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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE BACABEIRA


CURSO DE BACHAREL EM DIREITO

ALICE ISABELLY MORAES FERREIRA


BRUNA TAYLINE COIMBRA FEQUES
SAMIRA OLIVEIRA ALMEIDA
SUDOMILSON CARVALHO DE JESUS

INTOLERANCIA RELIGIOSA

RELIGIÃO, MULHER E RESISTÊNCIA!


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ALICE ISABELLY MORAES FERREIRA


BRUNA TAYLINE COIMBRA FEQUES
SAMIRA OLIVEIRA ALMEIDA
SUDOMILSON CARVALHO DE JESUS

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

RELIGIÃO, MULHER E RESISTÊNCIA!

Trabalho apresentado à disciplina de Temas


Jurídicos do Curso de Bacharel em
Direito do Centro de Ensino Superior de
Bacabeira - CESBA.

Professora/Orientadora: Ana Letícia


Bragança

BACABEIRA
2022
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 4
2. DIREITOS HUMANOS ..................................... 5

2.1 SURGIMENTO E FUNÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.................................... 5


2.2 DIREITOS HUMANOS NO BRASIL ...................................................................... 7
2.3 DIREITOS HUMANOS E A RELIGIÃO...................................................................8

3. A RELIGIÃO, MULHER E RESISTÊNCIA....................................................... 10


3.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA QUANTO A VIOLÊNCIA E INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA..............................................................................................................10
3.2 SITUAÇÃO ATUAL DA RELIGIÃO RELACIONADA À LIBERDADE
FEMININA............................................................................................................... 12

4. PROBLEMÁTICAS E ROL NORMATIVO QUE AMPARAM A MULHER NA


DEFESA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA......................................14
4.1 A LIBERDADE RELIGIOSA............................................................,,..................... 15
4.2 EXPLORAÇÃO SEXUAL E VIOLÊNCIA EM UMA HERMENÊUTICA
RELIGIOSA................................................................................................................16
4.3 A INTOLERÂNCIA QUANTO À LIBERDADE DE EXERCÍCIO
PROFISSIONAL.........................................................................................................18
4.4 A DITADURA RELIGIOSA SOBRE O CORPO FEMINO......................................19

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 22

6. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 23
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RESUMO

O tema em pauta, nestes últimos tempos tem sido motivo de discussão referente a intolerância
religiosa, acarretando desde modo o aumento de violência contra as mulheres na sociedade.
Nesse ensaio buscamos desenvolver uma reflexão jurídica dando ênfase aos direitos humanos,
a fim de expor a concepção de como ele é apresentado na legislação e em seu fundamento
legal, praticado em meio social, vinculando deste modo a aplicação da igualdade e justiça
para a pessoa natural em face da ampla responsabilidade social e jurídica. No contexto
histórico a religião, como instituição produtora de sentido, é um campo fértil para a discussão
da violência do gênero feminino na qual essas condutas ilícitas se caracteriza como uma
ofensa a integridade do indivíduo, levando em casos mais graves a lesividade da saúde
corporal da vítima tendo como motivo a sua crença religiosa. Portanto, o presente artigo
pretende não somente debater a conceitualização do direito humano, mas também apresentar
lugares as legitimidades femininas, pois ao decorrer do tempo percebemos a contradição
social, de mulheres em situações de invisibilidades, ou de violências, sejam estas simbólicas,
físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais ou morais. O trabalho trata de uma pesquisa
bibliográfica, com consultas em livros, artigos e sites que tratam sobre o assunto, foram
também citados alguns autores, que contribuíram para o enriquecimento da temática
especialmente, aquelas que refletem sobre o patriarcado, gênero e violência, conceitos básicos
para o estudo exposto. No intuito de contribuir de forma significativa para a sociedade,
proporcionando uma visão mais ampla em relação ao tema, permitindo uma formação crítica
e reflexiva aos cidadãos.

Palavras-chave: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, PATRIARCADO, DIREITOS HUMANOS,


LEGISLAÇÃO, VIOLÊNCIA DO GÊNERO FEMININO.

1. INTRODUÇÃO

Hodiernamente, a liberdade religiosa está legalmente caracterizada como direitos


humanos fundamentais do cidadão assegurado pela Constituição Federal de 1988 e outras
declarações internacionais expostas. Por este motivo, tais garantias devem ser tratadas com
profundidade desenvolvendo assim uma vivência digna para todos os indivíduos.
Ademais podemos observar, que a intolerância religiosa está no seio de um
processo histórico de um país, deixando marcas visíveis e deploráveis, instigando a
concentração de um pensamento ilusório de democracia religiosa e laicidade. A afirmação de
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tais argumentos pode se apresentar quando observamos a diversidade do discurso intolerante e


práticas violentas contra o gênero feminino por motivos religiosos.
A violência religiosa está se tornando recorrente no âmbito social amplamente
disseminado por atos discriminatórios e machistas compartilhando assim alvos vulneráveis
para o proferimento de ódio e repúdio contra as mulheres. Dentro desse contexto é válido
relatar que a desmoralização feminina é considerada como algo cultural na sociedade
contemporânea à qual estamos inseridos, atingindo assim a dignidade humana dos indivíduos
que sofrem por intolerância religiosa. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo
abordar o ponto de vista jurídico e reflexivo a questão da intolerância e violência religiosa
contra as mulheres, expondo o conflito entre esses levam, expondo em discussão o direito
fundamental a liberdade religiosa.
A escolha do tema se justifica em razão da relevância social envolvida nesse tipo
de temática, bem como, os direitos que protegem as pessoas, em particular a mulher,
abordando em destaque o conceito dos direitos humanos fundamentais, que atua severamente
na sociedade.
Nesse contexto, a problemática se delimitou no seguinte questionamento: como é
exercida a intolerância religiosa contra as mulheres, em meio social e na sua previsão legal?

E por fim a metodologia se deu através de revisão bibliográfica que consistiu na


exposição de vários autores que escreveram sobre o tema. A pesquisa a ser realizada neste
trabalho pode ser classificada quanto à natureza como pesquisa básica, pois o objetivo é gerar
conhecimentos novos úteis para o avanço da sociedade, envolvendo verdades e interesses
universais. Quanto a abordagem a pesquisa se classificará como qualitativa por utilizar
conteúdos já publicados para a análise do problema, quanto aos objetivos será uma pesquisa
exploratória porque envolve levantamento bibliográfico, análise de exemplos que estimulem a
compreensão e explicativa porque visa a identificação de fatores que determinam ou
contribuem para a ocorrência do problema, levando deste modo a construção da razão e da
reflexão para o ser humano.

2. DIREITOS HUMANOS

2.1. SURGIMENTO E FUNÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.

O ser humano, desde o princípio, vive atrelado a uma complexidade cultural, um dos
bens mais valiosos da humanidade, e isto é inerente à criação de uma sociedade. Deste modo,
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o contraponto para que a sociedade viva em harmonia, mesmo com heterogeneidade, é a


promoção de leis e diretrizes que regulamentem o comportamento e assegure os direitos e a
dignidade de cada um.

Temos como base os Direitos Humanos um grupo de diretrizes, encontrado na


declaração Universal de Direitos Humanos, que vêm assegurar a todo e qualquer ser humano
os direitos básicos, independente de classe social, raça, cultura, natureza sexual, religião ou
qualquer outro tipo de diversidade.
Os Direitos humanos são princípios e valores que reconhecem que a vida e a dignidade
de uma pessoa devem ser respeitadas e eles valem para todos os povos e sociedades do mundo
sem exceção. Então, isso significa que os Direitos humanos servem para proteger a condição
humana de todo indivíduo. Por isso, dizemos que o direito a vida, a liberdade, a justiça e a
igualdade são garantidas a todo ser humano, independente de sua crença, raça, orientação
sexual, religião, língua, orientação política ou nacionalidade. Infelizmente esses direitos nem
sempre existiram, na realidade essa é uma conquista que exigiu bastante tempo e luta de quem
veio outrora.
Trindade (2007, p. 210), referindo-as Direitos Humanos, afirma:

A proteção do ser humano contra todas as formas de dominação ou do poder


arbitrário é da essência do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Orientado
essencialmente à proteção das vítimas, reais (diretas e indiretas) e potenciais, regula
as relações entre desiguais, para os fins de proteção, e é dotado de autonomia e
especificidade própria.

Há muito tempo atrás, em 539 a.c. , na Pérsia, os chamados " Cilindros de Ciro"
determinou a liberdade religiosa e a igualdade racial na região e é considerado o primeiro
documento de Direitos humanos da História. Então, já dá para perceber que os elementos dos
Direitos humanos, são bem antigos.
Na verdade, foi recentemente que eles alcançaram o mundo todo e isso está ligado a
importantes eventos históricos. Sendo importante destacar que durante a idade média e boa
parte da idade moderna praticamente não havia direitos civis e políticos. A sociedade era
dividida em classes e escravidão, e o colonialismo ainda existia o que fazia com que muitas
pessoas estivessem submetidas a situações degradantes, que reforçava a ideia de que eles não
eram todos iguais. Foram depois de algum tempo, já no século XVIII, que a Revolução
Francesa, marcou um grande avanço para os Direitos Humanos.
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Ela foi responsável em 1789 pela aprovação dos Direitos do homem e do cidadão.
Esse documento chamou a atenção do mundo por ser bem abrangente e expressava que "Os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". Mas vale lembrar que o
documento tinha validade apenas no território Francês, apesar de considerar que todos os
povos do mundo eram livres e iguais em Direito.
Foi no século XX, que os Direitos humanos, ganharam relevância global. Quando a
primeira e segunda guerra mundial devastaram a Europa. Essas guerras foram marcadas por
violências e desrespeito aos Direitos humanos. Por isso, após o final da segunda guerra,
cinquenta nações incluindo o Brasil, se reuniram e assinaram a carta das nações unidas.
Fundando a organização das Nações unidas, também conhecida como "ONU".
São pertinentes, portanto, as considerações de Galindo (2013, p. 91-92): Utilizar a
dignidade nesses termos inibe sobremaneira a crítica que se pode fazer a toda a normativa de
direitos humanos no plano internacional. Certamente há outras dignidades que não foram
contempladas ou foram contempladas de maneira opressora em instrumentos internacionais.
Dentro dos direitos determinados na declaração estão os direitos a segurança, ao
trabalho, a educação, ao lazer, a saúde, aos serviços sociais e ao bem estar. Entre outras
palavras os Direitos humanos buscam assegurar que todos sem exceção, tenham as condições
necessárias para levar uma vida adequada. Dessa forma, nasce o sistema "ONU" de proteção
aos Direitos humanos, que nada mais é do que um sistema de normas internacionais
desenvolvidas para serem implementadas em todos os países.

2.2. DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

No Brasil os direitos humanos são garantidos na Constituição Federal de 1988 no


caput do Art.5º onde diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, a liberdade, á igualdade, a segurança e à propriedade (…)”.
Onde é considerado um grande avanço jurídico, já que conta com uma história,
marcada por grandes acontecimentos de graves desrespeito a esses direitos.
O Brasil é um país com profundas e excessivas desigualdades sociais, desde acesso
limitado a educação, ineficiência da saúde pública, exploração irracional e irresponsável dos
recursos naturais, até a corrupção, negligência da parte do governo e abuso do poder, onde se
torna vulneravelmente grande parte da população, no que se refere os direitos humanos. Cabe
ao Estado proteger os fundamentos essenciais à manutenção da vida social decente,
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representada pelo concreto exercício de direitos inerentes ao ser humano, como a vida, á
liberdade e a igualdade. No Brasil sedimenta-se nos alicerces da Democracia do Direito, onde
se encontra assegurado por todo ordenamento jurídico inclusive pelo plano constitucional.
Os diferentes instrumentos jurídicos criados possibilitaram sistematizar as demandas
da sociedade, para solucionar problemas estruturais, amparando a formulação de políticas
públicas e estimular a criação de programas e órgãos concebidos sob a ótica e garantia dos
direitos humanos. Entretanto, a realidade do Brasil continua contraditória na luta pelos
direitos humanos, o país apresenta elevados números de pobreza e de desigualdade que
restringe ao acesso à justiça, reforçam a criminalidade e a insegurança que limita a
participação da sociedade. No mundo contemporâneo não podemos pensar em igualdade sem
incorporar o reconhecimento das diferenças de luta contra todas as formas de desigualdade.

2.3. DIREITOS HUMANOS E A RELIGIÃO.

Ao analisar a história, nota-se a divergente complexidade religiosa/cultural construída


singularmente por cada povo, nação. No entanto essa diversidade tem sido estopim de
conflitos até os dias atuais por meio de rótulos equivocados da descrença para com a cultura
do outro, tais como: colonialismo, imperialismo, genocídios, epistemicídio 1, culturicídio2
entre outros conflitos, imposições, preconceitos, discriminação e invisibilização que põe em
risco alguns direitos que são inerentes ao ser humano.
Um dogmatismo religioso que reluta em fazer com que [...] indivíduos e grupos se
projetem numa ilusória infinitude ao pretenderem realizar em si próprios a totalidade”
(MARTINI, 1995, p. 35). Arraigado a religiosidade, em uma realidade absoluta, encontramos
ainda preconceitos de gênero, raça, classe social, idade. Preconceito de onde surge a violência
e o menosprezo, baseado em um patriarcado e conservadorismo velado e justificado sob o
manto sagrado da religiosidade.

1
Souza Santos definiu o epistemicídio da seguinte forma: “à destruição de algumas formas de saber
locais, à inferiorização de outros, desperdiçando-se, em nome dos desígnios do colonialismo, a
riqueza de perspectivas presente na diversidade cultural e nas multifacetadas visões do mundo por
elas protagonizadas” (2009, p. 183).
2
O Prof. Miguel González Arroyo, durante sua apresentação na mesa de abertura do II Seminário
Internacional Culturas e Desenvolvimento (SICDES), ocorrido entre os dias 14 a 16 de maio de 2014, nas
dependências da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), define culturicídio como
homicídio de culturas. Para ele, “nunca houve diálogos interculturais em nossa história. A nossa história foi
de dominação, subalternização, genocídios e culturicídios”
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A atual banalização da violência tem gerado o que poderíamos chamar de uma


cultura da violência. Ela está tão diluída em nosso cotidiano que passa a ser parte
integrante dele. Dessa forma, não só vivemos a indiferença do que violenta ou a
indiferença pelo violentado, mas a indiferença relativa do próprio violentado (Souza,
2002, p. 23).

Pressupõe-se da padronização do “normal”, homem, heterossexual, branco, rico e


protestante e fugindo disto a intolerância passa a existir. A mulher, outro credo, o não branco
e o homossexual são tarjados como oposição a ordem e suscetíveis de punição, legitimadas
por um sistema.
Uma das mais latentes bases de dominação se dá pelo fator do gênero, como exemplo
no Brasil onde o cristianismo serve como produtor de sentido e campo fértil para abordar o
tema violência de gênero.

A religião ainda hoje, exerce uma importante função de produção e reprodução de


sistemas simbólicos que têm influência direta sobre as relações sociais de sexo. As
representações sociais acerca do homem e da mulher, portanto, não podem ser
entendidas sem lançarmos o olhar sobre a religião e suas implicações sobre a
construção social desse homem e dessa mulher (Souza, 2001/2002, p. 6).

A religião tem grande relevância na propositura de poder de acordo com o sexo


biológico, sacralizando essa desigualdade e submissão de gênero. Destarte, faz-se necessário
assegurar a convivência e interação a essa miscigenação, assim garantindo a promoção da
dignidade humana. Cada particularidade cultural merece e deve ser preservada e valorizada,
pois isso contribui para o crescimento e formação histórica e estrutural da humanidade.
Diante disto, em âmbito internacional elencam-se os Direitos Humanos que assegura
no seu rol de leis dos à liberdade de religião, encontrado no artigo 18º da Declaração de
Direitos Humanos:

Todos os seres humanos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Em consonância o estado laico garante que cada cidadão possa viver de acordo com
suas crenças sem medo de perseguição por suas doutrinas religiosas onde mesmo com a
diversidade social, o direito de viver com dignidade e ser respeitado em sua singularidade,
tanto individuais e coletivas sevem para todos os cidadãos, aproveitando deste modo as
oportunidades econômicas, sociais e culturais sem preconceito e discriminação, se valendo a
respeitar este processo de aprendizado permanente no qual requer um exercício de tolerância
para as diferenças e estilos de valores e princípios de cada indivíduo.
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3 - A RELIGIÃO, MULHER E RESISTÊNCIA.

3.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA QUANTO A VIOLÊNCIA E INTOLERÂNCIA


RELIGIOSA.

A luta das mulheres contra a violência é presente em toda história, desde as mulheres
consideradas bruxas na idade média, até o movimento sufragista na luta para conquistar o
direito ao voto. O silêncio e crueldade da sociedade em que a desmoralização feminina é
considerada como algo cultural, patriarcal, que põe em risco direitos conquistados, como leis,
tratados, convenções, etc. Os atos de violência contra a mulher foram fonte cultural na criação
de leis específicas de coerção, são diretamente associados ao sistema social do patriarcado e a
situação de submissão a que mulheres vêm sendo historicamente condicionadas.
A violência contra a mulher é um fenômeno intrínseco à desigualdade de gênero, ela
não só é produto social, como é fundante desta sociedade patriarcal, que se sustenta em
relações de dominação e submissão. Não sendo compreendida, portanto, apenas enquanto
violência física, mas como ruptura de qualquer forma de integridade da mulher: física,
psíquica, sexual, moral, independente do ambiente em que ocorra.
A história da mulher é uma história cheia de repressões, enfrentadas por mulheres que
não se conformam com papéis que a sociedade impõe a elas. Tais como as limitações dos seus
direito, assim rompendo o silêncio na busca de superar o enraizamento cultural do poder e
discriminação entre os sexos. Como muito bem expressa a pesquisadora Bárbara Madruga da
Cunha:

A categoria de gênero e o patriarcado para compreender de que forma elas surgiram


e do quanto se faz relação da submissão da mulher e dominação sobre a mesma.
Inclusive quando servem ao patriarcado e o reforçam, mesmo assim, as mulheres
estão em situação de menos força e exercício de poder, Cunha (2014, p.154)

Como supracitado, a cronologia dos direitos femininos é de muita luta e resistência,


podemos citar exemplos de aquisição de direitos no Brasil, como do direito ao estudo em
1827, a faculdade em 1879, ao voto 1932, a lei do divórcio é aprovada em 1977 garantindo
que as mulheres não continuassem mais em relacionamentos abusivos, dentre outros, que em
sua maioria restringem direitos baseados em um patriarcado religioso.
O objetivo de toda luta é fazer com que mulheres se posicionem diante da sociedade
não somente como mãe, dona de casa, e sim conquistarem mais papéis que contribuem com
outros espaços que não sejam o lar. A constituição de 1988 foi de grande importância na
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história de lutas e igualdade, pois proclamou a igualdade jurídica, entre homens e mulheres
estabelecendo a igualdade de direitos civis, sociais e econômicos.
Nesse contexto é integrada a violência religiosa do gênero feminino, que se situa em
conflitos no qual acontece em diversos espaços sociais, principalmente no meio interfamiliar
proporcionando assim características desiguais e patriarcais para sociedade. A mulher é vista
como um “pedaço” que deve depender do homem, sem voz altiva em algumas congregações,
isso baseado numa leitura machista dos livros sagrados de algumas religiões.
Em um relato na pesquisa de Valéria Vilhena 3, uma das mulheres vítima de violência
doméstica depõe: “Ele usava a Bíblia para acabar comigo!”. “Ele estuprava, batia enquanto
fazia sexo. Depois tomava banho, colocava a gravata e ia para Igreja. Eu perguntei se ele não
se sentia culpado, ele respondeu que não, porque Deus já havia perdoado e ele era para andar
de cabeça erguida”. “Ele usava a bíblia para acabar comigo.”
São pressupostos que acarretam muitas vezes situações de violência contra a mulher
por embasamento religioso, assentado na vulnerabilidade de um sistema puramente
preconceituoso, objetivando assim a inferiorização da coletividade feminina e atingindo a sua
dignidade humana comprometida por intolerância religiosa.
A Intolerância religiosa é repulsiva, pois, nenhum indivíduo é obrigado a aderir
qualquer tipo de cultura religiosa, seja culto, missa, dentre outras manifestações adorativas. A
mesma é fruto de um longo processo de dominação da Igreja católica, com origem no
continente Europeu com grande difusão e chegou ao território brasileiro em 1500, com uma
forte inserção do catolicismo a todos que já habitavam nesse território. A Intolerância
religiosa é um preconceito de religiões e crenças, que emanam hostilidade para com o
próximo que segue divergente a uma cultura. Em suma, pode-se dizer que é uma incapacidade
de aceitar outros pensamentos.
Destarte, a Constituição de 88 alude quanto a Intolerância religiosa e preconiza a ação
como passível de multa e prisão, crime que não prescreve nunca e é inafiançável. Mesmo
assim esse ato sórdido e desumano continua acontecendo. A ONU diz que a Intolerância
religiosa é toda distinção, exclusão, restrição e violência contra o pensamento religioso
diferente do próximo.
Diante do exposto nota-se que a intolerância religiosa é antiga e de certa forma global.
No Brasil, ainda existe muita discriminação principalmente na matriz Africana e indígena.
Historicamente a população indígena foi obrigada a ser catequizada e aderir à outra crença, os
3
VILHENA, Valéria. Uma Igreja sem voz: uma análise de gênero da violência doméstica entre as mulheres
evangélicas. São Paulo: Fonte editorial, 2011.
12

africanos eram batizados com nomes católicos para deixarem de ser pagãos. Atitudes que na
atualidade são desconcordantes ao que prevê os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro
de 1989, que relata a respeito intolerância religiosa.

"Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação


ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional." "Art.
20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Em suma, a intolerância é um crime de discriminação que prevê punição adequada,


porém na prática social tem sido combatida e penalizada por ações legalmente ilícitas, a
autotutela.
Toda crença merece respeito e cada um é livre para escolher a sua doutrina, a sua,
religião. É importante destacar que esse ato, de intolerar a crença do outro, parte de várias
ideologias e atitudes ofensivas às práticas religiosas do outro ou mesmo a quem não segue
nenhuma religião. É um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana.
Diante desses atos desrespeitosos a informação e o diálogo a respeito do tema são
armas para a conscientização desde cedo. Portanto, a melhor forma de combater a violência e
a intolerância religiosa contra a mulher é ensinar a todos, e, sobretudo aos que estão em
formação, que homens e mulheres merecem igual respeito e consideração. Só a mudança de
mentalidade, isto é, o distanciamento da cultura patriarcal, permitirá erradicar a violência
contra as mulheres e a intolerância religiosa.

3.2. SITUAÇÃO ATUAL DA RELIGIÃO RELACIONADA À LIBERDADE


FEMININA.

Atualmente no Brasil o direito de criticar (opinar) dogmas religiosos e crenças é


assegurado legalmente pela liberdade de expressão, porém na sociedade a prática de ações
agressivas e ofensivas contra outrem em razão de crença é considerada concretamente um
crime imprescindível, na qual nasce de um processo histórico social, violento, injusto e
aristocrático-patriarcal, revelando a falta de respeito para os direitos humanos e a dignidade
do cidadão. Os efeitos desse crime ainda se perduram por anos estabelecendo o aumento das
injustiças sociais e a periculosidade generalizada marcada no cenário democrático brasileiro.
Ressalta-se que os conflitos da intolerância religiosa atingiram extremamente em alto grau de
13

potência, em razão desse aspecto ocasionou a criação da lei 11.635 de 27 de dezembro de


2007, na qual tornou o dia 21 de janeiro; dia nacional do combate da intolerância religiosa
comemorado anualmente em todo o território, que reorganizou modernamente o controle
social promovendo a submissão das normas e sanções definidas, permitindo assim a reparação
do dano sofrido.
A intolerância religiosa acarreta em maioria ao gênero feminino, que ocorre tanto na
esfera familiar (violência doméstica) como também em instituições sociais e mídias globais.
Tradicionalmente vivemos no mundo onde a violência perpetua diariamente, desenvolvendo
assim as violências contra as mulheres que embarca a dominação masculina contribuindo para
o controle de atitudes e comportamentos humanos, facilitando deste modo a inferioridade
hierarquizada da mulher. Como muito bem discorre a pesquisadora Ivone Gebara (2006:144),
“somos o que pudemos fazer do que fizeram de nós’ somos frutos decorrentes de gerações e
de diferentes processos sociais através dos quais as mulheres ficaram em extrema
desvantagem contrapondo-se aos privilégios masculinos historicamente perpetuados”. Esse
aspecto é uma perspectiva que não só afeta todos nós como também os direitos humanos de
cada um, pois de acordo com a legislação brasileira somos iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza como indaga as seguintes premissas do incendo “I- homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
Segundo a organização nacional de saúde o alto comissionado das nações unidas para
os direitos humanos relata que o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de países mais
violentos contra as mulheres e feminicídio, no qual pode se evidenciar tal afirmação ao
observar o mapa da violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostrando assim que o
número de mulheres assassinadas aumentou em meio a pandemia. Esse levantamento de
informações são características da atual contemporaneidade em que vivemos, pois a violência
do gênero feminino foi apreendida nas nossas origens culturais, ou seja, está instituído no
senso comum do indivíduo de forma negativa tornando essas condutas um cenário natural da
sociedade.

Como sendo essas atitudes uma infração penal para o Direito à Integridade Pessoal a
Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu Artigo quinto, diz que: -  

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o
respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
14

E mais logo a seguinte a importante premissa da Declaração Universal de Direitos


Humanos em seu artigo 18:

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar
essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em
particular.

Por fim conclui-se que é importante combater todo o tipo de fundamentalismo


religioso, pois tem causado impactos negativos na sociedade, assim como tem estimulado o
ataque contra as mulheres por conta da sua religião. Deve-se então mobilizar assim os agentes
responsáveis para suprir esforços a fim de superarem o senso comum da prática intolerante,
preconceituosa, discriminatória e machista, assim como é importante informar sobre os
aspectos legais importantes relacionados ao livre exercício do direito à liberdade de crença e
de religião garantidos pela legislação brasileira para que as pessoas pertencentes a está nação
possam refletir e se conscientizar de seus atos praticados no dia a dia , para deste modo venha
desenvolver o fortalecimento dessas mulheres, no intuito de lhes ensinar que uma vida sem a
dominação patriarcal é possível e melhor para ambas as partes. Expressando assim que
respeitar os direitos humanos dos indivíduos, independente de raça/etnia, sexo, sexualidade e
faixa etária, é ser humano consigo mesmo, validando os princípios morais existentes.

4. PROBLEMÁTICAS E ROL NORMATIVO QUE AMPARA A MULHER NA


DEFESA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA.

A mulher ao longo do tempo tem conquistado seu espaço na atual sociedade, seus
direitos que são inerentes à dignidade humana, conquistaram o voto, alcançaram a chefia
maior de um Estado, estavam presentes nas maiores premiações do mundo e até ao espaço já
foram. O tabu do papel patriarcal exigido a mulher, está sendo quebrado.
Porém, a sociedade ainda controla e põe medo através da religião, é discrepante a
desvalorização simbólica e social da mulher, esse dogma ainda existe, a mulher é tratada
como um ser secundário, marginalizada, e sendo oprimida por uma “ditadura” social. Em
algumas doutrinas as mulheres não conseguem galgar funções, em outras não podem sequer
rezar ou até adentrar ao templo, se houver homens no recinto.
Entretanto a luta contra a discriminação e menosprezo ao sexo feminino, relacionado
à religião tem ganhado aparato legislativo, que vêm assegurar direitos iguais e escudar a
mulher contra qualquer tipo de intolerância religiosa.
15

4.1. A LIBERDADE RELIGIOSA.


Em relatório lançado pela Fundação pontifícia ACN 4 em abril de 2021, noticia sobre
a liberdade religiosa em grupos religiosos de 196 países e relata crimes contra mulheres e
meninas, o sequestro, o estupro e a obrigação de conversão religiosa que têm alavancado nos
últimos anos. Mais de um terço dos países do mundo a liberdade religiosa é violada, em
exemplo o grupo Estado Islâmico que idealiza o casamento e a conversão forçada,
intencionados a eliminação de outros grupos religiosos, obrigando o convertimento da mulher
e toda criança que nasça dessa relação.
Destarte, um dos problemas mais encontrados quanto à liberdade feminina religiosa é
em relação ao livre exercício de crença, onde muitas são obrigadas a uma conversão forçada
sobre a perspectiva de uma pressão social e familiar. Além do medo e o peso de acarretar
vergonha e desonra a sua família, que agrava ainda mais essa coação religiosa.
A coação e a discriminação religiosa relacionada ao sexo feminino têm crescido nos
últimos anos, o respeito à religião alheia se faz escassa e acentuada na sociedade apesar da
liberdade de religião ou crença ser assegurada por direitos internacionais e leis nacionais.
Assim prevê A declaração de Direitos Humanos, de 1948:

Artigo 1° - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em


direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade.
Artigo 18° - Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e
de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção,
assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em
comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e
pelos ritos.

Já no território brasileiro, país laico, no seu art. 5º, VI, estabelece a inviolabilidade da
liberdade de consciência e de crença, e assegura o livre exercício dos cultos religiosos, e a
garantia, na forma da lei, salvaguardando os locais de culto e suas liturgias. E no inciso VIII
do art. 5º determina que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. A intolerância religiosa é
apontada como crime, previsto no artigo 20 da lei nº 9.459 de 15/05/97 onde dispõe que

4
Fundada em 1947, a Ajuda à Igreja que Sofre, Aid to the Church in Need (ACN) é uma Fundação Pontifícia
cuja missão é apoiar a ação da Igreja onde ela é perseguida ou necessitada .
16

“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou


procedência nacional” pena de reclusão de um a três anos e multa.
Embora haja todo rol normativo, a violência e o convertimento forçado tem estímulo,
até então, em uma cultura patriarcal/religiosa que oprime o sexo feminino, pondo a mercê
esses direitos já assegurados. De acordo com o disque 100 houve um registro de mais de 500
casos de intolerância religiosa de janeiro a julho no ano de 2022.

4.2. EXPLORAÇÃO SEXUAL E VIOLÊNCIA EM UMA HERMENÊUTICA


RELIGIOSA.

Em depoimento a ACN uma mãe relata sobre a situação em que sua filha,
adolescente, foi exposta: sequestro, estupro, casamento e conversão forçada. “Você pode
imaginar o que é ser uma mãe e saber que essas coisas terríveis estão sendo feitas à sua filha?
O que talvez seja ainda pior é saber que não há absolutamente nada que você possa fazer a
respeito – e tudo por causa da fé que professamos”. Ações amparadas por um normatismo
patriarcal/religioso em que muitos países do Ocidente, onde a proteção dos direitos humanos
ainda é escassa, esse problema ainda tem crescido.
A mulher, segundo algumas convicções religiosas, é um mero bem, submissa a
satisfazer todos os desejos do sexo oposto a que é sujeita. Embora a luta contra esse assédio
venha crescendo, a violência contra mulher, das surras aos assassinatos, ainda é alarmante.
Concernente de uma “entranhada cultura patriarcal” em que até a pouco tempo, o próprio
femicidio e feminicídio, eram amparados por uma manta de defesa moral.
É deplorável pensar que onde o indivíduo vulnerável procura paz, cuidado e amparo,
tem sido lugar de abusos, crimes e assédios, segundo Fiorillo 5, em entrevista ao jornal da
Universidade de São Paulo, “a mistura de abuso sexual e religião não é nova” e ainda afirma
“igreja e abuso sexual, que combinação lamentável”. Infelizmente é uma realidade
corriqueira, o crime libidinoso ocorre mediante a constrangimentos, ameaças, obrigando o
silêncio de suas vítimas que dificulta a ação preventiva contra esses tipos de crimes.
O abuso sexual religioso é antes de tudo um abuso de poder e por vezes mascarado
por uma prova de fé, onde o mediador que cultural e historicamente é representado por uma
figura masculina, aproveita o cargo para realizar tais atos. Os crimes sexuais envolvendo

5
Professora de Filosofia Política e Retórica da Escola de Comunicações e Artes da USP.
17

religião são em torno de três por semana, de acordo com o levantamento do dique 1006, canal
de denúncia do governo federal.
Apesar de haverem leis que tipificam o abuso sexual, um dos maiores problemas da
jurisdição brasileira é a falta de legislação específica. O mesmo problema havia sendo
enfrentado pelo Vaticano quanto à particularidade do ato, então ao longo desses anos
promoveu mudanças para resolver as lacunas da legislação e o Papa Francisco recentemente
aprovou novas leis sobre a punição de bispos e superiores religiosos promulgadas no Código
de Direito Canônico7 de 2010, com inovações introduzidas e 2019.
Na nossa jurisdição, os crimes sexuais paralelos à religião, são processados de
acordo com o nosso aparato já existente como quando se trata de atitude ardil, por exemplo, é
ajuizado como violação sexual mediante a fraude, art. 215 do Código Penal, que atribui pena
de dois a seis anos para quem mediante fraude ou outro meio, manipula a livre manifestação
de vontade da vítima. A pena é discrepante e insuficiente para a penalização da ação.
Os crimes contra a dignidade sexual estão tipificados no Código Penal que vai do
artigo 213 ao artigo 234B e suas respectivas sanções. Onde encontramos os crimes de estupro,
violação sexual mediante a fraude, importunação e assedio sexual que são mais frequentes
quando se trata de mulher e a relação religiosa. Em 15 de julho de 2020, o deputado Vitor
Hugo de Araújo Almeida8 propôs inserção do inciso V ao artigo 226 do CP, que aumentaria a
metade para as penas previstas em relação aos crimes praticados em exercício de atividades
religiosas ou em razão dela.
Deste modo, há uma grande necessidade de um aparato diretório a essa tipificação,
para garantir a defesa da dignidade sexual que resulta da dignidade da pessoa humana,
inerente a qualquer pessoa e fundamental, hora garantindo uma vida saudável em relação com
a sociedade.

4.3. A INTOLERÂNCIA QUANTO À LIBERDADE DE EXERCÍCIO


PROFISSIONAL

6
Disque 100 é um serviço disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de
violações de direitos humanos.
7
Designa-se direito canónico ou direito canônico o conjunto de leis e regulamentos feitos ou adotados pelos
líderes da Igreja, para o governo da organização cristã e seus membros. É a lei eclesiástica interna que rege a
Igreja Católica, as Igrejas Ortodoxas, Orientais e Ocidentais, e a Comunhão Anglicana de igrejas.
8
ALMEIDA, Vitor Hugo de Araujo. Projeto de Lei 3295, de 15 de junho de 2020. Insere o inciso V ao
art. 226 do Código Penal Brasileiro, Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, para aumentar a pena
dos crimes contra a dignidade sexual praticados no exercício de atividade ritualística ou religiosa ou em razão
dela. Disponivel em: <https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?
codteor=1903730&filename=PL+3295/20.... Acesso em: 20 de novembro 2022.
18

A religião, por muito tempo, inferiorizou a mulher, colocando limites ao que elas
poderiam lograr. Como dizia a Lei Secular que depreciava as mulheres, “frívolas por
natureza, ardilosas, perspicazes, apegadas ao material (avarentas) e de pouquíssima ou quase
nenhuma inteligência”. Ainda também a lei eclesiástica justificava e diminuía a importância
da mulher em cargos públicos ”as mulheres não foram feitas para esse tipo de serviço, mas
sim, para as ocupações femininas e domésticas”. (Lion, 1990).
Sendo então o destino da mulher seria o casamento e ser dona de casa, que por vezes
o casamento ainda era de teor obrigatório e forçado e tinham que exercer a função de amigas,
companheiras, fiéis, para garantir seu destino que dependia de um “bom partido” um bom
casamento.
Para que possa compreender essa submissão de dominação devemos definir como
uma violência simbólica, cultural, histórica e construída por pensamentos patriarcais
irredutíveis e universais em um viés de divisão biológico, que impunham essa hierarquia
naturalística.
Tais diferenças podem ser vistas na Revolução Industrial que distingue atividades de
acordo com os sexos, de sujeição e dominação. Uma divisão “natural” de funções para que
assim pudesse haver desenvolvimento industrial em razão de uma definição ideal de tarefas.
Quanto ao Brasil no sec. XX o código Civil de 1916 9 em seu artigo 6º, inciso II,
tratava as mulheres casadas com status de incapazes.

Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de
os exercer: II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.

Ainda para que pudesse trabalhar a mulher teria que pedir permissão ao marido, enaltecido pelo
código da época vigente:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto
conjugal.

E reforça a impossibilidade de exercer a profissão sem permissão do marido, descrito no


Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251): VII. Exercer profissão
(art. 233, nº IV).

Entretanto em meados dos séculos XVIII e XX a luta feminina e reivindicação por


direitos surtiu efeito, e as mulheres conseguiram se posicionar de forma mais confortável no

9
BRASIL. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (1916). Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 20/11/2022.
19

universo machista, patriarcal e preconceituoso. Mas, é uma luta vivenciada até os dias atuais,
simplesmente almejando o que já seria inerente a elas, porém dificultados por uma barreira de
ideologia histórica.
Os direitos conquistados traziam mais seguridade à mulher no trabalho, o que deu
força na derrubada ao protecionismo masculino a que ela era submetida. No Brasil a criação
do projeto do Código de Trabalho em 1912, veio como primeiro passo para a criação a essa
proteção ao trabalho da mulher. Apresentava em seu rol a liberdade da mulher na obtenção de
emprego sem autorização do marido, a jornada de trabalho de 8 horas diárias, licença de 15
dias antes do parto e de até 25 após. Este fato gerou uma discussão sobre a honra do marido e
os inúmeros bônus para a mulher grávida em prejuízo a empresa. Ao fim, o projeto não foi
aprovado.
A primeira constituição que versou sobre o protecionismo em face da mulher foi a
constituição de 1934, porém somente na Constituição de 1988 operou de forma completa
nesse âmbito. Como: Proibição de discriminação em relação ao sexo art. 3º, IV e art. 5º, I;
Abolição da “chefia” da sociedade conjugal art. 226, § 5; Normas sobre proteção a
maternidade nos seguimentos trabalhistas e previdenciários art. 391e conseguintes da CLT,
com acréscimos da Lei 9799/99 e Lei 8213/91; Duração de trabalho e igualdade no que
tange a ambos os sexos art. 372, 373 CLT e art. 7º CF/88. Diretrizes quanto à discriminação
e assegurar a igualdade Lei 9029/95 e 9799/99; O direito ao trabalho para a mulher não é
somente um direito protetor, mas um direito promocional, que vem garantir a mulher deixar
de ser um ser inferior, um ser marginalizado.

4.4. A DITADURA RELIGIOSA SOBRE O CORPO FEMININO.

Por muito na história, a diferença entre homem e mulher era baseada na


dissemelhança de seus corpos, a mulher era limitada a um ser reprodutivo, um receptáculo
sagrado de fertilização e procriação em que se acreditava que o corpo feminino era um
assunto divino. E ainda mais amplo, instituições eclesiásticas pressionavam o adestramento e
policiamento da sexualidade feminina “num cenário em que ciência e culpa se misturavam, o
corpo feminino era visto, tanto por pregadores da Igreja católica quanto por médicos, como
um palco nebuloso e obscuro no qual Deus e o Diabo se digladiavam” (Priori, 2006:78)”
O menosprezo e a inferioridade feminina caminhavam paralelos ao estigma do
primeiro contato com o pecado que justificava a fiscalização patriarcal/religiosa observando e
20

sancionando gestos, atos, sentimentos e até sonhos, como mostram os manuais de


confessores:

Se pecou com tocamentos desonestos consigo ou com outrem. Se tem retratos,


prendas ou memórias de quem ama lascivamente. Se solicitou para pecar com cartas,
retratos ou dádivas. Se foi medianeira para isso gente maligna que devia ser
sepultada viva. Se falou palavras torpes com ânimo lascivo. Se se ornou com ânimo
de provocar a outrem a luxúria em comum ou em particular. Se fez jogos de abraços
ou outros semelhantes desonestos. Se teve gosto e complacência dos pecados
passados ou de sonhos torpes (Ruiz, 1724:447, apud Araújo, 2006:51).

As mulheres eram submetidas a confissões e forçadas obedecer a regras que feriam


até sua própria dignidade. O corpo e as atitudes da mulher seriam somente para satisfazer a
dominação masculina. E até o simples fato do uso de maquiagens era considerado pela igreja
como uma moral duvidosa, pois a verdadeira beleza era aquela fornecida por Deus10.
As religiões sempre tarjaram como a mulher deve se vestir, como deve se portar,
fugindo disto ela está em desconforme com os padrões divinos e naturalísticos. Não somente
o Cristianismo e o Catolicismo impuseram tais dogmatismos, como exemplo o Talibã 11 que
impõe as afegãs o uso obrigatório da burca, uma exigência religiosa, sexista e patriarcal.
Assim também como na Dinamarca onde a mulher era obrigada também a usar o véu e a
burca o não uso esta sujeito à multa, porém o Parlamento dinamarquês aprovou a lei em que
mulheres adultas e jovens não são mais obrigadas a cobrirem o rosto. Sobre o assunto discorre
a professora Francirosy Barbosa12:

“Temos muito o que avançar quando se trata de direitos das mulheres, mas isso não
é a particularidade de uma cultura ou religião, isto tem que ser uma mudança
mundial, mas que deve partir, sobretudo das mulheres”. “Nossa luta é para que cada
uma encontre sua maneira de ser respeitada dentro do seu universo, dentro da sua
religião, respeitando sua identidade, a noção de pessoa e não necessariamente ser
moldada pelas ou pelos ocidentais.”

10
SANT’ANNA, Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil.
In: SANT’ANNA, D. Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. p. 121-139.

11
O Talibã é uma organização islâmica fundamentalista de orientação sunita que surgiu no Afeganistão, em
1994. Originou-se no interior da população pachto, a etnia majoritária que habita o Afeganistão, país localizado
na Ásia Central. Especificamente, a origem do Talibã está relacionada com jovens pachtos que frequentavam
escolas religiosas afegãs — as madrasa.
12
GIRALDI, Renata. Proibição ao uso do véu leva a protesto contra descriminação. Publicado em 01 de agosto
de 2018. Encontrado em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2018-07/protesto-contra-
proibicao-ao-uso-de-veu-e-uma-reacao-discriminacao. Acessado no dia 20 de novembro de 2022
21

No Brasil essa intolerância religiosa para com a mulher tem diminuído, mais ainda é
existente, religiões ainda impõem o que vestir, como se relacionar, o que fazer ou não fazer
com o seu próprio corpo, deixando à mercê direitos inerentes a pessoa humana.
Em 2022 uma vitória e evolução no que se refere à liberdade ao seu corpo, o Plenário
aprovou o projeto de lei 1941/2022 e sancionada pelo Representante Executivo em que a
mulher pode realizar o processo de laqueadura sem a necessidade do consentimento do
cônjuge13. Isso vem salientar que a luta contra o dogma religioso está sendo desfeito.
Deste modo, o Estado tem obrigação de garantir ao cidadão uma ideal compreensão
religiosa, proscrevendo toda intolerância e fanatismo. Para isso, deve haver uma divisão
acentuada entre Estado e Religião, para que garanta a proteção e garantir o exercício de todas
as religiões, englobando a liberdade de crença, de culto e organização religiosa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim se verifica que o problema da intolerância e da violência religiosa ainda é bem
frequente no mundo e no Brasil e se manifesta de forma mais grave contra alguns
seguimentos, em ênfase neste artigo relacionado ao sexo feminino. Sendo assim, esses atos
constituem uma violação ao Estado democrático de direito e a laicidade do Estado, e não se
concilia com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Para amenizar a situação é
preciso conhecer mais sobre a cultura e a crença do próximo e também respeita-la, além de
considerar que a mulher não é um ser inferior e assim suprir o preconceito e as ideologias de
imposição. E isso pode ser feito com a educação e o incentivo a tolerância nas escolas,
famílias e igrejas. Então será de extrema importância que o Estado promova a proteção
integral dos direitos humanos, no intuito de desenvolver novos métodos dentro do âmbito da
lei e revisar as práticas sociais que venham ferir a dignidade da pessoa humana. E por fim,
cabe a toda a sociedade renovar as convicções sobre a distinção de sexo e ter um bom
convívio para obter a paz social. Pois toda crença, é respeitável, quando sincera e conducente
a prática do bem. Diga não a violência, ao desrespeito e a intolerância religiosa, desde já.

REFERÊNCIAS

https://setemargens.com/o-papel-e-os-desejos-das-mulheres-nas-religioes-igreja-catolica/?
doing_wp_cron=1668200587.3440020084381103515625. Visto em 05 de novembro de 2022
13
LEONARDI, Carla. Lei que dispensa autorização do marido para laqueadura é sancionada. 5 de setembro de
2022 https://bebe.abril.com.br/saude/e-sancionada-lei-que-dispensa-autorizacao-do-marido-para-
laqueadura/. Acesso em: 20 de novembro de 2022
22

VILHENA, Valéria. Uma Igreja sem voz: uma análise de gênero da violência doméstica entre
as mulheres evangélicas. São Paulo: Fonte editorial, 2011.

“Principais Achados”, Relatório Mundial sobre Liberdade Religiosa 2021, op. cit.
https://jornal.usp.br/atualidades/religiao-e-abuso-sexual-sao-uma-combinacao-lamentavel/
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/07/22/brasil-registra-tres-queixas-de-
intolerancia-religiosa-por-dia-em-2022-total-ja-chega-a-545-no-pais.ghtml 20 11 2022
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/01/papa-muda-legislacao-do-vaticano-sobre-
abuso-sexual.ghtml 20 11 2022

https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/
rc_con_cfaith_doc_20200716_vademecum-casi-abuso_po.html 20 11 2022

ALMEIDA, Vitor Hugo de Araujo. Projeto de Lei 3295, de 15 de junho de 2020. Insere o
inciso V ao art. 226 do Código Penal Brasileiro, Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940, para aumentar a pena dos crimes contra a dignidade sexual praticados no exercício de
atividade ritualística ou religiosa ou em razão dela. Disponivel em:
<https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?
codteor=1903730&filename=PL+3295/20.... Acesso em: 20 de novembro. 2022.

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edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, pp. Visto em 20 de novembro de 2022

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