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Proposta de leitura

de
A Travessia – Viagem ao Coração Estilhaçado da Síria
de Samar Yazbek
ou
Percorrendo o Hades

Professora Doutora Luísa Antunes Paolinelli

Aluna N.º 2017120 Laura Alba Moniz Gouveia

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Resumo
Esta é uma proposta de leitura que situa historicamente o território sírio e o seu
contexto actual de conflito bélico e a posição difícil da autora como exilada apátrida.
Em simultâneo coloca em paralelo a narrativa-viagem de uma travessia a um país
destruído pela violência com a descida ao Hades, logo, ao território da distopia, do
desencanto, da perplexidade, da dor, da perda e da amnésia forçada, em que o caos e
a hibridez narrativa se prestam como pano de fundo para a narração da morte e
destruição de uma cultura e de uma identidade multifacetadas recriando o conceito de
epopeia.

Palavras-chave: Samar Yazbek, Síria, inferno, travessia, catábase, anábase, epopeia

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Num mundo em que a humanidade já atravessou várias distopias, uma das
mais marcantes, o holocausto, não deixa de surpreender a violência que o ser humano
exerce sobre os seus pares. Além de vários conflitos que ainda ocorrem num planeta
supostamente civilizado, o caso da Síria tem merecido destaque, não só pelas
incongruências e selvajaria, mas pela invasão de migrantes foragidos, em busca de
exílio. Tal como durante a segunda guerra mundial, com os judeus, hoje várias
migrações forçadas se repetem e os que se deslocam são vítimas arrastadas por
decisões que as transcendem. O Ocidente, com a sua secular mentalidade
hegemónica, em nome do politicamente correcto, trata os países em convulsão como
lugares habitados por seres que podem ser descartáveis, tornando-os invisíveis e
desumanizando-os. A empatia civilizacional que o ocidente teria integrado e
regulamentado por leis acaba por não passar de uma retórica vã e tanto a ONU como
outras organizações mundiais não conseguem gerir conflitos locais nem prevenir e
muito menos deter processos de políticas internas que continuam nos dias de hoje a
transformar zonas de alguns continentes em cemitérios. No caso do povo Sírio, este,
pela voz de Samar Yazbek transformou-se improvisamente no inimigo a abater por
vários interesses homicidas que ultrapassam a esfera nacional.

“O carro conduziu-nos ao longo da fronteira, com a Síria do nosso


lado esquerdo. Eu agora era o inimigo, o meu sangue escorria
quente, cheio de vingança contra todos os assassinos. Eu era um ser
fragmentado, fissurado que se tinha desenraizado a si mesmo e se
adaptara crescendo num novo solo, só para se desenraizar
novamente. Estava em simultâneo à procura de uma identidade e em
fuga de uma identidade. Alguém que vivia em átrios de aeroporto e
em plataformas de comboio, escorraçada, escorraçada para longe
deste lugar. A impossibilidade de ficar atirou-me violentamente para
fora do meu sonho de regressar. Agora, porém, eu estava a tentar
levar-me a aceitar de uma vez por todas que estava a partir para o
exílio. Estava a deixar trás de mim esta terra inundada de ruina,

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conspurcada de segredos e conspirações, pilhada por militantes
saqueadores takfiri. As terras que os sírios tinham libertado com o
próprio sangue, as aldeias e cidades do norte, estavam novamente
ocupadas. Esta já deixara de ser uma terra libertada, e nem sequer
era síria. Os nossos sonhos de revolução tinham sido sequestrados.
Os países poderosos do mundo agora encenavam as suas próprias
batalhas neste espaço, movendo os seus batalhões armadas como
peões, financiando e abastecendo frentes de batalha imaginárias. De
forma completamente pública, a fronteira da Turquia abria-se de par
em par a todos os tipos de combatentes, e a armas que afluíam de
vários lados.” (Yazbek, 2016:301)

Aos que têm a sorte de conseguir escapar do conflito, para sobreviver, na maior
parte das vezes, resta-lhes apenas a memória e a incerteza e a espera, e um processo
interior de reconfiguração do mundo. O ser humano, na sua essência, repete
pensamentos de recusa do horror, para se subtrair a apenas uma parcela de
sofrimento e almejar um futuro, mesmo que incerto, depois de ter perdido tudo.

“[...] Não há mais necessidade de enfeitiçar o passado; já há feitiço


suficiente na realidade. Assim, em vez do nosso falado optimismo,
usamos todos os tipos de truques mágicos para evocar os espíritos do
futuro.
Não sei que memórias e que pensamentos habitam toda a noite nos
nossos sonhos. Não me atrevo a perguntar por essa informação, uma
vez que, também eu, preferia ser uma optimista. Mas por vezes
imagino que pelo menos durante a noite pensamos sobre o nosso pai
ou lembramo-nos dos poemas que amámos outrora.”
(Arendt,2013:9)

A guerra e a destruição do ser humano comportam uma reaprendizagem da memória,


a integração do luto, e um dilacerado processo de transformação interior. A morte e o
sofrimento e devastação que, no caso Sírio, causaram uma explosão que lançou todo

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um povo pelo mundo, começaram por um simples gesto em 2011 – uma
demonstração pacífica que pretendia alcançar alguma abertura por parte do governo
de Bashar al-Assad – e que em breve se tornou num jogo de interesses ditatoriais e de
políticas estratégicas em que os mais afectados foram os cidadãos sírios.

“The Western media report almost exclusively on the refugees and


IS. But the situation is more complicated than that. In 2011 Syria
saw a peaceful protest movement that had support across the
entire population. It called for freedom, justice, the rule of law and
democracy. But the regime stamped out the protests with great
brutality, by means of arrests and massacres – and by stoking
confessional conflict. As a result, the revolution became
militarised. The Free Syrian Army was founded and was very
strong to begin with. But it got no support from the international
community. Even worse – certain countries like Russia, the USA,
Iran and Turkey each pursued their own interests in Syria. Once
Iran and Hezbollah intervened in the conflict under the pretext of
religion there was a religious reaction from the Sunnis. And once IS
appeared on the scene, Syria became a magnet for extremists
from all over the world. IS is the result of the Assad regime′s
brutality.” (Yazbek apud Gosch, 2015:2)

Indiferentes às pressões de instituições internacionais que pretendiam deter o conflito


os vários interesses no terreno mantêm-se até agora. Segundo Hutington
(Ghadbeigy,2020) estar-se-ia perante um choque civilizacional.

“In this crisis, the actors belonging to different civilizations are


involved; on one hand, there is the government of Bashar al-Assad,
terrorist groups like Jabhat al-Nusra, ISIL and Ahrar al-Sham and on
other hand, the United States and its European allies, Saudi Arabia
and some Persian Gulf States, and Iran and the axis of resistance, as
well as Russia and China. Accordingly, given the presence of various

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cultures and religions, it seems that this will make the Syrian crisis a
prelude to a renewed clash of civilizations. [...]Since according to
Samuel Huntington, the foundation of civilizations, religious and
cultural backgrounds, and cultural and religious identities are the
main source of the clash of civilizations. Therefore, the war on
terrorism, the Syrian crisis, the emergence of ISIL and the presence of
the US military and international interventions, the competition of
regional and trans-national powers, is a manifestation of the clash of
civilizations.” (Ghadbeigy, 2020:304-305)

No entanto, tudo leva a crer que o factor impulsionador que mantém este conflito
activo deriva de agendas económicas, mais do que de factores culturais e religiosos.

“The Western media report almost exclusively on the refugees and


IS. But the situation is more complicated than that. In 2011 Syria
saw a peaceful protest movement that had support across the
entire population. It called for freedom, justice, the rule of law and
democracy. But the regime stamped out the protests with great
brutality, by means of arrests and massacres – and by stoking
confessional conflict. As a result, the revolution became
militarised. The Free Syrian Army was founded and was very
strong to begin with. But it got no support from the international
community. Even worse – certain countries like Russia, the USA,
Iran and Turkey each pursued their own interests in Syria. Once
Iran and Hezbollah intervened in the conflict under the pretext of
religion there was a religious reaction from the Sunnis. And once IS
appeared on the scene, Syria became a magnet for extremists
from all over the world. IS is the result of the Assad regime′s
brutality.” (Yazbek apud Gosch, 2015:2)

Entre 2012 e 2013, depois de se ter refugiado em França em 2011, Samar Yazbek fez
três viagens à Síria.

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“The situation in Syria wasn′t as bad in 2012 as it is now. At that time
I thought it would be possible to return permanently to the areas in
the north that had been liberated from Bashar al-Assad′s regime. I
wanted to write about life there and set up some projects for women
and schools. But the situation deteriorated so badly that I had to
leave the country for good in 2013.” (Yazbek apud Gosch, 2015)

Voltaria a casa, na esperança de poder rever o lugar familiar, com projectos que
pretendia pôr em prática, sem ter completa noção do horror com que se iria deparar.

“Este regresso ao meu país natal era tudo aquilo em que pensava e
acreditava que estava a fazer o que estava certo como pessoa com
instrução e como escritora, estando ao lado do meu povo na sua
causa. O meu objetivo era criar alguns projetos de mulheres em
pequena escala e uma organização com o propósito de conferir
poder às mulheres e de proporcionar às crianças instrução. Se a
situação parecesse que se ia prolongar não havia outra escolha a não
ser tentar virar o foco para a geração seguinte. Também estava a
tentar encontrar uma maneira eficaz de estabelecer instituições civis
democráticas nas zonas que se haviam libertado do controlo de Al-
Assad.” (Yazbek,2016:12-13)

Na Turquia visitara um hospital com sobreviventes do conflito, um deles, nomeado nas


páginas iniciais de A Travessia, pretendia, mesmo mutilado regressar para defender o
seu país, o seu lar.

“[...]“home” is conceived as a relationship, characterised as a spatio-


temporal socio-cultural order that creates orientation between
people and their environment. It also includes feelings of security,
belonging, and familiarity acquired through patterns of experience
and behavior.” (Totah,2020:27)

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A ideia de travessia pressupõe um percurso através da chegada a uma
passagem que constitui o espaço – ponte, túnel, abertura, mar, terra, ar – onde
decorre a deslocação, a ultrapassagem dessa «ponte», e a chegada a um lugar
específico de destino.

“Um pequeno buraco tinha sido escavado sob a vedação de arame


que marcava a linha de fronteira, com tamanho suficiente para uma
pessoa. Os meus pés enterravam-se na terra e as farpas laceravam-
me as costas à medida que rastejava através da linha de separação
entre os dois países.” (Yazbek,2016:9)

Implica saber de onde se vem, por onde se vai, e para onde vamos, e finalmente, o
repouso depois do périplo.

“Rápido. Meia hora de corrida – é essa a distância que tens de


percorrer antes de teres atravessado a fronteira com segurança. Corri
e corri até estarmos fora da zona de perigo. O terreno era traiçoeiro
e rochoso, mas os meus pés pareciam leves enquanto corria. O pulsar
do meu coração transportava-me, elevando-me. Ofegante, murmurei
para mim mesma: Voltei! Isto não é a cena dum filme, isto é verdade.
Corri, dizendo em silêncio, Voltei… estou aqui.” (Yazbek,2016:9)

No caso da obra de Samar Yazbek, a narradora que a autora impessoaliza para


se distanciar e também para dar voz aos seus compatriotas «atraiçoados», tanto
sobreviventes como os que jazem na sepultura, não pára: a travessia e a descida ao
cemitério em que se transformou o seu país não acaba.

“Sou a contadora de histórias que reflete acerca das vossas curtas


vidas, que mantém o olhar sobre vós, como costumávamos fazer
naquelas longas noites, quando nos ríamos às gargalhadas, a tentar
adivinhar qual de nós seria atingido pela próxima bomba. Estou a

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fazer isto por vós. Só consigo invocar-vos na minha mente e usar as
vossas histórias para construir pilares que se erguem da terra até o
céu.
Estou a escrever para vós: os atraiçoados.”(Yazbek,2016:5)

E mesmo depois de ter regressado a um país que com o decorrer do tempo se


tem vindo a desvanecer e ter de lá voltado, a sua travessia ainda não acabou. Como
escritora e como apátrida a sua obra reflecte a consciência e responsabilidade social
em denunciar as condições em que se encontra o país. A Travessia: Viagem ao coração
estilhaçado da Síria, relata a sua experiência pelo território Sírio em comunicação com
várias frentes de resistência que ainda sobrevivem no país, ao mesmo tempo que
relata a desolação a que assiste.
Todo o país é um enorme palco de guerra, cemitério de cadáveres de homens,
mulheres e crianças inocentes e de escombros.
Esta travessia percorre cidades e localidades que já não existem e em que
abundam obituários e, numa delas, graffiti, ruínas e túmulos improvisados.

“Mal as cidades eram libertadas as suas paredes eram transformadas


em livros abertos e exposições de arte transitórias. O homem que
fornecia o trabalho artístico nas paredes de Saraquebe era também o
homem que entregava os seus mártires, as vítimas de
bombardeamentos, à sepultura.
– Eu enterro os corpos, – disse-me ele, com as palmas das mãos
abertas enquanto dizia «corpos». – Posso contar-lhe a história de
cada um deles. Mas isso levaria muito tempo. Enterro os mártires de
Saraquebe e pinto as paredes de Saraquebe. Nunca vou deixar este
lugar.” (Yazbek,2016:19)

A Síria como lugar identitário que se possa visitar, considerando o número de


apátridas refugiados por todo o mundo já não existe. A Síria do turismo já não existe.
De acordo com o testemunho do arqueólogo Youssef Kanjou, os danos infligidos ao

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património arqueológico que o país albergava são irreparáveis não só pelo seu valor
histórico, mas também pelo impacto cultural e identitário que terá no futuro.

“Lives and monuments were demolished, disfiguring the identity and


social structures of the Syrian people and causing enormous
damage to their cultural heritage—a heritage that is no less valuable
than human lives, as both intertwine on several levels such as
identity, history, and everyday life. It will take decades for such loss
and suffering to fade and to eliminate its impact on future
generations.
The war raged and, unfortunately, took place in Syria’s most
important cities atop ancient civilizations that represent the essence
and spirit of Syrian heritage. Massive destruction continued until we
reached an equation: the more significant the site, the more
inevitable and barbaric the destruction will be. [...] To mention a
few, Palmyra and Aleppo [...]the archaeological sites of Apamea,
Ebla, Mari, and Cyrrhus [...] have been demolished [...]

The city of Palmyra was once considered the “bride of the Syrian
desert.” Its heart emitted life and beauty and attracted visitors from
around the world with archaeological monuments representing
Eastern culture, Western culture, and the mixed culture of the East
and West [...] The war has destroyed the most important
monuments of Palmyra [...] The city represented the spirit of the
Syrian identity, which integrates multiple ancient civilizations, spatial
and temporal diversity, and ethnic and religious diversity. Palmyra
represents the greatest example of this integration.
The Old City of Aleppo was also a vibrant urban quarter [and]
reflected the Syrian identity with its ethnic, religious, and social
aspects for a long period of time, until the beginning of the war. [...]
[...] The suspension of more than 140 research teams and
archaeological research projects in Syria since 2011 [...] has deprived

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Syrian society and the international community of a wealth of
knowledge about the Syrian identity and human civilizational history
in the Middle East, which in turn will have a negative impact on
future generations.” (Kanjou,2020:322-323)

O que a narradora de A Travessia: Viagem ao Coração Estilhaçado da Síria


retira da viagem são os espectros da antiga vida e história, que agora são meras
evocações, não apenas suas, mas dos seus compatriotas em luta contra vários
interesses.
Os lugares por onde se faz a travessia, nesta viagem interminável, são por vezes,
lugares domésticos que perderam a sua função, e que, ainda habitados, servem de
passagem, como as casas cujas paredes foram esburacadas para serviram de passagem
para os transeuntes clandestinos que se deslocam neste ambiente infernal.
As pessoas, algumas, tentam reproduzir a rotina do quotidiano, anterior à guerra,
como que para assegurar a normalidade no meio do caos, uma forma de manter a
esperança. O comportamento é um eco do passado, mais do que o dia-a-dia
despreocupado.

“O que me surpreendeu quando visitava mulheres, em aldeias


dispersas pela província de Idlib, foi que as suas casas estavam
sempre muito limpas, embora a água estivesse cortada. Elas
pintavam as pálpebras, os seus olhos brilhavam, e apesar da pobreza
o aroma de produtos de limpeza exalava dos seus quartos. Mesmo
nas casas mais pobres, conseguia sentir cheiro a sabão. As mulheres
das famílias mais pobres e deslocadas, as que viviam em casas meio
abatidas e arruinadas, dedicavam um especial cuidado ao espaço que
as rodeava, e andavam constantemente a limpar o pó com trapos
gastos ou a limpar o rosto dos filhos com toalhas húmidas. Temos de
adaptar os nossos padrões em conformidade quando mal possuímos
um tecto sobre a cabeça.” (Yazbek, 2016:18-19)

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As próprias pessoas com quem fala são quase que fantasmas de pessoas, e que
aqui assim são designados pela transformação abrupta que as suas vidas sofreram:
antes do eclodir da violência tinham, a maior parte deles, vidas consideradas normais:
donas de casa, estudantes, pais, avós, famílias, profissionais de várias áreas que de
repente foram obrigados a empunhar uma arma para se defenderem.

“Maysara era um guerrilheiro rebelde que começara por protestar


pacificamente contra o regime de Assad, mas que viera mais tarde a
aderir às armas. Mohammed estava na casa dos vinte e tinha sido
estudante de gestão que, como Maysara, tinha estado envolvido no
movimento pacífico de protesto antes de se juntar à resistência
armada.” (Yazbek,2016:10)

Lugares históricos são evocados com dor e nostalgia por serem irrecuperáveis. Quando
lhe perguntam se escrever se torna mais fácil a sua resposta relata um processo
doloroso:

“People always say writing helps to process pain. In my case it′s the
opposite. The more I write about it, the greater the pain. Everything I
write about becomes part of me. The fires of hell have ignited inside
me and I can′t put them out.” (Yazbek apud Gosch, 2015:3)

O caos e a adversidade que reinam na Síria reflectem-se na sua escrita quando


afirma «Se eu estivesse a escrever um romance» e forçando-se a transformar-se m
observadora forasteira, de passagem, ao território que é o seu lar.

“Mais do que Baudelaire, que se satisfaz com o convite à viagem, é


em Chateaubriand que pensamos, ele que não pára de viajar de facto
e que sabe ver, mas que vê sobretudo a morte das civilizações, a
destruição ou o apagamento das paisagens em que elas brilhavam
outrora, os vestígios decepcionantes dos monumentos caídos. A
Lacedemónia desaparecida, a Grécia em ruínas ocupada por um

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invasor ignorante dos seus antigos esplendores, devolvem, ao
viajante «de passagem», a imagem simultânea da história perdida e
da vida que passa, mas é o próprio movimento da viagem que o
seduz e arrasta. Esse movimento não tem em si mesmo outro fim –
senão o da escrita que o fixa e lhe reitera a imagem.” (Augé,1994:93-
94)

Porque este texto, embora relate situações pessoais e evoque memórias e


vidas que estão em constante mobilidade e alerta, é um documentário, um misto de
texto jornalístico, relato de viagem, diário, e uma distopia textual que expressa uma
distopia real. Pode ser um não-romance porque a narradora afirma não estar a
escrever um romance, como se tivesse de transformar-se noutra pessoa ou tivesse de
relatar um espaço geográfico que nunca foi seu, optando pela via mais penosa, a não-
identificação:

“Se não fosse este processo – de difundir estas histórias – teria


deixado de regressar à Síria, e teria permanecido encasulada no meu
exílio. Mas a minha pretensão para esta experiência era, apesar de
tudo, uma espécie de fraude estética, uma fraude feia que apenas
posso esperar redimir através do meu desejo de compor e narrar, e
de veicular a verdade acerca do que estava a acontecer. Veicular essa
verdade e agora um dos direitos dessas vítimas que morreram pelo
sonho dos sírios de liberdade e de justiça.” (Yazbek,2016:279)

Paradoxalmente, o resultado é a História narrada em primeira mão por


testemunhos fidedignos, e pelo seu próprio punho – contra o desejo da autora-
narradora –, é também o inferno pelo estado de guerra e guerrilha constante, e a fuga
incessante, em que para ver tudo não bastam nem olhos nem ouvidos.

“Tentava fotografar mentalmente tudo o que via, enquanto esticava


a cabeça para fora da janela do carro, distanciando-me
emocionalmente do que me rodeava. A estrada parecia nunca mais

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acabar e percorríamo-la com o baque surdo de bombardeamentos ao
longe. [...]
[...] Olhando fixamente em frente, tentei dar um sentido ao que me
rodeava. Máquinas de destruição. O céu em labaredas. Um carro
solitário que transportava uma mulher e quatro homens, dirigindo-se
através dos olivais para a cidade de Saraquebe.(Yazbek,2016:11)

A narração da violência com os seus contornos visuais e imagéticos e que


descreve sucessivas mortes fica gravada de forma permanente, tornando-se em mais
uma viagem ao mundo dos que se foram, à sepultura mental dos seus compatriotas.

“Conforme conduzíamos através do lusco-fusco para Saraquebe, o


comandante contou-me uma história.
–...encontrámo-lo seis dias mais tarde, – disse ele. – Estava estendido
na mata. Tinha desaparecido a 24 de março de 2012, o dia em que o
exército assaltara Saraquebe. Estava embrulhado e amarfanhado
numa pilha, e deitava um pivete terrível. De longe, o corpo parecia
um trapo velho, atirado ao chão, mas este trapo era na verdade o
corpo de um jovem da família Abboud. Havia muito sangue, porque
apresentava uma ferida profunda no pescoço. Tinha sido degolado
como um animal. As roupas estavam intactas, e tinham uma camada
de pó agarrada. Foi o primeiro a ser martirizado no dia em que o
exército assaltou Saraquebe. Pensámos que tinha sido detido, como
muitos outros, mas de facto estava morto. Para nós, ficou vivo
durante mais seis dias. Talvez isso conte para alguma coisa.”
(Yazbek,2016:00020)

O distanciamento de que Samar Yazbek se serviu para registar os factos da


História que se perdeu só parcialmente é ficcional porque, como já foi dito, a escritora
se desligou da narradora para que esta possa contar a sua perplexidade e é também a
antevisão do que esta obra pode significar no futuro, figurando, na sua hibridez, como
romance distópico, sem ter necessidade de ficcionar para narrar.

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“Tudo o que relato na narrativa que se segue é real. A única
personagem fictícia é o narrador, eu: uma figura implausível capaz de
atravessar a fronteira no meio de toda esta destruição, como se a
minha vida nada mais fosse que o enredo rebuscado de um romance.
Conforme absorvia o que estava a acontecer em meu redor, deixei de
ser eu mesma. Era uma personagem inventada a ponderar as minhas
escolhas, que só era capaz de se manter em movimento. Deixei de
lado a mulher que sou na vida real e transformei-me nesta outra
pessoa imaginária cujas reações tinham de ser proporcionais a
qualquer que fosse o desígnio pelo qual ela vivia. O que é que ela
fazia aqui? Confrontava a existência? A identidade? A justiça? A
insanidade do derramamento de sangue?” (Yazbek,2016:12)

E este processo de distanciamento, deslocação e observação acaba por se


transformar numa forma de catábase. Na antiguidade o processo de catábase e de
subsequente anábase significava, no primeiro caso, uma descida ao reino de Hades, ao
submundo do inferno, e no segundo caso, o regresso correspondia à conclusão de um
itinerário, de um rito de iniciação. Os casos exemplares de catábase e anábase
interessam aqui na evocação da descida aos infernos de Ulisses, no mito de Orfeu, e
também na perspectiva de Santo Agostinho, como processo interior de devastação e
questionamento que este designava como «a noite mais escura da alma», embora se
possam também referir outros exemplos que espelham o processo.

“Some of the main gods and heroes of antiquity also took the journey
of descending into the underworld and returning to the world of the
living in katabasis and anabasis that reflected the cycles of nature.
This was the case of Inanna in Sumeria, Marduk in Babylon, Ra and
Osiris in Egypt, the Cretan Megistos Kouros, the Syrian Adonis, the
Phrygian Atig and agrarian gods Dionysus and Persephone celebrated
in Eleusis. Among the heroes related to the classical period, Heracles,
Theseus, Perithoos, Orpheus and Odysseus performed the katabasis

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with different objectives. In Christianity, Lazarus and Christ himself
descended to the mansion of the dead. In the Renaissance world,
Dante was taken by Virgílio to the different abodes of souls”.
(Resende & Martinez,2020:89)

A perspectiva jungiana permite pistas de compreensão para o processo de luto dos


apátridas sírios e da narração A Travessia: Viagem ao Coração Estilhaçado da Síria, de
Samar Yabek, em que a narradora deambula por um inferno real, que é em simultâneo
espectral, na medida em que o choque e a perplexidade em cenário de morte e
destruição causam conflito e incredulidade. Gustav Jung testou o processo de catábase
e anábase:
“Jung also reportedly performed his own katabasis, which began in a
period of personal crisis. In this sense, when reflecting on this period
of his life, from 1913 to 1915, “Jung described those years in which
he pursued ‘the inner images’ as the most important time in his life”
(BAIR, 2003, p. 330), because, as he himself says:
‘Everything that I accomplished in later life was already contained in
them [...]. My science was the only way I had of extricating myself
from that chaos [...]. I took great care to try to understand every
single image, every item of my psychic inventory, and to classify them
scientifically - so far as this was possible - and, above all, to realize
them in actual life’”. Resende & Martinez, 2020:88)

Em A Travessia: Viagem ao Coração Estilhaçado da Síria Yazbek, ou a sua


narradora ficcional, tal como Ulisses, consegue arranjar maneira de sepultar mais uma
parte do seu país e dos seus compatriotas ou prestar homenagem fúnebre a Elpenor,
os seus compatriotas mortos, falar com Tirésias, personificado nas pessoas que
encontra na viagem, mas encontra a mãe-pátria já morta, a sua Anticleia-Síria, embora
tivesse esperança de que esta não lhe surgisse como fantasma no mundo dos mortos.
É uma descida ao fundo de si, da memória, e ao lugar de horror que na primeira parte
do livro, intitulada “A primeira travessia” começa «às cegas».

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“Nessa altura nem sabia se alguma vez conseguiria escrever acerca
disso mais tarde; de algum modo, tinha apenas partido do princípio
que morreria, tal como muitos outros, quando regressasse à minha
pátria.” (Yazbek,2016:9-10)

“Nessa época, porém, ignorava o que estava para vir enquanto me


apressava monte abaixo, pela primeira vez, com as pernas a
latejarem de dor.” (Yazbek,2016:10)

Desta descida aos fundos do império de Hades mantém o olhar no passado e


no presente e tal como Orfeu regressa sozinha. O seu canto caótico e estilhaçado é um
canto órfico, onde subsiste alguma esperança, embora já não haja lugar aonde
regressar a não ser à memória anterior ao conflito, porque sempre que regressar
nunca vai encontrar o país que outrora existiu, o lugar que a definiu. E o mesmo
acontece com todos os seus ouvintes: os «atraiçoados».

“A Síria que recordava tinha sido um dos mais bonitos lugares do


mundo. Tentei lembrar-me dos meus primeiros anos de infância na
cidade de Al-Tabqa (também conhecida como Al-Thawra) perto da
cidade de Raqqa no rio Eufrates, e dos meus anos de adolescência na
cidade de Jableh na costa, a que se seguiu a cidade de Latakia, a
principal cidade portuária da Síria. Em adulta, tinha vivido sozinha
com a minha filha em Damasco, a capital, durante vários anos,
afastada da minha família, comunidade e laços sectários. [...] Fora
difícil ser mulher numa sociedade conservadora que não permitia
que as mulheres se rebelassem contra as suas leis. Tudo parecera
resistir à mudança. A última coisa que imaginara na minha primeira
visita às zonas rurais do norte da Síria era vê-las a serem destruídas.”
(Yazbek,2016:11-12)

Os constantes regressos de Samar Yazbek não podem ser detidos, e a escritora, pela
sua função de contadora de histórias, transforma-se em cantadora, tal como Orfeu, e
tal como Orfeu, o facto de se virar para trás – que representa o regressar – corrompe a

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memória do passado e torna-o cada vez mais distante e irrecuperável porque para
manter viva a chama do passado é imperativo jamais regressar, e manter a distância.

“The symbolic element of this katabasis would be represented by


the need for detachment. Orpheus’ mistake in Hades was to have
looked back, to have gone back to the past, holding on to the
matter symbolized by Eurydice. “An authentic orphic never
returns. It detaches completely, from the viscous, from the
concrete and leaves to never return” (BRANDÃO, 1987a, p. 144).
Orpheus would not yet be ready for his harmonious and definitive
union with his anima, only through his death, the supreme
sacrifice, he attains liberation. (Resende & Martinez,2020:91)

A ficção de As Mil e Uma Noites é evocada, para servir de contrapeso ao inferno


da narrativa vivida, porque falando de um romance pode-se perverter ou distorcer a
narração do horror vivido.

“– Já voltámos. Vá lá, Shahryar, volta à história.– Disse-lhe eu.


Ele riu-se por lhe ter chamado pelo nome do rei de As mil e uma
noites.
– Não – nós trocámos de papéis: tu és a Xerazade, a contadora de
histórias, e eu sou o escriba. – Acrescentei.” (Yazbek,2016:246)

“Mais uma vez, convidei Raed a fazer uma curta pausa.


– Cá está, beba um copo de água, Shahryar. – Disse eu.
A seguir levantei-me e fiz outro bule de chá. Estava subitamente
cheia de energia e tinha a sensação de que podia ficar acordada mais
vinte e quatro horas. Estava seduzida pela ideia de registar os
testemunhos de toda a gente no país, dos detidos aos ativistas civis e
aos combatentes da linha da frente. Por meu lado, seria a narradora
deste conto. Eu fazia parte de um frágil fio de verdade que tinha sido
obscurecido pela história.” (Yazbek,2016:250)

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“Tinha esperança de que as suas histórias narradas pudessem reparar
toda esta ruína. Na pior das hipóteses, pelo menos o meu
testemunho restaria como prova, como testemunho do que
acontecera, para que nada se perdesse com o vento. E assim agora
era a vez dos emires Abu Hassan e Abu Ahmed adoptarem a voz de
Xerezade das Mil e uma noites – como Raed quando me falara acerca
de libertação de Kafranbel – e eu seria Shahryar, aquele que
consumia os seus contos vorazmente. Mas eu seria um Shahryar de
dois géneros, com um papel duplo: iria escutar, e a seguir voltaria a
assumir a identidade de Xerazade quando por minha vez divulgasse a
narrativa. Por vezes apareceria com um deles e outras vezes como o
outro; por vezes escutaria e por vezes criaria a história.”
(Yazbek,2016:278-279)

Esta evocação do imaginário, que tem origem nesta imensa área geográfica de
que faz parte a Síria, é interpretável como forma de enganar a morte, tal como no
relato ficcionado, uma espécie de mise en abyme através da imagem da sobrevivência
de uma outra narradora ficcionada e pode servir como finalização do processo de
catábase-anábase narrativo, mas não pessoal.

“Como o deslocamento implica a dissolução do lugar antropológico, que é


o espaço onde outrora se estabeleciam as relações de sociabilidade, a
memória é o último laço a atar o sujeito às suas raízes. É pela via da
memória que esses autores promovem a representação do détour,
ou seja, das estratégias que o sujeito migrante desenvolve para
manter vivaa cultura, para preservar as tradições e o idioma natal.
[...] as narrativas sobre os fluxos migratórios também têm em comum a
representação dos eventos motivadores do deslocamento, sejam eles
perseguições religiosas, de natureza étnica, conflitos bélicos ou o
anseio por oportunidades de trabalho. Essas representações
estabelecem um intenso diálogo entre ficção e história, de modo a
produzir um esbatimento de fronteiras que não só se materializa no

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âmbito da diegese, mas também se revela na permeabilidade entre
gêneros literários e do discurso.” (Carreira, 2018:36-37)

Depois de 2013 Samar Yazbek não fez mais nenhuma travessia clandestina. Em
entrevista, quando lhe perguntaram por que motivo se arriscou, a sua resposta foi a
seguinte:
“I was not frightened for myself. Not at all. Why should I be so? This
was my homeland. This is where I had grown up. I spoke the
languages, I knew the people. What did frighten me as time went on,
and as I made more trips, was the way everything I had once known
in Syria was being turned into something else, something I didn’t
quite recognise. This had once been a cosy place, a place of
traditional loyalties and hospitality. But now the people have been
scarred and mutilated. I don’t know whether it will ever go back to
what it was. That is what Assad has done.” (Azbek apud Hussey,2015)

Afirmar que não temia pela sua vida, coloca a autora numa posição de despojamento,
de consciência de perda e destituição do ego, afirmando a sua consciência de uma
nação que se transformou “numa outra coisa”, em algo “irreconhecível”. E embora não
seja culpada da forma alguma pela situação, tal como o povo sírio não o é, pode-se
equiparar a situação de perda e despojamento decorrentes da visão do inferno e
consequente lucidez relativamente à situação de um país que agoniza, ao processo de
crescimento interior de Ulisses, depois de ter subvertido as leis para recorrer ao
submundo dos mortos.
“[...] the most complete katabasis is found in the myth of
Odysseus. In the episode of Nekya, which occupies a central part
of the Odyssey, Martínez calls Odysseus katabasis as a
necromancer katabasis, which is its very essence. After the Trojan
War, Odysseus confronts the gods and because of his hybris
begins a painful journey back home. In the process he will be
depleted of all his possessions and will lose the company of all of
his crew, even his feelings of pride and power will be sacrificed in

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the end. His descent to Hades represents the death of the old and
natural man so to give birth to an enlightened man who no longer
guides his life by the glories of the world.” (Resende & Martinez,
2020:91)

Decorridos alguns anos da publicação de A Travessia, a situação na Síria deteriora-se


cada vez mais:
“The situation has changed fundamentally since 2012. The Free
Syrian Army and many civil society organisations have grown weaker
and weaker. In the meantime, the jihadist military groups have
become stronger. The borders to Turkey have become increasingly
easy to cross for all sorts of fighters and mercenaries. And since the
spring of 2013, Islamic State (IS) has come more and more into play.
Over this entire period, Assad′s troops have continued their shooting
and bombing of the areas that had defied their control, with artillery
and canons, with barrel bombs, rubbish containers,
cluster bombs, and – in the Ghuta region in August 2013 – with
poison gas. The local population was basically wiped out. These days,
the regime carries out attacks from the air while radical jihadists
attack on the ground.” (Yabek apud Gosch, 2015)

Para Samar Yabek, os meios de comunicação, contribuem para a presença contínua


das imagens de destruição do país. Para ela essa presença longínqua é causa de divisão
interior:
“The fact that you′re in constant contact with your home country and
can find out what′s happening there makes exile more difficult. Your
person fragments – your body is in one place, your thoughts and soul
in another. That intensifies the pain and the sense of alienation. In
earlier times it might have been easier to live in exile. Now, you
constantly think of home. As a writer, I get the feeling the modern
media are essentially working against my writing. I haven′t written
any fiction for the past five years. That means I inhabit a special kind

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of exile, as a writer.” (Yazbek apud Gosch, 2015:3)

Na sua opinião, seria necessário acabar com o terrorismo, mas também derrubar o
governo de Assad que assassina a própria população impunemente:

“Of course we need to fight IS. It is a terrorist organisation. But


Bashar al-Assad is a terrorist too. The real problem is the continued
existence of the regime. The people in Syria are fleeing not only IS,
but also Assad′s barrel bombs. When a hundred people or so were
killed by Assad′s bombs in the city of Douma last August it scarcely
got a mention.” (Yazbek apud Gosch, 2015)

Quando lhe perguntam se o estado Sírio se desfez, a resposta de Samar Yazbek


remete-nos para a sua narrativa que descreve o caos:

“Chaos reigns in Syria. There are only certain regions left where
anyone is in charge: the Nusra Front, IS, Hezbollah, the Assad regime,
the Iranians, the Russians – they all have their own sphere of
influence. Most of the activists who began the revolution are now
either in exile or dead. There are only very few regions where they′re
still active. And until Assad stops bombing, there′s no point in talking
about a political solution – which I′m actually in favour of.” (Yazbek
apud Gosch, 2015)

O périplo narrativo deste texto que retrata a distopia pode ser definido como
híbrido, mas, em última análise, pode-se considerar este texto como épico. Uma
epopeia que se forma como percurso exterior e circular – circunscrito
geograficamente, tal como o percurso errático de Ulisses na Odisseia de Homero pelo
Mediterrâneo – mas também como percurso interior de um povo, representado pela
narradora, em que o território físico despoleta processos interiores de constante
descida e retorno, de catábase e anábase, num processo mental de conflito que serve
para gerir o sofrimento causado pela injustiça de apenas ter pretendido um pouco

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mais de voz e liberdade. Ficaram por focar aspectos da narrativa que têm a ver com a
complexidade multiétnica e religiosa da realidade Síria e também a delimitação das
várias fronteiras físicas e económicas de interesses sobre a área. Não é a diversidade
cultural intrínseca ao território que determina o conflito ou que causou divisões. A
própria Samar Yazbek faz parte da comunidade alauita enquanto que os seus
«contadores de histórias» neste périplo circular pertencem a diferentes sectores,
todos unidos perante um inimigo, ou inimigos comuns. Sendo uma narrativa épica
apenas eleva o povo pois o suposto líder é grandemente responsável pelo caos no país.
Caso para dizer que a era dos Titãs da Antiguidade não acabou, e o cenário da guerra
descrito que dura há quase dez anos e que estilhaçou a Síria e a sua identidade só
pode provir de um gigantesco e arquetípico pai devorador, como é o caso de todas as
ditaduras e dos países que as sancionam, independentemente das suas cores políticas,
religiosas e económicas.

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