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As transformações do Império

Romano tardo-antigo: discussões


historiográficas

Aula 11-12
Objetivos
O Compreender as vertentes historiográficas que abordam o
período de transição (da antiguidade ao medievo);

O Diferenciar as expressões ‘baixo império romano’, ‘primeira


idade média’ e ‘antiguidade tardia’, relacionando-as a
diferentes aportes teórico-metodológicos;

O Problematizar a historiografia que defende a ideia de fim,


declínio ou queda do Império Romano;
Texto-base

Texto-base:
SILVA, Gilvan Ventura. O fim do mundo antigo: uma discussão
historiográfica. Mirabilia, v.01, Dec. 2001.

Leitura complementar
O BARROS, José D’Assunção. Passagens da Antiguidade romana ao
Ocidente Medieval: leituras historiográficas de um período
limítrofe. História, São Paulo, v.28, n.01, 2009.
Premissas fundamentais sobre a escrita da
História
O “ [...] todas as formações discursivas que emergem em uma dada época
provêm de um solo que as possibilita e circunscreve tanto a sua estruturação
interna quanto os seus limites’ (SILVA, 2001, p. 59).

O “ [...] somente podemos propor novas explicações para os fenômenos


históricos se conhecermos a historiografia, pois muito embora a escrita da
História dependa da exploração de novas fontes ou da leitura de fontes já
conhecidas sob uma ótica renovada, ela não depende menos do diálogo com
todo um repertório de interpretações pré-existentes” (SILVA, 2001, p. 59)
Discussões historiográficas
História Tradicional: o espírito cientificista do
positivismo e do historicismo
Declínio e Queda do Império
Romano
Edward Gibbon (1778)

Tese: cristãos e bárbaros foram os responsáveis


pelo fim, queda ou declínio do Império
Romano
Termos comuns: Alto Império e Baixo Império
O Destaca-se, outrossim, a superficialidade
dos líderes cristãos frente à densidade do
conhecimento dos filósofos: Ao mesmo
tempo que evitam cautelosamente o perigoso
encontro com os filósofos, misturam-se à turba
rude e iletrada, insinuando-se nos espíritos que
[...] estejam dispostos a deixar-se impressionar
por temores supersticiosos [...] porquanto tais
grupos (dos filósofos) não teriam
identificado o lápis do inimigo em suas cores
sombrias e em seus traços distorcidos
(1778:57) [...] os que condescendiam em
mencionar os cristãos consideravam-nos
apenas como entusiastas obstinados e perversos
que exigiam implícita submissão a suas
misteriosas doutrinas, sem serem capazes de
oferecer um único argumento capaz de atrair a
atenção de homens de discernimento e de saber
(1778:59-60, grifo nosso).
O filme Ágora e a produção de sentidos ao
passado
O No final do século IV d.C, o Império Romano
começava a se desmoronar. Alexandria, na província
do Egito, ainda conservava parte de seu esplendor.
Possuía uma das 7 maravilhas do mundo: o lendário
Farol e a maior Biblioteca conhecida. A Biblioteca não
era apenas um símbolo cultural, mas também religioso,
um lugar onde pagãos veneravam seus deuses
ancestrais. O tradicional culto pagão coexistia agora na
cidade com os judeus e com uma religião imparável,
até, há pouco, proibida: o cristianismo (Amenábar,
Ágora, prólogo).
Qual a proposta para a O "Em certa fase do seu
compreensão histórica do desenvolvimento, as forças
processo de transição da produtivas da sociedade entram
Antiguidade ao Medievo? em contradição com as relações de
produção existentes (...) De
formas evolutivas das forças
produtivas que eram convertem-se
Marx e Engels em seus entraves. Abre-se, então,
uma era de revolução social. A
Proposição de uma teoria global das transformação que se produziu na
sociedades humanas a partir de uma base econômica transforma mais
compreensão histórica baseada na investigação
de processos econômicos
ou menos lenta ou rapidamente
toda a colossal superestrutura"
(Marx, 1946: 30-1)
Qual a proposta para a
compreensão histórica do
processo de transição da
Antiguidade ao Medievo?
O Quais os elementos de uma
dada formação social haviam
Escola dos Annales (1929) resistido ao tempo e
permanecido habitando o
Temporalidades múltiplas
(mudanças e permanências)
interior da formação
subsequente?
Transição da Antiguidade ao Medievo
O [...] os chamados períodos de transição deixaram de ser objeto
de consenso, haja vista a mudança de enfoque interpretativo do
historiador que deixa de ser ‘acontecimental’ para ser
‘processual’. Logo, a depender do recorte temático por meio do
qual se investiga o passado, ele pode assumir diferentes marcos
temporais (FARIAS JUNIOR, 2022, p. 141)
Como definiríamos os marcos temporais de início
da transição entre a Antiguidade e o Medievo?
O Enfoque político: a deposição de Rômulo Augusto, em 476, pelos
chamados ‘bárbaros’? Ou a divisão definitiva do Império Romano
Ocidental e Oriental em 395? Ou com o emprego mais extensivo do
termo dominus em substituição a princeps para se referir ao
imperador?
O Enfoque religioso: a introdução de políticas pró-cristãs com
Constantino? A partir do Concílio de Niceia (325): Ou da
oficialização do cristianismo autoproclamado ortodoxo pelo Edito de
Tessalônica (380)? Ou, como sustentam os teólogos pelo Concílio de
Calcedônia (451)?
O Entre outros recortes possíveis...
Renovação historiográfica
Peter Brown (1971) Henri Marrou (1979)
Diferentes interpretações sobre a ‘transição’ (séc. III ao VI ou VIII)

Baixo Império Romano (à semelhança de um ‘organismo vivo’)


Princípio de ascensão e queda das civilizações Fase decadente de um período histórico
Retrocesso econômico, político e cultural

Primeira Idade Média


Marcas da medievalidade: fortalecimento do discurso cristão, das relações
Reconhecimento dos traços da medievalidade interpessoais alicerçadas na servidão, nas trocas culturais entre romanos e
germanos e no crescimento das villas (feudos)

Antiguidade Tardia a partir da década de 1970 – Peter Brown e Henri Marrou


Nova concepção sociopolítica do Império – período autônomo
Estabelecimento do Dominato
(particularidades político-culturais)
Antiguidade Tardia

A Antiguidade
Clássica deixa
de ser um De
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Modelos interpretativos à
transição da Antiguidade ao
Medievo
Ralph W Mathisen
UNIVERSITY OF ILLINOIS
Crise, queda ou declínio do Império Romano
Baixo Império Romano

Modelo de Modelo de
catástrofe transformação

Romanos,
cristãos e Primeira Idade Média
germanos: Antiguidade Tardia
oposição ou
integração?
Fundamentos do modelo de
catástrofe

barbárie selvageria rusticidade


Os invasores bárbaros
foram culpados pelo Defende a tese dos
Os bárbaros são concebidos
declínio da produtividade bárbaros como
como selvagens, rudes e
econômica e pela destruidores; condena-se o
iletrados;
destruição da arquitetura e bárbaro por tudo!
da arte romana

As ‘invasões bárbaras’
causaram o declínio e Destruíram a civilização O triunfo dos cristãos e da
queda do Império Romano; clássica e criaram uma barbárie marcaram o
elas destruíram a cultura barreira cultural que deu declínio da civilização
romana; Edward Gibbon início à “era das trevas”; clássica
(1778)
O Tudo o que é romano é bom, tudo que
provém do mundo germânico é ruim e O modelo de
inferior;
O A produção artística e literária do período
catástrofe está
clássico é ‘boa’ e a produção artística da ancorado em
Antiguidade Tardia e do período pós-romano
é ‘ruim’, logo isto seria uma evidência de critérios
‘declínio’.
O Nota-se que as transformações sociais são
subjetivos !!
concebidas como algo ruim. Isso é subjetivo!
Alguém definiu a ‘era dos Augustos’ como É importante perceber que estes
modelo ou padrão civilizacional, de tal forma fatores não se estabeleceram por
que qualquer mudança é vista como declínio. uma suposta destruição bárbara,
O A historiografia também destaca, como marca mas sim porque elas não serviam
de decadência, a diminuição da construção aos mesmos propósitos para os
de prédios públicos tradicionais, como: quais foram desenvolvidas durante
teatros, banhos, templos, mercados e curiae
na Antiguidade Tardia, mas desconsidera o
o Principado.
crescimento da construção de Igrejas nas
cidades e de villas fortificadas nos campos
bem como mosteiros. Observa-se apenas que
uma forma de construção foi substituída por
outra mais adaptada às necessidades de seu
tempo
Nos últimos anos, tem-se observado uma revisão do
‘modelo catástrofe’ que atribuía ao bárbaro e ao
cristianismo autoproclamado ortodoxo as causas
diretas da ‘destruição’ da civilização romana.
O cristianismo, pode ser interpretado como
fator que levou à “queda” ou “declínio” do
Império Romano?
Modelo de transformação
O Evidencia, para além de invasões, processos de integração pacífica e
assimilação de muitos povos germânicos no mundo romano por
meio dos assentamentos de grupos étnicos não-romanos (foedus/
hospitalitas);
O É difícil encontrar muitos exemplos de ‘bárbaros’ realmente
destruindo algo. Os únicos ‘bárbaros’ que se engajaram em atos de
destruição de larga escala foram os Hunos (eles nunca se assentaram
no Império Romano!) Até mesmo o chamado saque de Roma pelos
visigodos (410) causou pouca destruição material.
O Tese: Muitos germanos ajudaram a
apoiar e preservar a civilização clássica,
ou melhor, ajudaram a preservar a
cultura clássica (Ralph Mathisen)
Divisão dos grupos do seminário
O Grupo 01
O Grupo 02
O Grupo 03
O Grupo 04
Referências
O BARTHÉLEMY, Dominique. A cavalaria da germânia antiga à França do
século XII. Tradução de Néri de Barros Almeida e Carolina Gual da Silva. SP:
Editora UNICAMP, 2010.
O ESPINOSA, Fernanda. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sá
da Costa Editora, 1972.
O FARIAS JUNIOR, José Petrucio de. A construção literária dos germanos por
Sinésio de Cirene: marcas de repulsa e integração em De Regno e De
Providentia. Revista Clássica, v.1, 2013, p. 29-53.
O FARIAS JUNIOR, Hipátia de Alexandria: História e Cinema. Belém: Rfb,
2022.
O LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. SP: Edusc, 2005.
O MATHINSEN, Ralph W. Ancient Mediterranean Civilizations: from
prehistory to 640 CE. USA: Oxford University Press, 2014.
O PREDRERO-SANCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média. Textos
e testemunhas. SP: Editora UNESP, 2000.

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