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O Poder Judiciário por muito tempo foi o guardião da Lei e da Constituição.

A sociedade brasileira
contemporânea reclama cada vez mais por uma busca de mecanismos e iniciativas que propiciem
uma maior efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, uma vez que
estes não estão sendo cumpridos por diversos setores da sociedade brasileira. Diante desse
quadro, surge o fenômeno do ativismo judicial como uma resposta à inércia das demais esferas
de poder do Estado. 

O ativismo judicial surgiu impregnado das melhores das intenções, com a finalidade de atribuir
maiores liberdades aos juízes para atuarem no sentido de se fazer com que os outros poderes,
executivo e legislativo cumpram as suas funções em conformidade com as disposições
constitucionais. Ativismo judicial que pode ser conceituado como a maneira mais intensa do
Judiciário aplicar os preceitos constitucionais na concretização dos valores e fins constitucionais
com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes.

É o que acontece, por exemplo, quando a administração não proporciona creches para as
crianças filhas de trabalhadoras, não mantém escolas em número suficiente para atender as
crianças e adolescente, omite em oferecer medicamento e tratamento médico aos necessitados,
entre outros. Neste ponto o ativismo judicial é utilizado para o bem da população e está em
perfeita consonância com os mandamentos constitucionais. Porém não se pode confundir
ativismo, com ditadura ou tirania.

A palavra ditadura muito se aproxima de outra representativa do verbo tirar, às vezes chamada de
tirania. Tirania vem de tirar, mas, tirar sem amparo na norma legal o que representa uma atitude
antidemocrática. No mundo jurídico pode ser considerada a forma de desrespeitar e prejudicar os
direitos de alguém ou a forma com que se tira os direitos dos outros de forma arbitrária.

Há quem defenda que o ativismo judicial é jurídica e socialmente justificável em razão da inércia
e/ou da atuação insuficiente dos demais poderes. E há quem admita que tal fenômeno se revela
como uma resposta dada pelos órgãos jurisdicionais ao momento político atual da sociedade
brasileira.

Sustenta-se, também, que há uma crise de identidade que está afetando, inclusive, os partidos
políticos diante dos constantes e suspeitos acordos políticos entre Executivo e Legislativo. Isso
também acontece com a representatividade popular, pois há um crescente afastamento entre a
classe política e a sociedade em geral.
A liberdade de expressão e a liberdade alcançada pela imprensa nas últimas décadas vem
divulgando com frequência diversos escândalos, envolvendo a classe política.

DITADURA DO JUDICIÁRIO

Autor:
SOUZA, Gelson Amaro de

RESUMO: Com este estudo procura-se fazer uma abordagem sobre a função social do processo e o comportamento
das autoridades judiciárias que presidem o procedimento. Sabe-se que o processo sempre foi um mal necessário e
que existe para solucionar o conflito de interesses (lide) dentro dos limites da lei e do direito objetivo em geral. Sabe-
se que durante muito tempo o Poder Judiciário foi o detentor do monopólio da jurisdição, porque se entendia que
somente este órgão poderia manter-se imparcial, dirigindo o procedimento e solucionando a lide sem prejudicar as
partes. Esse monopólio só recentemente foi afastado com a edição da Lei nº 9.307/96, que autorizou a arbitragem.
Neste passo, o Poder Judiciário por muito tempo foi o guardião da Lei e da Constituição, tudo fazendo para
solucionar a lide de forma justa e, com isso, obter a paz social. Todavia, se no passado era assim que acontecia, no
presente a situação mudou e, mudou-se, para pior, nem sempre a condução do processo se dá de forma imparcial e
a CF e as leis não são respeitadas, exatamente, por quem tem a responsabilidade maior em respeitá-las. O que se vê
em muitos casos é verdadeira tirania, excesso de vaidade e muita arbitrariedade contra os direitos fundamentais dos
cidadãos. Não se pretende fazer apenas uma crítica, pretende-se, denunciar o caso, visando o aprimoramento do
Judiciário para melhor cumprir a sua função, sem violar direitos fundamentais dos jurisdicionados. O Poder Judiciário
e o direito são excelentes, o que às vezes deixam de ser são os atos arbitrários e tirânicos de alguns juízes
isoladamente.

PALAVRAS-CHAVE: Processo. Ditadura. Arbitrariedade e Abuso de Direito.

Introdução

Nos chamados países democráticos, as formas de governo variam, mas, sempre pautadas na trilogia dos poderes,
que são os poderes, legislativo, executivo e judiciário. A Constituição da República do Brasil em seu art. 2º afirma que
são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A intenção do
constituinte foi muito boa, mas nem sempre esta se torna realidade. A grande verdade é que não existe a
independência e nem a harmonia desejada. A independência mesmo, quem a tem é apenas o Judiciário, porque faz e
desfaz como bem entende, enquanto os outros Poderes ficam sempre sujeitos à intervenção do judiciário, para
desfazer seus atos quando entender ser caso de inconstitucionalidade ou de nulidade. O Judiciário pode desfazer
atos dos outros poderes e estes não podem desfazer os atos do Judiciário. Assim, não há verdadeira independência.

Existem casos em que a própria CR autoriza a sobreposição do Poder Judiciário para julgar os atos dos outros
poderes e anulá-los ou retirar deles a eficácia, conforme o caso. Todavia, casos existem difusamente espraiados pelo
País a fora, em que membros do Poder Judiciário de forma isolada e arbitrária, desrespeitam as leis e a CR, agindo
fora e sem autorização desta. Pior ainda, quando esta indica um comportamento a ser seguido, mas, o juiz segue
outro contrariamente aos ditames legais e constitucionais, em demonstração de força, arbitrariedade, na mais
odiosa forma de tirania. Nesse sentido Rosa Maria Andrade Nery, utilizou-se da expressão "Ditadura do Judiciário" e
acabou por afirmar o que segue: "A ditadura se exerce por um poder ilimitado, que não se sujeita à lei(1).

Sabe-se que o processo sempre foi um mal necessário e que existe para solucionar o conflito de interesses (lide)
dentro dos limites da lei e do direito objetivo em geral. Sabe-se que durante muito tempo o Poder Judiciário foi o
detentor do monopólio da jurisdição, porque se entendia que somente este órgão poderia manter-se imparcial,
dirigindo o procedimento e solucionando a lide sem prejudicar as partes. Esse monopólio só recentemente foi
afastado com a edição da Lei nº 9.307/96, que autorizou a arbitragem.

Neste passo, o Poder Judiciário por muito tempo foi o guardião da Lei e da Constituição, tudo fazendo para
solucionar a lide forma justa e, com isso, obter a paz social. Todavia, se no passado era assim que acontecia, no
presente a situação mudou e, mudou-se para pior, nem sempre a condução do processo se dá de forma imparcial e a
CF e as leis são respeitadas, exatamente, por quem tem a responsabilidade maior e respeitá-las. O que se vê em
muitos casos é verdadeira tirania, excesso de vaidade e muita arbitrariedade contra os direitos fundamentais dos
cidadãos. Não se pretende fazer apenas uma crítica, pretende-se, denunciar esta ocorrência, visando o
aprimoramento do Judiciário para melhor cumprir a sua função sem violar os direitos fundamentais dos
jurisdicionados.

1 Conceito de Ditadura

A palavra ditadura muito se aproxima de outra representativa do verbo tirar, às vezes chamada de tirania. Tirania
vem de tirar, mas, tirar sem amparo na norma legal o que representa uma atitude antidemocrática. No mundo
jurídico pode ser considerada a forma de desrespeitar e prejudicar os direitos de alguém ou a forma com que se tira
os direitos dos outros de forma arbitrária.

No dicionário jurídico encontra-se a seguinte explicação: "DITADURA. Denominação dada ao governo que é exercido
por um ditador. Governo discricionário. A ditadura é regime contrário à verdadeira democracia". (De Plácido e Silva,
Vocabulário Jurídico, v. I, p. 106-7, RJ: Forense, 7. ed., 1.982). Este mesmo autor esclarece que ditador é aquele que
dita, manda, ordena, era a denominação de que se dava, na antiga Roma, ao magistrado que, nos momentos de
perigo, era escolhido para dirigir os negócios públicos idem, p. 106.

Na linha da história, pode-se, dizer que a ditadura do judiciário vem desde os tempos mais remotos da antiga Roma
e, se configura quando seus membros de forma isolada ou agrupada se afastam dos ditames constitucionais e legais,
agindo de mão própria de forma arbitrária contrariando sagrados direitos fundamentais, constitucionais e legais(2).
Quando se prefere atender mais à vontade e á vaidade pessoal para demonstrar autoridade e poder, agindo
arbitrariamente(3), do que respeitar as leis e aos direitos constitucionais, desrespeitando até mesmo os direitos
fundamentais e humanitários assegurados constitucionalmente até mesmo por cláusulas pétreas, contrariando a lei
da lógica e da natureza, como bem expôs Oliveira(4).

2 Atividade Judicial

Surgiu nos últimos tempos a expressão ativismo judicial impregnada das melhores das intenções, com a finalidade de
atribuir maiores liberdades aos juízes para atuarem no sentido de se fazer com que os outros poderes, executivo e
legislativo cumpram as suas funções em conformidade com as disposições constitucionais. Felizmente, neste sentido,
o Poder Judiciário tem atuado com presteza e procurado atender aos direitos fundamentais do cidadão, impondo
obrigação de fazer aos órgãos responsáveis pela omissão. É o que acontece, por exemplo, quando a administração
não proporciona creches para as crianças filhas de trabalhadoras, não mantém escolas em número suficiente para
atender as crianças e adolescente, omite em oferecer medicamento e tratamento médico aos necessitados, entre
outros. Neste ponto o ativismo judicial é utilizado para o bem da população e está em perfeita consonância com os
mandamentos constitucionais. No entanto, não se pode confundir ativismo, com ditadura ou tirania(5).

Mas, se de um lado, o ativismo judicial é benévolo e atua de acordo a exigência dos direitos fundamentais
merecendo aplausos e louvor, de outro, pode se tornar prejudicial aos jurisdicionados(6), quando a atuação é
contrária aos mandamentos constitucionais e em desrespeito aos direitos fundamentais, o que deve ser evitado(7),
que levou Oliveira(8), a chamar de sentença arbitrária.

A CR dispôs sobre vários direitos para o cidadão e prometeu garantia aos direitos fundamentais, impondo em relação
a estes e para a sua garantia, as chamadas cláusulas pétreas. Estas cláusulas pétreas foram instituídas no sentido de
dar garantia aos direitos fundamentais e evitar a sua supressão por normas futuras, implicando isto em impedir que
o legislador e, até mesmo, eventual constituinte reformista pudesse suprimir tais direitos. Se assim é, não podendo o
legislador e, até mesmo o constituinte reformista suprimir tais direitos por normas futuras, com maior e mais razão
estes direitos fundamentais, não podem ser suprimidos pelo ativismo judicial(9).

A atividade judicial ao suprimir direitos fundamentais em prejuízo do jurisdicionado, está contrariando a CR(10). Não
se conhece estatística alguma, mas pelo que se apresenta notório, é possível imaginar que o poder que mais viola a
CR é o Poder Judiciário(11).

Basta lembrar alguns poucos exemplos e, logo, é possível chegar a esta conclusão. Quem por anos e anos
determinou a prisão de depositário judicial sem lei que cominasse pena, configurando prisão sem lei em afronta ao
art. 5º XXXIX, da CF?(12) Quem sempre determinou a retenção de dinheiro de incapaz sem o devido processo legal
(sem lei expressa nesse sentido), em afronta ao art. 5º, LIV, da CF? Quem cerceia defesa em processo ou
procedimento, negando o contraditório e a ampla defesa, em afronta o art. 5º, LV, da CF? Quem determina o
bloqueio de conta salário em afronta o art. 7º, X, da CF? Quem determina a penhora de bem de família em afronta
ao direito de moradia previsto no art. 6º da CF? Quem determina a constrição de bem de terceiro, privando este de
seu bem, por simples alegação de fraude à execução sem o devido procedimento legal em afronta ao art. 5º LIV, da
CF? Quem determina a penhora de bens impenhoráveis, tais como salário, vencimentos, proventos de
aposentadoria, pensão, bem de família, instrumentos de trabalhos, em afronta ao art. 649, do CPC e contrariamente
ao princípio da dignidade humana assegurado pela CR? Apenas estes poucos exemplos já dão a extensão das
inconstitucionalidades praticadas a autorizar a afirmativa acima(13).

Em recente entrevista concedida à Revista Veja, Antonio Cláudio da Costa Machado, professor USP/SP, em dizer que
se o novo Código de Processo for aprovado, cada juiz aplicará a lei a seu modo e ninguém poderá recorrer a tempo
de evitar um equívoco. Diz ainda não ver vantagem em ter um Judiciário mais rápido se ele é mais propenso a
cometer injustiças(14).

3 Direitos Humanos e Processo

Fala-se muito na constitucionalização do direito, no sentido de que este, em qualquer de seus ramos, deve sempre
obedecer e respeitar a CR. Assim, qualquer norma infraconstitucional que contrariar a CR deve ser rechaçada.

No campo do Direito Constitucional é notável a existência de esforços do legislador na busca de evolução em prol da
defesa dos direitos humanos em geral e, que aos poucos, vai reformulando as suas legislações sobre o ponto de vista
processual ou até mesmo procedimental, visando facilitar o acesso ao judiciário e o incremento de providências
visando a efetivação da justiça(15). Tem-se, ainda, criado e procurado incentivar os meios de atuação alternativa de
solução de conflitos de forma mais ágil e menos onerosa para os jurisdicionados, como a nova lei de arbitragem, os
juizados especiais, as câmaras de intermediação, juizados de conciliação etc.

A tutela antecipada surgiu como novidade no sistema quando da primeira etapa da reforma do CPC, veio como uma
luva para por fim ao sofrimento de muitos que passaram, a se utilizar o bem da vida em disputa antes mesmo da
sentença ao final. As ações coletivas é outra criação genial, que permite em um só processo a decisão de questões de
interesse de muitos, evitando maiores delongas e maiores custos, além de afastar as infindáveis dificuldades que tem
o particular na propositura e condução do processo individual e até mesmo o desconforto de se deparar com
julgamentos contraditórios. É no processo civil, ao que se pensa, onde se concentram os maiores esforços para a
efetivação dos direitos humanos. O recente Código do Consumidor, misto de norma de natureza material e
processual, abrindo espaço para a inversão do ônus da prova e a fixação da competência no domicílio do mais fraco,
o consumidor. Recentemente promulgou-se o estatuto do idoso, que consagra a prioridade na tramitação dos
processos de interesse pessoa maior de sessenta anos.

O processo é vocacionado para a proteção dos direitos humanos e, assim deve ser entendido e aplicado. Pena que
ainda existem alguns poucos que fazem do processo uma arma contra os direitos humanos, violando a CR, atuando
na contramão de direção do direito atual e das garantias fundamentais do cidadão(16).

4 Alguns Costumes que Violam a Constituição da República

A par da utilização de várias medidas processuais em atendimento aos direitos, lamentavelmente, ainda existem
alguns costumes que não condizem com a proteção dos direitos humanos, ao contrário, até atentam contra estes. A
prisão do depositário judicial sem lei que a determinasse o que acontecia até pouco tempo no Brasil; a declaração de
fraude à execução sem processo e procedimento próprio e sem se atender ao devido procedimento legal; a privação
dos direitos de incapazes, com a retenção de dinheiro a eles pertencente para ficar em depósito judicial, sem lei que
o autorize; a barreira disfarçada para impedir o envio de recurso à instância superior; a penhora de salário; provento
de aposentadoria ou pensão, entre outros. Tudo isso é realizado, tendo em vista costume do passado, mas sem lei
que o autorize, na mais clara afronta à CR e, por estranho que pareça, é realizado pelo Judiciário. Logo quem deveria
ser o guardião da CR e o primeiro a zelar pelos princípios de direito.

4.1 A Abusiva Declaração de Fraude de Execução sem o Devido Procedimento Legal

O procedimento a ser seguido para o reconhecimento e a declaração da fraude à execução tem sido um grande
desafio aos aplicadores da lei. Sabe-se que o sistema processual não reservou espaço para um procedimento especial
de declaração de fraude de execução, como o fez para o caso da inclusão como legitimados à execução do espólio ou
dos sucessores do executado falecido. Se assim não o fez o legislador, não pode fazê-lo o aplicador da lei, ante a
ausência de norma expressa (art. 271, do CPC).

O velho e superado costume de se decidir pela fraude de execução, sem prova e por mera presunção, é coisa do
passado e, ante a notória e a flagrante injuridicidade e inconstitucionalidade deste procedimento costumeiro, ele
deve ser extirpado do nosso mundo jurídico. Nesse sentido, reconhecendo a necessidade de um procedimento
previsto em lei para a privação de bens já se manifestou a eminente magistrada Rosângela Maria TELLES, que em
brilhante trabalho doutrinário assim se expressou: "O inciso LIV consagra que "ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal". Com isso, o processo deve ser adredemente previsto no ordenamento
jurídico".(17)

Se no passado a penhora de bem do terceiro adquirente sem processo e procedimento próprio com a defesa do
adquirente era considerada normal, hoje já não pode mais ser aceita. Se no sistema jurídico passado isso era
aceitável, deixou de sê-lo a partir do novo sistema constitucional instituído com a CF/88. Com a CF atual afastou-se
qualquer dúvida a respeito da necessidade de um devido procedimento legal para o reconhecimento de fraude à
execução(18) e a realização da penhora do bem de terceiro. Em se reconhecendo a penhora como figura constritiva
e, por isso, privativa de bem ou direito, impõe-se por exigência constitucional que isso somente se dê mediante o
devido procedimento legal (art. 5º LIV da CF). A penhora neste caso sem o devido procedimento legal é
inconstitucional, cuja inconstitucionalidade é praticada pelo Judiciário. Nesse sentido é a brilhante e acertada
advertência de Tesheiner (2000), quando assim expôs: "O art. 5º, LIV, da CF estabelece que ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Esse "processo" a que se refere a Constituição, é processo
jurisdicional, que supõe ação, juiz e réu. Não se admite, pois, que alguém seja privado da liberdade ou de bens de
seu patrimônio, por atos administrativos e, menos ainda, por atos de "justiça de mão própria".(19)
Vale citar e transcrever aqui, as palavras de Erpen, em relação ao assunto, quando disse: "Para evitar cometimento
de injustiças, penalizando inocentes, reitero que nosso sistema jurídico se arrima no princípio da boa-fé".(20)

A boa-fé do adquirente deve ser sempre presumida e a má-fé deve ser sempre provada. Isso é princípio elementar
de direito; não pode ser desconhecido de ninguém, muito menos ainda de um julgador. A declaração de fraude de
execução atinge terceira pessoa que não participa do processo de execução e, por isso, exige melhor atenção à
norma Constitucional (art. 5º, LIV e LV) e, por via de consequência, ser-lhe-á assegurada a ampla defesa, o
contraditório e o devido procedimento legal em toda a sua extensão como manda a Constituição da República(21).

O respeito ao devido procedimento legal não pode faltar em processo e procedimento algum, assim também deverá
ser em relação ao procedimento para conhecer, reconhecer a existência de fraude de execução e declarar a
ineficácia da alienação feita em fraude.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LIV, afirma de forma peremptória que: "ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal". Bem de ver que a Carta Maior não abre exceção e nem permite exclusão.
Ela diz "ninguém" será privado de seus bens sem o devido processo legal. Se a CF diz "ninguém" é porque não
permite exceção e todos ficam ao abrigo do devido processo legal. Assim também deve estar o adquirente da coisa,
cuja aquisição está sendo acoimada de fraudadora da execução. Que a penhora sobre o bem do terceiro adquirente
provoca-lhe restrição de direitos e de seu bem propriamente dito, não pode haver dúvida.

É de se lembrar que dentre as regras inovadoras da atual Constituição está a contida no art. 5º, LIV, dispondo que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Nesse sentido aparece a lição de
Teixeira, para quem o princípio constitucionalmente contemplado significa a síntese de três cânones fundamentais
do processo: o do Juiz natural, o do contraditório e o do procedimento regular. Esclarecendo que este último
corresponde à observância das normas e da sistemática previamente estabelecida como garantia das partes no
processo(22).

O terceiro adquirente deve ter direito e deve ter acesso ao devido procedimento legal, com direito ao contraditório e
a ampla defesa e somente depois é que deve o juiz pronunciar sobre a eventual existência de fraude à execução com
a declaração de ineficácia do negócio jurídico, e a partir daí, é que seu bem poderá sofrer a constrição pela penhora.

Permitir-se a constrição do bem de terceiro, antes de oportunizar, ao adquirente da coisa, o procedimento legal com
o contraditório e a ampla defesa, é, sem qualquer sombra de dúvida, violar o princípio constitucional do devido
procedimento legal. Interessante nesse sentido foi a observação do ínclito magistrado Joaquim Molitor, que com
muita lucidez assim se exprimiu:"Outrossim, o direito de defesa não se exerce apenas no momento da resposta, com
o oferecimento da contestação, ou se for o caso, exceção ou reconvenção, mas se amplia por todas as etapas
procedimentais, constituindo cerceamento de defesa, com violação da garantia constitucional, qualquer restrição
aos meios de prova, ou decisões não antecedidas de contraditório(23).

Decidir pela fraude de execução, em simples incidente, dentro do processo de execução, onde se ouve apenas o
credor, como vem acontecendo, é prática que não deve ser estimulada(24). Não é o direito do credor à satisfação do
crédito que poderá ilidir outros direitos maiores como as garantias fundamentais e constitucionais do direito ao
tratamento igualitário, do devido procedimento legal, da ampla defesa e do contraditório, que devem ser
assegurados ao adquirente, até mesmo porque se cuida de garantia maior prevista na CF. O direito de defesa é o
mais sagrado e importante direito conhecido e existente entre os povos, neste passo vale a pena anotar a
advertência de Couture (1951), para quem, "nunca haverá justiça se, havendo duas partes, apenas se ouvir a voz de
uma"(25).

O credor tem um direito infraconstitucional de crédito, mas o terceiro adquirente tem pelo menos o direito
constitucional de defesa, contraditório e devido processo legal. É princípio geral de direito que no confronto entre o
direito garantido constitucionalmente e outro direito em sentido contrário, garantido por norma infraconstitucional,
deve prevalecer o primeiro. É de saber notório e elementar que sempre haverá de prevalecer a CF frente à legislação
infraconstitucional. Seguindo esses parâmetros, é de se convencer de que antes da declaração da fraude de
execução, deve assegurar-se o devido procedimento legal, tanto ao executado (alienante), quanto ao terceiro
adquirente, sendo que este, na grande maioria das vezes, o faz na mais expressiva inocência e boa-fé. Fora isso, o
que se vê é arbitrariedade, é inconstitucionalidade e ausência de um estado de direito. Uma tirania. Um sistema
jurídico evoluído e um estado de direito que se presa não pode permitir que alguém sofra restrição ou constrição de
seu bem sem o devido processo legal. A CF em sua função altaneira e com os mais lídimos propósitos de se
estabelecer no País, um verdadeiro estado de direito, preocupou-se em estabelecer a exigência de um devido
procedimento legal anterior, com ampla defesa e contraditório, para somente depois alguém poder sofrer constrição
em seus bens ou seus direitos, conforme clara e expressamente é a normatização do art. 5º, LIV e LV da CF.

O jurista do seu tempo, no entanto, deve viver com sua época, se não quiser que esta viva sem ele.(26) Por isso é
que a doutrina e a jurisprudência mais moderna proclamam a necessidade antes do devido procedimento legal,
ampla defesa e o contraditório para somente depois e por sentença em ação própria reconhecer-se a fraude de
execução(27).

O homem do seu tempo não deve curvar-se às doutrinas convencionais ou à jurisprudência subserviente, mas
revestir-se da coragem de se preferir "ser justo, parecendo injusto, do que injusto para salvar as aparências
(Calamandrei), mesmo que tenha que divergir do entendimento predominante, procedendo como bonus iudex, ou
seja, aquele que adapta as normas às exigências da vida".(28)

É de lembrar ainda a advertência de Canotilho (1997) lavrada nos seguintes termos: "Seria, porém, científica e
pedagogicamente redutor ensinar apenas o direito positivo sem fornecer algumas propostas quanto aos modos de
interpretar e aplicar as normas de uma lei fundamental. Quem quiser ser um verdadeiro jurista não pode
desconhecer a metódica constitucional. O último patamar do saber é fornecido pela teoria da constituição (...)"(29).

Em nome dos direitos humanos fica, pois, este brado como alerta, o direito começa pela Constituição e somente
poderá ser considerada perfeita a interpretação que parte dessa norma maior e que a respeite e a adote. A CF é a
base e ao mesmo tempo o ponto de partida para qualquer interpretação. A interpretação qualquer que seja, deve
tomar como ponto de partida a Constituição da República. Ninguém poderá se dar ao luxo de se dizer intérprete ou
jurista, sem seguir as normas constitucionais. Mal conhece o direito, quem mal conhece a Constituição(30).

4.2 A Histórica Prisão Civil do Depositário Judicial sem Lei

Durante muito tempo o Judiciário brasileiro decidiu pela prisão do depositário judicial sem a existência de lei que
cominasse tal pena (art. 5º, XXXIX, da CF), na mais ilustrativa violação da constituição.(31)

Nunca houve no sistema jurídico brasileiro norma alguma a contemplar a prisão do depositário judicial, que é uma
espécie de prisão administrativa. Entre o depositário judicial e o juiz existe uma relação de subordinação hierárquica,
no dizer de Theodoro Júnior(32). Ora, se o que existe é uma relação de hierarquia entre o juiz e o depositário judicial,
afastada está a ideia de contrato onde as partes ficam em igualdade, sem hierarquia. De outra forma, a hierarquia
induz relação jurídica administrativa e se nesta há depósito, este será de natureza administrativa e não se cuida de
relação contratual civil, conforme dispõe o Código Civil.(33) Como este somente regula a relação de depósito civil e
não a administrativa, esta ficou sem regulamentação.

Conforme restou exposto acima, mudando seu pensamento, o mesmo Professor Theodoro Júnior(34) passou a
afirmar que inexiste na regulamentação legal do depósito judicial qualquer dispositivo que regule ou autorize a
prisão civil do depositário judicial. Afirma ainda que a previsão contida na CF é genérica e excepcional, esclarecendo
que conforme o art. 5º, LIV, ninguém poderá ser privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo
legal. No seu descortino avançado, Theodoro Júnior(35) arremata que não seria jamais aberto ao juiz o arbítrio de
ordenar a prisão do depositário judicial, sem a mínima previsão em lei, até porque se a ação de depósito é a única via
processual em que se chega à prisão do depositário judicial, a conclusão forçosa seria a de que inexiste "forma legal"
para decretar-se a prisão do depositário do juízo.

Como o depositário judicial é um auxiliar do juízo e a este está vinculado administrativamente, caso fosse admitida a
prisão civil, esta seria de natureza administrativa. No entanto, a nossa sistemática constitucional atual não permite
mais a prisão administrativa, fora dos casos de prisão militar (art. 5º, LXI, da CF).
Que a prisão de depositário judicial é de natureza administrativa, já foi reconhecida pelo TJSP.(36) Em se tratando de
prisão de natureza administrativa, não está autorizada pela CF (art. 5º, LXI). Observando a questão por outro
enfoque, pode-se dizer que a prisão do depositário infiel somente poderá ocorrer nos casos de depósito típico, em
que a obrigação principal se constitua no próprio depósito e não quando se trata de obrigação principal de dívida
onde o depósito aparece secundariamente. Nesse sentido já foi decido pelo STJ, onde se entendeu que a CR autoriza
a prisão civil por dívida em dois casos, apontando um deles, como a situação de depositário infiel e advertindo que se
devem separar as duas situações de depósito, uma como obrigação principal e outra como obrigação acessória,
afirma que a prisão civil somente é cabível no caso de depósito como obrigação principal, sendo impossível estendê-
la à segunda, ou seja, nos casos de obrigação acessória, onde é impossível a decretação da prisão do depositário(37).

Dois aspectos interessantes merecem ser lembrados:

a) o primeiro deles é o absurdo caso em que o devedor diante da penhora do crédito, na forma do art. 671, I e 672, §
2º do CPC, mesmo alegando que não pagaria porque a dívida estava prescrita, teve a sua prisão decretada. O terceiro
não foi executado, o seu credor é que o foi e houve a penhora apenas do crédito e sem haver qualquer ato de
transferência de coisa para depósito, mesmo porque coisa alguma existia, foi esse terceiro considerado depositário
(art. 672, § 1º do CPC), e por se entender prescrita a dívida deixou de fazer o depósito (art. 672, § 2º do CPC).(38) Um
caso típico de prisão por dívida e não de depósito pela guarda de alguma coisa alheia. Prisão esta fruto de da tirania
do Judiciário.

b) o segundo aspecto que merece muita atenção é a circunstância de que o depositário judicial somente o é, em
razão de alguma dívida que se quer garantir e não em razão de guarda de coisa alheia que se tem de devolver. De
regra, o depositário judicial assume esse encargo não por livre e espontânea vontade, mas por imposição da situação
em que se vê envolvido em alguma execução. O bem depositado é para a garantia de pagamento de dívida ou de
alguma obrigação de entrega de coisa. Se o bem já se encontra sob constrição judicial, a sua disposição pode
configurar fraude à execução (art. 593, do CPC) e a disposição em fraude de execução é considerada ineficaz perante
o credor-exequente (art. 592, do CPC). Ora, se a disposição da coisa é considerada ineficaz (art. 592, do CPC),
podendo o credor prosseguir na execução e buscá-la nas mãos de quem quer que seja, nenhum prejuízo haverá para
esse credor, nesse caso a coisa sai das mãos do depositário, mas não sai do processo, continua como garantia da
execução. A execução prossegue como antes sobre o bem alienado. Logo, não se há de falar em prejuízo e nem em
depositário infiel, menos ainda em prisão do depositário infiel como já se decidiu. A decretação de prisão de
depositário judicial infiel de tão triste história, revela a incidência de inconstitucionalidade praticada pelo Poder
Judiciário. Aliás, assim já foi decidido pelo TJSP, com o entendimento de que tal disposição é inoperante diante do
juízo da execução(39). No mesmo sentido: "Inexiste na regulamentação legal do depósito judicial qualquer
dispositivo que regule ou autorize a prisão civil do depositário"(40). "Decisão que decretou prisão de depositário -
Inadmissibilidade - Inexistência na regulamentação legal do depósito judicial de qualquer dispositivo que regule ou
autorize a prisão civil do depositário - Recurso provido"(41).

Em outros acórdãos da lavra do eminente Des. Sérgio Pitombo, a mesma posição foi adotada, com a seguinte
passagem: "É preciso repetir e mais outra vez: não se cuida de depósito, derivado de contrato; nem de depósito
necessário; todas hipóteses nascentes do CC (arts. 1.265 a 1.281 e 1.282 a 1.287). O depósito, aqui, se rege pelo CPC
(arts. 139; 148 a 150; 666; 672, § 1º 677 e 678; 690, § 1º nº III; 733; 824 e 825; 858 e 859; 919; e 1.145, § 1º). Os
mandamentos processuais não aludem à prisão. Não se aplicam ao depositário de bem penhorado, arrestado ou
sequestrado - por exemplo - os preceitos referentes à ação de depósito (art. 901 a 906, do CPC)"(42). "Necessidade
de interpretação restrita dos preceitos, em razão da excepcionalidade da constrição à liberdade de ir e vir, no
regulamento vigorante. Inexistência de norma infraconstitucional, que especifique e regulamente a imaginada prisão
do depositário judicial"(43).

Também, o TACSP tem prestigiado esse entendimento e assim decidiu: "É inadmissível a prisão civil de devedor que
se recusa a entregar bens dados em garantia de dívida, por não poder ser considerado depositário infiel, uma vez
que, para a caracterização do contrato de depósito é necessário que este tenha como finalidade principal a guarda e
não a garantia de determinado bem"(44).
Este julgado soube bem distinguir o que é depósito para a guarda da coisa alheia e o depósito com a finalidade de
garantia de pagamento. O Objeto do depósito há de ser a coisa, mas na execução, o objeto é o pagamento de dívida.

4.3 Da Restrição (Retenção) Inconstitucional de Dinheiro de Incapaz

Em homenagem aos direitos humanos, a CF, ao tratar dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, dispôs em seu
art. 5º, II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e no inciso
LIV que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Por esta norma
constitucional, fica claro que ninguém está obrigado a deixar o seu dinheiro retido à disposição do juízo e em banco
contra a sua vontade, salvo se houvesse previsão expressa em lei. No entanto, tornou-se costume no Brasil, o
dinheiro de incapaz ficar retido até que complete a maioridade.

Portanto, determinar-se que o dinheiro pertencente ao incapaz seja retido sem lei clara e expressa é ferir
mortalmente a Constituição federal. A retenção de bem de qualquer pessoa somente poderá ocorrer quando
prevista clara e expressamente em lei. Tal medida é restritiva de direito e por isso representa exceção. Toda norma
restritiva de direito e de exceção deve ser expressa, não podendo sofrer interpretação ampliativa e não é possível
interpretação analógica(45).

Além da norma estilizada no art. 5º, II, da CF/88, que não obriga fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei, é
norma protetora do direito fundamental da liberdade e da dignidade humana. A retenção do dinheiro do incapaz
viola os direitos humanos e a CF que em seu art. 5º, LIV, assim dispõe: "LIV - ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal;" (Art. 5º, CF. 1.988)

Desenganadamente, a CF não permite que alguém seja privado de seus bens, sem o devido processo legal. Ora, se
ninguém poderá ser privado de seus bens, como haveria de privar o incapaz, que é o maior necessitado? Ou será que
o incapaz não é pessoa? Estaria ele fora da garantia constitucional? Porque desta privação? Qual a razão do vetusto
costume de reter dinheiro de menor até completar a maioridade? Só porque seria ele incapaz até esta idade? E se
após a maioridade ainda permanecer a incapacidade (ex: deficiente mental), ficará o dinheiro retido eternamente?

São questões que qualquer leigo saberá responder, sem a necessidade de ser bacharel em direito.

a) Ninguém em sã consciência poderá negar ser o menor, o maior necessitado. Nesta faixa etária, não tem emprego
e é indefeso. Retirar dele o dinheiro hoje, na época em que mais precisa é no mínimo atentar contra a vida e a
dignidade humana do incapaz. Hoje é que ele mais precisa deste dinheiro para alimentar-se, vestir-se, medicar-se
etc. Caso passe por esse período, por ser o mais crucial de sua vida, ao atingir a maioridade, talvez, não mais
necessitará do dinheiro, pois já estará em condições de trabalhar e já não será por certo indefeso. Sem levar em
conta de que o dinheiro depositado desaparecerá ou diminuirá seu poder aquisitivo ao longo dos anos pela
desvalorização natural, visto que a atualização bancária para os depositantes em geral é pilhérica e não acompanha a
realidade.

b) Também em sã consciência ninguém poderá negar que o menor incapaz é gente (pessoa). Não é de hoje que se
reconhece direito até mesmo ao nascituro (RT. 625/172 e 587/e 182 e 183). Se até mesmo o nascituro é pessoa e
deve ter seus direitos fundamentais protegidos, porque então haveria de ser diferente para o incapaz? O incapaz é
pessoa e deve ter seus direitos fundamentais respeitados e entre eles, o de não poder sofrer restrição em seus bens,
sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88);

c) Como foi visto, o menor é pessoa e não pode ficar fora da garantia constitucional prevista no art. 5º, LIV, da CF/88.
Impor restrição aos bens dos menores, pelo simples fato de ser incapaz, sem amparo legal e ainda sem o devido
processo legal (no caso, sem processo algum), é violar a norma constitucional, no que tem de mais puro, que são os
princípios da livre administração e disposição dos bens, do devido processo legal, e ainda do direito à alimentação,
educação e saúde;

d) É bem verdade que se tornou costume nos meios forenses a retenção do dinheiro de menor, até que este atinge a
maioridade; Entretanto, até hoje não se conseguiu demonstrar qual a razão desta restrição. Além de não constar de
texto de lei expresso, ainda que constasse seria a lei inconstitucional, pois feriria o art. 5º, LIV, da CF, que não
permite restrição de bens sem o devido processo legal. Na boa intenção de proteger o incapaz, acaba por ferir a sua
dignidade e atentar contra os direitos humanos.

e) Razão nenhuma existe para reter o dinheiro do menor até atingir a maioridade. Até hoje nunca se explicou o
porquê deste obsoleto, incoerente e ultrapassado pensamento. Fosse porque o titular do dinheiro é menor e por isso
é incapaz, seria o mesmo que dizer, que aquele que nunca atinge a capacidade, mesmo após esta idade, ficaria pela
vida inteira privado de seus bens. Em caso assim o banco ficaria eternamente com o dinheiro? E o direito do titular
do dinheiro?

Estas e outras observações servem para demonstrar não só a inconstitucionalidade e ilegalidade da medida, mas,
pior que tudo isto, a imoralidade, eis que retira alimento da boca do incapaz indefeso, para entregar o dinheiro em
depósito a banco, que dele se utilizará, para todo o tipo ágio, sem retribuição equivalente.

Os direitos à privacidade e à administração dos bens familiares são integrantes do grande grupo direitos humanos e
contrariá-los é o mesmo que contrariar também as garantias asseguradas pela Constituição Federal, dos direitos
humanos.

Na doutrina ecoa a voz de Carnelutti(46) ao dizer que a vida do filho é, de regra, também um interesse do pai. Se
assim é, ninguém melhor do que o próprio pai para administrar os bens dos filhos. Na doutrina nacional, Carvalhos
Santos, anota: "Ao pai, para o desenvolvimento das faculdades contidas no instituto do pátrio poder que ele exercita,
concede o Código uma ampla liberdade de ação, estabelecendo que nenhum outro critério deve nortear-lhe a
atividade, como administrador do patrimônio do filho, que não seja aquele da utilidade, do bem-estar deste,
presumindo, por outro lado, que ninguém possa melhor do que o pai, e com mais vantagem, administrar o que
pertence ao menor".(47)

O mesmo Carvalho Santos em outro momento, arremata: "Poderá o pai conservar em seu poder o dinheiro dos filhos
para lhe dar o destino que, na qualidade de administrador, julgar mais proveitoso? Parece-nos que sim. Porque o art.
432 contém uma proibição que só se aplica aos tutores, e, como sustentou o Desembargador Rafael Magalhães, os
pais com relação aos bens dos seus filhos, de que são administradores naturais, isentos da obrigação de prestar
contas, não estão sujeitos à mesma disciplina (voto na Revista Forense, vol. 30, p. 314)".(48)

O TJRJ em momento de inspiração e de alta compreensão do significado dos direitos humanos assim decidiu:
"Pretendida liberação, por parte da genitora, de dinheiro depositado em nome de seus filhos, estando falecido o pai.
O ordenamento jurídico brasileiro não ostenta lacuna a ser suprida quanto à administração dos bens dos filhos
incapazes. Poder-dever de mante-los sob a guarda materna, falecido o pai. Direito ampla e inarredavelmente
assegurado à mãe, eis que ninguém melhor do que ela, à falta do marido, apta administrar o que pertence aos
próprios filhos. O art. 432 do CC contém proibição que somente se dirige e aplica ao tutor, não estando o pai ou a
mãe sob esta disciplina, pelo que contas não têm que prestar. Incidência, igualmente, da regra contida no art. 1º, §
1º, da Lei nº 6.858/80 que autoriza uso de capital depositado em caderneta de poupança no dispêndio necessário à
subsistência e educação do menor. O levantamento pode ser total, pois. Provimento do recurso. (TJ-RJ -Ac. unân. Da
4ª Câm. Civ. Publ. em 20-8-98. ap. 8.804/97). in Bol. Nossos Tribunais, nº. 42/98. ementa 84.977- COAD.

No corpo do acórdão consta a seguinte passagem: "Todavia anota-se que invadir a privacidade das relações
familiares, a pretender caçar provas desse dispêndio e dessa necessidade para subsistência e educação do filho da
apelante é pretender levar o braço da lei aonde ela não pretendeu, e nem o intérprete e seu aplicador podem
chegar".

Também em julgamento nos autos 387/98, que tramitou pela Egrégia Primeira Vara Cível de Presidente Prudente-SP,
em data de 30-10-1998, foi determinada a liberação de dinheiro que se encontrava depositado em juízo e em nome
de menor incapaz.

4.4 Prisão Civil Processual da Parte que não Cumprir Ordem Judicial

Em um estado de direito, ninguém pode ser preso sem lei anterior que expressamente comine pena de prisão. A CR,
em boa hora implantou a garantia constitucional de que ninguém pode ser apenado com prisão sem lei anterior que
defina o fato como passível de prisão e sem lei que comine expressamente essa pena (art. 5º XXXIX). É o princípio da
legalidade que alguns autores preferem chamar de "o devido processo legal material - Substantive due process",
pelo qual ninguém poderá ser punido sem lei anterior que expressamente comine a referida pena. Todavia, no Brasil,
alguns doutrinadores estão apregoando a possibilidade de decretação de prisão civil processual, pela parte que
descumprir ordem ou decisão judicial e alguns magistrados têm expedido mandado com essa advertência. Tal prisão
se apresenta inconstitucional por qualquer ângulo que se queira analisar. Mais ainda, por falta de previsão expressa.

Tem-se exagerado na interpretação do art. 461, par. 5º, que dá poderes ao juiz para determinar medidas necessárias
para alcançar o cumprimento da decisão. Mas o próprio legislador teve a cautela de exemplificar as medidas, "tais
como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de
obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial". É certo que essa relação é
apenas exemplificativa, mas o legislador utilizou-se da palavra "como", para indicar semelhança e somente permitiu
outras medidas que sejam assemelhadas. Não falou em prisão civil e nem esta poderá ser considerada como
assemelhada àquelas indicadas.

A favor da possibilidade de prisão civil processual por descumprimento de decisão ou mandamento judicial,
aparecem autores de nomeada como: Marinoni(49), Lima Gerra(50), Câmara(51), Dotti(52), Vargas(53) e
Arenhart(54). Contrários à possibilidade de prisão nessa hipótese, aparecem outros autores de peso: Baptista da
Silva(55), Theodoro Júnior(56), Talamini(57), Medina,(58) Borges(59), Fadel(60), e Alvim Wambier(61).

Confundir o ato da parte que descumpre decisão ou mandamento judicial com o crime de desobediência, é algo que
não se pode aceitar. Mas ainda assim, o caso não seria cerceamento da liberdade, imediatamente, porque o crime de
desobediência comporta fiança e o agente aguarda o julgamento em liberdade. A prisão civil processual por
descumprimento de julgado é inconstitucional, porque não é autorizada pela CF e mais que isso, por inexistir lei com
essa cominação.

Na jurisprudência já apareceu julgado de primeiro grau impondo tal prisão, mas que a sua inconstitucionalidade foi
reconhecida pelo Tribunal que entendeu incabível a prisão civil processual por descumprimento à ordem judicial.
"Obrigação de fazer. Execução de sentença proferida em ação civil ambiental. Art. 461 do CPC, que autoriza outros
tipos de medida, mas nunca a prisão dos diretores, mormente em tais circunstâncias, sob pena de consubstanciar
nítida e inegável espécie de prisão civil de regra vedada expressamente pela CR (art. 5º, LXVII)"(62). No mesmo
sentido: (63), (64), (65) e (66).

Uma coisa é o descumprimento de ordem de funcionário público, outra bem diferente é o descumprimento de
ordem judicial. O primeiro constitui crime e deve ser tratado na via penal sob a obediência do CPP; no segundo caso,
não há crime algum e deve ser tratado no âmbito da execução do julgado, com a execução forçada.

4.5 Bloqueio e Penhora de Salário, Pensão, Proventos de Trabalho etc.

As nações mais avançadas têm dado ao salário a máxima proteção possível, pois, quem trabalha assalariadamente o
faz por necessidade.

Há hoje, sem dúvida alguma, uma evolução e um caminhar no sentido de ampliar cada vez mais as garantias em
benefício do assalariado. Percebe-se uma clara tendência a um alargamento das garantias mencionadas, ampliando o
seu alcance para que possam também, alcançar outras verbas remuneratórias, oriundas do contrato de trabalho,
além do salário ser visto de forma restritiva.

Não se pode deixar iludir que a proteção ao salário está somente voltada à proteção do trabalhador empregado.
Desde há muito já se reconheceu que a proteção direta do trabalhador implica em proteção indireta da sociedade.
Em verdade, não se pensa em benesses para o empregado, pensa-se em proteção deste diretamente, para
indiretamente proteger-se toda a sociedade, da qual é integrante o próprio trabalhador. Afirma Ercole Filho (2003, p
169), que já alertava Smith que os homens, quando voltados para os seus próprios interesses, são conduzidos por
uma mão invisível, e sem saber e sem pretender, realizam o interesse da sociedade.
É o interesse social quem fala mais alto e, em nome deste, é que se busca proteger o salário do empregado. Tudo
aparece como na legislação do meio ambiente, em que se fala muito em proteger rios e florestas, mas tudo isto é
secundário, pois o interesse maior é proteção do meio ambiente, para que assim se proteja a sociedade. Uma das
mais importantes providências protetivas do salário está em sua impenhorabilidade. Ensina Nascimento (2007: p.
349) que a impenhorabilidade visa à preservação do salário como meio de subsistência do empregado. É exatamente
essa necessidade de subsistência do empregado e o interesse da sociedade moderna em proteger a vida e a
dignidade humana do empregado, que fizeram surgir normas protetivas em relação ao salário.

A impenhorabilidade do salário do trabalhador representa uma das mais relevantes garantias à sobrevivência deste.
Sabe-se, sem muito esforço, que o credor tem direito ao recebimento de seu crédito, mas também, que o
trabalhador tem direito à vida e à dignidade pessoal. São, em verdade, direitos em confronto e que há necessidade
de equação. Nessa hora é que aparece o também importante princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade,
exigindo do intérprete habilidade para lidar com os princípios em confronto. Exige-se que se dê prioridade aos
princípios mais importantes pelos olhares da racionalidade.

O credor (salvo o caso de prestação alimentícia) não vai ter a sua sobrevivência ameaçada caso não receba o seu
crédito. Todavia, o assalariado está com a sua sobrevivência e dignidade pessoal seriamente ameaçadas, caso deixe
de receber o salário a que tanto necessita e que é a razão e o objeto de seu trabalho. Todo empregado trabalha em
razão do salário, pois, vive dele e é com ele que consegue adquirir produtos para sua sobrevivência. Se pudesse a
penhora recair sobre o salário, o trabalho para o assalariado perderia o sentido, porque este iria trabalhar o mês
inteiro e, ao final, não receberia o seu sonhado e necessário salário, meio único de sobrevida.

Não se trata de uma benesse concedida ao empregado, mas de uma medida de alta relevância e do mais amplo
interesse social. Beneficia diretamente o empregado e, indiretamente, a sociedade como um todo. A
impenhorabilidade somente cede diante de execução de obrigação alimentícia(67) e, mesmo assim, não se pode
penhorar por inteiro o salário do empregado. O mesmo motivo que leva à proteção dos alimentos de uma pessoa
(credora de pensão alimentícia) é também o fator impeditivo da penhora de todo salário do empregado, porque o
salário também tem natureza alimentícia.

O salário, a pensão, os proventos de aposentadoria, são recursos necessários à sobrevivência de seus titulares, não
podendo ser penhorados, arrestados, sequestrado, indisponibilizados, pois, representam, a vida das pessoas. Não é
sem razão que a CR, procurou proteger o salário, tornando-o intocável (art. 7º, VI e X, da CF). Também o CPC,
elencou como absolutamente impenhoráveis o salário, a pensão, os proventos de aposentadoria etc. (art. 649, IV do
CPC).

Diante deste quadro, qualquer constrição ou restrição que venha a recair sobre estes direitos será inconstitucional.
No entanto, não são raros os casos em que o Judiciário, que tem a missão de garantir o cumprimento da
Constituição, determina o bloqueio de conta salário ou penhora de salário em afronta à Lei Maior. Somente em país
não democrático é que se pode pensar em tamanho desrespeito à Constituição e a Legislação vigente. O desrespeito
à Constituição e à Legislação de um país é o que caracteriza a tirania e, quando, tal ato parte do Judiciário é este que
assume tal posição(68).

4.6 Penhora em Bem de Família ou de Direito à Moradia

Não se pode negar que o direito à moradia é um direito fundamental e, por isso, bem categorizado no art. 6º da CF.
Ora, se o direito à moradia é um direito fundamental e goza da garantia constitucional neste sentido, é porque o
imóvel que representa a moradia da pessoa não pode ser penhorado ou constrito por qualquer outra forma. Nesse
diapasão é que a Lei nº 8.009/90 estabeleceu como impenhorável o imóvel que serve de residência da família do
devedor. Diferentemente, do que se tem pensado, não se trata de uma benesse ao devedor, mas, de uma proteção à
dignidade da pessoa humana, não levando em conta só o devedor, mais que isto, o que se leva em conta é a
dignidade uma humana de toda família.

A determinação de constrição sobre o bem de família, além de contrariar a Lei nº 8.009/90, mais que isto, viola
também a CF em seu art. 6º, por impedir o exercício do direito à moradia. Também são encontradas pelo país afora,
decisões fazendo vistas grossas à Constituição e a Lei Federal com determinação da constrição do bem de família.
São inúmeros os casos que já chegaram aos Tribunais e estes são obrigados a reconhecer a ilegalidade e a
inconstitucionalidade da constrição, determinando a liberação do bem desta natureza. Mas, há casos lamentáveis
em que os Tribunais dão guarida a tais de atos de tirania, mantendo as decisões inconstitucionais e, com isso,
jogando famílias na rua em afronta ao direito de habitação garantido no art. 6º da CF e no art. 1º da Lei nº 8.009/90.

4.7 Coação em Vez de Conciliação

A conciliação ao lado da mediação e da arbitragem pode ser considerada uma das formas mais avançadas e
democráticas de solução dos conflitos. Sempre quando bem utilizada é a conciliação aliada importante para resolver
conflitos e satisfazer a vontade das partes. No entanto, para que isto se dê eficazmente é necessária a
conscientização dos participantes do ato conciliatório. Lamentavelmente, muitos juízes não entenderam o espírito
deste instituto e, em vez, buscar a conciliação, praticam verdadeira coação contra as partes e seus advogados.

Não é raro ouvir-se reclamação de advogado de que o juiz em audiência de conciliação procura intimidá-lo e mesmo
a dizer que ele (advogado) está prejudicando o próprio cliente com intransigência que mais tarde será prejudicial à
parte, pois, a situação da parte poderá piorar(69). Isto é colocar o cliente contra o advogado; é coagir, não é
conciliar; é estimular conflitos. Não resolve o conflito originário e, ainda, cria outro, entre o advogado e o cliente. Isto
é arbitrariedade e tirania; é abusar da autoridade e do poder; é atitude antidemocrática.

5 Uso Antidemocrático do Judiciário

Com esta expressão o Desembargador Antonio Cesar Siqueira, inicia título de brilhante artigo que escreveu
recentemente(70). A democracia, somente se faz presente quando todos respeitarem as leis em vigor em seu país. É
certo que, quando não há respeito às leis e à Constituição do país, afloram a tirania e a ditadura. Os exemplos citados
acima demonstram bem este desrespeito à Constituição da República e às leis do país.

O desrespeito às leis e à Constituição rechaçando indevidamente direitos de quem os tem, transveste o provimento
judicial em injustiça. Se a intenção com essa injustiça é afastar o jurisdicionado e diminuir, com isso, o número de
demanda, o efeito será fatalmente o contrário(71). Quanto mais injustiça, provir do judiciário, mais demanda haverá,
pois, aqueles aventureiros sabedores disso, buscam a justiça, na tentativa de conseguir direitos que não tem. O
descumprimento das Leis e da Constituição é tão grave, que, pode assustar quem tem direito, mas, anima aqueles
outros que não têm direito algum e, que são em maior número.

A injustiça, nunca faz bem. Se, beneficia um que não tem direito, prejudica outro que o tem. Ao contrário do que se
poderia imaginar, não é a confiança no Judiciário que aumenta as demandas, pelo contrário, o aumento se dá pela
desconfiança no Judiciário, porque mesmo sabendo não ter direito o aventureiro arrisca a sorte. A diminuição da
qualidade das decisões é que aumentam as demandas(72). Quando mais os direitos humanos precisam ser
respeitados, aí que aparecem as mais cruéis violações.(73)

Um aspecto que tem influenciado e, em muito, no aumento da litigiosidade é o desrespeito de juízes de primeiro
grau em face dos julgados dos tribunais. Os Tribunais têm feito esforços para unificar a jurisprudência, mas
encontram resistência em juízes de primeiro grau, que por vezes, não aceitam as interpretações dadas por aqueles,
preferindo a vaidade de se decidir diferente e contrariamente às leis e à Constituição(74).

Há necessidade urgente, dos juízes de primeiro grau esquecer a tirania e passar agir democraticamente, pois, só com
o respeito às leis e a CR é que se pode restabelecer o estado de direito, a democracia e a justiça(75). O dia em que o
povo acreditar mais na justiça, as aventuras diminuíram e, por via de consequência, diminuirá o número de
demandas(76). Acabará a loteria e prevalecerá a justiça. Sobre o assunto há importante trabalho desenvolvido por
Miranda Neto(77). Também é hora de acabar com a tirania do Judiciário e voltar-se a tratar os jurisdicionados com o
respeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais, porque estes não podem ser eternamente tratados como
inimigo da justiça(78).

Conclusões
Em face de todo o exposto, é possível concluir que o processo está bastante avançado rumo à proteção dos direitos
humanos, mas ainda há muito do que se fazer para o seu aperfeiçoamento. Recorre-se às palavras de Trindade(79):
"Os que, em todas as épocas, combateram pelos direitos humanos nunca deixaram de saber quão árdua e sempre
inacabada foi sua conquista" ou como dizem Arzabe e Graciano(80): "Como um discurso novo, assentado no
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e
inalienáveis, e tendo esse reconhecimento como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, sua
incorporação à práxis política e social apenas se inicia".

Pretender, como alguns pretendem, que o simples descumprimento de decisão judicial pode ensejar a prisão civil, é
voltar ao passado, ao tempo em que a execução do julgado recaia sobre o corpo da pessoa. Prender alguém por
inexecução do julgamento é direcionar a execução contra o seu corpo o que implica volta ao passado e isso não pode
ser aceito em pleno limiar do terceiro milênio. Hoje mais do que nunca, as diretrizes se voltam às garantias e o
atendimento dos direitos humanos e, não o contrário, em que se pretende ampliar os casos de segregamento das
pessoas em desrespeito à sua dignidade.

O processo civil moderno não pode virar de costas para o direito, sob a vetusta alegação de que as formalidades não
foram cumpridas. O processo não pode distanciar do direito e as formalidades não podem sobrepor os direitos da
pessoa. Os direitos humanos merecem a prioridade de qualquer atividade pública, mais ainda do Poder Judiciário,
que deve abrir mão das formalidades sempre que a situação assim exigir para a garantia do direito. Primeiro deve-se
atender ao direito e as somente secundariamente as formalidades.

É hora de se olhar primeiro para os direitos humanos e somente depois para o processo, sendo que este somente
deve ser utilizado para a garantia daqueles. O processo existe para ser vir ao homem e não o homem para servir ao
processo. Os direitos humanos são os direitos mais sagrados entre os chamados direitos fundamentais e, por isso,
não podem ficar a mercê de meras formalidades processuais.

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COUTURE, Eduardo J. Introdução ao estudo do processo civil. Tradutor Mozart Victor Russomano. Rio de Janeiro:
José Konfino Editor, 3. ed. 1951.

2.3. Estado Moderno e Democracia

A base do conceito de Estado Democrático é, sem duvida, a noção de governo do povo, relevada pela própria
etimologia do termo, tendo suas primeiras características aparecendo no século XVIII.

Conforme reforça Dallari18, o Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo através
da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. Daí a grande influencia dos jus naturalistas, como Locke e
Rousseau. Foram através de movimentos que a população conseguiu consolidar direitos.

No mesmo sentido o autor elenca três grandes movimentos político-sociais que levaram os pensamentos teóricos ao
plano prático democrático: o primeiro desses movimentos foi o que chamamos de Revolução Inglesa, fortemente
influenciada por Locke e que teve sua expressão mais significativa no Bill of Rights, de 1689; o segundo foi a
revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independências das treze colônias
americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de dar
universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de
1789, sendo evidente nesta a influência direta de Rousseau. 19

A compreensão do inicio dessas revoluções não pode ser analisada sem dar ênfase ao sentimento das pessoa na
época. No que tange a Revolução Inglesa, as pessoas influenciadas pela ideologia do protestantismo e a intenção de
estabelecer limites ao monarca, ambos contribuindo para afirmação da liberdade e igualdade como direitos naturais,
bem como a vontade em estabelecer um governo de maioria resultaram nesse movimento. 20

Posteriormente, as ideias de Locke acabaram por influenciar na independência das treze colônias americanas. Apesar
de gozarem de razoável autonomia em relação a metrópole, terem corpo legislativo eleito pelos cidadãos locais, bem
como judiciário independente não foram suficientes para apaziguar a relação entre eles. Ao longo dos anos 1760 os
episódios agravaram-se após a matriz interferir economicamente no cotidiano da colônia.. A tensão aumentou após
episódios como Stamp Act em que a Coroa britânica institui um imposto do selo, incidente sobre jornais,
documentos e diversos outros itens; o Massacre de Boston, onde morreram cinco pessoas resultante do conflito
motivado pela instauração de tarifas sobre as importações das Colônias; e o Boston Tea Party, em que permitiriam a
Companhia das Índias Ocidentais distribuírem seus estoques no mercado americano, prejudicando o comercio
local.21

Iniciado a guerra, sob o comando de George Washington foi assinada pelas colônias uma declaração de
independência em 4 de julho de 1776, e em 17 de setembro de 1787 fora instaurada a primeira constituição escrita
do mundo consolidando a revolução americana em seu tríplice conteúdo: a) independência das colônias; b)
superação do modelo monárquico; c) implantação de um governo constitucional, fundado na separação dos poderes,
na igualdade e na supremacia da Lei22

Evidentemente tal episódio fora influenciado pelo movimento iluminista que pairava na Europa, nesta mesma época,
sendo os Estado Unidos da América o primeiro país a adotar o sistema de tripartição dos poderes, designado por
Montesquieu, 1754(eu acho). Antes mesmo deste, Locke já rompia com o ideal absolutista, defendendo a
instauração do Parlamento como representação popular e limitador do poder.
Assim, surgia uma nova era que passou a influenciar o mundo todo. A disseminação de valores inalienáveis como a
vida e a liberdade e a procura da felicidade seriam protegidos pelos governantes com justos poderes do
consentimento de seus governados. O Ideal democrático havia sido implantado, em que a vontade da maioria
predominava as novas terras dos Estados Unidos.

O terceiro movimento se deu com a Revolução Francesa poucos anos depois, 1798, em que inspirada na
independência das colônias inglesas na América, a França que passava por conflitos internos como a insatisfação do
modelo absolutista que limitava o crescimento da burguesia, os ideais democráticos ascenderam a revolta que
repercutiu na queda do regime monárquico. Nesta época, com a vitória dos burgueses foi instalado o Estado Mínimo
e valorado os direitos individuais o que, por conseguinte, resultou na Declaração do Homem e do Cidadão, 1789,
dando caráter universal aos direitos naturais e imprescindíveis ao homem, tais como liberdade, a propriedade, a
segurança e a resistência a opressão.23

Decai o poderio absolutista implantando o liberalismo no qual minimizam o poder estatal absoluto. Insurge uma era
baseada na vontade da lei, ou seja, um Estado de Direito, onde o poderio estatal não agiria com discricionariedade
como em tempos retro. 24

Como bem explica o ministro Barroso, o Estado de Direito tinha como sua essência impor normas de repartição e
limitação de poder, aí abrangida a proteção dos direitos individuais em face do Estado. Contudo, essa forma não era
suficiente para ascender o espírito democrático, pois o Estado de Direito afirma sua vigência com a simples
existência de algum tipo de ordem legal que seriam observados tanto por órgãos do poder quanto por particulares,
ou seja, até mesmo um estado autoritário ou totalitário que seguissem a disposição normativa configuraria dentro
do Estado de Direito.25

O conceito de democracia como Estado constitucional democrático foi melhor construído no século XX. Em seu
sentido formal inclui a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais como a liberdade de
expressão, associação e locomoção realizáveis através de uma conduta não interventiva do estado. Em sentido
material pode ser encarado não somente como governo da maioria, mas como governo de todos, em que a vontade
da maioria não pode excluir os direitos de um grupo minoritário. Nesse sentido, não basta tão só o respeito do
estado contra esses grupos de menores expressão e minoria política, é necessário o estabelecimento de mecanismos
que garantam igualdade material entre eles para que desfrutem de efetiva liberdade. 26

3. CAPÍTULO II - PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

3.1. Evolução histórica

Como analisado pontualmente nos tópicos anteriores, a noção de Estado passou por diversas mudanças no decorrer
histórico, sem que fosse possível, até a atualidade, defini-lo com exatidão. Vejamos, porém, o consenso entre os
doutrinadores quanto aos elementos que o caracterizam.

Desde os antigos gregos já se notava a participação popular nas decisões políticas da polis. Os cidadãos elegiam
indivíduos que os representassem e tomassem decisões, de cunho social, por eles, no qual vigora tal sistema até
hoje, que claro, com uma estrutura muito mais complexa. 27

Atualmente, essa relação de poder está tripartida em três órgãos independentes e harmônicos entre si, atribuídos da
função legislativa, executiva e judiciária, que não se confunde com a primeira teoria da separação dos poderes.

Esta, abordada na obra “A Política”, de Aristóteles, afirmava que em todo governo há três poderes essenciais, quais
sejam: a) a função deliberativa – o poder que delibera sobre os negócios do Estado; b) a função executiva – o poder
que compreende todos os poderes necessários à ação do Estado; c) a função judicial – o poder que abrange os cargos
de jurisdição. Segundo o pensador, era demasiadamente perigoso dar poder a um só homem. 28

Com a Magna Carta, foi imposto pelos nobres ao Rei João Sem Terra limitações ao Poder Monárquico, a fim de que
não fosse deposto. Desta forma, a Monarquia Inglesa se subordinava ao Parlamento erguido pela vontade popular,
sendo uns dos primeiros marcos da desconcentração do poder estatal. 29
Já o autor filósofo inglês e ideólogo do liberalismo John Locke, inspirador da revolução gloriosa de 1698, publicou sua
obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” dois anos mais tarde, versando sobre a existência de três poderes:
Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Federativo. Apesar da divisão das funções, ainda considerava o Poder
Legislativo hierarquicamente acima dos demais, pois acreditava que o poder de definir as leis deveria sobrepor o
poder dos que meramente as executavam:

“Em todo caso, enquanto o governo subsistir, o legislativo é o poder supremo, pois aquele que pode legislar para um
outro lhe é forçosamente superior; e como esta qualidade de legislatura da sociedade só existe em virtude de seu
direito de impor a todas as partes da sociedade e a cada um de seus membros leis que lhes prescrevem regras de
conduta e que autorizam sua execução em caso de transgressão, o legislativo é forçosamente supremo, e todos os
outros poderes, pertençam eles a uma subdivisão da sociedade ou a qualquer um de seus membros, derivam dele e
lhe são subordinados.  30”

O professor José Afonso da Silva, na obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, assevera que John Locke,
Aristóteles e Rousseau conceberam o princípio da separação dos poderes, sendo consolidado na obra “O Espírito das
Leis”, de Montesquieu, que obteve positivação nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, e,
posteriormente, na Constituição dos Estados Unidos de 1787.

O referido princípio tornou-se, com a Revolução Francesa, dogma constitucional na Declaração do Homem e do
Cidadão de 1789 ao declarar que não teria constituição à sociedade que não assegurasse a separação dos poderes. 31

A obra constitui referência até os dias de hoje, tamanha sua relevância, tendo sido baseada na tripartição em Poder
Legislativo, Poder Judiciário e Poder Executivo, todos harmônicos e independentes entre si.

Segundo o autor, o primeiro seria formado por duas esferas: uma por pessoas da própria sociedade e outra por
nobres, pessoas intelectuais e influentes. Eram assembleias independentes que apresentavam propostas de leis e
estatutos que regeriam a Monarquia e o Estado, tendo de passar pela aprovação do rei.

O Executivo seria regido pelo rei, com poder de veto sobre as decisões do Legislativo, formado pelo parlamento. O
Judiciário, por fim, não deveria ser único, visto que considerava que alguns nobres devessem ser julgados por outros
nobres, razão pela qual afirma-se que Montesquieu não pregava a igualdade de fato. 32

O filósofo francês acreditava que as três funções estatais seriam melhor administradas se fossem independentes e
autônomas entre si. Dessa forma, seria evitada a tirania de um só governante, distribuindo o poder de mando entre
os demais. Se o poder de julgar e legislar reunir-se ao executivo, não há liberdade, pois há de se temer que leis
tirânicas sejam criadas.

Raciocínio análogo é aplicado se aquele que julga é o mesmo que elabora as leis, tornando opressora a figura do juiz:
“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse
esses três poderes”. 33

Obra consagrada no período liberal, não dá ao Estado qualquer atribuição interna a não ser o poder de julgar e punir.
Logo, as leis seriam elaboradas pelo Legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos e só haveria intervenção do
Executivo para punir quem não as cumprisse. 34

Convém lembrar que a distribuição das funções estatais entre diferentes órgãos do estado não implica
independência absoluta entre eles, tampouco substancial, mas sim uma independência formal. O que se triparte em
órgãos distintos é o seu exercício. 35

3.2. Concepção atual

Apesar de clássica a expressão separação dos poderes, os doutrinadores já pacificaram tratar-se de divisão de
poderes haja vista que o poder é uno e indivisível. De outro lado, também há quem diga que não existe uma
separação, mas apenas má distribuição de funções. 36
Para José Afonso da Silva a independência dos poderes significa que a permanência e a investidura de uma pessoa
num dos órgãos não depende da confiança de outros; que os titulares não precisem consultar os outros, podendo
tomar decisões por si próprios; que na organização dos respectivos serviços cada um é livre observada as disposições
constitucionais e legais.37

Em contrapartida, para ilustríssimo doutrinador, diferentemente do conceito abordado acima, harmonia entre os
poderes é o tratamento entres os órgãos e o respeito de suas atribuições entre si. Até porque, em face do sistema de
freio e contrapesos, nenhum poder é absolutamente independente. Cada uma exerce a função típica designada, mas
também realiza funções atípicas com o escopo do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e
indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. 38

Dallari39 também contribui com o estudo afirmando que sistema de separação dos poderes, consagrado na
constituição foi associado a ideia do Estado Democrático de Direito e deu origem a construção doutrinaria conhecida
como sistema de freios e contrapesos, em que cada poder exerceria uma função típica e outra(s) atípica(s) pensando
no equilíbrio, como é o exemplo do Poder Executivo que administra a maquina estatal (função típica) mas também
pode legislar (função atípica) através das medidas provisórias que têm força de leis por período determinado e
depois são chanceladas pelo Congresso.

Barroso entende que a independência orgânica demanda na realidade brasileira atual três requisitos: “(i) uma
mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo, (ii) um Poder não pode destituir os
integrantes de outro por força de decisão exclusivamente política, e (iii) a cada Poder são atribuídas, além de suas
funções típicas ou privativas, outras funções (chamadas normalmente de atípicas), como reforço de sua
independência frente aos demais poderes.” 40

O autor ainda defende não acontecera violação do principio da separação dos poderes por se tratar de clausula
pétrea definida no art. 60, parágrafo quarto, inc. III, CF. Sobretudo, poderá ocorrer se seu conteúdo nuclear de
sentido tiver sido afetado, ou seja, se a modificação provocar uma concentração de funções e um poder ou se a
inovação introduzida esvaziar a independência orgânica dos poderes ou suas competências típicas. 41

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de dezenas de constituições estaduais
por violação dos poderes, quando tentaram invalidar a reforma do Judiciário (EC n. 45.2004) quando criado o
Conselho Nacional de Justiça sem a participação de membros de outros poderes.

Tal teoria é criticada por não ter conseguido assegurar a liberdade ou caráter democrático do Estado, tendo
garantido liberdade apenas para uma pequena parcela da população através do liberalismo, que cominou numa
acentuada desigualdade social. De qualquer forma, esse sistema foi aplicado com o escopo de limitar o Poder do
Estado, ideal defendido no momento histórico em que viviam. 42

Outra crítica relevante a teoria de Montesquieu, é a feita por Charles Einsenmann em sua obra Melange Carré de
Malberg, Sirey, em que contesta Montesquieu quando se tenha referido a separação funcional quer à separação
material das autoridades do Estado. Para ele, essas funções muito das vezes se confundem na mesma autoridade e
no mesmo poder:

“Assim, nenhuma dessas três autoridades é ao mesmo tempo senhora da integralidade de uma função, absoluta no
exercício dessa função e especializada nessa única função: o parlamento tem apenas uma parte do poder legislativo;
ele controla, por outro lado, a execução das leis e tem, além do mais, uma certa competência jurisdicional; o governo
tem realmente o exercício integral da função executiva, mas não o seu exercício soberano; de outro lado, ele não está
restrito ao Poder Legislativo, mas participa na função legislativa por meio do seu voto direto de veto; os tribunais,
enfim, estão talvez bastante especializados na sua função jurisdicional, mas não integralmente de momento que o
parlamento também poderá exerce-la em alguns casos. Das três autoridades do Estado, duas – o parlamento e o
governo – não são, portanto, nem senhoras absolutas de uma função nem especializadas em uma única função; a
terceira – os tribunais – se só intervém no exercício de uma função, essa função, é partilhada com outra
autoridade43.”
O referido autor conclui então que os órgãos do Estado não estão, portanto inteiramente separados funcionalmente
no sistema de Montesquieu.

Em suma, os estudos de Einsenmann e Lambert demonstram que a separação de funções não conseguiu se
estabelecer de forma equânime entre eles. O que vai determinar a sobreposição de um poder sobre o outro é
cultura política de cada nação. NA Inglaterra e na França, por exemplo, a ruptura do equilíbrio se verificou em
beneficio do Poder Legislativo com a instauração do governo parlamentar. Nos Estados Unidos o desequilíbrio
operou-se em favor do Poder Judiciário que passou a dominar e controlar os demais poderes, estabelecendo um
governo de juízes44”.

Nos Estado Unidos, o controle de constitucionalidade permite que qualquer ato do poder Executivo possa ser
anulado por ilegalidade e qualquer lei do Congresso tornada inexpressiva e nula quando contrária aos preceitos
constitucionais.45

Cavalcanti explica que separação dos poderes não se confunde com equilíbrio dos poderes, como é o caso do Poder
Executivo que se limita a agir dentre dos conformes estabelecidos pela lei (Poder Legislativo), entretanto, não há
incompatibilidade funcional entre a separação e o equilíbrio dos poderes.

Tanto é que a Constituinte de 1988 em seu art. 2º visando o equilíbrio entre os poderes, sem que um se hipertrofie
sobre o outro estabeleceu que o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si.
Dessa forma, cada poder atuará autonomamente, sem subordinar aos outros, e de forma harmônica, para que os
preceitos constitucionais sejam cumpridos sem instabilidade na ordem democrática.

Não é, portanto, o que se verifica da realidade que presenciamos haja vista que a independência entre eles é
limitada com o mecanismo do check and balances. Caso do Executivo que não pode atuar em desacordo com o
estabelecido pelas normas trazidas pelo Legislativo; do Legislativo que terá suas leis anuladas pelo Judiciário se em
desconformidade com a Constituição Federal; e o Judiciário que terá a composição de seus ministros por indicação
do Presidente da República.

A problemática que atualmente evidenciamos é a ascendência do Judiciário nos últimos anos acostada na produção
de direitos fundamentais na Constituinte e pela possibilidade do Poder Judiciário invalidar atos do Legislativo e
Executivo quando contrario àquela. Isso se deve as transformações do direito constitucional contemporâneo como a
formação do Estado Constitucional de Direito, o pós-guerra e redemocratização, a construção do pós-positivismo e
as mudanças de paradigmas.

Para o ex-Procurador da República, Ex-Senador e atual Governador do Estado Pedro Taques a divisão clássica de
Montesquieu, de 1748, precisa sofrer uma revisitação. Se até determinado momento o magistrado tinha a função de
retirar sentido do que estava na lei, hoje ele tem uma outra função: dar sentido ao que está escrito no texto legal 46.

4. CAPÍTULO III - TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO

4.1. Contexto histórico

Desde o século XIX as nações passaram momentos significativos em suas estrutura interna. O estado de direito
começou a se consolidar na Europa. Primeiro com o Estado pré-moderno, depois o Estado Legislativo e o Estado
constitucional de direito. A adoção do modelo da separação dos poderes e proteção dos direitos individuais com a
revolução francesa desencadearem no mundo todo a influencia em outras nações, de que o poder estatal devia ser
limitado e distribuído, para evitar o arbítrio em que viviam pelos monarcas na época, bem como os direitos
individuais deveriam ser respeitados pela ordem constitucional face ao liberalismo, industrialização e exploração da
massa trabalhadora que não tinham praticamente qualquer direito trabalhista.

No primeiro momento, através do estado pré-moderno o direito era caracterizado pela pluralidade de fontes
normativas, pela tradição romanística de produção jurídica. A doutrina e a jurisprudência desempenhavam o papel
criativo do direito. Já no Estado Legislativo de Direito, o estado passou a monopolizar a fonte do direito, uma vez que
prevalecia a supremacia da lei, passando a ter natureza positivista. Posteriormente, surge o Estado Constitucional de
Direito finda segunda guerra mundial e se aprofunda no último quarto do século XX caracterizando pela legalidade
contida duma constituição rígida. Nesta fase, não apenas se impõe limitações ao legislador e ao administrador mas
também lhes determina deveres de atuação. Nasce também, a jurisprudência com poderes para invalidar atos
legislativos ou administrativos e para interpretar criativamente as normas jurídicas à luz da constituição. 47

Para o Governador de Mato Grosso, Pedro Taques, no século XXI, temos um Estado que não é só garantidor, como
no século XIX; não é só prestador, como no século XX; mas é um Estado transformador. Essa transformação se faz
através de constituições que têm força normativa própria, com hiperatividade, e através do chamado “ativismo
judicial48”.

A jurista alemã Ingeborg Maus interpreta o Judiciário como superego da sociedade, e hoje ele é visto como algo a
que todos devem recorrer. A nossa constituição permitiu isso, porque é uma constituição deste momento histórico:
por um lado, há uma interpretação dando sentido; por outro, há uma força do Poder Judiciário 49.

No Brasil, o novo constitucionalismo ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Adveio a
produção teórica e jurisprudencial responsável pela ascensão do direito constitucional. Rompeu-se com tradição da
Constituinte como documento prioritariamente político que jurídico de domínio da administração e parlamento, e
reconheceu a força normativa às normas constitucionais. Houve a travessia do regime autoritário e intolerante para
o Estado democrático de direito.50

Enquanto no século XVI prevalecia o jus naturalismo acostado nos princípios de justiça universalmente válidos, que
influenciaram as grandes revoluções democráticas, foi sendo gradualmente trocado com as constituições escritas e
codificadas. Prevalecia assim, o positivismo jurídico, no final do século XIX, o qual buscava a objetividade cientifica,
equiparando o direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça que dominou a primeira
metade do século XXI. Depois dos horrores da segunda guerra mundial, novos valores surgiram priorizando o
exercício dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. 51

A partir daí, o mundo ocidental com o constitucionalismo democrático teve como objetivo e fundamento a dignidade
da pessoa humana, materializando-a em declarações de direito, convenções internacionais e constituições.

A dignidade humana é um valor fundamental, seja político ou moral, ingressando usualmente no mundo jurídico
como forma de principio. Se desempenhando o papel interpretativo, o principio da dignidade humana vai informar o
sentido e o alcance dos direitos constitucionais, além de servir como bússola na busca da melhor solução quando
colidentes os direitos fundamentais. Como fonte direta de direitos e deveres como quando implica a proibição da
tortura, por exemplo.

Além dos parâmetros mencionados acima das transformações constitucionais contemporâneas um marco histórico
na mudança de paradigma foi o ganho da força normativa da constituição. Aqui a norma constitucional ganha status
de norma jurídica ao longo do século XX, chegando ao brasil somente a partir da década de 80. Outro marco
relevante foi a expansão da jurisdição constitucional. Na Europa, antes de 1945, pairava um modelo da supremacia
do Poder Legislativo pautada pela supremacia do Parlamento Inglês e Francês. Todavia, isso mudou com o modelo
americano que abordava a supremacia da constituição. 52

Tal modalidade melhor abarcava a proteção dos direitos fundamentais, e assim aos poucos, países como Alemanha
(1951) e Itália (1956) criaram tribunais constitucionais, restando apenas, Reino Unido, Holanda e Luxemburgo sem a
adoção do sistema do judicial review.53

No Brasil, apesar de haver controle de constitucionalidade desde a constituição republicana de 1891, apenas em
1988 é que conseguiu expandir sua eficácia verdadeiramente. Sua causa determinante foi a disponibilidade desse
dispositivo também para as minorias politicas e mesmo para segmentos sócios representativos. Com isso, somou-se
a criação de novos mecanismos como a ADPF – Arguição de descumprimento de preceito fundamental e Ação
declaratória de Constitucionalidade.

Outra transformação digna de nota foi a reelaboração doutrinária da interpretação constitucional pesando pelo
pluralismo de visões, buscando o cumprimento dos direitos fundamentais, da concretização da dignidade humana,
por influencia na demanda por justiça foram afetadas as tradicionais premissas teóricas, filosóficas e ideológicas de
interpretação tradicional, possibilitando ao interprete definir os conflitos com as necessidades contemporâneas de
cidadania.

Essa nova hermenêutica, a expansão da jurisdição constitucional e o constitucionalismo democrático do pós-guerra


gerou o que denominam os doutrinadores de neoconstitucionalismo. Modelo também sujeito a criticas, mais que
induvidosamente reflete uma profunda revolução no direito contemporâneo, rompendo com um modelo
simplesmente de regras e de subsunção, em que busca o equilíbrio entre valores tradicionais e novas concepções. 54

4.2. A interpretação constitucional

Para Barroso, o papel da Constituição deve limitar o governo da maioria, através da enunciação de valores
fundamentais a serem preservados, inclusive o das minorias, e o de propiciar o governo da maioria através do qual
se utilize de procedimentos adequados à assegurarem a participação igualitária de todos e a alternância do poder. 55

Baseando-se nisso, o interprete da constituição deve levar em conta não apenas a letra da lei, norma constitucional,
mas sim o que o “espírito” da constituinte pretende passar, ou seja, interpretá-la de modo que se efetive de fato os
preceitos fundamentais, ainda que indiretamente apontados, face as desigualdades ou abusos evidenciados.

Em seu conceito terminológico, “interpretação jurídica consiste na atividade de relevar ou atribuir sentido a textos
ou outros elementos normativos (como princípios implícitos, costumes, precedentes), notadamente para o fim de
solucionar problemas. ”56.  Vale lembrar que o interprete não utiliza esse poder que tem para decidir da forma que
lhe convém ou para inventar livremente, pelo ao contrário, deve ser fiel a preceito jurídico.

Barroso, ainda menciona que:

“Além das fontes convencionais, como o texto da norma e os precedentes judiciais, o interprete constitucional deverá
ter em conta considerações relacionadas à separação dos poderes, aos valores éticos da sociedade e à moralidade
política. A moderna interpretação constitucional, sem desgarrar-se das categorias do Direito e das possibilidades e
limites dos textos normativos, ultrapassa a dimensão puramente positivista da filosofia jurídica, para assimilar
argumentos da filosofia. ”57

O jurista alemão Rudolph Von Ihering ainda no século XIX defendia que o direito devia servir aos fins sociais, antes
que aos conceitos e às formas.

Nos Estados Unidos, por terem a Constituição concisa e os direitos abstratos, por um lado, a dimensão interpretativa
atribuída aos interpretes concedeu mais garantias previstas ao cidadão, por outro, gerou desconfiança sobre as
cortes se ao decidir não estavam impondo suas próprias convicções morais acima dos fundamentos jurídicos 58.

Com a nova tendência constitucional em relacionar direito e moral os críticos do ativismo judicial criticam a
interpretação e a própria leitura moral da Constituição, pois, acabam propiciando ao judiciário a possibilidade de se
postularem de forma elitista, antipopulista, antirrepublicana e antidemocrática. Essa discricionariedade de juízes e
tribunais acaba permitindo que as decisões sejam influenciadas a partir de uma intencionalidade político-partidária 59.

Métodos de interpretação constitucional como o clássico alemão utilizam o emprego de regras, princípios e
elementos tradicionais de interpretação jurídica para os casos fáceis, o que não é suficiente para resolução de casos
difíceis que envolvem normas de textura aberta ou princípios antagônicos. 60

A constituição não pode ser vista apenas como texto normativo, mas também deve ter aplicado seu conceito à
realidade social em que está acostada. Para isso, o interprete deve se fixar ao caso concreto dispondo dentro das
possibilidades oferecidas pelo ordenamento.

Nos Estados Unidos, a corrente Interpretativista nega legitimidade ao desempenho de qualquer atividade criativa do


juiz, que não estaria permitida a impor seus valores à coletividade. A não interpretativista significa ao contrário, que
os interpretes constitucionais estariam permitidos a buscas fora do texto constitucional na atribuição de sentido à
constituição, como as mudanças na realidade ou os valores morais da coletividade. 61
A primeira corrente abriga duas linhas de pensamento: o textualismo, que descreve as normas escritas como única
fonte legitima em que o juiz pode utilizar, e o originalismo, que prevê a vontade dos constituintes como sentidos a
ser atribuído62.

Para o não interpretativismo, também conhecido como construtivismo, reúne três modalidades essenciais: a) a
interpretação evolutiva, a qual entende a Constituição como documento vivo devendo suas normas e princípios
acompanharem as mudanças ocorridas ela coletividade; b) a leitura moral da constituição, preconiza uma postura do
interprete de acordo com os valores morais vigentes, mantendo de alguma forma consonância com o anteriormente
abordado, como é o caso das punições cruéis, devido processo legal; c) o pragmatismo judicial, visa as melhores
consequências praticas, ainda que não seja mais coerente com o disposto constitucional 63.

4.3. Surgimento do Ativismo Judicial

Para Luiz Roberto Barroso surgiu com a decisão da Suprema Corte Norte Americana quando decidiu sobre a
segregação racial.64 No momento, em que ela desafiou as leis federais vigentes em que apoiavam a discriminação, e
então as confrontou com um posicionamento progressista.

Em sentido contrário, Carlos Eduardo de Carvalho 65 assevera que a expressão surgiu pela primeira vez na imprensa
belga, no século XIX, mas que só ganhou repercussão no século XX, nos Estados Unidos, quando a Suprema Corte
deu-lhe efeito mais abrangente.

Para o ex-Senador e atual Governado do Estado de Mato Grosso, Pedro Taques, a revisitação à Teoria de
Montesquieu com o objetivo de dar sentido ao texto constitucional fortaleceu o se denomina de Ativismo Judicial:
uma maior participação do juiz na concretização de políticas públicas. Para ele, a Constituição tem força normativa
própria, com hiperatividade reforçada, não uma declaração de intenções, e for essa força normativa, os magistrados,
hoje, não só retiram sentido, como dão sentido às normas 66.

Fazendo uma abordagem histórica, o ilustríssimo professor Barroso, afirma ainda que o ativismo judicial surgiu duma
época de profundas revoluções nos Estados Unidos quanto a produção de uma jurisprudência progressista no que
concerne aos direitos fundamentais:

“Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para
qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao
longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos
Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (...)Todavia,
depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial
está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins
constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes 67.”

4.4. Ativismo Judicial: definição

Seguindo o demonstrado anteriormente, surgiu o que se chama de ativismo judicial que pode ser conceituado como
a maneira mais intensa do Judiciário aplicar os preceitos constitucionais na concretização dos valores e fins
constitucionais com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes.

Para Elival, deve-se entender de ativismo judicial:

“o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe,
institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflito de interesses) e
controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Essa ultrapassagem das linhas demarcatórias da
função jurisdicional se faz em detrimento, particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício
desabrido da legiferarão (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da função típica do
Poder Judiciário, com inclusão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros
Poderes68.”

Barroso explica que tal fenômeno se manifesta por meio de diferentes maneiras que incluem:
“(i) a aplicação direta da constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos
normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de politicas
públicas69.”

No último caso é visualizada a constante intervenção judiciária no domínio das politicas publicas quando o estado é
condenado ao fornecimento de medicamentos ou aparelhos terapêuticos. Assim, o STF, em 2010, atribuiu a
competência a todos os entes federativos a responsabilidade solidaria pelo fornecimento de medicamentos e
terapias de eficácia reconhecida no pais70.

De contraposto, vem a figura da autocontenção que por sua vez restringe o espaço de incidência da Constituição em
favor do legislador ordinário. O Ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto
constitucional, sem, contudo invadir o campo da criação livre do direito.

A crítica a esta postura do Judiciário enuncia que os juízes não são agentes políticos, eleitos pelo povo, que
carreguem legitimidade para decidir a vontade popular, ou seja, ausência de justo titulo democrático. Todavia, há
posições que respondem o questionamento dessa legitimidade. Alegam, que serve para assegurar as regras do jogo
democrático, propiciando a participação ampla e o governo da maioria. Porém, não se resume ao principio
majoritário. Para proteger os valores e direito fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem
tem mais votos. O exemplo ocasionalmente usado é o da sala com oito católicos e dois muçulmanos, o primeiro não
pode deliberar jogar o segundo pela janela pelo simples fato de ser maioria 71.

Nesse sentido, Barroso afirma que a contenção judicial e ativismo devem andar lado a lado. Quando o processo
politico majoritário esta funcionando com representatividade e legitimidade, com debate publico amplo, os juízes e
tribunais devem se abster. De outro lado, quando grupos vulneráveis da coletividade forem oprimidos e forças
politicas minoritárias oprimidas somente o Judiciário poderá fazer avançar o processo politico e social 72.

Este instituto, analise de estudo desta pesquisa, muito se confunde com a judicialização da política, razão pela qual
necessária se faz a seguir a tentativa de diferenciar estas duas atuações do Poder Judiciário que vem provocando
muitas polêmicos nos últimos anos.

4.5. Ativismo Judicial versus Judicialização da Política

Como explanado já em outros tópicos, com o advento da Constituinte de 1988 o Brasil passou por uma revolução na
ordem jurídica, preservando direitos anteriormente constituídos e inovando com outras, bem como trazendo novos
mecanismo de garantia no seu cumprimento.

Ademais, a Constituição ampliou os poderes do Judiciário, de forma que participasse de forma mais presente na
concretização dos fundamentos constitucionais e envolvendo um maior relacionamento entre direito e política.

Desta nova perspectiva, surgiu dois fenômenos de muita indagação na área acadêmica, buscando entender melhor
suas essenciais. Trata-se do Ativismo Judicial e da Judicialização da Política.

Para dar continuidade no cerne desta pesquisa, precisa-se de antemão fazer uma breve distinção entre os dois
institutos, que não se confundem, porém, necessitam de uma especial atenção para sua diferenciação, frente suas
semelhanças.

As constituições, também conhecidas como Cartas Políticas, já foram utilizadas para legitimar o Poder do soberano.
Atualmente, na visão contemporânea do Direito constitucional, ganham nova roupagem, servindo de limitação do
poder político e principalmente como instrumento de promoção e garantia dos direitos fundamentais bem como dos
demais anseios da vontade popular.

Para Pedro Taques, Governador e ex-Senador do Estado de Mato Grosso, a concretização de politicas públicas por
parte do Poder Judiciário é uma tendência para os próximos anos. As constituições pós-Segunda Guerra Mundial, em
especial a do Brasil, estabelecem o que se denomina de piso mínimo de dignidade, o mínimo existencial. No Brasil,
temos dificuldade em assegurá-lo, pois não passamos pelo Estado de bem-estar social, diferentemente de Estados
centrais como a Alemanha, Inglaterra, França. Somos um Estado periférico que pulou direto para uma constituição
com força normativa própria73.

Em resumo, pode se dizer que a Judicialização da política se refere propriamente a um fato em que se vive no atual
cenário jurídico, enquanto o ativismo judicial seria como uma atitude do Poder Judiciário, com enfoque do Supremo
Tribunal Federal, utilizando os fundamentos da Constituição em sua atuação, que vai além das habituais, muita das
vezes sendo acusada de intervir na função dos outros dois poderes.

Clarissa, em sua obra identifica que a política e o Direito estão diametralmente ligadas no ordenamento jurídico. A
política em tese, deveria ser a “mola propulsora” do direito, não podendo deixar que este se qualifique com alguma
espécie de “argumento corretivo” do direito, que geralmente é o Judiciário. Em outras linhas, significa dizer que
quando a política não oferece a concretização ou produção normativa em forma de direito consolidado, terá que
recorrer ao Judiciário para fazer valer o que está previsto.

Já para o Ministro Barroso, o Direito apresenta ambiguidade, vez que vezes é política, vezes não é, como é quando a
noção do que é correto e justo à vontade de quem detém o poder. Porém direito é politica na medida em que:

“(i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é
dissociada da realidade politica, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos
cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memoria e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer
ideologia e, consequentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que for mula.” 74

Apesar do brilhantismo do autor, não se pode com a leitura acima diferenciar o ativismo judicial da judicialização.
Mesmo assim, o autor insere três fatores marcantes para formulação da judicializacao no Brasil. São eles a
redemocratização, constitucionalismo abrangente e incorporação de um sistema hibrido de controle de
constitucionalidade (modelo difuso e concentrado). Logo, por ser um fato a judicialização, esta se diferencia do
ativismo em função de suas diferenças nas causas que lhe deram origem 75.

De outro lado, o ativismo judicial se caracteriza como um modo especifico e proativo de interpretar a constituição,
expandido o seu sentido e alcance ,ou como uma postura que procura ao máximo das potencialidade dos preceitos
constitucionais, sem contudo, interferir no campo da criação do livre direito. Para Barroso a aplicação direta da
constituição, a declaração de inconstitucionalidade e a imposição de condutas ao poder publico pode ser
consideradas como condutas que caracterizam o ativismo judicial.

Segue nesse sentido a transferência do Estado Social para o Estado democrático de direito com o advento da
Constituição Federal de 1988, que deslocou o polo de Tensão do Executivo para o judiciário. Após a Segunda Guerra
Mundial, a legitimação dos direitos humanos e a forte influência dos sistemas americanos e europeu contribuíram
fortemente para a concretização do fenômeno da judicialização do sistema político no Brasil 76.

Pode se dizer, que a Judicialização da Politica trata-se de uma questão social, incitada pela legitimação de direitos e
regulamentação constitucional que por fim desaguarão no Judiciário 77, não dependendo deste para que isso ocorra.

Com a ampliação do papel politico do judiciário pós-constituinte de 1988 a ampliação do poder judiciário restou
inequívoca, podendo este revogar atos dos outros poderes, a possibilidade do interprete estender a sentença
baseada em princípios ou fundamentos da constituição ou até mesmo, quando ausentes do texto formal,
fundamentando suas decisões pela própria intenção do legislador constituinte, entre outras atribuições de poderio.

Para Elival da Silva Ramos, “o problema do ativismo judicial envolve, pelo menos, três questões: o exercício do
controle de constitucionalidade, a existência de omissões legislativas e o caráter de vagueza e ambiguidade do
direito78.”

Nos Estados Unidos, por conta da atuação ativista dos tribunais gerou bastante discussão, no entanto no Brasil,
apesar de também ocorrer, verificamos que tal legitimidade foi dada a eles quando através do pacto democrático
firmado pela Constituição; em contrapartida, afirmam que um controle feito a partir da vontade ou consciência do
juiz não está concretizando o texto constitucional mais sim o seu desvirtuamento 79.

Outro ponto em questão, não é somente a discussão do ativismo judicial ao ponto de evitar que tome funções do
governo, ou sobre o controle de constitucionalidade que permite a anulação dos atos dos demais poderes, mas
também como que se dá esse controle judicial 80(revisão judicial).

Apontando a diferenciação entre judicialização e ativismo judicial Lênio Streck afirma que:

“um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de politica, de moral, enfim, quando o
direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrado); já a
judicialização é um fenômeno que exsurge a partir da relação entre os poderes do Estado (pensemos, aqui, no
deslocamento do polo de tensão dos poderes Executivo e Legislativo em direção da justiça constitucional  81[...]”

Por fim, o ativismo judicial pode ser concebido como a configuração de um poder revestido de supremacia, com
competências que não lhes são reconhecidas expressamente pela CF., portanto, os doutrinadores entram consenso
assim caracterizando a diferenciação entre ativismo judicial e judicialização da política:

“Primeiro, não há como negar o elo existente entre Direito e Politica;

Segundo, a inter-relação entre direito e politica não autoriza a existência de ativismos judiciais;

Terceiro, há um equívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial como se fossem o mesmo
fenômeno;

E Quarto, a judicialização da política é um fenômeno contingencial, isto é, no sentido de que insurge na insuficiência
dos demais Poderes, em determinado contexto social, independentemente da postura de juízes e tribunais, ao passo
que o ativismo judicial diz respeito a uma postura do judiciário para além dos limites constitucionais. ”

5. CAPÍTULO IV - APLICABILIDADE DO MODELO AMERICANO NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

5.1. Importação do modelo americano

Os doutrinadores em sua maioria confirmam que a origem do ativismo judicial teria nascido através dos casos norte-
americanos em que detiveram grande repercussão na mídia por atuarem de forma ativa nas decisões politicas da
nação.

Também se entende que o sistema daqui do Brasil muito se assemelha com o de lá. Porém, de toda há um grau
acentuado de divergência em suas origens e justificativas. Uma delas são as diferentes tradições jurídicas, enquanto
no Brasil prevalece a civil law, nos Estados Unidos é a commom law, devidamente relacionados com a tradição
jurídica de cada pais82.

No entanto, esses modelos muito se fundiram com o tempo, não podendo isola-los um do outro, sendo que no
ordenamento mundial atual é difícil caracterizar tradições puras, até mesmo porque há relações evidentes como o
Controle de Constitucionalidade presente nos dois sistemas 83.

O caso Marbury versus Madson ficou mundialmente conhecido quando a Corte Americana revisou uma decisão
política. Transcreve-se abaixo um breve resumo do caso:

“John Adams, presidente dos Estados Unidos, na véspera de deixar o cargo, designou que Willian Marbury ocupasse o
cargo de juiz de paz, entretanto, Thomas Jefferson, sucessor na presidência, não reconheceu o designo de Adams.
Marbury recorreu a Suprema Corte para que James Madison, então Secretario de Estado, o empossasse como juiz de
paz com base na seção 13do Judiciário ACT de 1689. No entanto, 1802, o Congresso revogou o Judiciário ACT. Então,
ciente de que se fosse concedido o mandado a decisão poderia não ser cumprido.Marshall estabeleceu que Marbury
tinha direito de ser empossado, tendo em vista que a nomeação era irrevogável. Mas negou que a Suprema Corte
poderia julgar o caso, pois a seção 13 do Judiciário ACT que lhe atribuía tal competência, era inconstitucional, na
medida em que ampliava a competência da suprema Corte estabelecida constitucionalmente 84.”
Tal decisão definiu limites ao agir governamental através do fundamento do art. III, inc. VI que garante a supremacia
da Constituição. Por outro lado, havia uma forte dúvida quanto a legitimação do Controle de Constitucionalidade
pelas Cortes, pois muitos acreditavam ser abusivo, mesmo expresso na Constituição. De qualquer modo, é inegável
que isso foi muito importante para a historia do Direito Constitucional, pois ali surgiram os primeiros debates sobre a
legitimidade da atuação da Corte Constitucional85.

A busca pela fundamentação da legitimidade da Judicial Review buscou amparo na Constituinte, mas não conseguiu
como visto anteriormente, face a falta de previsão expressa da possibilidade deste controle pelo Judiciário.
Sobretudo, apesar de diversas procuras infrutíferas em achar a legitimação a experiência constitucional
estadunidense repercutiu no cenário mundial, através de dias importantes afirmações: “da soberania da
Constituição, no sentido de que o texto constitucional passou a ser considerado superior a outros atos normativos; e
do papel do judiciário na defesa da Constituição, incluindo o dever de tornar nula legislação que lhe confrontasse 86.”

Sistema norte-americano, baseado no commom law prevê que as decisões das Cortes devem respeitar as regras
estabelecidas em julgamentos passados, precedentes e jurisprudência. Neste mesmo sentido, os tribunais inferiores
também são vinculados a decidirem da mesma forma em casos semelhantes de casos já julgado pelos superiores.
Insta lembrar que só são vinculante as decisões tomadas pelo mesmo órgão judiciário, exceto a Suprema Corte
Federal que vincula todas as instancias, e as Cortes Estaduais, que abrangem as decisões tomadas em seu Estado 87.

Assim, comprando os precedentes da tradição norte-americana e as sumulas vinculantes da brasileira Georges


Abboud esclarece que no brasil temos a vinculação obrigatória, passível de ser reclamada no STF se não cumprida, ao
passo que dos precedentes não ocorre essa vinculação; encerra-se em um texto normativo, tal qual a produção
legislativa, motivo pelo qual seu alcance parece delimitado o que não ocorre no caso dos precedentes, que
dependem de decisão baseado em casos semelhantes já decididos; foram criados com o fito de engessar o Judiciário
enquanto no dos precedentes de primeiro foi uma forma de fortalecer a atuação jurisdicional em face dos poderes
do rei e depois como modo de controlar a decisão judicial, no intuito de preservar a segurança jurídica 88.

Alguns autores afirmam ainda que há áreas em que a teoria do direito tem “locais de produção” e “locais de
recepção”. O primeiro consistiria em círculos intelectuais de grande prestigio, com influencia transnacional. Já os
locais de recepção seriam os países periféricos que adotariam o sistema dos locais de produção. É o caso do Brasil,
que incorporou os contributos da doutrina norte-americana sem observação das especificidades do caso brasileiro 89.

Nesse espeque verifica-se que o Brasil mesmo tendo o Direito acostado no predomínio da lei (e da Constituição),
insiste em acentuar o papel da jurisdição, pois copia o modelo norte-americano que assim aplica. Porém lá como se
trata de tradição jurídica da comom law, tipicamente baseada pelos precedentes90.

Como a Constituição Americana é extremamente concisa, contendo somente o básico dos direitos fundamentais e
dos preceitos básicos de limitação ao poder, tendo apenas sete artigos e vinte e sete emendas, assim cria um campo
fértil para a proliferação de posturas ativistas, pois não possui o mesmo numero de amarras que a brasileira. Assim,
sendo a Constituinte brasileira regulando vários aspectos, com 250 artigos e mais de 70 emendas, possuindo riqueza
de detalhes não haveria necessidade de resolver constitucionalmente alguma contenda jurídica do mesmo modo dos
Estados Unidos91.

5.2. Análise jurídica do ativismo judicial

5.2.1. Posição contrária

“A politização do Poder Judiciário é muito criticada. Mas o que ela significa? Eu fui eleito governador. Mostrei à
população um programa de governo, que foi aprovado. Fiz um compromisso com o cidadão. Tive voto. A politização
do Judiciário retira da soberania popular um pouco de sua força. Imagine um prefeito de um município pequeno que
decida construir uma quadra de esportes ao invés de um hospital. Daí, um juiz entende que, na escala de valores da
Constituição, a saúde tem prioridade. Com uma ação ajuizada, o juiz condena o município a não construir a quadra, e
sim o posto de saúde. Mas e se o prefeito foi eleito com o compromisso de construir essa quadra? Deve haver aí um
limite92.
A citação acima começa abordando o eixo central da limitação do Ativismo Judicial com um exemplo prático da vida
política em que se evidencia os conflitos gerados por essa postura.

Uma das criticas dirigidas a esse instituto é a utilização de função de um poder na de outro. O Judiciário
principalmente, pois através dessa atitude proativa ao inovar o ordenamento jurídico traz consigo regulamentação
de assuntos não regrados, omissos pela Legislação, o que acaba fazendo o que o Legislativo deveria disciplinar.

Dessa forma, o jurista Lênio Streck93 afirma que os juízes estão se utilizando da constituição, da força normativa dos
princípios constitucionais para apreciar o direito conforme o subjetivo de sua pessoa. Como se soubesse mais do
direito que o próprio constituinte. Ainda conclui que quando não concordamos com a lei ou a constituição,
construímos um princípio e levamos ao judiciário, onde se torna um grande guichê de reclamações. Deixa-se de fora
o debate político, a discussão aberta e restringimos a uns poucos julgadores que não eleitos pelo povo,
democraticamente, diz o que pode e o que não pode o que é e o que não é direito.

Configura-se então, o que se pode prever como a função reguladora do judiciário em ditar normas com força de lei, o
que é função típica do Poder Legislativo.

Outro posicionamento tangente é o de que os juízes, tribunais e principalmente os tribunais constitucionais não
possuem legitimidade democrática para deliberar sobre atos do Executivo e Legislativo. Seja agindo como legislador
negativo, invalidando atos e leis dos outros dois poderes, seja como legislado positivo, interpretando as normas e
princípios e lhes dando atribuindo juízo de valor 94.

Para Daniel Souza Sarmento, os juízes pautando pelo euforismo principiologico surgiu o decisionismo jurídico em que
negligenciaram o dever de fundamentar suas decisões:

“E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante
dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a
negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu
um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente
correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo.
Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o
julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores
extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não
eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações
do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e
legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o
dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a
própria vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico 95”.

Para Ronald Dworkin, o ativismo judicial prejudica a própria noção de subjetivismo jurídico, implicando na
intervenção dos demais poderes e destroçando os longos períodos de batalha democrática e respeito a
constituição96:

“O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a
história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras
tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio
ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de
jurisdição constitucional que lhe esteja próxima 97”.

5.2.2. Posições Favoráveis

De outro lado, os defensores do ativismo judicial explanam que a estrutura tripartite das funções do poder foi
transformada consideravelmente. Houve uma evolução no principio da separação dos poderes, sobrevindo uma
flexibilização. É o que demonstra André Ramos Tavares:
“Modernamente têm sido propostas novas classificações das funções do Estado, com bases mais científicas e tendo
em vista a realidade histórica em que cada Estado se encontra. A realidade já se incumbe de desmistificar a
necessidade de poderes totalmente independentes, quanto mais numa distribuição tripartite. Ademais, a tese da
absoluta separação entre os poderes os tornaria perniciosos e arbitrários.” 98

A política tem como finalidade propor normas e leis que garantam os direitos de um povo através de um poder, que
modernamente é incumbido ao Legislativo, e sendo ao Executivo compelido a adotar programas e instrumentos de
concretizá-los.

No entanto, como pode se notar no Brasil, há um grande descaso com a implantação dessas medidas, seja por má
gestão, seja por corrupção dos representantes políticos.

A população não pode ficar a mercê desses indivíduos negligentes. Para isso, é invocado o Poder Judiciário, que com
sua dinâmica e hermenêutica busca dar aplicabilidade ao direito positivo e resgatar os direitos fundamentais, mesmo
que embasados por princípios arraigados na constituição.

Nesse sentido, em entrevista ao Ex-Corregedor e atual Desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso,
Sebastião de Morais Filho, afirma que as interpretações extensivas da lei podem ser dadas para conferir direitos, não
podendo ser utilizada para prejudicar direitos. O juiz não pode eximir de julgar o processo para definir uma situação.
Não precisa ficar vinculado ao direito brasileiro, poderá utilizar das leis, códigos e normas de outras nações 99.

Nem por isso o magistrado defende o envolvimento do Judiciário nas questões políticas, alegando não ser ambiente
próprio, tampouco tratar de sua função.

Quando indagado sobre o envolvimento do Direito e Moral, explanou que estão diametralmente ligados, certo que,
por muitas vezes uma decisão é judicialmente correta mais moralmente incorreta e vice-versa, tendo que se utilizar
duma ponderação de valores para cada caso concreto visando não privar o direito das minorias através de conceitos
morais dominantes e também ao decidir não seguir a risca a letra de lei sob ameaça do direito não acompanhar a
realidade social100.

Quanto à colisão de princípios, onde abre margem ao magistrado decidir a lide da forma que lhe convencer é valida
desde que devidamente fundamentada.

Por fim, o douto desembargador defendeu a atuação do Poder Judiciário em fazer valer as normas constitucionais
quando provocados pelo Ministério Público e Defensoria Pública, perante ao Poder Executivo que costumeiramente
descumpre com o mínimo existencial dos indivíduos 101.

Para Airton Ribeiro da Silva e Fabrício Pinto Weiblen 102 uma vez não aplicado os direitos fundamentais pelos então
legitimados a desempenha-los, cabe ao Poder judiciário obrigar a sua implantação. Pois as normas estão arroladas na
Carta Política, o que se faz é sua concretização dos direitos.

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É a forma em que se garante a aplicação dos direitos das minorias, uma vez que dificilmente o Congresso ou as
Assembleis Legislativas de cada Estado se interessem a debater assuntos polêmicos e divergentes, em que muito das
vezes seu próprio eleitorado a reprovaria caso fosse determinado algo que não agradasse a maioria. É o caso dos
direitos LGBTs.

Nesse sentido, o Ministro Luiz Roberto Barroso explica a função do ativismo judicial nessas horas:

“A Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é assegurar as regras do jogo democrático,
propiciando a participação política ampla e o governo da maioria. Mas a democracia não se resume ao princípio
majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o
segundo pela janela! pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma
Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem
mais votos. Ativismo e contenção judicial desenvolvem uma trajetória pendular nos diferentes países democráticos.
Há situações em que o processo político majoritário fica emperrado pela obstrução de forças políticas minoritárias,
mas influentes, ou por vicissitudes históricas da tramitação legislativa. De outras vezes, direitos fundamentais de um
grupo politicamente menos expressivo podem ser sufocados. Nesses cenários, somente o Judiciário e, mais
especificamente, o tribunal constitucional pode fazer avançar o processo político e social, ao menos com a urgência
esperável103.””

O Ativismo judicial detém a oportunidade de conferir direitos aos que não conseguiriam o mesmo beneficio se
discutidos frente às discussões politicas convencionais com discursos fadados muito das vezes em interesses
particulares, descaso com o interesse público e a ignorância de alguns políticos. Através dos princípios e direitos
contidos na Constituição o magistrado tem a possibilidade de oferecer ao indefeso a proteção e efetivação do seu
direito.

No decorrer do processo histórico foi evoluindo a função do magistrado como promotor do estado democrático de
direito e ativista na proteção e aplicação dos direitos fundamentais. Inicialmente com os juízes progressistas dos
Estados Unidos no século XX, e agora, aqui no Brasil, com o Supremo Tribunal Federal, que se manifesta imponente e
atuante em prol dos princípios constitucionais.

Por essa postura, é abertamente criticado por grande parte da doutrina e políticos e contraposta sua credibilidade.
No entanto, foi verificado que em alguns casos esse procedimento se mostra satisfatório e que pode ser um
instrumento hábil a garantir a efetividade dos ensejos da população, em face da perda de atuação política no cenário
atual.

O ativismo judicial deve se manter operante dentro dos limites fixados no ordenamento jurídico constitucional e
regular quando o legislativo se atrasar ou for omisso a determinado tema, pois a vontade popular não pode esperar.
Consequentemente esse instituto perderá sua finalidade e sua atuação quando as políticas públicas voltarem a
demonstrar sua força e efetividade. O judiciário não precisará ser provocado se o direito está sendo exercido
normalmente.

Quanto à critica da violação dos poderes pela pelo ativismo do judiciário os defensores afirmam que a função
tripartite dos poderes foi transformada significativamente. O principio da separação dos poderes evoluiu e sobreveio
uma flexibilização104. É o que aduz o André Ramos Tavares em sua obra:

”Modernamente têm sido propostas novas classificações das funções do Estado, com bases mais científicas e tendo
em vista a realidade histórica em que cada Estado se encontra. A realidade já se incumbe de desmistificar a
necessidade de poderes totalmente independentes, quanto mais numa distribuição tripartite. Ademais, a tese da
absoluta separação entre os poderes os tornaria perniciosos e arbitrários 105”.

De outro argumento, há doutrinadores que entendem que o Poder Judiciário é quem deve expressar valor normativo
e controlar a legalidade de qualquer ato emanado pelo Poder Público. Vejamos o seguinte trecho:

“Cremos ser o Judiciário competente para controlar a legalidade de todo e qualquer ato emanado pelo poder público,
seja vinculado ou discricionário, e ademais, o controle político condizente com a conveniência e oportunidade –
típicos do administrador – deve de igual modo ter sua contingencia também controlada pelo Judiciário numa
interpretação não mais lógico-formal de suas atribuições, mas em sentido material-valorativo, ao verificar se a
medida coaduna-se com os princípios consagrados na Constituição 106”.

Há quem entenda que o Ativismo Judicial traz mais benefícios que malefícios para a realidade social dentro do
quadro político em que vive o Brasil, como o ex-Procurador da República, ex-Senador e Governador do Estado de
Mato Grosso Pedro Taques. Infere ainda que há uma falta de legitimidade no sistema de representatividade. Quando
o filósofo britânico Stuart Mill analisou a representatividade, ele não pensou em categorias. No Congresso, por
exemplo, a quantidade de bancadas alteram a representatividade e enfraquecem a legitimidade do órgão. Daí o
Judiciário vai buscando seu espaço107.

6. CAPÍTULO V - AMEAÇA À ORDEM DEMOCRÁTICA


6.1. O ativismo como um problema

Para Clarissa Tassinari, o ativismo judicial no Brasil é caracterizado em dois aspectos, pela adoção de um modelo que
não é próprio, importado dos Estados Unidos, e pela utilização despojada do contexto de seu surgimento. Além do
mais, aparece carregada de um pragmatismo, de forma perigosa, porque vinculada a um ato de vontade do julgador.
Assim, acompanhando raciocínio de Lênio Streck, num momento em que predominantemente é necessário o
ativismo judicial para concretizar direitos no Brasil, o instituto não funciona da forma que deveria 108.

Miguel Carbonell afirma que o novo constitucionalismo não se limita apenas a proliferação dos textos
constitucionais, à uma postura jurisprudencial diferenciada (agora voltada à concretização de direitos fundamentais),
mas agrega a estes dois níveis a necessidade de uma nova teoria da Constituição 109. Insurge também a contraposição
ao positivismo, o resgate ao papel dos princípios constitucionais, reconciliação do direito e moral, e a afirmação do
protagonismo judicial com um aumento de faculdades interpretativas do julgador, a partir da defesa da
discricionariedade judicial110.

Desta Analise, o trabalho firmado por Streck problematiza o ativismo judicial no atual cenário jurídico contra três
desafios, quais sejam, o enfrentamento das recepções teóricas equivocadas, a superação da discricionariedade
judicial e a preservação da autonomia do direito 111.

Entende ainda que o direito brasileiro tornou-se campo fértil para proliferação de posicionamento derivados de
outras culturas jurídicas, o que foi prejudicial, por ter sido introduzido em nosso ordenamento de modo acrítico e
equivocado, provocando, inclusiva, mixagens de teorias. É o caso da adoção da jurisprudência dos valores, modelo
surgido no âmbito do constitucionalismo alemão do qual prega a utilização dos conceitos indeterminados e das
clausulas gerais quando não se consegue resolver o caso através da legislação 112. Assim, o judiciário torna-se tutor da
politica, agindo como um guardião da moral e dos bons costumes 113.

O ativismo judicial compromete a democracia, vez que através dos valores, juízes e tribunais desvinculam-se da
legalidade; pela ponderação abre-se a escolha ao julgador a aplicação dos princípios que serão colocados em colisão;
e com o ativismo norte-americano, o Judiciário toma total interferência política 114.

Herbert Hart, por sua vez, admite que as regras que constituem o Direito possuem textura aberta, surgindo “zonas
de penumbra”. Neste espaço é onde surge a possibilidade de escolher nos casos difíceis 115.

Outro aspecto relevante é perda da autonomia do Direito. O autor Lênio Streck chama como predadores externos do
direito, que com a influencia da Moral e da Econômica acabam por prejudicando estruturalmente o DNA do direito,
perdendo sua identidade como efetivamente esfera jurídica 116.

Luigi Ferrajoli aponta que as teorias constitucionais estão direcionadas a promover a reconciliação entre Direito e
Moral, o que denota inclinação ao jus naturalismo, do qual discorda Lênio Streck. Tal circunstancia adveio como
forma de ataque ao positivismo jurídico e à tese de separação entre Direito e Moral, que, por conseguinte
caracterizou o ativismo judicial decorrente de direitos estabelecidos por princípios 117.

Dessa forma, evidenciamos que a relação entre a defesa da autonomia do Direito e o ativismo judicial é que este se
manifesta na presença dos predadores esternos, como os critérios de Economia, Moral ou de Politica, ou seja, o que
não é jurídico. Assim, se apresenta como um desafio a manifestação da autonomia do Direito, frente a interferência
das outras esferas, quando acostado o poder de decisão aos juízes 118.

O Governador Pedro Taques, rebate a tese afirmando que o Ativismo Judicial é prejudicial somente quando o Estado
não tem capacidade de gestão. Salienta que se o Estado tem capacidade de gestão, a politização do Judiciário é
minimizada. Um exemplo disso é a indústria de liminares na saúde. Ela só existe porque o sistema de regulação é
defeituoso. O juiz então concede a liminar para aquele determinado tratamento médico. Se o Estado funciona, essa
função do Poder Judiciário é esvaziada119.

No que tange ao benefício em que o Estado poderia a vir receber, esta pesquisa científica não conseguiu visualizar
nenhuma senão pela concretização dos direitos fundamentais. Pedro Taques, afirma que o Ativismo Judicial beneficia
o cidadão, mas sempre levando-se em conta a reserva do possível, visto que muitas das vezes a decisão é
inexequível120:

Digamos que um juiz tenha condenado o Estado de Mato Grosso a contratar servidores na saúde, por meio de
concurso. Quem deve determinar se o concurso será ou não realizado sou eu, que tenho a discricionariedade,
conveniência e oportunidade política. Mas, e se o juiz determina a realização do concurso e eu não possuo espaço
orçamentário? A decisão será inexequível121.

6.2. Síntese de julgados ativistas e contenciosas

Para melhor entendermos esse fenômeno na atuação dos tribunais, necessário se faz trazer alguns julgados que
demonstrem sua afirmação na jurisprudência nacional. Nesse sentido, através da busca em palavras-chaves como
“ativismo judicial”, “ativismo”, e “autocontenção” achamos as seguintes decisões:

“Apelação Cível 70008795775 – 7ª Câmara Cível – Relator: José Carlos Teixeira Giorgis – Jul.: 23/06/2004 – DJ:
05/08/2005 Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA. ADOÇÃO INFORMAL. PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO. PATERNIDADE
AFETIVA. POSSE DO ESTADO DE FILHO. PRINCÍPIO DA APARÊNCIA. ESTADO DE FILHO AFETIVO. INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PRINCÍPIOS DA SOLIDARIEDADE HUMANA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
ATIVISMO JUDICIAL. JUIZ DE FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE.

REGISTRO. A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem
afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. Embora o ideal seja a concentração entre
as paternidades jurídica, biológica e socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o desapreço à
biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. Uma de suas
formas é a "posse do estado de filho" , que é a exteriorização da condição filial, seja por levar o nome, seja por ser
aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e pública. Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde
a uma situação que se associa a um direito ou estado, e que dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de
seriedade à relação aparente. Isso ainda ocorre com o "estado de filho afetivo", que além do nome, que não é
decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada e atendida pelo indigitado pai,
como se filho fosse. O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõe, em afago à solidariedade
humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa, que se supere a formalidade processual,
determinando o registro da filiação do autor, com veredicto declaratório nesta investigação de paternidade
socioafetiva, e todos os seus consectários. APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70008795775,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 23/06/2004)”

“Apelação Cível 599134566 – 6ª Câmara Cível – Relator: Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior – Julg.: 22/12/1999

“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE DANO. INCÊNDIO. LEGITIMIDADE ATIVA DO SEGURADO. DISSENSO SOBRE
VALOR. PROVA TÉCNICA. Legitima-se à cobrança da indenização, quando se está a cuidar de seguro por conta
própria, o segurado. Se há dissenso sobre o valor do bem segurado, inteiramente destruído, e possível sendo a
realização de prova técnica, deve determiná-la o juiz, com base no art. 130 do CPC. No moderno processo, ampliou-se
o espaço para o ativismo judicial. Processo parcialmente desconstituído. (Apelação Cível Nº 599134566, Sexta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall'Agnol Júnior, Julgado em 22/12/1999)”

Aqui a expressão esta vinculada aos poderes instrutórios do juiz.

Caso: STJ, REsp 650728/SC – Segunda Turma – Relator: Herman Benjamin – Julg.: 23/10/2007 – Dje: 02/12/2009:
responsabilidade civil pelo aterramento de um manguezal, sendo esta área considerada de preservação permanente
pela Constituição e pela lei ambiental. O posicionamento do relator é no sentido de que não há que se falar em
ativismo judicial ao defender que o manguezal é APP, mas ativismo judicial da lei e da Constituição. Na ementa:

“No Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei,
após terem passado pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e
do texto constitucional. Felizmente nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de
meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou
deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo
legislador."

O ativismo é compreendido como desnecessário para concretizar direitos.

Um dos mais significativos casos de ativismo judicial vislumbrado em nosso ordenamento jurídico foi o das uniões
homoafetivas, em que o STF conheceu da causa e por decisão unanime, julgou procedente as ações, com
eficácia erga omenes e efeito vinculante que os casais do mesmo sexo pudessem formar união estável.

Assim, o voto do Ministro Gilmar Mendes começou a questão do ativismo contrapondo-se ao dialogo do texto de
Lênio Streck, Vicente Barreto e Rafael Tomaz de Oliveira 122arguindo que o Judiciário deve ter um papel ativo, na
espera que o legislativo venha a atuar, que “se o Poder Judiciário é chamado, de alguma forma, a substituir o próprio
sistema político, a resposta do Supremo Tribunal Federal só pode ser de caráter positivo”.

Já para o Ministro Celso de Mello, entendeu que o ativismo judicial se perfaz quando da necessidade de fazer
prevalecer a primazia da Constituição da Republica, muitas vezes desrespeitada, como na espécie da omissão dos
poderes públicos. Aponta ainda, como uma necessidade institucional.

Segue abaixo a ementa do caso:

“Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.


RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO
HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES
DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº
4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil.
Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO
PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL
DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO
PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE,
INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição
constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.
Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo
constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo
dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente
proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta
emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a autoestima no mais elevado ponto da
consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a
proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das
pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente
tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.
RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM
SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E
PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput
do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da
família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou
informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de
1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída
entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar
que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por
“intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que
somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada
família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação
não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil.
Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes.

Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal


Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que
passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO
CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA.
FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA
ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE
FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-
se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem
hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência
patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da
Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo
que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado
núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não
interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a
ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o
que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação
jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que
outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela
adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de
ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem
embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria
aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata autoaplicabilidade da Constituição. 6.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA
“INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS
AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código
Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à
Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. ”

De lado oposto ao ativismo, também encontram-se julgados acostando-se na figura da autocontenção. É o caso do
Mandado de Segurança de nº 25579MC/DF – Tribunal Pleno – Relator: Sepúlveda Pertence – Julg.: 19/10/2005 – Dje
Pub.: 24/09/2007. Afim de evitar uma leitura extensiva e complexa do caso, Clarissa 123 resume a ementa da seguinte
forma:

“Caso: Mandado de segurança com pedido de liminar impetrado pelo Dep. José Dirceu contra o recebimento e o
processamento da representação no Conselho de ética e Decoro Parlamentar e a eventual e consequente cassação de
seu mandato parlamentar. O termo aparece em parte da ementa: “Na qualidade de guarda da Constituição, o
Supremo Tribunal Federal tem a elevada responsabilidade de decidir acerca da juridicidade da acao dos demais
Poderes do Estado. No exercício desses mister, deve esta Corte ter sempre em perspectiva a regra da autocontenção
que lhe impede de invadir a esfera reservada À decisão política dos dois outros Poderes, bem como o dever de não se
demitir do importantíssimo encargo que a Constituição lhe atribui de garantir o acesso à jurisdição de todos aqueles
cujos direitos individuais tenham sido lesados ou se achem ameaçados de lesão. À luz deste ultimo imperativo,
cumpre a esta Corte conhecer de impetração na qual se os atos ministeriais do parlamento licenciado se submetem à
jurisdição censória da respectiva câmara legislativa, pois a matéria tem manifestamente estatura constitucional, e
não interna corporis. Mandado de segurança conhecido”.

Autocontenção como postura que evita a invasão do Judiciário na defesa dos outros Poderes.

Como bem sabido, o Poder Judiciário só age quando provocado, não podendo deixar de decidir o caso por ausência
de norma. Dessa forma, utilizar-se-á dos demais fontes do direito como analogia, costume, princípios gerais do
direito, como bem preleciona o art. 4º da LINDB (Lei de Introdução ao Direito brasileiro).

Logo, o ativismo judicial se vê presente nos casos em que se debate a constitucionalidade das normas, e sendo o
Judiciário quando provocado, obrigado a decidir utiliza-se dos meio hábeis para declarar a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de determinado ato político.

O ativismo judicial no Brasil

Ciro Varcelon Contin Silva

Publicado em 12/2013. Elaborado em 01/2011.

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 DIREITO CONSTITUCIONAL

 FILOSOFIA DO DIREITO

 PODER JUDICIÁRIO

 ESCOLAS JURÍDICAS

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Revelam-se os principais fatores responsáveis pela origem do ativismo judicial, suas principais características e alguns
exemplos de decisões consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Resumo: A sociedade brasileira contemporânea reclama cada vez mais por uma busca de mecanismos e iniciativas
que propiciem uma maior efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, uma vez que estes
estão sendo, diariamente, inobservados por diversos setores da sociedade brasileira. Diante desse quadro, surge o
fenômeno do ativismo judicial como uma resposta à inércia das demais esferas de poder do Estado. Com base em
posicionamentos doutrinários, o presente artigo tem como objetivo apresentar análises e reflexões acerca da
presença do fenômeno do ativismo judicial no Brasil, revelando os principais fatores responsáveis pela sua origem,
bem como suas principais características, trazendo, inclusive, alguns exemplos de decisões consideradas ativistas
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.  

Palavras-chave: Pragmatismo Jurídico. Ativismo judicial. Efetividade de direitos.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1. Breves considerações acerca do Pragmatismo Jurídico. 1.1. Principais


contribuições: o consequencialismo, o contextualismo e o antifundacionismo. 1.2. A criação da norma individual pelo
juiz. CAPÍTULO 2 .O Ativismo Judicial no Brasil. 2.1. Uma distinção entre ativismo judicial e judicialização. 2.2.
Principais fatores responsáveis pela origem do Ativismo Judicial no Brasil. 2.3. Principais características. 2.4.
Exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. CAPÍTULO 3. O
Ativismo Judicial pode provocar uma “ditadura” do Poder Judiciário no Brasil? 3.1. Principais controvérsias e
discussões sobre o tema. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO

Atualmente, não restam dúvidas de que os princípios passaram a ter um status de norma jurídica e de que a
Constituição Federal brasileira passou a ser vista como um sistema aberto de regras e princípios sustentado pela
ideia de justiça e efetividade de direitos.

No mais, o Poder Judiciário, em muitas ocasiões, é convocado para decidir acerca de diversas questões que não se
encontram, ainda, bem definidas no âmbito social.

Ao partir de tais constatações, o presente artigo tem como principal objetivo trazer análises e reflexões de ordem
doutrinária e jurisprudencial acerca da presença do fenômeno do ativismo judicial no Brasil. 

Com o fim de expor com uma maior acuidade o referido tema, o presente artigo foi dividido em três capítulos.

O primeiro capítulo traz algumas considerações de ordem filosófica, tecendo, especialmente, uma análise acerca das
contribuições fornecidas pela corrente do Pragmatismo Jurídico, de modo a servir de base para uma discussão acerca
do fenômeno do ativismo judicial.

O segundo capítulo, por sua vez, aborda especificamente o fenômeno sob exame, buscando, sobretudo, expor os
principais fatores responsáveis pela sua origem no Brasil, bem como suas principais características. Além disso,
busca-se citar alguns exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

O terceiro capítulo, por fim, traz uma reflexão acerca da possibilidade do ativismo judicial gerar uma "ditadura" do
Poder Judiciário no Brasil, não olvidando, sobretudo, de destacar a importância de se pluralizar e de se enriquecer o
debate sobre o tema.

1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRAGMATISMO JURÍDICO

De início, vale ressaltar que as correntes doutrinárias tradicionais preocupam-se, principalmente, em decodificar a
lei, instrumentalizá-la ou justificá-la, perdendo com isso a noção de sua inserção histórica, do contexto onde foi
produzida, bem como a viabilidade de se aplicá-la às reivindicações por novos direitos individuais e coletivos.

No mais, a dogmatização do Direito, na sociedade moderna, propiciou a consolidação de um Estado de Direito onde
a lei passou a ser vista como a fonte suprema de um sistema.

Um dos fatores responsáveis pela consubstanciação de tal dogmatização é o da inegabilidade dos pontos de partida,
que são os textos provenientes de fontes normativas. Logo, os discursos no processo judicial devem,
equivocadamente, se submeter a essa limitação dos textos dogmáticos, não podendo negá-los em uma
argumentação dita dogmática. Outros fatores considerados fundamentais para a dogmatização são a
“monopolização da força, a legitimação da violência e a impossibilidade de alegar o non liquet na seara de uma
decisão de conflitos” (CATÃO, 2007:41).

Infere-se que os fatores supramencionados visam, principalmente, a consecução de uma segurança jurídica.

No mais, as posturas jurídicas dogmáticas reduzem o conhecimento dos agentes jurídicos às normas estatais e as não
dogmáticas, por outro lado, aceitam a hipótese de outros fatores poderem nortear as decisões de tais agentes. Um
mesmo intérprete do Direito, portanto, pode construir uma argumentação embasada na legislação ou não
(ADEODATO, 2005).

Diante desse breve intróito, cumpre advertir que os estudiosos e aplicadores do Direito devem se livrar da noção de
que o Direito é fixo e imutável, haja vista que se submete, a todo instante, a críticas e, sobretudo, a interpretações
divergentes.

Uma corrente que corrobora tal premissa e que será objeto de análise no presente capítulo é a do pragmatismo
jurídico[1].
Ao contrário das abordagens positivistas e formalistas do Direito, o pragmatismo jurídico não possui compromissos
rígidos com os tradicionais imperativos da segurança ou da certeza jurídicas. Seu principal compromisso é,
sobretudo, com as necessidades humanas e sociais.

Um juiz pragmatista, por exemplo, não se preocupa em manter uma coerência lógica do sistema jurídico se isto não
servir a um resultado socialmente desejável e benéfico (EISENBERG, 2007).

Tal corrente, também, assume o compromisso com a idéia de que não há nada fora do alcance da investigação e da
discussão, visando superar qualquer obstáculo dogmático que impeça o desenvolvimento das habilidades dialéticas
e, sobretudo, das imprescindíveis atividades críticas (EISENBERG, 2007).

Convém observar que em sistemas jurídicos, como o brasileiro [2] (e.g), a legitimidade do poder jurisdicional estatal
encontra-se arraigada na observância da lei. Todavia, sabe-se que o Direito não se limita a um número de regras
capaz de oferecer uma solução satisfatória a todos os conflitos de interesses. E com o escopo de superar esse
empecilho, tais sistemas jurídicos, por exemplo, fornecem ou até mesmo criam princípios, positivando-os em seus
respectivos ordenamentos jurídicos[3].

 O Direito passa a ser visto, então, como um conjunto de regras e de normas principiológicas capaz de dirimir
conflitos. No entanto, conforme o pragmatismo jurídico, o intérprete do Direito não deve recorrer somente a esse
conjunto de regras e princípios, uma vez que ele pode se utilizar de outros instrumentos para atender,
especialmente, as necessidades humanas e sociais (EISENBERG, 2007). 

Um juiz, na sua atual posição, improvisa, muitas vezes, uma tese quando, em um determinado momento, é obrigado
a fazer face às exigências do caso concreto. Além disso, outros métodos e fontes considerados válidos ou autorizados
podem servir de instrumentos para se obter maiores informações e, sobretudo, uma prestação jurisdicional mais
eficiente (EISENBERG, 2007).    

Cumpre assinalar que as teorias não se revelam excludentes em sua aplicação prática, haja vista que elas podem ser
vistas como perspectivas que proporcionam uma melhor compreensão do Direito e, principalmente, uma maior
racionalização do processo judicial (EISENBERG, 2007).

Com o escopo de fornecer uma maior credibilidade e flexibilidade à interpretação e aplicação do Direito, o
pragmatismo jurídico traz, portanto, algumas contribuições relevantes, de modo a conformar o Direito às exigências
de uma sociedade cada vez mais complexa e dinâmica.

1.1. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES: O CONSEQUENCIALISMO, O CONTEXTUALISMO E O ANTIFUNDACIONISMO

Tecidas considerações gerais acerca da corrente do Pragmatismo Jurídico, deve-se, no presente momento, revelar as
principais contribuições trazidas por tal corrente, quais sejam: o contextualismo, o consequencialismo e o
antifundacionismo (EISENBERG, 2007).

O contextualismo implica que a valorização do contexto possibilita o juiz pragmatista de se valer de fontes tanto do
âmbito jurídico quanto do não-jurídico – dados científicos, técnicos, etc. - para atender as demandas que se revelam
no caso concreto (EISENBERG, 2007).

No mais, um intérprete do Direito não deve defender a existência de conceitos fixos, imutáveis, independentes das
mudanças históricas, haja vista que este se revela como um ser histórico inserido em um determinado contexto
social, político e cultural (CASTRO, 2007).

O consequencialismo, por sua vez, requer que toda e qualquer proposição seja testada por meio da antecipação de
suas consequências e resultados possíveis. Um juiz, ao decidir, visará um futuro melhor para a sociedade ou tentará
supor conseqüências, buscando alcançar a decisão que lhe parecer mais adequada e que, também, melhor atenda as
necessidades humanas e sociais (CASTRO, 2007).

Vale frisar que as conseqüências desejadas não podem ser derivadas de uma hierarquia de preferências, mas devem
ser fins possíveis de serem atingidos pela interpretação oferecida para aquele contexto (EISENBERG, 2007).
O antifundacionismo, por fim, consiste na rejeição de quaisquer espécies de conceitos abstratos e dogmas, entre
outros tipos de fundações possíveis ao pensamento (CASTRO, 2007). Assim, toda e qualquer interpretação resultará
de uma relação entre o sujeito e o texto, desmistificando a idéia de objetividade absoluta ou da existência de uma
única interpretação possível ou correta.

Verifica-se que as aludidas contribuições corroboram a observação de que pensar o Direito sob uma ótica
pragmatista implica em compreendê-lo em termos comportamentais, isto é, o Direito passa a ser delineado pela
atividade realizada, sobretudo, pelos juízes.

1.2. A CRIAÇÃO DA NORMA INDIVIDUAL PELO JUIZ

Como já salientado alhures, o Direito, enquanto fenômeno social, dinâmico e complexo, não pode estar atrelado tão
somente à subsunção do fato a uma premissa maior, como estabelece o raciocínio lógico-formal que se revela no
modelo positivista.

Ao se analisar o Pragmatismo Jurídico, torna-se necessário, também, conceder a devida atenção ao processo de
criação da norma individual pelo juiz, fruto da adequação da norma geral a um caso concreto. Assim, parâmetros
rígidos de validade podem ser humanizados mediante o papel criativo do juiz quando da apresentação de
argumentos que envolvem as circunstâncias do caso concreto, norteando, assim, sua decisão.

Convém destacar que doutrinas tradicionais relegam a função criadora do juiz, embasando-se no argumento de que
a lei é a verdadeira fonte de validade do Direito, sempre criada pelo legislador e entregue aos tribunais para aplicá-la
por meio do silogismo tecnicista. Não há dúvidas de que tal postura proporciona um “insulamento técnico-científico
ao juiz” (AZEVEDO, 1989:21), transmitindo a ideia de que este possui uma função meramente técnica, subserviente,
reduzida à aplicação acrítica da lei.

Insiste-se na idéia de que há, ainda, neutralidade na interpretação do Direito, aceitando-se, equivocadamente, a
noção de que o intérprete se revela desprovido de ideologias, noções e preconceitos. No mais, são desconsiderados
os contextos social, político, histórico e cultural que estruturam o Direito e que influenciam diretamente o processo
decisório (EISENBERG, 2007).

Salienta-se que o juiz é um ser humano que possui uma formação pessoal, própria e o exame dos fatos sociais
podem fornecer a este os dados sobre os quais medita o seu espírito criador e neste processo de criação há sempre
alguma coisa a mais do que nele ingressou. O manuseio de exemplos e de casos concretos pode desenvolver essa
habilidade criativa e a repetição pura e simples de preceitos, por outro lado, pode criar um profissional medíocre
(CARDOZO, 2004).

Vale frisar, portanto, que, quando se defende a criação judicial do Direito, isso não significa que o juiz formule
normas gerais, abstratas, uma vez que uma lei abstrata não pode ser considerada, ainda, um direito. A criação de
direitos pelo juiz decorre do próprio exercício da função jurisdicional, de modo necessário e inafastável. Interpretar o
direito não é apenas individualizar a norma, como também adequá-la ao contexto no qual será aplicada (CARDOZO,
2004).  

Segundo Coelho (2009), a interpretação criadora é uma atividade legítima que o juiz desempenha de forma natural
no curso do processo de aplicação do direito e não um procedimento que deva ser coibido, uma vez que estaria
situado à margem da lei.  

Impende destacar que, no Direito, torna-se incabível pensar em uma interpretação que revele o que seria uma
essência da norma jurídica ou até mesmo em decisões judiciais adequadas a uma verdade. Por outro lado, um texto
normativo não deve tentar impor ao intérprete um determinado sentido, uma vez que esgrima com a própria
natureza da interpretação.  

Noutro giro, surgem discussões quanto à existência ou não de influências externas nas decisões judiciais ou se há ou
não, em decorrência de tais influências, decisões arbitrárias prolatadas por juízes, passando, assim, pelo problema da
legitimidade do Judiciário para a tomada de decisões livres, sem as aludidas interferências. Controvérsias se
originam, também, com relação a qual dos poderes logra de uma função central no âmbito de um Estado
Democrático de Direito (CATÃO, 2007). Tais discussões serão analisadas nos capítulos subsequentes que têm como
objeto o exame do fenômeno do ativismo judicial no Brasil.

Não obstante a existência de tais controvérsias, não restam dúvidas de que a interpretação pode ser vista como um
relevante meio de construção do direito, haja vista que o legislador cada vez mais se utiliza de textos vagos,
imprecisos e, inclusive, contraditórios, não logrando êxito algum em conciliar as aspirações humanas e coletivas. Por
isso, ao juiz não compete buscar o sentido de tal texto, mas, sim, construí-lo, solucionando o conflito de interesses
de maneira adequada e eficiente.

Com o fim de ilustrar tais considerações, vale citar um exemplo referente aos valores éticos. Estes dependem de um
contexto, de seus elementos culturais e de seus respectivos fatores históricos, variando, assim, em diferentes épocas
e culturas. O que hoje se considera ético, amanhã pode não ser considerado como tal e vice-versa.

Outro exemplo é o próprio conceito de justiça que apresenta significações distintas construídas por distintas
mentalidades. Tentativas de objetivar seus padrões ou descrevê-los jamais lograram sucesso. Nesse sentido, a justiça
se revela um conceito muito mais sutil e indeterminado do que qualquer outro que seja criado por uma mera
observância de uma regra (CARDOZO, 2004).  

Nota-se, claramente, que o tempo despiu as imperfeições do Direito moderno, revelou como o universalismo era um
engano e como o império da lei não regrava tudo. A observação da realidade jurídica cotidiana fez com que muitos
juristas, que se interessavam pelos problemas fundamentais do Direito, reconhecessem que há um pluralismo de
métodos e de fontes do Direito e que é necessário, portanto, fortalecer o pragmatismo (ARNAUD, 1991).

O juiz deve subordinar-se ao direito e não à lei, já que é possível existir uma lei que vai de encontro ao direito
(AZEVEDO, 1989).

Assim, cabe aos juízes e, também, aos juristas, em primeiro lugar, compreender a lei à luz dos princípios
constitucionais e dos direitos fundamentais (MARINONI, 2008).

Diante desse contexto, emerge o Ativismo Judicial [4].

2. O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

Após uma análise das contribuições fornecidas pelo Pragmatismo Jurídico, verifica-se que tal corrente pode se
revelar, também, como uma teoria que contribui para o fenômeno do ativismo judicial, tendo em vista que, em seu
âmbito, o que confere validade para as normas jurídicas passa a ser a aplicação destas, de modo a atender,
sobretudo, as necessidades humanas e sociais (EISENBERG, 2007).

Diante disso, o presente capítulo fará uma abordagem do fenômeno do ativismo judicial, expondo os principais
fatores responsáveis pela sua origem, bem como suas principais características. Além disso, serão citados, a título de
ilustração, alguns exemplos de decisões judiciais consideradas ativistas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

2.1. UMA DISTINÇÃO ENTRE JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL

Inicialmente, cumpre relembrar que houve mudanças filosóficas significativas em ordenamentos jurídicos do pós-
guerra por todo o mundo. No mais, houve, após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, uma
valorização da função exercida pelo Poder Judiciário que passou a proferir decisões sobre diversos assuntos,
intensificando, assim, as atividades dos juízes que passaram a não se revelar mais como observadores distantes e
impassíveis de conflitos de interesses (GIORGIS, 2007).

Servem como provas da intensificação das atividades do Judiciário a preocupação de tal poder com o reforço das
instituições garantidoras do Estado de Direito, como a magistratura e o Ministério Público; as investigações focadas
na elucidação de casos de corrupção, envolvendo, principalmente, a classe política; o controle jurisdicional de atos
das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) no que tange à violação de direitos e garantias constitucionais; e a
ampliação do rol de legitimados ativos para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI),
objetivando-se pluralizar o debate constitucional no sentido de conferir um maior coeficiente de legitimidade política
e social aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (MELLO, 2006).

Após esse breve intróito, convém enfatizar que o ativismo judicial não deve ser confundido com “judicialização”. Tal
expressão significa que algumas questões consideradas de grande repercussão política ou social estão sendo
decididas pelo Poder Judiciário e não pelas instâncias políticas tradicionais, como os poderes Legislativo e Executivo
(BARROSO, 2008).

Pode-se asseverar que a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, proporcionando
alterações significativas na linguagem, na argumentação e, sobretudo, no modo de participação da sociedade
(BARROSO, 2008).

Reflexo de tal transferência de poder é a grande judicialização, por exemplo, das políticas públicas e sociais que
passaram a ser decididas, em última instância, pelos tribunais.

O ativismo judicial, por seu turno, revela-se como um fenômeno em que o Poder Judiciário transmuda de seu estado
de passividade para uma atitude proativa, optando ativamente pela interpretação dos preceitos constitucionais, de
modo a conceder máxima efetividade e concretização a direitos (PETRACIOLI, 2009).

É o Judiciário extrapolando os limites clássicos de sua esfera de poder para estabelecer suas fronteiras dentro dos
espaços próprios dos outros poderes republicanos (PETRACIOLI, 2009).

Vale ressaltar que tal fenômeno teve suas primeiras manifestações nos Estados Unidos, tendo em vista que o próprio
sistema Common Law favorece, de certa forma, o ativismo ao consagrar o processo de criação jurisprudencial do
Direito (CITTADINO, 2004).

Impende frisar que, no contexto brasileiro, a judicialização, apesar de possuir uma relação com o ativismo judicial, é
“um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de
vontade política” (BARROSO, 2008).

Caso um juiz verifique que por meio de uma norma constitucional pode-se deduzir uma pretensão, subjetiva ou
objetiva, cabe àquele dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial se revela como uma atitude, a
escolha de um modo específico de interpretar a Constituição com o fim de expandir o seu sentido e alcance
(BARROSO, 2008).

Normalmente, o ativismo judicial se manifesta em situações que serão expostas na seção subsequente.

2.2. PRINCIPAIS FATORES RESPONSÁVEIS PELA ORIGEM DO ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL.

Reconhece-se que houve no Brasil, ao longo dos anos, uma considerável ampliação do controle normativo do Poder
Judiciário. Pode-se dizer que esse controle, inclusive, é propiciado pela própria Constituição Federal de 1988 que, de
certa forma, viabiliza uma ação judicial que recorre a procedimentos interpretativos legitimadores de aspirações
humanas e sociais (CITTADINO, 2004).

Com efeito, percebe-se, também, uma maior mobilização política da sociedade, bem como uma ampliação do acesso
à justiça em decorrência do crescimento dos números de demandas e, sobretudo, de assistências judiciárias à
população (CAPPELLETTI, 1988).

Não há dúvidas, ainda, de que foi conferida uma força normativa à Constituição pátria, uma vez que a sua estrutura
se encontra repleta de princípios. Como já observado no capítulo anterior, a incorporação de tais normas
principiológicas pode conceder uma margem para a realização de interpretações construtivistas do Direito, dando
azo a julgados distintos sobre um mesmo assunto, conforme as perspectivas dos julgadores.

Noutro giro, cumpre assinalar que o legislador, no Estado brasileiro contemporâneo, é chamado a intervir em tudo,
utilizando-se da lei como instrumento único para a solução de diversos problemas. Os diplomas legais e outros atos
normativos, tais como medidas provisórias, por exemplo, estão se multiplicando abruptamente, uma vez que se
busca atender às pressões da sociedade e, também, a uma parcela da mídia.

Essa elaboração exacerbada de diplomas normativos, no entanto, peca por não atender aos anseios da sociedade, às
mudanças nas relações dos cidadãos entre si e entre estes e o Estado (PETRACIOLI, 2009).

O Poder Executivo, por seu turno, não observa, notadamente, os direitos consagrados no ordenamento jurídico-
constitucional, cuja aplicabilidade não deveria de forma alguma ser limitada. Além disso, não se administra
adequadamente a máquina estatal, de modo a proporcionar aos legítimos titulares do poder os benefícios que o
Estado deve prover.

Diante de tal situação, alguns defendem que o ativismo judicial é jurídica e socialmente justificável em razão da
inércia e/ou da atuação insuficiente dos demais poderes. Além disso, sustenta-se que tal fenômeno se revela como
uma resposta dada pelos órgãos jurisdicionais ao momento político atual da sociedade brasileira (GOMES, 2009).

Sustenta-se, também, que há uma “crise de identidade” (PETRACIOLI, 2009) das demais esferas de poder, colocando-
se em risco a democracia, de modo a provocar um caos institucional.

Tal crise de identidade está afetando, inclusive, os partidos políticos diante dos constantes e suspeitos acordos
políticos entre Executivo e Legislativo, bem como a representatividade popular, tendo em vista o crescente
afastamento entre a classe política e a sociedade em geral (PETRACIOLI, 2009).

Outro fator que é considerado, por alguns, como relevante para o surgimento do fenômeno sob exame é a liberdade
de expressão e a liberdade alcançada pela imprensa nas últimas décadas. Exemplo disso é a divulgação frequente de
diversos escândalos, envolvendo a classe política (APPIO, 2008).

Não se deve olvidar, ainda, da nova composição do Supremo Tribunal Federal, já que, no âmbito desta Corte
Suprema, encontram-se ministros com uma formação humanista, preocupados com a concretização de valores e
princípios constitucionais (BARROSO apud GOMES, 2009).

Vale lembrar que o STF, durante os anos de ditadura militar, atuava no exercício de suas funções de certa forma
discreta. Já ao final da década de 1990, passou-se a exercer uma nova espécie de jurisdição constitucional por meio
da qual o ativismo judicial auferiu considerável atenção (APPIO, 2008).

Diante dos fatores expostos supra, convém advertir que o ativismo judicial, apesar de ser um tema recente e, ainda,
pouco abordado pelos estudiosos do Direito no Brasil, encontra-se passível de críticas, tendo em vista que, para
alguns, pode elevar o Judiciário à condição de protagonista do cenário republicano brasileiro. Tal discussão será
exposta em momento posterior.

2.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS.

Segundo Barroso (2008), um juiz ativista atua de forma distinta e aberta, pautando sua conduta no cumprimento
integral da Constituição, de modo a aplicar os mandamentos constitucionais a situações ainda não acobertadas pelo
texto constitucional, não se olvidando de considerar, em sua decisão, o contexto onde se encontra inserido, bem
como as conseqüências que poderão advir de tal decisão.

Um juiz ativista, também, não possui receios em declarar a inconstitucionalidade de atos normativos produzidos pelo
legislador, tendo em vista que desenvolve critérios mais flexíveis de controle (BARROSO, 2008).

Um juiz ativista, ainda, se caracteriza por impor condutas ou abstenções ao Poder Público, principalmente em
matérias que envolvem políticas públicas (BARROSO, 2008).

Perante tais constatações, verifica-se que um juiz ativista procura não aguardar manifestações provenientes do
legislador típico. No mais, tem como principal objetivo preencher os vazios (omissões) encontrados nas demais
esferas de poder, de modo a conferir uma eficácia máxima aos valores e direitos consagrados na Constituição
Federal.
Torna-se de grande valia lembrar que o Poder Judiciário encontra-se vinculado aos direitos fundamentais não
somente a partir do momento que fiscaliza o cumprimento destes pelas demais esferas de poder, mas também no
conteúdo de cada decisão, bem como no seu modo de agir (NUNES JÚNIOR, 2010).

Cumpre asseverar, ainda, que os efeitos jurídicos emanados das normas definidoras de direitos fundamentais,
podem e devem ser extraídos diretamente pelo julgador sem a necessidade de haver uma intervenção do legislador
ordinário, devendo, nesta medida, ser efetivados, haja vista que, em caso contrário, os aludidos direitos poderiam
cair na esfera de disponibilidade dos órgãos estatais (SARLET, 2002).

 Não restam dúvidas de que, nos dias de hoje, os direitos fundamentais não podem mais ser vistos como meros
enunciados que não logram de qualquer força normativa, “limitados a proclamações de boas intenções e veiculando
projetos que poderão, ou não, ser objeto de concretização dependendo única e exclusivamente da boa vontade do
poder público, em especial, do legislador” (SARLET, 2002).  

         De arremate, impende frisar que o Estado existe para atender ao bem comum e, consequentemente, satisfazer
direitos fundamentais, garantindo, assim, a “igualdade material entre os componentes do corpo social” (GRINOVER,
2008:12).

2.3. EXEMPLOS DE DECISÕES JUDICIAIS CONSIDERADAS ATIVISTAS PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL.

Com o fim de ilustrar a presença cada vez maior do ativismo judicial no Brasil, vale a pena citar alguns exemplos de
decisões de caráter ativista proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a legitimidade política que esta
Corte Suprema desfruta atualmente, sobretudo, em decorrência de uma série de conjugações entre fatos e eventos
de natureza estritamente política que marcaram a recente história do Brasil na última década como, por exemplo,
o impeachment de um ex-presidente da República (APPIO, 2008).

Um primeiro exemplo que merece ser destacado é o da declaração de inconstitucionalidade do regime


integralmente fechado, previsto no artigo 2º, da Lei n° 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos). Segundo o STF, o
aludido dispositivo viola o núcleo essencial do direito à individualização da pena, previsto no rol de direitos e
garantias fundamentais do artigo 5º, da Constituição Federal (NUNES JÚNIOR, 2010).

Outro exemplo que merece destaque é a decisão proferida pelo STF na ADPF n° 54 [5]. A corte suprema considerou,
por maioria, que incumbia a esta e não ao Congresso Nacional regular o tema por meio de uma ação de controle
objetivo de constitucionalidade das leis. Tal opção revelou uma nítida postura ativista em favor de uma minoria, qual
seja, as mulheres. (APPIO, 2008).

Ao abordar o ativismo judicial durante o julgamento dos Mandados de Injunção números 670 e 712 [6], a
jurisprudência do STF evoluiu no sentido positivo de fornecer ao Mandado de Injunção o sentido previsto pelo
legislador constituinte (APPIO, 2008).

Um caso, também, que merece ser ressaltado é o da implantação da fidelidade partidária. O STF aplicou diretamente
a Constituição a uma situação não expressamente contemplada em seu texto e independentemente de manifestação
do legislador ordinário. A mesma corte declarou, com fulcro no Princípio Democrático, que a vaga no Congresso
pertence ao partido político (BARROSO, 2008). Criou-se, assim, uma nova hipótese de perda de mandato
parlamentar, além das que se encontram expressamente previstas no ordenamento constitucional.

Não se deve deixar de assinalar a edição, pelo STF, de algumas súmulas vinculantes que trouxeram regulações a
determinadas matérias que, até então, não haviam sido objeto de lei como, por exemplo, as restrições ao uso de
algemas[7], a vedação da cobrança da taxa de matrícula em universidades públicas [8] e a vedação do nepotismo no
âmbito dos três poderes da República[9] (GANEM, 2010).

Ao analisar o direito à educação[10], o STF decidiu que a educação infantil se afigura como um direito
constitucional indisponível, fundamental, haja vista que confere um desenvolvimento integral à criança. O
impedimento de efetivo acesso e de atendimento em creches e unidades de pré-escola por parte do Poder Público
Municipal configura inaceitável omissão governamental, violando, assim, dispositivos constitucionais. Por se revelar
como direito fundamental de toda criança, a educação infantil não deve se expor, em seu processo de concretização,
a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública.

Por fim, não se pode olvidar de citar um exemplo notório, qual seja, o da distribuição de medicamentos e a
determinação de terapias mediante decisões judiciais. A matéria não foi apreciada, ainda, de forma aprofundada
pelo STF, exceto nos casos onde constam pedidos de suspensão de segurança. No entanto, constata-se, em diversos
tribunais estaduais e federais, uma grande quantidade de decisões, condenando a União, o Estado ou o
Município[11] a fornecer medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou
das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (BARROSO, 2008).               

Após a análise dos exemplos supracitados, pode-se inferir que o STF possui uma missão de proteger, sobretudo, as
minorias, uma vez que não são adequadamente representadas na esfera política tradicional (Congresso Nacional e
Presidente da República), bem como de conceder máxima eficácia aos direitos consagrados no ordenamento
jurídico-constitucional.

A Suprema Corte, também, não pode permitir que se instaurem “círculos de imunidade em torno do poder estatal”
(MELLO, 2006), sob pena de se fragmentarem os direitos dos cidadãos, as liberdades públicas e de se degradarem as
instituições democráticas (MELLO, 2006).

O STF, ainda, possui a capacidade de deflagrar o debate político em torno de questões morais da mais alta
relevância, mas que se encontram, na maior parte do tempo, no “subterrâneo da política comum do cotidiano mais
preocupada com a prática de atos de governo e com CPI’s” (APPIO, 2008:385).

Noutro giro, há quem sustente a ideia de que não é toda e qualquer matéria que possa ser decidida no âmbito de um
tribunal, pois algumas situações que envolvem aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade devem ser,
inicialmente, analisadas pelo Legislativo ou Executivo. Logo, deve-se ceder um espaço para juízos discricionários
dotados de razoabilidade (BARROSO, 2008).

Além disso, um juiz não detém informação suficiente ou conhecimento específico acerca de determinado assunto.
Em questões como, por exemplo, demarcação de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido
estudos técnicos e científicos adequados, deve ser levada em consideração a questão da capacidade institucional
(BARROSO, 2008).  

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Autor

Ciro Varcelon Contin Silva

Pós-graduado em Direito Público. Advogado em Maceió (AL). Atualmente servidor público do Tribunal Regional
Eleitoral de Alagoas.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ciro Varcelon Contin. O ativismo judicial no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n.
3822, 18 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23347. Acesso em: 7 out. 2020.

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