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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE HISTÓRIA

Maria Rosalina Bulcão Loureiro

A Junta das Missões Convoca: Demandas Indígenas na Capitania do Maranhão na Primeira


Metade do século XVIII.

São Luís
2019
2 ESTRATÉGIAS LUSITANAS E CONQUISTAS ULTRAMARINAS
2.1 Projeto Missionário Português

Nos últimos anos, a historiografia tem voltado seus olhares para o estudo da
dinâmica dos impérios europeus da época moderna, sugerindo novas interpretações
relativas ao dualismo entre metrópole e colônia que perpassaram o conceito de
subordinação e abriram variados tópicos referentes aos espaços de negociação e
articulação entre os diversos grupos sociais e poderes locais em relação às determinações
metropolitanas, ou seja, ao invés da suposta imposição das ordens metropolitanas, havia
traduções e mediações entre os interesses gerais e locais (FRAGOSO; GOUVÊA, 2009,
p.42)1.
As concepções que secundarizavam os atos dos indivíduos locais e estruturas da
Colônia articularam-se a partir de uma interpretação dominante da historiografia
brasileira, elaborada na década de 40 do século XX por Caio Prado Júnior e sua
compreensão do chamado sentido da colonização, desdobrando-se nas décadas seguintes
em concepções do Antigo Sistema Colonial, construindo uma compreensão geral do
estatuto das conquistas portuguesas onde a metrópole e os monarcas “absolutistas”
portugueses presidiam a vida das suas subalternas terras americanas (COSENTINO,
2015, p.516).
Durante a época moderna, Portugal constituiu-se em uma monarquia de
dimensões pluricontinentais, comparada a uma verdadeira Babilônia marcada por
diferentes povos, culturas e idiomas revelando o caráter global do Estado português.
Assim, o Estado português precisou articular as jurisdições de várias partes do mundo
que representavam o corpo social caracterizando uma metrópole que possuía na periferia
a sua centralidade (FRAGOSO, 2015, p. 20).2
Por conta desta estrutura, a Coroa portuguesa necessitou estabelecer diversos
pactos políticos entre os soberanos e seus vassalos para a garantia da manutenção das
conquistas ultramarinas propiciando a articulação de diversos grupos sociais em seus

1
As ordens que chegavam da Coroa eram (re)adaptadas de acordo com as especificidades de cada região e
interesses locais (FERREIRA, 2017, p.49).
2
Os resultados parciais de alguns estudos que trabalham com a hipótese de autogoverno das conquistas
ultramarinas tendem a demonstrar que os temas relacionados ao cotidiano da sociedade colonial não eram
tratados com frequência na correspondência entre o ultramar e a Coroa. Aparentemente, os temas mais
comuns diziam respeito às ordens militares, à ação e aos desmandos dos agentes administrativos e aos
pedidos de mercês (FRAGOSO; GOUVÊA, 2009, p.45).
espaços de agenciamento, fortalecendo os espaços de negociação (FERREIRA, 2017,
p.50).
Dentre os pactos estabelecidos, a propagação da fé foi um importante mecanismo
utilizado pelo Estado português para conservar e sustentar a relação com os súditos
através das alianças. Desta maneira, o propósito evangelizador das ações missionárias
norteou as ações da Coroa Portuguesa em relação aos seus domínios ultramarinos. O
contexto pelo qual se favoreceu a atividade missionária inseriu-se na crise da Igreja
Católica que culminou com a sua reforma, sancionada pelo Concílio de Trento.3
Por conta desta medida, tornou-se fundamental a criação de um organismo
consultivo ligado a administração central que tratasse exclusivamente das questões
ligadas às missões ultramarinas. Em 1655 foi criada em Lisboa a Junta Geral das Missões,
ou Junta dos Missionários ou Junta da Propagação da Fé. Posteriormente foram
estabelecidas Juntas das Missões em diferentes localidades do domínio português, a partir
da Carta Régia de 1681 (MELLO, 2007, p.60).
Desta maneira, a instituição do Tribunal da Junta Geral das Missões ou Junta
Geral do Reino e posteriormente a instalação das Juntas das Missões nos domínios
ultramarinos, em especial na América Portuguesa, configurou-se pela importância de
propagação da fé católica como condição para manutenção e justificativa de colonização
dos territórios, estabelecendo uma interligação entre Estado e Igreja que não se dava sem
tensões, especificamente relacionadas a questão indígena, pois conforme Ferreira (2017,
p.70):

[...] na medida em que o reino português se expandia, surgindo a necessidade


da sua conservação, a relação entre religião e coroa tornava-se cada vez mais
intrínseca, resultando em uma maior dinamização e diversificação da atividade
missionária ultramar. No entanto, na colônia, os objetivos dos agentes laicos e
eclesiásticos estiveram em constante desalinho e o relacionamento dos grupos
foi conturbado principalmente quando o governo dos índios esteve nos centros
das discussões. [...] Nesta situação, coube ao rei apaziguar as tensões por meio
da justiça, principal “instrumento para obtenção da paz social”.

Assim, o projeto missionário da Coroa portuguesa passou a considerar as


populações indígenas para além da força de trabalho inserindo estes sujeitos nas
estratégias de conservação dos domínios territoriais do ultramar. Isto se fazia pela

3
O Concílio de Trento teve uma importância fundamental para a história da Igreja moderna, pois nele foram
estabelecidas as diretrizes para a renovação religiosa e moral do clero e do povo que definiu a nova
fisionomia da igreja (MELLO, 2007, p.46).
conversão a fé católica, transformando os povos nativos em súditos cristãos responsáveis
pela garantia, ocupação e manutenção da terra. Para tanto, a criação de uma farta e
diversificada legislação indigenista e instauração de instituições para aplicar tais normas
levaram a atuação das Juntas das Missões em várias partes do império português, todas
subordinadas Junta Geral das Missões ou Junta Geral do Reino.

2.2 Junta Geral Das Missões: Instituição e Atribuições

A administração Portuguesa passou por grandes modificações administrativas a


partir do século XVI, especialmente pela influência da administração espanhola durante
o período conhecido como União Ibérica.4 Desta forma, a medida que o império
português se expandiu, foi necessário desenvolver um sistema de administração marcado
pela diversificação e especialização.
Tal mudança foi verificada na criação de vários Tribunais Superiores ou de Corte
que se constituíam nos principais órgãos da Administração central em Portugal em razão
do seu caráter judicial e técnico. Foram considerados “superiores” ou “de corte” não
apenas pela função que desempenhavam, mas pelo prestígio e proximidade com o
monarca a quem aconselhavam, evidenciando a sua importância no contexto nacional
(MELLO, 2007, p.57).
Os referidos órgãos eram agrupados por matéria do governo de acordo com sua
competência, dentro os quais, de acordo com Mello (2007, p.84) se destacavam:

“No que se refere às matérias de Justiça, estavam encarregados os principais


tribunais [...] a saber: a Casa de Suplicação e a Casa Cível. E em situação
especial, como tribunal eclesiástico, o Conselho Geral, também chamado
Tribunal do Santo Ofício, que tratava de crimes religiosos e morais. [...] Para
as matérias de “graça” no domínio da justiça assistia o Desembargo do Paço.
[...]. Para as matérias do governo referentes à fazenda, coordenava de maneira
geral o Conselho da Fazenda.

A partir do século XVII, os desdobramentos deste modelo administrativo


resultaram no aparecimento das Juntas, criadas para atender questões objetivas que não
estavam explicitadas no regimento dos órgãos administrativos já existentes. Funcionavam

4
O período conhecido como União Ibérica (1596-1640) ocorreu após a crise dinástica iniciada com a morte
do rei Dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir que culminou na União das Coroas de Portugal e
Espanha. Assim, durante sessenta anos, uniram os seus domínios e controlaram possessões europeias e
grandes áreas Ultramarinas na América, África e Ásia. Após a separação das coroas em 1640, tem início o
período de restauração (CARDOSO, 2011, p.318).
como agentes consultivos e eram destituídas de poder de decisão. Dependendo da questão
levantada, poderiam ser dissolvidas quando a questão fosse resolvida ou poderiam
continuar de forma mais prolongada, se o contexto permitisse (MELLO, 2006, p.291).
Com a multiplicação dos órgãos consultivos no século XVII e XVIII e a
complexidade cada vez maior das questões levadas à apreciação da Coroa Portuguesa,
foram criadas mais Juntas5. No final do reinado de Dom João IV, o entendimento
dominante era de que o sucesso do projeto colonial português deveria ser sustentado pelo
aspecto religioso através do projeto missionário. Assim foi criada em 1655, em Lisboa, a
Junta Geral das Missões, para tratar unicamente de questões relacionadas as missões
ultramarinas, na qual os missionários pudessem recorrer e apelar.
Acerca da instituição da Junta Geral das Missões, as ausências de fontes não
possibilitam comprovar de “onde” ou de “quem” partiu a ideia de sua criação, mas a
análise dos poucos documentos originais produzidos pela Junta, confrontado com outros
documentos, permite compreender a sua dinâmica, explorar as matérias que passavam
pela sua apreciação, suas atividades, composição e tempo de funcionamento (1655 a 1660
e 1672 a 1745) (MELLO, 2006, p.296).
Como órgão consultivo, não cabia a Junta decidir sobre a questão levantada,
geralmente originada de uma representação dirigida ao rei, mas mediante a reunião dos
seus membros e apreciação da questão levantada, apresentava ao rei o seu parecer,
cabendo a ele a decisão. Conforme a decisão da Coroa, seguia-se uma determinação aos
órgãos responsáveis para que fossem expedidas as respectivas cartas de lei ou Alvarás. A
Junta Geral das Missões também poderia apreciar as consultas de outros Conselhos, como
o Ultramarino (responsável pelas questões de defesa dos territórios ultramarinos)
apreciando novamente a matéria e submetendo a consulta ao rei para decisão final
(MELLO, 2006, p. 297-298).
Quanto as suas atribuições, a Junta Geral das Missões era encarregada do envio
de missionários para promover a propagação da fé cristã nos seus domínios ultramarinos,
devendo zelar pela admissão dos missionários mais preparados ao serviço; proceder ao
retorno daqueles que não realizavam um bom papel além de ser incumbida de garantir as
provisões para o sustento destes missionários.6

5
As Juntas eram consideradas instituições administrativas secundárias e seus membros eram chamados de
“deputados”. Sofreram forte oposição dos Conselhos e Tribunais, órgãos administrativos principais, que
viam seu poder diminuído pela sua ação das Juntas. (MELLO, 2007, p.62)
6
No entanto, a Junta Geral das Missões, em determinados momentos, excedeu suas atribuições. Isto se deu
por exemplo em 1656, quando em reunião foram analisadas algumas cartas do governador do Maranhão,
Inicialmente a Coroa Portuguesa era contrária a presença de missionários
estrangeiros em suas conquistas, no entanto, em 1671, o Procurador das Missões observou
que tal comportamento não era mais necessário e que, para a conservação dos seus
domínios, Portugal deveria enviar quantos missionários pudesse. (MELLO, 2003, p. 398)
Desta maneira, dando prosseguimento ao projeto da Coroa lusitana através da
estratégia de assumir seus domínios por meio da propagação da fé cristã, em 1681, o
Conselho Ultramarino expediu uma Carta Régia na qual foram criadas as primeiras Juntas
das Missões na América Portuguesa: inicialmente em Pernambuco, Rio de Janeiro e
Maranhão. Posteriormente foram instituídas na Bahia (1688), Pará (1701), São Paulo
(1746) e novamente no Rio de Janeiro (1750).

2.3 Junta Das Missões na América Portuguesa: Estado Do Brasil e Estado Do


Maranhão e Grão-Pará.

As Juntas da Missões na América Portuguesa foram atuantes entre os anos de


1681 e 1757 nas duas grandes divisões administrativas do Brasil (Estado do Brasil e
Estado do Maranhão e Grão-Pará). No século XVIII, apesar do caráter religioso,
funcionaram como verdadeiras estruturas políticas locais a partir cada vez mais
independentes da Instituição Metropolitana a partir da diminuição da subordinação inicial
à Junta Geral das Missões (MELLO, 2007, p. 283).
No Estado do Brasil, a capitania de Pernambuco foi escolhida para a instalação
de uma Junta das Missões (iniciado em 1692), a qual além das missões da Capitania sede,
teria sob sua jurisdição aquelas do Ceará, Alagoas, Paraíba, Itamaracá e Rio Grande do
Norte7. De acordo com Gatti (2001), a Junta das Missões de Pernambuco, extinta em
1759, foi criada no contexto de consolidação da economia da pecuária e incremento do
número de ordens religiosas envolvidas no processo missionário.
Na Capitania da Bahia, sede do governo do Estado do Brasil, embora com vários
aldeamentos, não foi incialmente contemplada na carta régia de 1681. Apenas em 1688

das câmaras do Pará e Maranhão e dos frades carmelitas acerca da lei de 1655 que dizia respeito à liberdade
indígena. Em vista de tantas demandas, a Junta entendeu que poderia ajuizar sobre esta questão, pedindo
vistas dos documentos que originaram a lei e posteriormente dando seu parecer. (MELLO, 2006, p. 298)
7
A centralização das decisões das Juntas das Missões, nem sempre foi pacífica. Em 1740, o capitão mor
da Paraíba iniciou um processo para a criação de uma Junta das Missões na Paraíba, independente da
Capitania de Pernambuco, pedido não deferido pelo rei. (MELLO, 2003, p.409)
foi enviada uma ordem real para que se instalasse uma Junta responsável por tratar de
todas as questões relativas às missões. Em 1710 deixaram de funcionar.
Quanto a Capitania do Rio de Janeiro, embora estivesse contemplada na Carta
régia de 1681, teve um funcionamento muito irregular, pois até o ano de 1696 não havia
notícias no Reino da sua Instalação. Tal fato ocasionou graves prejuízos na condução de
uma política indigenista que legitimasse a expansão portuguesa nas capitanias do Sudeste
(MELLO, 2003, p.412).
No Estado do Maranhão e Grão-Pará, a execução da carta régia de 1681 para
criação das Juntas das Missões ocorreu apenas no ano 16838, em razão do litígio
envolvendo seus componentes na composição da futura Junta. No entanto a Revolta de
Beckman em 16849 a manteve suspensa até 1687, quando foi formulada uma outra Lei
indigenista em 1686: o Regimento das Missões10. Em 1701, foi criada mais uma Junta
para funcionar, simultaneamente, na capitania do Pará e do Maranhão11. Ambas
funcionaram até 1757, quando foram reformuladas pelo Diretório dos Índios sendo
denominadas de Junta das Liberdades. (FERREIRA, 2017, p.60).
A colegialidade e o caráter plural dos componentes da Junta das Missões no
Maranhão se configuraram como a principal característica da Junta das Missões. Formada
pelo Governador, Bispo, Ouvidor-Geral, superiores das ordens religiosas além de contar
com um oficial, o procurador dos índios12 e um secretário que desempenhava a função de
escrivão. De acordo com Ferreira (2017, p.62):

8
Um dos principais motivos para a dificuldade de instalar uma Junta no Estado do Maranhão e Grão-Pará
se refere ao litígio envolvendo seus componentes na composição da futura junta. (MELLO, 2003)
9
Entre os motivos da revolta de Beckman, pode-se citar a reação dos moradores à lei de primeiro de abril
de 1680, que proibiu o cativeiro indígena.
10
O Regimento das Missões foi uma das mais importantes leis indigenistas do período colonial e de acordo
com alguns apontamentos, ela representou a síntese colonial de interesses contraditórios: de um lado os
religiosos (administração temporal), moradores (mão de obra acessível) e índios (relativa proteção).
(MATTOS, 2012, p.01)
11
O local de funcionamento da Junta das Missões no Estado do Maranhão e Grão-Pará, antes de 1701,
deveria ser condicionado pela estadia do governador que ora encontrava-se em São Luís, ora em Belém
(FERREIRA, 2017, p.59).
12
O cargo de Procurador dos Índios foi criado pela Coroa Portuguesa e introduzido no Estado do Brasil no
final do século XVI, tendo sido recomendado no Alvará de 26 de julho de 1526. No Estado do Maranhão
e Grão-Pará aparece explicitamente mencionado na Lei de 09 de abril de 1655, que estabelecia os casos
válidos de cativeiro indígena. Recomendava a Lei que, ocorrendo dúvidas sobre a legitimidade do cativeiro
indígena, estes deveriam ser assistidos por um Procurador nomeado pelas autoridades encarregadas de
julgar tais demandas. Para o ofício, era incumbido um morador que atuava como advogado e auxiliar dos
índios. Não exercia nenhuma atividade jurisdicional, limitando-se a recomendar e encaminhar às
declarações em nome dos índios para as autoridades competentes, ou seja, o Governador, Ouvidor-Geral
ou Junta das Missões (MELLO, 2012, p.223).
Todos os seus membros tinham seus cargos direta ou indiretamente
comissionados pelo rei, resultando em um laço de interdependência entre
soberano e vassalo. Essa característica é fundamental para compreender a
dimensão sociopolítica das Juntas, pois se configuraram como uma estratégia
administrativa que visava à comutação de um modelo de caráter jurisdicional
de governo por um modelo político.

Quanto a atuação da referida Junta do Maranhão, o Governador e Capitão


General do Estado do Maranhão e Grão-Pará exercia a presidência das Juntas, sendo-lhe
facultado o poder de convocar os demais membros para a realização das reuniões do
Tribunal. Entretanto, apesar do cargo ter um nítido papel político, isso não lhe dava plena
autonomia nas decisões locais, pois estas eram submetidas a apreciação à corte lisboeta
reservando ao monarca o papel de interventor (FERREIRA, 2017, p.73).
Quanto ao sistema de votações da Junta do Maranhão, somente os membros
cujas jurisdições eram expedidas diretamente pelo rei, tinham direito ao voto, ficando
excluídos do sistema de votação o Procurador dos índios e o Secretário da Junta. Assim,
todas as decisões eram tomadas por maioria simples de votos, após a manifestação dos
componentes (FERREIRA, 2017, p.91).
Entre as atribuições desempenhadas pela Junta das Missões do Maranhão estava
a análise e parecer sobre as questões relativas aos indígenas tais como descimentos,
estabelecimento de aldeamentos, emissão de parecer sobre propostas de guerras ofensivas
ou defensivas, permissão dos “resgates” feitos por tropas oficiais ou particulares, exame
da legitimidade do cativeiro dos índios e julgamento das apelações de liberdade dos
nativos contra a escravidão ilegal.
Apesar das matérias confiadas à apreciação das Juntas, de modo geral,
caracterizavam-se pela ausência de Regimento que estabelecesse e delimitasse suas
atividades bem como a de seus membros. Assim, as Juntas eram regidas por Leis, Alvarás,
cartas e provisões régias estabelecidas pela metrópole para os seus territórios (MELLO,
2007, p.200: GATTI, 2011, p.82).
O estabelecimento das Juntas no Estado do Maranhão e Grão-Pará facilitou a
expansão e ocupação portuguesa na região Amazônica, além da conquista do interior da
colônia ao estabelecer pactos e políticas relacionadas à conquista dos nativos, seja pela
persuasão ou guerras. Com relação a Junta da Capitania do Maranhão, houve atuação
entre os anos de 1683 a 1777, possuindo um papel relevante no desenvolvimento das
políticas indigenistas.
2.4 Apontamentos sobre a Capitania do Maranhão

O Estado do Maranhão e Grão-Pará foi instituído em 1621 pela Coroa Lusitana


em unidade administrativa separada do Estado do Brasil e ligado diretamente a Portugal.
A sua composição territorial era diversa do que atualmente possuem os atuais estados
brasileiros de mesmo nome, englobando toda a Amazônia portuguesa e até meados do
século XVIII, o Ceará e Piauí. No entanto, a demonstração atual apenas em termos
territoriais não insere na discussão outros elementos que influenciaram a composição e
divisão do território, como por exemplo, os interesses privados dos grupos luso-
pernambucanos que fizeram a conquista ou a interação que se deu entre a ação humana
com o ambiente natural e as experiências vivenciadas pelos diversos povos nativos que
habitavam a região (FARAGE, 1983, p.21: CARDOSO, 2002, p.14: MOTA, 2006, p.37).
A efetiva ocupação portuguesa foi considerada pela historiografia uma reação
da Coroa às ameaças estrangeiras no norte da América Portuguesa. No entanto, Alírio
Cardoso (2011, p.317-338), ao avaliar a documentação diplomática espanhola do século
XVII, conclui que a efetiva ocupação desta região foi mais do que um ato de defesa da
Coroa Portuguesa pelo território, mas um projeto hispano-luso de proteção e integração
comercial entre a América Portuguesa e as índias Castelhanas, aproveitando o melhor que
estas regiões ofereciam: açúcar e metais, pois era uma zona de transição entre o Estado
do Brasil e o vice-reinado do Peru. Para o sucesso da empreitada era fundamental garantir
a posse do território frente aos invasores (franceses), piratas e traficantes (ingleses e
irlandeses), rebeldes (holandeses) e ainda aventureiros (italianos).13
O Estado do Maranhão e Grão-Pará passou por diversas mudanças, tanto a nível
administrativo quanto territorial, em virtude dos interesses colonizadores da Coroa, tais
como:

O Estado do Maranhão, estabelecido em 13 de junho de 1621 compreendia as


capitanias do Piauí, Maranhão, Grão-Pará e Rio Negro, hoje Amazonas. Por
resolução régia, em 1652, o Estado do Maranhão foi dividido em duas
capitanias: a do Maranhão e Grão-Pará. A partir de setembro de 1751, com a
redefinição de novas estratégias de defesa e colonização para a região
Amazônica, a capital passa a ser Belém e o Estado passa a se denominar Estado
do Grão-Pará e Maranhão. MOTTA, 2006, p.37-38.

13
Conforme Cardoso (2002, p.13), o projeto integrador entre as duas coroas teve de ser repensado após o
fim da União Ibérica em 1640.
Por ser portadora de grande biodiversidade, a presença portuguesa não se deu da
mesma forma nas Capitanias do Estado do Maranhão e Grão-Pará, pois embora
administrativamente unidas, as capitanias possuíam uma certa autonomia. No entanto, os
processos de ocupação que remodelaram os espaços foram diretamente influenciados pela
interação com os povos nativos que habitavam a região (FARAGE, 1986: CUNHA, 2009,
MELLO, 2009: MELO, 2011).
As análises dos processos de ocupação da Capitania do Maranhão14 basearam-
se na existência de duas correntes de povoamento. A primeira, partindo da cidade de São
Luís, capital administrativa desde o século XVII, adentrou no curso dos rios Itapecuru,
Mearim, Pindaré e Munim que representavam as únicas vias de acesso ao interior da
Capitania. A segunda corrente de povoamento se desenvolveu a partir do século XVIII,
ocupando regiões mais interioranas sobretudo por sertanejos oriundos da Bahia e
Pernambuco que buscavam pastos para o gado (CABRAL, 1992: CUNHA, 2009: MELO,
2011). Cada uma das correntes de povoamento promoveu padrões de ocupação e
exploração econômica distintas, gerando duas realidades: uma litorânea e outra sertaneja
(MELO, 2001, p.17).
As primeiras tentativas de ocupação da frente litorânea ocorreram, entre 1615 a
1620, por intermédio da Coroa Lusitana, com a vinda de colonos açorianos que se fixaram
no vale do rio Itapecuru. A fertilidade do solo e a presença de terras cultiváveis levou a
organização da atividade agrícola nesta região com base em uma produção policultora
que se caracterizou pela cultura do arroz, farinha de mandioca, milho, algodão e outros
produtos que, embora não estivessem ligados ao circuito agroexportador abasteciam o
consumo interno (CUNHA, 2015, p. 133-152).
Dentre tais produtos, destacamos a produção do açúcar no processo de ocupação
da Capitania do Maranhão, com a instalação de engenhos na foz do Rio Itapecuru,
aproveitando os que haviam sido erguidos no período da dominação holandesa na região
(1641-1644). No entanto, o açúcar produzido neste espaço não seguiu a mesma lógica do
produzido nas capitanias do Estado do Brasil por conta da produção de baixa qualidade

14
Os limites territoriais da Capitania do Maranhão abrangiam a região entre o rio Parnaíba até o rio Turiaçu,
no sentido leste-oeste; e do litoral até Aldeias Altas, incluindo o vale dos rios Munim, Itapecuru, Mearim,
Pindaré e Parnaíba. Abarcava, desta forma várias microrregiões: no litoral, a cidade de São Luís e suas
proximidades (Alcântara, Icatu, a ribeira dos rios Itapecuru, Munim, Pindaré e Mearim); a área sob
influência do Rio Parnaíba; as baixadas oriental e ocidental, esta última sob a influência do Pará; finalmente
o alto Itapecuru, onde se destacava a região de Aldeias Altas, distante do litoral e em maior contato com o
Piauí, Pernambuco e Bahia (MOTTA, 2006, p. 39).
em comparação ao produzido em outras localidades; da produção incipiente e
dependência da mão de obra indígena (CUNHA, 2009, P.12).
A fixação de agrupamentos de colonos em torno dos rios, a partir do século
XVII, pode esclarecer os motivos pelos quais começaram a se multiplicar na
documentação oficial as notícias dos diversos ataques indígenas aos povoamentos de
colonos. Assim, a documentação do século XVII e XVIII, registrou diversos conflitos
envolvendo colonos e indígenas nos rios Itapecuru, Munim, Pindaré e Mearim. Esta
situação serviu de justificativa para os pedidos de entrada nos sertões através das guerras
justas, descimentos e resgates, feitos tanto em conformidade com a Lei quanto de forma
clandestina, alterando a dinâmica das populações nativas e a instabilidade dos
povoamentos de colonos, gerando alianças, acordos, dissidências e desordens que
tornaram esta região palco de constantes tensões.15
Uma carta régia, de 16 de novembro de 1700, deferiu o pedido do dono de um
engenho localizado no Itapecuru que solicitou cento e vinte escravos indígenas.16As
causas do deferimento são postas na correspondência. Em primeiro lugar, a região em que
se localizava o engenho foi considerada “infestada de bárbaros tapuias do corso”. Em
segundo lugar, a morte de muitos nativos por “contágio” trouxe prejuízos ao
funcionamento do dito engenho tornando o lugar “despovoado”. Além disso, os “escravos
da Guiné” destinados ao Estado não estariam em número suficiente para “remediar” a
situação. Desta maneira, o dono do engenho deveria fazer a repartição deles na “forma
das Leis”.17
Em outra carta régia, de 1707, endereçada aos oficiais da Câmara do Maranhão
que reclamavam da dificuldade em manter os engenhos de açúcar em pleno
funcionamento, foi defendida a guerra contra o “gentio do corso” para que as terras
ficassem livre dos seus ataques e os colonos pudessem povoá-la sem nenhum receio. A
execução de uma guerra, segundo a carta, alargaria os negócios do algodão com a
Capitania do Pará pela ocorrência de escravos. Ao fim da carta, a justificativa de uma
guerra é posta como única maneira de acabar com todas as lástimas dos moradores.18

15
Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Divisão de obras e raras e publicações. Livro Grosso do
Estado do Maranhão. Vols. 66 e 67.
16
Em relação a utilização dos textos transcritos, optou-se por modernizar a linguagem para o português
atual.
17
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 66. Rio de Janeiro, 1948, p. 200.
18
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 66. Rio de Janeiro, 1948, p. 199-200.
Desta forma, podemos compreender que as fontes relatadas acima foram
produzidas no contexto de expansão das fronteiras que, ao contrário do que
continuamente se afirmou, trouxe consequências não apenas aos nativos, mas aos colonos
que precisaram estabelecer determinadas estratégias para a conquista do espaço. Além
disso, podemos entrever uma profunda instabilidade dos povoamentos em razão dos
ataques indígenas.
Um aspecto essencial para entender o processo de ocupação e expansão do
território é o intenso despovoamento da região, conforme relatado na carta acima. John
Monteiro atentou para este fato em sua obra “Negros da terra”, no qual analisou a
sociedade paulista que estava se constituindo nos séculos XVI a XVIII, afirmando que a
ação dos bandeirantes, ao invés de contribuir para a expansão e ocupação dos territórios
foi, na verdade, uma ação despovoadora. O autor demonstrou que isso se deu pelo fato
dos portugueses não conseguirem integrar as sociedades indígenas a esfera colonial sem
destruí-las. Tal fato ainda resultou em uma organização de trabalho historicamente novas,
dentre as quais a escravidão indígena e africana.19
Outro ponto essencial destas missivas foi assinalar a extrema dependência de
mão de obra indígena em grande parte dos empreendimentos da capitania do maranhão.
Por conta disto, estabelecer uma legislação indigenista que pudesse relacionar de forma
diversa as ações destinadas aos índios considerados aliados ou inimigos foi essencial para
autorizar os meios legais de escravização indígena e desta forma, permitir a expansão das
fronteiras e, ao mesmo tempo, assegurar o problema crônico da falta de mão de obra.
Dessa maneira, foi produzida neste período uma farta legislação indigenista que
buscava diferenciar as ações em relação aos índios aldeados aliados dos portugueses e
índios inimigos espalhados pelos “sertões”.
A diferença entre o “índio amigo” e o “índio bravo” correspondeu a um corte na
legislação e política indigenistas. Assim, com exceção das grandes leis de liberdade (Lei
de 1609,1680 e 1755) que não faziam distinção entre aliados e inimigos, a política
indigenista aplicada ao índio aliado foi uma e relativa aos inimigos foi outra, ou seja, para
uns era garantida a liberdade, para outros o cativeiro. Por conta da falta de percepção

19
Conforme John Monteiro (1994, p.55), para os portugueses, o significado das conquistas era duplo. Se,
por um lado, havia liberado terras para a ocupação futura pelos invasores, por outro, ao dirimir e destruir
as reservas locais de mão de obra, havia imposto a necessidade de introduzir trabalhadores de outras regiões,
fato que implicaria na redefinição do papel e identidade do índio na sociedade colonial.
deste elemento, a legislação indigenista foi considerada, pela historiografia, como
contraditória, hipócrita, ambígua e oscilante (PERRONE-MOISÉS, 1992, p.115).
Além disso, a aparente contradição da Lei é compreendida por Almeida (2010,
p.86) como um reflexo da própria ambivalência dos objetivos da Coroa e dos religiosos
em relação aos índios, pois explorá-los como força de trabalho e ao mesmo tempo
protege-los com aliados e súditos cristãos gerou leis aparentemente contraditórias e
relações conflituosas, complexas e oscilantes entre os vários agentes.
Outro destaque apontado na carta dirigida aos oficiais da Câmara diz respeito a
cultura do algodão e o seu papel no processo de ocupação na Capitania do Maranhão. De
acordo com Farage (1986, p. 24), a cultura do algodão no Maranhão emprestou à
economia uma feição mais parecida com outras capitanias do Brasil distanciando-se da
feição extrativista reinante da Capitania do Pará.
O algodão ganhou também destaque na Capitania por funcionar como moeda de
troca.20 Além disso, o pano de algodão constituiu várias utilidades: mensurar o salário
pago aos serviços dos índios aldeados, usado em dotes e deixado como herança etc. Sobre
a cultura do algodão, Lima (2006, p. 20-21) estabelece que:

Na capitania do Maranhão, o principal produto era o algodão, que era cultivado


para dele se fazer pano de algodão amplamente utilizado no comércio daquelas
partes. A importância do algodão para a economia maranhense era tão grande
que, em 1713, o rei através de uma correspondência com o governador
Cristóvão da Costa Freire comentava sobre o prejuízo que tinham os moradores
daquela capitania e a própria Fazenda Real ao se evadir para o reino aquele
produto devido. [...] O pano de algodão era utilizado em todas as capitanias
que formavam o Estado devido ao comércio entre elas, mas sua produção era
feita principalmente no Maranhão, que durante muito tempo possuiu o
monopólio de sua fabricação pelo menos até a década de 1720, mais
precisamente até 1724.

No testamento de Marcelo Antônio Abreu Souto Maior, de 1749, uma condição


inusitada chama atenção. Este declara possuir um preto por nome Francisco o qual, por
ocasião da sua morte e vontade de sua mulher poderia conseguir carta de alforria, desde
que pagasse ao testamenteiro 15 rolos de pano. No testamento ainda foi declarado que o
preço estava com “desconto” já que o escravo havia lhe custado 20 rolos. Já no testamento

20
A região norte somente foi contar oficialmente com a circulação de dinheiro metálico na segunda metade
do século XVIII. Durante mais de cem anos da sua colonização a região utilizou produtos de origem natural
(cacau, cravo, açúcar, algodão, salsa) como meio circulante (LIMA, 2006, p. 09).
de Catherina Michaella da Silva de 1750 foi declarado como última vontade que sua
sobrinha ganhasse 05 rolos de pano enquanto o seu afilhado ficaria com 10 rolos.21
Com a diferença de um século, a ocupação do aspecto mais interiorano da
Capitania do Maranhão teve como principal atributo o caráter provado da povoação. No
início do século XVIII, chegaram os primeiros vaqueiros, vindos principalmente da Bahia
e Pernambuco. Esta migração foi em grande parte ocasionada pela incompatibilidade
entre as culturas do açúcar e da pecuária, pois esta demandava espaços maiores,
promovendo a separação entre a propriedade agrícola e pastoril. Assim, expandindo-se
inicialmente no Piauí e depois no sul do Maranhão pela transposição natural do rio
Parnaíba, os primeiros vaqueiros, vendo os verdes pastos maranhenses batizaram a região
de Pastos Bons. (CABRAL, 1992: CUNHA, 2006).
De acordo com Pompa (2003, p.269), o movimento da pecuária e a consequente
expansão portuguesa sobre as terras indígenas ocasionou diversos conflitos iniciados no
século XVII que ficaram conhecidos como “Guerra dos Bárbaros”. De acordo com a
autora, o conflito ocorreu na vasta região semi-árida do Nordeste entre o leste do
Maranhão e o norte da Bahia compreendendo parte do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte,
Paraíba e Pernambuco.
No entanto, conforme hipótese desenvolvida por Pedro Puntoni (2002) em
trabalho que é considerado referência na área, os conflitos ocasionados pela expansão da
pecuária em terras originalmente indígenas não teriam a finalidade de buscar mão de obra
para manejo do gado, pois a pecuária utilizava predominantemente o trabalhador livre,
mas sim exterminar e “limpar” os indígenas dos territórios utilizados para a criação de
gado.
Assim, a presença efetiva da administração portuguesa na Capitania do
Maranhão culminou na instalação de uma nova ordem colonial marcada pela política de
conquista e ocupação do território. No entanto, a estrutura que se formou na Capitania do
Maranhão não se deu apenas pela inserção das ações da Metrópole, na já desgastada visão
homogênea de centro e periferia, como se todas as determinações da Coroa fossem aceitas
e executadas pacificamente na Capitania do Maranhão, sem sofrer influência dos aspectos
locais e peculiares desta colonização que se caracterizou pela integração de espaços que
coexistiram, complementaram-se e forneceram elementos para a estrutura que se formou
na região: o Reino, a vila e o sertão (SAMPAIO, 2011, p.37).

21
Tribunal de Justiça do Maranhão. Testamentos Maranhenses: história e legados. (1751-1756).
Coordenaria da Biblioteca. São Luís, 2015.
O estabelecimento do Tribunal da Junta das missões no século XVII no Estado
do Maranhão e Grão-Pará com o objetivo de funcionar como um órgão consultivo em
questões ligadas aos domínios ultramarinos retrata bem o palco de tensões e conflitos que
permeavam a Capitania do Maranhão no século XVIII. Inicialmente de caráter
secundário e religioso, funcionou como verdadeira estrutura política local, cada vez mais
independentes da Instituição metropolitana. Neste espaço, destinado ao exame das
demandas indígenas, eram debatidas questões acerca da liberdade e do cativeiro indígena,
e também petições de liberdade levadas pelos próprios indígenas.
As fontes textuais produzidas nas Juntas das Missões na primeira metade do
século XVIII nos oferecem algumas ferramentas para compreender a lógica que produziu
a sociedade retratada e como isto se reproduziu no cotidiano da capitania do Maranhão,
em especial nas diversas trajetórias percorridas pelos indígenas: de índios aldeados, a
descidos, escravizados ilegalmente ou sob trabalho compulsório na instalação do projeto
colonizador português na região.
Desta maneira, trilhar o cotidiano da colonização Capitania do Maranhão no
século XVIII é perceber os confrontos, embates e tensões sob um protagonismo indígena
ainda pouco divulgado que pretende escapar das armadilhas da história de extinção e
passividade dos indígenas frente às mudanças ocorridas e posicioná-los como sujeitos
históricos que também estão se redefinindo, negociando e usando de estratégias.

3 A CAPITANIA DO MARANHÃO ENTRE O TRABALHO COMPULSÓRIO E O


CATIVEIRO INDÍGENA

As constantes tensões e conflitos em torno da mão de obra indígena eram assunto


recorrente no cotidiano da capitania do Maranhão em pleno século XVIII. As fontes do
período são abundantes em retratar a utilização dos povos nativos em grande parte dos
empreendimentos da capitania.22 A constatação destas fontes contradiz com a ideia de
uma breve exploração da mão de obra indígena, condicionada apenas aos anos iniciais da
colonização, especialmente pela incapacidade destes indivíduos ao trabalho sendo
substituídos pelo escravo africano.

22
Dentre as fontes que possibilitam esta compreensão, destacamos as atas da Junta das Missões, os dois
volumes do Livro grosso do Maranhão, as cartas trocadas entre o governador e capitão-general do Estado
do Grão-Pará e Maranhão na primeira metade do século XVIII.
A sociedade que foi sendo construída a partir destes empreendimentos ainda é
pouco conhecida. Ao tecer comentários sobre a importância do indígena para a
compreensão da colonização de São Paulo, John Monteiro (1994) afirmou que a pouca
atenção, até então dada ao trabalho indígena, pela historiografia se baseava em considerar
apenas as economias desenvolvidas sob a lógica da expansão do capitalismo comercial.
No entanto, o autor pontuava a importância em voltar os olhares para as economias não
exportadoras e sua influência na formação do país.
Analisando o trabalho escravo na Capitania de Pernambuco, Oliveira (2015,
p.214) procurou entender o “aparente” desaparecimento dos indígenas como força de
trabalho pela historiografia, argumentando que a partir do século XVII, o trabalho
indígena passou a ser dirigido não mais para a produção econômica dominante, mas para
as atividades complementares e locais.
Por conta desta construção historiográfica, Almeida (2010, p.75) situou que:

Ao contrário do que costumava ser sugerido pela historiografia, o trabalho


indígena, inclusive na agricultura, foi fundamental nas várias regiões da
colônia, enquanto não foi substituída pelo escravo negro, como demonstrou
Stuart Schwartz. Sua importância e frequência variavam, conforme as regiões
e temporalidades, por fatores diversos, entre os quais se deve ressaltar a lata
mortalidade indígena e a recusa ao trabalho. Sem aprofundar essa discussão,
vale lembrar, ainda com Schwartz, que na Bahia, no século XVI, o trabalho
dos escravos negros só se intensificou quando a mão de obra indígena já não
era suficiente para suprir as necessidades da lavoura.

Considerando que a historiografia maranhense também foi construída sob o


privilégio de aspectos mecanicistas e estáticos com destaque aos grandes latifúndios,
política agroexportadora, exploração de mão de obra escrava africana e produção de
gêneros comerciáveis voltados ao abastecimento dos mercados europeus, não foi difícil
relegar a questão da exploração da mão de obra indígena a uma posição de invisibilidade
ou pouco destaque.23
Os trabalhos desenvolvidos pela nova história indígena24 demonstraram, entre
outras coisas, que a exploração da mão de obra indígena se fazia presente nos mais

23
Este aspecto pode ser observado principalmente na divisão historiográfica proposta em antes e depois
das reformas pombalinas. O primeiro momento teria sido marcado pela extrema pobreza e isolamento da
região e o segundo, apontado por um desenvolvimento e prosperidade a partir da integração da região ao
mercado agroexportador especialmente pela criação da Companhia de Comércio (DIAS, 2014; MOTA,
2006)
24
A Nova História Indígena surge no Brasil durante a década de noventa, momento em que renasciam os
movimentos sociais que denunciaram internacionalmente os ataques sofridos pelas populações indígenas
durante a Ditadura Militar, resultando na criação da Fundação Nacional de Proteção ao Índio. Envolvendo
principalmente os profissionais da História e Antropologia, tinha como objetivo inserir o indígena no centro
variados espaços e atividades da colônia, tais como a produção de gêneros agrícolas, nas
construções de fortificações e outros serviços públicos. Além disso, faziam parte da
composição de tropas militares, eram utilizados nas atividades de pesca, caça, produção
de tecidos, atividades domésticas, expedições de guerra, resgates e descimentos,
pilotagem de canos, carregadores de carga etc. (CUNHA, 1992: MONTEIRO, 1994:
RESENDE, 2003: ALMEIDA, 2010: MELO, 2011: BOMBARDI, 2014: CARVALHO
JÚNIOR, 2005: FERREIRA, 2017: MOREIRA, 2019).
Por conta deste imperativo, buscava-se por todos os meios captar mão de obra
indígena que se dividia em livre e escrava de acordo com os critérios estabelecidos na
legislação indigenista. Assim, a interação entre os povos nativos e colonos era
fundamental para estabelecer as estratégias de exploração da força de trabalho, pois aos
índios considerados aliados dos portugueses estavam previstos os mecanismos dos
descimentos para fins de aldeamento. Os descimentos, que tinham objetivos econômicos
e religiosos, promoveram deslocamentos de populações nativa, de suas aldeias de origens,
buscando aproximá-las dos povoamentos de colonos, tornando-os úteis aos
empreendimentos coloniais.
A mão de obra aldeada atuava mediante o pagamento de salário, previsto na
legislação, porém isto nem sempre acontecia na prática. Em 1673, o Rei enviou uma carta
aos oficiais das Câmaras de São Luís e do Pará para que se efetivasse o pagamento aos
índios aldeados, visto que as informações que chegavam indicavam o contrário ao
estabelecido na legislação.25
Os índios aldeados eram repartidos para servirem colonos, coroa e missionários.
Nem a condição de súditos cristãos os livrava do regime de compulsoriedade, pois a
legislação indigenista foi construída em torno da tutela26, ou seja, mesmo considerados
livres deveriam ser administrados por não apresentarem condições de se conduzirem por
si mesmos (ALMEIDA, 2003: POMPA, 2003: CARVALHO JÚNIOR, 2005).
Com relação aos índios inimigos denominados nas fontes como “gentio do
corso”, “bárbaros”, “selvagens”, “tapuias” etc. eram destinados à condição de escravos,

dos processos estudados, procurando conhecer sua “agência” como sujeitos e não mais como vítimas
passivas e engessadas (DORNELLES & MELO, 2015).
25
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 67. Rio de Janeiro, 1948, p. 35.
26
No tocante a justiça colonial, os indígenas gozavam de um regime diferenciado através da figura da tutela
na qual sua personalidade e responsabilidade eram restringidas por serem considerados em estado de
menoridade. Por isso, necessitavam de um intermediário que servisse como seu porta-voz às suas demandas
(MELLO, 2012).
legais, nas hipóteses de guerras justas e resgates ou adquiridos de forma ilícita
(PERRONE- MOISÉS, 1992).
As guerras justas eram um conceito, ao mesmo tempo, jurídico e teológico dos
casos legais de escravidão indígena. No entanto, a noção de “guerra justa” havia sido
elaborada em Portugal, no século XIV, pelo franciscano Álvaro Pais, no contexto da
reconquista da Península Ibérica e lutas entre cristãos e infiéis (mouros). Deste modo, a
sua conceituação se assentava em três fatores: a existência precedente de uma grande
injustiça, condução baseada em boas intenções, tais como a propagação da fé católica e,
por último, declaração por uma autoridade competente (PERRONE-MOISÉS, 1992:
PUNTONI, 2002: OLIVEIRA, 2015).
Adaptada à realidade ultramarina, a legislação indigenista que foi produzida ao
longo dos séculos XVII e XVIII estabelecia as hipóteses em que a guerra justa poderia
ser declarada. Em uma Provisão Régia de 165327, que deliberou sobre a liberdade e a
escravidão do “gentio do Maranhão”, as guerras justas poderiam ser declaradas contra os
povos nativos em casos de “impedimento de propagação do evangelho”, “aliança com
inimigo da coroa”, “latrocínios por mar ou por terra”, “uso de carne humana”.28
No entanto, na prática, as guerras justas eram convocadas sempre que os grupos
indígenas eram considerados hostis às políticas de descimentos ou aldeamentos,
prejudicando os empreendimentos dos colonos e da Coroa ou dificultando a ação
missionária.
Quanto aos resgates, este pode ser considerado outra forma de escravidão lícita
que não se destinava apenas aos índios considerados “hostis”, mas aos índios feitos
prisioneiros de outros indígenas com a finalidade de serem utilizados nos rituais
antropofágicos. Assim, esses “homens à corda”, após serem salvos da execução,
tornavam-se escravos para pagar com o trabalho o preço do resgate realizado. Quanto ao
tempo destinado para o pagamento, este poderia se dar por determinados períodos (a Lei
de 1611 estipulou o prazo de 10 anos) ou pela vida toda (dependeria do preço pago pelo
resgate), de acordo com as variações da Lei (MONTEIRO, 1992, p.112: PERRONE
MOISÉS, 1992, p.128: ALMEIDA, 2010, p.84).

27
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 66. Rio de Janeiro, 1948, p. 20.
28
De acordo com a Legislação indigenista, a recusa a fé cristã não constituiu em hipótese de declaração
de Guerra Justa. Quanto a antropofagia, embora mais complexa, parece que teve o mesmo entendimento
da primeira, não se constituindo em causa de declaração de guerra (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 124)
A utilização de mão de obra dos índios descidos e aldeados assim como as
guerras justas e resgates deveria obedecer aos limites impostos na Lei. Contudo, a
necessidade constante de mão de obra indígena levou a diversos casos de cativeiro ilegal
originados da distância entre a aplicação da lei e a realidade em que se davam os processos
de descimentos, aldeamentos, guerras justas e resgates.
De acordo com John Monteiro (1992, p.108), no século XVII, houve um
aumento considerável do sertanismo de apresamento no Estado do Maranhão e Grão-
Pará, tornando-se um dos principais meios de abastecimento de mão de obra indígena,
contrariando as disposições legais que estabeleciam critérios válidos e necessários para
as expedições nos sertões. Na prática, esta ação feita por particulares, muitas delas com o
patrocínio de comerciantes do Maranhão e Pará, representou a inserção de indivíduos
escravizados ilegalmente, o que pode esclarecer as variadas petições de liberdade dos
indígenas que se dirigiam ao tribunal da Junta das Missões para solicitar a liberdade
contra o cativeiro ilegal.
Um caso apresentado a Junta das Missões demonstra a realidade do cativeiro
ilegal, pois em 1752, a viúva Francisca dos Santos, moradora da cidade de São Luís,
requereu ao Tribunal da Junta das Missões, alegando encontrar-se pobre e desamparada,
para que os dois filhos da sua ex-escrava, a mameluca Apolônia, declarados livres pelo
mesmo Tribunal da Junta, pudessem novamente servi-la mediante o pagamento de
salário. O Tribunal da Junta decidiu deixar a cargo dos rapazes a decisão, desde que
tivessem mais de vinte e cinco anos, caso contrário, a decisão passaria a cargo da mãe dos
mesmos.29
A fonte apresentada, embora não esclareça de que maneira se deu o cativeiro
ilegal, se destaca pelo fato de deixar o poder de decisão de trabalhar ou para para a
requente a cargo dos indígenas. Considerando que a Lei buscava limitar o campo de ação
do indígena, estabelecendo a sua condição jurídica e determinando os direitos e deveres
decorrentes desta situação, a fonte acima aponta aos variados caminhos produzidos pelas
estratégias e negociações do lado indígena. Além disso, serve para compreender que a
estrutura da sociedade que se formou na Capitania do Maranhão não pode ser reduzida a
uma rígida polaridade entre senhor e escravo (LARA, 2007).

29
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
Desta forma, os indígenas também integraram a nova ordem social a partir de
novos papeis definidos na sociedade colonial atuando de acordo com as práticas culturais,
políticas e sociais incorporadas ao longo do processo de transformações vivenciados por
estes indivíduos nos espaços criados pela colonização em um contexto de
experimentações e mudanças.
Uma das formas de inserção dos povos nativos ao contexto colonial foi utilizá-
los como mão de obra. De acordo com Perrone-Moisés (1990, p.30), a questão do trabalho
indígena foi um dos grandes temas do século XVII, caracterizado como arregimentação
de mão de obra. A necessidade do trabalho indígena passa a ser defendida com mais
ênfase no Maranhão a partir do século XVIII, especialmente com a “alegada pobreza”
dos seus moradores.

3.1 Ofícios Indígenas: entre serviços ordinários e especialidades

Quando o Tribunal da Junta das Missões reuniu-se no dia 29 de agosto de 1751,


na cidade de São Luís, para leitura de uma Provisão Régia expedida em 24 de maio do
mesmo ano, pelo Conselho Ultramarino, o assunto abordado se referia ao estabelecimento
de salários para as diversas atividades executadas pelos indígenas na região, os quais
entendemos tratar dos aldeados.
A Provisão Régia dividia os indígenas em dois grandes grupos, de acordo com
o serviço a ser realizado. Haviam os destinados a executar “serviços ordinários”, como
como o trabalho nas lavouras. Do outro lado, estavam aqueles que possuíam
especialidades de destaque no cotidiano colonial. Dentre as elencadas pelo Conselho
Ultramarino, destacavam-se os “oficiais das canoas”, divididos em “pilotos e proeiros” e
os “oficiais dos ofícios mecânicos” que incluíam todos os indígenas que trabalhavam em
atividades manuais, como por exemplo carpinteiros, pedreiros, ferreiros, tecelões e
alfaiates.30
A junta das Missões decidiu, por pluralidade de votos, o valor dos salários que
os índios passariam a receber. Em uma carta enviada em 22 de dezembro de 1751 pelo
Governador Francisco Xavier de Mendonça à Coroa Portuguesa, foram informados os

30
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
valores dos salários decididos pela Junta das Missões.31 Para os serviços comuns, os
índios receberiam “quatrocentos réis”. Quanto aos especialistas, o salário dos pilotos e
proeiros que anteriormente eram arbitrados respectivamente em quatro e três varas de
pano passaram ao valor de “seiscentos réis”. Os oficiais dos ofícios mecânicos passariam
a receber “tostão por dia”. Além dos salários, a decisão da Junta das Missões estabelecia
que os colonos deveriam ficar responsáveis pela alimentação dos indígenas.
A fonte não esclarece se o pagamento era realizado diretamente aos indígenas,
embora o salário, em geral, ficasse sob a responsabilidade do religioso da Aldeia e do
chefe da comunidade indígena (DIAS; BOMBARDI, 2016).
Além disso, o pagamento quantificados em dinheiro (réis e tostão) aponta a
distância entre as normas que vinham do Estado lusitano e as características locais, pois
a utilização do pagamento em dinheiro não era prática comum na Capitania do Maranhão
sendo habitual o pagamento em gêneros, tais como algodão. A Coroa buscou reprimir
esta prática a partir do século XVIII, conforme Instrução endereçada ao Governador do
Estado, em 1725, proibindo a utilização do algodão como dinheiro, devendo ser
empregado apenas como gênero (FARAGE, 1986: LIMA, 2006).32
O estabelecimento de salários pela prestação dos serviços de índios livres,
conforme indica a ata de Reunião da Junta realizada em 29 de agosto de 1751, foi fruto
de um corpo normativo construído durante a colonização que por vezes anulavam-se e
reconstruíam-se em razão do jogo de forças na colônia entre os atores envolvidos e seu
poder de influenciar o Rei e seus conselheiros (ALMEIDA, 2003). Desta forma, a
elaboração de uma variedade de dispositivos legais, tais como Alvarás, Decretos,
Provisões e Leis que ao arbitrarem sobre a questão da liberdade ou cativeiro dos
indígenas, estabeleciam as hipóteses de salários pelos serviços executados mediante o
sistema de repartição dos índios aldeados.
O Alvará Régio de 1647 concedeu liberdade aos índios do Maranhão e também
determinou o direito dos indígenas de escolherem para quem trabalhar, estabelecendo
como imperativo o pagamento pelo trabalho executado. O referido Alvará justificava tais
prerrogativas devido à péssima administração dos portugueses em relação a mão de obra
indígena que estava perecendo pelos maus tratos sofridos na execução dos serviços.33

31
MENDONÇA, Marcos Carneiro de (Org.). A Amazônia na era pombalina: correspondência inédita do
governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
1751-1759. 2ª ed. Brasília: Edições Senado Federal, 2005. Tomo I, página 189.
32
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 66. Rio de Janeiro, 1948, p. 209-210.
33
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 67. Rio de Janeiro, 1948, p. 17-18.
Posteriormente, a Provisão Régia de 1677 que versou sobre a repartição dos
índios aldeados do Estado do Maranhão também tratou sobre o pagamento de salários
pela prestação de atividades realizadas pelos índios. Segundo esta Provisão, os indígenas
deveriam somente servir aos colonos que procedessem ao depósito de dois meses de
salário, cuja competência ficaria a cargo de um depositário eleito pela Câmara que deveria
lançar os valores em livro rubricado pelo ouvidor-geral.34
A construção de dispositivos legais regularizando o salário de atividades
desenvolvidas pelos indígenas pode ser compreendida como uma estratégia da Coroa para
garantir o indígena como aliado pois, através do pagamento de salários aos índios
aldeados, buscavam o apoio destes sujeitos para o sucesso do projeto colonizador.
O domínio de determinada atividade permitiu aos especialistas indígenas uma
vantagem em relação aos que exerciam o trabalho desgastante das lavouras ou outras
atividades reservadas aos índios “mais inúteis”35. A importância de determinados ofícios
descritos na Provisão Régia apresentada na Junta das Missões perpassou pelas
peculiaridades da colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará referentes à sua
biodiversidade.
O domínio e a navegação dos rios confundem-se com o próprio desenvolvimento
da colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará, visto que empreender viagens pelos
rios era ou navegação entre o Maranhão e o Pará era prática comum na região. Os oficiais
das canoas foram divididos em pilotos e proeiros. O conhecimento dos rios e das técnicas
de navegação era essencial em todas as jornadas empreendidas entre a costa do Maranhão
e Pará ou para as viagens ao sertão, cuja duração girava em torno de seis a oito meses
(CARVALHO JÚNIOR, 2005, p.249).
Nesta especialidade, a hierarquia era evidenciada pela autoridade e prestígio dos
pilotos, notáveis pela experiência e conhecimento dos rios da região. Os proeiros estavam
em hierarquia abaixo dos pilotos e ficavam responsáveis pelos remos; além disso eram
substitutos dos pilotos, dependendo do tempo de serviço, em caso de falecimento, o que
não era raro acontecer.
A adaptação das técnicas indígenas de navegação para a realidade colonial
provavelmente, se constituía em uma estratégia adotada para evitar piores destinos como
o cativeiro, pois embora fosse uma atividade desgastante em razão do ritmo empreendido,
das poucas horas de sono e dos maus tratos sofridos, ser oficial das canoas representou

34
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 67. Rio de Janeiro, 1948, p. 50-51.
35
ABN. Livro Grosso do Maranhão. Volume 67. Rio de Janeiro, 1948, p. 42.
um novo espaço ocupado por estes indígenas que, em muitos momentos, possibilitou
maiores espaços de negociação (CARVALHO JÚNIOR, p.259).
A Provisão Régia lida na Reunião da Junta das Missões em 29 de agosto de 1751
ainda determinava que se tais índios adoecessem, não receberiam salário algum. O
posicionamento que a Coroa lusitana buscava implementar na Capitania do Maranhão
evidenciou a prática corrente de evitar para si os prejuízos econômicos advindos da
captação e uso da mão de obra indígena, repassando aos colonos todo o risco da atividade.
Segundo Dias e Bombardi (2016), o governo de Francisco Xavier de Mendonça, irmão
do marquês de Pombal, adotou na década de 1750, a prática da administração particular
em índios que já se encontravam entre os moradores, ou seja, o colono assumiria a
responsabilidade pela instrução do indígena em troca do seu trabalho remunerado.
A conquista e uso da força de trabalho indígena livre na Capitania do Maranhão
realizou-se por meio de um elemento arquitetado pela legislação indigenista e usado
comumente no cotidiano da colônia: os descimentos e aldeamentos. A política dos
descimentos representou o tratamento dispensado aos chamados “índios aliados”, “índios
de pazes” ou “índios amigos” e foi fundamental para o projeto colonial, pois representou
a inserção no espaço colonial dos índios aldeados demonstrando a dinâmica entre a Coroa,
os poderes locais e as populações nativas.
Os descimentos inseriam-se na política portuguesa que estabelecia a saída dos
povos nativos de seus territórios para ir habitar aldeias administradas por missionários de
diversas ordens religiosas, com destaque aos jesuítas que integravam a Companhia de
Jesus, os quais tiveram um papel de destaque na colonização da Capitania do Maranhão.
Os descimentos atuavam em duas frentes principais: a religiosa, uma vez que os
índios descidos eram convertidos e tornavam-se súditos cristãos do Rei português,
cumprindo vários papéis estabelecidos pelo corpo normativo que se construiu na época.
A segunda frente correspondeu ao aspecto econômico, pois os índios descidos eram
integrados em aldeamentos próximos aos núcleos portugueses, ampliando a oferta de mão
de obra na região (ALMEIDA, 2003, p.61). 36
Após serem descidos, os indígenas eram encaminhados para as aldeias
coloniais que ficavam próximas aos núcleos de povoamento português para,
posteriormente, serem inseridos no sistema de repartição que se configurou como uma
espécie de rodízio, no qual trabalhavam determinados períodos para os colonos e depois

36
De acordo com Almeida (2003, p.61), os descimentos provocaram o povoamento das aldeias e
consequentemente o despovoamento dos sertões.
retornavam as aldeias. Perrone Moisés (1992, p.118), ao analisar os aldeamentos,
esclarece uma das finalidades da aliança entre coroa e religião ao apontar que os índios:

[...] em primeiro lugar[...] eram trazidos de suas aldeias no interior (sertão) para
junto das povoações portuguesas: lá devem ser catequisados e civilizados, de
modo a tornarem-se “vassalos úteis”, como dirão documentos do século XVIII.
Deles dependerá o sustento dos moradores, tanto no trabalho das roças
[...]quanto no trabalho nas plantações dos colonizadores. Serão eles os
elementos principais de novos descimentos, tanto pelo conhecimento que
possuem da terra e da língua quanto pelo exemplo que podem dar.

John Monteiro (1994, p.36) ao analisar a ocupação do território paulista também


estabeleceu a ligação entre religião e coroa como instrumento da política de
desenvolvimento da colônia, especialmente em relação às aldeias coloniais e o seu
processo de transformação do indígena em cristão e trabalhador produtivo.
O modelo das aldeias missionarias na América portuguesa é considerada
inovadora, por diferenciar-se do funcionamento das missões em outros domínios do
ultramar que se destacavam por serem itinerantes. No entanto, a resistência dos nativos a
catequese e a intensificação das guerras contra estes povos tornou a atividade missionária,
especialmente dos sertões, perigosa e ineficaz (ALMEIDA, 2003, 2010).
O modelo das Aldeias coloniais era radicalmente oposto ao das Aldeias
indígenas. Em primeiro lugar porque representava um espaço fixo e limitado cuja
organização do espaço remetia ao modelo europeu orientado em torno de uma igreja e
uma praça central. Com relação ao aspecto social, foram reunidos no mesmo espaço
indígenas de várias nações, com a substituição de unidades domésticas multifamiliares
por unidades nucleares, proibição da poligamia e repressão aos ritos nativos. Além disso,
os índios aldeados eram inseridos em uma nova concepção de tempo e trabalho e divisão
sexual de atividades (MONTEIRO, 1994, p.47).
No geral, eram previstas duas formas de descimentos: os voluntários e
involuntários. O primeiro se dava principalmente pela persuasão feita pelos missionários,
no qual deveriam ser elencados os benefícios advindos com os descimentos. De acordo
com Almeida (2003; 2010), que analisou esta prática no Rio de Janeiro Colonial, este tipo
de descimento se fazia em geral com promessas de terra, presentes materiais e outras
vantagens sem nenhuma alusão ao regime de trabalho.
Desta forma, a prática da persuasão e dos presentes materiais também foi usada
na Capitania do Maranhão. Em uma reunião da Junta das Missões de 27 de fevereiro de
1750, foi lida uma proposta que buscava inserir um religioso junto aos povos indígenas
que habitavam a serra do Mearim. O objetivo era estabelecer uma aliança com os
indígenas para que pudessem, posteriormente, serem descidos. A estratégia inicial visou
a distribuição de recursos materiais nas aldeias com o objetivo de ir ganhando, aos
poucos, a confiança do grupo. Dentre os recursos, que seriam angariados pela tesouraria
de resgates, constavam oito machadinhas, dois machados e arroz.37
A fonte acima demonstra a grande negociação que se fazia com os indígenas
para que estes pudessem decidir pela aceitação dos descimentos e ingresso nos
aldeamentos, o que poderia levar anos para acontecer. Mesmo que o poder decisório fosse
realizado em condições pouco favoráveis aos indígenas, a sua aceitação voluntária foi
condição essencial para este empreendimento. (ALMEIDA, 2010, p.79).
Nos descimentos involuntários a forma encontrada se dava por ameaça ou
coerção, principalmente se os índios se encaixavam no perfil dos “tapuias bravos” ou
quebravam acordos estabelecidos previamente. Neste tipo de descimento a “força”
deveria ser dosada para não causar morte, exceto na hipótese do uso de armas pelos
indígenas.38
Em 1748 foi lida na Junta das Missões uma carta de José de Meireles solicitando
apoio do Estado para descer os índios que se encontravam no curso do Rio Mearim. O
pedido se fazia pela necessidade de preparar a aldeia para receber o grupo indígena. No
entanto, a Junta deliberou o seguinte procedimento: antes de organizar a habitação ou
empreender qualquer benefício era preciso assegurar a decisão de descer. Para isto, José
Meireles deveria tomar os filhos dos principais por reféns e conservá-los em seu poder
até a organização final da aldeia e introdução dos nativos neste espaço.39
A leitura acima possibilita a análise de diversos elementos. Primeiramente,
aponta para o prestígio e importância dos principais na política dos descimentos e
aldeamentos. Almeida (2003; 2010) aponta para o tratamento diferenciado que estes
chefes indígenas recebiam neste contexto, demonstrando que a política dos descimentos
e aldeamentos só foi possível com o apoio dos chefes indígenas, chamados nas fontes da
época de principais. Por conta disto, os esforços e estratégias portuguesas se dirigiam a
esta liderança, pois uma vez convencidos, convenciam todos os demais indígenas.

37
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
38
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 67. Rio de Janeiro, 1948. p.153.
39
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
John Monteiro (1994) estabeleceu algumas considerações ao analisar o papel dos
líderes indígena, considerando que, embora as suas ações sofressem influência da
dinâmica do colonizador, estas também correspondiam a uma dinâmica interna das
organizações indígenas. Sobre o papel dos principais, Almeida (2003) ponderou que:

Os líderes indígenas não tinham nenhum tipo de privilégio econômico e o seu


poder baseava-se no prestígio junto ao grupo [...]. Sua posição acarretava mais
deveres do que direitos e se perdesse a admiração e o respeito de seus liderados,
dificilmente seria obedecido. Dentre as qualidades do chefe destacava-se, além
da coragem e o mérito por grandes feitos guerreiros, a capacidade oratória.

Desta forma, podemos inferir que cabia ao principal o estabelecimento do


momento propício para os descimentos, visto que este poderia tirar vantagens durante o
período da negociação e assim garantir melhores condições e vantagens para seus
liderados nos processos de descimentos e aldeamentos, como, por exemplo, terras. No
entanto, esta negociação era extremamente instável, uma vez podiam ser desfeitas pelos
indígenas a qualquer momento, razão pela qual por vezes a estratégia portuguesa escolhia,
em determinadas situações, os descimentos involuntários.
Após o descimento, os indígenas eram inseridos nas aldeias coloniais que se
constituíram em espaços disputados pelos agentes sociais, com tensões e enfrentamentos
na Lei e na prática cotidiana, pois representavam a reserva de mão de obra a ser repartida
entre colonos, missionários e coroa. Desta maneira, a questão em torno do controle da
mão de obra dos indígenas considerados livres, os quais, envolveram todos os agentes
sociais, inclusive o indígena que buscou estratégias em um sistema que explorava sua
força de trabalho, mesmo o considerando libre.

3.2 Controle sobre a mão de obra indígena livre: aldeados e alforriados

Em sua análise dobre os Aldeamentos na cidade do Rio de Janeiro colonial,


Maria Regina Celestino (2003) considerou que as populações indígenas foram
indispensáveis ao projeto de colonização sobretudo considerando a pouca disponibilidade
de recursos, a abundância de terras e a pequena presença europeia. Assim, a utilização da
força de trabalho indígena foi a opção mais viável para economias que visavam
acumulação econômica com o mínimo de investimento.
Esta crítica também corresponde à realidade da Capitania do Maranhão, cujo
preço do escravo africano permaneceu acima do investimento realizado nos
empreendimentos coloniais da região, tornando-se pouco atrativo aos colonos que
continuaram dependentes da mão de obra indígena.
Com isto, a introdução da força de trabalho indígena movimentou boa parte das
engrenagens da Capitania do Maranhão. Embora não se possa negar que a política dos
aldeamentos causou perdas irreparáveis nas populações indígenas, estabelecer uma visão
apenas de extermínio em relação às políticas portuguesas, de acordo com John Monteiro
(1994), é cometer mais uma injustiça, dentre tantas já realizadas em relação a influência
dos indígenas no processo da colonização.
O estudo de Chambouleyron (2006) sobre o tráfico negreiro no Estado do
Maranhão e Grão-Pará ratifica que a mão de obra indígena, livre ou escrava, foi a
principal força de trabalho no Estado do Maranhão e Grão-Pará do século XVII. No
entanto a presença escrava africana não deve ser desconsiderada deste contexto. Segundo
o autor, após analisar as fontes seiscentistas sobre o Estado do Maranhão, a imagem que
o Estado do Brasil só havia prosperado graças ao uso de africanos foi o principal
argumento utilizado para defender o envio urgente de escravos da África para a região,
situação que também se projetou ao longo do século XVIII.
No entanto, o preço cobrado pelo escravo africano foi descrito nas fontes
setecentistas como “exorbitante” não acarretando na diminuição da exploração da mão de
obra indígena nos empreendimentos da região nos séculos XVII e início do XVIII. Em
1703, uma resposta da Coroa aos oficiais da Câmara do Maranhão que haviam reclamado
sobre o preço do escravo negro da Mina nos aponta a continuidade preferência por braços
indígenas. A missiva estabelecia que o preço do escravo africano ficaria estabelecido em
160 mil réis, com prioridade aos senhores de engenho, no entanto, se houvesse recusa
destes em pagar o preço estabelecido, os escravos deveriam ser vendidos em praça
pública, pelo valor de 180 mil réis.40
Assim, as tensões resultantes do controle da mão de obra indígena aldeada
culminaram em uma vasta produção normativa que delegou e retirou, de missionários e
colonos, a administração temporal e espiritual relacionada as aldeias coloniais.
O dispositivo legal de 1655, que tratava sobre a liberdade dos índios do
Maranhão, estabeleceu que a administração das aldeias ficaria a cargo dos jesuítas e
principais.41 No entanto, o favorecimento dos religiosos no controle da mão de obra
indígena gerou graves tensões e tumultos na Colônia que se transformaram em revolta

40
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. p.240.
41
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. p.25-28.
popular nas cidades de São Luís e Belém culminando na expulsão dos jesuítas
(CHAMBOULEYRON ; BOMBARDI, 2011).
Em 1680, foi publicada uma Provisão Régia que estabelecia a repartição, em três
partes iguais, dos índios de serviços nos aldeamentos: a primeira ficaria na aldeia,
cultivando lavouras necessárias para o sustento das suas famílias; a segunda deveria ser
repartida entre os moradores e a terceira seria destinada aos missionários.42
No entanto, os conflitos continuaram acontecendo na região. Segundo Mello
(2009), as câmaras de São Luís e Belém uniram-se contra a ação dos religiosos, enviando
diversas missivas ao rei relatando o descumprimento da provisão pelos missionários e o
mau uso que faziam sobre a terça parte dos índios livres.
Em 1686, como resultado das diversas queixas e conflitos entre colonos e
religiosos, foi publicado o Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará
que perdurou até o ano de 1757, quando foi substituído pelo Diretório dos Índios.
Desta forma, a aparente vantagem dos religiosos sobre a administração dos
índios aldeados foi renovada em outras abordagens que buscaram visualizar estas
legislações como espaços de mediação do Estado por uma solução de compromissos entre
as demandas dos moradores e missionários além de buscar contemplar os interesses
indígenas, pois era essencial o seu comprometimento com o projeto colonial. Assim, a
legislação indigenista buscou contemplar as necessidades das partes envolvidas:
missionários (administração temporal e espiritual), moradores (acesso à mão de obra) e
índios (relativa proteção) (MATTOS, 2012).
No Regimento das Missões, a administração dos índios aldeados passou com
exclusividade ao controle dos religiosos, tanto no governo espiritual quanto temporal e
político. A repartição dos índios se constituiu em duas partes: uma ficava no aldeamento
enquanto a outra servia à Coroa e moradores. Quanto ao tempo de serviço fora dos
aldeamentos de repartição, ficou estipulado o prazo de 4 meses para o Maranhão e 6
meses para o Pará. Posteriormente, o prazo se estendeu para 1 ano em ambos os lugares
Só poderiam entrar nesta repartição os índios com idade entre 13 a 50 anos, estando
excluídas mulheres e crianças. (MELLO, 2009).

42
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. p.50-51
No entanto, a supressão das mulheres indígenas ao sistema de repartição não era
absoluta, constando na legislação os casos em que poderiam ser repartidas de acordo com
as necessidades da colônia.43
Segundo Carvalho Júnior (2005), de modo geral, as mulheres indígenas aldeadas
permaneciam nas aldeias enquanto seus maridos encontravam-se ausentes em longas
viagens pelos sertões, compondo as tropas de resgate, participando de guerras ou
trabalhando para os colonos nos sistemas de repartição.
Por conta desta realidade eram responsáveis pelas diversas atividades nos
aldeamentos: tarefas domésticas, produção de tecidos de algodão além de trabalharem nas
roças de mandioca. Porém, dependendo das atividades que exerciam, eram inseridas no
mundo branco, principalmente em trabalhos domésticos, do qual algumas nunca mais
retornavam as aldeias.
A política indigenista destinada a repartição das mulheres indígenas formulou
diversas recomendações da Coroa. Em 1716, 1719, 1722 e 1723 foram remetidas cartas
reais ao Governador do Estado do Maranhão para que se fizesse observar o cumprimento
das leis referentes a repartição das índias de leite. O conteúdo de as cartas é bastante
sugestivo sobre a distância da Lei e a realidade da colônia, pois a retirada das índias de
leite passou a ocasionar graves perturbações e prejuízos nas aldeias, principalmente pela
fuga de índios aldeados que, ao retornarem dos sertões, não encontravam suas mulheres.44
Embora a Lei condicionasse o tempo máximo em que as índias deveriam servir
aos moradores e o salário a ser pago salário a ser pago pelos seus serviços, a realidade
demonstrada nas missivas é da retirada das indígenas por moradores que já possuíam
“escravas de leite”, e muitas vezes, com certidões falsas, passavam a considerá-las
escravas sem restituí-las aos aldeamentos.45
No entanto, embora a violência fosse inegável, Carvalho Júnior (2005)
considerou o ponto de vista das indígenas, elencando que, dependendo dos interesses
destas, inserirem-se na incômoda casa dos brancos era mais vantajoso do que
permanecerem em aldeamentos, por mais contraditório que esta proposição possa parecer,
visto que, embora na condição de escravas, poderiam adquirir mais liberdade do que nos
aldeamentos servindo vários moradores. Além disso, de acordo com o autor, os favores

43
De acordo com Mello (2009, p.90), os religiosos não entravam nesta repartição, pois já contavam com
aldeias na capitania do Maranhão e Pará para servi-los.
44
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 67. Rio de Janeiro, 1948. p.77.
45
ABN. Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 67. Rio de Janeiro, 1948. p.139;169;184;191.
sexuais, embora fossem fruto de uma violência, poderiam ser o passaporte para uma
futura alforria, passando a fazer parte de uma condição jurídica diferenciada dos demais
nativos.
O final do documento apresentado na Junta das Missões que estabeleceu os
salários dos indígenas, apresentava ainda uma recomendação para criação de um livro de
matrícula com o registro de todos os índios alforriados que pudessem ser repartidos pelo
governador para aqueles que tivessem necessidade. Este detalhe nos leva a vários
apontamentos: o primeiro deles se relaciona a mudança de papel do índio cativo para o
índio liberto através da alforria. Na análise de alguns testamentos maranhenses, verifica-
se a concessão de liberdade de cativos sob a justificativa do bom serviço prestado ao
testamenteiro.
No entanto a permissão de liberdade aos cativos nem sempre seguia esta lógica,
como no registro de testamento de Francisco Mendes da Cunha, morador da cidade de
São Luís, feito em 1744, no qual concedia a liberdade ao escravo Ignácio, mas para a
mulher do cativo, uma escrava do gentio da terra, condicionava o pagamento de 50 mil
réis por sua liberdade e caso o escravo se recusasse ao pagamento, ela deveria permanecer
cativa46.
O segundo apontamento nos leva a compreensão de uma situação atípica quanto
aos alforriados, pois deixaram a qualidade de cativos para índios livres, tornando-se um
indígena que não se encaixava na situação de cativo nem de aldeado, provocando
imprecisão no controle e exploração desta mão de obra. A criação de um livro de
matrícula dos índios alforriados para serem repartidos pelo governo nos aponta duas
perspectivas: a primeira em relação às táticas utilizadas pelos poderes locais para
ultrapassar as lacunas existentes e construir meios de controlar esta força de trabalho. A
segunda aponta para a maior autonomia destes indígenas devido a sua inclusão em uma
situação jurídica não prevista na legislação.
Os detalhes contidos nas fontes citadas evidenciam que utilização sistemática da
mão de obra indígena na Capitania do Maranhão no século XVIII fez parte de uma
estratégia da Coroa para efetivar o projeto colonial português. Tal contexto redefiniu o
papel do indígena na sociedade colonial como força de trabalho e compôs uma nova

46
Tribunal de Justiça do Maranhão. Testamentos Maranhenses: história e legados. (1751-1756).
Coordenaria da Biblioteca. São Luís, 2015, p.73-79.
dinâmica interna voltada ao controle e utilização desta mão de obra que, tratando-se dos
índios livres, se caracterizou na maioria das vezes pelos descimentos e aldeamentos.
A política dos descimentos e aldeamentos não foram os únicos meios para o
controle da população indígena, pois as Guerras Justas e os resgates também
representaram meios de obtenção de mão de obra. Diferentemente do trabalho
compulsório dos índios livres, espécie de escravidão velada, os outros recursos levaram
ao abastecimento de mão de obra indígena escravizada legalmente e concorreram para o
aumento do cativeiro ilegal.

3.3 De índio livre a escravo: perpetrando guerras contra os “agitadores dos sertões”

Em reunião convocada pela Junta das Missões em 22 de julho de 1750, foi lido
um requerimento dos moradores da ribeira do Itapecuru e Parnaíba solicitando permissão
para proceder a formação de uma bandeira, com a pretensão de expulsar “os gentios
bárbaros das nações Gueguê, Timbira e Coroá”. O motivo seria as mortes e roubos que
vinham sendo praticados por estas “nações” em fazendas das regiões, promovendo
“notáveis prejuízos dos donos e dos dízimos de sua majestade” em razão do abandono
dos moradores que se viam ameaçados pelos ataques dos indígenas.47
O objetivo seria expulsar e perseguir estas “nações” até as “aldeias em que
costumavam se recolher quando se veem perseguidos da guerra defensiva”. Para tanto, os
moradores solicitavam uma ajuda de custo para adquirir “pólvora, chumbo e armas”.48
Para maiores chances de deferimento do pedido, foram trazidos alguns
documentos, como certidões juradas em que se provava, a partir do relato de testemunhas,
“a verdade das súplicas”. Após todo o procedimento, a Junta decidiu uniformemente que
a Fazenda Real enviaria ajuda para a guerra defensiva que se faria contra as nações dos
“gentios bárbaros”.
A denominação de “gentio” para os povos nativos mais resistentes a expansão
portuguesa esteve relacionada a criação de uma dicotomia baseada em pares de oposição
e que, dependendo do contexto, podiam variar de significados. O termo gentio ganhou
força como uma categoria intermediária no campo da dicotomia religiosa. Os portugueses

47
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
48
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
quinhentistas utilizavam este termo tanto para descrever hinduístas no subcontinente
asiático quanto para designar populações africanas e ameríndias destituídas de qualquer
religião. Após um certo tempo, o contexto passou a sublinhar a distinção entre nativos
convertidos ao catolicismo e os que poderiam ser convertidos (MONTEIRO, 2003, p.
118).
Um segundo aspecto a partir da leitura da fonte corresponde ao comportamento
português que inseriu as populações indígenas em nomes étnicos e categorias fixas, como
as “nações” especificadas na ata de reunião da Junta das Missões. John Monteiro (2003,
p. 122) ao tratar sobre estas representações, criticou o comportamento comum de
historiadores e antropólogos, os quais consideraram a classificação europeia como um
fato etnográfico indiscutível, criando imagens estáticas das populações nativas. Assim,
na revisão sobre esta temática, assinalou que:

Tão demorado quanto intrincado, o processo inicial de invenção de um Brasil


indígena envolveu a criação de um amplo repertório de nomes étnicos e de
categorias sociais que buscava classificar e tornar compreensível o rico
caleidoscópio de línguas e culturas antes desconhecidas pelos europeus. Mais
que isso, o quadro produzido passou a condicionar as próprias relações
políticas entre europeus e nativos.

Desta maneira, a classificação em “nações” de “gentios bárbaros” visava facilitar


a escolha da política indigenista a ser usada em relação a esses indígenas. No caso acima,
a estes povos nativos classificados à moda europeia, seriam destinados ao cativeiro.
Os relatos de ataques indígenas aos moradores que viviam na região dos
principais rios da Capitania do Maranhão aumentaram consideravelmente a partir do
século XVII, adentrando o século XVIII.49 Em grande parte, isso se deu expansão das
fronteiras e pelas características geográficas destas áreas que eram consideradas férteis.
No entanto, os núcleos populacionais encontraram como obstáculo aos seus
empreendimentos as populações nativas que habitavam estes espaços.
Na obra Annaes Históricos do Estado do MA, publicada em 1749, após a morte
do seu autor, Bernado Pereira de Berredo que já havia sido governador do Estado do
Maranhão nos anos de 1718 a 1722, cujo governo esteve envolvido em ações bélicas
realizadas ao longo do Rio Itapecuru e Mearim, buscou destacar os atrativos naturais e as

49
Os núcleos populacionais dos Rios Itapecuru, Mearim e Munim eram alvos de ataques indígenas desde
século XVII. Os grupos indígenas responsáveis pelos ataques eram principalmente os Cai-cai, Guanaré e
Guarati (MELO, 2011, p.79).
atividades exercidas ao longo do curso dos principais rios da região
(CHAMBOULEYRON; MELO, 2013).
Quanto a real intenção do autor em propagar os benefícios destas regiões,
podemos lançar algumas hipóteses. Entre elas, o de justificar e exaltar a guerra que
empreendeu em relação aos “índios Guanaré” ao longo de três meses, pois nem todas as
autoridades apoiaram a ação bélica, tendo inclusive levado ao conhecimento do Conselho
Ultramarino os abusos cometidos aos indígenas desta região (CHAMBOULEYRON;
MELO, 2013).
Desta forma, Berredo podia ter procurado exaltar as ações do seu governo, pois
ao descrever todas as vantagens advindas da exploração destas regiões, deixa tacitamente
a justificativa de que, se não houvesse empreendido esforços para expulsar ou exterminar
os indígenas destes espaços, nada disso poderia ser aproveitado pela Coroa e pelos
colonos.
Assim, em sua obra citou o rio Itapecuru, informando ser amplamente povoado
de engenhos de açúcar ao longo do seu curso, além das lavouras dos frutos. Porém os
moradores eram constantemente ameaçados pelo “terror dos tapuias”. O rio Munim
possuía muitas árvores de jandiroba, de cujas frutas se tirava o azeite que servia para fins
medicinais e para as luzes além do uso em fábrica de sabão.50
Quanto ao Rio Pindaré, este se sobressaía pela criação de gado e pelas “ricas
minas de ouro”. Não é sem razão que em uma reunião da Junta das Missões convocada
em nove de novembro de 1748 foi proposto um requerimento de Jacinto Sampaio Soares
que se apresentava como cabo de uma bandeira de descobrimento de ouro e que se achava
impedido deste empreendimento pelos ataques do “gentio da nação Acoroá” que habitava
o sertão do Mearim e Pindaré e que já estava sentenciada a guerra. Por esta razão, pedia
deferimento para “destruí-los”. A Decisão da Junta, se mostrou desfavorável ao cabo
Jacinto pelo fato deste não ser originário da Capitania do Maranhão, embora o documento
não tenha esclarecido a origem do requerente. 51
Ao apresentar a visão do Eldorado sintetizada nas expedições dos bandeirantes
na região paulista, John Monteiro (1994, p.97) estabeleceu que dos colonos que
participavam das expedições em busca de ouro, sem dúvida, alimentavam a esperança de

50
BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais Históricos do Estado do Maranhão.
51
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
enriquecimento rápido, mas a vasta maioria alistava-se nestas expedições pela
oportunidade de criar e expandir a posse de escravos indígenas, em um comportamento
que visava contornar os obstáculos impostos pela legislação indigenista.
Relacionando a expansão portuguesa no sertão do Nordeste no século XVII,
Pompa (2003, p.203) afirmou que boa parte das expedições de ouro que ocorreram
tratavam-se, em geral, de expedições de apresamento de índios, embora a historiografia
raramente tenha falado sobre os indígenas, preferindo a construção de uma imagem
aventureira dos bandeirantes na busca de ouro.
Desta forma, podemos empreender que a negativa da Junta das Missões quanto
ao pedido do cabo Jacinto Sampaio Soares poderia ter como justificativa evitar o cativeiro
ilícito dos indígenas pelas ações dos particulares, uma vez que o pedido, implicitamente
acarretava em apresamento de indígenas. O fato do cabo ser de outra jurisdição, também
pode ter pesado na negativa do Tribunal da Junta pela possibilidade de que, após obter os
lucros da expedição, o cabo pudesse levar os produtos para seu lugar de origem,
prejudicando os empreendimentos realizados no Maranhão.
Na descrição sobre os rios, Berredo exaltava como “príncipe soberano de todos
os rios” o Mearim. De acordo com o seu relato, a margem deste rio já havia sustentado
seis engenhos de açúcar de grosso rendimento, conservando-se, ao tempo do relato,
apenas três de pouca utilidade, por falta de fábricas e receio dos moradores quanto aos
ataques do “gentio de corso”.52 Desta maneira, as dificuldades de implantação da cultura
do açúcar nesta região não tiveram como causa principal, de acordo com o relato, a falta
da mão de obra escrava africana, mas sim os ataques dos indígenas que ocasionavam fuga
dos moradores e consequentemente o abandono dos engenhos.
Desta forma, a pressão decorrente do avanço da povoação luso-brasileira para
estes espaços provocou múltiplos confrontos com as populações nativas que habitavam a
região, contribuindo para a instabilidade nas fronteiras e construção da paisagem colonial
(MELO, 2011, P.27). Ao contrário dos descimentos e aldeamentos, a estratégia
empregada contra os “agitadores dos sertões” baseava-se na justificativa das guerras
justas.
A construção do conceito de guerra justa ocorreu anteriormente à elaboração da
política indigenista e foi fruto de um intenso debate teleológico e jurídico, mais intenso
na Espanha do que em Portugal. O conceito doutrinário da guerra justa tem raízes na

52
BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais Históricos do Estado do Maranhão.
derrocada do Império Romano e fortalecimento da igreja em uma proposta
harmonizadora entre a ação bélica e preceito ético que deveria guiar o Estado cristão na
tentativa de estabelecer a paz e o bem comum (QUINTA NOVA, 1996, p.172).
O debate sobre a ética da guerra contou com a participação de teólogos e juristas
e encontrou ambiente propício para ser empregado no contexto das guerras de reconquista
contra o dito infiel mulçumano. No entanto, somente no século XIV é que passam a
receber um tratamento teórico mais desenvolvido pelo precursor da doutrina da guerra
justa em Portugal: o franciscano Álvaro Pais (1280-1349), o qual debruçando-se sobre a
matéria buscou organizar cinco requisitos essenciais para tornar a guerra legítima e
justificada: persona ou quem pode combater; res ou a guerra é justa quando dá resposta
a uma injustiça, causa ou da guerra como o único meio de conseguir a paz, animus ou da
guerra sem ódio e uso da violência apenas quando estritamente necessário e por último
auctoritas ou se quem declara a guerra é titular do poder legítimo (PERRONE-MOISÉS,
1990: ZERON, 2011: MELO, 2011)
O significado da guerra justa foi transposto à América Portuguesa no século
XVI, sendo aplicada como uma prática legal aliada a doutrina cristã e orientada aos
indígenas – “bárbaros”, “índios de corso” “agitadores”- considerados uma ameaça à
colonização portuguesa e expansão da fé católica. Para tanto, a legislação indigenista
dirigida ao Estado do Maranhão e Grão-Pará produziu em seu bojo as hipóteses que
justificaram a ação bélica contra as nações indígenas e consequentemente sua
escravização. A política portuguesa dirigida aos índios mais resistentes e contrários à
expansão portuguesa também procurou definir a questão da mão de obra indígena ao
possibilitar a mudança de sua condição jurídica para escravos.

3.4 Hipóteses legais de Escravidão indígena

A Provisão Real de 1653 determinava algumas ações realizadas pelos indígenas


como causa legítima de guerra, entre as quais: o impedimento do gentio ou vassalo na
propagação do evangelho”, “aliança com inimigos da Coroa”, “atitudes hostis como o
cometimento de mortes e roubos” e ainda o ato de “comer carne humana sendo súdito”.53

53
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. p.
20.
A antropofagia foi considerada uma das questões mais controversas e de
múltiplas interpretações ao relacionar-se como um motivo legítimo para declarar guerra.
Segundo Perrone- Moisés (1990, p.27-28):

As opiniões favoráveis à justificativa da antropofagia, segundo um tratado


português anônimo do século XVI intitulado “Porque causas se pode mover
guerra justa contra infiéis”, apoiam-se na argumentação de que, sendo uma
ofensa à Lei natural, é passível de justificar uma guerra. Igualmente favorável
ao parecer de que a antropofagia justifica uma guerra é o jesuíta Luís de
Molina, mas por outras razões: suas vítimas são inocentes e defender inocentes
justifica não só a guerra, como também a escravidão.

No entanto, no âmbito da América Portuguesa, pela análise dos documentos, a


argumentação acima não apareceu em nenhum dos documentos legais do século XVI,
aparecendo apenas no século XVII quando estabelecer a figural legal do resgate. Assim,
não pareceu que somente esta justificativa tenha sido causa para uma guerra, passando a
ser posta mais como um agravante que demonstraria o estado de barbárie das nações
indígenas (PERRONE- MOISÉS, 1990, p.28-29). No caso da Lei de 1653, a antropofagia
foi considerada ofensiva apenas quando praticada entre os súditos do rei, ou seja, os índios
já convertidos ao cristianismo.
A lei de 1655 tratou especialmente da competência em declarar guerras,
instituindo dois tipos: a guerra ofensiva, declarada apenas pelo Rei e realizada somente
após a confirmação das causas da guerra, devendo ainda ser ouvido o Governador do
Estado, o Ouvidor geral, o Provedor da Fazenda, religiosos e o Conselho Ultramarino. De
outro lado, a guerra defensiva seria de competência do Governador do Estado, desde que
comunicada previamente as autoridades residentes no Estado. A Lei declarava ainda que
os índios destes conflitos seriam considerados cativos apenas quando a guerra fosse
aprovada pelo Rei, caso contrário o cativeiro seria considerado injusto e os cativos postos
em liberdade. 54
A Lei de 01 de abril de 168055 se destacou pela proibição total do cativeiro
indígena. No entanto, o uso da ação bélica não foi totalmente extinto, pois a lei
estabeleceu, em casos de guerras ofensivas ou defensivas contra alguma nação indígena,

54
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. pp.
19-21.
55
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948. pp.
57- 59.
os índios tomados por prisioneiros deveriam ser repartidos pelo Governador e inseridos
em Aldeias de índios livres e católicos.
À primeira vista, a Lei de 1680 e as anteriores apresentavam uma contradição,
pois ao mesmo tempo em que estabeleciam a liberdade como um direito natural dos índios
especificavam também os casos de escravidão justa e legal. No entanto, segundo Perrone
Moisés (1992) a aparente contradição entre liberdade e escravidão, correspondeu a uma
diferença no tratamento da legislação entre o “índio amigo” e o “índio bravo”. Assim,
com exceção das grandes leis de liberdade, que não faziam distinção entre aliados e
inimigos, a política indigenista aplicada ao índio aliado foi uma e a relativa aos inimigos
foi outra, ou seja, para uns foi garantida a liberdade enquanto para outros, o cativeiro.
Entretanto, oito anos depois, a Coroa Portuguesa derrogou a Lei de 1680, sendo
substituída pela Lei de 1688. O texto legal da referida legislação considerava que as
guerras defensivas somente poderiam ser declaradas quando os índios infiéis invadissem
as aldeias e terras do Estado do Maranhão ou impedissem, com armas, a entrada dos
missionários nos sertões. Além disso, a justificativa se daria com certidões lavradas pelas
autoridades locais e analisadas pelo Ouvidor-Geral. Quanto a guerra ofensiva, A Lei de
1688 estabeleceu que poderia ser feita apenas quando houvesse um temor certo e infalível
de que os índios infiéis tomariam os domínios da Coroa Portuguesa. Neste caso, a
Indicação da lei seria a persuasão e proposta de paz, levando adiante a guerra em casos
de hostilidades graves e notórias.56
A produção do corpo normativo que indicou as hipóteses legais de cativeiro
indígenas levou a uma incidência dos casos de cativeiro ilegal, pois os colonos passaram
a buscar pretextos e justificativas que pudessem burlar as hipóteses legais. A grande causa
seria a burocracia necessária para legitimar as ações bélicas. John Monteiro (1994, p.111-
114), ao analisar o aumento do sertanismo de apresamento no Estado do Maranhão no
século XVII, inferiu sobre as expedições particulares que entravam ilegalmente nos
sertões, financiadas por comerciantes de Belém e São Luís que representaram o principal
meio de criar, manter e até aumentar a população cativa indígena. Além disso, o autor
pontuou que mesmo as expedições legais que ocorriam nos sertões do Estado do
Maranhão dificilmente observavam a legislação, escravizando e destruindo inúmeros
povos indígenas.

56
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948.
pp. 98-100.
No litígio iniciado na Junta das Missões, na cidade de São Luís, em 18 de
dezembro de 1751, envolvendo a índia Margarida e seus filhos contra a viúva Maria
Pereira pode dimensionar a questão dos cativeiros ilegais na Capitania do Maranhão.57
Segundo alegavam os requerentes, estes teriam sido submetidos ao cativeiro ilegal após
uma guerra ofensiva supostamente ilegal realizada contra a etnia Aron, ao qual faziam
parte58.
Após adiamentos e pedidos de vista para as partes, a Junta decidiu, em 17 de
junho de 1752, reformar a sentença que concedeu a posse da índia e seus filhos à viúva
Maria Pereira, justificando não haver nenhum fundamento jurídico que sustentasse a
escravidão, pois a índia havia sido tomada em guerra ofensiva, da qual não constava “que
fosse justa”. Além disso, não havia comprovação dado deferimento real, pois os livros da
Secretaria que poderiam servir de prova estavam deteriorados Assim, a Junta estabeleceu
como alternativa de confirmar a licitude da guerra, os testemunhos de “pessoas fidedignas
que confirmassem ter visto a declaração de guerra nos ditos livros”, o que também não
ocorrera.59
A junta ainda ponderou que a referida guerra não deveria ter ocorrido contra uma
nação inteira, pois crime ocorrido, o assassinato de religiosos, fora cometido por apenas
“duas ou quatro pessoas” da determinada nação indígena. Outro aspecto essencial para o
Tribunal considerar a ilicitude da guerra foi o fato dos “Aroan” já se encontrarem
“debaixo do domínio e direção dos missionários”. Segundo o Tribunal da Junta, a referida
guerra não poderia, ainda que sob a justificativa dos assassinatos, sujeitar toda a não ao
cativeiro. A sentença também esclareceu que a Junta das Missões não havia julgado como
escravos os indígenas apanhados nesta dita guerra, fato verificado pela ausência do título
de cativeiro. Assim, decidiu pela liberdade da índia Margarida e seus filhos.60
No entanto, o Tribunal da Junta das Missões não apenas julgava a legalidade das
guerras perpetradas contra os povos indígenas, mas também assumia o encargo de
autorizá-las, constituindo um espaço marcado por interesses divergentes e conflitantes.

57
O litígio entre a índia Margarida e seus filhos contra a viúva Maria Pereira pode ser considerado um dos
mais longos do Tribunal da Junta pois, em decorrência dos recursos e reformas das sentenças, as partes
continuaram se enfrentando por anos na Junta das Missões.
58
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
59
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
60
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
Na reunião convocada pela Junta das Missões, na cidade de São Luís, em 22 de
julho de 1750, os moradores da ribeira do Itapecuru e Parnaíba pediram autorização para
empreender “bandeira” contra os “gentios bárbaros das nações Guêguê, Timbira e Coroá”
por cometimento de “hostilidades”, decidindo o Tribunal da Junta, uniformemente,
deferir a autorização por considerar a veracidade dos documentos e testemunhas
apresentados na Junta.
Ao analisar a ação dos bandeirantes na região paulista, John Monteiro (1994,
p.57) preceituou que, ao contrário da escravidão negra, os bandeirantes tomaram para si
a tarefa de constituir uma força de trabalho. Trazendo esta análise para as Capitanias do
Grão-Pará e Maranhão, através da análise das atas de Reunião da Junta das Missões,
podemos inferir que os colonos também agiram de forma particular, algumas vezes
apoiado pelo poder local, outras vezes não, na constituição da força de trabalho indígena.
Dois anos após o requerimento dos moradores da ribeira do Itapecuru e Parnaíba,
compareceu novamente ao Tribunal da Junta, em 10 de julho de 1752, Jacinto de Sampaio
Soares61 que havia escrito duas cartas ao Governador propondo o descimento dos índios
“Amanajó”. No entanto, a Junta indeferiu o pedido por considerar que o descimento dos
indígenas desta nação poderia ser realizado “sem empréstimos de armas” por “ não fazer
oposição ao Estado”. Em seguida, a Junta ajuizou ser eficaz que o requerente fosse
empregado na tropa de guerra contra o “gentio Acoroá e Timbira”, cuja guerra ofensiva
já havia sido autorizada pelo rei em uma Provisão de 29 de maio de 1750.62
Após dois anos da Provisão de 29 de maio de 1750, o Governador da Capitania
do Maranhão, Luís de Vasconcelos Lobo, formulou um Regimento com base em algumas
instruções a serem tomadas na ação bélica contra as “nações inimigas”. A tropa partiria
da cidade de São Luís e seguiria até o Rio Itapecuru por canoa, “evitando os
inconvenientes do caminho terrestre”. A viagem seguiria até Aldeias Altas onde os
“índios Guanaré” deveriam ser inseridos na tropa de guerra, desde que concordassem e
tivessem o aval do” missionário da Aldeia e do principal”, reunindo-se com os demais
indígenas que já se encontravam na tropa.63

61
Jacinto de Sampaio Soares compareceu inicialmente ao Tribunal da Junta em 1748, como cabo de uma
bandeira de descobrimento de ouro, solicitando empreender guerra contra os índios que estavam cometendo
ataques.
62
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
63
Manuscrito 19- Declaração de Guerra aos Grupos Indígenas com base em ordens e resoluções do Rei de
Portugal. Autor: Luís de Vasconcelos Lobo. Local São Luís – MA. Data: 29/03/1752.
Além disto, o Regimento acima também previu inserir na tropa de guerra todos
os índios que fossem encontrados fora das suas aldeias e moradores que voluntariamente
quisessem fazer parte da tropa.64 Deste modo, temos uma clara separação entre a
obrigatoriedade destinada aos indígenas e a voluntariedade dos colonos em participar das
guerras.
A participação dos indígenas na formação das tropas de guerra também foi
confirmada na decisão da Junta das Missões de 10 de julho de 1752, determinando que
Jacinto Sampaio deveria seguir na direção do Rio Mearim com pelo menos “300 Gamela
com seus arcos e flechas e 40 Pindaré” além de qualquer pessoa que “voluntariamente
quisesse se juntar a tropa”. 65
Desta maneira, a participação dos indígenas como força bélica foi fundamental
para as guerras realizadas contra os indígenas. Segundo Gatti (2011, p.56), os índios
aldeados eram prontamente incorporados às forças militares portugueses para combater
os seus pares que se apresentavam irredutíveis a expansão portuguesa. Assim, podemos
apontar que os aldeamentos eram essenciais para a formação das tropas de guerra
necessárias aos combates que se faziam contra aqueles que resistiam à conquista europeia.
No entanto, é preciso levar em consideração os interesses dos indígenas ao
incorporarem as tropas de guerra, pois o seu envolvimento nas guerras coloniais se
mostrou como uma importante estratégia para salvaguardar a sua autonomia a partir de
alianças militares que poderiam ser rompidas a qualquer tempo, dependendo dos
interesses e contingências do momento.
Pelo número de indígenas solicitados para as tropas de guerra, podemos apontar
a quantificação numérica maior que os próprios colonos, os quais buscavam utilizar dos
saberes bélicos indígenas para assegurar a vitória nas guerras perpetradas contra os
nativos. Pompa (2003, p.269), também apontou a participação significativa dos índios
aldeados ao lado dos soldados contra os “tapuias” na denominada “guerra dos bárbaros”,
indicando que a presença dos “índios flecheiros” foi nitidamente superior ao de soldados
comuns.
No Regimento de 23 de março de 1752, a questão da repartição de cativos tomou
cinco capítulos, determinado o procedimento a ser realizado com as “peças da guerra”.

64
Manuscrito 19- Declaração de Guerra aos Grupos Indígenas com base em ordens e resoluções do Rei de
Portugal. Autor: Luís de Vasconcelos Lobo. Local São Luís – MA. Data: 29/03/1752.
65
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
Em primeiro lugar, deveriam ser retiradas as despesas feitas pela Fazenda Real. Após,
deveria ser retirado o “quinto” pertencente à Coroa Portuguesa; a parte do governador da
Capitania, como também do cabo, oficiais subalternos, ouvidor e provedor mor da
fazenda real e auditor. As outras “peças” restantes deveriam ser repartidas igualmente
entre soldados, moradores e mais índios. 66
Ao analisar os aspectos da escravidão indígena relativa ao Estado do Maranhão,
John Monteiro (1994, p.112) destacou como característica da região, a presença e
ingerência do poder local no abastecimento e distribuição de mão de obra nativa no
Estado do Maranhão, destacado pela presença das autoridades locais na distribuição das
“peças de guerra”.
Vanice Melo (2011, p.100) ao refletir sobre os confrontos bélicos contra
indígenas no Estado do Maranhão inferiu que as guerras eram realizadas com o intuito
maior de obter mão de obra, mas isto não significa que elas tivessem apenas este objetivo,
pois o extermínio também foi uma estratégia encontrada para aqueles que ameaçavam o
sucesso do Projeto Colonial.
Pedro Puntoni (2002) ao analisar a guerra dos bárbaros, conflito que ocorreu no
século XVII na região semiárida do Nordeste, entre o leste do Maranhão e o Norte da
Bahia, compreendendo parte do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco, concluiu que os conflitos ocorridos pela expansão da pecuária, foram
guerras de extermínio, destinados a varrer as áreas para a criação de gado, pois era uma
atividade que não necessitava de um grande contingente de mão de obra.
As guerras realizadas contra os indígenas também representaram um meio de
abastecer o espaço colonial com mão de obra cativa necessária aos empreendimentos
coloniais. A ocupação dos espaços coloniais perpassou pela convivência com os
indígenas, pois em grande parte dependeu da ação destes, porém a política portuguesa
desconsiderou os nativos na organização e controle dos territórios, estabelecendo
políticas que provocaram sua desagregação e desarticulação.
As guerras justas representaram uma resposta a intervenção dos povos nativos
nos espaços controlados pela jurisdição portuguesa, através das fortalezas, vilas e cidades
cuja ocupação representava uma estratégia de domínio e representação de poder do
Estado europeu nos territórios originalmente ocupados pelos nativos.

66
Manuscrito 19- Declaração de Guerra aos Grupos Indígenas com base em ordens e resoluções do Rei de
Portugal. Autor: Luís de Vasconcelos Lobo. Local São Luís – MA. Data: 29/03/1752.
Desta forma, com o aumento da expansão portuguesa, surge a construção do
imaginário dos sertões, espaço selvagem, sem lei e fora da jurisdição da metrópole,
formado por índios bárbaros que deveriam ser combatidos pelo mundo civilizado e
cristão, justificando os diversos conflitos que ocorreram nesta capitania (PUNTONI,
2002: POMPA, 2003).
As guerras justas não podem ser resumidas em uma visão reducionista do índio
apenas como vítima, embora seja incontestável as perdas dos povos indígenas nestes
conflitos, estes também se adequaram as novas formas de controlar e organizar o
território. Ao provocar as temidas “hostilidades” como estratégia para afastar os invasores
de seus territórios, estes indígenas se colocavam como legítimos donos da terra,
pressionando povoamentos portugueses que por vezes forma abandonados e
consequentemente geraram um contra-ataque do Estado.
Ao visualizar estes conflitos, encontramos o indígena em seus mais variados
papéis: celebrando alianças, quebrando pactos, adiando descimentos, participando de
tropas de guerra, guerreando contra o Estado. Em suma, interferindo e sofrendo
interferências na construção de espaços coloniais. No entanto, as guerras justas não eram
o único meio jurídico e moralmente aceitos de fazer cativos, havendo a figura dos
resgates.

3.5 De índio livre a escravo: “repartindo “peças de resgate”

De modo geral, os resgates constituíam-se em entrada aos sertões, organizadas


pelo governo, missionários ou particulares, visando resgatar os índios que se
encontrassem cativos de outros índios e prontos para serem sacrificados, os quais eram
conhecidos como homens à corda.
Neste caso, os índios resgatados serviam a um duplo objetivo: salvação das suas
almas pela conversão do cristianismo ao mesmo tempo em que deveriam servir a um
tempo delimitado em Lei (05 anos) para pagar a despesa do resgate ou, dependendo do
preço do resgate, ser considerado ilimitado (PERRONE-MOISÉS, 1992, p.128).
Porém, esta não foi a única justificativa, havendo a hipótese de compra e resgates
de indígenas feitos em guerra intertribal considerada justa. Neste caso, os portugueses
compravam dos próprios indígenas os prisioneiros por produtos diversos, especialmente
ferramentas. Por conta de tal conjuntura, Perrone-Moisés (1992, p.82) considera este
resgate específico uma modalidade de compra, considerando tais indígenas como
produtos de tráfico.
A Lei de 1655 previu os resgates justificando a sua atuação em dois contextos:
quando os índios eram feitos prisioneiros de outros índios para serem usados em rituais
de antropofagia e quando feitos legitimamente cativos de outros índios tomados em
guerras justas.67
Os resgates eram considerados fundamentais para manter a dinâmica do
abastecimento de mão de obra cativa na região. A sua importância tornou-se maior aos
moradores a partir da Lei de 1680, que proibiu todas as formas de cativeiro indígena. No
entanto, oito anos depois foi substituída pela Lei de 1688 que passou novamente a
considerar as hipóteses de escravização indígena.68
No entanto, a legislação referente aos resgates não foi suficiente para controlar
o interesse em torno da mão de obra indígena, passando a ser regulado também pelo
Tribunal da Junta das Missões, palco de diversas demandas indígenas.
Assim, em 07 de julho de 1739, foi lido um requerimento na Junta das Missões
de Antônio Luís Coutinho, tesoureiro da tropa de resgate realizado na cidade do Pará e
que trouxe a cidade de São Luís vinte e nove escravos de seu domínio. O tesoureiro
solicitava que os direitos dos cativos, ou seja, o pagamento por eles deveria ser feito na
Fazenda da Capitania do Maranhão e não no Pará, onde estava sendo constrangido a pagar
o preço das “peças”.69
Em 22 de julho do mesmo ano, foi lido outro requerimento, desta vez do cabo
da mesma tropa de resgates, Lourenço Belfort, com uma reclamação parecida: estando
com 113 “peças” resgatadas dos sertões do Pará, estava sendo obrigado a pagar os direitos
dos resgatados na cidade do Pará. No entanto, pedia que o pagamento fosse feito na
provedoria do Maranhão por ser o destino final da descarga. Em ambos os requerimentos
a Junta decide que o pagamento seja feito na Fazenda Real da Cidade de São Luís,
devendo a do Pará ser informada do pagamento.
Desta forma, as incursões das tropas de resgate aos sertões em busca de
indígenas foram necessárias para a manutenção da crescente força de trabalho indígena.

67
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948, pp25-
28.
68
Anais da Biblioteca (ABN). Livro Grosso do Estado do Maranhão. Vol. 66. Rio de Janeiro, 1948, pp97-
101.
69
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
John Monteiro (1994, p.55), ao analisar a atuação dos bandeirantes paulistas, assegurou
que a partir do século XVII passaram a ser introduzidos na esfera colonial índios de
regiões remotas, totalmente desvinculados de sua terra e identidade histórica.
Desta análise, podemos depreender que o mesmo se deu, guardadas as devidas
proporções, na colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará, representando um
abastecimento externo de indígenas totalmente desvinculados de suas origens em razão
das distâncias entre a ação dos resgates e o destino final dos cativos, causando também
uma grande alteração na composição étnica da população cativa.
Desta maneira, a política indigenista da Coroa Portuguesa em relação a
colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará figurou na convivência entre liberdade
e cativeiro, pois não houve necessariamente uma fronteira intransponível entre as duas
condições jurídicas, pois a exploração e tentativa de controle do Estado e poderes locais
se fazia em ambos os contextos, seja pelo trabalho compulsório dos índios “livres” através
dos descimentos e aldeamentos seja na situação de cativos pelas guerras justas e resgates.
A situação dos povos nativos no contexto dos descimentos, aldeamentos, guerra
justas e resgates, elementos que compuseram a sociedade colonial em formação e
afetaram diretamente os indígenas, promoveu, pouco a pouco, a desestruturação e
desordem de suas sociedades. John Monteiro (1994, p.55), ao inferir sobre o processo
colonizador na região de São Paulo no Século XVI, afirmou que a política portuguesa não
conseguiu integrar as sociedades indígenas à esfera colonial sem desestruturá-las
resultando na elaboração de formas de trabalho historicamente novas, entre as quais a
escravidão indígena. Por conta disto, passou-se a introduzir na esfera colonial índios em
número crescente, os quais compuseram a sociedade colonial.
Ao tratarmos do contexto do Estado do Maranhão e Grão-Pará no século XVIII,
podemos partir da mesma compreensão acima, pois a partir das fontes analisadas,
constatamos que as ações destinadas a inserir os indígenas nos espaços coloniais
promoveram uma desordem nas organizações dos indígenas, tanto dos índios
considerados aliados quanto aos inimigos.
No entanto este controle e domínio não se fez apenas sob a ótica portuguesa, mas
contou com as ações diretas dos indígenas, pois para explorá-los, condição essencial ao
sucesso do projeto colonizador na região, foi necessário lançar incentivos de várias
espécies: concessão de terras nos aldeamentos, seja cooperando para que exigisse a sua
liberdade perante a justiça colonial, seja concedendo mercês, arbitrando salários,
formulando Leis etc.
Trilhar estes caminhos não significa negar o uso da violência, incontestável em
diversos acontecimentos relatados, mas sim refletir que ela não era a única medida
utilizada, concorrendo com diversos outros fatores. Desta maneira, a relação de domínio
sobre o indígena era negociada, o que não significa que deixou de ser desigual, mas sim
que não pode ser medida unicamente por quem detém o domínio, comportamento que
levou à visão do indígena passivo.

4 CRIANDO LAÇOS E REINVENTANDO FAMÍLIAS: ADAPTAÇÕES E


ESTRATÉGIAS INDÍGENAS NA CAPITANIA DO MARANHÃO NO SÉCULO
XVIII.

O contato entre indígenas e europeus foi resumido pela historiografia que se


construiu, a partir do século XIX, em uma história da extinção. A narrativa inicial,
arquitetada pelo encontro colonial entre nativos e europeus foi assinalada pela completa
destruição dos primeiros, como se já estivessem fadados ao desaparecimento
(MONTEIRO, 1994: OLIVEIRA, 2015: ALMEIDA, 2017: MOREIRA, 2019).
Destacando a visão ainda dominante sobre a invisibilidade dos índios, John
Monteiro (1999, p.237) concluiu que:

Aprende-se, desde pequeno, que os índios são coisa do passado, não


propriamente da história, mas antes de uma distante e nebulosa pré-história.
Os manuais escolares e mesmo a historiografia profissional tendem a liquidar
rapidamente com as populações indígenas, dando-lhes um certo destaque –
como não podia deixar de dar- apenas nos anos iniciais da colonização. Apesar
de reaparecerem pontualmente em alguns episódios, por exemplo, como
valentes auxiliares dos luso brasileiros na guerra contra os holandeses ou como
vítimas dos excessos dos bandeirantes [...].

Inicialmente, a construção historiográfica que considerou o desaparecimento dos


povos indígenas como um fato natural após o contato como o europeu foi explicada pela
presença de vários elementos, tais como baixa imunidade dos nativos frente as doenças e
epidemias que chegavam junto com os colonizadores, guerras, escravizações, chacinas,
crises de forme, perda da capacidade reprodutiva; enfim, tudo contribuiu para considerar
os índios fadados a extinção, em um conceito que a demografia histórica cunhou de
“catástrofe demográfica”, ao explicar o fenômeno brutal do extermínio indígena
(MOREIRA, 2019, p.25).
Para explicar o progressivo desaparecimento dos indígenas da História nacional
passou a utilizar-se o conceito da aculturação, originada da combinação de duas mortes:
a física, já conhecida pelas guerras, epidemias de contágio e a cultural (ALMEIDA, 2017:
MOREIRA, 2019).
Em termos gerais, o conceito de aculturação caracteriza-se, conforme explicita
Polastrini (2011):
Quando pensamos em termos e conceitos neste contexto cultural, lembramos
que uma das primeiras nomenclaturas para se referir aos processos do contato
entre culturas, foi o termo aculturação, no qual uma cultura considerada mais
forte acaba exercendo maior poder sobre a mais fraca, acontecendo a absorção
ou assimilação de uma pela outra, o que faria com que a mais fraca
desaparecesse com o passar do tempo.

A imagem da dupla morte legada aos indígenas aparece, a título de exemplo, na


obra Casa-grande & senzala, publicada em 1933, por Gilberto Freyre. Ainda que a obra
contenha reflexões importantes ao considerar a sociedade colonial como híbrida desde o
início e distinguir os colonizadores como “intrusos ou invasores”, não conseguiu escapar
do legado da historiografia do século XIX ao tecer considerações sobre o encontro entre
portugueses e ameríndios na formação do período colonial.
No capítulo “O indígena na formação da família Brasileira”, o autor inferiu que
a consequência do contato de uma raça mais adiantada, de cultura “exuberante de
maturidade” com outra mais atrasada e “adolescente” foi a degradação dos povos nativos.
A deterioração da cultura ameríndia foi considerada resultante da incapacidade técnica,
política e de adaptação do indígena frente ao novo regime econômico, moral e social
(FREYRE, 1992).
No entanto, conforme apontou Russell-Wood (2005, p.36), houve uma
atribuição de qualidades super-humanas ao povo português na obra de Freyre. Os efeitos
desta construção narrativa para a história indígena provocaram visões equivocadas sobre
o impacto do contato e da expansão europeia, a qual se resumiu apenas em dizimação e
destruição dos povos nativos.
De acordo com John Monteiro (2007, p.28-29), o conceito de aculturação veio
de uma análise que tratou as sociedades nativas como culturas locais isoladas, as quais só
sobreviveriam ao impacto das conquistas pela migração, reconstruindo a cultura
ameríndia em lugares distantes da presença europeia para preservação da pureza étnica e
cultural contaminada pelo contato. No entanto, este exame desconsiderou o aspecto
dinâmico da cultura que em seu contínuo movimento conferiu adaptações e mudanças
que garantiram novas formações sociais e novas identidades na sociedade colonial em
formação.
O conceito da aculturação caiu em desuso no século XXI, a partir de estudos
renovaram as avaliações entre colonizador e colonizados. Abordaremos o conceito da
zona de contato por entender que este olhar diferenciado sobre as fontes coloniais e pós-
coloniais garante um debate para além dos processos de aniquilamento e extinção das
sociedades nativas.
O termo zona de contato foi utilizado por Mary Louise Pratt para se referir ao
espaço do encontro colonial, formado por sujeitos anteriormente separados por elementos
geográficos e históricos que passaram a estabelecer, uns com os outros, relações
contínuas, geralmente associadas as circunstâncias de coerção e desigualdade
(POLASTRINI, 2011).
Uma consequência decorrente da zona de contato é o aspecto da transculturação,
relacionada a partir da relação habitual entre duas ou mais culturas. No entanto,
diferentemente da aculturação, não há assimilação de uma pela outra, mas sim perdas,
seleções, descobrimentos e adaptações de todos os envolvidos gerando novas estruturas
e práticas sociais (MONTEIRO, 2007: POLASTRINI, 2011: ALMEIDA, 2017:
MOREIRA, 2019).
Podemos apreender este processo a partir de uma carta do Capitão General do
Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, endereçada
ao seu irmão, o Marques de Pombal. Datada em 02 de fevereiro de 1752, o teor da carta
demonstrava a inconformidade em relação ao governo espiritual dos índios cuja
competência estava a cargo dos jesuítas. De acordo com a missiva, a conversão era
realizada de modo tão superficial que os indígenas reduzidos aos aldeamentos
continuavam “exercitando a maior parte dos seus ritos”. De acordo com a carta, a
conversão se dava da seguinte maneira:

Para V. Exª poder compreender bem este absurdo, que na verdade se faz
incrível, é preciso saber que a palavra Tupana na tal gíria é Deus; as duas Açu
e Mirim é o mesmo que grande e pequeno, e são os ditos índios educados para
explicarem Deus dizendo Tupana Açu Deus grande; e os santos, suas imagens
e verônicas Tupana Mirim = Deus pequeno; e isto que eles dizem que é um
modo de explicar, por não haver na tal língua a palavra Santo, sempre dado por
elemento de religião a uma gente silvestre, lhes forma uma ideia de muitos
deuses, o que é totalmente defendido e oposto à verdadeira fé que nos ensina a
Igreja Católica. Além de que, este erro se poderia emendar ainda seguindo a
errada máxima de se ensinar a tal gíria barbarizando a palavra santo, assim
como têm barbarizado infinitas palavras portuguesas que se acham inseridas
nela, e de que poderia fazer um catálogo se fosse necessário .70

Esta parte da correspondência nos mostra outro fenômeno compreendido


juntamente aos conceitos de zonas de contato e transculturação: a tradução.
Diferentemente da construção antropológica e histórica acerca das narrativas dos
missionários do século XVI, a tradução defende que não houve um processo unilateral de
assimilação cultural e linguística dos indígenas em relação à religião católica.
Cristina Pompa (2003) considera que o fenômeno da tradução não se restringiu
apenas ao aspecto linguístico, mas representou uma articulação entre os universos
simbólicos do europeu e do indígena, ou seja, houve a necessidade de tornar os elementos
(sagrada escritura x mitos e rituais nativos) inteligíveis para ambos os lados a partir de
uma linguagem simbólica negociada que fizesse sentido para todos os envolvidos.
Desta forma, a autora conclui que os textos missionários, com os devidos
cuidados, devem ser analisados como portador de traços da interação prolongada entre
missionários e indígenas, sendo limitante pensar nos relatos missionários apenas como
detentores de informações sobre a cultura ocidental que os produziu, pois:

O evento histórico da evangelização, portador de uma simbologia religiosa da


Europa medieval e renascentista, foi reelaborado pelas culturas nativas a partir
de suas próprias representações, ou seja, a dinâmica interna aos sistemas
culturais indígenas que tomaram e transformaram "para si" o que apresentava
como "outro". POMPA, 2003, p.25.

Assim, o aumento na bibliografia etnohistórica das Américas cooperou para a


revisão historiográfica de que o impacto do contato não se resumiu apenas na dizimação
de populações nativas, mas também produziu novos tipos de sociedade marcada por
novas identidades étnicas em processo contínuo de inovação cultural.
As fontes analisadas, das quais destacamos as atas de reuniões do Tribunal da
Junta das Missões, realizadas na cidade de São Luís, na primeira metade do século XVIII
e os Testamentos lavrados na mesma cidade e período, permitem um novo diálogo, pois
longe da questão do desaparecimento percebe-se que os indígenas criaram identidades
que lhes permitiram novos espaços de ação e identificação no mundo colonial,

70
MENDONÇA, Marcos Carneiro de (Org.). A Amazônia na era pombalina: correspondência inédita do
governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
1751-1759. 2ª ed. Brasília: Edições Senado Federal, 2005. Tomo I, página 113.
constituindo em um gruo social diferenciado dos africanos e europeus (ALMEIDA, 2003:
RESENDE, 2003: CARVALHO JUNIOR, 2005: MONTEIRO, 2007,).
Ao observar as atas da reunião da Junta das Missões realizada na cidade de São
Luís, deparamo-nos com pedidos de liberdades de índios que afirmavam estarem em uma
situação ilegal de cativeiro. O destaque nestes casos é que o pedido não se restringia
apenas ao indivíduo em si, mas a irmãos, filhos e outros parentes revelando a rede de
sociabilidades gerada com as descontinuidades e mudanças do período colonial.
Desta forma, tais contribuições reformulam o próprio conceito de resistência
indígena, afastando-a do sentido da manutenção de uma tradição milenar congelada no
tempo ou pensada apenas em termos de revoltas, mas inserida em um complexo sistema
de negociações, estratégias, adaptações, reformulações de identidades, construção de
novas formações sociais e culturais, que buscou redefinir a maneira indígena de pensar (e
de fazer) a história do contato (MONTEIRO, 1999: POMPA, 2003: CARVALHO
JÚNIOR, 2005: OLIVEIRA, 2015: ALMEIDA, 2017.).

4.1 Famílias Indígenas Aldeadas

Em Reunião convocada pela Junta das Missões na cidade de São Luís, em 06 de


agosto de 1747, foi analisada uma petição dos “índios Aranhiz” solicitando a “entrega”
de suas mulheres e filhos que se achavam na Aldeia dos Araioses. A petição foi atendida
pelo Tribunal da Junta, mas estabelecia que as mulheres deveriam manifestar interesse
em acompanhar seus maridos.71
Um ano depois da petição acima, foi analisado outro requerimento, desta vez do
índio Mauricio Rayol, “capitão da Aldeia de Marudá”, solicitando o “recolhimento” dos
indígenas que haviam se espalhado pelas “Aldeias de Pinaré, Maracu e Tapuitapera”.72
Para comprovar a legitimidade do que dizia, trazia um Livro, provavelmente o que era
destinado à matrícula de todos os índios, entre 13 e 50 anos, capazes de servir como mão
de obra no sistema de repartição, conforme definido no § 12 do Regimento das Missões.
Ao final da reunião, a Junta das Missões decidiu pela emissão de ordens para
“recolher, juntar e aldear” os referidos índios. No entanto, a resolução não se aplicou aos

71
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
72
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
indígenas que haviam contraído casamento com “pessoas de diversa nação” nas Aldeias
mencionadas, devendo conservar-se nestes lugares.73
Os casos acima demonstram que a continuidade dos Aldeamentos não foi fruto
apenas de interesses da Coroa e Colonos nem dependeu unicamente da ação dos
missionários para a sua funcionalidade, os quais, de acordo com o § 1 Regimento das
Missões, detinham o governo espiritual, político e temporal das aldeias sobre a sua
administração, mas também proporcionou funções e significados próprios aos indígenas,
os quais traziam expectativas ao concordarem em adentrar nestes espaços (ALMEIDA,
2003).
Longe de serem espaços destinados a dominação e aculturação dos indígenas, os
aldeamentos se constituíam em verdadeiros “espaços de índio” 74, os quais viviam uma
experiência nova que além das perdas sofridas apresentava também espaços de adaptação
e sobrevivência (ALMEIDA, 2010, p.72).
Maria Regina Celestino de Almeida (2003) ao tratar dos índios aldeados no Rio
de Janeiro colonial, inferiu que:

As aldeias indígenas na colônia podem ser vistas, então, como espaço de


interação entre grupos sociais étnicos diversos nos quais os índios aprendiam
novas práticas culturais e políticas que reelaboravam a partir de seus próprios
valores e tradições e de acordo com as necessidades que se lhes apresentavam.
Neste processo de re-socialização adquiriam o instrumental necessário que lhes
permitia sobreviver e adaptar-se ao mundo colonial em formação e sabiam
lançar mão deles nos momentos apropriados. Afinal ser índio da aldeia x ou y
era a forma de identificação no mundo colonialque os vários grupos étnicos
passaram a assumir quando aldeados [...] e essa identificação definia seu lugar
social [...] além de lhes impor uma série de obrigações, lhes garantia também
direitos dos quais faziam questão de usufruir.

Adentrar em aldeamentos conferia aos nativos uma nova posição social: índios
aldeados. Considerando o projeto missionário em curso, tornar os índios aldeados era
transformá-los em índios cristãos, ou seja, vassalos do rei, com deveres e direitos
estabelecidos em diversos dispositivos legais visando o sucesso dos objetivos
relacionados ao projeto colonizador.
Desta maneira, deixar-se converter a fé católica adquiriu um significado político
estratégico do ponto de vista indígena, com estabelecimento de direitos em Lei e novas
possibilidades de ação, utilizando-se do próprio sistema repressor para adquirir mais

73
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões na
cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
74
O regimento das missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará era categórico ao estabelecer em seu § 4
que não poderiam assistir nem morar nos aldeamentos outras pessoas que não os índios e suas famílias.
autonomia, uma vez que a condição de vassalo não era sinônima de igualdade, conforme
estabelece Almeida (2003, p.102):

Ressalte-se que ser súdito cristão não implicava absolutamente em uma


condição de igualdade. Na sociedade tão hierarquizada do Antigo Regime,
cada súdito ocupava seu lugar na escala social (inclusive os escravos), mas
todos tinham além das obrigações, direitos, dentre os quais o de pedir e obter
mercê e justiça do seu rei.

Desta perspectiva depreende-se que os aldeamentos eram espaços para os quais


convergiam interesses e expectativas distintas dos agentes inseridos nesta experiência. As
expectativas dos missionários, aliada ao aspecto religioso, perpassavam pelo
policiamento dos costumes das populações nativas, interferindo na vida familiar, social e
sexual destes indivíduos.
Tal interferência se deu na imposição do casamento enquanto sagrado
sacramento da igreja católica. No entanto, o importante não é estabelecer apenas de que
maneira essa obrigação foi sendo construída na legislação e sociedade, mas procurar
ressaltar de que forma os índios tomaram para si esta imposição e responderam de volta,
alterando por várias vezes o campo de ação dos demais agentes.
Não é sem interesse que entre as medidas impostas aos indígenas no contexto
dos descimentos e aldeamentos era a aceitação do sacramento do casamento cristão.
Contudo, em termos práticos, a mudança de status social abria outras opções de ação aos
indígenas que puderam modificar a situação em que estavam inseridos, seja pelo aspecto
legal ou exigindo decisões que extrapolavam a esfera jurídica, conforme análise dos dois
casos apresentados na Junta das Missões.
A exigência do casamento cristão na formação da sociedade colonial brasileira
remonta aos preceitos tomados no Concílio de Trento, organizado para conter o avanço
da Reforma de Martinho Lutero, que passaram a vigorar em Portugal a partir do Alvará
de 12 de setembro de 1564, obrigando todos os súditos a seguirem tais princípios.
Transplantando estas medidas de Portugal aos domínios ultramarinos, coube aos
missionários fazerem cumprir o rígido controle sobre o matrimônio cristão para a
preservação e defesa da instituição família. Para isto, seria necessária a defesa de
determinados princípios como a monogamia e indissolubilidade (RENDEIRO NETO,
2017: MOREIRA, 2018).
Os missionários, ao aportarem nas terras do além-mar para o trabalho da
propagação da fé católica destacaram em seus relatos os aspectos relacionados à família
e a moral sexual indígena. Como exemplo, temos os relatos dos capuchinhos Claude
d’Abbeville e Yves d’Evreux sobre a sociedade tupinambá no início do século XVII
(1611-1615) no Maranhão (CASTELNAU-L’ESTOILE , 2013).
As fontes missionárias foram consideradas como dados etnográficos fidedignos
das sociedades nativas que já adentravam no processo da extinção e desaparecimento.
Desta forma, conforme preceitua Castelnau-L’Estoile (2013) e Pompa (2003), as análises
superficiais destas fontes direcionaram a historiografia para dois caminhos perigosos: a
produção de uma narrativa linear do projeto de dominação espiritual, considerando os
indígenas como seres passivos e destinados ao processo de aculturação ou aceitação das
fontes como relatos de uma cultura indígena autêntica e original registrada pelos
missionários em seus escritos.
A exigência do casamento cristão no molde tridentino visou liquidar os costumes
dos “selvagens” em relação à poligamia, provocando modificações nas sociedades
indígenas, as quais não foram extintas, mas sim recriadas em sua cultura e identidade
indígena (MOREIRA, 2018: MOREIRA, 2019).
Entretanto, contrariamente ao que se propagou da leitura das fontes, a poligamia
não era praticada de modo absoluto por toda a sociedade. Ao analisar a sociedade
tupinambá, o capuchinho Claude d’Abbeville afirmava que embora a poligamia fosse
consentida, a maioria dos índios possuía apenas uma mulher e que a poligamia era
comportamento destinado aos principais ou bravos guerreiros.
A intencionalidade do discurso sobre a poligamia era evocada em sua dimensão
social e econômica pelos capuchinhos, conforme observamos por CASTELNAU-
L’ESTOILE (2013):

Yves d’Evreux concluiu que “esses selvagens são extremamente gananciosos


por terem muitas mulheres”, para o prestígio que isso favorece: “ eles são
apreciados e estimados de acordo com o número de mulheres que tem”. Yves
d’Evreux reforçou que não havia dote para o matrimônio, mas um
compromisso, por parte do genro de sustentar seu sogro.

O abandono da poligamia para os índios originou transformações na sociedade


ameríndia como, por exemplo, o aspecto bélico, pois segundo Moreira (2018), a
finalidade do matrimônio na sociedade tupinambá esteve relacionada à criação e
fortalecimento das alianças materiais e militares.
As demais mudanças destacaram-se pela perda do status social de riqueza
econômica e no plano simbólico o enfraquecimento dos líderes e chefes das aldeias,
desestruturando o principal elo ligado a poligamia: as guerras, pois o fortalecimento das
redes de aliança militar e material bem como da parentela estava associado à capacidade
de terem muitas mulheres e vários filhos para conseguir muitos genros através do
matrimônio. Com isto, houve a desagregação dos principais elos da sociedade tupinambá:
guerra, vingança, antropofagia e casamento (MOREIRA, 2018).
Na esteira da poligamia ou das uniões indígenas construiu-se a imagem
generalista e estereotipada da mulher indígena reservando para esta somente um papel
possível: a de parceira sexual do colonizador. Esta construção levou ao que Ronald
Raminelli (2006) chamou de Eva Tupinambá, ou seja, a representação bíblica da mulher
como herdeira de Eva, fraca e propensa as tentações, foi repassado para a indígena
considerada a fonte do pecado e dos descaminhos dos homens da colônia.
Com isto, não queremos negar o intercurso sexual existente na colônia, fruto da
violência derivada das relações de poder, mas que também pode ser entendido como
estratégia e negociação utilizada pelas indígenas para adquirir algumas garantias seja para
si ou para sua prole (CARVALHO JÚNIOR, 2005).
Os relatos missionários assinalaram que mulheres indígenas eram imprudentes e
dificilmente puras quando chegavam aos quinze anos, cometendo posteriormente toda
sorte de abusos75. Não foi sem razão que sobre o elemento feminino recaiu uma
estranheza, que com certa intencionalidade, desejou propiciar o controle sobre o corpo
feminino.
O capuchinho Yves D’Vreux, que permaneceu por dois anos entre os Tupinambá
do Maranhão, estabeleceu, em relato, uma classe de idades para homens e mulheres, do
nascimento a morte. As diferenças entre ambas são evidentes: enquanto os homens
“acompanhavam os pais”, “entregavam-se ao trabalho” e ao tornarem-se anciãos, tinham
uma “vida honrada”, “cercada de respeito e admiração”. Quanto as mulheres, “não eram
prudentes”, “eram muito mal aconselhadas pelo autor de todas as desgraças” e quando
atingiam maior vigor da idade declinavam consideravelmente, sendo consideradas
“porcas” e “feias”. 76
A herança herdada por esta desvalorização do feminino encontra ressonância na
tradição europeia de considerar o desejo carnal e o erotismo como práticas pervertidas e
demoníacas das herdeiras de Eva, estabelecendo uma rígida separação entre mulher
virtuosa e mundana (JULIO, 2015). Entretanto, fica cada vez mais claro na historiografia

75
D’VREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil.
76
D’VREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil
que a imagem do europeu saltando em terra e escorregando em índia nua 77 não
corresponderam à complexidade dos papéis exercidos por estas mulheres.
A mulher indígena reaparece em outros espaços da sociedade colonial, povoando
o ambiente doméstico, conduzindo os aldeamentos nas ausências dos índios, sendo mães
de filhos legítimos e ilegítimos, estabelecendo negociação quanto a questão do sexo,
enfim diversos olhares ainda pouco explorados. Ainda que tenham passado pela violência
física e simbólica, também conseguiram se reinventar e recriar novos papeis na sociedade
colonial.
A revisão de historiadores e antropólogos tem levado a conclusões que passaram
a reconhecer que aquilo que a moral cristã cunhou de luxúria ou libertinagem era, da
perspectiva indígena, hospitalidade e formação de rede de alianças militares e materiais
através de um processo muito simples e direto: consistia em dar ao europeu uma moça
por esposa. Assim que ele a assumia, iniciavam-se os laços de parentela (MOREIRA,
2019, P.237).
O processo de interferência na vida colonial através dos casamentos também
levou os missionários à decisão de tornar as uniões indígenas, antes da conversão, em
naturais e cristãs. Para isto deveria ser observado se prevaleceria entre os índios algum
tipo de matrimônio regido pelas leis naturais, ou seja, baseados no desejo de ter uma vida
comum e filhos.
De acordo com Moreira (2019), na Companhia de Jesus acabou prevalecendo o
entendimento de que os indígenas não possuíam casamento natural. Tal juízo provocou
aplicações práticas na evangelização dos inacianos, pois estes puderam casar os índios de
modo rápido e fácil, sem preocupar-se com as uniões anteriores.
Podemos depreender este comportamento ao analisar a mesma correspondência
já citada anteriormente, entre o Capitão General do Estado do Maranhão e Grão-Pará,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado e o seu irmão, o Marques de Pombal. Nesta parte,
especificamente, Francisco Xavier criticava o sistema de repartição, no qual estavam
dispensados os padres da Companhia, mas para compensá-los estavam destinadas para
servir os colégios e residência dos jesuítas uma Aldeia no Maranhão e outra no Pará, pois
os casamentos nestes aldeamentos aconteciam da seguinte maneira.

77
FREYRE, Gilberto.O indígena na Formação da Família Brasileira. In: Casa Grande & Senzala. Editora
Record, 28ª Edição, 1992.
Finalmente, porque não tinham liberdade em coisa alguma, até os casamentos
são a arbítrio dos padres, porque devendo casar todos, não está na sua mão o
chegarem à pessoa, mas há de ser com aquela que lhes nomear o padre
missionário, ainda que aliás seja contra sua vontade; e estejam ajustados com
outra mulher, ou elas com outro marido.78

Retomando o pedido realizado pelos índios Aranhiz em Reunião da Junta das


Missões para que suas mulheres e filhos fossem restituídos da aldeia de Araioses
encontramos outros elementos que nos permitem visualizar os espaços de negociação que
a condição do casamento gerava nos aldeamentos.
De acordo com o § 4 do Regimento das Missões, os aldeamentos eram espaços
destinos exclusivamente para atender os índios e suas famílias. Tal determinação visava
evitar a retirada destes dos aldeamentos, delegando aos religiosos responsáveis pelas
missões a decisão de estabelecer a saída dos indígenas aldeados. O motivo principal da
proibição de brancos ou mamelucos nos aldeamentos, de acordo com o §6 do Regimento
das Missões seria evitar a persuasão de nativos ao casamento com escravos ou escravas
visando modificar a situação jurídica por imposição do matrimônio e desta maneira retirá-
los dos aldeamentos.
Ao analisar as mulheres indígenas, Almir Carvalho destacou que a opção do
casamento com escravos e a retirada das aldeias foi justificado pela documentação como
fraqueza e ignorância. No entanto, essa visão desconsiderou o papel ativo destas mulheres
que ao anuir com o casamento poderiam estar em busca de maiores espaços de liberdade,
mesmo na condição de escravas, pois:

Provavelmente, muitas vezes vivendo numa situação talvez mais incômoda nas
aldeias, optavam por permanecerem na casa dos brancos. Alternativa talvez
menos dolorosa já que, por mais contraditório que possa parecer, embora
escravas, elas adquiriam mais liberdade. [...] Pertencendo somente a uma casa
adquiriam vantagens e, provavelmente, uma extensão de vida. Os favores
sexuais, nesse sentido, poderiam ser seu passaporte para uma vida melhor. Não
se pode esquecer, no entanto, que os moradores também necessitavam
daquelas índias para trabalhar em suas roças, tecerem e fiarem o algodão e nos
serviços domésticos variáveis. Para tanto era prática comum casarem com
alguns escravos seus. CARVALHO JÚNIOR, 2005.

A análise desta fonte nos leva a alguns apontamentos: o primeiro diz respeito ao
tratamento diferenciado dos indígenas considerados aliados, pois ao defenderem a
manutenção de suas famílias, limitaram as ações dos europeus que tiveram que negociar

78
MENDONÇA, Marcos Carneiro de (Org.). A Amazônia na era pombalina: correspondência inédita do
governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
1751-1759. 2ª ed. Brasília: Edições Senado Federal, 2005. Tomo I, página 116.
e por vezes, abrir mão de garantias, para manter o apoio dos nativos. Neste caso, acatar o
pedido dos índios foi mais importante estrategicamente do que evitar a perda numérica
de mulheres e crianças no aldeamento.
A ata de reunião da Junta das Missões não nos esclarece o motivo dos índios
estarem separados de sua família, o que nos leva a estabelecer pressuposições. A primeira
pode estar relacionada ao sistema de repartição, que englobava índios destinados a servir
de mão de obra aos colonos, dos 13 aos 50 anos. O tempo dos indígenas fora dos
aldeamentos, de acordo com o Regimento das Missões, variou inicialmente em quatro
meses para as aldeias do Maranhão e seis meses para as do Pará. Contudo, em Junta
reunida em 1687 foi estipulado o prazo de um ano para que os índios pudessem ser
restituídos aos seus aldeamentos (MELLO, 2009).
As mulheres e crianças, com algumas exceções, estavam fora do sistema de
repartições, permanecendo nos aldeamentos sem a presença dos maridos por todo o tempo
em que estes ficavam servindo como mão de obra a colonos e Coroa.
Assim, o pedido dos índios Aranhiz aponta para a compreensão de que o pedido
de restituição de mulheres e crianças tenderia a uma defesa dos laços familiares, seja
evitando a separação de suas mulheres e filhos, seja por desconfiança que mantinham
contra os missionários e colonos, evitando a quebra dos laços de família que poderiam
ocorrer em uma separação prolongada entre marido e mulher.
Quanto ao pedido do índio Maurício Rayol, capitão da aldeia de Marudá,
solicitando que fossem baixadas ordens para que os índios e índias da sua aldeia que
haviam fugido para as de Pindaré e Maracu e Tapuitapera fossem trazidos de volta, a
decisão da Junta demonstra que a condição dos índios aldeados que instituíam casamento
apresentava algumas garantias, entre elas a imobilidade, ou seja, o casamento promovia
o sedentarismo dos nativos e limitava, mais uma vez, o campo de ação dos agentes
coloniais nos espaços dos aldeamentos, pois estes já não poderiam ser retirados ou postos
em novos em outros lugares sem que a sua condição de casado fosse levada em conta.
Desta forma, aqueles que haviam se casado com “pessoas de outra nação” não
poderiam ser deslocados para sua aldeia de origem, mas passavam a fazer parte do
aldeamento que tinha concretizado o casamento, recriando e fortalecendo os laços de
família e de comunidade sem a ameaça do remanejamento, ainda assim, se este ocorresse
deveria respeitar o casamento.
Além disto, a fonte nos esclarece que as fugas dos indígenas faziam parte do
cotidiano dos aldeamentos. O próprio sistema de repartição no qual os índios eram
divididos para trabalhos com os colonos e coroa aumentavam as chances de fugas. Por
isto, os missionários buscavam estabelecer um equilíbrio e certo grau de satisfação dos
indígenas, de maneira que estes pudessem manter-se nestes espaços. Não é sem razão que
os missionários incentivavam os casamentos entre os aldeados com o claro propósito de
evitar as fugas e consequentemente o esvaziamento dos aldeamentos.
Apontamos também, embora o recorte temporal do presente trabalho nos
impossibilite analisar as consequências desta medida, a nova política oficial da coroa
portuguesa em relação a vida familiar dos índios aldeados modificou-se com o advento
da lei de 04 de abril de 1755. A partir desta Lei, houve o estímulo de casamentos mistos
entre brancos e nativos em uma série de incentivos econômicos. Estas reformas
pombalinas tinham como objetivo precípuo extinguir os índios enquanto grupo étnico e
misturá-los a população colonial através da miscigenação biológica, linguística e cultural.
Assim, a aceitação do casamento pelos nativos está longe de ser apenas uma
mera questão de anuência a fé católica e aos valores culturais europeus, mas perpassa por
questões que estão no cerne do processo de negociação estabelecida nos aldeamentos que
repercutiram no cotidiano da colônia, entre os quais o sedentarismo, monogamia e
trabalho, aparentemente desconexos, mas que estavam interligados entre si (MOREIRA,
2019).
Em contrapartida, a situação dos aldeamentos em “misturar” índios de várias
nações, os casamentos entre índios e escravos, forçados ou não, constituíram-se em um
intenso contato interétnico, o qual por sua vez, levou a tentativa de controle social da
coroa através da categorização de misturas surgidas.
O processo de categorização dos grupos sociais que surgiam do intenso contato
interétnico fazia com que estes indivíduos ingressassem em um lugar na escala de
hierarquização social diverso do ocupado por seus antepassados considerados índios
verdadeiros. De acordo com Moreira (2019, p.237) a noção de cor forjada no período
colonial e herdada por homens e mulheres dos oitocentos não designavam
preferencialmente matizes de pigmentação ou níveis diferentes de mestiçagem, mas
buscavam definir lugares sociais, nas quais etnias e condição civil estavam
indissociavelmente ligadas.
A exigência do casamento nos aldeamentos e suas características de
indissolubilidade e monogamia desagregaram os principais elos da sociedade nativa. No
entanto, os índios, por sua vez, promoveram um processo de adaptação, reinventando
laços de família na nova realidade social e exigindo da parte dos missionários e demais
agentes um constante processo de negociação. Contudo, os laços de família não foram
reconstruídos apenas entre índios aldeados, chegando também aqueles que se inseriam na
condição de cativos.

4.2 Famílias Indígenas Escravas

Em reunião da Junta das Missões realizada no dia 16 de setembro de 1748, o


índio Caetano, solicitava a liberdade da sua mulher, a índia Maria da “aldeia de
Maracanã” que se achava na posse de Domingos de Lemos, afirmando que ela era “forra
de sua natureza”. Neste requerimento o índio afirmava que a sua mulher havia chegado
ao domínio de Domingos de Lemos por herança do seu pai, Sebastião de Lemos. No
entanto, ela havia sido dada por troca de uma índia com um morador da Vila de
Tapuitapera. A decisão da Junta, em que se achava presente Domingos de Lemos, foi
recompensá-lo da troca da índia feita pelo seu pai, o que foi acordado pelo mesmo,
ficando a índia Maria em liberdade.79
Em 06 de maio de 1752 foi apresentado um requerimento referente a índia
Tereza e seus filhos da “nação Guanaré” que se julgavam em cativeiro ilegal por
Francisco Serejo, da Vila de Tapuitapera, pelo fato de não existir s títulos de cativeiro. A
decisão da Junta em relação ao caso foi determinar a retirada da índia e seus filhos da
casa de Francisco Serejo para de uma outra pessoa que pudesse “tomar conta dela e de
seus filhos”. Além disso, a decisão obrigava o denunciado a comparecer na próxima
reunião para que fossem apresentados os títulos de cativeiro dos requerentes.80
No entanto, a execução da decisão esbarrou na lentidão da justiça. Em 20 de
maio do mesmo ano, foi lida no Tribunal da Junta outro requerimento da índia Tereza que
solicitava a execução da decisão que havia determinado a sua retirada da casa de
Francisco Serejo. Neste mesmo dia o próprio Francisco Serejo, compelido pela Junta a
apresentar os títulos de cativeiro, solicitava que a índia e seus filhos se conservassem em
seu domínio mesmo não apresentando os títulos exigidos. A posição da Junta, nos dois

79
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
80
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
requerimentos, foi remetê-los ao Juiz das liberdades para que pudessem agir conforme
seus interesses.81
No dia 17 de junho de 1752, a índia Tereza insistiu mais uma vez em outro
requerimento que pedia a execução da decisão tomada em 06 de maio, para que ela fosse
retirada da casa de Francisco Serejo. Novamente a Junta decidiu por remeter o pedido ao
juízo competente ficando o caso sem solução conhecida por não ser mais citado nas
reuniões posteriores. 82
Na Junta do dia 20 de maio de 1752 foi apresentado um requerimento de
liberdade do índio Anacleto e seus irmãos Manuel, Maria e Bárbara o qual afirmavam
serem filhos da índia Silvana “oriunda do sertão do Pará da nação Manoá” contra Antônio
Pinheiro, da Vila de Tapuitapera, por este não possuir os títulos de cativeiro. 83
No mesmo dia a índia Perpétua, que afirmava ser filha da índia Domingas,
oriunda “do sertão do Pará da nação Manoá” e seus filhos Xavier, Frutoso e Desidério
requeriam a sua liberdade em face de Antônio da Costa que os estaria possuindo como
escravos sem possuir os títulos de cativeiro. A decisão da Junta em ambos os casos foi
obrigar os possuidores a apresentarem os títulos de cativeiro na próxima reunião que se
daria no dia 03 de junho. No entanto, nas reuniões posteriores da Junta das Missões os
casos não foram retomados ficando sem solução conhecida.84
Os episódios apresentados nas Reuniões das Juntas das Missões descontroem a
ideia da ausência dos laços de parentesco em razão da escravidão. Além disso,
demonstram um fato pouco debatido na historiografia maranhense: a presença de uma
unidade familiar indígena no Maranhão do setecentos em relação aos indivíduos que
encontravam-se em situação de cativeiro.
A importância da constatação da presença indígena integrada no cotidiano
familiar da Capitania do Maranhão em pleno século XVIII possui importantes
desdobramentos quanto a reformulação de uma historiografia que destacou a participação
indígena apenas nos anos iniciais da colonização, especialmente como mão de obra que

81
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
82
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
83
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
84
Livro de registro dos assentos, despachos e sentenças que se determinarem em cada Junta de Missões
na cidade de São Luís do Maranhão. (1738–1777).
logo viria a ser substituída pela inaptidão ao trabalho da lavoura, tornando-os menos
produtivos do que os escravos vindos da África.85
Os estudos sobre a temática das famílias escravas revisitaram as análises
clássicas sobre o tema, como as conclusões de Caio Prado Júnior (1942), para quem a
instabilidade familiar, o desregramento e a promiscuidade associados a escravidão seriam
características marcantes de toda a sociedade colonial, incluindo as famílias de elites. No
entanto, os estudos que se desenvolveram, principalmente a partir da década de oitenta,
apontaram na direção contrária ao que havia sido construído, revelando a existência de
organizações familiares escravas estáveis e complexas (FARIA, 2001, MATTOS, 2015,
SLENES, 1998).
No entanto, a abordagem renovada da História social da escravidão
desenvolveu-se marcadamente sob a organização familiar escrava africana,
especialmente pelos avanços da pesquisa histórica da África pré-colonial que rapidamente
foi incorporada pela historiografia sob o Brasil, construindo novos sentidos para o período
colonial (MATTOS, 2015, p.83).
Deste modo, os debates historiográficos recentes passaram a discutir quanto da
cultura africana estaria presente no cotidiano de homens e mulheres da África tornado
escravos na América. Esta nova inversão contribuiu para o questionamento da
interpretação que considerou, por décadas, a aculturação e ocidentalização destes
indivíduos, cuja herança africana teria sobrevivido apenas em alguns resquícios de
costumes, como comida, música e expressões (FARIA, 2001: FARIA, 2007: LARA,
2007: LEWKOWICKZ, 1989: MATTOSO, 1982: MATTOS; RIOS, 2005).
No tocante aos estudos sobre organização familiar indígena em indivíduos
submetidos a cativeiro, estes ainda carecem de maior desenvolvimento. Dentre os
trabalhos que se propuseram a analisar esta temática, destaca-se a tese de doutorado
apresentada em 2003, na Universidade de Campinas, sob o título “Gentios Brasílicos.
Índios coloniais em Minas Gerais Setecentista” de autoria de Maria Leônia Chaves de
Resende, que abrangeu a trajetória dos indígenas e seus descendentes nas Vilas e
Lugarejos de Minas Gerais no século XVIII, destacando os arranjos familiares entre estes

85
O destaque aos indígenas nos anos iniciais da colonização, para logo depois serem silenciados, tem suas
origens em uma narrativa histórica que buscava conferir suporte a identidade nacional. Para Vanrhagem,
que publicou, de 1854 a 1857, a obra História Geral do Brasil, o africano havia provado melhor resistência
ao extenuante trabalho da lavoura de açúcar do que o indígena (MATTOS, 2015). Sobre isto, ver Stuart B.
Schwartz, “Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. 1550-1835.
sujeitos, seja com o casamento aceito pela Igreja ou concubinato, seja entre indivíduos
que partilhavam da mesma situação jurídica ou não.
O distanciamento apressado entre a organização familiar que se reconstruía na
Colônia e sua herança indígena remete à herança historiográfica do século XIX que ao
lançar o olhar sobre as fontes do período colonial, buscava construir uma identidade
nacional afastada das origens indígenas e próxima à europeia. Deste modo, a narrativa
que considerou o primitivismo dos sistemas econômicos indígenas, a fragilidade de sua
política e o aspecto bizarro dos seus costumes, destacado principalmente pelo ritual
antropofágico, teriam sido mais do que suficientes para comprovar a pouca importância
dos indígenas para a História do Brasil (OLIVEIRA, 2015).
No entanto, os novos olhares sobre estas fontes ensejam novas interpretações
que perpassam a ideia de dizimação das sociedades nativas, estendendo sua análise para
a capacidade adaptativa dos indígenas que também reconstruíram organizações familiares
no período colonial. Assim, o próprio conceito de resistência foi reformulado, afastando-
se da ideia de uma tradição milenar congelada no tempo ou pensada apenas em termos de
revoltas. As consequências destas análises deixaram aos nativos apenas dois papeis
antagônicos e generalizantes: vítimas da aniquilação ou mártires da conservação da sua
cultura. Porém, em ambos os casos, o resultado que se apresentou foi um silencioso e
heroico desaparecimento (POMPA, 2003, p. 22).
Assim, voltando novamente aos episódios relatados nas atas de reunião das
Juntas das Missões, em que organizações familiares formadas por mãe e filhos, irmãos,
marido e mulher buscavam auxílio do próprio aparelho repressor para manter uma
unidade familiar contribuem para a desconstrução da problemática que sempre
considerou os indígenas como exteriores e radicalmente opostos a sociedade colonial
fortalecendo a imagem do índio isolado puro (MONTEIRO, 1999, p.241).
Desta forma, através destes fragmentos documentais é possível identificar e
interpretar os processos que marcaram as experiências indígenas das populações do
passado, repensando como os sujeitos nativos, expulsos de suas terras e escravizados em
guerras justas e resgates passaram a viver na Capitania do Maranhão e como se
posicionaram em relação a nova ordem que estava sendo construída.
Nos casos relatados na Junta das Missões, os sujeitos buscavam uma justificativa
para assegurar a própria liberdade e a dos seus familiares através da reivindicação de uma
herança indígena, especificamente do lado materno ou de outros elementos como
pertencimento a uma determinada “nação” ou aldeamento, estabelecendo maiores
espaços para contestar o cativeiro em que se encontravam, além de buscarem garantir a
manutenção da unidade familiar a partir do requerimento coletivo que apresentavam
perante o tribunal da Junta das Missões.
Por isto, não é sem razão que a identificação de uma herança indígena se faz tão
marcante nos pedidos de liberdade registrados nas atas de reunião da Junta das Missões,
pois a necessidade de se fazer-se reconhecido como indígena ou descendente era
pressuposto para uma possível liberdade, caso vencessem os demais obstáculos
conhecidos como lentidão para execução das leis e os numerosos recursos que se faziam
presentes, como o caso da índia Tereza e seus filhos da “nação Guanaré”, cuja decisão de
ser retirada da casa de Francisco Serejo pareceu não ter sido efetivamente cumprida, tendo
sido delegado para outra instância, neste caso específico, o juiz das liberdades.
No entanto, contrariamente ao relatado no caso acima, algumas decisões
favoráveis aos indígenas se faziam rapidamente, sem a necessidade de ser revista em outra
reunião da Junta, como no caso do requerimento do índio Caetano pedindo a liberdade da
sua mulher Maria, cuja liberdade foi concedida sem demora a partir do acordo entre as
partes, no qual sujeitava-se recompensar o antigo possuidor da indígena pela perda
acarretada com a sua liberdade.
Em outro momento, seja no pedido de liberdade do índio Anacleto e seus irmãos
ou da índia Perpétua e seus filhos, verifica-se a defesa de uma descendência indígena do
lado materno que se apresentava livre do cativeiro. Tal condição era essencial para o
pleito da liberdade, pois conforme explica Moreira (2018, p.46):

Vigorava no Brasil o princípio do partus sequitor ventrem, que impunha à


prole a condição civil da mãe. A medida visava garantir o cativeiro e tal
princípio foi mantido e respeitado pelas reformas de Pombal. Assim, depois da
Lei de Liberdade de 1755, que proibiu todo e qualquer cativeiro de índios, a
única forma legal de reduzir um índio a essa condição era ser filho de mãe
escrava.

Desta maneira, em razão da diversidade de decisões relacionadas aos pedidos de


liberdade que visavam garantir a estabilidade familiar dos nativos que alegavam estarem
em cativeiro ilegal, principalmente pela ausência dos títulos de cativeiro, compreende-se
que a garantia de liberdade não dependia apenas da letra da Lei, mas fundamentava-se
em outros elementos que por vezes podiam basear-se em uma livre interpretação dos
componentes do Tribunal que se traduzia nos mais variados interesses, caracterizando o
Tribunal da Junta das Missões em um espaço marcada por negociações e interesses
divergentes.86
O desfecho do pedido de liberdade do índio Caetano pela sua mulher Maria que
se achava em cativeiro por Domingos de Lemos foi encerrado através de um rápido
acordo de restituição financeira. No caso da índia Tereza e seus filhos a decisão da Junta
foi retirá-la da casa de Francisco Serejo, juntamente com seus filhos, para outra casa.
Porém, o mesmo não se deu com a índia Perpétua e seus filhos contra Antônio da Costa,
cuja decisão foi apenas o de obrigar o denunciado a apresentar os títulos de cativeiro na
próxima Junta.
Assim, a diversificação das decisões pode ter influência da composição plural
do tribunal da Junta das Missões, cuja composição assentava-se nos principais campos de
força da governabilidade metropolitana do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Neste
sentido, o foro não dispunha de um conjunto de normas que regulamentasse a
especificasse a função de cada um de seus membros, resultando em uma confusão quanto
a atribuição referente a cada membro bem como a prerrogativa do próprio Tribunal, o que
pode ser identificado nos numerosos e diversos recursos e decisões que se faziam nas
reuniões da Junta das Missões (FERREIRA, 2017, p. 91-93).
Ampliando o olhar sobre a família escrava indígena, os testamentos também são
fontes essenciais para compreensão da organização das famílias escravas indígenas
presentes no cotidiano da Capitania do Maranhão no século XVIII. Em 1751, no
testamento de João Tiofilo de Bairros87, este declarava possuir em sua fazenda diversos
escravos pretos, mamelucos, mulatos, do gentio da terra e mestiços, comprados dos
moradores do Maranhão e Pará. Porém, o que se observa neste testamento é a presença
de uma organização familiar indígena em indivíduos submetidos ao cativeiro e este, ao
contrário dos casos apresentados na Junta das Missões, cuja característica era a
representação da família matrifocal, caracterizava-se por vezes por estruturas mais
complexas.
Assim, João Tiofilo de Bairros em testamento, concedeu a liberdade a filha de
uma escrava falecida. No documento, afirmava que se a esta se casasse com “pessoa
livre”, receberia uma “negra do gentio da terra” por nome Izabel, que era casada com um

86
No mundo Lusitano, as ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas de 1446, 1521 e 1603 não fizeram
referência a famílias de escravos. A proteção legal destas famílias só passou a existir no Brasil em 1869.
(RUSSELL-WOOD, 2005, p. 250-251).
87
Tribunal de Justiça do Maranhão. Testamentos Maranhenses: história e legados. (1751-1756).
Coordenaria da Biblioteca. São Luís, 2015.
“cafuzo forro” de nome Inácio, juntamente com sua filha. Além disso, o mesmo declarava
a alforria de uma “mameluca já de idade” chamada Severina. No entanto a condição da
alforria seria de que esta não se cassasse com nenhum escravo da sua fazenda ou de
alguma outra fazenda. O mesmo ainda concedeu alforria de “dois mamelucos”, filhos de
suas escravas. No entanto, estes deveriam permanecer na fazenda por “saberem
escrever”.88
No testamento de João Morais Lobo, de 1742, este declarava possuir em sua
fazenda o escravo Salvador e sua mulher Eugênia, juntamente com seus dois filhos
Ignácio e Mariana que era casada com Silvestre, um “gentio da terra”. Já em 1748, no
testamento de Paulina da Silva, esta revelava possuir uma mameluca Roza com três filhos
e como última vontade, a escrava poderia escolher a pessoa a quem serviria, juntamente
com seus filhos.89
Nos testamentos apresentados acima, podemos considerar alguns aspectos. O
primeiro consiste em considerar a coexistência de diversos modelos de organização
familiar que conferiam aos indivíduos estabilidade ou movimento, além de influenciar
diretamente no status e classificação social (FARIA, 1998).
O segundo ponto corresponde ao estabelecimento de uma rede de parentesco
motivada pela concessão de alforrias, pois segundo Russel- Wood (2005, p.268), ao
referir-se ao papel da liberdade em famílias escravas africana depreendeu que:

Os métodos de obter cartas de alforria eram extremamente individuais. O


parentesco assumia grande importância e era uma estratégia adaptativa para
patrocinar esta aspiração quando a manumissão tinha que ser obtida pela
compra. Os membros de toda a família escrava podiam juntar seus recursos
para comprar a liberdade de um pai, mãe ou irmãos. Esses esforços coletivos
podem ter sido incondicionais, outros podiam ter o entendimento tácito de que
os novos ex-escravos dariam amparo a causa de parentes escravos [...]. O
estabelecimento de uma cadeia ou rede como esta seria, por si só, o ponto de
partida para a criação de novos laços entre indivíduos com graus variáveis de
consanguinidade ou afinidade fictícia ou real.

O terceiro elemento representa a negociação implícita entre escravos e senhores


em relação a constituição das famílias escravas, pois a aceitação destas redes familiares
baseava-se na compreensão de que os escravos envolvidos em uniões permanentes e com

88
Tribunal de Justiça do Maranhão. Testamentos Maranhenses: história e legados. (1751-1756).
Coordenaria da Biblioteca. São Luís, 2015.
89
Tribunal de Justiça do Maranhão. Testamentos Maranhenses: história e legados. (1751-1756).
Coordenaria da Biblioteca. São Luís, 2015.
família tinham maior probabilidade de serem mais produtivos do que os escravos solteiros
e sem obrigações familiares (RUSSELL-WOOD, 2005, p.250). Tal compreensão pode
ser considerado nos testamentos acima em que na maioria das vezes, a unidade familiar
era mantida, mesmo em casos de doação ou compra.
Por último, a análise de tais documentos vislumbra a possibilidade de observar
os comportamentos dos indivíduos considerados “mestiços” que passaram a experimentar
uma nova experiência diferente dos seus antepassados, reelaborando novos padrões a
partir de sua leitura de mundo. Isto permite estabelecer uma releitura de como os nativos
criaram e reconstruíram um novo espaço pautado na rearticulação de identidades,
contemplando tanto as formas pré-coloniais quanto as estruturas coloniais, pois um
quadro comum na construção historiográfica, da qual a mestiçagem sempre ocupou um
lugar considerável, foi o distanciamento apressado entre o mestiço e suas origens
indígenas (MONTEIRO, 1999, p.251).
Os estudos sobre etnogênese, etnificação e mestiçagens, ampliaram a discussão
das populações nativas no período colonial. De acordo com John Monteiro (2007), a
capacidade adaptativa dos nativos gerou no período colonial o surgimento de novas
categorias sociais, sobretudo destacadas por seus marcadores étnicos genéricos tais como
“carijós”, “tapuios” ou, no limite “índios”. Esta categorização trouxe diversos espaços de
ação tanto para os que definiam as categorias étnicas em uma clara estratégia colonial de
controle dos indivíduos presentes na sociedade colonial quanto para os nativos que
tomaram a classificação étnica como referência para estabelecer seus meios de ação no
cotidiano colonial, pois:

[...] a tendência de definir grupos étnicos em categorias fixas serviu não apenas
como instrumento de dominação, como também de parâmetro para a
sobrevivência étnica de grupos indígenas, balizando uma variedade de
estratégias geralmente enfeixadas num dos polos do inadequado binômio
acomodação/ resistência.

Deste modo, a presença indígena na Capitania do Maranhão, na primeira metade


do século XVIII, reconstruindo identidades e organizações familiares das quais faziam
parte, apontam para a necessidade de inseri-los definitivamente nos debates sobre a
constituição do Maranhão colonial, visto que sua influência excedeu o recorte temporal
dos anos iniciais da colonização que considerou o impacto entre indígenas e europeus
apenas do ponto de vista da dizimação.
Desta forma, conforme depreende Monteiro (2007), estes sujeitos produziram
novos tipos de sociedade marcadas por novas identidades étnicas em um processo
contínuo de inovação cultural que destacou a capacidade adaptativa dos indígenas no
período colonial.
Assim, estes indivíduos, mesmo na condição de cativeiro reorganizaram,
reconstruíram e fortaleceram redes familiares e de comunidade sem abdicarem de sua
herança indígena em meio ao espaço sociocultural da Capitania do Maranhão na primeira
metade do século XVIII.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou evidenciar as demandas indígenas que afetaram


diretamente o cotidiano da Capitania do Maranhão na primeira metade do século XVIII.
Para isto, foi fundamental inserir o Tribunal da Junta das Missões, formadas na América
Portuguesa a partir do século XVI, inicialmente com o propósito de fortalecer o Projeto
Colonial Português pela propagação da fé e das missões religiosas posteriormente,
adquiriram atribuições políticas que envolviam demandas indígenas, especialmente os
embates de cunho legal e moral relacionados às questões que envolviam indígenas:
descimentos, aldeamentos, resgates e cativeiro.
Desta maneira, observando a dinâmica das Juntas das Missões convocadas na
cidade de São Luís na primeira metade do século XVIII descortinou a diversidade de
interesses que pairavam sobre este Tribunal e entrecruzavam-se entre os colonos,
missionários, autoridades coloniais e indígenas.
Assim, compreendendo que as Juntas não representaram de forma irredutível os
interesses de nenhum grupo social, somos levados a concluir que as negociações e
estratégias influenciaram, de modo geral, na construção da Capitania do Maranhão. Desta
forma, procuramos incluir os estudos que revisitaram conceitos referentes a metrópole e
colônia, descontruindo o entendimento de que a única relação existente foi de submissão
da colônia em relação às ordens da Coroa, delineando as tensões que se faziam entre o
poder central e o local e as adaptações ao que vinha do estado lusitano, demonstrando que
a complexidade do período não pode ser resumida em modelos genéricos que, por vezes,
torna invisíveis determinados elementos.
No entanto, o foco principal não foi o funcionamento do Tribunal das Juntas das
Missões, mas o conteúdo de suas atas de reunião que possibilitou incorporar os indígenas
como abordagem principal do trabalho, reconhecendo os processos desagregadores e
destrutivos pelos quais passavam, mas reconhecendo a sua capacidade adaptativa e
transformadora em uma nova realidade social.
Assim, procuramos, ao longo do trabalho, inverter as fontes analisadas para
considerar as estratégias e meios utilizados que influenciaram continuamente as
estratégias e ações dos diversos poderes e agentes da colônia. Para isto, procuramos
inserir os estudos sobre a temática indígena que também refizeram o caminho da história
indígena e propuseram novas perspectivas sobre a história dos povos nativos, incluindo
as novas visões sobre o contato recuperando o papel do indígena enquanto sujeito
histórico.
Desta maneira, os contextos em que se encontravam na Capitania do Maranhão
nos possibilitaram construir uma problemática em torno do seu papel como sujeito
histórico na formação da Capitania do Maranhão. No entanto, reconhecemos que ainda
há muito a ser feito para a efetiva desconstrução da imagem que perpassou do índio
invisível ao passivo. A potencialidade das fontes estudadas demonstra que é possível
avançar na compreensão dos povos indígenas na historiografia. Este trabalho pretendeu
contribuir para a desconstrução de imagens preconceituosas e distorcidas que ainda
persistem em nossa sociedade sobre a participação indígena enquanto sujeito histórico na
formação da sociedade colonial, analisando as estratégias e resistências utilizadas na
construção da sociedade colonial.
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