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Há uma nova espécie de Socialismo embutido nessas novas políticas, sua características
serão tratadas mais a frente. Segundo Araújo, a proposta começa a ser difundida na Venezuela
entre 2004 e 2006. Com a inserção de Chaves no poder, abrem-se as portas para uma nova
concepção política na virada do século na América Latina. Três décadas a região foi marcada
por fortes embates contra os governos, saída de ditaduras e lutas pela democracia
representativa, assim como a consequente atuação de políticas neoliberais nos anos 80 e 90.
Assim Araújo centua a política nesta transição:
Vários governos na América Latina seguiram o New Deal de John M. Keynes, com a
política de intervencionaismo na política. Com a crisse 29 tiveram que largar a ideia de
autorregulação econômica, e buscar soluções de implementações sociais que visassem a
recuperação. A produção econômica e o pensamentos político que era voltado para a zona
externa, de atividade exportadora, passa a ser pensado "voltado para dentro", com o modelo
de substituição de importações. A região continuou a forncecer matéria-prima, mas com a ideia
de uma industrialização forte. Combinando a Indústria de Substituição de Importações com a
recuperação dos mercados externos de matérias-primas. A questão do desenvolvimento na
Bolívia como país andino‐amazônico esteve envolvida no século XX pela variável social, em
especial pela busca do equilíbrio entre as forças produtivas e as políticas regionais.
Alguns autores trabalham com a ideia de populismo, oriundo das condições especiais
em que um país há produção industrial plena, e desenvolvimento, combinado com a condução
da política por uma liderança carismática, paternalista, que cristaliza a vontade de uma parcela
dos trabalhadores. O período, é marcado pela intervenção do Estado na economia, e também
reformas sociais, mobilização política. Esta fase irá influenciar as décadas subsequentes.
"Assim, uma das marcas da política latino-americana no século XX é o nacionalestatismo. (...) As
ações estatais direcionadas ao crescimento econômico e à distribuição de renda também são
fundamentais nesses fenômenos (FERRERAS, 2011 apud ARAÚJO).
Um discurso de Evo morales ilustra a posição que o autor tem do tipo de Socialismo com
caraterísticas indígenas, que pensa o espírito da terra, os costumes do seu povo, e a relação entre a vida
em comunidade e natureza. As concepções eurocêntricas, como apontadas em Gosfroguel, expressas
por uma colonialidade do poder, nunca irá levar a sério a fala essencialista ou com forte traços culturais
locais, mas sobretudo irá immplementar uma visão extrativista do mundo em que pretende dominar. A
antítese a este processo de dominação está no discurso de Morales:
(...)Quem pode, por exemplo, privatizar ou alugar a própria mãe? A terra não
pode ser vista como uma mercadoria. Lamentavelmente, o capitalismo nos traiu
e converteu a mãe terra a uma matéria-prima, portanto, uma mercadoria.
Mudar essa mentalidade demorará (...). Somos indígenas e lutaremos contra os
sistemas econômicos que privatizam nossos recursos naturais (...). Existem
várias formas de vivência, como a comunitária e coletiva. Onde nasci, por
exemplo, não existem propriedades privadas. A terra é comunitária. Todos a
utilizam para o pasto ou na agricultura. Espero que a privatização não chegue
nas comunidades, que são marcadas pela vida comunitária e coletiva (...) não
construiremos nenhuma novidade no governo. Somente o Viver Bem.
Almejamos a recuperação da vivência de nossos antepassados (...) a construção
do socialismo comunitário, harmonizado com a mãe terra, é fundamental.
Permanentemente se fala de socialismo. Concordo com isso, mas creio que
precisamos melhorar sua concepção. Não se deve pautar, exclusivamente, pela
defesa do homem. O socialismo deve permitir que a população compreenda a
obrigação de viver em harmonia com a natureza, respeitando as formas de
vivência comunitária e coletiva. (...) ele precisa incorporar as experiências dos
povos indígenas na defesa Pachamama (...). Hoje, existem apenas dois
caminhos: ou seguimos pelo do capitalismo, que é marcado pela morte, ou
avançamos pelo indígena, o da vida, que é marcado pela harmonia com a
natureza (MORALES, 2011, p. 3).
Um novo bloco de poder histórico popular passa a demandar soluções para suas
contradições internas e propor uma nova estrutura de Estado mais adequada ao povo local. A
constituinte promoveu uma linguagem universalista, e se afasta de forma reinvidicativa que
marcava os períodos antineoliberais. O documento foi elaborado várias forças políticas,
intitulada Comissão Visão de País. Levava a inserção e a autonomia indígena no arranjo
institucional, uma repulsa pelo elemento estrangeiro, fortalecendo mais as esferas populares e
comunitárias de poder. Faz-se este projeto de um novo estado que seja plurinacional, social e
comunitário. Segundo Magalhães e Afonso:
"As novas constituições da Bolívia e do Equador do ano de 2008 são uma grande
novidade para o Direito, pois têm o potencial de significar uma ruptura com o
modelo estatal moderno. Da uniformização e unificação—para não falar na
intolerância religiosa e cultural—, elementos estes que forjam a base valorativa
do Estado-nação advindo da tradição euro-péia, o Estado Plurinacional pretende
fornecer novos paradigmas não somente em termos de organização social, mas
também atender às de-mandas dos povos e nações historicamente
marginalizados no processo “civilizatório” americano, africano e asiático. (...) As
alternativas epistemológicas ao universalismo europeu transcorrem um
processo de desconsideração e encobrimento, essenciais, em seu turno, à
gênese do pensamento moderno e da formação da identidade europeia. (...)
Projeto eminentemente liberal, o Estado moderno se origina, no en-tender de
Boaventura de Sousa Santos, a partir de “uma simplificação brutal da vida... as
pessoas têm família, têm cultura, falam uma língua, têm identidades, vivem em
aldeias, nas vilas, nas cidades, e repentina-mente se convertem em indivíduos,
pois o que conta é ser indivíduo”. Ao indagar, diante da multiplicidade de
culturas na Europa, o por que de apenas uma destas tornar-se a cultura do
Estado, conclui critica‐mente o autor: “... somente uma, a que se considera mais
desenvolvida, merece ser a cultura oficial. Todas as demais não contam; conta,
unica‐mente, a cultura mais avançada”.
Assim, a Bolívia é composta por uma diversidade étnica plural, com povos entrelaçados
em afetos comunitários. Busca na constituição do Estado Plurinacional desenhar um modelo
apto a aborver a diversidade do povo e seus costumes. A sociedade abigarrada seria uma
espécie de colcha de retalhos, disforme, incongruente. Segundo Cunha Filho:
As relaões já eram desiguais desde o violento processo colonial. Várias castas, títulos de
nobreza eram dados aos próprios indígenas, que faziam disso uma símbolo de distinção social.
Chegavam a gozar de títulos de nobreza como aponta Cunha Filho:
Tal como no Brasil, que Caio Prado atribui ao Brasil uma ideia de falta de nexo moral,
uma desagragação social oriunda das diferentes porções étnicas que iriam compor o cenário
social, na Bolívia a sociedade abigarrada teria sentido análogo. Essa miscelânia influenciou em
sua constituição social e política, "a tão citada instabilidade do país e suas frequentes crises de
hegemonia política têm raízes explícitas nessa coabitação de sociedades e civilizações que
sempre foi a Bolívia." (Cunha Filho).
A Bolívia adentra o século XXI com a devastação causada pelas políticas neoliberais
desde. Vários movimentos sociais e estado disputam tensões durante as década seguintes,
como já foi abordado no texto.
"Um dos grupos mais fortalecidos neste processo foi o dos cocaleros, os
produtores da coca. O líder deles, Evo Morales, ganhou ampla projeção
nacional, aliando as demandas de seu sindicato às causas indígenas. No entanto,
para entender a chegada de Morales ao poder é preciso compreender a
trajetória do partido político que o projetou nacionalmente, o Movimento al
Socialismo (MAS). (...) O MAS surge em 1995 na cidade de Santa Cruz, fundado
sob a alcunha de Assembleia pela Soberania dos Povos (ASP) (REIS, 2010, p.7),
sendo criado a partir do apoio de diversos grupos sindicais, trabalhistas e
populares. Ele nasce em resposta às políticas neoliberais de ajuste econômico
que estavam em voga na época, e que levavam ao enfraquecimento do
movimento sindical. Devido à recusa da Corte Eleitoral em aceitar o registro do
ASP, os políticos deste grupo lançaram-se candidatos por outras legendas. Por
conta de conflitos internos, a liderança do ASP expulsa Morales da sua legenda,
mas este leva consigo boa parte de afiliados e políticos, fundando,
posteriormente, o Instrumento Político pela Soberania dos Povos (IPSP). Após a
incorporação de outras agremiações e grupos políticos, o partido se estabelece
como é conhecido atualmente. O crescimento da agremiação foi rápido,
alcançando protagonismo no Congresso em meados dos anos 2000. (...) Neste
cenário, o MAS se fortalece. O partido de Evo atrai para si as atenções e
esperanças de uma mudança real para a população mais carente do país. Seu
fortalecimento pode ser observado já nas eleições de 2002, quando Morales fica
em segundo lugar na disputa presidencial com diferença mínima em relação ao
candidato eleito. A partir disto, similar ao caso do PT no Brasil, o MAS adota um
discurso mais moderado, após os resultados expressivos de Morales na eleição
daquele ano, buscando ampliar suas chances eleitorais. Soma-se aos quadros do
partido o vice-presidente de Evo, Álvaro Garcia Linera." (Almeida)
A ligação com a população indígena foi um fermeto para o MAS. Estratos que compunha
a maioria da população, foi criado um vácuo a ser ocupado no campo político para um
representante desse segmento social, composta pela camada mais miserável de pessoas. Como
líder um candidato indígena, tendo este seu simbolismo, ampliou seu papel de representação
perante este estrato.
Foi assim que Morales ganhou a presidência em 2005 com 53,74% dos votos. Uma surra
para os partios tradicionais do país que que haviam dominado desde a década de 80. A
instabilidade social instaurou-se depois desta eleição.
Bibliografia:
ALMEIDA, L.M. Morales e o MAS: a construção de uma nova Bolívia e o projeto de perpetuação no
poder de seus dirigentes. Dissertação de Ciências Sociais/UNB.
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CHAVES, Daniel Santiago. A refundação plurinacional boliviana como litígio pós-colonial no século XXI.
Revista Estudos Políticos: a publicação eletrônica semestral do Laboratório de Estudos Hum(e)anos
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IAMAMOTO, A.S. Nacionalismo Boliviano em tempos de plurinacionalidade: Revoltas antineoliberais e
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LOPES, D.B. A economia política da década bolivariana: Instituições, sociedade e desempenho dos
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