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Resumo
A Inquisição portuguesa ao longo dos seus 285 anos de atuação passou por
algumas fases institucionais. Essas mudanças se davam, geralmente, de forma
gradativa e conservadora, amoldando-se a processos mais amplos pelos quais o
Reino de Portugal e seu Império ultramarino atravessavam. Os impactos
causados pelo desastre de Alcácer-Quibir, pelo domínio Habsburgo, pela
Restauração de 1640, pelo afastamento de D. Afonso VI e pela consolidação da
Dinastia de Bragança afetaram de alguma forma o funcionamento e o modelo
institucional do Santo Ofício. Apesar das mudanças, a proeminência institucional
do Tribunal da Fé em relação às outras instituições reinóis e ultramarinas
manteve-se em todos esses momentos-chave do Antigo Regime português. O
nosso artigo pretende demonstrar as particularidades de um desses momentos
de reconfiguração do Santo Ofício, chamado de Inquisição Barroca (1681-1760), e
suas relações com a consolidação da Dinastia de Bragança. Para tanto,
organizamos nossos argumentos apresentando de forma resumida os
antecedentes da fase barroca da Inquisição, as particularidades dessa fase, suas
relações com a Coroa e as ambições políticas a diferentes níveis durante o reinado
joanino. A figura de D. Nuno da Cunha de Ataíde é de central importância na
demonstração de que, no ápice de sua forma barroca, o inquisidor-geral se
tornara um homem de Estado e seu ofício eclesiástico estaria cada vez mais
submetido à uma Razão de Estado.
Palavras-chave
inquisição; inquisidores-gerais; portugal; antigo regime
Abstract
The Portuguese Inquisition, over its 285 years of operation, passed through for
some institutional phases. These changes took place, generally, gradually and
conservatively, shaping themselves to the broader scenarios through which the
Kingdom of Portugal was passing through. The impacts caused by the Alcácer-
Quibir disaster, the Habsburg domain, the 1640 Restoration, the D. Afonso VI
seclusion and the consolidation of the Bragança Dynasty somehow affected the
1
functioning and institutional model of the Holy Office. Despite the changes, the
institutional prominence of the Faith Tribunal in relation to others institutions in
the Kingdom or in the overseas domains remained in all these key moments of
the Portuguese Ancien Régime. Our article intends to demonstrate the
particularities of one of these moments of reconfiguration of the Holy Office,
called the Baroque Inquisition (1681-1760), and its relationship with the
consolidation of the Bragança Dynasty. For that, we organize our arguments
presenting in a summarized form the antecedents of the baroque phase of the
Inquisition, the particularities of that phase and its relations with the Crown and
the political ambitions at different levels during the Johannine reign. The figure
of D. Nuno da Cunha de Ataíde is of central importance in demonstrating that,
at the height of his baroque form, the inquisitor-general becomes a man of State
and his ecclesiastical office is increasingly subjected to a Reason of State.
Keywords
inquisition; general inquisitors; portugal; old regime
as minorias sociais então arraigadas à cultura ibérica deram a tônica inicial para
2
Ao longo de sua fase de estruturação institucional, a Inquisição sobrepôs sua
jurisdição àquelas dos bispos e dos superiores das ordens existentes em Portugal,
Fortes enlaces com ordens religiosas foram criados pelo tribunal, que contava
sermões para serem lidos durante celebrações ligadas ao tribunal que, com o
esferas pública e privada da vida secular, como, por exemplo, a venda de armas
ceder espaço aos deveres morais e religiosos. Por fim, Hespanha define que, dentro do modelo
corporativo, os oficiais régios apresentavam uma ampla gama de garantias que poderiam
protegê-los até mesmo contra as ordens reais.
3 O clero era a ordem mais prestigiada dentro da estrutura corporativa durante o Antigo Regime
português, como lembra o historiador José Pedro Paiva (2012, pp.165-166). A ordem clerical não
se restringia apenas aos assuntos da Igreja, pois, sua presença em assuntos políticos era a regra e
não a exceção. Além disso, o clero gozava de foro próprio no âmbito jurídico, lhe era permitido o
privilégio fiscal de cobrar dízimos e de usufruir da isenção de diversos impostos diretos e
indiretos, via de regra, essa ordem estava livre do serviço militar e contava com diversos
privilégios honoríficos próprios. Portanto, a Inquisição não era apenas um ramo entre tantos
dentro da estrutura clerical em Portugal, mas, como salienta José Pedro Paiva (2011, pp.19),
tratava-se de uma instituição central e de estatuto superior no poderoso e alargado campo
religioso português.
3
forte apelo pedagógico, típicos do barroco, o tribunal impôs modelos de
seja, de muitas facetas, “um poder entre outros poderes”, um tribunal que
4
A bem alicerçada estrutura do Tribunal da Fé, organizada em poucas décadas,
deveu-se a dois pontos principais: desde fins do século XV, durante o reinado de
sólida para o tribunal e, com seu prestígio de membro da família real e príncipe
absorção pelo tribunal castelhano, como viu sua jurisdição ser ampliada e
6
Em 1640, após o término do domínio espanhol, a Inquisição portuguesa
agora com novas fontes de financiamento, maior cura com sua imagem tanto
céleres para o Tribunal da Fé. Seu funcionamento, suas relações com os outros
poderes e sua faceta como aparelho ideológico da Igreja e da Coroa são marcadas
por parte dos novos ocupantes. Assim como em 1580, também em 1640 o Santo
4 Jurisdição ampla e composta por diferentes fontes: regimentos, leis, alvarás, decretos e
resoluções régias (direito secular); textos canônicos, concílios, bulas e breves apostólicos (direito
eclesiástico); e um conjunto de praxes, modos tradicionais de procedimento, regimentos e outros
documentos que enquadravam a ação do Tribunal e formavam seus “estilos”, como observou
António Vasconcelos de Saldanha (pp.99, 1992).
5 D. Francisco de Castro foi inquisidor-geral do Santo Ofício português entre os anos entre 1630 e
1653. Foi preso em maio de 1641 sob acusação de tramar um plano regicida contra D. João IV.
Após dois anos de prisão, foi solto e inocentado das acusações, retomando seu posto de
inquisidor-geral com todos os poderes e privilégios do cargo.
7
suspensão do tribunal por ordem papal entre os anos de 1674 e 16816, foram os
eventos mais duros enfrentados pela instituição até então, mas, mais uma vez, o
para uma nova versão que estreitaria ainda mais suas relações com a Monarquia.
delinear saídas concretas para as questões mais urgentes, após duros anos de
decisivo e constante para a tendência de centralização do poder em torno da figura real que
atingiria seu ápice, segundo o autor, no reinado de D. José. I. A teoria política-eclesiástica forjada
nas disputas pela defesa da Restauração foi fundamental para a formação de uma consciência
política de defesa da proeminência do poder monárquico sobre seus aparelhos, incluindo o
Tribunal do Santo Ofício.
8
marginalização diplomática, ameaças internas e tentativas frustradas de
atividades pelo papa deixou danos que levaram ao menos duas décadas para se
cardeal, algo que a instituição não via a um século, desde o arquiduque Alberto
9
XVII e os primórdios do século XVIII, tornava-se menos persecutória e mais
a presença das minorias étnicas e religiosas dos círculos mais altos do poder em
Portugal. O Tribunal do Santo Ofício ganhava nova feição como uma via para a
artesãos.
fanáticos anacrônicos.
10
onde Portugal alcançava uma estabilização econômica alicerçada nas remessas
Outro relevante papel social dos familiares do Santo Ofício dizia respeito à
dentro e fora de Portugal. Esses impressos não surgiram durante a fase barroca
11
No governo de D. Nuno da Cunha de Ataíde no Santo Ofício os sermões
específica dos vários segmentos que a arte e o estilo barrocos produziram, com
estética e forma próprias (Cf. PIRES, 1996, pp.120). O que evidencia uma
XVIII.
esclarecedora.
12
antijudaísmo profundo do século XVII transforma os sermões dos autos-de-fé um
de cismogênese.
Esse “judeu” surgia como um corruptor dos costumes cristãos, uma real
pernicioso na ação, não deixava outra saída à atuação inquisitorial que não fosse
sua extirpação do convívio social. Esse quadro geral era apresentado de forma
pedagógica mostrava-se inútil. Os membros do Santo Ofício, por sua vez, apesar
não viam outra saída que não extirpar esse ser ameaçador do convívio social,
salvação era sempre cego, surdo, mentiroso, imoral em sua essência, inabilitado,
consequentemente, à verdade.
bondosa, sempre pendente ao perdão. Essa estratégia retórica tinha como alvo o
constantemente e incisivamente.
13
O admoestador seguia o ritmo da pregação patética barroca, aonde o apelo
imageticamente fortes.
de-fé, pelo espírito tridentino. Sua retórica não prezava pelo sóbrio ou pelo
racional, mas pela empolação e pela teatralidade. A pregação era um ato artístico-
religioso, sua afetação era bem-vista e apreciada como uma expressão de estética
9 Em relato sobre os culpados de um auto de 1709 escreve Silva (1933, pp.203-204): “Hoje dia de
São Marçal [...] se fez auto da fé no Rossio de Lisboa em que saíram 66 pessoas, em 32 homens,
27 mulheres. 6 relaxados em carne e um em estátua; dos quais os demais avulsos, foram 3 homens
e 3 mulheres por bígamos, um homem por blasfemo e pacto com o demônio, 2 mulheres por
presunção do mesmo pacto e fizeram curas com palavras supersticiosas; duas por fingir
revelações e por falsarias. Um [...] por nome Manoel Pereira [...] morador no terreiro de Vila Nova
da Cerveira, por afirmar com pertinácia proposições heréticas e escandalosas e que eram
aprovadas por Deus Nosso Senhor em visões e revelações que dizia ter e sentir mal do Sumo
Pontífice dogmatista, convicto herege e pertinaz, o qual ajudado com o pacto do demônio apoiava
a sua hipocrisia de sorte que persuadia a seita de Molinos de que a fornicação simples não era
pecado, antes virtude, a que ele exercitou bastante na Beira, igual ao célebre António da Fonseca
de Coimbra que tinha aquele serralho de concubinas; e, além disso, tinha de mais ser ateísta e não
crer mais que no que via, sem fé, sem luz e sem alma [...] Assistiram no alto as Majestades e
jantaram na Inquisição, [...] o fizera no preço de 15 mil cruzados que El-Rey deu para o tal jantar”.
14
Mesmo em seus anos finais, quando veio a apresentar problemas para se
(1709), onde narrou os infortúnios da celebração religiosa da qual fez parte como
fanatismo católico nas mãos de filósofos anticlericais, como foi o caso de Voltaire,
pelo êxtase emocional que o ambiente criava do que por uma possível lógica
15
Esses textos são filhos de uma tradição parenética muito antiga em Portugal
Testamento onde o povo hebreu era criticado por seus próprios pares (Cf.
fundamentação histórica que deve deixar claro o erro dos inimigos da Igreja
compreende os anos entre 1700 e 1730, depois dessa fase os sermões impressos
16
Os sermões, todavia, não eram impressos em sua totalidade. Os textos
tribunal inquisitorial.
tudo indica, no próprio palácio dos Estaos no Rossio, em Lisboa. As listas vieram
a se tornar uma ótima fonte de renda para aqueles que a recebiam em volume.
promotores; 600 para os notários; 300 para os advogados e oficiais, 150 para os
tribunais do Reino, o que indica uma ampla circulação e uma grande demanda
Império ultramarino.
10É importante salientarmos que a Inquisição era um dos três pilares do aparelho de censura de
impressos e manuscritos em Portugal, atuando junto ao Desembargo do Paço e ao Ordinário da
Diocese. Essa estrutura perdurou até 1768 quando se criou a Real Mesa Censória por providência
do marquês de Pombal (Cf. MARTINS, 2005).
17
O inquisidor-geral acumulou diversos ofícios e privilégios durante a primeira
centrais da governança.
jogo político internacional passava por suas relações com a Igreja e o papado. A
11Utilizamos o termo “Inquisição Barroca” tomando como referência a obra dos historiadores
José Pedro Paiva e Giuseppe Marcocci (2013) que preconizou para esta fase institucional da
Inquisição portuguesa o recorte que compreende os anos de 1681 a 1755. Procuraremos enfatizar
as particularidades que marcaram essa fase institucional do tribunal. O termo “barroca” não
busca afirmar que a Inquisição portuguesa refletiu e se deixou influenciar pelo barroco, enquanto
movimento cultural, apenas durante esse período delimitado, mas que, foi nessa fase em que a
influência do “barroquismo” e seu estilo se expressou de forma mais categórica nas atividades e
na forma do tribunal.
18
termos utilizados pela historiadora Sonia Siqueira (2013), apresentava um papel
O Santo Ofício, após um longo período de sede vacante no seu principal posto
Coroa portuguesa.
se estendeu até o ano de 1668 quando se deu a paz com Castela, finalmente, o rei
português voltava a poder indicar um inquisidor para chefiar o Santo Ofício (Cf.
próprio tribunal, o que não era o caso do duque (Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013,
tribunal, que não havia construído carreira em seus quadros, talvez fosse fruto
do trauma que as turbulências políticas que seu pai, D. João IV, havia enfrentado
conturbado e repleto de atritos com a Santa Sé. Além de não dispor da afeição
19
cristãos-novos e de jesuítas apoiantes do padre António Vieira irem à Cúria
referimos anteriormente.
1677, mas desde agosto de 1675 ciente de sua escolha (Cf. PAIVA, 2011, pp.203-
206; 243).
Monarquia, por sua vez, atentou-se para as vantagens que teria ao favorecer a
marcante para delimitar o período de pax nas relações entre monarquia e Santo
Ofício que viria a seguir. D. Pedro de Lencastre sofreu resistência, seu nome não
dinastia.
20
Referendar alguém da estreita confiança real e que contasse com o apoio
inquisidor-geral12.
partícipes das Cortes que decidiram o caso da deposição do rei D. Afonso VI. Seu
grupo político prevaleceu ao votar a favor da regência petrina, mas não pela
coroação direta, o que só viria a ocorrer em 1683, após a morte do rei afastado.
como eram os condes de Figueiró, Sabugal, Vila Maior e Vila Flor. Esse
12 Para José Luís Torgal (1981, pp.254-255) a teoria política-eclesiástica forjada nas disputas pela
defesa da Restauração foi fundamental para a formação de uma consciência política de defesa da
proeminência do poder monárquico sobre seus aparelhos, incluindo o Tribunal do Santo Ofício,
que só seria plenamente cooptado após as reformas pombalinas e a implantação do Regimento
inquisitorial de 1774.
13 Cânones era o curso mais concorrido da Universidade de Coimbra, que contava com os
melhores alunos e onde 90% do corpo discente era metropolitano entre os anos de 1680 e 1690. O
curso, pela natureza de seus conteúdos, era visto como uma oportunidade para aqueles que
ambicionavam cargos na governança.
14 A Universidade de Coimbra foi a instituição mais forte a produzir e a legitimar os quadros
administrativos recrutados pela Coroa, Igreja e Santo Ofício, o merecimento acadêmico traduzia-
se como um símbolo de preparo para a governação e de sabedoria administrativa das elites.
Desde a fundação do Santo Ofício português no século XVI que se formou uma estreita
colaboração, com alguns casos isolados de conflitos, entre o tribunal da fé e a universidade
conimbricense. Muitos foram os deputados, promotores, inquisidores-gerais e membros do
Conselho Geral do tribunal oriundos dos bancos universitários dessa instituição. A Universidade
era um dos sustentáculos do poder central e da política oficial e os cargos universitários poderiam
abrir um amplo leque de oportunidades de carreira em tribunais superiores, em altos postos
eclesiásticos e na administração central (Cf. RAMOS, 1997, pp.388; SUBTIL, 1997, pp.945-947;
MAGALHÃES, 1997, pp.973).
21
Metropolitana Sé de Évora e, na mesma cidade, iniciou sua carreira no Santo
em seguida foi nomeado bispo de Lamego pelo mesmo rei, dignidade que
cardinalício16 pelo rei D. Pedro II e confirmado por Bula de Inocêncio XI17, evento
15 Nas palavras de Banha de Andrade (1981, pp.96), o sumilher da cortina era: “Reposteiro
encarregado [...] de correr a cortina dos aposentos reais”. O sumilher era, portanto, alguém de
confiança a serviço da Casa Real, segundo o padre Raphael Bluteau (1789), tratava-se de um
eclesiástico de primeira categoria e de origem fidalga, alguém que teria o privilégio de ter contato
próximo com a figura real diariamente.
16 O padre José de Castro (1943, pp.17-28) chama de “cardial nacional” os cardeais eleitos a pedido
dos príncipes católicos. O historiador explica que o papa Celestino V em finais do século XIII
permitiu que governantes católicos indicassem nomes de confiança para o chapéu cardinalício.
Por volta do século XV a interferência temporal na escolha foi questionada pelos papas Martinho
V, Eugênio IV e Nicolau V, apenas no papado de Xisto IV as indicações temporais voltaram a ser
aceitas, embora não completamente. O rei de França, Luís XI, exigiu de Xisto IV que só elegesse
purpurados simpáticos à sua pessoa. O Imperador Carlos V exigiu o mesmo privilégio ao papa
Júlio III. Finalmente, em fins do século XVI, Xisto V procurou formalizar a situação elevando o
número de cardeais de 40 para 70 e dividindo as cotas de indicações para as cadeiras vacantes.
17 Benedetto Odescalcchi nasceu em Como em 1611, oriundo de uma família ilustre da Lombardia.
Foi educado por jesuítas e finalizou seus estudos em Roma e Nápoles. Obteve rápida ascensão na
Cúria Romana, alcançando aos 34 anos o posto de cardeal. Foi eleito papa após o conclave de
1676. O pontífice criou uma comissão para averiguar os perfis dos candidatos ao chapéu
cardinalício e manteve boas relações com Portugal, ao longo do reinado petrino. O rei português
foi atendido pelo Papa Inocêncio XI ao pedir permissão para que se erigisse várias Igrejas na
América portuguesa. Criou, no território do Brasil, os bispados de Pernambuco, Maranhão e
Grão-Pará. Foi também Inocêncio XI que pôs fim à suspensão do Santo Ofício português. Por sua
vez, o papa foi atendido quando recorreu a Portugal para conseguir auxílio financeiro durante o
conflito com o grã-turco Maomé IV em 1683. Esta ajuda financeira de Portugal à Santa Sé ajudou
na eleição para cardeal de D. Veríssimo de Lencastre, indicado por carta diretamente pelo rei D.
Pedro II a Inocêncio XI.
22
marcante no reinado petrino, pois havia muitos anos que Portugal não contava
Com a coroação de D. Pedro II, em1683, e com a estabilidade política que disso
projetos para o Reino e para o tribunal, que retomou suas atividades em 1681 e
dinastia18.
réus após sentença, permitia que os réus escolhessem seu procurador (que
deveria ser aprovado pela mesa) e lhes era autorizado agora ter conversas em
18A proximidade e confiança que D. Veríssimo de Lencastre gozava junto a Dinastia de Bragança
atesta-se na sua constante presença em celebrações públicas e conselhos políticos próximos do
rei. Um exemplo de seu prestígio pode ser visto nas exéquias do rei D. Afonso VI, que deveria ser
realizada pelo arcebispo de Lisboa, porém, este se encontrava doente e incapaz de realizar a
cerimônia, para seu lugar foi convocado o inquisidor-geral. Para além das exigências rituais e
sociais protocolares a que eram obrigados a cumprir os inquisidores-gerais em Portugal, somava-
se agora o fato que, com D. Veríssimo de Lencastre, a Coroa podia contar com uma figura próxima
à Corte e que nutria lealdade à figura real (Cf. CASTRO, 1943, pp.21).
23
Como político, D. Veríssimo de Lencastre era membro ativo do Conselho de
Tanara, a Santa Sé alertava para seu peso junto ao rei. O inquisidor-geral unia
entrava em atrito com o grupo que contava com o conde de Ericeira, o conde de
que mais influência apresentava junto ao rei (Cf. CASTRO, 1943, pp.35-43).
Após sua morte, em 1692, foi indicado para assumir como inquisidor-geral
em seu lugar, o seu irmão, frei D. José de Lencastre, então bispo de Leiria e,
Remédios.
secretário de Província de sua Ordem e em 1656 foi enviado a Roma para tratar
Condestável.
Após seu mestrado em Teologia, o papa Alexandre VII o indiciou para prior
do Mosteiro dos Carmelitas em Roma, mas o frei declinou. Em 1666 foi eleito
19D. José de Lencastre não era a primeira opção para o cargo de inquisidor-geral, a primeira opção
renunciou a oferta, tratava-se do arcebispo de Braga, D. José de Meneses. D. José de Lencastre foi
o segundo e último clérigo regular a ocupar o posto máximo da Inquisição portuguesa. O
primeiro clérigo regular a sê-lo foi o primeiro inquisidor-geral português, o frei D. Diogo da Silva,
em 1536 (Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.284).
24
assistente geral das Províncias de Portugal e Espanha, com o título de provincial
da Dácia. Em seu tempo em Roma, firmou amizade com então cardeal e futuro
Adentrou o Conselho de Estado apenas em 1704, após mais de dez anos como
inquisidor-geral, o que evidencia seu frágil trato político. Assim como seu irmão
uma Corte que não lhe era amistosa (Cf. LOURENÇO, 2010, pp.292).
estrangeiros não católicos seriam analisados de acordo com cada tratado firmado
com o país de origem do indivíduo (Cf. BRAGA, 2017, pp.234), o que evidencia
com alguém que apresentasse boa fama na Cúria romana e que auxiliasse nos
diálogos e nas negociações entre Portugal e a Santa Sé, o que justificaria a escolha
do Santo Ofício, não alcançando êxito nos grandes projetos delineados então,
25
O substituto do frei carmelita foi outro familiar seu, um primo. Entretanto,
3. O inquisidor-barroco
Coimbra (1692) e deputado no tribunal de Lisboa (1693). Em 1700 foi alçado por
Oriundo de uma das famílias que lutaram pela ascensão da Casa de Bragança
ao trono, o jovem Nuno da Cunha de Ataíde contou com uma ampla rede de
eclesiástica.
cavaleiro noviço em 1696 e em 1702 tomou posse como deputado da Junta dos
Três Estados. Em 1705 foi indicado ao bispado de Elvas, convite que declinou,
26
Na data de 14 de setembro de 1705, D. Nuno da Cunha de Ataíde foi
Vários foram os empossados nesse ofício que o acumulou com outros ofícios
eclesiásticos (Cf. BNP, cx.177, mss, cx.177, n°3, f.8, 17(?)). O fato de dois
uma cada vez mais íntima relação entre a Monarquia e o governante do Santo
Ofício22.
20 Assim descreveu João Soares da Silva a posse de D. Nuno da Cunha de Ataíde ao lugar de
capelão-mor: “com fogos e músicas, na véspera e dia, e toda a demonstração plausível; que lhe
repetiu toda a Capela até em sua casa, e lhe assistiu toda a corte comp[?] agrado de Sua Alteza 26
de Setembro” (SILVA, 1933, pp.48).
21 Nas palavras de José Soares da Silva (1933, pp.47), ainda durante o velório de D. José de
Lencastre, D. Nuno da Cunha de Ataíde pediu ao ainda Infante D. João que interviessem junto
ao rei D. Pedro II para nomeá-lo capelão-mor.
22 Um caso típico dessa convivência íntima entre família real e capelão-mor pode ser visto quando
o frei D. José de Lencastre chegou a ser consultado para que conseguisse uma ama de leite de
“sangue limpo” para os filhos de D. Pedro II. A ama de leite acatada foi uma que era casada com
um familiar do Santo Ofício, o que servia para credenciar sua habilitação à função (Cf.
MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.254). Com D. Nuno da Cunha de Ataíde essa relação tornou-se
ainda mais próxima. O inquisidor-geral era presença constante em viagens da família real para
tratamentos de saúde, caçadas e afastamentos para descanso. D. Nuno da Cunha de Ataíde
também participou como celebrante ou como um dos negociadores de casamentos, batizados e
celebrações fúnebres que envolviam a família real. Além disso, o inquisidor-geral foi consultado
sobre o destino que deveriam ter os filhos ilegítimos de D. João V, auxiliou a Rainha no despacho
por diversas oportunidades e costumava organizar jantares no palácio da Inquisição onde a
família real costumava se fazer presente (Cf. LISBOA, MIRANDA e OLIVAL, 2011, pp.113;
JÁCOME, 2020, pp.273).
27
apenas D. Nuno da Cunha de Ataíde e o frei D. José de Lencastre chegaram a
construção do laço afetivo que manteve ao longo de toda a vida com o infante e
portuguesa, D. Nuno da Cunha de Ataíde também foi bispo. Foi eleito para o
23 Sobre a ligação entre D. João V e D. Nuno da Cunha de Ataíde, lamentava o famoso embaixador
D. Luís da Cunha em suas Instruções Políticas, comentando sobre a parca possibilidade de ver
atendidas suas instruções para remediar os problemas do Reino (entre esses problemas estava a
Inquisição) devido a educação recebida pelo rei: “um quase insuperável obstáculo: a saber, o da
educação que se deu a El Rei Nosso Senhor, porque sendo príncipe, foi o senhor D. Nuno da
Cunha, hoje inquisidor-geral, e então deputado do Santo Ofício, o que, para ganhar sua graça, lhe
foi inspirando como santas, justas, e infalíveis, as máximas daquele tribunal, sem lhe insinuar as
objecções que elas sofriam; antes lhe exagerava somente o grande merecimento, que teria diante
Deus, de preservar a sua santa fé, aniquilando o judaísmo, de sorte que estas impressões dadas e
recebidas em tão tenra idade ficam indeléveis; e o que é mais é, que honrando o dito senhor os
autos-de-fé com sua real presença, autoriza e qualifica o procedimento dos inquisidores; o que
Filipe V, depois de subir ao trono de Espanha, nunca quis fazer, antes sai de Madrid // todas as
vezes que se faz aquela celebridade; mas o que mais me admira, é que El Rei N.S. queira ver as
execuções, como se aqueles miseráveis não fosse seus vassalos. Tal é a força da criação [no sentido
de educação], que faz perder os sentimentos de humanidade, e tais foram também as ideias que
se deram (ainda que gloriosas) ao rei D. Sebastião a respeito dos maometanos, com os quais se
perdeu a si mesmo e a todos nós” (Cf. CUNHA, 2001, pp.266-267).
24 Alguns inquisidores-gerais mantiveram o governo de sua prelazia com o ofício inquisitorial,
de 1706.
28
mesmo ano, o que parece sinalizar sua preparação para o cargo máximo da
Inquisição portuguesa.
ter exercido qualquer bispado no Reino, questão ultrapassada por sua ordenação
ao bispado-titular de Targa.
estima que o rei, D. João V, atribuía a ele (2013, pp.288). Contando então com 43
seu valimento mais regalias do que qualquer outro já o havia feito nas mesmas
que marcava suas aparições públicas junto à família real e a ostentação presente
D. João V.
26Assim relatava João Soares da Silva (1933, pp.105) em sua Gazeta: “O capelão-mor, já tirou mais
do seu valimento, o ter no coro da Capela Real, uma cadeira de espaldas, com sitial e pano, e
outra cá fora, rasa, mas também coberta, o que uma, nem outra coisa teve, ou logrou jamais
nenhum, nem ainda o cardeal, Luís de Sousa, com toda a grandeza, poder e soberania”.
29
Essas aparições eram atos políticos que deveriam retratar a generosidade
marquês de Alegrete.
27O agente francês inserido na corte de D. João V reconhecia a forte influência de D. Nuno da
Cunha de Ataíde junto ao rei, o colocando entre os favoritos e pessoa mais próxima do rei naquele
momento, porém, em mais de uma oportunidade, em sua correspondência ao marquês de Torcy
entre 1713 e 1714, o agente descreveu D. Nuno da Cunha de Ataíde como alguém de formação
precária para desempenhar as importantes funções de governança que ocupava e para usufruir
do prestígio que contava junto ao rei, além disso, o agente francês descreve a ascensão de D. Nuno
da Cunha de Ataíde dentro da Corte joanina como um golpe de sorte, ao afirmar: “Era um simples
abade da casa de Tristão da Cunha, da pequena nobreza, quando o Rei, que era então Príncipe
Real, lhe tomou amizade por ter resignado em seu favor a um benefício eclesiástico e que o Rei
ofereceu a um padre da capela real que lhe era afeiçoado. Introduziu-se tão bem no ânimo do Rei
que até agora ninguém possui mais a sua confiança que ele.” A má disposição de Viganego em
30
Ataíde, os arcebispos de Lisboa e Évora, o duque de Cadaval e os condes de
nobres titulares que cercavam o rei no início de seu governo, muitos eram
construir a imagem de D. Nuno da Cunha de Ataíde ao seu correspondente pode ter fundamento
nas posições contrárias aos interesses franceses que o cardeal costumava se colocar. O então
capelão-mor ajudou na reintegração ao Conselho de Estado de seu padrinho, o conde de Castelo
Melhor, figura que costumava se posicionar contrariamente aos interesses franceses em seus
pareceres. Havia também a indisposição do cardeal para com o duque de Cadaval, visto como
um membro influente do “partido francês” dentro da Corte e que tinha no cardeal um opositor
no Conselho de Estado (Cf. VIGANEGO, 1994. pp.128; 143-144).
28 São inúmeros os casos que confirmam a formação de uma ampla rede de nobres titulares em
31
A configuração das secretarias no início do reinado de D. João V formava-
Não há uma delimitação clara de sua função de despachante, bem como não há
para pagamentos de soldos ou tenças de militares, entre tantos outros temas, dos
32
mais variados, que compunham o vasto leque consultivo em que deveria
Não havia uma delimitação clara e personalizada dessa figura na Corte joanina.
máxima autoridade após o monarca. Uma espécie de número dois, que gozava
33
A figura do privado, como a do valido, era a de um agente da estreita
ministro não centralizava tais poderes em si, mas dividia-os com outras figuras
34
auxiliar o governo continuava a se apresentar sob parâmetros substancialmente
seria fruto de um “pacto social” entre indivíduos que formariam a communitas civitas ou res
publica. A função desse pacto seria procurar criar as condições necessárias para a corporificação
de uma unidade ordenada, onde os indivíduos exerceriam seus papéis sociais em torno do bem-
estar geral (material), que seria a finalidade do Estado. A salvação da alma (espiritual), fim último
do homem, deveria estar a cargo da Igreja. (Cf. TORGAL, 1981:6-8).
35
institucionais para realizar a concepção jurisdicional do poder político e
ordem jurídica, essa, por sua vez, entende por justiça o zelo pela manutenção das
12-18).
esferas religiosa, administrativa, política e econômica não era claro ou visto como
Cunha de Ataíde, não existia clara divisão entre o direito, a religião e a política.
D. Nuno da Cunha de Ataíde não fizera dele um burocrata tecnicista, tal visão
36
seria anacrônica e incompatível com os fundamentos do modelo tradicional 31 de
orientado por uma razão de Estado, onde a religião surgia como um elemento
norteador.
geral. O Brasil, por exemplo, era alvo frequente de consultas por parte dos
31 Por “modelo tradicional” Ângela Barreto Xavier e António Manuel Hespanha entendem um
dos modelos mentais existentes entre os séculos XVII e XVIII que a sociedade de Antigo Regime
elaborou para se autocompreender, classificar, hierarquizar, justificar suas estruturas e
dinâmicas. O “modelo tradicional” rivalizava com o que os autores chamaram de “modelo
moderno” ou “pós-cartesiano”, que procurava entender os movimentos sociais, suas dinâmicas
e estabilidades, através da externalidade de suas materialidades. O universo intelectual dos
pensadores do poder, do Estado e do direito, em ambos os modelos, não enxergava clara divisão
entre teologia moral, direito e política. Juristas e teólogos compartilhavam basicamente o mesmo
universo literário. Esses paradigmas doutrinais da sociedade e da política concorreriam entre si
de forma mais acirrada até pelo menos a segunda metade do século XVIII, quando os adeptos do
modelo tradicional seriam sobrepostos pelos adeptos do modelo moderno dentro da burocracia
estatal e em grande parte dos espaços acadêmicos e intelectuais. Os defensores do modelo
tradicional passaram a contrastar de forma mais aguda com os pensadores modernos, suas
leituras persistiam no cultivo das doutrinas tardo-medievais e pré-modernas, enquanto
rechaçavam autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Tácito, materialistas, epicuristas e,
posteriormente, jacobinos (Cf. XAVIER e HESPANHA, 1998, pp.113).
37
Em parecer de 8 de março de 1712, o inquisidor-geral escreveu ao rei sobre
para o escoamento do ouro das Minas Gerais. O então capelão-mor alertava que
o nível dos candidatos a assumir o governo do Rio de Janeiro fosse alvo de maior
defesa local, melhorar o nível dos soldados e desencorajar a invasão da praça por
escrevendo:
38
soubemos defender o que com grande facilidade podíamos
conservar” (ANTT, TSO, CG, liv. 201).
Cunha de Ataíde pede para que se alertassem aos governadores das províncias
internacionais, dos quais Portugal era signatário. Nesses tratados permitia-se aos
colônia. No mesmo documento o cardeal exigia ainda que fosse ordenado aos
32O cardeal afirmou em outro parecer: “Sem Brasil não se pode conservar este Reino”. No início
do governo joanino, o Brasil já se apresentava como lugar central para as ambições portuguesas,
desbancando os territórios ultramarinos na Ásia, que ainda ocupavam boa parte dos esforços
portugueses em nível diplomático, principalmente nas tentativas de retomada do prevalecimento
do Padroado português na região e sobre as questões dos ritos chineses. Todavia, em termos
econômicos, o Brasil começava a despontar como território-chave para financiamento dos
projetos reinóis, graças às remessas do ouro e das pedras preciosas descobertas nos fins do
reinado petrino. Apesar da centralidade econômica que o Brasil e seu ouro começavam a
representar, a elevação do território brasileiro a vice-reinado só ocorreria com a mudança da
capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. Contudo, é preciso ressaltar que, após a ida
do marquês de Angeja para o governo do Brasil, apenas nobres com titularidade foram nomeados
para o cargo e, mesmo sem a elevação efetiva do território a vice-reinado, todos o foram com
patente de vice-rei, com exceção do conde de Vimieiro (Cf. ANTT, TSO, CG, liv. 191, f.18).
39
residentes no Brasil a pressionar a Coroa para abrir o comércio local às nações
amigas.
desse comércio. Na continuação da carta, o cardeal pedia ao rei que avisasse aos
Essa não era a primeira vez que o cardeal tomava uma posição dentro dos
colônias.
Para o cardeal, essa abertura significava um risco para o Reino, pois poderia
segundo ele, era o principal gênero português e responsável pela pequena parte
33O cardeal era figura próxima da Casa de Ericeira e foi influenciado pelas teses mercantilistas
do 2º conde de Ericeira, que defendia o desenvolvimento da manufatura e das grandes oficinas
em Portugal. A política desenvolvimentista foi desmantelada quando as primeiras remessas de
ouro do Brasil começaram a chegar no ocaso do reinado petrino, o que mudou os planos de
investimentos e os desenhos da produção em Portugal ao longo do século XVIII, ao menos até o
período pombalino. Sobre o tema ver: LAINS, Pedro e SILVA, Álvaro Ferreira da. História
Econômica de Portugal (1700-2000). Volume I – O Século XVIII (Lisboa: Imprensa de Ciências
Sociais, 2005).
40
externo o cardeal acompanhava de maneira muito próxima o desenrolar das
Essa atitude era pautada por uma postura secularizada, afastada das antigas
aos olhos de cardeais, burgueses e nobres oriundos de várias nações, que D. João
Reino e de seu Império ultramarino, a dirigir seus esforços para onde parecia
41
mais seguro em conservar seus territórios e sua soberania. Foi deste modo que
1580.
da Cunha, entre outros, após uma série de complexas tratativas, definiu-se que a
Províncias Unidas contra Luís XIV e seu neto, pretendente do trono espanhol, o
duque de Anjou34.
como consultor das movimentações diplomáticas, mas o peso maior nessa área
Sobre o conflito ver: CARDIM, 2017; CLUNY, BRAZÃO, 1980; MONTEIRO, CARDIM E
34
CUNHA, 2005.
42
Todavia, não pesava apenas nas costas do secretário de Estado o recebimento
durante boa parte do primeiro quartel do século XVIII cartas com conteúdo de
Junta dos Três Estados o ministro participava como consultor para a adscrição de
pela Europa.
Sucessão Espanhola.
35Conforme podemos verificar nos livros 87 e 291 do ANTT, TSO, CG. Em 1708, Nuno da Cunha
de Ataíde e Melo foi consultado sobre o envio de ministros, embaixadores e enviados para as
seguintes cidades: Embaixador-Extraordinário para Roma (1708), Enviado para substituir D. Luís
da Cunha para Londres (1709); Embaixador para a França (1713); Ministro para a Inglaterra
(1714); Embaixador para Castela (1715); Embaixador para Viena (1715);e Enviado para Holanda
(1719). Na hierarquia dos ofícios diplomáticos, os representantes de primeira ordem eram os
Embaixadores Ordinários e Extraordinários. Esses representantes de primeira ordem eram
nomeados para representar o rei de forma temporária em uma missão em alguma corte
importante no cenário continental, costumavam aparecer em solenidades importantes que
requeriam amplo conhecimento dos ritos e etiquetas, tais como: batismos de príncipes, funerais
reais, coroações, etc. Ministros plenipotenciários e Enviados eram tidos como representantes de
segunda ordem nas missões, geralmente, esses representantes eram acionados em missões que
exigiam maior tecnicidade e sigilo. Os representantes de terceira ordem eram os: Residentes,
Agentes e Cardeais, que costumavam fazer representações para a Coroa portuguesa em
negociações internacionais. Diplomatas de segunda e terceira ordem chefiavam quase 80% das
missões portuguesas (Cf. CARDIM, MONTEIRO e FELISMINO, pp.288).
43
ministro a par da situação dos regimentos e fortificações que faziam fronteira
possível tratado de paz com Castela. O remetente dizia ter recebido ordens dos
da Paz com Castela. Às 9 horas o rei foi à Capela Real onde assistiu ao Te Deum
do conflito.
36D. Luís da Cunha serviu como um verdadeiro “oráculo” para a diplomacia portuguesa na
primeira metade do século XVIII. A correspondência oriunda de várias partes da Europa
remetidas por diversos agentes portugueses espalhados pelo continente era remetida para
agentes do cume da política cortesã, como o cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde e o secretário
de Estado, Diogo de Mendonça Corte-Real, além de membros-chave do Conselho de Estado,
como o duque de Cadaval e os marqueses de Alegrete e Abrantes. Os agentes cortesãos
reenviavam cartas com dúvidas e variados pedidos para o diplomata português e este, distribuía
correspondência a todos emitindo impressões e traçando estratégias. Entre os seus destinatários
mais recorrentes estava o ministro do Despacho Universal.
44
Todos os elementos das festividades pela paz foram organizados pelo cardeal
apoio inglês.
O projeto que deu a Portugal, em cenário mais amplo, uma posição de nação
autônoma e partícipe ativo dos jogos políticos entre as potências europeias, teve
seu início com a Restauração de 1640, conquistou as bases desse projeto com a
veemência após o conflito, tais como: a falta de uma burocracia mais centralizada
2017, pp.440-441).
discreta e, após 1725, deixou de ser convocado. As reformas mais sérias só viriam
45
realizadas em Castela, mas mais gradual, com o lento afastamento político das
maio de 1719, teceu uma série de instruções sobre variados temas que deveriam
ser analisados pelo rei, entre os pontos estavam as velhas preocupações com as
causa lusitana para reaver seus direitos na Ásia. Um dos pontos centrais da
portugueses para que eles executassem os decretos dos ritos chineses, todavia, a
que não via razão para que Portugal enviasse seus bispos. A Coroa portuguesa
apelava à Santa Sé baseada nas bulas de Inocência XII que confirmavam seu
46
apoiava o decreto contra os ritos chineses, desconfiavam que o decreto
portugueses:
A questão era difícil e o cardeal sabia que Roma não iria abrir mão de
envio das faixas bentas para o filho primogênito de D. João V em 1714, a eleição
proteção obtida dentro do colégio cardinalício dos cardeais Conti (antigo núncio
47
A trajetória meteórica do inquisidor-geral não se deveu apenas aos laços
afetivos que preservava junto ao rei antes mesmo do seu reinado, mas também
Acreditamos que D. Nuno da Cunha de Ataíde era uma figura cotada para
inserção cada vez mais aguda nos assuntos de governança e suas atividades
além do mais, não seria sensato dispô-lo para uma função que exigiria plena
mais alargadas.
O ano de 1720 assistiu as relações entre Portugal e Roma sofrerem uma série
pp.43):
48
Apesar dos problemas com o pagamento dos quindênios dos padres
D. João V não se furtou em enviar seus cardeais para o primeiro conclave após o
Eram quatro os partidos formados para esse conclave. Havia o grupo dos
dois grupos da Cúria; os outros dois partidos eram políticos: o partido imperial,
O grupo clementino, ligado à Cúria, era um dos mais fortes, pois, dos 68
cardeais vivos naquela data, 54 haviam sido eleitos por Clemente XI (o conclave
partido curial, o partido dos zelanti, era pequeno e de pouca influência, liderado
49
A indecisão e o perfil heterogêneo dos partidos curiais abriram espaço para a
conclave, em muito tempo, onde a Corte Imperial não contaria com o apoio de
Castela e havia a sensação na Cúria que os partidos curiais eram mais propícios
ao partido Bourbon.
rápido e deixaram claro quem eram seus candidatos. O Imperador enviou suas
instruções sobre quais cardeais deveriam ser excluídos do seu apoio e alertou ao
cardeal Althan para que sondasse os cardeais apoiados pela Polônia e por
Portugal.
apoiar, mas o atraso de seus cardeais impediu que qualquer partido do conclave
Decidiu-se, então, de forma unanima, que o novo papa deveria ser um cardeal
“di età decrepita” o que, segundo Petrucelli, favorecia aos imperiais, que contavam
Barbarigo também eram apostas fortes. O cardeal Conti era, nas palavras de von
50
“well known for his adroitness and skill in secular affairs; he
belonged to a distinguished family which in the past had given
many popes to the Church. As a nuncio in Portugal and
Switzerland he had gained both experience and friends; the
Emperor also held him in respect. As his connections with Lisbon
carried little weight, France also kept him in view”.
Contra Conti pesava sua frágil compleição e não era considerado tão idoso
Paulucci, por ter sido secretário de Estado de Clemente XI e Albani por sua
Michelangelo Conti foi eleito papa no dia 8 de maio de 1721, dia do seu
chegaram a tempo em Roma. A eleição de Conti pode ser vista como uma vitória
para Portugal, pois esse cardeal era o protetor da Coroa lusitana em Roma. O
51
apesar de, quando núncio em Portugal, Conti influenciou a Coroa lusitana contra
os planos de Luís XIV e do seu neto, o duque de Anjou, futuro Filipe V de Castela.
D. João V contava com grande apreço junto ao novo papa, que escreveu de seu
próprio punho uma carta para o rei português com congratulações e garantindo
a extensão dos efeitos da Bula da Cruzada por mais seis anos. O rei português
audiência pelo novo papa, antigo núncio em Portugal por doze anos, uma
desfrute dos luxos de seus aposentos e da vida social intensa da Cidade Eterna,
37Sobre a intensa e festiva agenda dos representantes portugueses em Roma, escreve Marília de
Azambuja Ribeiro (2019, pp.43-73): “Os cardeais portugueses que chegaram a Roma no final de
maio de 1721 logo se associaram ao embaixador português na organização de inúmeros eventos
que marcam os anos do pontificado de Inocêncio XIII. [...] Este ano foi também marcado pelo
apogeu do mecenato teatral dos representantes da corte joanina em Roma. Ainda que durante a
década de 1710, o marquês de Fontes já havia patrocinado dois espetáculos em honra da
monarquia portuguesa que tiveram lugar em seu palácio nos anos de 1713 e 1714 e que os
testemunhos escritos desses eventos tenham chegado até nós graças a dois libretos impressos por
Girolamo Rabetti, na cidade italiana de Lucca, nada se compara ao mecenato músico-teatral
52
Em Roma, o mecenato sumptuoso e furor público nas aparições38 do
Sé. É nesse contexto que D. Nuno da Cunha de Ataíde abriu espaço, por exemplo,
RIBEIRO, 2019).
ordens de D. João V para obter uma audiência com o rei de França, Luís XV, e
o cardeal Dubois. A sua rápida passagem pela França tinha como intuito angariar
colocado em ato por André de Melo e Castro e pelos cardeais Cunha e Pereira. Dos trinta e dois
espetáculos teatrais realizados no ano de 1721 de que se tem conhecimento, seis foram
patrocinados por esses três representantes lusitanos, assim, juntamente com Michael Van Althan
– cardeal protetor do Império –, Pietro Ottoboni – Vice-Chanceler do estado pontifício – e o
Príncipe Francesco Maria Ruspoli, eles foram os mais importantes mecenas dessa temporada
operística. Dentre essas peças, aquelas dotadas de maior significado político, seja pelo seu
conteúdo, seja pelo público para o qual foram executadas, são a pastoral La virtù negl’amori e as
cantatas La Ninfa del Tago e Religione, Virtù, Nobiltà. [...] La ninfa del Tago, de compositor
desconhecido, com música também atribuída a Alessandro Scarlatti e patrocinada pelo cardeal
Cunha, fora executada em 22 de outubro de 1721, por ocasião do aniversário de 32 anos de D.
João V, no palácio do embaixador português. Já Religione, Virtù, Nobiltà foi uma peça musicada
por Francesco Gasparini e dedicada a Inocêncio XIII que foi executada no contexto de uma festa
acadêmica promovida pelo cardeal Pereira que teve lugar no Colégio Clementino em outubro
desse mesmo ano. Nas duas primeiras peças é claramente retomado o mesmo tema dos vínculos
entre Roma e Lisboa, todavia a linguagem adotada nessas serenatas apresenta-se em parte
renovada, na medida em que parece ter se adequado ao gosto dos Árcades. [...] Durante o
carnaval de 1722, os cardeais portugueses vão promover outros três espetáculos, dois no Teatro
Capranica e outro no Colégio Clementino. Todavia, para além dos espetáculos teatrais, o cardeal
Cunha buscou deixar uma marca menos fugaz de sua passagem pela cidade papal: detentor do
título de Santa Anastasia no Palatino desde 1712, o cardeal português dedicou-se à reestruturação
do interior do edifício da basílica de que era o cardeal-presbítero contratando para tanto o pintor
romano Michelangelo Cerruti e o arquiteto maltês Carlo Gimach”.
38 Para além das festas, peças teatrais, óperas, reformas em Igrejas e passeios em luxuosos coches
53
Em Versalhes, o cardeal pediu uma audiência incógnita, para evitar os atrasos
dos protocolos e rituais formais e seguiu com ampla comitiva para o palácio do
48).
portugueses.
nobres e autoridades sobre o que ocorria no Reino e no mundo e qual o papel que
sua presença no Paço ser constante praticamente até sua morte em dezembro de
39O primeiro círculo de poder em torno de D. João V, efetivado em 1707, contando ainda com
vários nomes influentes oriundos do reinado de D. Pedro II, vai tornando-se cada vez mais
restrito ao longo do tempo e, por volta de 1720, encontra-se limitado basicamente ao cardeal Nuno
da Cunha, a Diogo de Mendonça Corte Real, ao duque de Cadaval e aos marqueses de Abrantes
e Alegrete. O irmão do marquês de Gouveia, D. Gaspar da Encarnação, após a década de 20 do
século XVIII também vai se tornando um integrante influente junto ao poder real. A debilitação
gradativa do Conselho de Estado, que deixa de ser convocado a partir da segunda metade do
reinado de D. João V, afasta paulatinamente a nobreza titular do Reino dos lugares centrais da
governação, afetando decisivamente a influência que o cardeal Nuno da Cunha gozava junto ao
poder central. A reforma administrativa efetuada em 1736 deu maior ênfase a essa tendência (Cf.
Paiva, 2006. pp. 492-494).
54
ainda durante o reinado petrino, contando com apenas uma mudança em sua
estrutura, qual seja, a de contar, dessa vez, com dois secretários fazendo a função
Mendonça Corte Real (Cf. BNP R. 8058, fl. 240-243v). A nova configuração trouxe
novos nomes ao centro do poder, e disto fez-se sentir nas nomeações para
diversos ofícios clericais e seculares. Indivíduos que agora não faziam parte da
Entretanto, apesar da alienação total do Santo Ofício pela Coroa que viria e
ocorrer após a queda de D. José de Bragança com menos de 2 anos no cargo (1758-
até o reinado josefino escolher D. João Cosme da Cunha, em 1770, para liderar o
Santo Ofício. Talvez, esse último esforço de adaptação dessa instituição a tenha
Conclusão
55
e do Estado durante o Antigo Regime português. O que ajudou, posteriormente,
em Portugal.
Entre 1681 e 1760, período que compreende o fim da suspensão das atividades
e repressivo.
56
O cargo de inquisidor-geral durante a fase denominada de Inquisição Barroca
aparece cada vez mais como um ofício de auxílio à governança, regido por razões
político em torno da Coroa que assimila o Santo Ofício português e deprime cada
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