Você está na página 1de 17

O AMOR PELA VIDA – A BÚSSOLA QUE IMPULSIONA O COEFICIENTE

ANGULAR DA RELAÇÃO MORAL-LIBERDADE DO HOMEM

Por Lucas Sabino, aluno 162393,

do curso de Licenciatura de Filosofia

pela orientação do Professor Nuno Nabais

2023
RESUMO

O propósito deste ensaio é expor o quão consequente é o material que tange o homem
quando ele possui uma moral que é producente ou contraproducente para com este próprio
homem. Iniciaremos por trazer definições do que é o fato moral, a cultura, a formulação de
conceitos e impressão destes à ética. Após esse translado, iremos contextualizar o conceito
de raça, como ela se originou, suas derivações e implicações no cenário da moral humana e
de sua liberdade. Posteriormente, reduziremos todo esse escopo material a nenhuma moral
a fim de analisar o que acontece com o homem e sua liberdade quando ele está sob uma
moral nazista ou amoral. E subjugar este mesmo homem à estrutura nietzscheana no que diz
respeito a uma moral distinta da moral que o ocidente construiu através do pensamento
predominantemente limitante à vontade livre. E por fim, concluir com as potencialidades das
forças nietzscheanas de vontade de poder com a força una do cristianismo.

Palavras-chave: Moral, Cultura, Liberdade, Nazismo, Cristianismo, Darwinismo Social

OS FATOS MORAIS E A CORRELAÇÃO COM A CULTURA

Para Vázquez (2008), ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.
Assim, a moral é entendida como ato e a ética como reflexão sobre esse ato. Dessa maneira,
moral é prática e ética é teórica. Vásquez (2008) define que a ética está ligada à justificação
do comportamento moral do indivíduo em sociedade. A ética estuda as práticas da sociedade.
Pode-se perceber a prática do campo da moral do ponto de vista da cultura. Às vezes, o
comportamento tem um significado de imoralidade porque o indivíduo tem conhecimento
das regras sociais e mesmo assim não as vive. Em outros casos, pode ser amoral. Isto é, age
sem conhecimento das normas, mas, mesmo assim, é punido socialmente. Diante disso, é
possível perceber que o relacionamento travado na sociedade estabelece regras de
convivência para o indivíduo e desse para com a sociedade. Então, neste sistema moral, as
regras de condutas humanas são fruto de necessidades de controle social. Nesse aspecto, é
preciso entender que a ética não cria a moral. Pois, por meio da reflexão filosófica, é possível
verificar a existência de princípios éticos fundamentando a ação humana, na interação com a
coletividade e a prática cotidiana manifestando atitudes morais, portanto, valorativas. Assim,
os princípios são interiorizados pelo indivíduo de maneira que em todo ato manifesta um
conjunto de valores pessoais advindo da história pessoal e coletiva. A moral humana sempre
foi alvo de curiosidade e investigação devido à sua diversidade e complexidade.

E ainda, conforme (CHALITA, 2003), a moral é ação, isto é, solidificada por princípios. Tais
princípios são entendidos como sentido e significado que o homem atribui à realidade, aos
objetos, aos fenômenos e aos homens. Em outros termos, valores. Estes são obtidos,
elaborados, implantados em cada ser humano, aqui entendidos como cultura, através de
observações dos atos, reflexões, e suas implicações no comportamento do homem para com
o outro. A cultura passa a ser então o lócus de onde advêm os valores, manifestados nos
comportamentos humano. Chalita (2003) define um conceito de ética que nos mostra ser um
conjunto de reflexões sobre as normas escolhidas por um grupo social e reflete as discussões
pregressas sobre a moral e os princípios que foram aceitos pelo mesmo grupo.

De acordo com o historiador Alfredo Bosi, a palavra cultura advém da palavra “colo”, que
significa em latim “eu moro, eu cultivo”. Inicialmente, a palavra designava as culturas agrícolas
(de beterraba, de cenoura) e, posteriormente, o verbete passou a se referir ao conjunto de
ideias e tradições de um povo. Como os antepassados eram enterrados no mesmo solo no
qual o alimento do povo era plantado, a palavra cultura passou também a designar o cultivo
das tradições, dos cultos, ritos e identidade de cada população. A cultura tem um papel
importante para estabelecer tais valores. Em todas as instâncias sociais, digam-se culturais,
onde o homem está, ou seja, na família, na escola, na vivência cotidiana, em todos os
relacionamentos os valores estão presentes. E quanto mais o homem se relaciona, mais
valores ele vai incorporando e estabelecendo sua maneira de ver, julgar e agir socialmente.
Ou seja, a cultura tem um papel importante na constituição valorativa do homem.

As culturas fazem com que as pessoas tenham maneiras próprias de viver. E, em cada uma
dessas culturas, o homem pode buscar respostas aos movimentos reflexivos, aos medos e às
explicações da existencialidade pessoal e coletiva e atribuir eticidade a tais fenômenos. Com
o antropocentrismo, a discussão central passa a ser o indivíduo em sociedade. Portanto, não
se pode pensar em ética sem levar em conta a cultura. Se a ética é reflexão e a moral é prática,
então podemos pensar que a moral está na cultura e é nela que os valores são criados para o
ato humano. Dessa maneira, dentro desse escopo moral, a ética é o espelho que reflete os
valores, os princípios, as normas, as regras de comportamento do homem em sociedade no
conjunto de manifestações culturais. No entanto, da mesma forma como ocorre com as
demais convenções sociais, juízos morais também podem expressar diferentes perspectivas
do que seja “certo” e “errado”. Nesse caso, o problema é que a pretensão de validade universal
desse tipo de juízo acaba gerando sérios conflitos entre as pessoas. Desde então, essa esfera
de exigências mútuas criada pela existência dos juízos morais passa a exigir também que os
justifiquemos. Já não basta, portanto, dizer que esta ou aquela conduta está “certa” ou
“errada”, mas é necessário também explicar o porquê e como ela deriva ou se subscreve à
cultura.
A ÉTICA DAS “RAÇAS” HUMANAS

A fim de compreendermos como a ética advinda da cultura tem sido construída ao longo do
tempo, precisamos ter o entendimento do seu início e evolução. No passado, século XVII, os
conceitos de monogenismo e poligenismo tornaram-se populares, embora só fossem
sistematizados epistemologicamente durante o século XIX. O monogenismo afirma que todas
as raças têm uma única origem, enquanto o poligenismo é a ideia de que cada raça tem uma
origem separada. Até o século XVIII, as palavras "raça" e "espécie" eram intercambiáveis. o
racismo científico, uma pseudociência, investigava e postulava as razões pelas quais uma raça
era superior à outra. Elenquemos dois principais filósofos (entre outras ocupações): Robert
Boyle (filósofo irlandês) e Henry Home, Lord Kames (filósofo escocês). Enquanto o primeiro
acreditava que todas as raças, não importa quão diversas, vieram da mesma fonte, Adão e
Eva. Ele estudou histórias relatadas de pais dando à luz diferentes albinos, então ele concluiu
que Adão e Eva eram originalmente brancos e que brancos podiam dar à luz diferentes raças
coloridas. As teorias de Robert Hooke e Isaac Newton sobre cor e luz via dispersão óptica
influenciaram diretamente suas deduções. Enquanto o segundo, o escocês, acreditava que
Deus criara diferentes raças na Terra em regiões separadas.

Interessante notar que o darwinismo social, como pensamento, fortalecia o imperialismo, o


racismo e o nacionalismo. Os darwinistas sociais insistiam que os indivíduos e as raças estavam
dentro de uma luta pela sobrevivência, em que apenas o mais forte sobrevive e, na realidade,
apenas o mais forte merece sobreviver. Eles dividiam a humanidade em raças superiores e
inferiores e consideravam o conflito racial e o nacional uma necessidade biológica e um meio
para o progresso. O darwinismo social é análogo, mas em sentido oposto, em alguma esfera
do que houve quando alguns intelectuais cristãos do passado acreditavam que possuíam a
autoridade para deter todas as riquezas e subjugar nações do mundo, uma vez que, a posse
do mundo foi dada simplesmente por serem cristãos. A diferença é que o critério do cristão é
ser “Filho de Deus”, enquanto o critério darwiniano é que a superior raça deve subjugar a
inferior pelo seu mérito de qualificação evolutiva. Ou seja, o argumento que uma raça é
melhor do que a outra, seja pela sua origem, seja pela sua pseudo-natureza distinta ou
qualquer outro argumento falacioso, gera corrupção na integridade social através de crenças
erradas projetadas a partir de pseudociência. Africanos, pagãos, judeus, pessoas que não se
encontravam na normativa sexual da época, mulheres e crianças sofreram intensamente ao
longo dos séculos por conta de falácias argumentativas que foram responsáveis por limitar o
Homem em sua evolução ética através de novos fatos morais de sua cultura coexistente. Ao
passo que, mulheres, escravos e crianças não eram considerados “homens livres”, mas sim
propriedade. Deste modo, todos os direitos dos homens livres não poderiam ser fornecidos
às pessoas de “ordem inferior”, isto é, natureza de objeto. E por isso, matar alguém inferior
tem o mesmo peso ético que destruir sua própria fazenda ou matar um inseto. Isto é, o
homem livre tem total direito à sua ação sem que o julgamento individual ou social confronte
sua própria consciência.
Francis Galton, primo de Charles Darwin, criou o conceito de "eugenia" que seria a melhora
de uma determinada espécie através da seleção artificial. O primeiro livro importante para o
pensamento de Galton foi Hereditary Genius (1869). A sua tese afirmava que um homem
notável teria filhos notáveis. Galton acreditava que a "raça" humana poderia ser melhorada
caso fossem evitados "cruzamentos indesejáveis" o que acompanhava o sentido racista da
eminente burguesia europeia da época. O desenvolvimento de testes de inteligência para
selecionar homens e mulheres brilhantes, destinados à reprodução seletiva são obras de
Francis Galton em caráter de promover estes ideais para reafirmar o senso de superioridade
e como propaganda a fim de deturpar as possibilidades de enfraquecimento da comunidade
branca europeia contra imigrantes. Esta ideologia teve papel fundamental na formação do
fascismo e nazismo.

A CAPTURA DA ÉTICA PELA CULTURA DO REGIME NAZISTA

Quando se estuda o nazismo e o processo de instituição do Terceiro Reich por Adolf Hitler,
uma das características mais evidentes é a retórica antissemita, isto é, o conjunto de discursos
elaborados contra a população judaica europeia. Entretanto, é necessário ressaltar que a
esses discursos estavam associados a outros, que se referiam propriamente ao “sequestro”
da consciência da própria população alemã, que foi progressivamente “inflamada” pela
linguagem do nazismo. Pensamos: como é possível que o povo alemão tenha seguido por
aquele caminho averso a qualquer tipo de ética e empatia?

O nazismo fez desmoronar o conceito de moral para que seus fins fossem atingidos.
Resgatando o significado original da palavra “moral”: mores, isto é, o conjunto de costumes,
que pode ser trocado sem grande dificuldade, como se trocam os padrões de comportamento
social e os modismos. Dessa maneira, o nazismo anunciava um novo conjunto de valores e
construiu um sistema legal e filosófico completo para sustentá-los. Por essa razão, é complexa
a tarefa de “legitimar o veredito de imoralidade formulado contra as ações de um grande
número de pessoas que fielmente seguiram as normas morais de sua sociedade”, como
argumenta Bauman.[1] Ou seja: o comportamento dos nazistas, de seus simpatizantes e
mesmo dos alemães que apenas não reagiram ao nazismo estava de acordo com as normas
morais em vigor no país naquela ocasião, normas estas construídas com o objetivo explícito
de desafiar a própria idéia de moral como a concebida pela tradição judaico-cristã ocidental.

1. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 205
O nazismo tentou estabelecer uma ética científica por meio de uma radicalização biopolítica
do darwinismo social. [2] Alegando moralidade para estar em conjunto com as leis da natureza
e da vida, tinha a intenção de garantir sua plausibilidade em uma época em que se acreditava
em soluções científicas e técnicas para problemas reais ou problemas sociais ideologicamente
construídos. A cosmovisão nazista era altamente compatível com a visão de mundo intuitiva
de muitas pessoas, a quem aliviou do ônus de fazer seus próprios julgamentos morais e cujo
valor sistema deu coerência sistemática e plausibilidade científica.[3]

Quando o povo está indignado contra o que se acredita serem injustiças, torna-se cego e frágil
para qualquer promessa fácil de restituição a ponto de sucumbir e entregar seu código ético
social por conta da sua incapacidade emocional em transitar em sua resiliência. A cultura e a
pressão que a mesma aplica no campo social pode sequestrar toda a ética de uma sociedade.
Assim o código moral de um homem, que é adorado como líder perfeito, pode se tornar a
ética de um povo inteiro. Vimos isso acontecer com inúmeros povos, mas destacaremos o
povo alemão e o movimento nazista.

“A Lei que será como Lei base de toda a propaganda, orquestrar e instrumentar em prol da
ideologia do Partido. Fazer todos os possíveis para que a mentira se torne verdade, um
verdadeiro teatro de encobrimento. Não se trata de fazer de conta, mas sim de
embelezamento da realidade que se quer transmitir de modo a que seja grandiosa e
convincente mesmo que a mensagem seja o mais simples possível. "A propaganda deve
limitar-se a pequeno número de ideias e repeti-las incansavelmente. As massas não se
lembrarão das ideias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes.”
(Goebbels, 1970)

2. On social Darwinism see Richard Weikart, From Darwin to Hitler: Evolutionary Ethics, Eugenics and
Racism in Germany (New York: Palgrave MacMillan, 2004); Paul Weindling, Health, Race and German
Politics between National Unification and Nazism, 1870-1945 (New York/Cambridge: Cambridge
University Press, 1989), pp. 11-60.

3. Peter J. Haas, “Doing Ethics in an Age of Science,” in Jack Bemporad/John T. Pawlikowski/ Joseph
Sievers (eds.), Good and Evil After Auschwitz. Ethical implications for today (Hoboken/NJ: Ktav
Publishing House, 2000), pp. 109-118.
O culturalismo - cunhado pelo filósofo e sociólogo polonês-americano Florian Znaniecki em
seu livro Cultural Reality (1919) - é a corrente que defende a importância central da cultura
como uma força organizadora nos assuntos humanos. Provavelmente, Goebbels sabia da
intensidade psicológica das crenças humanas das múltiplas sombras da alegoria da caverna
de Platão. Através do que Goebbels fez, podemos suspeitar que ele entendia que o
conhecimento existe apenas para os seres mais desenvolvidos em suas faculdades, enquanto
ao resto do bando social deve deter apenas idéias simples e intensas. Ou seja, quem é
desenvolvido usa sua energia para ser o pensamento, enquanto os outros são apenas
extensão corpórea que devem executar apenas confiando no pensamento de forma
obediente. O intelecto serviria às aspirações nazistas a fim de manipular verdades complexas
em estruturas simples pela propaganda. Não há evidência irrefutável que Goebbels tenha dito
o que definimos como a máxima dele: “uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”.
Todavia, este enunciado com um quê filosófico sintetiza a proposta de implicação psicológica
da propaganda nazista e a sua força coercitiva capaz de transpor verdades do código moral
em qualquer crença. Podemos inferir, sob as ordens filosóficas, uma posição sofista,
protagoriana, subjetivista e antirrealista de Goebbels – que provavelmente conhecia toda a
dinastia do pensamento filosófico que aplicava por ser doutor em filosofia pela Universidade
de Heidelberg. Goebbels sabia como manipular essas sombras no intelecto humano a ponto
de tornar as pessoas em algo oco. Capazes de serem apenas parte de um organismo coletivo,
o Partido. A perda da individualidade em prol do coletivo. Qualquer base nacionalista precisa
desses elementos ideológicos para se sustentar: a projeção do “Eu” não na individualidade,
mas na dinâmica do grupo. Virtudes, ética, comportamentos, pensamentos – tudo é derivado
da hierarquia, do maior até o menor. E por fim, o laço de captura se dá pela subserviência e
obediência da mente controlada. A partir desse momento, qualquer forma de existência moral
é inexistente. A cultura através do hábito é capaz de cegar qualquer natureza do
discernimento:
Diga-se, pois, que acaba por ser natural tudo o que o homem obtém pela educação e pelo
costume; mas da essência da sua natureza é o que lhe vem da mesma natureza pura e não
alterada; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito. - Étienne (Discurso da
servidão voluntária, 2006), p29

Claro que cada homem deve cuidar da sua ética de maneira individual como item essencial,
quem não exerce proteção à sua liberdade a fim de deter tal faculdade intelectual será
dominado por outro homem conforme o discurso da servidão voluntária de Étienne de La
Boétie:
Muitas vezes perdem a liberdade porque são levados ao engano, não são seduzidos por
outrem, mas sim enganados por si próprios. [...] Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado,
cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes
começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade,
mas a servidão. - Étienne (Discurso da servidão voluntária, 2006), p.22.
Após a perda da própria consciência, da própria faculdade moral e da própria existência, a
igualdade entre homens deixa de ser um pilar para que tenhamos um senhor e um escravo,
um líder e um subordinado, um führer imoral e um povo que o obedece irrestritamente:
Com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia. As pessoas escravizadas não
mostram no combate qualquer ousadia ou intrepidez. Vão para o castigo como que
manietadas e entorpecidas, como quem vai cumprir uma obrigação. - Étienne (Discurso da
servidão voluntária, 2006), p.22.

A elaboração da máquina de propaganda nazista contava com a instrumentalização de


intelectuais e pessoas ligadas às artes (arquitetos, escultores, pintores, músicos, cineastas
etc.). Aqui temos a cultura sendo predominantemente moldada a fim de criar uma ética
comum do partido, e, portanto, para toda a Alemanha.
“A propaganda política busca imbuir o povo, como um todo, com uma doutrina... A
propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma ideia, e o
prepara para quando da vitória daquela opinião" (Hitler, 2016)

Com confiança ilimitada no "poder mágico da palavra falada”, Hitler visava nada menos que
uma transformação dos valores relativos à vida humana e à natureza da sociedade. Goebbels,
mestre da persuasão pública, exerceu uma influência extraordinária na nova era das
comunicações de massa. Anos antes, Max Weber havia antecipado as técnicas de poder na
era moderna quando definiu o poder como a capacidade de fazer as pessoas fazerem o que
você quer que elas façam - quer elas queiram ou não.[4] Mais recentemente, Michel Foucault
nos lembrou do impacto generalizado do conhecimento como poder. Hitler aplicou um
entendimento semelhante:
"A conquista do poder quando fez da formação do weltanschauung de seus
seguidores o centro de sua estratégia. Em 1922, ele explicou por que a conversão
funcionou melhor do que a coerção: "A construção de uma organização de
propaganda fornece a melhor preparação para o sucesso futuro. Tudo o que
pudermos vencer com munição de papel não precisa ser alcançado por armas de aço
mais tarde." [5]

4. H. H. Gerth and C. Wright Mills, eds. and trans., From Max Weber: Essays in Sociology, 2d ed. (New
York:, 1958), p. 180.

5. “Power is everywhere. not because it embraces everything, but because it comes from everywhere
[...] power is not an institution, nor a structure, nor a possession. It is the name we give to a complex
strategic situation in a particular society"- (Michel Foucault, The History of Sexuality, vol.1, An
lntroduction, trans. Robert Hurley [New York, 1978), p. 93). Eberhard Jackel, ed.. Hitler: Samtliche
Aufzeichnungen: 1905- 1924 (Stuttgart, 1980), p. 705.
A REVELAÇÃO DA MORALIDADE DETURPADA PELA CULTURA NAZISTA

Segundo Hans Maršálek (2016), em seu livro: “A história do campo de concentração de


Mauthausen: Documentação” nos apresenta a normalização da ética nazista:

Promotor: Você foi condenado a matar pessoas que não têm condições de viver?

Krebsbach: Sim. Fui condenado a matar aquelas pessoas se as considerasse um fardo


para o Estado.

Promotor: Você já parou para pensar que se tratava de seres humanos, pessoas que
tiveram o azar de serem presas ou que foram abandonadas?

Krebsbach: Não. As pessoas são como animais. Animais que nascem deformados ou
incapazes de viver são mortos rapidamente. Isso deve ser feito por razões
humanitárias também com as pessoas. Isso evitaria muita miséria e infelicidade.

Promotor: Essa é sua opinião. O mundo discorda de você. Você já pensou que matar
um ser humano e um crime terrível?

Krebsbach: Não. Todo Estado tem o direito de se proteger contra pessoas sociais,
incluindo pessoas que não podem viver.

Promotor: Em outras palavras, nunca lhe ocorreu que o que você estava fazendo era
um crime?

Krebsbach: Não. Eu realizei meu trabalho da melhor maneira possível, porque era
necessário

Desse diálogo, podemos ressaltar:

1. A estipulação que o detentor do poder da morte é “condenado” a ordenar quem


morre como se ele fosse obrigado através de alguma responsabilidade moral, isto
é, abaixo de um dever normativo. Se o existencialista defende a liberdade como
premissa inicial e longínqua, mas que a consequência é a auto-responsabilização,
aqui encontramos o oposto: Um subserviente que apenas executa sem pensar em
autoconsciência de seus atos e autorresponsabilidade sobre as consequências.
2. A afirmação que as pessoas que são um fardo para o Estado/coletivo/Partido e
devem morrer por obrigação moral – caso necessário. A morte individual pela
sobrevivência/evolução do coletivo. Do indivíduo para o grupo.
3. O argumento darwinista quando se expõe a questão dos animais e suas
deformações que os sentencia à morte na natureza. E que por isso, somos
misericordiosos ao não deixar que esses “animais” sejam mortos pela crueldade
natural, mas sim pelo ato de compaixão de quem entende a sua situação.
4. O Estado tem o direito de se proteger contra qualquer ameaça à sua ideologia. Ele
é soberano e não deve ceder a qualquer forma de individualidade. É melhor um
Estado forte que mata, ao Estado fraco que não mata. Do grupo para o indivíduo.
5. Insensibilidade ou falta de consciência do mal gerado. Neste caso, a morte de
outros seres humanos. Não há reconhecimento do mal imposto sobre o outro.
Apenas a materialização do dever como imperativo obrigatório de maneira a
buscar a excelência em sua entrega ao Estado.

Até aqui, expomos a natureza da moral através da cultura e explanamos sobre a plataforma
do pensamento utilizada pelo nazismo para obter seus objetivos. Interessantemente, mesmo
que Nietzsche tenha sido lido como fonte de estímulos para o nazismo, a verdade é que ele
não desejava criar uma sociedade sem moral. Mas sim, examinar e nos fazer refletir sobre a
moral que nos foi incorporada e de onde ela veio. Essencial notar que Nietzsche por ser um
pensador da potência do homem, foca em examinar a moral para que possa criar algo que
não seja o freio do homem, e consequentemente, demonstrar que o homem que possui
intensidade é um homem de maior natureza. Isto é, por não se alinhar à filosofia da tradição
metafísica, podemos entender Nietzsche como um crítico a ela, já que nela ocorreria o
desenvolvimento de uma ética na qual se nega a vida em nome de valores transcendentais,
eternos e absolutos. Segundo ele, esta postura afirmou a realidade como má, destituindo do
momento presente o seu valor (Genealogia da Moral prólogo §6). Contrário a isto, Nietzsche
propõe uma nova valoração do homem e do mundo, por meio de uma transvaloração de todos
os valores, já que o arcabouço valorativo ocidental tornou o homem um ser frágil e pequeno,
fazendo o homem cansado do próprio homem (Genealogia da Moral I §12). Na investigação
genealógico-histórica da moral, que tornaria possível a re-naturalização do homem, Nietzsche
assume como sua prerrogativa as condições preliminares para chegar ao período extramoral,
no qual surgiria o indivíduo soberano, legislador, autônomo e livre para criar valores. Mas o
próprio período moral, da história universal, esgotar-se-ia por si mesmo:
Mas coloquemo-nos no fim do imenso processo, ali onde a árvore finalmente
sazona seus frutos, onde a sociedade e sua moralidade do costume finalmente
trazem à luz aquilo para o qual eram apenas o meio: encontramos então, como
o fruto mais maduro da sua árvore, o indivíduo soberano, igual apenas a si
mesmo, novamente liberado da moralidade do costume, indivíduo autônomo
supramoral (...), em suma, o homem da vontade própria, duradoura e
independente, o que pode fazer promessas –. (Genealogia da Moral II, 2)
Diferentemente de outros filósofos, Nietzsche pretendeu transmutar os valores dados a cada
valor e, assim, fundamentar a vida em valores terrenos por meio de uma responsabilização
do homem sobre os valores, movimento que podemos ver na ideia de além-do-homem.
Assim, é importante entender a supressão da moralidade não como uma supressão do dever.
Diferente disso, suprimir a moral existente é, antes de tudo, uma afirmação de que o dever de
criar valores pesa sobre aquele que se permitiu colocar no movimento transvalorativo de sua
existência. O alemão apontou que a forma como veio se pensando a humanidade até a
modernidade se encontrava em ruínas. O que ocorre na modernidade é o desfalecimento de
uma imagem do homem, o que se deve ao fato de haver uma não identificação entre vida
ideal e aquela que o indivíduo realmente experimenta no dia a dia.

Nietzsche apontou para necessidade de se voltar à terra como pressuposto moral ao


questionamento de como se deve agir. O filósofo apresenta esse movimento de superação na
primeira parte de Assim falava Zaratustra, no canto intitulado Das três metamorfoses: “[...] o
espírito se muda em camelo, e em leão o camelo, e em criança, finalmente, o leão (ZA “Das
três metamorfoses”). Ao usar a imagem do camelo, animal doméstico de cargas, busca
representar o homem que esteve preso às crenças em Deus e verdades eternas, o “homem
domesticado”, que esteve sob o jugo de leis transcendentes que o orientavam de tal forma
que seus desejos e vontades eram negados, tal qual se nega ao animal que foi domesticado
suas vontades; o leão representa a força, o desejo, a vontade, porém, também, aquele que
não possui capacidade de criar formas de fazer-se pleno, está também preso. Ao fazer uso da
transição de camelo para leão, Nietzsche busca representar o homem que nega as antigas leis
transcendentais, o homem moderno, que mesmo negando Deus como pressuposto regulador
da vida, continuou preso às estruturas religiosas antigas. Finalmente a transição de leão para
criança: o leão tem a vontade e a força, porém não possui a capacidade de criar novos valores.,
já a criança, a última figura das três metamorfoses do espírito, representa o além-do-homem,
aquele que é capaz de criar novos valores a partir da experimentação e valorização da vida.

Ao falar da necessidade da superação dos pressupostos morais transcendentais, Nietzsche


propõe uma tomada de consciência daquilo que torna grande o homem. Resulta deste ser
filosófico nietzscheano a Transvaloração dos Valores como a meta finalíssima e prerrogativa
para uma ação engrandecedora que retraduz o agir ético entremeado à natureza (Além do
Bem e do Mal §230). O projeto transvalorativo consiste nisto: um ato de amor à vida. Este
amor deve ser entendido no sentido de que amar é querer aquilo que se é, tal qual se é e não
de outra maneira, incontáveis vezes sem fim.
Vale ressaltar que o principal objetivo de Nietzsche não foi o de produzir uma suspensão do
juízo, mas de apresentar um novo caminho para se pensar o valor da vida, consciente de que
ela acontece e se molda por meio de circunstâncias diversas que diretamente ou
indiretamente dependem da escolha humana. Desta forma, se é possível denominar algo no
pensamento nietzscheano como definimos ética no pensamento da tradição filosófica, ela
nega a ideia de um ser engendrado dentro de uma doutrina, na qual ele é submetido à
negação da vontade. Em seu pensamento, o homem passa a se encontrar além dos limites
éticos e morais pelos quais esteve aprisionado. Assim, se há ética no pensamento de
Nietzsche, ela deve ser compreendida como um processo necessariamente libertador daquilo
que torna pequena a vida. Tendo como propósito destituir o valor da moral vigente, há em
Nietzsche a criação de um amálgama das várias áreas do conhecimento para se compreender
que representa a tradução negativa dos afetos.
"Enunciemo-la, esta nova exigência: necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio
valor desses valores deverá ser colocado em questão - para isto é necessário um conhecimento
das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se
modificaram." (Genealogia da Moral, §6)

Pensando a filosofia nietzscheana como antítese à proposta moral tradicional, nela o homem,
por meio da transvaloração, passa a afirmar a vida e se torna capaz de criar possibilidades e
valores a partir de sua vontade. A grande constatação nietzscheana é que o homem cria.
Tomando esta consciência como ponto de partida, a grande tarefa filosófica é aquela em que
novos cenários devem ser pensados. Para que um novo arcabouço valorativo surja é
necessário um novo homem, capaz de se reconhecer como portador de vontade e potência
de vida. O homem nietzscheano é aquele que se lança no mundo e abraça-o. Dessa maneira,
se há uma moral em Nietzsche, ela não se enquadra em repetir a moral tradicional estipulada.
Tornar-se o que se é, é viver intensamente. Eis o fundamento nietzscheano para uma moral
humana. Eis aqui também o confronto com os sistemas moralistas anteriores ao filósofo.

Essencialmente vimos nesse ensaio filosófico três formas distintas de apresentar a moral.
Primeiro na forma da cultura tradicional como moral do nosso inconsciente coletivo ocidental,
sendo ela responsável por nos moldar e frear nossos excessos a ponto de termos uma vida
boa. Depois apresentamos o regime no qual a moral é destruída através da doutrina nazista
em que os fins justificam os meios, e os meios, neste caso, até serão aplicados às pessoas. E
por fim, a exposição da moral nietzscheana que examina a origem da moral tradicional,
questiona-a e traça um novo caminho para o homem através de uma alternativa. Seja a moral
posta em qualquer forma ou posta de lado, faz parte da nossa função como seres humanos
pensá-la a fim de refletir se as travas que nos impomos são travas criadoras ou destruidoras
do homem como potência. Nisso Nietzsche lança luz à humanidade. Uma moral que castra o
homem como um todo não pode ser algo admirável.
O desenvolvimento exige movimento, exige confrontar limites, expandir espaços. Apenas
quando nos permitimos ser quem realmente somos que estamos em posição de sermos
julgados pela realidade dos atos das nossas potências. Um homem que seguiu uma cartilha,
pois foi coagido a assim o fazer não tem qualquer mérito. O mérito está na possibilidade finita
existente fundada na liberdade autônoma do poder fazer. Superar as amarras do que não
devemos fazer porque outro homem assim o decidiu. Isto é, não delimitado por um
imperativo externo, mas sim porque nossa consciência assim o determina. Curioso que
Nietzsche se distancia propositalmente em muito do cristianismo, no entanto converge em
alguns conceitos quando analisamos com atenção e sem pré-conceitos. A moral de Nietzsche,
em última instância, é uma moral mais particular do que universal – mesmo que não seja
inferior em seus preceitos, não devemos ler particular aqui como modo limitante. Cada
homem deve construir sua moral através da sua própria consciência. Entretanto, seguindo o
texto-base da religião judaico-cristã, a bíblia, o que Jesus faz é exatamente o que Nietzsche
propõe.

Em Mateus 22.36-39, Jesus consolida todas as regras judaicas sob a forma de um imperativo:
o amor. O amor por Deus acima de todas as coisas e amor ao próximo. Aqui há
estabelecimento de uma nova moral muito mais abrangente que todo o velho testamento
uma vez que a relação do amor é imanente a tudo e todos, portanto universal, mas com a sua
dimensão de interiorização que perfaz o plano particular de cada homem, pois a definição do
que é amor, como conceito, é construído por cada homem à medida que ele experimenta o
mundo vividamente. Ou seja, há uma expressão de desejo divino que, enquanto o homem
tenta imitar ou obedecer aos dizeres cristãos, o homem irá se desenvolver em suas
potencialidades e passar da potência ao ato à medida que se conhece, e por consequência,
conhece seu criador – partindo da metafísica cristã seja em Tomás de Aquino seja em
Agostinho onde temos um Deus transcendental, embora se conecte no particular de cada
homem pela relação Pai-filho. Isto é, Deus encapsula o universal pela vivência do particular e
estabelece que a moral não deve ser apenas uma sequência de regras formas sem conteúdo,
mas que toda forma de moral deve obedecer às derivações do conteúdo, que no caso, é o
amor. Sendo assim, é a potência do homem que irá definir a moral cristã. Jesus, aqui, adiciona
um ingrediente: a intencionalidade, a moral subjetiva, a impossibilidade de fugir, pois esta
moral foi estabelecida pela condição de Ser e não-Ser, pela natureza do Ser – não apenas pelo
seu ato particular e temporal, mas pela essência que transcende a existência do ato em si.
Além disso, não apenas a ação errônea será condenada, mas sim a ausência de ação, leia-se
amor em ato ou a ausência dele em ato, estratificada na realidade. Quanto maior for o número
de afetos, mais será a capacidade do homem na formulação da sua moral elevada.
Muitos pensam que Jesus reduziu a moral de dez mandamentos para um. O que é verdade na
materialidade da questão, todavia ao consolidar em um “apenas” ele abarca os dez e toda a
capilaridade que há na extensão e na mente. Ao transmutar todas as essências da vida ao
amor, ele simplifica a linguagem, porém capilariza toda a existência. Cada homem não deve
mais “apenas” obedecer a deveres, mas sim analisar toda a existência, seu “eu”, como é
afetado como objeto e definir se aquilo é realmente bom ou mal. Aqui temos uma nova moral
cristã – um novo equilíbrio entre a moral e a liberdade do homem – fundada por Jesus, e não
a posteriori pela instituição Igreja, que por sua vez, criará outra moral.

Outro ponto essencial é a convergência entre a qualidade da vida em Jesus e em Nietzsche.


Em João 10:10, Jesus diz: "eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." Esta
palavra "abundante" no grego é perisson, que significa muito, muito bem, além da medida,
mais, uma quantidade tão abundante que chega a ser mais do que era de se esperar ou
antecipar. Talvez tenhamos aqui um ponto de contato real entre a filosofia da intensidade
Nietzscheana e os dizeres de Jesus. Sendo assim, Jesus internaliza a moral dentro de cada
homem e exige a relação de amor com o objeto externo – criando assim uma moral mais
precisa e que percorre toda a existência em busca de uma vida intensa e bem vívida.

Na visão cristã, por Mateus, para que nos superemos, devemos amar. Aqui a doutrina do amor
cristão não nos torna fracos – como Nietzsche afirma, muito pelo contrário, torna-nos uno
através da moral particular que perfaz o todo. A diferença nítida da divergência é a estrutura
metafísica essencial das forças. Para o cristianismo, todas as forças derivam de uma única
substância trazendo o conceito monista presente em Descartes, por exemplo. Enquanto na
perspectiva contrária e nietzscheana, temos um caos de forças de vontade de poder
coexistindo, colidindo e tentando enfurecidamente se ampliar na realidade efetiva do palco
da vida. Pela visão metafísica cristã, através de Santo Agostinho e outros pensadores
medievais, o mal é apenas a ausência do bem, portanto temos apenas uma única força real.
A outra não é uma força, mas sim a ausência de força que nos impele a pensar que seja uma
força, porém é apenas o não-ser. E por isso o amor cristão – como força da realidade – é
responsável por ajustar o coeficiente angular da liberdade e linear da moral para a
constituição do melhor mundo possível. Não pela moral como lei normativa ou de tradição
pela tradição, mas como gesto de superação do homem. Ou seja, não pela forma, mas pelo
conteúdo do conceito. Aqui o homem será livre realmente – seja em potência, seja em ato.

Jesus era judeu, e por isso seguia a moral judaica, embora não demonstrasse a obediência
cega ao código. Motivo pelo qual foi perseguido pelos fariseus. Portanto, em alguns
momentos a moral divina conflitava com a moral imposta pelos fariseus. A instância que surge
é a abolição do sábado. Conforme a tradição religiosa, o sábado foi criado, ou melhor,
classificado por Deus em gênesis. No processo de criação temos a manifestação física e
metafísica da criação do homem pelo pó e sopro de vida divino. Ao longo da história bíblica,
Moisés estabelece o código moral a ser seguido conforme o pentateuco. E daí temos que a
doutrina do sábado que tem como pedagogia ensinar ao homem que ele deve ter descanso –
assim como seu criador também descansou ao acabar sua obra da criação do mundo. Além
disso, o sábado tinha natureza filosófica além da teológica. O sábado tinha como valor
intrínseco o descanso, não apenas na forma de negação do cansaço ou restauração do corpo,
mas também a natureza contemplativa filosófica. Portanto, um dia de não-ação existencial,
mas de ação essencial. Quando Jesus nasce, ele é inserido na cultura judaica, e em claro, sua
moral, costumes e preceitos. Os fariseus acusam Jesus de quebrar essa lei e afirmam que é
errado realizar qualquer tipo de trabalho aos sábados. Jesus esclarece sabiamente afirmando
que o sábado, isto é, o tempo, a existência, foram feitos para o homem. Ou seja, o sábado foi
feito por causa do homem, não o contrário. Isto é, o homem é senhor, não escravo do sábado.
Aqui, Jesus nos liberta da moral formal que nos obriga a seguir por seguir. Ele aqui, esclarece
que toda a existência foi assim decidida como palco do homem, para que o homem possa usar
de suas potências, que possa criar ao viver, que possa mudar as relações de causa-efeito de
sua própria existência através da liberdade que advém de uma moral divina melhor
compreendida. Para quem analisa a hermenêutica sabiamente, percebe que a intenção de
Jesus não é destruir a moral judaica e inaugurar algo novo do zero, mas sim esclarecer o que
realmente importa dentro da moral existente em seu tempo. A partir desse novo pensar, hoje
muitos cristãos gozam de uma certa liberdade, pois através dessa história foram capazes de
perceber que ao “abolir” o sábado, Jesus nos fornece liberdade para expandir nossa moral. O
essencial aqui não é que o homem siga a regra pela obediência, mas que se apodere do
conceito da essência da regra, conheça o seu criador e o porquê da regra, para assim sendo,
se tornar um ser autônomo. Antes a moral religiosa obrigava um dia para o descanso. Hoje,
após Jesus, o homem, que segue Jesus, deve compreender na essência que o homem deve
estar na realidade do ato, mas também deve regressar à sua realidade contemplativa. Aqui
teologia e filosofia se misturam, assim como Jesus e Nietzsche no que toca a apreensão da
vida intensa. Curioso notar que a religião é uma criança da história. A religião evolui em
conjunto com a sociedade. Quando somos crianças, nossos pais apenas nos dizem o que fazer
e o que não fazer. Eles não se utilizam de meios eruditos ou cadência de idéias para
demonstrar que o que deve ser feito seja feito. Atuamos numa certa camada autoritária aqui.
E por que nos submetemos? Obediência cega? Falta de sabedoria ou conhecimento? Não. A
submissão vem pelo amor. As crianças obedecem porque desde a mais tenra idade percebem
que seus pais não querem seu mal, logo, tudo que eles pedem é para o seu bem. Isso as
permite viver uma vida intensa na medida que confiam na autoridade dos seus pais para os
proteger – não uma autoridade sádica, mas uma responsável e amorosa. Conforme a criança
cresce, seu intelecto amadurece e ela pode estabelecer relações de causa e efeito, e por si só,
já é capaz de prever consequências. Deste momento em diante, as crianças criarão sua própria
moral, sua própria consciência a partir da práxis e da reflexão desta práxis. De maneira
análoga, a religião também passa por esse processo. A maioria das pessoas tende a ver a
religião como um sistema fechado, porém ela é aberta e fluí conforme seus entes se
transformam. E estes se transformam movidos pela ampliação de suas vontades intrínsecas.
Talvez isso não seja uma premissa das instituições religiosas como corpo, mas com certeza é
encontrado nas pessoas religiosas que podem ou não pertencer a uma instituição religiosa.
Em Jesus, somos convidados a co-criar. Sem Jesus como doutrina, somos realmente apenas
corpos que executam uma forma sem pensar em qualquer conteúdo. Talvez aqui que esteja a
real crítica de Nietzsche ao cristianismo.

CONCLUSÃO

Portanto, conclui-se que os termos principais aqui presentes nesse ensaio expositivo (moral e
liberdade) são variáveis de uma equação humana em que as sociedades e seus respectivos
funcionamentos dependem da relação moral-liberdade, que por sua vez, as governará a priori.
A ordem do que é a priori e do que é a posteriori influenciará toda a realidade social. Quando
planificamos uma realidade em que a moral é máxima e a liberdade é mínima, teremos uma
sociedade A. Se o regime for oposto, teremos uma sociedade B. E por fim, se for algo mais
equilibrado, teremos uma sociedade C. O que for decidido como vetor primário norteará a
sociedade, enquanto o freio será a força que a repele.

Nietzsche entrega à mesa do pensamento que o mundo é um conflito de forças de vontades


de poder. Mas e se essas forças fossem mais organizadas do que na concepção Nietzscheana?
E se as forças de potência (vontade de poder) que cada particular possui fossem instâncias
contidas nas duas únicas forças que a realidade verdadeiramente possui – ditas aqui como
aceleradoras e de aceleração negativa? Talvez todas as micro forças particulares sejam apenas
elementos de extensão de forças maiores. Talvez o que esteja no homem não esteja só no
homem, mas tem sua origem e destino no seu exterior. As forças maiores, ao fim desse ensaio,
seriam a moral e a liberdade. A liberdade é a força aceleradora, enquanto a moral representa
a força da aceleração negativa. A moral, como força negativa, retém o homem à conformidade
da obediência incondicional. A liberdade como força aceleradora impulsiona e expande o
homem, fazendo-o questionar e refletir para o acréscimo de sua própria consciência. Até aqui
essas forças são instâncias de movimento do Ser do homem, seja esse movimento negativo
ou positivo. O palco do homem está no elementar do controle dessas forças a fim de definir
quais serão as suas intensidades e suas presenças, e fundamentalmente, qual será o tipo
homem que teceremos ao conjunto social. Os modelos de moral altíssima já foram testados.
Geram seres humanos que não dão conta de serem tanto quanto podem. O modelo sem moral
gera genocídio. Os modelos mais exigentes são o nietzscheano e o de Jesus. São promissores
na essência do conceito, todavia se o homem não possuir intelecto e intencionalidade
suficientemente para entregar o melhor possível, então teremos uma sociedade sem vida, isto
é, da maneira mais medíocre – e é justamente isso que tanto Jesus quanto Nietzsche mais
abominavam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Primárias:

NIETZSCHE, F. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009.

______. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. Trad. Mário Ferreira dos Santos.
Petrópolis: Vozes, 2012a.

______. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Secundárias:

BIALAS and FRITZE, Wolfgang and Lothar, Nazi Ideology and Ethics. Cambridge Scholars Publishing,
2014. https://www.cambridgescholars.com/resources/pdfs/978-1-4438-5422-1-sample.pdf. Acesso
em 02 de novembro de 2023.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992

CHALITA, Gabriel; Os dez mandamentos da ética. 2. Ed. Rio de Janeiro – Editora Novas Fronteiras, 2003

DE LA BOÉTIE, Étienne. Discurso sobre a servidão voluntária.


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2014171/mod_resource/content/1/Servidao_voluntaria_B
oetie.pdf. Acesso em 02 de novembro de 2023.

GOEBBELS, J. The Goebbels Diary. Garden City, New Yotk, Estados Unidos da América, 1970.

HITLER, A. Mein Kampf. Lisboa, Lx, Portugal: Guerra / Paz, 2016.

KOONZ, Claudia. “Ethical Dilemmas and Nazi Eugenics: Single-Issue Dissent in Religious Contexts.”
The Journal of Modern History, vol. 64, 1992, pp. S8–31. JSTOR,
http://www.jstor.org/stable/2124966. Acesso em 12 de novembro de 2023.

MARSÁLEK, Hans. Die Geschichte des Konzentrationslagers Mauthausen", Edition Mauthausen,


Mauthausen Komitee, 2016, p. 174

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. tradução de João Dell’Anna. 28. ed. Rio de Janeiro: 2006

Você também pode gostar