlfilas traduziu a Bíblia do grego para a língua gótica.

O sucesso dos tervíngios e de seus aliados resultou na transformação


de um grupo heterogêneo de refugiados no populus dos visigodos. Um
dos elementos da identidade dos visigodos nesse período foi a fé
ariana, que os distanciava da maioria da população imperial.

Após uma geração, os visigodos não só se identificavam com essa nova


identidade como também compartilhavam os aspectos da identidade do
Império Romano, especialmente por meio do serviço militar. O ano de
400 é palco de novos problemas militares na parte ocidental do mundo
imperial romano.

É nesse contexto que o rei dos visigodos aproveita a instabilidade para


exigir dos romanos um novo cargo militar e o pagamento dos serviços
militares. A negativa do imperador Honório inicia a campanha militar de
Alarico contra Roma, culminando no saque da capital romana de 410.

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O saque de Roma. Joseph-Noël Sylvestre, 1890.

Nesse processo, Alarico, rei dos visigodos, passou a dispor de uma


autoridade permanente entre o seu povo, algo que seria uma
característica dos reis visigodos. Ela, aliás, concorria com a própria
autoridade imperial romana, já que o exercício e a ampliação do poder
régio faziam-se nos mesmos espaços territoriais teoricamente
dominados pelo poder imperial.

Outro aspecto do poder régio visigodo foi a transmissão do poder entre


os grupos aristocráticos por meio da eleição e aclamação entre os
visigodos. A eleição de um novo rei dependia da vinculação do soberano
sucessor com os grupos aristocráticos que lhe davam apoio militar.

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Assentamento original dos visigodos na Gália Aquitanica.

No contexto ibérico, os visigodos atacaram a região entre 416 e 418. Já


contando com o novo tratado com a autoridade imperial, eles
centravam-se nas províncias mais ricas e romanizadas. A vitória nessa
empreitada militar na Hispânia fez com que Vália, rei visigodo à época,
fosse convocado a comparecer na Gália, onde se estipulou o famoso
foedus de 418, que concedeu aos godos uma região para seu
assentamento.

O projeto dos reis visigodos - em especial, de Alarico - concretizava-se,


pois esse foedus legitimava juridicamente a ocupação de áreas da Gália,
possibilitando as bases da construção do reino bárbaro de Tolosa, que
era, afinal, um reino bárbaro dentro do mundo romano. Na construção
do reino visigodo de Tolosa, a realeza buscou consolidar-se como uma
instituição dotada de poderes superiores sobre o restante da sociedade
política e aristocrática visigoda e galo-romana (FRIGHETTO, 2012, p.
144).

A presença militar dos visigodos na Hispânia romana


já ocorria desde 429, em especial nas regiões mais
romanizadas e próximas do Mediterrâneo, o que
estendeu a hegemonia visigoda para as regiões
ibéricas.

Do ponto de vista da relação entre o reino visigodo e a autoridade


imperial, o governo de Eurico é bastante importante para a consolidação
da autoridade visigoda. Em 472, ocorreu a consolidação do reino deles
em termos espaciais e institucionais, quando o foedus entre visigodos e
romanos deixou de existir. Rei dos visigodos, Eurico deixava de
reconhecer a supremacia romana nos territórios ocidentais.

O reino visigodo de Tolosa, na Gália, manteve-se com certo equilíbrio até


a inserção de outro grupo bárbaro na região, os francos. Mantendo

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autoridade e maior ocupação na Belgica Secunda, os francos iniciaram


uma expansão do norte para o restante da Gália.

Vinculados à autoridade imperial em alguma medida, eles exerceram


pressão sob o reino visigodo que se estabelecia na região da Aquitânia.
Esse processo culminou na Batalha de Vouillé, em 507, quando os
godos, vencidos pelos francos, voltaram-se para a Hispânia, onde
estabeleceram o reino visigodo de Toledo.

Batalha de Vouillé, em 507.

A ação militar visigoda na Aquitânia não findou na vitória franca de 507;


entretanto, o fracasso visigodo provocou, a partir de meados do século
VI, uma mudança nos rumos da política régia visigoda. A partir do
reinado de Ágila (549-555), a ação régia visigoda se voltou para a
consolidação da hegemonia dos visigodos sobre a Hispânia.

Leovigildo, por Juan de Barroeta, 1854.

Selecionaremos o reinado de Leovigildo como exemplo dessa política


em relação à Hispânia.

Seu reinado foi marcado por confrontações militares e vitórias que


ampliaram as áreas de domínio visigodo e estabeleceram uma
hegemonia sobre uma grande parcela do território da Hispânia.

Em 570, sua atenção se voltou aos territórios bizantinos na região, e a


ação resultou retomada de áreas próximo a Málaga e Medina Sidônia (e,
dois anos depois, a Córdoba). Essas vitórias no sul da Hispânia

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reforçaram o poder de Leovigildo perante os visigodos, assim como em


certos círculos aristocráticos hispano-romanos (FRIGHETTO, 2012, p.
168).

Se o reinado de Leovigildo consolidou a hegemonia da monarquia


visigoda em relação ao território e às relações de poder das elites
bárbaras e hispano-romanas, o reinado de seu sucessor marca um novo
momento no reino visigodo. A conversão ao cristianismo niceno por
Recaredo em 589 e a confirmação de uma nova política episcopal e
monárquica no III Concílio de Toledo, no mesmo ano, lançaram as bases
para um novo processo de assimilação e organização institucional do
reino.

Conversão do rei Recaredo ao catolicismo. Antonio Muñoz Degrain, 1888.

Tendo como base a elite episcopal da região, vemos uma forte relação
entre o poder régio e o político-religioso. É nesse contexto que o
cristianismo e a Igreja serviram de braço moral da sociedade visigoda,
bem como de legitimadores das políticas régias. Essa relação íntima
confeccionou para o reino visigodo de Toledo uma verdadeira
conformação política-religiosa na Hispânia, que perdurou até o fim do
reino visigodo com a chegada dos muçulmanos à Península Ibérica.

A organização da Itália pós-


Império Romano e os
bárbaros
“A queda de Roma” e a organização política da
Itália

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A ocupação e a organização política da Península Itálica são um tópico


específico do final da Antiguidade e do início da Idade Média.

Como é comum pensar, o território que antes era centro do poder do


Império Romano (e, posteriormente, Império Romano do Ocidente) foi
foco de múltiplos grupos interessados em sua organização, desde
grupos bárbaros até o Império Romano do Oriente. O que vamos
verificar é que a Península Itálica abrigou uma multiplicidade de
interesses e relações de poder.

Antes da análise do reino dos ostrogodos, porém, é importante


perguntar sobre o fim do Império Romano do Ocidente. A deposição de
Rômulo Augusto por Odoacro, rei dos hérulos, em 476, é o marco
cronológico que se convenciona usar na historiografia tradicional.

Entretanto, fontes da época deram pouca importância para tal


acontecimento na comparação com outros eventos do fim da
Antiguidade, como o Saque de Roma de 410, que gerou fortes debates
sobre o enfraquecimento do Império, ou mesmo a noção de fim do
mundo.

Rômulo Augusto abdica da coroa em frente a Odoacro.

Alguns aspectos são influentes dessa falta de importância que o evento


recebeu, como:

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O enfraquecido poder imperial, o qual, no século V, abrangia sob seu


domínio apenas a Itália.

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Nada indica que houve uma conquista bárbara da antiga capital, Roma.

groups
A falta de poder do jovem Rômulo entre a população romana e a
aristocracia.

Rômulo Augusto pertencia a uma família aristocrática que vinha da


Germânia. Era filho de Orestes, militar romano que havia servido como
secretário de Átila, rei dos hunos. Orestes estava à frente do exército
imperial na Itália quando houve a investida de Odoacro.

Moeda cunhada por Odoacro contém o nome de Zenão, imperador bizantino ao qual Odoacro
estava formalmente subordinado.

É importante notar que, após matar Orestes e depor e exilar Rômulo,


Odoacro não dispôs para si os símbolos imperiais e enviou as insígnias
para Constantinopla na corte do imperador Zenon. Por outro lado,
seguindo o modelo implementado pelo foedus visigodo, ele passou a
usar título romano de patrício e a cunhar moedas romanas como
representante do poder imperial na Itália e rei de populações bárbaras
(SILVA, 2019, p. 23-24).

Reino dos ostrogodos: de Teodorico à renovação


de Justiniano
Nesse contexto, o reino dos Ostrogodos é produzido. Como resultado da
ação militar do imperador Zenon, Teodorico Amalo entra no território

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itálico buscando expulsar Odoacro.

Em 493, Teodorico assumiu o controle da Itália, em teoria, em nome do


imperador romano do Oriente. Contudo, é importante notar que ele
governou com grande autonomia.

Gravura de Teodorio e Odoacro. Crônica de Nuremberg, 1493.

A intervenção de Teodorico Amalo na Itália provocou a movimentação


de outros grupos bárbaros em apoio ou oposição à iniciativa ostrogoda,
o que demonstra o importante papel político do rei dos ostrogodos
sobre o Ocidente romano. É nesse contexto que Teodorico aparece
como Flavio, título romano, e rei dos godos e dos itálicos. A aclamação
do rei dos ostrogodos como rei da Itália foi feita pela nobreza bárbara e
sem o consentimento imperial.

Teodorico atuou politicamente com base na ideologia


de que era um autêntico restaurador do poder imperial
na Itália, utilizando tanto o seu título régio entre os
bárbaros quanto os títulos de patrício e Flavio,
outorgados pela autoridade imperial de Constantinopla,
entre os romanos e os itálicos.

A consolidação do reino ostrogodo na Itália foi impedida pelas


dificuldades impostas pela autoridade imperial romana oriental em
reconhecer o poder de Teodorico e pelas desconfianças por parte da
sociedade política romana. Entretanto, Teodorico assumiu uma posição
de expoente frente aos demais reinos bárbaros fixados em território
imperial por meio de uma política matrimonial que colocou seus
descendentes entre as principais famílias régias bárbaras.

Em meio a essa política, os ostrogodos, baseados em uma política


patrimonial que incluiu a relação estreita com visigodos e francos,
assumiram certa liderança e destaque no século VI.

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Reino ostrogótico sob Teodorico, o Grande (474–526).

Um exemplo da condição frente aos outros reinos bárbaros é a tutela


política e militar que Teodorico exerceu no reino visigodo durante a
regência de sua filha e o reinado do neto, vinculado aos espaços da
Narbonense e do nordeste hispânico. Durante seu reinado, ele
estabeleceu a administração com base no poder da aristocracia romana
e senatorial, só que com um regime de igualdade entre romanos e
godos.

O mausoléu de Teodorico em Ravena.

Com a morte de Teodorico, as disputas entre a nobreza ostrogoda pela


ascensão à condição régia, as divisões e os confrontos provocaram
uma forte estabilidade na região, fato que proporcionou a campanha
militar de Justiniano, que pôs fim ao reino dos ostrogodos.

A reorganização imperial promovida por Justiniano tem forte influência


entre os reinos bárbaros do Oriente. Cabe notar que, desde o século IV,
houve uma política de proteção dos territórios imperiais orientais em
detrimento à organização e à militarização do Ocidente por parte do
poder imperial.

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Mosaico de Justiniano I.

Ou seja, é algo característico do fim da Antiguidade que o poder imperial


desloque sua atenção para os territórios da porção oriental do Império.

Com o paulatino esvaziamento do poder imperial no


Ocidente, podemos notar que as elites regionais e as
bárbaras assumiram as posições de poder das
provinciais ocidentais e, consequentemente, dos reinos
bárbaros que sobrepujaram a organização romana.

É esse contexto de esvaziamento que Justiniano, imperador romano do


Oriente, buscava combater com sua reforma. Seu projeto de renovação
imperial envolveu muitas mudanças:

history_edu
A revisão do código teodosiano de 438, com a pretensão de reformular
o direito romano e a confecção de um novo código.

account_balance
Um programa de edificações visando à melhora arquitetônica e
urbanística de Constantinopla.

security
Uma ousada ação diplomática-militar que levou o Império Romano do
Oriente a estabelecer uma paz perpétua com os persas sassânidas em
532.

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Ao liberar as fronteiras orientais da pressão militar, Justiniano pôde se


voltar para seu projeto de recuperar a hegemonia imperial no
Mediterrâneo Ocidental.

A primeira grande empreitada militar externa do reinado de Justiniano


foi a recuperação da África sob dominação romano-oriental, com os
vândalos no poder. Já em 534, a campanha militar de Justiniano
reestruturou administrativamente as áreas conquistadas na África e as
organizou como dioceses, com um prefeito estabelecido em Cartago,
ficando ela dividida em sete províncias e quatro circunscrições.

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Império Bizantino em 550. A parte mais clara representa as conquistas de Justiniano.

Em um segundo momento, volta-se para a Itália Ostrogoda, que estava


sendo disputada entre os grupos aristocráticos após a morte de
Teodorico. A contenda entre grupos nobiliárquicos ostrogodos e as
grandes famílias senatoriais romanas serviu de justificativa para as
campanhas romano-orientais contra os ostrogodos.

Apesar das vitórias militares, o saldo do projeto


restaurador de Justiniano foi negativo. Com volumosos
custos econômicos e humanos da campanha militar na
Itália, houve um enfraquecimento da posição imperial
nos territórios ocidentais.

No contexto oriental, ocorreu um recomeço dos problemas nas


fronteiras orientais com os persas sassânidas, além das ameaças de
bárbaros lombardos e búlgaros nas áreas do Danúbio e de berberes na
África. Esse contexto foi fundante para a impossibilidade de
recuperação dos territórios mediterrânicos à autoridade de
Constantinopla imperial.

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O reino dos lombardos na


Itália
Lombardos na Itália: uma história de
descentralização
Os lombardos aparecem no contexto do território que antes era o
Império Romano do Ocidente durante as campanhas militares de
Justiniano. Os lombardos serviram nas forças romano-orientais como
tropas auxiliares que combateram Tótila, rei dos ostrogodos.
Conhecedores das defesas das forças do Império na Itália, a partir de
568, os lombardos, liderados por Alboíno, começaram a ingressar
sistematicamente nesses territórios.

Gravura de Alboíno. Crônica de Nuremberg, 1493.

Primeiramente, eles estabeleceram-se nas áreas do norte da península,


onde fundaram uma série de ducados dos quais se destacam Parma,
Benevento e Spoleto. Essas populações bárbaras caracterizaram-se pela
dispersão territorial e pela concentração de poderes nas mãos de
duques regionais, o que pode explicar as dificuldades encontradas pelos
lombardos de construir um reino com certa centralização, como o dos
francos ou visigodos.

A conquista dos lombardos da Itália provoca uma subversão da ordem


social e econômica da Itália tardo-antiga. A partir de 568, a instalação
dos recém-chegados é acompanhada da subversão do sistema
urbanístico. As relações com a Igreja, que, ao longo dos decênios,
passam do confronto ao diálogo e ao reconhecimento recíproco,
estremeceram-se novamente na segunda metade do século VIII
(PICARIELLO, 2011, p. 102).

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Nesse sentido, o reino dos lombardos é caracterizado


pela dispersão e pelas mudanças em relação à Igreja.

No momento da conquista da Itália, os lombardos eram organizados


militarmente em fare. O fare era a maneira como os grupos de guerreiros
eram divididos em relação ao pertencimento a uma família com um
antepassado comum.

Esses fare eram liderados pelos seus duques e se deslocavam de


maneira autônoma, instalando-se gradualmente nos seus novos
territórios. Essa característica e o poder dos duques foram mantidos
durante todo domínio lombardo.

O Assassinato de Alboínio. Charles Landseer.

Depois da morte de Alboíno, os duques não conseguiram chegar a um


consenso que aclamasse um sucessor e rei dos lombardos. Assim, o
grupo ficou sem um rei entre 574 e 584, período que se convenciona
chamar de “anarquia militar”.

Durante tal momento sem rei, os comandantes militares assumiram


cidades fortificadas como seu centro de poder pessoal, agravando a
relação com as populações itálico-romanas.

Segundo Picariello (2011, p. 103), do ponto de vista social, os lombardos


se caracterizavam como um povo-exército que só reconhecia os direitos
plenos aos homens capazes de pegar em armas, os arimanni, e que
eram membros da assembleia da linhagem, o gairethinx. Nesse

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contexto, o poder era repartido pela assembleia dos arimanni, composta


por duques e pelo rei.

Posteriormente, com a eleição de Autário, em 584, inicia-se um processo


de restauração do poder régio, que se desenvolve sob uma base
econômica suficiente para exercer tal poder à custa de bens cedidos
pelos duques.

Picariello (2011, p. 103) continua:

O fortalecimento do poder régio movimenta a


organização territorial dos moldes romanos para uma
baseada em ducados. Esses ducados eram
governados por um duque que não era somente o
chefe de um fare, mas também um funcionário do rei,
depositário de poderes públicos e acompanhado por
funcionários menores, como sculdheis e gastald.

Sob o reinado de Astolfo, rei desde 749, é posta no centro dos


interesses políticos a vontade de submeter ao poder lombardo os
habitantes da Itália bizantina. O rei proclama um édito militar com a
seguinte determinação: os homens livres do reino, lombardos e
romanos, deveriam prestar o serviço militar independentemente de
origem étnica e com base em sua riqueza.

Rei Astolfo, em doação ao Abade Anselmo para fundar a Abadia de Nonantola.

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Do ponto de vista religioso, os reis lombardos, ao longo do século VII,


alternaram-se entre a concepção nicena do cristianismo e o arianismo, o
que alimentou uma forte oposição dos grupos nicenos ao poder régio.

Esse aspecto direciona os lombardos para uma relação complicada


com o episcopado de Roma. Tendo em vista o édito de Astolfo, o Papa
Estêvão II se opõe às tentativas régias de obter a jurisdição sob Roma e
dos territórios dependentes da cidade.

O papa recorre ao rei dos francos, Pepino, o Breve, e pede que ele
intervenha na Itália para recuperar os territórios do exarcado e os confiar
à Igreja Romana. Em 754, o exército lombardo é vencido; dois anos
depois, Astolfo é derrotado novamente pelos francos e forças papais.
Em 774, os francos conquistam a capital do reino lombardo, Pavia,
marcando o fim da independência do reino lombardo, que passa a estar
unido, na pessoa do rei, ao reino franco.

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Vamos ligar esses pontos?
Rodrigo Rainha faz a relação entre os reinos que vimos até aqui.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

É possível verificar, na atuação dos visigodos e na construção


desse reino bárbaro, modelos implementados para o fim da
Antiguidade e o início da Idade Média. À luz do modelo estabelecido
pelos visigodos, analise estas assertivas:

I- O foedus de 418 estabelecido entre Vália e o imperador romano


serviu de base para o assentamento de populações bárbaras em
território imperial.

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II- A assimilação da elite bárbara e da aristocracia se deu pela


conversão ao arianismo promovido pelos reis visigodos de Tolosa.

III- A escolha religiosa pelo arianismo visava a uma construção


identitária dos bárbaros frente à população autóctone-romana.

IV- A mudança dos reis visigodos da Gália para Hispânia teve como
objetivo a consolidação da maior extensão do reino visigodo.

Marque a alternativa correta.

A I e II somente.

B II e III somente.

C I e III somente.

D III e IV somente.

E I e IV somente.

Parabéns! A alternativa C está correta.

O assentamento da população visigoda por meio do foedus de 418


estabeleceu um modelo de tratamento do Império em relação à
população bárbara. Foi possível, portanto, manter a autoridade
romana e promover o estabelecimento desses federados.
Posteriormente, esses foedus serviram de base para a constituição
de tais reinos bárbaros. É somente com Eurico que os visigodos
deixam de reconhecer a autoridade imperial sobre o reino de
Tolosa. A assimilação de elites bárbaras e aristocracias autóctones
por meio da conversão ao cristianismo niceno se deu no reino
visigodo de Toledo, em 589. Além disso, mesmo que mantivessem
certo domínio sobre Hispânia, o deslocamento do centro de poder
aconteceu a partir das derrotas frente aos francos.

Questão 2

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A renovação de Justiniano é um episódio central nas correlações de


forças durante o século VI. Sobre esse projeto, avalie as afirmativas
a seguir com V para verdadeiro ou F para falso.

( ) A renovação de Justiniano consolidou a influência e o poderio


de bizâncio no Ocidente Medieval.

( ) O movimento militar em direção ao Ocidente só foi possível


tendo em vista a consolidação das fronteiras imperiais com os
persas sassânidas.

( ) A conquista da Itália Ostrogoda foi a porta de entrada para a


anexação de novos territórios no Ocidente Romano.

( ) A conquista do norte da África dos vândalos possibilitou uma


reorganização da administração territorial da região.

Marque a alternativa correta.

A F-F-V-V

B V- V- F - F

C F - V- F -V

D V-F-V-F

E V-F-F-V

Parabéns! A alternativa C está correta.

O projeto de renovação do poder bizantino sobre o Ocidente foi uma


empreitada possível a partir da consolidação das fronteiras
imperiais em relação aos persas sassânidas. O objetivo de
Justiniano era a renovação do poder imperial nos territórios
mediterrânicos; entretanto, sua atuação se deu somente na Itália
Ostrogoda e no norte da África.

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3 - Reino franco: entre merovíngios e carolíngios


Ao final desse módulo, você será capaz de identificar eventos
característicos do reino franco e seu impacto no território imperial do
Ocidente.

Os francos no Limes romano

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Por que os francos?
Rodrigo Rainha e Nathália Serenado discutem por qual motivo, entre
diversos e complexos movimentos, os francos parecem ter mais
notoriedade.

Os francos, assim como outros grupos bárbaros, ocupavam a região do


Limes germânico na área do Rio Reno. Já em 259 havia notícias sobre
eles no território imperial causando ataques destrutivos na Gália e no
norte da Itália. Por outro lado, independentemente dos ataques, o fluxo

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comercial e cultural da região foi mais importante para a difusão de


bens e valores romanos entre as elites francas.

De acordo com as primeiras referências documentais dos francos (e


com base em suas lendas de origem), eles parecem ser uma
confederação de povos há muito estabelecida na região do baixo Reno
até o Rio Elba. A formação dessa confederação é heterogênea, já que
havia grupos contra a autoridade imperial e outros associados ao
Império Romano.

Origem dos francos.

O século V viu uma mudança profunda entre os francos, período no qual


a família merovíngia chegou ao domínio. Essa família parece ter
atribuído a si mesma uma origem sobrenatural que provavelmente tinha
conotações pagãs. É possível também que ela tenha vindo do leste da
confederação franca (WOOD, 1994, p. 38).

De maneira geral, os grupos bárbaros de origem franca habitavam as


áreas limítrofes das províncias romanas da Germânia e Bélgica, na
proximidade do Reno, desde a segunda metade do século III. Algumas
documentações atestam a fixação de certas tribos francas nos
territórios imperiais romanos como aliados e que seu contato com os
romanos foi constante e fundamental (FRIGHETTO, 2012, p. 161).

Colônia agrippina durante o período romano.

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Já no século V, os francos sálios e ripuários haviam se assentado na


região da Colônia, pois a área tinha sido abandonada pelas legiões
romanas, que haviam se deslocado para conter a ameaça visigoda
sobre a Itália.

Com o desaparecimento da autoridade imperial no território do Ocidente


e o contato sistemático da elite bárbara com a aristocracia galo-romana,
os francos se estabeleceram no nordeste da Gália, Bélgica e Germânia.

No contexto arqueológico, os vestígios do sepultamento de Childerico I,


pai de Clóvis, são um ponto de inflexão para se compreender a conexão
dos valores galo-romanos e francos. Eles ainda mostram que os
costumes romanos e bárbaros se misturaram rapidamente, além do
franco enriquecimento das elites bárbaras.

A eleição de Clóvis, em 481, como rei dos francos promoveu uma


mudança nas bases de poder da monarquia franca. Em um primeiro
momento, seu poder estava vinculado a determinados clãs de origem
sálica. Posteriormente, Clóvis conseguiu promover certa unidade
política e militar entre os francos.

Clóvis I. François-Louis Dejuinne.

A vitória de 486 sobre os grupos liderados por Siágrio, líder romano


revolto, ampliou a hegemonia franca no norte da Gália e serviu como
passo decisivo na configuração do uso da autoridade régia sobre todos
os grupos francos (FRIGHETTO, 2012, p. 161).

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Por outro lado, seu bom relacionamento com os grupos aristocráticos


galo-romanos deve ser visto como bastante favorável à consolidação de
seu poder régio.

A documentação romana sobre essa disputa e a


consolidação do poder de Clóvis junto aos
heterogêneos grupos francos o colocam como
representante do poder imperial na Gália.

Procópio trata da concessão do território da Provença aos francos como


uma maneira de apaziguar o poder dos visigodos na Gália, na região da
Aquitânia. Ele afirma que os francos não se acreditavam capazes de
manter a Gália sob seu poder sem o consentimento do imperador
romano. Os francos não aparecem nesse relato como os
conquistadores da Gália, e sim como os delegados da autoridade
imperial (SILVA, 2008, p. 44).

Siágrio trazido a Clóvis I.

Por outro lado, a documentação produzida por Gregório de Tours sobre


a ascensão de Clóvis aponta para dinâmicas mais regionais da
conquista da Gália pelos francos. Esse relato de Gregório indica que, no
final do século V, havia na Gália setentrional um conflito que opunha
dois personagens: o primeiro, um rei bárbaro que era igualmente um alto
funcionário romano; o segundo, o filho de um alto funcionário romano
que havia se tornado rei. Ele apresenta Siágrio como líder do exercitus

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Gallicants, que coexistia com um exercitus Francorum de Childerico e de


Clóvis.

Esses dois exércitos teriam defendido anteriormente a Gália setentrional


contra aqueles que ameaçavam a autoridade romana, como os
visigodos, por exemplo. Essa aliança foi estabelecida na metade do
século V com o intuito de defender a Gália contra as incursões barbaras,
sendo uma resposta ao enfraquecimento do poder imperial no Ocidente.

Cabe ressaltar que, em tal momento, os contingentes de francos do


norte da Gália eram federados. Nesse movimento (e com a derrota dos
visigodos na Batalha de Vouillé, em 507), Clóvis recebeu a titulação
romana de patrício ou "cônsul honorário".

A divisão da Gália em 511.

No final de sua vida e de seu governo, Clóvis tinha conseguido manter


sob seu controle quase toda a Gália, com exceção da Burgúndia,
Provença e Bretanha. Além disso, ele havia consolidado a dinastia que
durou até o século VIII: os merovíngios.

A Gália sob os merovíngios

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Regnum francorum e os merovíngios

Conhecemos um dos mitos de origem dos merovíngios graças à


Crônica, de Fredegário, que narra o seguinte: Meroveu foi concebido
quando a esposa de Chlodio foi nadar e encontrou um Quinotauro.
Embora não seja explicitamente declarado que esse monstro marinho
era o pai do fundador da dinastia merovíngia, trata-se de uma origem
mítica e sobrenatural.

Duas versões de um quinotauro.

De acordo com Wood (1994, p. 37), a lenda da origem dos merovíngios,


como a registrada por Fredegário, é importante não apenas por sua
sugestão de que a família é descendente de um ancestral sobrenatural,
mas também por suas implicações para a ascensão da dinastia.

A história do reinado de Clóvis é marcada pela relação com a Igreja


franca e seus sucessores merovíngios. Contatos entre o rei e a
hierarquia eclesiástica nicena são documentados desde o reinado de
seu pai, Childerico I, sendo evidenciados ainda por seu casamento com
uma esposa cristã, Clotilde da Borgonha.

Vitral neogótico de Santa Clotilde. Igreja de San Martín de Florac.

Na década de 490, Clóvis teria mostrado interesse no arianismo, comum


entre os monarcas godos do período, bem como no niceanismo de
Clotilde. Ele teria decidido pelo niceanismo majoritário entre a

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população autóctone na Gália, possivelmente, na época da guerra com


Alarico, monarca ariano e visigodo, e na Batalha de Vouillé, em 507.

O batismo de Clóvis, por São Remígio.

É importante notar que a narrativa sobre o processo de conversão de


Clóvis se assemelha bastante àquelas sobre a conversão de
Constantino (uma batalha e um sonho profético). Tal aspecto aponta
para uma aproximação ideológica em relação ao poder imperial cristão.

Seu batismo teria acontecido provavelmente em 508. Já a convocatória


do Concílio de Orleans em 511 teria sido o evento que confirmou seu
batismo político-religioso.

A partir de sua morte, o reino foi dividido, primeiramente, entre seus


filhos em quatro partes (WOOD, 1994, p. 48-50). Teodorico governou
Reims. Já Clodomiro, Childeberto I e Clothario I governaram,
respectivamente, Orleans, Paris e Soissons.

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Filhos de Clóvis e Clotilde: Clotário I, Quildeberto I, Clodomiro e Teodorico I da Austrásia, que era
enteado de Clotilde.

Essa divisão estabeleceu um precedente sucessório utilizado nas


reorganizações territoriais da Gália em regna, que resultaram nas bella
civilia entre os descendentes do rei, promovendo guerras entre membros
da família monárquica merovíngia.

A dominação merovíngia do reino franco não ocorreu de maneira


centralizada:

groups
No território da Gália, organizaram-se diferentes regna a partir da
sucessão dos filhos e netos de Clóvis.

Houve constantes embates entre a família monárquica.

call_split
Uma elite episcopal se associava de forma local aos diferentes reis e às
suas disputas.

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account_balance
Uma atividade conciliar mais pulverizada em diferentes núcleos de
poder.

A conversão dos monarcas francos à corrente do cristianismo que regia


a maioria da população da Gália propiciou uma assimilação entre as
elites bárbaras e a aristocracia galo-romana, dando a eles o apoio
episcopal. Os bispos galo-merovíngios atuavam em cada reino e deviam
obediência a seus respectivos soberanos.

No entanto, o Concílio de Orleans de 511 transformou a instituição


eclesiástica da Gália na Igreja do Regnum Francorum, e esse novo papel
não foi questionado durante as partilhas ou nas guerras por controle
territorial e preponderância régia. Ela continuou a existir como uma
entidade indivisível apesar das dificuldades geradas pela
compartimentalização que os bispos evocavam durante os concílios
(SILVA, 2008, p. 253).

Dioceses que participaram do Concílio de Orleans de 511.

Essas reorganizações foram baseadas nas civitas romanas, que podiam


ou não condizer com a organização de dioceses eclesiásticas, e no
fisco, que motivou casos de cidades divididas entre dois reis. Por outro
lado, esses múltiplos núcleos propiciaram o crescimento, em maior ou
menor medida, de grupos eclesiásticos pulverizados no território que
circundavam a órbita de cortes reais, além de conferir maior autonomia
do episcopado.

A unidade franca de todos os regna sob o mesmo monarca foi possível


em dois momentos específicos: com Clotário II (584-629) e Dagoberto I
(623-639).

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Clotário II.

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Dagoberto I.

É importante notar que, nos dois casos, o


centro político era localizado na Nêustria.

O reino dos francos foi o mais longevo entre os reinos bárbaros e


culminou na formação do Império Carolíngio, que se estendeu por boa
parte da porção ocidental do que antes era o território imperial romano,
com exceção da Hispânia visigoda (e, posteriormente, mulçumana) e
das Ilhas Britânicas.

Saiba mais
Por nossa abordagem se ater às migrações bárbaras até o Império
Carolíngio, não podemos explorar todos os reinos bárbaros. Entretanto,
faremos um pequeno adendo sobre os bárbaros nas Ilhas Britânicas.
Primeiramente, precisamos chamar a atenção para a incipiente
romanização da região e o abandono da administração imperial no
século V. Tal processo de esvaziamento político resultou na criação, por
volta do século VI, de sete reinos que se estabeleceram nas ilhas com a
migração e o assentamento de anglos e saxões. Fundaram-se os reinos

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de Kent, Mercia, Sussex, Essex, Wessex, Northumbria e East Anglia,


modelo de domínio que se convencionou chamar de heptarquia.

Os carolíngios e a noção de
Império
O reino franco sob domínio carolíngio

Durante os séculos VI e VII, o reino franco vê o advento de outra família


nobiliárquica franca, que assume novos cargos de influências na região.
Com base patrimonial e articulação com instituições de poder, os
pipinidas, posteriormente chamados de carolíngios, foram uma nova
força política na Gália.

A ideia da unidade do reino franco que residiu durante a autoridade dos


merovíngios serviu de base para os pipinidas. Esse grupo familiar
assumiu espaços de poder a partir do poder régio da Austrásia e do
cargo de mordomo do palácio (maiores domus) ou de prefeito dele.

Esse cargo foi a base para legitimar o seu poder em ideias herdadas de
uma longa tradição, o que se deu pelo menos depois da vitória decisiva
de Pepino II (640-714) sobre os seus adversários nêustrios (METZNER,
2011, p. 100-101).

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Pepino II.

Um elemento importante em relação ao cargo de mordomo do palácio é


que ele se torna hereditário a partir de Pepino I, o Velho (580-640). Por
outo lado, verifica-se um enfraquecimento da monarquia merovíngia a
partir da distribuição de terras e cerimonialização da função real.

Os pipinidas se destacaram inicialmente por seu


patrimônio fundiário, pela amplitude da clientela e dos
apoiadores, pela aliança com a Igreja franca e por sua
capacidade de atuar contra outras famílias
aristocráticas.

Além disso, é importante chamar a atenção para o seu apelo militar e


sua capacidade de neutralizar ameaças externas ao reino franco. Esse é
o caso da vitória de Carlos Martel frente aos muçulmanos na região dos
Pirineus, evento militar que estabeleceu uma fronteira estável frente à
Hispânia muçulmana. Além disso, Carlos Martel também integrou ao
domínio franco a Burgúndia e a Aquitânia.

Coroação de Pepino, o Breve.

Precisamos notar ainda que, ao depor o último rei merovíngio, Pepino, o


Breve, foi eleito em 751 por uma assembleia aristocrática. Isso mostra a
base de poder e a assimilação dessa família franca entre as elites da
Gália.

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Outro aspecto que chama atenção nessa mudança dinástica é a


atuação da Igreja franca e do bispado de Roma na legitimação dessa
sucessão. Portanto, ao enviar emissários ao Papa Zacarias, Pepino o
questionou sobre a natureza do cargo régio e o exercício de poder. Ele
recebeu como resposta que era melhor chamar de rei aquele que
realmente detém o poder real.

De acordo com Silva (2019), essa resposta do Papa Zacarias era, na


prática, uma forma de autorização da deposição de Childerico III. Além
disso, a unção régia soma a essa mudança dinástica uma legitimação
que faz referência à noção do Antigo Testamento acerca de monarcas
escolhidos por Deus (SILVA, 2019, p. 38). Nesse sentido, a ideologia
régia dos pipinidas busca envolver a nova dinastia em legalidade e
associar um caráter cristão à realeza franca.

O bispo seguinte de Roma continuará a prática de ungir o rei e seus


filhos Carlomano e Carlos Magno. Por outro lado, precisamos
compreender que essa legitimação não é desinteressada. Por meio da
doação pipinida, vê-se o início do Estado Pontifício na Itália, com
posteriores ampliações do território.

A sucessão de Pepino, o Breve, e o governo de Carlos Magno trazem


novos elementos para o reino franco e possibilitam a construção de
uma nova noção de imperium. Carlos Magno (742-814) é o governante
do apogeu carolíngio. Inicialmente, ele dividiria o poder com seu irmão,
Carlomano, porém, com a morte precoce de Carlomano, seus filhos
foram usurpados, ficando o reino franco unificado novamente sob
domínio de um mesmo monarca.

Imperador Carlos Magno, por Albrecht Dürer, 1511-13

A base econômica do trono carolíngio era constituída da posse de


grandes propriedades fundiárias do patrimônio familiar, confiscos e
conquistas. Sua renda também se baseava em tesouro, proventos de
justiça, cunhagem de moedas, taxas sobre circulação de mercadorias e
pessoas.

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Na perspectiva da política externa, observa-se, durante seu governo, a


dilatação das fronteiras do reino por meio do que se convencionou
chamar Dilatatio Regni, um movimento em três direções: para a Itália,
expansão após reação lombarda, com o reino tomado em 774; para o
norte, campanhas contra saxões (conversão), frísios e bávaros; e para a
Hispânia, a partir de 778, com as campanhas contra os muçulmanos.

Para a Itália
Expansão após reação lombarda, com o reino tomado em 774.

Para o norte
Campanhas contra saxões (conversão), frísios e bávaros.

Para a Hispânia
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Campanhas contra muçulmanos a partir de 778.

O Dilatatio Regni é resultado da expansão dos territórios nucleares


francos na Nêustria e na Austrásia que estavam contornados por grupos
hostis. Trata-se de uma política de alianças carolíngia que conduziu a
algumas intervenções, como na Itália, em função dos favores
concedidos pelos bispos de Roma, e pautou-se pela busca por novas
terras e espólios de guerra para garantir a fidelidade da aristocracia
franca.

Cabe ressaltar que esse projeto demandava um exército organizado e


equipado. Isso motivou as transformações militares, que passaram a
exigir o uso mais intenso dos cavalos como meio de locomoção para
áreas distantes. Mesmo que o serviço militar tivesse caráter público, o
equipamento mais caro teve reflexos na composição social do exército.

Assumindo grande hegemonia na Gália, Itália e Germânia, o reino franco


reintegrou o título imperial no Ocidente. Em 800, Carlos Magno recebeu
o título imperial por meio de uma sucessão de acontecimentos e
relações de poder.

north_west Primeiramente, Leão III, bispo de


Roma, é atacado em 799 e foge em
busca de socorro.

transfer_within_a_station Carlos Magno garante escolta


franca para seu retorno ao papado.

star Em 25 de dezembro, Leão III coroa


Carlos Magno imperador em
Roma.
LOREM_IPSUM

Carlos Magno é coroado como:

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Vamos ligar esses pontos?
Que tal saber mais sobre os desdobramentos do governo de Carlos
Magno?

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Após a morte de Clóvis, seus sucessores organizaram o reino


franco à luz das demandas da Gália e das matrizes culturais
bárbaras e romanas. Sendo assim, avalie as assertivas sobre a
organização política da região sob domínio merovíngio e marque a
opção correta.

A dominação merovíngia do reino franco ocorreu de


A
maneira centralizada.

O território da Gália se organizou por meio de um


B
reino com províncias conforme o modelo imperial.

A sucessão merovíngia se deu por aclamação a


C
partir da sucessão de Clóvis.

O governo dos merovíngios foi conhecido pelos


D
embates entre a família monárquica.

A elite episcopal se absteve das relações de poder


E
diante dos diferentes reis e de suas disputas.

Parabéns! A alternativa D está correta.

A dominação merovíngia da Gália não se deu de maneira


centralizada; portanto, o território foi organizado em diferentes
regna a partir da sucessão dos filhos e netos de Clóvis. Havia
constantes embates entre a família monárquica, contexto que ficou

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conhecido pela historiografia como bella civilia. Além disso, com a


pulverização do poder régio, a elite episcopal se associava de forma
local aos diferentes reis e às suas disputas.

Questão 2

O Dilatatio Regni foi um movimento de expansão territorial do reino


franco durante o período dos carolíngios. Sobre essa dilatação das
fronteiras, é correto afirmar que:

foi resultado de um contexto da estabilidade


A territorial nos núcleos francos da Aquitânia e
Nêustria.

foi resultado de um contexto da instabilidade


B territorial dos núcleos francos da Burgúndia e
Aquitânia.

foi resultado de um contexto da estabilidade


C territorial nos núcleos francos da Austrásia e
Nêustria.

foi resultado de um contexto da instabilidade


D territorial nos núcleos francos da Austrásia e
Nêustria.

foi resultado de um contexto da estabilidade


E territorial nos núcleos francos da Aquitânia e
Austrásia.

Parabéns! A alternativa D está correta.

O Dilatatio Regni é resultado da expansão dos territórios nucleares


francos na Nêustria e Austrásia que estavam contornados por
grupos hostis. Além disso, ele faz parte de uma política de alianças
carolíngia que conduziu a algumas intervenções, como na Itália, em
função dos favores concedidos pelos bispos de Roma. Ele também

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é marcado pela busca por novas terras e espólios de guerra para


garantir a fidelidade da aristocracia franca.

Considerações finais
Este conteúdo tinha como objeto central apresentar um panorama
conceitual e político sobre o fim da Antiguidade e o início da Idade
Média pela perspectiva dos reinos bárbaros. Nesse sentido,
apresentamos conceito de “bárbaro”, entendendo-o como uma
construção de alteridade do mundo romano posteriormente adotada
pela historiografia. Além disso, debatemos algumas características dos
reinos bárbaros, como a migração, a formação, a conversão, a ideologia
e a confecção das leis bárbaras.

Em um segundo momento, tratamos do contexto e dos reinos bárbaros


estabelecidos na Hispânia e na Itália, com foco no reino dos suevos e na
população visigoda, assim como nos reinos dos ostrogodos e dos
lombardos. Falamos também sobre o impacto da renovação justiniana
como projeto para o território mediterrânico, destacando seu impacto
nos reinos bárbaros.

Por fim, conhecemos os francos, abordando suas características como


confederação atuante no Limes do Reno. Depois, passamos pela
ascensão de Clóvis e pelo domínio merovíngio na Gália franca,
culminando com a mudança trazida pelos carolíngios, aspecto que
impactou múltiplos territórios do Ocidente na Primeira Idade Média.

headset
Podcast
Neste podcast, os professores Rodrigo Rainha e Nathália Serenado
conversam sobre os principais elementos dos reinos bárbaros.

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Explore +
Para conhecer melhor o conceito de bárbaro e a Gemânia durante o
primeiro século, veja a série Barbarians, de 2020, de Andreas Heckmann,
Arne Nolting e Jan Martin Scharf.

Para saber mais sobre outros reinos bárbaros na Escandinávia e na


Irlanda, assim como sobre o impacto dos berberes no Mediterrâneo, leia
o texto de Umberto Roberto Reinos, impérios e principados bárbaros, no
livro Idade Média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, organizado por
Umberto Eco e publicado pela Dom Quixote, Lisboa, 2011.

Para entender mais sobre o reino dos vândalos na África, leia o texto Los
vândalos en África, de Rosa Sanz Serrano, no livro Las migraciones
bárbaras y la creación de los primeros reinos de Occidente, publicado
pela Sínteses, Madrid, 1995.

Referências
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ECO, U. (Org.). Idade Média: bárbaros, cristãos e muçulmanos. Lisboa:
Dom Quixote, 2011. p. 144-147.

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bárbaras numa época de transformações (séculos II–VIII). Curitiba:
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Idade Média: bárbaros, cristãos e muçulmanos. Lisboa: Dom Quixote,
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bárbaros, cristãos e muçulmanos. Lisboa: Dom Quixote, 2011. p. 102-
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autoridade pública no período merovíngio (séculos V-VIII). São Paulo:
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