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A Inquisição Barroca e o Inquisidor-Estadista

Afrânio Carneiro Jácome1

The Baroque Inquisition and the Inquisitor-Statesman

Resumo

A Inquisição portuguesa ao longo dos seus 285 anos de atuação passou por
algumas fases institucionais. Essas mudanças se davam, geralmente, de forma
gradativa e conservadora, amoldando-se a processos mais amplos pelos quais o
Reino de Portugal e seu Império ultramarino atravessavam. Os impactos
causados pelo desastre de Alcácer-Quibir, pelo domínio Habsburgo, pela
Restauração de 1640, pelo afastamento de D. Afonso VI e pela consolidação da
Dinastia de Bragança afetaram de alguma forma o funcionamento e o modelo
institucional do Santo Ofício. Apesar das mudanças, a proeminência institucional
do Tribunal da Fé em relação às outras instituições reinóis e ultramarinas
manteve-se em todos esses momentos-chave do Antigo Regime português. O
nosso artigo pretende demonstrar as particularidades de um desses momentos
de reconfiguração do Santo Ofício, chamado de Inquisição Barroca (1681-1760), e
suas relações com a consolidação da Dinastia de Bragança. Para tanto,
organizamos nossos argumentos apresentando de forma resumida os
antecedentes da fase barroca da Inquisição, as particularidades dessa fase, suas
relações com a Coroa e as ambições políticas a diferentes níveis durante o reinado
joanino. A figura de D. Nuno da Cunha de Ataíde é de central importância na
demonstração de que, no ápice de sua forma barroca, o inquisidor-geral se
tornara um homem de Estado e seu ofício eclesiástico estaria cada vez mais
submetido à uma Razão de Estado.

Palavras-chave
inquisição; inquisidores-gerais; portugal; antigo regime

Abstract

The Portuguese Inquisition, over its 285 years of operation, passed through for
some institutional phases. These changes took place, generally, gradually and
conservatively, shaping themselves to the broader scenarios through which the
Kingdom of Portugal was passing through. The impacts caused by the Alcácer-
Quibir disaster, the Habsburg domain, the 1640 Restoration, the D. Afonso VI
seclusion and the consolidation of the Bragança Dynasty somehow affected the

1 Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. afranio_cj@hotmail.com

1
functioning and institutional model of the Holy Office. Despite the changes, the
institutional prominence of the Faith Tribunal in relation to others institutions in
the Kingdom or in the overseas domains remained in all these key moments of
the Portuguese Ancien Régime. Our article intends to demonstrate the
particularities of one of these moments of reconfiguration of the Holy Office,
called the Baroque Inquisition (1681-1760), and its relationship with the
consolidation of the Bragança Dynasty. For that, we organize our arguments
presenting in a summarized form the antecedents of the baroque phase of the
Inquisition, the particularities of that phase and its relations with the Crown and
the political ambitions at different levels during the Johannine reign. The figure
of D. Nuno da Cunha de Ataíde is of central importance in demonstrating that,
at the height of his baroque form, the inquisitor-general becomes a man of State
and his ecclesiastical office is increasingly subjected to a Reason of State.

Keywords
inquisition; general inquisitors; portugal; old regime

1. A consolidação institucional do Santo Ofício em Portugal

A Inquisição em Portugal nasceu em meio ao Renascimento português e em

consonância com o movimento de Contrarreforma da Igreja Católica. Suas

contradições iniciais com o humanismo erasmiano, com o protestantismo e com

as minorias sociais então arraigadas à cultura ibérica deram a tônica inicial para

sua estruturação ao longo do século XVI, sob o comando do cardeal D. Henrique.

Esse complexo contexto levou à uma intrincada organização institucional que

revestiu o Tribunal da Fé de amplos poderes, apresentando ramificações em

diversos espaços da vida portuguesa.

A acomodação jurisdicional do tribunal demonstrou força frente a algumas

antigas jurisdições da compósita estrutura jurídica do Antigo Regime português2.

2 A concepção de monarquia compósita, segundo António Manuel Hespanha (2010, pp.46),


vigorou até pelo menos meados do século XVIII, quando outro modelo político se impôs ao
corporativo, o modelo chamado État de Police. Por monarquia compósita o autor define um
modelo político-institucional onde o poder real dividia o espaço político com outros poderes
(como a Igreja, por exemplo). As leis, dentro do modelo corporativo, eram constituídas pelos
costumes locais, pelo ius commune e pela ética religiosa. Os deveres políticos e jurídicos podiam

2
Ao longo de sua fase de estruturação institucional, a Inquisição sobrepôs sua

jurisdição àquelas dos bispos e dos superiores das ordens existentes em Portugal,

estabelecendo uma proeminência dentro do campo religioso3.

Fortes enlaces com ordens religiosas foram criados pelo tribunal, que contava

com a estrutura dessas ordens para o cumprimento de tarefas específicas, tais

como confortar condenados e ouvir suas confissões finais, qualificar obras de

diferentes áreas artísticas, inspecionar navios estrangeiros, visitar territórios

distantes dos tribunais, elaborar obras acadêmicas ou meros textos panegíricos

para servirem como propaganda ou defesa do tribunal, além da produção de

sermões para serem lidos durante celebrações ligadas ao tribunal que, com o

passar do tempo, acabou por se estabelecerem no calendário litúrgico do Reino.

Durante esse processo de conformação institucional, a Inquisição alargou

suas competências para além das questões de ortodoxia da fé católica, passando

a ser um dos pilares da censura em Portugal, estabelecendo forte controle sobre

impressos e manuscritos circulantes no Reino e no Ultramar, além de inspecionar

bibliotecas privadas, navios estrangeiros e livrarias em busca de materiais

heréticos ou considerados escandalosos para os padrões morais da época.

O Santo Ofício estabeleceu prevalência de julgo sobre costumes e práticas das

esferas pública e privada da vida secular, como, por exemplo, a venda de armas

e as práticas sexuais. Utilizando-se de aparatos coercitivos e de recursos com

ceder espaço aos deveres morais e religiosos. Por fim, Hespanha define que, dentro do modelo
corporativo, os oficiais régios apresentavam uma ampla gama de garantias que poderiam
protegê-los até mesmo contra as ordens reais.
3 O clero era a ordem mais prestigiada dentro da estrutura corporativa durante o Antigo Regime

português, como lembra o historiador José Pedro Paiva (2012, pp.165-166). A ordem clerical não
se restringia apenas aos assuntos da Igreja, pois, sua presença em assuntos políticos era a regra e
não a exceção. Além disso, o clero gozava de foro próprio no âmbito jurídico, lhe era permitido o
privilégio fiscal de cobrar dízimos e de usufruir da isenção de diversos impostos diretos e
indiretos, via de regra, essa ordem estava livre do serviço militar e contava com diversos
privilégios honoríficos próprios. Portanto, a Inquisição não era apenas um ramo entre tantos
dentro da estrutura clerical em Portugal, mas, como salienta José Pedro Paiva (2011, pp.19),
tratava-se de uma instituição central e de estatuto superior no poderoso e alargado campo
religioso português.

3
forte apelo pedagógico, típicos do barroco, o tribunal impôs modelos de

sociabilidade e enquadrou expressões da fé popular dentro dos preceitos

tridentinos. Sua perspectiva moral e estética era introduzida de diversas formas,

publicamente costumava se dar através de grandes atos públicos teatralizados

que invocavam um poderoso conjunto de imagens, de ritos e de discursos

acompanhados de forte carga emocional.

O tribunal continha em seu quadro funcional importantes membros de

ordens religiosas, ministros de outros tribunais, filhos da nobreza portuguesa e

destacados intelectuais da Universidade de Coimbra, o que lhe assegurava força

e influência política na vida secular.

Com a criação dos familiares o tribunal ampliou sua capacidade de formar

extensas redes sociais em diferentes estamentos e em diversificados espaços do

Império ultramarino, colocando-se como uma fonte de prestígio e de privilégios

para aqueles que a ele se associava.

Os bispos não foram excluídos desse processo e desenvolveram um profundo

envolvimento com a instituição inquisitorial. Muitos tornaram-se ministros do

Tribunal da Fé ou até mesmo inquisidores-gerais, processo facilitado pela Coroa

que desde o início passou a indicar bispos, reitores, priores e importantes

canonistas para os principais cargos do tribunal. Os filhos da nobreza portuguesa

passaram a ser recrutados para a maioria dos cargos mais importantes da

instituição, criando, como efeito, um forte enlace da Inquisição com diversos

espaços do poder político no Reino e no Ultramar.

Os historiadores Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva (2013, pp.15)

apresentaram a Inquisição portuguesa como uma “instituição poliédrica”, ou

seja, de muitas facetas, “um poder entre outros poderes”, um tribunal que

apresentava forte suporte da Coroa e que se valeu de amplas redes de apoio

dentro e fora do campo religioso.

4
A bem alicerçada estrutura do Tribunal da Fé, organizada em poucas décadas,

deveu-se a dois pontos principais: desde fins do século XV, durante o reinado de

D. Manuel I, a Coroa portuguesa obteve decisivas conquistas nas relações com a

Igreja, como elenca o historiador José Pedro Paiva (2008/2009, pp.384):

A obtenção do direito de padroado nos territórios do império


ultramarino; a prerrogativa de passar a competir exclusivamente
ao rei a escolha dos bispos de todas as dioceses do Reino, bem
como dos abades dos principais mosteiros; o domínio das ordens
militares, de que os monarcas se vieram a tornar grão-mestres; a
obtenção de rendas das igrejas para serem aplicadas na empresa
dos descobrimentos e expansão; a interferência do rei na reforma
de ordens religiosas; a aquisição de privilégios especiais para a
capela real e seus capelães.

O êxito nessas demandas junto a Santa Sé permitiu que a Coroa

portuguesa aumentasse seu poder sobre a Igreja, reforçasse o disciplinamento

social e reduzisse a possibilidade de possíveis conflitos de interesses ou

jurisdicionais com o clero. Fenômeno de dupla via do processo de

confessionalização aonde religião e política contaminavam-se mutuamente (Cf.

PAIVA, 2008/2009, pp.387).

O segundo ponto diz respeito ao segundo inquisidor-geral de Portugal

que liderou o Tribunal em seus primórdios, entre os anos de 1539 a 1579, o

cardeal D. Henrique, regente (1563 a 1568) e, posteriormente, rei de Portugal

(1578 a 1580), ampliou a jurisdição da Inquisição e garantiu importantes fontes

de recursos para seu financiamento, ajudou a moldar uma cultura institucional

sólida para o tribunal e, com seu prestígio de membro da família real e príncipe

da Igreja, elevou a autoridade social do Santo Ofício em Portugal.

Com a morte do cardeal D. Henrique e com a ascensão de uma nova

dinastia ao trono português, a Inquisição aparecia no cenário de fins do século

XVI como uma instituição forte politicamente e bem estruturada

administrativamente. Mesmo durante o domínio dos Habsburgos, a Inquisição


5
em Portugal resistiu a várias tentativas de submissão ou mesmo absorção de seu

aparato institucional pelo tribunal de Castela. Juntas foram convocadas em mais

de uma oportunidade pelos reis de Castela na tentativa de submeter a Inquisição

portuguesa à Inquisição de Castela, mas sem alcançar sucesso.

Durante o domínio filipino (1580 a 1640), o Santo Ofício português

demonstrou resistência política e solidez institucional fortes o bastante para

evitar sua absorção institucional pela Inquisição do Reino vizinho. Os reis

espanhóis por vários momentos encontraram dificuldades em negociar tréguas

nas perseguições aos cristãos-novos em Portugal, mesmo procurando nomear

para o cargo máximo do tribunal indivíduos que pareciam, num primeiro

momento, submissos às ambições da Coroa de Castela, porém, ao adentrarem no

tribunal português, não conseguiam impor suas missões como pretendiam ou

passavam a corroborar com a bem arraigada deontologia do tribunal português,

a despeito das ordens de quem os havia alçado ao cargo.

Entretanto, nem só de resistências e enfrentamentos se deu as relações

entre os reis espanhóis e os inquisidores do tribunal português. Ao final do

domínio espanhol sobre Portugal, a Inquisição portuguesa não só impediu sua

absorção pelo tribunal castelhano, como viu sua jurisdição ser ampliada e

reforçada. O tribunal contou com figuras de peso da política Ibérica da época em

seu posto máximo, como foram os casos do arquiduque Alberto de Habsburgo,

investido vice-rei de Portugal, filho do Imperador Maximiliano; D. Alexandre de

Bragança, membro da Casa de Bragança, a mais importante de Portugal à época,

sobrinho do arcebispo de Évora; e Pedro de Castilho, vice-rei de Portugal em dois

períodos distintos, bispo de Leiria e presidente do Desembargo do Paço.

Os nomes dos indivíduos prestigiados pela Coroa espanhola com o cargo

máximo da Inquisição portuguesa atestavam a autoridade e a influência que o

Santo Ofício português conseguiu conservar durante o domínio Habsburgo.

6
Em 1640, após o término do domínio espanhol, a Inquisição portuguesa

saía do processo de Restauração ainda mais forte institucionalmente. Contava

agora com novas fontes de financiamento, maior cura com sua imagem tanto

externamente como internamente, com poderes e jurisdição ainda mais

alargados4, aparelho de censura reforçado e um novo e bem mais minucioso

Regimento, fruto do amadurecimento de um século de funcionamento. O novo

código resistiria por 134 anos, elitizaria as funções ministeriais do Tribunal e

reforçaria os poderes do Conselho Geral e do inquisidor-geral (Cf.

BETHENCOURT, 1995, pp.47).

A primeira metade do século XVII foi um período de transformações mais

céleres para o Tribunal da Fé. Seu funcionamento, suas relações com os outros

poderes e sua faceta como aparelho ideológico da Igreja e da Coroa são marcadas

por uma forte produção de material de propaganda antissemita que grassou a

cultura europeia do período, com muita expressividade particularmente na

Península Ibérica. Seu funcionamento sofreu abalos por conflitos que

envolveram a Monarquia portuguesa e o papado, seus métodos penais e

processuais foram bastante criticados e seu prestígio foi colocado à prova em

mais de uma oportunidade.

A tomada da Coroa por parte da Casa de Bragança marcou um período de

sérias dificuldades financeiras e de inseguranças quanto à manutenção do trono

por parte dos novos ocupantes. Assim como em 1580, também em 1640 o Santo

Ofício rachou politicamente. A prisão de D. Francisco de Castro em 16415, e a

4 Jurisdição ampla e composta por diferentes fontes: regimentos, leis, alvarás, decretos e
resoluções régias (direito secular); textos canônicos, concílios, bulas e breves apostólicos (direito
eclesiástico); e um conjunto de praxes, modos tradicionais de procedimento, regimentos e outros
documentos que enquadravam a ação do Tribunal e formavam seus “estilos”, como observou
António Vasconcelos de Saldanha (pp.99, 1992).
5 D. Francisco de Castro foi inquisidor-geral do Santo Ofício português entre os anos entre 1630 e

1653. Foi preso em maio de 1641 sob acusação de tramar um plano regicida contra D. João IV.
Após dois anos de prisão, foi solto e inocentado das acusações, retomando seu posto de
inquisidor-geral com todos os poderes e privilégios do cargo.

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suspensão do tribunal por ordem papal entre os anos de 1674 e 16816, foram os

eventos mais duros enfrentados pela instituição até então, mas, mais uma vez, o

tribunal restabeleceu-se e procurou novos amoldamentos para a sua

sobrevivência. Em fins do século XVII o Santo Ofício português estava pronto

para uma nova versão que estreitaria ainda mais suas relações com a Monarquia.

2. Particularismos da Inquisição Barroca (1680-1760)

2.1. O momento da Inquisição Barroca

O processo de estabilização política da instituição inquisitorial após a

Restauração de 1640 atingiu maior equilíbrio com a subida ao poder de D. Pedro

II. A Inquisição amansada e atuando em consonância com os interesses da

Monarquia tornava-se um instrumento imprescindível para o fenômeno

centralizador7 que gradualmente se daria com a Dinastia Bragantina (Cf.

ALMEIDA, 1995; BICALHO, 2007; MONTEIRO, 2001).

As conturbadas heranças dos governos de D. João IV e D. Afonso VI em

diferentes searas da Igreja, do Reino e do Ultramar ganharam assentamento no

período petrino. Foi nesse reinado onde a oportunidade de consolidação

dinástica de fato pôde ser aparelhada com menores obstruções, procurando

delinear saídas concretas para as questões mais urgentes, após duros anos de

6 Após uma arrastada disputa entre representantes dos cristãos-novos portugueses e


representantes do Santo Ofício português em Roma que acabou por envolver o papa, o rei de
Portugal, setores do clero, da nobreza e da elite mercantil, a Congregação do Santo Ofício romano,
mediado pelo papa e alguns cardeais, decidiu por suspender o tribunal. A suspensão foi
levantada após o ainda regente e futuro rei de Portugal, D. Pedro II, se empenhar em defender a
instituição e convencer Inocêncio XI em reestabelecer o seu funcionamento.
7 José Luís Torgal (1981, pp.104; pp.254-255) enxerga no governo petrino um encaminhamento

decisivo e constante para a tendência de centralização do poder em torno da figura real que
atingiria seu ápice, segundo o autor, no reinado de D. José. I. A teoria política-eclesiástica forjada
nas disputas pela defesa da Restauração foi fundamental para a formação de uma consciência
política de defesa da proeminência do poder monárquico sobre seus aparelhos, incluindo o
Tribunal do Santo Ofício.

8
marginalização diplomática, ameaças internas e tentativas frustradas de

reconhecimento internacional dos novos governantes de Portugal.

Quanto ao Santo Ofício, o intervalo de tempo após a suspensão de suas

atividades pelo papa deixou danos que levaram ao menos duas décadas para se

reequilibrar. Os processos tornaram-se mais minuciosos e lentos, o uso da tortura

passou a ser mais criterioso, houve também redução no número de condenados

e queda na repressão aos judaizantes entre os anos de 1680 e 1710.

Após 150 anos de funcionamento, a máquina inquisitorial operava em maior

harmonia com a Monarquia, a ponto de servir de modelo para outras instituições,

e com amplo reconhecimento diante da sociedade portuguesa.

Em 1686 o inquisidor-geral, D. Veríssimo de Lencastre tomava o chapéu de

cardeal, algo que a instituição não via a um século, desde o arquiduque Alberto

de Habsburgo, o que demonstrava prestígio institucional e a volta do bom

trânsito diplomático entre Roma e Lisboa.

O Tribunal da Fé, com a estabilização política do Reino, tornava-se tutor de

um modelo social baseado em preceitos da fé e da disciplina católicas

influenciados pela cultura da Contrarreforma e definidos pelo Concílio de Trento

(Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.243).

A imagem da Inquisição como defensora da tradição e da força da religião

estava diretamente ligada ao momento político relativamente estável português

e pelo quase desaparecimento da presença social das minorias étnicas nos

primórdios do século XVIII8. A inquisição, entre os derradeiros anos do século

8Ainda na primeira metade do século XVIII o inquisidor-geral, D. Nuno da Cunha de Ataíde, já


recebia do padre jesuíta, Manoel Correa, residente em Roma, um longo discurso onde
argumentava sobre as desvantagens para Portugal em manter a legislação que diferenciava
socialmente cristãos-novos de cristãos-velhos àquela altura. Argumentava o inaciano que os
efeitos que as listas produzidas nos autos-de-fé provocavam em Roma e nos demais reinos
europeus eram nocivos para a reputação portuguesa. Também alertava no mesmo documento
que os autos e suas listas passavam a impressão que havia em Portugal uma quantidade imensa
de judeus e de apóstatas da fé. A solução, segundo o jesuíta, seria o fim da espetacularização dos
autos e de sua propaganda, bem como o fim das leis que diferenciavam cristãos–velhos dos
cristãos-novos. Tais ações, segundo o padre, poderiam ajudar o Reino português a recuperar-se
da má fama que carregava pela Europa. (Cf. BPE, CV 1-9, f.166).

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XVII e os primórdios do século XVIII, tornava-se menos persecutória e mais

endossadora de posições sociais no Reino e nos territórios ultramarinos.

As duras ações persecutórias e os estatutos racistas do século XVII extirparam

a presença das minorias étnicas e religiosas dos círculos mais altos do poder em

Portugal. O Tribunal do Santo Ofício ganhava nova feição como uma via para a

ascensão social através de exames genealógicos que certificavam a “limpeza de

sangue” de indivíduos que procuravam se legitimar em novos e mais

delimitados espaços de poder, exibindo seus atestados de cristãos-velhos.

Entre 1671 e 1770, a Inquisição Barroca nomeou 14.168 familiares de um total

de 19.901 nomeados em toda história da Inquisição portuguesa (Cf. VEIGA, 1994,

pp.134). Ou seja, quase ¾ de todas as habilitações de familiares já concedidas pelo

Santo Ofício ocorreram nessa fase institucional, o que demonstra o impacto da

Inquisição na sociedade portuguesa do período.

A instituição tornara-se um elemento decisivo na dinâmica da economia

moral daquela sociedade, principalmente quando notamos que, entre os

habilitados do período analisado, encontramos: 4.495 homens de negócio

(contratadores ou mercadores de grande cabedal); 4.576 agricultores (a maior

parte destes, provavelmente, pertencentes à pequena fidalguia rural); e 864

artesãos.

Portanto, 70% dos familiares habilitados no período eram ligados diretamente

aos principais setores produtivos de Portugal e de seu império ultramarino.

Esse cenário ajuda a explicar a manutenção do prestígio social da Inquisição

portuguesa mesmo durante o período em que, fora de Portugal, o tribunal era

criticado por pensadores iluministas e seus membros e apoiadores vistos como

fanáticos anacrônicos.

A Inquisição como garantidora de uma supremacia moral da maioria cristã-

velha auxiliava na coesão social dessa população em torno dos projetos e

organizações que sustentavam a monarquia durante o Antigo Regime. Criava-se,

desse modo, um círculo virtuoso para a instituição em um momento histórico

10
onde Portugal alcançava uma estabilização econômica alicerçada nas remessas

de ouro e diamantes oriundas do Brasil.

Outro relevante papel social dos familiares do Santo Ofício dizia respeito à

capilaridade e disseminação por todos os territórios reinóis e ultramarinos que

esses agentes permeavam. Suas tarefas para com o Tribunal da Fé os revestiam

de prestígio e poderes, tais como espionar suspeitos, executar prisões e acusar

em segredo potenciais hereges. Ademais, aos familiares era permitido o porte de

armas, o uso de insígnias do Santo Ofício, o foro privilegiado, a isenção de

impostos e a dispensa do recrutamento compulsório para o serviço militar.

No início do século XVIII os processos de habilitação foram se tornando mais

exigentes e custosos, estreitando o acesso ao cargo às pessoas de posses ou

pertencentes à nobreza, fortalecendo, dessa forma, a rede clientelar do tribunal

entre as figuras mais abastadas e poderosas de Portugal e de seu império (Cf.

MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp. 255-259).

Outro aspecto característico da Inquisição Barroca baseava-se no seu peculiar

caráter pedagógico apresentado, geralmente, sob forma exagerada, afetada,

grandiloquente, contendo, amiúde, um incisivo teor intolerante, preie de figuras

hiperbolizadas, metáforas e jogos retóricos típicos do barroco.

As celebrações públicas e as publicações produzidas pela Inquisição

portuguesa contribuíam para escandalizar comunidades acadêmicas e letradas

por todo o continente europeu, mas costumavam contar com apoio da

Monarquia e com a presença maciça da população nos atos.

Em relação às impressões inquisitoriais, àquelas ligadas aos autos-de-fé, tais

como os sermões e as listas de condenados, eram as mais circulantes e populares

dentro e fora de Portugal. Esses impressos não surgiram durante a fase barroca

da Inquisição, mas foi nesse período em que essas publicações foram

potencializadas e usadas de modo eficaz para propagar apologeticamente feitos

do Tribunal da Fé e de seus ministros.

11
No governo de D. Nuno da Cunha de Ataíde no Santo Ofício os sermões

diluíram em sua constante temática antijudaica novas críticas teológicas, como

foi o caso da citação ao molinismo e ao quietismo no sermão do Dr. Francisco de

Torres em 1720 (Cf. FEITLER, 2015, pp.20).

Esses impressos apresentam valor literário, aparecendo como uma vertente

específica dos vários segmentos que a arte e o estilo barrocos produziram, com

estética e forma próprias (Cf. PIRES, 1996, pp.120). O que evidencia uma

sofisticada elaboração em sua produção e reprodução, manifestando uma rica

gama de elementos da cultura e da sociedade portuguesas do início do século

XVIII.

Esses sermões eram regulamentados pelo Regimento inquisitorial de 1640 e

contavam com um tipo de oratória particular, travestindo-se como um discurso

pedagógico de conversão, que se destinava aos desviados da fé, alertando contra

os perigos da heresia e suas consequências escatológicas para a harmonia social.

Os sermões de auto da fé surgem no século XVI e tem como destinatário

principal uma figura referencial chamada de “o judeu”. O léxico do “judeu” era

apresentado como feio, deformado fisicamente e degenerado moralmente,

portador de todos os males sociais.

É possível observar uma mudança de escopo na parenética desses textos.

Sermões de autos-de-fé manuscritos do século XVI – os poucos que sobreviveram

- apresentam explicitamente a finalidade de conversão, uma proposta

pedagógica proselitista que procura corrigir o “erro” e convencer o outro através

do esclarecimento da doutrina, o que levaria inequivocamente ao

arrependimento e para a recondução à fé católica. A apostasia, dessa forma, era

vista como fruto da ignorância e poderia ser revertida através da ação

esclarecedora.

Os sermões a partir do século XVII apresentam uma reelaboração da atitude

instrutiva, mantendo uma pretensa forma pedagógica, aonde o esclarecimento

acerca da doutrina católica deixava de ser o escopo central. A marca do

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antijudaísmo profundo do século XVII transforma os sermões dos autos-de-fé um

instrumento fomentador da intolerância contra àqueles a quem era reputado o

estigma da heresia. O “judeu” aparecia como o principal adversário da

comunidade cristã, o léxico era sempre colocado na contradição entre “nós” e

“vós”, criando um senso identitário forte e a formação de um intenso processo

de cismogênese.

Esse “judeu” surgia como um corruptor dos costumes cristãos, uma real

ameaça à salvação da comunidade. Tratava-se de um ser herege na essência e

pernicioso na ação, não deixava outra saída à atuação inquisitorial que não fosse

sua extirpação do convívio social. Esse quadro geral era apresentado de forma

angustiada pelo pregador, pois o tribunal era retratado como misericordioso e

ingênuo, prestes a ser ludibriado por esse agente perverso.

Essa identidade essencialmente eivada de vícios dada ao “judeu”, ao final,

mostrava-o como inconversível, portanto, irreconciliável. A pretensa proposta

pedagógica mostrava-se inútil. Os membros do Santo Ofício, por sua vez, apesar

de procurarem definir o tribunal como uma instituição bondosa e misericordiosa,

não viam outra saída que não extirpar esse ser ameaçador do convívio social,

para a conservação do bem geral (Cf. PIRES, 1996, pp.125).

Conteúdos intolerantes e racistas permeavam todo o texto. Em sua estrutura

barroca o sermão fingia-se paradoxal se apresentando como uma tentativa de

persuadir o impossível de ser persuadido, pois o objeto de sua tentativa de

salvação era sempre cego, surdo, mentiroso, imoral em sua essência, inabilitado,

consequentemente, à verdade.

O texto se coloca cinicamente como ineficaz, como um esforço que se sabe

desperdiçado, apresentando o Santo Ofício como uma instituição frouxa e

bondosa, sempre pendente ao perdão. Essa estratégia retórica tinha como alvo o

público que o escuta e não o “judeu” com a qual o orador argumenta

constantemente e incisivamente.

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O admoestador seguia o ritmo da pregação patética barroca, aonde o apelo

da gesticulação excessiva e teatral captava a atenção e suscitava arroubos

emocionais da plateia, podendo contar ainda com o uso de objetos e encenações

imageticamente fortes.

O orador procurava estruturar sua atuação sob forte afetação naturalista,

muito descritiva, com o intuito de gerar intensa comoção no público. A pregação

esforçava-se para atingir o imaginário coletivo, utilizando-se, em geral, de fortes

imagens dos textos bíblicos enquanto apontava para o destino inevitável da

morte e para a depreciação do temporal. Essas eram marcas comuns desses

discursos inflamados (Cf. MORÁN & ANDRÉS-GALLEGO, 1994, pp.121-123).

A retórica barroca é, antes de tudo, uma forma de se expressar uma visão de

mundo particular, marcadamente influenciada, no caso dos sermões dos autos-

de-fé, pelo espírito tridentino. Sua retórica não prezava pelo sóbrio ou pelo

racional, mas pela empolação e pela teatralidade. A pregação era um ato artístico-

religioso, sua afetação era bem-vista e apreciada como uma expressão de estética

própria, de estilo pedagógico e com intuito de sugestionar sentimentos.

Os autos-de-fé chamavam a atenção dos estrangeiros em Portugal e

paralisavam a cidade onde ocorria o ato, essas celebrações contavam com a

presença maciça da realeza e da aristocracia9. O rei D. João V dificilmente deixou

de prestigiar o evento ao longo dos seus mais de 40 anos de reinado (1706-1750).

9 Em relato sobre os culpados de um auto de 1709 escreve Silva (1933, pp.203-204): “Hoje dia de
São Marçal [...] se fez auto da fé no Rossio de Lisboa em que saíram 66 pessoas, em 32 homens,
27 mulheres. 6 relaxados em carne e um em estátua; dos quais os demais avulsos, foram 3 homens
e 3 mulheres por bígamos, um homem por blasfemo e pacto com o demônio, 2 mulheres por
presunção do mesmo pacto e fizeram curas com palavras supersticiosas; duas por fingir
revelações e por falsarias. Um [...] por nome Manoel Pereira [...] morador no terreiro de Vila Nova
da Cerveira, por afirmar com pertinácia proposições heréticas e escandalosas e que eram
aprovadas por Deus Nosso Senhor em visões e revelações que dizia ter e sentir mal do Sumo
Pontífice dogmatista, convicto herege e pertinaz, o qual ajudado com o pacto do demônio apoiava
a sua hipocrisia de sorte que persuadia a seita de Molinos de que a fornicação simples não era
pecado, antes virtude, a que ele exercitou bastante na Beira, igual ao célebre António da Fonseca
de Coimbra que tinha aquele serralho de concubinas; e, além disso, tinha de mais ser ateísta e não
crer mais que no que via, sem fé, sem luz e sem alma [...] Assistiram no alto as Majestades e
jantaram na Inquisição, [...] o fizera no preço de 15 mil cruzados que El-Rey deu para o tal jantar”.

14
Mesmo em seus anos finais, quando veio a apresentar problemas para se

locomover e falar, o rei continuou a frequentar os autos-de-fé públicos e os

jantares organizados que o tribunal ofertava após os eventos.

A literatura difamatória contra os autos já era bem conhecida pela Europa,

muito graças ao livro do francês Charles Dellon, Relação da Inquisição de Goa

(1709), onde narrou os infortúnios da celebração religiosa da qual fez parte como

réu no final do século XVII nos domínios ultramarinos portugueses na Índia.

Esses estrangeiros costumavam retratar os autos-de-fé com profundo horror

e espanto. Esses relatos se arraigaram tanto no imaginário europeu que virou

sinônimo de atraso civilizacional e veio a transformar-se numa boa caricatura do

fanatismo católico nas mãos de filósofos anticlericais, como foi o caso de Voltaire,

que descreveu de forma satírica um auto-de-fé em seu Candide em 1759.

Os discursos presentes nesses autos se apresentavam superficialmente como

um esforço desesperado para a conversão, mas, na prática, tratava-se de uma

propaganda apologética da ação inquisitorial.

Os sermões manipulavam a plateia com forte apelo sentimental e

furtivamente introduziam a ideologia que pretendiam impor, convencendo mais

pelo êxtase emocional que o ambiente criava do que por uma possível lógica

racionalizada de seus argumentos. O sermão convocava a comunidade cristã a

defender aqueles valores apresentados como verdades absolutas.

A linguagem parenética desses sermões se utiliza de muitas antífrases e de

eufemismos, é disposta numa estrutura binária maniqueísta e hiperbolizada

onde a Inquisição é a representação do Bem Supremo e do Justo e “o judeu” é a

materialização do Mal Absoluto.

Os sermões parecem repetitivos em sua estética antijudaica sempre presente,

todavia, diluídos em seus ataques ao “judeu”, os sermões poderiam conduzir de

forma implícita a audiência para questões sociais e políticas do momento,

fazendo o léxico assumir posições políticas das quais o tribunal discordava.

15
Esses textos são filhos de uma tradição parenética muito antiga em Portugal

e que atingem seu ápice enquanto propaganda na primeira metade do século

XVIII. Os sermões também se apresentavam como considerações doutas e

inescapáveis, repletos de argumentos de autoridade, citando, muitas vezes de

forma errônea e manipulada, pensadores judeus, gentios ou trechos do Antigo

Testamento onde o povo hebreu era criticado por seus próprios pares (Cf.

GLAZER, 1955; 1956).

A patrística, as obras hagiográficas, a cristologia, a mariologia e a literatura

clássica greco-romana são constantemente aludidos na construção de uma

fundamentação histórica que deve deixar claro o erro dos inimigos da Igreja

Católica, com forte teor teleológico. Dessa forma, os infortúnios enfrentados ao

longo da história pelo povo judeu serviriam de prova incontestável de seu

abandono por Deus, devido, segundo os argumentos retóricos, à posição desse

povo em negar Jesus como único salvador universal da humanidade.

Nas palavras de Bruno Feitler (2015, pp.23-24) os sermões serviam para:

“evangelize the audience of an auto da fé and make the


impenitent take the last step that separated them from
reconciliation with the Church and the community, or to
spiritually edify the listening public, it was finally transformed
into a series of insults against New Christians”.

O inquisidor-geral, D. Nuno da Cunha de Ataíde, financiou a maioria das

publicações de sermões durante a fase mais preponderante dessa parenética,

principalmente aqueles de indivíduos que politicamente lhes eram próximos,

como o frei Domingos Barata, que depois tornou-se bispo de Portalegre e

Francisco Pedroso, oratoriano indicado algumas vezes a bispados no Reino e

confessor de D. João V. O auge das impressões desses sermões coincide com o

período de maior prestígio político de D. Nuno da Cunha de Ataíde, que

compreende os anos entre 1700 e 1730, depois dessa fase os sermões impressos

tornam-se raros e acabam por sumir na década de 50 do século XVIII.

16
Os sermões, todavia, não eram impressos em sua totalidade. Os textos

passavam pelo crivo da censura10 e depois eram amoldados para o formato

impresso geralmente com cortes. O inquisidor-geral, D. Nuno da Cunha de

Ataíde, mudou o costume no envio das listas de condenados nos autos-de-fé,

restringindo os impressos apenas às pessoas ilustres e com prestígio dentro do

tribunal inquisitorial.

As listas durante seu governo na Inquisição passaram a ser impressas, ao que

tudo indica, no próprio palácio dos Estaos no Rossio, em Lisboa. As listas vieram

a se tornar uma ótima fonte de renda para aqueles que a recebiam em volume.

Em 1728, por exemplo, o Conselho Geral ordenou a impressão de 10 mil listas,

dividindo o material da seguinte maneira: 2 mil para o inquisidor-geral; 3 mil

para o Conselho Geral; 1.600 para os inquisidores de Lisboa; 200 para o

comissário responsável por conduzir os prisioneiros; 2 mil para os deputados e

promotores; 600 para os notários; 300 para os advogados e oficiais, 150 para os

familiares do inquisidor-geral; e mais 150 para cidadãos específicos e para outros

tribunais do Reino, o que indica uma ampla circulação e uma grande demanda

por esses impressos (Cf. FEITLER, 2015, pp.39).

A estrutura da Inquisição Barroca, para além de sua profunda capilaridade

social, segurança política e econômica e da força difusora de sua doutrina,

contava também com importantes conexões com outras instituições do Reino.

Não era raro encontrar ex-membros ou membros ativos do tribunal em

importantes cargos eclesiásticos ou ligados à governança.

O governo de D. Nuno da Cunha de Ataíde no Santo Ofício (1707-1750)

potencializou o poder da Inquisição portuguesa em defluir seus tentáculos por

diversos cargos e ofícios nas mais variadas áreas da governação do Reino e do

Império ultramarino.

10É importante salientarmos que a Inquisição era um dos três pilares do aparelho de censura de
impressos e manuscritos em Portugal, atuando junto ao Desembargo do Paço e ao Ordinário da
Diocese. Essa estrutura perdurou até 1768 quando se criou a Real Mesa Censória por providência
do marquês de Pombal (Cf. MARTINS, 2005).

17
O inquisidor-geral acumulou diversos ofícios e privilégios durante a primeira

metade do reinado de D. João V e apresentava-se como uma das figuras mais

influentes dentro da Corte.

Diversos tribunais, a Universidade de Coimbra, colégios, altos cargos

eclesiásticos, governos de territórios ultramarinos e ofícios dos mais variados,

bem como a concessão de comendas e honrarias, passavam pelo crivo do

inquisidor-geral, D. Nuno da Cunha de Ataíde, que perpassou quase toda a fase

da Inquisição Barroca. A figura de um inquisidor-estadista desponta como uma

das engrenagens-chave da instituição em manter-se como uma das forças

centrais da governança.

2.2. Remodelação das relações entre inquisidores-gerais e a


Monarquia durante a consolidação da Dinastia de Bragança

A Inquisição Barroca11 aparece como uma síntese histórica do processo de

reordenamento da Coroa portuguesa após o domínio Habsburgo, aonde o Estado

português procurou instrumentalizar o tribunal de forma mais direta com o

intuito de se acorrer de uma já consolidada e ampla estrutura de controle

ideológico que se arraigava por diversas outras instituições.

O projeto de consolidação dinástica e de maior participação de Portugal no

jogo político internacional passava por suas relações com a Igreja e o papado. A

Inquisição como uma instituição “bifurcada” ou “paraestatal”, aludindo aos

11Utilizamos o termo “Inquisição Barroca” tomando como referência a obra dos historiadores
José Pedro Paiva e Giuseppe Marcocci (2013) que preconizou para esta fase institucional da
Inquisição portuguesa o recorte que compreende os anos de 1681 a 1755. Procuraremos enfatizar
as particularidades que marcaram essa fase institucional do tribunal. O termo “barroca” não
busca afirmar que a Inquisição portuguesa refletiu e se deixou influenciar pelo barroco, enquanto
movimento cultural, apenas durante esse período delimitado, mas que, foi nessa fase em que a
influência do “barroquismo” e seu estilo se expressou de forma mais categórica nas atividades e
na forma do tribunal.

18
termos utilizados pela historiadora Sonia Siqueira (2013), apresentava um papel

de relevância nessa estratégia.

O Santo Ofício, após um longo período de sede vacante no seu principal posto

(1653-1671), devido às guerras de Restauração e à recusa da Santa Sé em

reconhecer a independência de Portugal em relação ao domínio Habsburgo, pôde

observar como sua sobrevivência institucional estava imbricada ao destino da

Coroa portuguesa.

O não reconhecimento da dinastia de Bragança pelo papa impedia a

nomeação de clérigos para as paróquias, dioceses e mesas inquisitoriais. A crise

se estendeu até o ano de 1668 quando se deu a paz com Castela, finalmente, o rei

português voltava a poder indicar um inquisidor para chefiar o Santo Ofício (Cf.

BETHECOURT, 2000, pp.118).

A escolha recaiu sobre o duque de Aveiro e arcebispo titular de Sidon, Pedro

de Lencastre, que não foi recepcionado com entusiasmo pelos funcionários do

Santo Ofício. Os ministros inquisitoriais contavam que o ocupante do cargo

máximo do tribunal coubesse a alguém com uma trajetória construída dentro do

próprio tribunal, o que não era o caso do duque (Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013,

pp.202). A já bem arreigada cultura institucional do tribunal ainda deixava

transparecer demonstrações de insurgência quando atravessada pela Coroa.

A escolha do príncipe regente, D. Pedro, por um indivíduo externo ao

tribunal, que não havia construído carreira em seus quadros, talvez fosse fruto

do trauma que as turbulências políticas que seu pai, D. João IV, havia enfrentado

ao se deparar com uma instituição dividida entre a lealdade à nova dinastia e

suas próprias ambições. Os problemas que um relacionamento difícil com um

inquisidor-geral poderia causar à Coroa já eram bem conhecidos.

O período em que D. Pedro de Lencastre presidiu o Santo Ofício foi

conturbado e repleto de atritos com a Santa Sé. Além de não dispor da afeição

dos membros do tribunal, D. Pedro de Lencastre viu diversas delegações de

19
cristãos-novos e de jesuítas apoiantes do padre António Vieira irem à Cúria

convencer o papa dos abusos da Inquisição no Reino de Portugal, o que acabou

por resultar na suspensão das atividades do tribunal português, como já nos

referimos anteriormente.

A morte de D. Pedro de Lencastre, em 25 de abril de 1673, piorou a situação

da Inquisição, pois as várias frentes de conflito em que estava submerso

dificultava a escolha de seu sucessor.

Com o envio do então bispo de Lamego, D. Luís de Sousa, a Roma para

defender as posições da Inquisição, se conseguiu resolver em partes a questão da

nomeação do novo inquisidor-geral. Deste modo, assumia o cargo D. Veríssimo

de Lencastre, sobrinho do inquisidor-geral antecessor, com posse em abril de

1677, mas desde agosto de 1675 ciente de sua escolha (Cf. PAIVA, 2011, pp.203-

206; 243).

O dramático período de assentamento e consolidação da nova dinastia

reconfigurou as relações entre Coroa e Inquisição. O Santo Ofício percebeu a

importância do apoio da Monarquia para sua existência e prestígio. A

Monarquia, por sua vez, atentou-se para as vantagens que teria ao favorecer a

estrutura inquisitorial, infiltrada de maneira direta ou indireta por todo o Reino

e em vários espaços ultramarinos.

A indicação de um nome próximo ao futuro rei para presidir a Inquisição foi

marcante para delimitar o período de pax nas relações entre monarquia e Santo

Ofício que viria a seguir. D. Pedro de Lencastre sofreu resistência, seu nome não

passou pelo escrutínio de uma carreira interna e ainda havia desconfianças

mútuas entre o tribunal e a Monarquia após os tensos episódios que envolviam

campanhas para novos perdões gerais e perseguições a cristãos-novos que

auxiliavam financeiramente os esforços de estabilização econômica da nova

dinastia.

20
Referendar alguém da estreita confiança real e que contasse com o apoio

interno do tribunal marcaram as escolhas subsequentes para o cargo de

inquisidor-geral12.

D. Veríssimo de Lencastre surgia como o homem certo para auxiliar nos

novos desígnios da Monarquia para o Santo Ofício. O clérigo foi um dos

partícipes das Cortes que decidiram o caso da deposição do rei D. Afonso VI. Seu

grupo político prevaleceu ao votar a favor da regência petrina, mas não pela

coroação direta, o que só viria a ocorrer em 1683, após a morte do rei afastado.

Esse grupo político contava com membros influentes da nobreza cortesã,

como eram os condes de Figueiró, Sabugal, Vila Maior e Vila Flor. Esse

movimento político foi de fundamental importância na pacificação e

estabilização da nova dinastia, após um duro período de turbulências que já se

arrastava por quatro décadas (Cf. XAVIER & CARDIM, 2008).

Nascido em Lisboa em 1615, D. Veríssimo de Lencastre, era filho de uma das

mais importantes famílias aristocráticas do Reino, foi batizado pelo bispo de

Miranda, D. João da Gama, estudou Cânones13 na Universidade de Coimbra14,

onde se doutorou. Posteriormente, tornou-se cônego e tesoureiro-mor da

12 Para José Luís Torgal (1981, pp.254-255) a teoria política-eclesiástica forjada nas disputas pela
defesa da Restauração foi fundamental para a formação de uma consciência política de defesa da
proeminência do poder monárquico sobre seus aparelhos, incluindo o Tribunal do Santo Ofício,
que só seria plenamente cooptado após as reformas pombalinas e a implantação do Regimento
inquisitorial de 1774.
13 Cânones era o curso mais concorrido da Universidade de Coimbra, que contava com os

melhores alunos e onde 90% do corpo discente era metropolitano entre os anos de 1680 e 1690. O
curso, pela natureza de seus conteúdos, era visto como uma oportunidade para aqueles que
ambicionavam cargos na governança.
14 A Universidade de Coimbra foi a instituição mais forte a produzir e a legitimar os quadros

administrativos recrutados pela Coroa, Igreja e Santo Ofício, o merecimento acadêmico traduzia-
se como um símbolo de preparo para a governação e de sabedoria administrativa das elites.
Desde a fundação do Santo Ofício português no século XVI que se formou uma estreita
colaboração, com alguns casos isolados de conflitos, entre o tribunal da fé e a universidade
conimbricense. Muitos foram os deputados, promotores, inquisidores-gerais e membros do
Conselho Geral do tribunal oriundos dos bancos universitários dessa instituição. A Universidade
era um dos sustentáculos do poder central e da política oficial e os cargos universitários poderiam
abrir um amplo leque de oportunidades de carreira em tribunais superiores, em altos postos
eclesiásticos e na administração central (Cf. RAMOS, 1997, pp.388; SUBTIL, 1997, pp.945-947;
MAGALHÃES, 1997, pp.973).

21
Metropolitana Sé de Évora e, na mesma cidade, iniciou sua carreira no Santo

Ofício, onde foi deputado, promotor (1644) e inquisidor (1649).

Após calculada trajetória no tribunal inquisitorial eborense, D. Veríssimo de

Lencastre foi transferido para o tribunal de Lisboa como inquisidor (1660),

chegando ao cargo de deputado do Conselho Geral do Santo Ofício quatro anos

depois. Ou seja, ao contrário de seu antecessor, D. Veríssimo havia feito o ciclo

completo nas carreiras ministeriais do tribunal.

Além do Santo Ofício, o clérigo ocupou importantes cargos no poder

temporal. Foi do Conselho de Estado de D. Pedro II e seu sumilher da cortina15,

em seguida foi nomeado bispo de Lamego pelo mesmo rei, dignidade que

declinou, eleito, mais adiante, em 1671, arcebispo de Braga. Em 1677 renunciou

ao arcebispado e ocupou o cargo de inquisidor-geral. Foi, em 1686, indicado ao

cardinalício16 pelo rei D. Pedro II e confirmado por Bula de Inocêncio XI17, evento

15 Nas palavras de Banha de Andrade (1981, pp.96), o sumilher da cortina era: “Reposteiro
encarregado [...] de correr a cortina dos aposentos reais”. O sumilher era, portanto, alguém de
confiança a serviço da Casa Real, segundo o padre Raphael Bluteau (1789), tratava-se de um
eclesiástico de primeira categoria e de origem fidalga, alguém que teria o privilégio de ter contato
próximo com a figura real diariamente.
16 O padre José de Castro (1943, pp.17-28) chama de “cardial nacional” os cardeais eleitos a pedido

dos príncipes católicos. O historiador explica que o papa Celestino V em finais do século XIII
permitiu que governantes católicos indicassem nomes de confiança para o chapéu cardinalício.
Por volta do século XV a interferência temporal na escolha foi questionada pelos papas Martinho
V, Eugênio IV e Nicolau V, apenas no papado de Xisto IV as indicações temporais voltaram a ser
aceitas, embora não completamente. O rei de França, Luís XI, exigiu de Xisto IV que só elegesse
purpurados simpáticos à sua pessoa. O Imperador Carlos V exigiu o mesmo privilégio ao papa
Júlio III. Finalmente, em fins do século XVI, Xisto V procurou formalizar a situação elevando o
número de cardeais de 40 para 70 e dividindo as cotas de indicações para as cadeiras vacantes.
17 Benedetto Odescalcchi nasceu em Como em 1611, oriundo de uma família ilustre da Lombardia.

Foi educado por jesuítas e finalizou seus estudos em Roma e Nápoles. Obteve rápida ascensão na
Cúria Romana, alcançando aos 34 anos o posto de cardeal. Foi eleito papa após o conclave de
1676. O pontífice criou uma comissão para averiguar os perfis dos candidatos ao chapéu
cardinalício e manteve boas relações com Portugal, ao longo do reinado petrino. O rei português
foi atendido pelo Papa Inocêncio XI ao pedir permissão para que se erigisse várias Igrejas na
América portuguesa. Criou, no território do Brasil, os bispados de Pernambuco, Maranhão e
Grão-Pará. Foi também Inocêncio XI que pôs fim à suspensão do Santo Ofício português. Por sua
vez, o papa foi atendido quando recorreu a Portugal para conseguir auxílio financeiro durante o
conflito com o grã-turco Maomé IV em 1683. Esta ajuda financeira de Portugal à Santa Sé ajudou
na eleição para cardeal de D. Veríssimo de Lencastre, indicado por carta diretamente pelo rei D.
Pedro II a Inocêncio XI.

22
marcante no reinado petrino, pois havia muitos anos que Portugal não contava

com a dignidade de ter um filho seu eleito para o colégio de cardeais.

Com a coroação de D. Pedro II, em1683, e com a estabilidade política que disso

proveio, a década de 80 do século XVII representou a chance de traçar novos

projetos para o Reino e para o tribunal, que retomou suas atividades em 1681 e

assistiu, a partir do reinado petrino, uma associação do cargo de inquisidor-geral

com o favorecimento da família Lencastre.

O governo de D. Veríssimo de Lencastre foi importante para a instituição,

pois marcou o declínio de um período de insegurança política do Reino e

consolidou o Santo Ofício como instituição-chave para o governo da nova

dinastia18.

D. Veríssimo de Lencastre empreendeu uma série de remodelamentos na

Inquisição portuguesa após os conflitos que assolaram a instituição e o Reino. A

reforma exigida pela Santa Sé obrigava a Inquisição a só confiscar os bens dos

réus após sentença, permitia que os réus escolhessem seu procurador (que

deveria ser aprovado pela mesa) e lhes era autorizado agora ter conversas em

privado com a defesa, além disso, foi permitida a admissão de cristãos-novos

como testemunhas de defesa.

O tribunal também foi obrigado a liberar imediatamente os indivíduos

absolvidos, a retirar dos autos públicos os cadafalsos, a reduzir gastos com

banquetes e, um dos pontos mais importantes, efetuar a segunda audição de

todas as testemunhas após a defesa, o que encareceu e alongou mais os processos

(Cf. BRAGA, 2017, pp.231).

18A proximidade e confiança que D. Veríssimo de Lencastre gozava junto a Dinastia de Bragança
atesta-se na sua constante presença em celebrações públicas e conselhos políticos próximos do
rei. Um exemplo de seu prestígio pode ser visto nas exéquias do rei D. Afonso VI, que deveria ser
realizada pelo arcebispo de Lisboa, porém, este se encontrava doente e incapaz de realizar a
cerimônia, para seu lugar foi convocado o inquisidor-geral. Para além das exigências rituais e
sociais protocolares a que eram obrigados a cumprir os inquisidores-gerais em Portugal, somava-
se agora o fato que, com D. Veríssimo de Lencastre, a Coroa podia contar com uma figura próxima
à Corte e que nutria lealdade à figura real (Cf. CASTRO, 1943, pp.21).

23
Como político, D. Veríssimo de Lencastre era membro ativo do Conselho de

Estado. Nas instruções feitas ao novo núncio enviado a Portugal, monsenhor

Tanara, a Santa Sé alertava para seu peso junto ao rei. O inquisidor-geral unia

forças ao duque de Cadaval dentro do Conselho de Estado e, recorrentemente,

entrava em atrito com o grupo que contava com o conde de Ericeira, o conde de

Alvor e o arcebispo de Lisboa, D. Luís de Sousa.

A Santa Sé aconselhava o núncio monsenhor Tanara a manter boas relações

com os dois partidos, mas apontava o partido do inquisidor-geral como aquele

que mais influência apresentava junto ao rei (Cf. CASTRO, 1943, pp.35-43).

Após sua morte, em 1692, foi indicado para assumir como inquisidor-geral

em seu lugar, o seu irmão, frei D. José de Lencastre, então bispo de Leiria e,

anteriormente, bispo de Miranda19. O frei destoava dos seus antecessores mais

recentes no cargo, o tio e o irmão, quanto a apresentação ostentosa da própria

persona e quanto a trajetória.

Nascido em Lisboa no ano de 1621, já aos 15 anos de idade tomou o hábito

carmelita no Mosteiro de Évora, sem consentimento dos pais. Aos 16 anos

continuou seu noviciado em Lisboa, no Mosteiro de Nossa Senhora dos

Remédios.

A aspereza da vida monástica custou-lhe a saúde, fragilidade essa que o

acompanharia por toda a vida. Em 1645 entrou no Mosteiro de Setúbal. Foi

secretário de Província de sua Ordem e em 1656 foi enviado a Roma para tratar

da beatificação de D. Nuno Álvares Pereira, conhecido como o Santo

Condestável.

Após seu mestrado em Teologia, o papa Alexandre VII o indiciou para prior

do Mosteiro dos Carmelitas em Roma, mas o frei declinou. Em 1666 foi eleito

19D. José de Lencastre não era a primeira opção para o cargo de inquisidor-geral, a primeira opção
renunciou a oferta, tratava-se do arcebispo de Braga, D. José de Meneses. D. José de Lencastre foi
o segundo e último clérigo regular a ocupar o posto máximo da Inquisição portuguesa. O
primeiro clérigo regular a sê-lo foi o primeiro inquisidor-geral português, o frei D. Diogo da Silva,
em 1536 (Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.284).

24
assistente geral das Províncias de Portugal e Espanha, com o título de provincial

da Dácia. Em seu tempo em Roma, firmou amizade com então cardeal e futuro

papa, Clemente X. Em 1702 substituiu D. Luís de Sousa no ofício de capelão-mor

(Cf. SOUSA, 1745, pp.301-307).

Adentrou o Conselho de Estado apenas em 1704, após mais de dez anos como

inquisidor-geral, o que evidencia seu frágil trato político. Assim como seu irmão

e antecessor, procurou contar com o apoio do duque de Cadaval, figura de ampla

influência no governo petrino, numa tentativa de angariar mais apoio dentro de

uma Corte que não lhe era amistosa (Cf. LOURENÇO, 2010, pp.292).

Em seu governo no Santo Ofício os processos contra protestantes sofreram

drástico declínio e os casos de aceitação da liberdade de consciência dos

estrangeiros não católicos seriam analisados de acordo com cada tratado firmado

com o país de origem do indivíduo (Cf. BRAGA, 2017, pp.234), o que evidencia

os esforços da Coroa em retomar projetos diplomáticos mais amplos,

sincronizando a dinâmica do tribunal aos seus projetos.

Durante seus 12 anos como inquisidor-geral (1693-1705), seu principal esforço

foi a ofensiva contra o molinismo. O Santo Ofício ainda procurava superar os

danos causados pela suspensão de suas atividades e seu governante não se

apresentava como alguém de mando firme, mostrava-se vacilante em assegurar

os interesses do tribunal (Cf. MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.285).

Sua escolha, incialmente, parece refletir os anseios da Monarquia em contar

com alguém que apresentasse boa fama na Cúria romana e que auxiliasse nos

diálogos e nas negociações entre Portugal e a Santa Sé, o que justificaria a escolha

de um indivíduo sem carreira consolidada dentro do tribunal.

Na prática, seu governo demonstrou certo declínio na jactância institucional

do Santo Ofício, não alcançando êxito nos grandes projetos delineados então,

como, por exemplo, a instauração de um tribunal inquisitorial no Brasil, o que

acabou por acelerar o processo de domesticação do Tribunal da Fé pela Coroa.

25
O substituto do frei carmelita foi outro familiar seu, um primo. Entretanto,

dessa vez, ao contrário do titubeante frei, encabeçaria o Santo Ofício português o

epítome do inquisidor barroco, D. Nuno da Cunha de Ataíde (1664-1750). O

detentor do mais longevo governo da Inquisição portuguesa.

3. O inquisidor-barroco

3.1. A trajetória até o Paço

A trajetória de D. Nuno da Cunha de Ataíde antes de assumir o cargo máximo

da Inquisição é similar àquelas de outros nomes que chegaram ao mesmo posto.

Em 1691 licenciou-se em Cânones, adentrou o Santo Ofício sob a indicação do

primo, o bispo de Leiria, D. Álvaro de Abranches, foi promotor do tribunal de

Coimbra (1692) e deputado no tribunal de Lisboa (1693). Em 1700 foi alçado por

outro primo, o inquisidor-geral frei D. José de Lencastre, à terceira cadeira de

inquisidor do tribunal lisboeta.

Oriundo de uma das famílias que lutaram pela ascensão da Casa de Bragança

ao trono, o jovem Nuno da Cunha de Ataíde contou com uma ampla rede de

apoio na Corte e na Igreja ao longo do período de consolidação de sua carreira

eclesiástica.

Foi introduzido no Paço pelo arcebispo de Lisboa, D. João de Sousa, e pelo

tio, o conde de Pontével, mostrando rápida adaptação ao ambiente político da

Corte. Em 1694 tornou-se sumilher da cortina de D. Pedro II, foi nomeado

cavaleiro noviço em 1696 e em 1702 tomou posse como deputado da Junta dos

Três Estados. Em 1705 foi indicado ao bispado de Elvas, convite que declinou,

possivelmente porque já se mostrava bem inserido nas dinâmicas do tribunal

lisboeta e do Paço (Cf. ANTT, TSO, CG, liv.77).

26
Na data de 14 de setembro de 1705, D. Nuno da Cunha de Ataíde foi

empossado, com a pompa e ostentação típicas do período joanino, como capelão-

mor20, substituindo o frei D. José de Lencastre, morto no dia anterior21.

O cargo de capelão-mor havia sido instituído no reinado de D. Afonso V e

teve D. Rodrigo de Noronha, bispo de Lamego, como seu primeiro dignitário.

Vários foram os empossados nesse ofício que o acumulou com outros ofícios

eclesiásticos (Cf. BNP, cx.177, mss, cx.177, n°3, f.8, 17(?)). O fato de dois

inquisidores-gerais seguidamente ocuparem o cargo de capelão-mor demonstra

uma cada vez mais íntima relação entre a Monarquia e o governante do Santo

Ofício22.

Antes de D. Nuno da Cunha de Ataíde e do frei D. José de Lencastre,

apenas outros dois inquisidores-gerais haviam acumulado o ofício inquisitorial

com o de capelão-mor, foram eles: D. Jorge de Ataíde e D. Pedro de Castilho. Os

dois ocuparam o cargo durante o período de dominação filipina em Portugal.

Após a Restauração de 1640, todos capelães-mores também foram bispos ou se

tornaram bispos em sequência e, até a elevação da Patriarcal de Lisboa, em 1716,

20 Assim descreveu João Soares da Silva a posse de D. Nuno da Cunha de Ataíde ao lugar de
capelão-mor: “com fogos e músicas, na véspera e dia, e toda a demonstração plausível; que lhe
repetiu toda a Capela até em sua casa, e lhe assistiu toda a corte comp[?] agrado de Sua Alteza 26
de Setembro” (SILVA, 1933, pp.48).
21 Nas palavras de José Soares da Silva (1933, pp.47), ainda durante o velório de D. José de

Lencastre, D. Nuno da Cunha de Ataíde pediu ao ainda Infante D. João que interviessem junto
ao rei D. Pedro II para nomeá-lo capelão-mor.
22 Um caso típico dessa convivência íntima entre família real e capelão-mor pode ser visto quando

o frei D. José de Lencastre chegou a ser consultado para que conseguisse uma ama de leite de
“sangue limpo” para os filhos de D. Pedro II. A ama de leite acatada foi uma que era casada com
um familiar do Santo Ofício, o que servia para credenciar sua habilitação à função (Cf.
MARCOCCI & PAIVA, 2013, pp.254). Com D. Nuno da Cunha de Ataíde essa relação tornou-se
ainda mais próxima. O inquisidor-geral era presença constante em viagens da família real para
tratamentos de saúde, caçadas e afastamentos para descanso. D. Nuno da Cunha de Ataíde
também participou como celebrante ou como um dos negociadores de casamentos, batizados e
celebrações fúnebres que envolviam a família real. Além disso, o inquisidor-geral foi consultado
sobre o destino que deveriam ter os filhos ilegítimos de D. João V, auxiliou a Rainha no despacho
por diversas oportunidades e costumava organizar jantares no palácio da Inquisição onde a
família real costumava se fazer presente (Cf. LISBOA, MIRANDA e OLIVAL, 2011, pp.113;
JÁCOME, 2020, pp.273).

27
apenas D. Nuno da Cunha de Ataíde e o frei D. José de Lencastre chegaram a

acumular os cargos de inquisidor-geral e de capelão-mor.

Os cargos de sumilher da cortina e de capelão-mor foram de fundamental

importância para a sua aproximação com a família real, em especial, para a

construção do laço afetivo que manteve ao longo de toda a vida com o infante e

depois rei D. João V23.

Assim como todos os seus antecessores que encabeçaram a Inquisição

portuguesa, D. Nuno da Cunha de Ataíde também foi bispo. Foi eleito para o

bispado titular de Targa em 170624. A nomeação de D. Nuno da Cunha de Ataíde

ao bispado-titular de Targa foi confirmada em dezembro de 170525, pouco tempo

depois da morte do inquisidor-geral, o frei D. José de Lencastre, em setembro do

23 Sobre a ligação entre D. João V e D. Nuno da Cunha de Ataíde, lamentava o famoso embaixador
D. Luís da Cunha em suas Instruções Políticas, comentando sobre a parca possibilidade de ver
atendidas suas instruções para remediar os problemas do Reino (entre esses problemas estava a
Inquisição) devido a educação recebida pelo rei: “um quase insuperável obstáculo: a saber, o da
educação que se deu a El Rei Nosso Senhor, porque sendo príncipe, foi o senhor D. Nuno da
Cunha, hoje inquisidor-geral, e então deputado do Santo Ofício, o que, para ganhar sua graça, lhe
foi inspirando como santas, justas, e infalíveis, as máximas daquele tribunal, sem lhe insinuar as
objecções que elas sofriam; antes lhe exagerava somente o grande merecimento, que teria diante
Deus, de preservar a sua santa fé, aniquilando o judaísmo, de sorte que estas impressões dadas e
recebidas em tão tenra idade ficam indeléveis; e o que é mais é, que honrando o dito senhor os
autos-de-fé com sua real presença, autoriza e qualifica o procedimento dos inquisidores; o que
Filipe V, depois de subir ao trono de Espanha, nunca quis fazer, antes sai de Madrid // todas as
vezes que se faz aquela celebridade; mas o que mais me admira, é que El Rei N.S. queira ver as
execuções, como se aqueles miseráveis não fosse seus vassalos. Tal é a força da criação [no sentido
de educação], que faz perder os sentimentos de humanidade, e tais foram também as ideias que
se deram (ainda que gloriosas) ao rei D. Sebastião a respeito dos maometanos, com os quais se
perdeu a si mesmo e a todos nós” (Cf. CUNHA, 2001, pp.266-267).
24 Alguns inquisidores-gerais mantiveram o governo de sua prelazia com o ofício inquisitorial,

contudo, após o Concílio de Trento, os nomeados ao cargo de inquisidor-geral deveriam deixar


suas mitras, pois havia pressão da Cúria romana para que os prelados governassem de sua
residência episcopal. Entretanto, como salientou o historiador José Pedro Paiva (2011, pp.156-
157), “para se chegar a inquisidor-geral era imprescindível ser bispo”. Para resolver tal imbróglio,
a nomeação para uma diocese in partibus infidelium resolvia a questão. O pretendente ao cargo
inquisitorial obteria a dignidade episcopal sem as preocupações administrativas de uma diocese.
25 A ordenação episcopal foi conduzida pelo bispo de Leiria, D. Álvaro de Abranches, em março

de 1706.

28
mesmo ano, o que parece sinalizar sua preparação para o cargo máximo da

Inquisição portuguesa.

Contava contra a nomeação de D. Nuno da Cunha de Ataíde para a cabeça

do Tribunal da Fé, naquele momento, o fato de nunca ter pertencido ao Conselho

Geral, pois ainda ocupava a 2° cadeira na mesa inquisitorial de Lisboa, e nunca

ter exercido qualquer bispado no Reino, questão ultrapassada por sua ordenação

ao bispado-titular de Targa.

A despeito de sua posição dentro do tribunal lisboeta, em 1707, o bispo-

titular de Targa alcançou o posto de inquisidor-geral, o que pode ser explicado,

segundo os historiadores José Pedro Paiva e Giuseppe Marcocci, pela grande

estima que o rei, D. João V, atribuía a ele (2013, pp.288). Contando então com 43

anos incompletos, D. Nuno da Cunha de Ataíde inseria-se em posição de

destaque na dinâmica dos poderes do reinado joanino.

Nos primeiros meses de reinado joanino, o capelão-mor já explorava de

seu valimento mais regalias do que qualquer outro já o havia feito nas mesmas

condições26. O acúmulo de cargos e honrarias ajudavam a justificar a exuberância

que marcava suas aparições públicas junto à família real e a ostentação presente

nas grandes celebrações religiosas. A construção de um ambiente faustoso que

englobava também o clero viveria sua máxima expressão durante o reinado de

D. João V.

As aparições públicas do rei e de outras figuras de grande dignidade eram

meticulosamente planejadas e executadas com exuberância e minucioso cuidado

com a etiqueta, com os critérios de precedência e com os elementos ritualísticos

típicos da Monarquia Barroca (Cf. BRAZÃO, 1945).

26Assim relatava João Soares da Silva (1933, pp.105) em sua Gazeta: “O capelão-mor, já tirou mais
do seu valimento, o ter no coro da Capela Real, uma cadeira de espaldas, com sitial e pano, e
outra cá fora, rasa, mas também coberta, o que uma, nem outra coisa teve, ou logrou jamais
nenhum, nem ainda o cardeal, Luís de Sousa, com toda a grandeza, poder e soberania”.

29
Essas aparições eram atos políticos que deveriam retratar a generosidade

e magnificência do Reino e o novo inquisidor-geral, como figura próxima da

Monarquia e detentor de importantes ofícios, deveria saber desempenhar com

destreza e naturalidade seu papel na teatralização do poder barroco. O acúmulo

de cargos e honrarias facilitaria sua presença em diversos espaços do poder e sua

apresentação suntuosa refletiria a glória e o fausto do rei que o designara aos

cargos e honrarias que ostentava.

4.2. As funções na governança

No âmbito político-administrativo, ou seja, naquilo que concernia às

questões de governança, o reinado joanino apresentou-se sem grandes diferenças

em relação às condições herdadas do reinado anterior, o que perduraria até a

reforma das secretarias em 1736.

O quadro institucional desse reinado apresentou diversas modificações e

mutações ao longo do tempo, entretanto, em seu início, segundo informações de

agentes franceses, as maiores influências eram exercidas pelo conde de Viana e o

marquês de Alegrete.

Em 1711, o agente secreto da França, o genovês Viganego27, apontava como

os conselheiros mais influentes do Reino o capelão-mor D. Nuno da Cunha de

27O agente francês inserido na corte de D. João V reconhecia a forte influência de D. Nuno da
Cunha de Ataíde junto ao rei, o colocando entre os favoritos e pessoa mais próxima do rei naquele
momento, porém, em mais de uma oportunidade, em sua correspondência ao marquês de Torcy
entre 1713 e 1714, o agente descreveu D. Nuno da Cunha de Ataíde como alguém de formação
precária para desempenhar as importantes funções de governança que ocupava e para usufruir
do prestígio que contava junto ao rei, além disso, o agente francês descreve a ascensão de D. Nuno
da Cunha de Ataíde dentro da Corte joanina como um golpe de sorte, ao afirmar: “Era um simples
abade da casa de Tristão da Cunha, da pequena nobreza, quando o Rei, que era então Príncipe
Real, lhe tomou amizade por ter resignado em seu favor a um benefício eclesiástico e que o Rei
ofereceu a um padre da capela real que lhe era afeiçoado. Introduziu-se tão bem no ânimo do Rei
que até agora ninguém possui mais a sua confiança que ele.” A má disposição de Viganego em

30
Ataíde, os arcebispos de Lisboa e Évora, o duque de Cadaval e os condes de

Calheta, Castelo-Melhor, São Vicente, Vilaverde, Aveiras e Avintes, além dos

marqueses das Minas, de Fronteira, de Cascais e de Alegrete. Desse grupo de

nobres titulares que cercavam o rei no início de seu governo, muitos eram

próximos ao capelão-mor, que, ao lado do duque de Cadaval, era tido como o

homem de maior influência junto ao rei28.

construir a imagem de D. Nuno da Cunha de Ataíde ao seu correspondente pode ter fundamento
nas posições contrárias aos interesses franceses que o cardeal costumava se colocar. O então
capelão-mor ajudou na reintegração ao Conselho de Estado de seu padrinho, o conde de Castelo
Melhor, figura que costumava se posicionar contrariamente aos interesses franceses em seus
pareceres. Havia também a indisposição do cardeal para com o duque de Cadaval, visto como
um membro influente do “partido francês” dentro da Corte e que tinha no cardeal um opositor
no Conselho de Estado (Cf. VIGANEGO, 1994. pp.128; 143-144).
28 São inúmeros os casos que confirmam a formação de uma ampla rede de nobres titulares em

torno da figura de D. Nuno da Cunha de Ataíde, desde os primórdios do governo de D. João V,


momento em que o capelão-mor de D. Pedro II rapidamente passa a acumular uma série de
cargos e poderes. Já em 1707, poucos meses após a coroação de D. João V, o capelão-mor
intercedeu com sucesso por seu primo, D. Carlos de Noronha, para que se tornasse vedor da
Rainha. Em 1708, em contenda envolvendo o arcebispo de Lisboa, João de Sousa e o prior dos
Povos sobre a outorga de um benefício, que chegou até o Desembargo do Paço, onde o indicado
do arcebispo provavelmente contaria com mais votos para vencer a contenda, o marquês de
Alegrete, o favorecido do prior, apelou junto a D. Nuno da Cunha de Ataíde, que intercedeu a
favor do marquês junto ao Desembargo do Paço, fazendo com que este recebesse o benefício.
Ainda no ano de 1708, o inquisidor-geral foi chamado a intervir a favor do conde de Pombeiro,
irmão do arcebispo de Lisboa, para que durante as touradas o conde pudesse portar mais lacaios
que o permitido pelo rei, o conde teve sua petição atendida. Em outro caso, envolvendo o
marquês de Minas (o pai), desgostoso por não estar mais no governo de nenhum exército
envolvido na Guerra de Sucessão espanhola, já que seu antigo batalhão que conseguiu invadir
Madrid em 1706 estava, em 1709, sob comando do marquês da Fronteira, apelou para que o
capelão-mor o ajudasse a liderar algum exército dos príncipes coligados contra os Bourbon no
conflito. O marquês requerente, para ver seu apelo atendido, estava disposto a abrir mão de seu
posto na Junta do Tabaco e de seu lugar no Conselho de Estado. Contudo, após reunião com o
capelão-mor, que era próximo do filho do dito marquês, conseguiu manter todos os seus postos
e ainda fazer com que fosse nomeado estribeiro-mor da Rainha e o seu filho, marquês de Minas
(moço) obteve a nomeação para mestre de campo no exército governado pelo marquês da
Fronteira. Em 1711, D. Nuno da Cunha de Ataíde apelou junto ao rei a favor de seu primo e
cunhado de seu irmão, o conde de Valadares, que se tornou camarista-mor. O irmão do conde de
Valadares também contou com a ajuda do inquisidor-geral para se tornar regedor da Justiça de
Lisboa, o que causou certo ciúme ao conde de Povolide que registrou amargamente em seu diário
que o inquisidor-geral nada fez pelo próprio irmão mais velho. Estes exemplos e diversos outros
nos ajudam a perceber a ampla rede clientelar e a forte influência de D. Nuno da Cunha de Ataíde
nas primeiras duas décadas de reinado de D. João V (Cf. ATAÍDE, 1991. pp.200-231).

31
A configuração das secretarias no início do reinado de D. João V formava-

se da seguinte forma: Diogo de Mendonça Corte Real, anteriormente secretário

das mercês de D. Pedro II, era remanejado para a Secretaria de Estado e

conservava o expediente da Guerra. Assumia a Secretaria das Mercês,

Bartolomeu de Sousa Mexia. O capelão-mor D. Nuno da Cunha de Ataíde

assumia o cargo de ministro do Despacho Universal, onde exercia a tarefa de

emitir pareceres sobre os mais variados temas e decisões, analisando a

correspondência oriunda das outras secretarias, além de avaliar decisões

proferidas nos conselhos régios e nas juntas governativas.

O ministro emitia constantemente opiniões sobre assuntos variados, que

poderiam abarcar questões de economia, de governança, sobre perfis de

candidatos a ofícios variados ou sobre estratégias a serem traçadas em missões

diplomáticas ou possíveis conflitos bélicos.

Nas várias cartas consultivas enviadas pela burocracia joanina, em

especial por Diogo de Mendonça Corte Real, secretário de Estado e principal

articulador das ordens reais, ao ministro do Despacho Universal, chama a

atenção a heterogênea gama de assuntos com que se deparava o inquisidor-geral.

Não há uma delimitação clara de sua função de despachante, bem como não há

uma área circunscrita sobre o que despachar.

A documentação gerada por suas atividades apresenta diversas indicações

para diferentes ofícios da administração e da justiça do Reino e do ultramar.

Também se constata ali uma série de votos para o provimento de cargos

eclesiásticos, além de orientações no campo diplomático, consultas para assuntos

de saúde pública, questões militares, avisos sobre protocolos de luto,

requerimento para presença em reuniões particulares, conselhos específicos,

petições particulares, requerimentos para obtenção de mercês régias, pedidos

para pagamentos de soldos ou tenças de militares, entre tantos outros temas, dos

32
mais variados, que compunham o vasto leque consultivo em que deveria

deliberar parecer o inquisidor-geral de D. João V29.

O cargo exigia constante deslocamento do ministro do despacho para

várias reuniões e pareceres presenciais. O Paço, o quarto dos camaristas, a galeria

das tribunas e a própria residência do inquisidor-geral eram os espaços mais

comuns para o debate das questões de Estado.

Seu papel enquanto homem de Estado não se encaixa na forma clássica de

um privado ou de um valido, do mesmo tipo que foram o conde-duque de

Olivares, o conde de Castelo Melhor ou mesmo os cardeais Richelieu e Mazarino.

Não havia uma delimitação clara e personalizada dessa figura na Corte joanina.

Os poderes estavam diluídos num grupo seleto de figuras próximas ao rei.

Segundo José Antonio Escudero López (Cf. FERNÁNDEZ e ESCUDERO

LÓPEZ, 2004, pp.321-334), ao analisar os altos cargos da monarquia espanhola,

os privados, os primeiros-ministros e os validos apareciam como figuras da

máxima autoridade após o monarca. Uma espécie de número dois, que gozava

da confiança real, acumulava vários poderes simultaneamente e controlava áreas

estratégicas do aparato governativo e administrativo.

29 No espaço temporal da correspondência analisada (1707-1719), contabilizamos 65 pareceres


sobre mercês, tenças e comendas; 12 despachos para indicação de clérigos para ocupar prelazias
e 2 para priorados (todas as indicações para ocupação de prelazias são para vacâncias em
territórios reinóis, com exceção das consultas referentes às prelazias de Goa e da Ilha Terceira nos
Açores); 7 pedidos de indicação para cargos diplomáticos e 26 despachos para indicação de
nomes para ocupar governos e vice-reinados no Reino e no Ultramar, além de ofícios dos mais
variados em tribunais, conselhos e juntas governativas. Os ofícios em que o cardeal emitiu parecer
com indicações de nomes foram para: chanceler-mor do Reino (1707 e 1711), conselheiro
ultramarino (1707 e 1711), governador da Ilha de São Tomé (1708), governador da Ilha da Madeira
(1708 e 1718), governo do Rio de Janeiro (1708, 1709, 1712, 1715 e 1718), Cabo Verde (1708 e 1713),
juiz conservador da Junta do Comércio (1708), governo de Angola (1708), governo do Brasil
(1709), governo de Mazagão (1710), governo de Pernambuco (1710, 1713 e 1718), vice-rei da Índia
(1710 e 1716), governo do Maranhão (1713), governo do Reino de Algarve (1713), ministros para
o Conselho da Fazenda (1715), governo da Paraíba (1715), governado da Ilha de São Tomé e
Príncipe (1715) e ministros para o Desembargo do Paço (1715) (Cf. ANTT, TSO, CG, liv. 191; liv.
201).

33
A figura do privado, como a do valido, era a de um agente da estreita

confiança do rei, um confidente, o principal conselheiro, com acesso direto ao

monarca. Esses personagens, que também poderiam aparecer sob a alcunha de

primeiro-ministro, eram dinamizadores da política dos reinos, com poderes de

nomeação, forte influência nas indicações de benefícios, sinecuras e prebendas.

Essas características poderiam ser encontradas nas funções

desempenhadas pelo ministro D. Nuno da Cunha de Ataíde, todavia, ao

contrário dos validos e primeiros-ministros franceses, ingleses ou espanhóis, o

ministro não centralizava tais poderes em si, mas dividia-os com outras figuras

de peso na Corte joanina, como o duque de Cadaval, o secretário Corte-Real e os

marqueses de Alegrete e de Fontes.

O inquisidor-geral era fruto de uma conformação política que atingiu seu

ápice na primeira metade do governo joanino. D. Nuno da Cunha de Ataíde

procurou desempenhar suas funções dentro das estruturas ideológicas que

reconhecia, estruturas essas que se imiscuíam entre o religioso e o político. Essa

organização prezava pelo disciplinamento da nobreza cortesã e pela conservação

da hierarquização da ordem social estabelecida, amparada numa perspectiva

mística e divina da política e numa governança assentada na prática barroca

corporativa-jurisdicional (Cf. LAINS e SILVA, 2005: 369-388).

Na sociedade barroca, a gestão do Estado30 era vista como uma arte em

que reis e ministros deveriam ser instruídos. O “ofício” de governar ou de

30A fidelidade ao príncipe misturava-se ao sentimento de pertencimento ao espaço geográfico,


sendo as noções de Nação e Estado ainda distantes daquelas preceituadas pelas legislações e
pelos conceitos hodiernamente. A concepção de Estado no período de afirmação da Restauração
passava pela teorização do poder político com forte influência do pensamento tomista em
Portugal. Para essa idealização teórica, Deus seria a fonte principal do direito e do poder. A “lei
eterna”, divina, refletiria nas organizações sociais cristãs como “lei natural”, um princípio
norteador da vida e das atividades sociais. Apesar de pecador, o homem seria consciente da
existência da “lei divina” e, a partir dela, derivaria seus códigos morais e sua doutrina jurídica.
Dessa concepção do poder político e do direito relacionava-se a ideia de Estado, ideia fundada
numa cosmovisão teocêntrica, porém, independente em seu desenvolvimento social. O Estado

34
auxiliar o governo continuava a se apresentar sob parâmetros substancialmente

tardo-medievais. Todavia, nos primórdios da Modernidade, ministros e

instituições passaram a documentar e a burocratizar, com maiores critérios, suas

tarefas e experiências, gerando farta documentação técnica e manuais de

procedimentos sob a forma de memoriais.

Uma cultura jurisdicional dirigiu o desenvolvimento das organizações

sociopolíticas no Antigo Regime. Segundo, Carlos Garriga (2004: 11-12):

“Quienes tienen poder político, y porque lo tienen, pose en la


facultad de declarar lo que sea el derecho, bien estatuyendo
normas o bien administrando justicia, en el grado y sobre el
ámbito que en atención a su iurisdictio les corresponda. Esto es
lo fundamental: el poder político se manifiesta como lectura y
declaración de un orden jurídico asumido como ya existente y
que debe ser mantenido”.

Essa concepção jurisdicional do poder político baseava-se numa arraigada

cosmovisão religiosa de onde emanava a ideia de ordem social eterna, definindo

as compreensões dos universos jurídico e político. Essa cultura de ordem

procurava afinar-se com a exegese dos livros sagrados e com variadas

interpretações das obras clássicas de diversos autores da tradição greco-romana,

que influenciavam uma vasta produção de tratados diversos, escritos por

teólogos, canonistas e juristas da época.

Os ditos direitos tradicionais ou adquiridos compunham a constituição

tradicional dessas sociedades. Aos ofícios caberia a conservação dessa

constituição social, se utilizando de um conjunto de dispositivos práticos e

seria fruto de um “pacto social” entre indivíduos que formariam a communitas civitas ou res
publica. A função desse pacto seria procurar criar as condições necessárias para a corporificação
de uma unidade ordenada, onde os indivíduos exerceriam seus papéis sociais em torno do bem-
estar geral (material), que seria a finalidade do Estado. A salvação da alma (espiritual), fim último
do homem, deveria estar a cargo da Igreja. (Cf. TORGAL, 1981:6-8).

35
institucionais para realizar a concepção jurisdicional do poder político e

conservar a ordem vigente. As características dessa ordem jurisdicional do

Antigo Regime apresentavam a preeminência da religião.

O elemento religioso é onipresente no direito e na linguagem política,

manifestando-se na raiz da dualidade dos foros externo e interno, nos casos de

conflitos entre esferas do poder que transitam entre os dois foros.

É característica da fisiologia dos corpos políticos do Antigo Regime a

necessidade de uma instância harmonizadora, que prezasse pela preservação da

ordem jurídica, essa, por sua vez, entende por justiça o zelo pela manutenção das

ordens social e política, agindo como força de harmonização e estabilização de

conflitos de diferentes esferas.

O ofício público seria a arte de julgar dentro da concepção

jurisdicionalista, fazendo da ordem jurídica o fim e o limite do poder político,

constituído como governo da justiça, algo com forte senso de conservação da

ordem e legitimado ideologicamente por bases teológicas (Cf. GARRIGA, 2004:

12-18).

O destacamento racionalizado e independente entre os problemas das

esferas religiosa, administrativa, política e econômica não era claro ou visto como

um instrumento auxiliar da prática governativa (TORGAL, 1981: 343-344). No

amplo universo de temas que envolviam as atividades do ministro D. Nuno da

Cunha de Ataíde, não existia clara divisão entre o direito, a religião e a política.

Tais assuntos contaminavam-se mutuamente e isso se refletia nos diversos

tópicos em que era consultado.

Apesar de despachar sobre variados temas e numerosos assuntos

simultaneamente, a pragmática exigida pelas funções ministeriais exercidas por

D. Nuno da Cunha de Ataíde não fizera dele um burocrata tecnicista, tal visão

36
seria anacrônica e incompatível com os fundamentos do modelo tradicional 31 de

apreender o mundo ao redor e seus fenômenos, que guiavam figuras-chave do

poder no reinado de D. João V.

Mesmo contando com certo pragmatismo para avaliar problemas de

diferentes espaços e dimensões, dentro e fora do Reino, a governança portuguesa

não deixava de contar com a ideologia religiosa como elemento central e de

transversalidade que perpassava por diferentes temas, conflitos e matérias

(XAVIER e HESPANHA, 1998: 344).

Questões como o nível dos lentes coimbrenses ou, ainda, matérias

referentes a assuntos militares e debates sobre a economia do Império se

apresentavam nesses documentos enviados a D. Nuno da Cunha de Ataíde e

eram analisadas sob um pragmatismo que revelava na prática um princípio

orientado por uma razão de Estado, onde a religião surgia como um elemento

norteador.

Essa razão de Estado pode ser vista em diversos pareceres do inquisidor-

geral. O Brasil, por exemplo, era alvo frequente de consultas por parte dos

Conselhos Ultramarino e de Estado.

31 Por “modelo tradicional” Ângela Barreto Xavier e António Manuel Hespanha entendem um
dos modelos mentais existentes entre os séculos XVII e XVIII que a sociedade de Antigo Regime
elaborou para se autocompreender, classificar, hierarquizar, justificar suas estruturas e
dinâmicas. O “modelo tradicional” rivalizava com o que os autores chamaram de “modelo
moderno” ou “pós-cartesiano”, que procurava entender os movimentos sociais, suas dinâmicas
e estabilidades, através da externalidade de suas materialidades. O universo intelectual dos
pensadores do poder, do Estado e do direito, em ambos os modelos, não enxergava clara divisão
entre teologia moral, direito e política. Juristas e teólogos compartilhavam basicamente o mesmo
universo literário. Esses paradigmas doutrinais da sociedade e da política concorreriam entre si
de forma mais acirrada até pelo menos a segunda metade do século XVIII, quando os adeptos do
modelo tradicional seriam sobrepostos pelos adeptos do modelo moderno dentro da burocracia
estatal e em grande parte dos espaços acadêmicos e intelectuais. Os defensores do modelo
tradicional passaram a contrastar de forma mais aguda com os pensadores modernos, suas
leituras persistiam no cultivo das doutrinas tardo-medievais e pré-modernas, enquanto
rechaçavam autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Tácito, materialistas, epicuristas e,
posteriormente, jacobinos (Cf. XAVIER e HESPANHA, 1998, pp.113).

37
Em parecer de 8 de março de 1712, o inquisidor-geral escreveu ao rei sobre

a província do Rio de Janeiro, alvo frequente de ataques de navios franceses

naquele período. Preocupava-o o fato de a província ter uma função estratégica

para o escoamento do ouro das Minas Gerais. O então capelão-mor alertava que

o nível dos candidatos a assumir o governo do Rio de Janeiro fosse alvo de maior

cuidado, contando com indivíduos de “maior suposição”, para organizar a

defesa local, melhorar o nível dos soldados e desencorajar a invasão da praça por

parte dos estrangeiros. Para o ministro era necessária a separação do Rio de

Janeiro do comando central de Salvador, pois:

se neste Reino sendo necessário só dois ou três dias para se


comunicarem as ordens de umas Províncias a outras, tem Vossa
Majestade separados os governos. Com quanto maior razão se
deve isto praticar onde há 200 léguas de distância por mar sendo
por terra muito mais (ANTT, TSO, CG, liv. 201).

Ainda no mesmo documento, além de antecipar em 50 anos a questão da

importância estratégica da província do Rio de Janeiro para o Brasil, que só viria

a tornar-se capital do território apenas em 1763, o ministro advertia o rei sobre

outra província crucial para Portugal naquele momento, a de Minas Gerais,

escrevendo:

[...] entendo que é preciso que Vossa Majestade mande


governador para as Minas de igual predicamento ao do Rio de
Janeiro assim porque o tempo deste Governador [refere-se ao
governador das Minas Gerias que naquela data era António
Coelho de Carvalho] está acabado. Os meios que Vossa
Majestade tem para conservar os presídios necessários são
muitos, porque além do rendimento de muitos contratos há
também os dos quintos, e se houvesse verdade e limpeza de
mãos é certo que de 18 milhões de ouro que vieram na frota
passada havia Sua Majestade ter de quinto mais de três e não
trezentos mil cruzados e devem mandar-se as causas de tamanha
diferença para que se não malogre a riqueza que Deus foi servido
por nos demônios de Vossa Majestade, para que não percamos o
crédito no Mundo de que por frouxos e descuidados não

38
soubemos defender o que com grande facilidade podíamos
conservar” (ANTT, TSO, CG, liv. 201).

Em outro parecer, datado de 12 de março de 1713, o já cardeal D. Nuno da

Cunha de Ataíde pede para que se alertassem aos governadores das províncias

sobre a presença de navios estrangeiros nas costas brasileiras. O cardeal apela,

nesse parecer, para que as autoridades responsáveis evocassem os tratados

internacionais, dos quais Portugal era signatário. Nesses tratados permitia-se aos

navios de nações amigas atracar em portos brasileiros apenas para

reabastecimentos e reparos, mas nunca para realizar comércio direto com a

colônia. No mesmo documento o cardeal exigia ainda que fosse ordenado aos

governadores locais que punissem com prisão imediata os vassalos que

descumprissem tais ordens.

Em 26 de setembro de 1715, o marquês de Angeja, então vice-rei do Brasil,

consultou o Conselho Ultramarino sobre a possibilidade de abrir o comércio do

Brasil às nações amigas.

O cardeal, ao saber da carta consultiva do marquês ao dito Conselho, escreveu

ao rei posicionando-se firmemente contra tal possibilidade, argumentando que a

medida abriria espaço para as naus estrangeiras invadirem o comércio com o

Brasil e que isso representaria a “destruição” de Portugal32. D. Nuno da Cunha

de Ataíde objetava que os estrangeiros poderiam convencer os vassalos

32O cardeal afirmou em outro parecer: “Sem Brasil não se pode conservar este Reino”. No início
do governo joanino, o Brasil já se apresentava como lugar central para as ambições portuguesas,
desbancando os territórios ultramarinos na Ásia, que ainda ocupavam boa parte dos esforços
portugueses em nível diplomático, principalmente nas tentativas de retomada do prevalecimento
do Padroado português na região e sobre as questões dos ritos chineses. Todavia, em termos
econômicos, o Brasil começava a despontar como território-chave para financiamento dos
projetos reinóis, graças às remessas do ouro e das pedras preciosas descobertas nos fins do
reinado petrino. Apesar da centralidade econômica que o Brasil e seu ouro começavam a
representar, a elevação do território brasileiro a vice-reinado só ocorreria com a mudança da
capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. Contudo, é preciso ressaltar que, após a ida
do marquês de Angeja para o governo do Brasil, apenas nobres com titularidade foram nomeados
para o cargo e, mesmo sem a elevação efetiva do território a vice-reinado, todos o foram com
patente de vice-rei, com exceção do conde de Vimieiro (Cf. ANTT, TSO, CG, liv. 191, f.18).

39
residentes no Brasil a pressionar a Coroa para abrir o comércio local às nações

amigas.

A abertura do comércio brasileiro, segundo o cardeal, iria causar grandes

“intrigas” internacionais e as nações estrangeiras iriam disputar o monopólio

desse comércio. Na continuação da carta, o cardeal pedia ao rei que avisasse aos

enviados portugueses que atuavam no estrangeiro, principalmente na Holanda

e na Inglaterra, para alertarem aquelas nações a desistissem da pauta.

Essa não era a primeira vez que o cardeal tomava uma posição dentro dos

paradigmas mercantilistas concernentes à economia de Portugal com suas

colônias.

Em outro episódio, no ano de 1710, ao verificar as consultas feitas pelo

Desembargo do Paço e pelo Conselho da Fazenda sobre a possibilidade de

entrada no comércio português de vinhos e cervejas importadas, o ministro do

despacho universal posicionou-se de forma protecionista33.

Para o cardeal, essa abertura significava um risco para o Reino, pois poderia

levar a perda de sua reputação internacional na fabricação do gênero, que,

segundo ele, era o principal gênero português e responsável pela pequena parte

positiva da onerosa balança comercial lusitana.

Contudo, não apenas em relação a assuntos ligados ao comércio e à produção

se debruçava os pareceres e votos do cardeal. Questões internas sobre saúde

pública, recepção de autoridades estrangeiras, organização de festejos, lutos e

celebrações religiosas também passavam pelo crivo do cardeal. No âmbito

33O cardeal era figura próxima da Casa de Ericeira e foi influenciado pelas teses mercantilistas
do 2º conde de Ericeira, que defendia o desenvolvimento da manufatura e das grandes oficinas
em Portugal. A política desenvolvimentista foi desmantelada quando as primeiras remessas de
ouro do Brasil começaram a chegar no ocaso do reinado petrino, o que mudou os planos de
investimentos e os desenhos da produção em Portugal ao longo do século XVIII, ao menos até o
período pombalino. Sobre o tema ver: LAINS, Pedro e SILVA, Álvaro Ferreira da. História
Econômica de Portugal (1700-2000). Volume I – O Século XVIII (Lisboa: Imprensa de Ciências
Sociais, 2005).

40
externo o cardeal acompanhava de maneira muito próxima o desenrolar das

estratégias e políticas diplomáticas de Portugal.

O papel desempenhado pelo cardeal foi de suma importância para a

diplomacia portuguesa durante o maior conflito bélico do século XVIII, a Guerra

de Sucessão Espanhola (1707-1714), bem como para o desenvolvimento do

projeto romano de D. João V.

3.3. O inquisidor-barroco no palco político internacional

No palco internacional, o tratado de Vestfália (1648) marcou uma nova fase

nas relações entre os territórios europeus. Uma nova atitude em relação às

questões de domínio e soberania territoriais formou-se após a tratativa que

definiu o término da Guerra dos Trina Anos (1618-1648).

Essa atitude era pautada por uma postura secularizada, afastada das antigas

concepções do direito imperial romano. Um “direito pátrio”, fundado numa

“razão de Estado” ajudou no esvaziamento dos fundamentos teológicos na

política das negociações internacionais do período, como, por exemplo, aqueles

que sustentaram a decisão do papado sobre as prerrogativas do Padroado aos

Reinos Ibéricos (Cf. KANTOR, 2005). Esse processo diminuiu a força de

influência do papado nas questões internacionais.

Todavia, para a Coroa portuguesa, Roma ainda era o principal palco

internacional para exibições de força e de poder político. Era na Cidade Eterna,

aos olhos de cardeais, burgueses e nobres oriundos de várias nações, que D. João

V almejava apresentar uma consolidada Dinastia de Bragança, com o intuito de

resgatar à Coroa portuguesa o prestígio e os privilégios perdidos após 1580,

assentando Portugal entre as grandes potências católicas.

Após 1640, a diplomacia portuguesa aprendeu, no oscilar das condições do

Reino e de seu Império ultramarino, a dirigir seus esforços para onde parecia

41
mais seguro em conservar seus territórios e sua soberania. Foi deste modo que

Portugal conseguiu desenvolver um corpo diplomático atento e oportunista,

obstinado em procurar construir o projeto de nação almejado por D. João V, antes

de tudo, reestabelecer o prestígio internacional de Portugal deteriorado após

1580.

Após conturbado período de conflitos bélicos em várias partes do globo para

reestabelecer territórios perdidos durante a União Dinástica, os portugueses

procuraram, no último quartel do século XVII, se estabelecer como uma nação

neutra e afastada dos grandes conflitos militares continentais, uma estratégia

forçada pelas condições degradadas de suas forças armadas e do nível pouco

profissional de seu corpo diplomático.

O deflagrar da Guerra de Sucessão Espanhola retirou Portugal de sua posição

neutral e, guiado pelos votos do cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde, de seu

padrinho, o conde de Castelo Melhor, do enviado português na Inglaterra D. luís

da Cunha, entre outros, após uma série de complexas tratativas, definiu-se que a

posição portuguesa seria de formar aliança junto a Inglaterra, Império e as

Províncias Unidas contra Luís XIV e seu neto, pretendente do trono espanhol, o

duque de Anjou34.

A administração diplomática em Portugal no início do século XVIII não

contava com um órgão especializado para avaliar as atividades e as estratégias

das relações internacionais do Reino. Antes de 1736 o Conselho de Estado servia

como consultor das movimentações diplomáticas, mas o peso maior nessa área

cabia ao secretário de Estado que recebia boa parte da correspondência

internacional dos agentes portugueses e as repassava para as pessoas mais

indicadas em oferecer auxílio nos temas discutidos.

Sobre o conflito ver: CARDIM, 2017; CLUNY, BRAZÃO, 1980; MONTEIRO, CARDIM E
34

CUNHA, 2005.

42
Todavia, não pesava apenas nas costas do secretário de Estado o recebimento

epistolar das missões portuguesas. O ministro do Despacho Universal recebeu

durante boa parte do primeiro quartel do século XVIII cartas com conteúdo de

diplomacia ou questões internacionais envolvendo assuntos da Coroa ou da

Santa Sé. O peso do inquisidor-geral na ordem de despacho nos assuntos

diplomáticos se fazia sentir, inclusive, nas indicações de agentes para as

missões35. Além do mais, como membro do Conselho de Estado e deputado da

Junta dos Três Estados o ministro participava como consultor para a adscrição de

verbas para as missões no exterior e para as embaixadas portuguesas espalhadas

pela Europa.

Entre 1709 e 1714, D. Nuno da Cunha de Ataíde recebeu correspondência

oriunda dos comandantes militares portugueses noticiando sobre suas situações

nos campos de batalha e sobre os andamentos logísticos e políticos da Guerra de

Sucessão Espanhola.

Os condes da Ribeira Grande, de São Lourenço, de Alva, da Ponte, de

Coculim e de Vila Verde enviavam assiduamente ao ministro cartas que

abordavam queixas de saúde, súplicas por mantimentos, dúvidas sobre possíveis

armistícios e descrições sobre as batalhas vencidas e perdidas, além de manter o

35Conforme podemos verificar nos livros 87 e 291 do ANTT, TSO, CG. Em 1708, Nuno da Cunha
de Ataíde e Melo foi consultado sobre o envio de ministros, embaixadores e enviados para as
seguintes cidades: Embaixador-Extraordinário para Roma (1708), Enviado para substituir D. Luís
da Cunha para Londres (1709); Embaixador para a França (1713); Ministro para a Inglaterra
(1714); Embaixador para Castela (1715); Embaixador para Viena (1715);e Enviado para Holanda
(1719). Na hierarquia dos ofícios diplomáticos, os representantes de primeira ordem eram os
Embaixadores Ordinários e Extraordinários. Esses representantes de primeira ordem eram
nomeados para representar o rei de forma temporária em uma missão em alguma corte
importante no cenário continental, costumavam aparecer em solenidades importantes que
requeriam amplo conhecimento dos ritos e etiquetas, tais como: batismos de príncipes, funerais
reais, coroações, etc. Ministros plenipotenciários e Enviados eram tidos como representantes de
segunda ordem nas missões, geralmente, esses representantes eram acionados em missões que
exigiam maior tecnicidade e sigilo. Os representantes de terceira ordem eram os: Residentes,
Agentes e Cardeais, que costumavam fazer representações para a Coroa portuguesa em
negociações internacionais. Diplomatas de segunda e terceira ordem chefiavam quase 80% das
missões portuguesas (Cf. CARDIM, MONTEIRO e FELISMINO, pp.288).

43
ministro a par da situação dos regimentos e fortificações que faziam fronteira

com Castela (Cf. ANTT, TSO, CG, liv. 87).

Essas cartas elucidativas sobre o caminhar do conflito eram essenciais para as

estratégias políticas, militares e para as possíveis negociações de Paz. Em três de

novembro de 1712, por exemplo, já se alertava o cardeal que circulavam notícias

que o comando inglês, naquela data, recebia orientações para a publicação de um

possível tratado de paz com Castela. O remetente dizia ter recebido ordens dos

ingleses para publicar e distribuir entre os portugueses da praça a notícia de paz.

As notícias, boatos e troca de informações envolvendo, inclusive, comandos

estrangeiros eram repassados para a atualização do cardeal e dos outros

conselheiros do rei sobre o que se passava nos campos de batalha. A

correspondência trocada entre D. Luís da Cunha36 e D. Nuno da Cunha de Ataíde

entre fevereiro de 1709 e janeiro de 1715 sobre as tratativas da guerra e da paz

nos ajuda a ter dimensão do papel do ministro do Despacho Universal no

desenrolar do conflito continental e a entender os ensejos da Corte lusitana nas

estratégias diplomáticas que seriam lançadas por Portugal até as negociações

pelo fim do conflito em Haia (Cf. BNP, cód. 1209, f.100-102).

Em 30 de abril de 1715, às quinze horas, D. João V ordenou a publicação final

da Paz com Castela. Às 9 horas o rei foi à Capela Real onde assistiu ao Te Deum

e, durante três noites seguidas, Lisboa viu-se repleta de luminárias, salvas de

canhão irrompiam em festejos e odes foram celebradas em homenagem ao fim

do conflito.

36D. Luís da Cunha serviu como um verdadeiro “oráculo” para a diplomacia portuguesa na
primeira metade do século XVIII. A correspondência oriunda de várias partes da Europa
remetidas por diversos agentes portugueses espalhados pelo continente era remetida para
agentes do cume da política cortesã, como o cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde e o secretário
de Estado, Diogo de Mendonça Corte-Real, além de membros-chave do Conselho de Estado,
como o duque de Cadaval e os marqueses de Alegrete e Abrantes. Os agentes cortesãos
reenviavam cartas com dúvidas e variados pedidos para o diplomata português e este, distribuía
correspondência a todos emitindo impressões e traçando estratégias. Entre os seus destinatários
mais recorrentes estava o ministro do Despacho Universal.

44
Todos os elementos das festividades pela paz foram organizados pelo cardeal

D. Nuno da Cunha de Ataíde. No mesmo ano de 1715, em setembro, o Reino de

Castela voltaria a ser objeto das tarefas ministeriais do cardeal devido a

incumbência de remeter um voto com novo nome para a embaixada em Castela

(Cf. ANTT, TSO, CG, liv. 78).

A Guerra de Sucessão Espanhola foi para Portugal um dos momentos mais

críticos durante o Antigo Regime. A participação lusa em um conflito continental

de grandes proporções, com certa preponderância entre os atores do conflito, foi

decisiva para a afirmação da frágil dinastia de Bragança no cenário internacional

e firmou as bases históricas de sua política externa alicerçada, em boa medida, no

apoio inglês.

O projeto que deu a Portugal, em cenário mais amplo, uma posição de nação

autônoma e partícipe ativo dos jogos políticos entre as potências europeias, teve

seu início com a Restauração de 1640, conquistou as bases desse projeto com a

Paz de 1668 e alcançou a solidez que permitiria maiores ambições com a

participação portuguesa na Guerra de Sucessão Espanhola.

As velhas chagas estruturais do Reino foram explicitadas com maior

veemência após o conflito, tais como: a falta de uma burocracia mais centralizada

e organizada, que apresentasse um centro de comando mais claro, o que afetou

os comandos dos exércitos portugueses na guerra e atrasou em diversas ocasiões

o exercício dos agentes diplomáticos; assim como a desorganização naval e

militar do Reino, muito criticada pelas lideranças aliadas, pelos abusos,

indisciplinas e egoísmo dos comandantes aristocratas portugueses (Cf. CARDIM,

2017, pp.440-441).

A governança também passou por mudanças graduais após o conflito

continental. A secretaria de Estado mostrou-se muito acionada e ativa durante a

guerra, em detrimento do Conselho de Estado, que atuou de forma bem mais

discreta e, após 1725, deixou de ser convocado. As reformas mais sérias só viriam

em 1736, mesmo assim, não de forma programática como as reformas Bourbon

45
realizadas em Castela, mas mais gradual, com o lento afastamento político das

grandes lideranças que circundavam o centro do poder em Portugal entre fins do

reinado petrino e início do reinado joanino.

Após o conflito continental, Portugal concentrou suas atenções aos assuntos

referentes às suas possessões na América e na Ásia. O cardeal D. Nuno da Cunha

de Ataíde, ao analisar a correspondência diplomática de D. Luís da Cunha em

maio de 1719, teceu uma série de instruções sobre variados temas que deveriam

ser analisados pelo rei, entre os pontos estavam as velhas preocupações com as

relações diplomáticas com a Santa Sé.

Apesar dos resquícios de negociações da Guerra de Sucessão que ainda

envolviam Portugal e as potências europeias, o projeto romano de D. João V não

saiu de pauta. Nesse projeto, a questão do Padroado da Ásia fazia-se central.

Clemente XI era visto pelos embaixadores portugueses como um apoiador da

causa lusitana para reaver seus direitos na Ásia. Um dos pontos centrais da

política externa de D. João V era restabelecer os direitos e prerrogativas do

Padroado português na região asiática, questão que vinha sendo negociada

desde o reinado de D. Pedro II.

Portugal demandava junto ao Papa Clemente XI que confirmasse os bispos

portugueses para que eles executassem os decretos dos ritos chineses, todavia, a

Santa Sé resistia em permitir ao Reino lusitano nomear os bispos que iriam à

China e preferia manter o poder direto da propaganda fide sobre as dioceses

chinesas, remetendo visitadores ou enviados apostólicos para a região.

A Santa Sé argumentava que os cristãos na China estavam exterminados e

que não via razão para que Portugal enviasse seus bispos. A Coroa portuguesa

apelava à Santa Sé baseada nas bulas de Inocência XII que confirmavam seu

padroado asiático, mas encontrava resistência, principalmente, do secretário de

Estado da Santa Sé, o cardeal Paulucci, que insistia no envio de missionários440.

O cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde insistia com veemência para que D.

João V não abrisse mão de suas prerrogativas na Ásia. Em Portugal não se

46
apoiava o decreto contra os ritos chineses, desconfiavam que o decreto

atrapalharia suas ambições para a nomeação dos bispos. A postura portuguesa

mudou em relação ao decreto dos ritos chineses e, mesmo assim, Roma

permaneceu contrária ao envio de bispos portugueses às dioceses chinesas.

Lamentava o cardeal D. Nuno da Cunha, dando a causa como perdida os anseios

portugueses:

Nestes termos, conhecendo eu que o fim de Roma é eternizar esta


pretensão justa da Coroa de Portugal mandando visitadores
apostólicos, missionários governados pela Propaganda, ei de
aconselhar a Sua Majestade que não inste, que se aquiete, que
basta o que está feito e que perca a Sua Coroa aquela preciosa
pérola do Padroado da China porque só fica com 6 províncias e
a Propaganda com 9. Não me atrevo a tanto, antes digo que, se a
Sé Apostólica duvidar da nomeação dos bispos, não consista em
Sua Majestade que daqui parta o Legado sem ter porque depois
havermos de arrepender não ter remédio (ANTT, TSO, CG, liv.
191).

A questão era difícil e o cardeal sabia que Roma não iria abrir mão de

influenciar diretamente o território chinês sem precisar do intermédio de

nenhuma coroa. Como de fato se sucedeu.

As relações da Coroa portuguesa com a Santa Sé no início do reinado de D.

João V foram positivas, marcadas por importantes conquistas para o reinado

joanino, como a elevação da Capela Real à Colegiada em 1710, a nomeação de D.

Nuno da Cunha de Ataíde ao cardinalício em 1712, a confirmação da Bula

Unigenitus pelos Lentes e autoridades da Universidade de Coimbra em 1713, o

envio das faixas bentas para o filho primogênito de D. João V em 1714, a eleição

a cardeal de D. José Pereira de Lacerda em 1716 e o envio do auxílio militar aos

venezianos contra as naus turcas em 1717.

As conexões portuguesas em Roma tecidas por seu corpo diplomático e a

proteção obtida dentro do colégio cardinalício dos cardeais Conti (antigo núncio

em Portugal e, posteriormente, eleito papa) e Albani (sobrinho do papa)

ajudaram na obtenção das honrarias (Cf. ASV, Segnatura, 74, f. 92r).

47
A trajetória meteórica do inquisidor-geral não se deveu apenas aos laços

afetivos que preservava junto ao rei antes mesmo do seu reinado, mas também

aos ambiciosos projetos que o rei projetava junto à Igreja Católica.

Até a elevação de D. Tomás de Almeida ao patriarcado lisboeta em 1716, o

grande espelho do prestígio da Igreja em Portugal era justamente D. Nuno da

Cunha de Ataíde, que colecionava dignidades, títulos e honrarias com o intuito

de propagandear e engrandecer os projetos joaninos em Roma.

Acreditamos que D. Nuno da Cunha de Ataíde era uma figura cotada para

assumir o patriarcado de Lisboa, afinal, era o capelão-mor do rei, todavia, sua

inserção cada vez mais aguda nos assuntos de governança e suas atividades

enquanto inquisidor-geral podem ter mudado a ideia de D. João V, que preferiu

manter o inquisidor-geral como uma figura política próxima e de fácil acesso,

além do mais, não seria sensato dispô-lo para uma função que exigiria plena

dedicação como a de Patriarca e limitar sua participação em questões políticas

mais alargadas.

O ano de 1720 assistiu as relações entre Portugal e Roma sofrerem uma série

de desgastes, nas palavras da pesquisadora Marília de Azambuja Ribeiro (2019,

pp.43):

O início do ano de 1720, todavia, seria marcado pela ruptura


dessa relação relativamente harmônica entre os dois soberanos,
uma vez que Clemente XI negava-se a conceder o capelo
cardinalício a Vincenzo Bichi que então findava o exercício de
sua nunciatura em Lisboa. Tal objeção tocava diretamente no
projeto da coroa portuguesa de obter um tratamento equivalente
ao dado à França, Espanha e Império, que então já tinham
garantido o direito de nomeação a cardeal de todos os antigos
núncios em seus territórios. Ademais, toda a questão deve ter
sido vivida pela corte de Portugal como uma espécie de
retrocesso, tendo em vista que Michelangelo Conti que havia
sido núncio em Lisboa antes de Bichi, havia recebido o capelo
antes mesmo de seu retorno a Roma. A morte de Clemente XI,
no início de 1721, acabaria por deixar o problema em aberto.

48
Apesar dos problemas com o pagamento dos quindênios dos padres

portugueses por parte de Roma e a insatisfação com o caso do monsenhor Bichi,

D. João V não se furtou em enviar seus cardeais para o primeiro conclave após o

fim da Guerra de Sucessão Espanhola.

Em 1721, os cardeais D. Nuno da Cunha de Ataíde e D. José Pereira de

Lacerda foram convocados para o conclave no Vaticano após a morte do papa

que os havia elevado a príncipes da Igreja, Clemente XI. Em nove de maio

partiam os purpurados portugueses a Roma, com a primeira missão de se aliar

aos cardeais partidários dos interesses imperiais durante as votações.

Eram quatro os partidos formados para esse conclave. Havia o grupo dos

cardeis ligados ao papa anterior, Clemente XI e o grupo dos zelanti, formando os

dois grupos da Cúria; os outros dois partidos eram políticos: o partido imperial,

onde se encontrava os cardeais portugueses; e o partido Bourbon formados por

cardeais apoiadores das causas castelhana e francesa.

O grupo clementino, ligado à Cúria, era um dos mais fortes, pois, dos 68

cardeais vivos naquela data, 54 haviam sido eleitos por Clemente XI (o conclave

iniciou-se com 27 cardeais). Da parte do partido imperial, o cardeal Althan foi

incumbido de impedir a eleição dos cardeais Paulucci, Sagripanti, Olivieri e de

insistir na eleição de um dos seguintes cardeais: Pignatelli, Tanara, Conti, Spada,

Boncompagni, Davia, Carracciolo, Paracciani, Ruffo e Gozzadini. Os espanhóis

apoiavam os cardeais Acquaviva, Borgia e Belluga, unindo forças à França, mas,

para desventura da coalisão Bourbon, o partido imperial era muito mais

numeroso (Cf. VON PASTOR, 1941, pp.5-9).

Os cardeais portugueses não chegaram a tempo de participar do conclave. A

eleição foi decidida com a cooptação do maior partido do conclave, ou seja, o

clementino, liderado pelo sobrinho do papa anterior, cardeal Albani. O outro

partido curial, o partido dos zelanti, era pequeno e de pouca influência, liderado

pelo cardeal Fabroni, não passando de oito membros.

49
A indecisão e o perfil heterogêneo dos partidos curiais abriram espaço para a

ação incisiva dos partidos políticos, o imperial e o Bourbon. Era o primeiro

conclave, em muito tempo, onde a Corte Imperial não contaria com o apoio de

Castela e havia a sensação na Cúria que os partidos curiais eram mais propícios

ao partido Bourbon.

Após os desgastes da Guerra de Sucessão Espanhola, o conclave de 1721 era

um ato político de importância ainda mais elevado do que de costume para as

potências católicas, o que tornava o pleito alvo de maiores pressões e ansiedades.

A contagem do partido imperial girava em torno de 20 a 25 votos e

desconfiava-se que muitos cardeais em território Habsburgo apoiariam o partido

Bourbon. Segundo o historiador von Pastor (1941), entre os partidários imperiais

havia a esperança que os cardeais portugueses chegassem a tempo e os

favorecessem na eleição papal.

Todavia, apesar das possíveis desvantagens, os partidários imperiais agiram

rápido e deixaram claro quem eram seus candidatos. O Imperador enviou suas

instruções sobre quais cardeais deveriam ser excluídos do seu apoio e alertou ao

cardeal Althan para que sondasse os cardeais apoiados pela Polônia e por

Portugal.

Os Bourbon não contaram com apoio de muitos cardeais que se atrasaram

para o conclave. O cardeal Acquaviva aconselhava Madrid sobre quais nomes

apoiar, mas o atraso de seus cardeais impediu que qualquer partido do conclave

obtivesse força o bastante para sustentar um nome.

Decidiu-se, então, de forma unanima, que o novo papa deveria ser um cardeal

“di età decrepita” o que, segundo Petrucelli, favorecia aos imperiais, que contavam

com o apoio de vários cardeais anciões em territórios italianos.

Todos os partidos concordaram em apostar num papado curto, conservador

e sem grandes rupturas. Orsini passou a ser o favorito, Pamphili, Tanara e

Barbarigo também eram apostas fortes. O cardeal Conti era, nas palavras de von

Pastor (1941, pp.13):

50
“well known for his adroitness and skill in secular affairs; he
belonged to a distinguished family which in the past had given
many popes to the Church. As a nuncio in Portugal and
Switzerland he had gained both experience and friends; the
Emperor also held him in respect. As his connections with Lisbon
carried little weight, France also kept him in view”.

Contra Conti pesava sua frágil compleição e não era considerado tão idoso

quanto queriam os conclavistas, contava com 66 anos. Os franceses não apoiaram

os cardeais que se mostraram muito atuantes durante os litígios provocados pela

Bula Unigenitus, o que afastou os cardeais Corsini e Fabroni.

Paulucci, por ter sido secretário de Estado de Clemente XI e Albani por sua

proximidade com a Espanha também foram travados. No dia 19 de abril de 1721,

os dois partidos políticos concordaram, portanto, em apoiar Conti para papa.

O novo favorito, com o intuito de abarcar o apoio francês, comprometeu-se

em fazer do arcebispo Dubois de Cambrai um purpurado. Com essa promessa

Conti conseguiu o apoio de Althan e Ottoboni e, finalmente, com a intervenção

da rainha de Portugal junto à Corte de Viena, foi eleito papa.

O único centro de oposição a Conti que restou foi a do cardeal Acquaviva,

representante de Castela no conclave, que ainda tentou por meio de panfletos

difamatórios distribuídos em Roma, destruir as ambições do cardeal favorito

associando-o ao jansenismo, mas com a intervenção do duque de Parma junto à

rainha de Castela, dissipou-se a resistência do isolado cardeal Acquaviva.

Michelangelo Conti foi eleito papa no dia 8 de maio de 1721, dia do seu

patrono, São Miguel. Escolheu o nome de Inocêncio para homenagear um

antepassado seu que também foi papa, Inocêncio III.

Os jesuítas espanhóis tentaram apoiar Acquaviva na campanha espanhola

contra Conti, mas os cardeais que apoiariam Acquaviva na oposição não

chegaram a tempo em Roma. A eleição de Conti pode ser vista como uma vitória

para Portugal, pois esse cardeal era o protetor da Coroa lusitana em Roma. O

pequeno peso diplomático de Portugal não atrapalhou Conti contra os espanhóis,

51
apesar de, quando núncio em Portugal, Conti influenciou a Coroa lusitana contra

os planos de Luís XIV e do seu neto, o duque de Anjou, futuro Filipe V de Castela.

D. João V contava com grande apreço junto ao novo papa, que escreveu de seu

próprio punho uma carta para o rei português com congratulações e garantindo

a extensão dos efeitos da Bula da Cruzada por mais seis anos. O rei português

esperava conseguir com Inocêncio XIII a satisfações do seu projeto internacional

e o fim da polêmica do caso do núncio Bichi452.

Em Leone, após nove dias de viagem, os cardeais portugueses souberam que

Inocêncio XIII já havia sido eleito. Em 29 de maio de 1721 chegaram a Roma e

foram recebidos pelo embaixador português, André de Melo e Castro.

Foram acompanhados em quatro coches pelos cardeais Althan (Império),

Ozakchi (Hungria) e o da Alsácia. Os cardeais portugueses foram recebidos em

audiência pelo novo papa, antigo núncio em Portugal por doze anos, uma

semana após a entrada em Roma.

Após os protocolos devidos e do seguimento dos rituais, no dia 16 de junho o

cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde foi prestigiado com o título de Santa

Anastácia. Na Santa Sé, o cardeal português foi nomeado para as congregações

de propaganda dos bispos e regulares, do consistorial e dos ritos. A vida do

inquisidor-geral em Roma foi marcada pela ostentação que, para além do

desfrute dos luxos de seus aposentos e da vida social intensa da Cidade Eterna,

também representava uma certa necessidade de afirmação política para Portugal,

na tentativa de se fazer representar como um Reino rico, poderoso e de mesmo

patamar que as outras potências católicas37.

37Sobre a intensa e festiva agenda dos representantes portugueses em Roma, escreve Marília de
Azambuja Ribeiro (2019, pp.43-73): “Os cardeais portugueses que chegaram a Roma no final de
maio de 1721 logo se associaram ao embaixador português na organização de inúmeros eventos
que marcam os anos do pontificado de Inocêncio XIII. [...] Este ano foi também marcado pelo
apogeu do mecenato teatral dos representantes da corte joanina em Roma. Ainda que durante a
década de 1710, o marquês de Fontes já havia patrocinado dois espetáculos em honra da
monarquia portuguesa que tiveram lugar em seu palácio nos anos de 1713 e 1714 e que os
testemunhos escritos desses eventos tenham chegado até nós graças a dois libretos impressos por
Girolamo Rabetti, na cidade italiana de Lucca, nada se compara ao mecenato músico-teatral

52
Em Roma, o mecenato sumptuoso e furor público nas aparições38 do

inquisidor-geral andavam de acordo com os projetos joaninos para com a Santa

Sé. É nesse contexto que D. Nuno da Cunha de Ataíde abriu espaço, por exemplo,

na Inquisição romana para a publicação da obra do jesuíta padre António Vieira,

figura anteriormente perseguida pela Inquisição portuguesa era agora utilizada

como instrumento político através de sua obra para as ambições do projeto

político de D. João V de se apresentar como um rei poderoso, rico e de reinado

bem-aventurado, filho das profecias contidas na obra Clavis Prophetarum (Cf.

RIBEIRO, 2019).

O cardeal deixou a Itália em junho de 1722 em direção a Paris, onde recebeu

ordens de D. João V para obter uma audiência com o rei de França, Luís XV, e

seu regente temporário, o duque de Orleans, além do primeiro-ministro francês,

o cardeal Dubois. A sua rápida passagem pela França tinha como intuito angariar

informações do Congresso de Cambrai, da qual Portugal não era partícipe oficial.

colocado em ato por André de Melo e Castro e pelos cardeais Cunha e Pereira. Dos trinta e dois
espetáculos teatrais realizados no ano de 1721 de que se tem conhecimento, seis foram
patrocinados por esses três representantes lusitanos, assim, juntamente com Michael Van Althan
– cardeal protetor do Império –, Pietro Ottoboni – Vice-Chanceler do estado pontifício – e o
Príncipe Francesco Maria Ruspoli, eles foram os mais importantes mecenas dessa temporada
operística. Dentre essas peças, aquelas dotadas de maior significado político, seja pelo seu
conteúdo, seja pelo público para o qual foram executadas, são a pastoral La virtù negl’amori e as
cantatas La Ninfa del Tago e Religione, Virtù, Nobiltà. [...] La ninfa del Tago, de compositor
desconhecido, com música também atribuída a Alessandro Scarlatti e patrocinada pelo cardeal
Cunha, fora executada em 22 de outubro de 1721, por ocasião do aniversário de 32 anos de D.
João V, no palácio do embaixador português. Já Religione, Virtù, Nobiltà foi uma peça musicada
por Francesco Gasparini e dedicada a Inocêncio XIII que foi executada no contexto de uma festa
acadêmica promovida pelo cardeal Pereira que teve lugar no Colégio Clementino em outubro
desse mesmo ano. Nas duas primeiras peças é claramente retomado o mesmo tema dos vínculos
entre Roma e Lisboa, todavia a linguagem adotada nessas serenatas apresenta-se em parte
renovada, na medida em que parece ter se adequado ao gosto dos Árcades. [...] Durante o
carnaval de 1722, os cardeais portugueses vão promover outros três espetáculos, dois no Teatro
Capranica e outro no Colégio Clementino. Todavia, para além dos espetáculos teatrais, o cardeal
Cunha buscou deixar uma marca menos fugaz de sua passagem pela cidade papal: detentor do
título de Santa Anastasia no Palatino desde 1712, o cardeal português dedicou-se à reestruturação
do interior do edifício da basílica de que era o cardeal-presbítero contratando para tanto o pintor
romano Michelangelo Cerruti e o arquiteto maltês Carlo Gimach”.
38 Para além das festas, peças teatrais, óperas, reformas em Igrejas e passeios em luxuosos coches

onde somas avultosas eram distribuídas entre os pobres de Roma, o inquisidor-geral


protagonizou um batismo público de uma moça judia

53
Em Versalhes, o cardeal pediu uma audiência incógnita, para evitar os atrasos

dos protocolos e rituais formais e seguiu com ampla comitiva para o palácio do

cardeal Dubois onde tentou remover as autoridades franceses de continuar

impedindo a presença oficial portuguesa em Cambrai (Cf. BRAGA, 1992, pp.46-

48).

Apesar de não conseguir a promessa de participação lusitana no Congresso

de Cambrai, o cardeal Dubois prometeu ao cardeal português que resguardaria

os pedidos de D. João V de garantias de respeito ao comércio e aos territórios

portugueses.

Após seu retorno a Portugal, o cardeal continuaria a par dos assuntos

estrangeiros e de governança, mantendo correspondência com diplomatas,

nobres e autoridades sobre o que ocorria no Reino e no mundo e qual o papel que

Portugal deveria sustentar em diferentes contextos.

Após as reformas das secretarias de 1736 e o fim da “era dos Conselhos”39, o

cardeal distanciou-se dos centros imediatos de tomada de decisões, apesar de,

sua presença no Paço ser constante praticamente até sua morte em dezembro de

1750 no início do reinado josefino.

A reforma das secretarias de 1736 trouxe um novo arranjo do poder e, nesse

processo de reformulação, o velho cardeal foi voto vencido. A proposta

vencedora do cardeal da Mota previa três secretários, baseando-se no exemplo

francês e castelhano, enquanto que o cardeal D. Nuno da Cunha de Ataíde

defendia o voto na manutenção do modelo de governança que o levou ao Paço

39O primeiro círculo de poder em torno de D. João V, efetivado em 1707, contando ainda com
vários nomes influentes oriundos do reinado de D. Pedro II, vai tornando-se cada vez mais
restrito ao longo do tempo e, por volta de 1720, encontra-se limitado basicamente ao cardeal Nuno
da Cunha, a Diogo de Mendonça Corte Real, ao duque de Cadaval e aos marqueses de Abrantes
e Alegrete. O irmão do marquês de Gouveia, D. Gaspar da Encarnação, após a década de 20 do
século XVIII também vai se tornando um integrante influente junto ao poder real. A debilitação
gradativa do Conselho de Estado, que deixa de ser convocado a partir da segunda metade do
reinado de D. João V, afasta paulatinamente a nobreza titular do Reino dos lugares centrais da
governação, afetando decisivamente a influência que o cardeal Nuno da Cunha gozava junto ao
poder central. A reforma administrativa efetuada em 1736 deu maior ênfase a essa tendência (Cf.
Paiva, 2006. pp. 492-494).

54
ainda durante o reinado petrino, contando com apenas uma mudança em sua

estrutura, qual seja, a de contar, dessa vez, com dois secretários fazendo a função

que por longos anos desempenhou sozinho o então recém-falecido Diogo de

Mendonça Corte Real (Cf. BNP R. 8058, fl. 240-243v). A nova configuração trouxe

novos nomes ao centro do poder, e disto fez-se sentir nas nomeações para

diversos ofícios clericais e seculares. Indivíduos que agora não faziam parte da

rede clientelar do inquisidor-geral.

A morte do velho cardeal em 1750 marcou também os momentos finais da

Inquisição Barroca, plenamente superada após a queda de D. José de Bragança,

um dos meninos de Palhavã, derrubado do posto máximo da inquisição

portuguesa pela política pombalina.

Após a morte de D. Nuno da Cunha de Ataíde, deu-se um hiato de quase 8

anos de sede vacante no Santo Ofício. A tentativa da instituição em manter-se

próxima à Monarquia demonstrando força e prestígio contando em seu posto

máximo com um filho ilegítimo do rei, mostrou-se falha.

Entretanto, apesar da alienação total do Santo Ofício pela Coroa que viria e

ocorrer após a queda de D. José de Bragança com menos de 2 anos no cargo (1758-

1760), uma nova fase institucional remodelava o Tribunal da Fé português, mais

instrumentalizado e estatizado do que nunca o fora. Seguiram-se quase 10 anos

até o reinado josefino escolher D. João Cosme da Cunha, em 1770, para liderar o

Santo Ofício. Talvez, esse último esforço de adaptação dessa instituição a tenha

feito resistir até a Revolta Liberal de 1821.

Conclusão

Procuramos demonstrar que o Santo Ofício português, devido a uma série de

circunstâncias já elencadas, precocemente desenvolveu uma sólida cultura

institucional e uma alargada jurisdição e influência sobre outros corpos da Igreja

55
e do Estado durante o Antigo Regime português. O que ajudou, posteriormente,

na sua instrumentalização pela Coroa em seu processo de concentração de poder.

Mesmo durante o domínio filipino, a Inquisição portuguesa conseguiu

manter sua independência institucional e alargar seus poderes e interações com

outras instituições importantes dentro da estrutura compósita do poder político

em Portugal.

Esse processo de alargamento de jurisdições e influências nem sempre

acompanhou passivamente os interesses da Coroa. A instituição demonstrou

resistência e um caráter independente em diversos momentos de crise política

que assolaram Portugal entre os anos de 1536 e 1681.

Todavia, a partir do momento em que a nova dinastia de Bragança se

consolida no poder, é possível perceber um gradativo processo de assimilação do

Santo Ofício pela Monarquia.

O processo de centralização do poder que desponta durante o reinado de D.

Pedro II e se acentua durante o reinado de D. João V percebe no Tribunal da Fé

uma instituição bem estruturada e fundamental para a consolidação desse ciclo

que concentra poder em torno da Coroa.

Entre 1681 e 1760, período que compreende o fim da suspensão das atividades

do tribunal e o início da intervenção pombalina no tribunal inquisitorial, coincide

com uma fase de estabilização do poder da Coroa em Portugal.

O impulso dessa assimilação do tribunal pela Coroa ocorre devido a: sua

ampliada e destacada jurisdição dentro do campo religioso português e fora dele;

sua interseção com diversas instituições-chave de Portugal, como a Universidade

de Coimbra, os colégios e os diversos tribunais; seu prestígio institucional como

legitimador de posições sociais; e seu proveitoso papel como aparelho ideológico

e repressivo.

56
O cargo de inquisidor-geral durante a fase denominada de Inquisição Barroca

aparece cada vez mais como um ofício de auxílio à governança, regido por razões

que transcendem o caráter primário do tribunal, isto é, o de zelar pela ortodoxia

da fé católica. O cargo máximo da Inquisição portuguesa ganha contornos mais

proeminentes de homem de estado, perfil que vai paulatinamente se

confundindo com seu papel de clérigo e juiz.

A figura do inquisidor-estadista surge então como uma função pública regida

sob a égide de uma Razão de Estado, filha do processo de centralização do poder

político, e aparece de forma mais tangível, e talvez singular, na figura do

inquisidor-geral D. Nuno da Cunha de Ataíde.

O inquisidor-estadista seria então fruto do processo de centralização do poder

político em torno da Coroa que assimila o Santo Ofício português e deprime cada

vez mais seu caráter paraestatal originário, que se rompe definitivamente

durante o período pombalino.

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Documentos

Archivo Secreto Vaticano, Segnatura, 74, f. 92r

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.77.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.78.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.87.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.191.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.201.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv.291.

Biblioteca da Ajuda, 52-IX-17, n°33.

Biblioteca Nacional Portuguesa, cód. 1209.

Biblioteca Nacional Portuguesa, cx.177, mss, cx.177, n°3, f.8, 17(?).

Biblioteca Pública de Évora, CV 1-9.

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