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Diogo Francisco Souza de Moraes; Luciana Pereira Santos; Andressa Carneiro Campos; Hélder
Gabryel Padilha Martinho.

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J928 Judicialização da política e o estado de coisas inconstitucional no sistema


penal brasileiro / Diogo Francisco Souza de Moraes … [et al.] – 1. ed. – Campina Grande, PB
: Papel da Palavra, 2023.

ISBN 978-65-85626-25-5
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.8331005
1. Direito. 2. Separação dos Poderes. 3. Judicialização. I. Título.
CDD 340 Direito
Aos que não acreditaram em mim.
E aos que estão sempre ao meu lado.
SUMÁRIO

Prefácio 9
Ana Clara Montenegro Fonseca

Introdução 15

1. DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E


SEPARAÇÃO DOS PODERES 19
1.1 A teoria da separação dos poderes como
fundamento do Estado Democrático de Direito
e a judicialização da política 21
1.2 Poder político e gênese do Estado de Direito 30
1.3 Modi cações na atuação do Poder Judiciário 38

2. ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA


POLÍTICA E OS SEUS INSTRUMENTOS 43
2.1 Ativismo Judicial 44
2.2 Judicialização da Política 48
2.3 A Judicialização da Política no Brasil e os
seus Instrumentos 55

3. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL


COMO REALIDADE ATUAL BRASILEIRA 67
3.1 A declaração de Estado de Coisas
Inconstitucional como força motriz para a
judicialização da política no Brasil 69
3.2 Instituições Desumanas, Terríveis e Austeras 77
3.3 Perspectivas críticas do chamado estado de
coisas inconstitucional à luz da teoria
Luhmanniana 81

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 89
Referências 93
Notas 97
Sobre os autores 101
PREFÁCIO
ANA CLARA MONTENEGRO FONSECA

O contexto sobre o qual esta obra desenrola-se nos remonta a


1997, quando a teoria do Estado de Coisas Inconstitucional
aparece na Corte Constitucional colombiana, funcionando para
reparar situações de violações constantes de desrespeito aos
direitos fundamentais. Desse modo, os autores partem de uma
retomada exatamente a tal Sentença de Uni cación (SU) nº 559
e ao Recurso Extraordinário 592.581, para correlacioná-los à
situação de omissão histórica dos poderes públicos quanto às
garantias dos presos brasileiros. Com isso, problematiza a possibi‐
lidade de intervenção do Judiciário (Supremo Tribunal de
Justiça – STF), quanto ao não cumprimento de direitos humanos
básicos – atravessando, inevitavelmente, a temática de judiciali‐
zação da política.
Sabe-se que o surgimento ECI, emerge no século XX, em países
latinos após períodos terríveis de exceção, ou seja, ditaduras
violentas, que fomentaram, evidentemente, a luta por esforços de
restabelecimento da democracia, a partir da ideia do constitucio‐
nalismo político. Porém, apesar da redemocratização no cenário
10 PREFÁCIO

pátrio, vivemos ainda na expectativa de um futuro de concreção


dos direitos, mormente, os sociais. Logo, exatamente, por experi‐
mentarmos tantas frustrações, assistimos diversos pedidos vincu‐
lados às violações de tais garantias, dentre elas, dos presos, que
levam a práticas judiciais de legitimação do direito como instru‐
mento de mudança social. Eis que o pano de fundo em que o
ativismo judicial se perfaz e o ECI torna-se re exo e catalisador
de todas essas questões estruturais do direito e da sociedade
brasileiros.
Desse modo, ao longo do texto, discute-se a decisão do STF sobre
a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
347, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que
deferiu três dentre os oito pedidos requeridos. Em resumo, com
isso, determinou-se que juízes e tribunais, com base nos artigos
9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, realizassem audiências de
custódia, devendo o preso ser apresentado à autoridade judiciá‐
ria; tratou-se da liberação das verbas do Fundo Penitenciário
Nacional - FUNPEN (pelo Poder Executivo federal), para utili‐
zação com a m para a qual foi criado, sem possibilidade de
novos contingenciamentos. Por m, exigiu-se a apresentação de
informações sobre a situação prisional pela União, Estados e em
especial pelo Estado de São Paulo. Constatou-se a violação
promovida pelos três poderes, justi cando que a solução fosse em
conjunto. Nessa trilha, assumiu-se que vivemos em um mau
funcionamento estrutural e histórico do Estado – União, Estados
e Distrito Federal, como fator da violação de direitos fundamen‐
tais dos presos e da própria insegurança da sociedade.
Tudo isso, sinalizou uma certa trajetória para apresentar um
lastro em investigações estatísticas, sociológicas, culturais e histó‐
PREFÁCIO 11

ricas e construir argumentos jurídicos sobre a natureza estrutural


dessas violações aos direitos humanos. Ademais, o livro traz,
mesmo que de modo indireto, um olhar sobre os papéis dos
magistrados a respeito de questões que perpassam mais pelo
campo da política do que do próprio direito. O que nos faz
imaginar que o STF exime-se por não imputar um responsável
determinado e único do próprio bojo do sistema jurídico em si.
Assim, a construção linguística da decisão indica uma abertura
para tantas condutas de omissão externas, que, de fato, parece-
nos colocar frente à hipótese de imunização do sistema jurídico
de sua própria parcela de responsabilidade, o que ao mesmo
passo justi ca sua atuação para além dos limites do seu código
jurídico, vez que adentra no campo de competência do sistema
político.
Nessa direção, algumas das problemáticas são trazidas pelos
autores, em torno das quais giram sua própria pesquisa ou
mesmo são por ela fomentadas para o leitor, a saber: é possível
o reconhecimento de um ECI? Em caso a rmativo, tal fato
representa uma interferência do sistema jurídico no político,
para além de seus limites à luz do pensamento complexo
luhmanniano? Tal declaração de reconhecimento do ECI pelo
STF pode ser observada como uma modalidade do próprio
Judiciário também se imunizar de suas responsabilidades?
Mesmo havendo tal interferência, os ns de efetivação dos
direitos dos presos justi ca esse agir da Corte Constitucional
brasileira?
Pode-se dizer que teoria sistêmica luhmanniana coloca-se como
tecnologia capaz de reduzir a complexidade do mundo, pois, pela
desordem constroem-se padrões conceituais, estruturas jurídicas,
que estabilizadas funcionam para apresentar conclusões/decisões
12 PREFÁCIO

(ainda que provisórias) a tantas demandas. Nessa perspectiva, o


direito enquanto sistema de comunicação, tem a função social de
manter as expectativas normativas. Deve ele operar pelo ser
próprio código (lícito/ilícito), promovendo construções jurispru‐
denciais, mas sem extrapolar os limites hermenêuticos para além
do proposto pelo Legislativo. Assim, ao comunicar, interpretando
uma norma jurídica, por meio de uma decisão, o sistema jurídico
reduz complexidade social e abre caminho para novas contingên‐
cias futuras. De todo modo, é de se discutir: quem estabelece os
limites das decisões judiciais, se não temos uma teoria da incons‐
titucionalidade dessas decisões? Como fazer valer as normas
constitucionais, os conteúdos de direitos humanos, sem esvaziar a
função do Judiciário por invadir o campo da política?
Nietzsche já dizia que “é preciso ter o caos dentro de si para dar
à luz uma estrela cintilante”. É nesse mote que nasce a publi‐
cação desse trabalho. Não para responder as interrogantes acima,
mas para fazer ressoar novas re exões, diante de um contexto
caótico de lacunas no âmbito do sistema penal. Os autores tornam
possível, portanto, paradoxalmente, o ecoar de vozes dos presos,
não apenas perdidas no tempo histórico e negligenciadas pela
literatura crítica jurídica e política, mas fortemente caladas no
desenrolar do processo jurídico-penal – quando tateiam, por
ainda não enxergarem claramente, um lugar de fala no cenário
contemporâneo, pelo qual possam equilibrar melhor os espaços
de decisões judiciais, e, quiçá, reivindicar proteção, bem como
mitigação dos danos que o próprio sistema gera para eles, com
novas recriminalizações (secundárias e terciárias).
Nessa linha, é a presente obra, porque traz esse interesse por
estudar violações de direitos humanos dos presos e suas repercus‐
PREFÁCIO 13

sões no direito penal, na função do Judiciário e Política, o que


permite toda essa crítica de problemáticas institucionais e de
busca por transformação na análise e na resolução dos con itos
penais.
INTRODUÇÃO

Esta obra, oriunda de monogra a de graduação, é dividida em


três capítulos, onde pretende-se analisar o fenômeno da judiciali‐
zação da política, partindo-se da premissa de que há atualmente
uma constante expansão nas funções do Poder Judiciário. Tal
ampliação de um dos três poderes do Estado pode signi car um
desequilíbrio sistêmico nas relações estruturais do Estado de
Direito, ameaçando a democracia.
Todavia, pode-se considerar também, a judicialização da política,
como uma reação as atrocidades causadas pelo descumprimento
reiterado, sistemático, universal e generalizado de direitos funda‐
mentais, mormente no sistema penal brasileiro, o que caracteriza
o chamado estado de coisas inconstitucional.
Para tanto, inicialmente será feita uma explicação da teoria da
separação dos poderes, de Montesquieu, como fato importante
que é para o entendimento do da estrutura do Estado de Direito
contemporâneo, bem como uma explanação da gênese do poder,
da política e do próprio Estado de Direito, passando-se para um
16 INTRODUÇÃO

esclarecimento das recentes modi cações na atuação do Poder


Judiciário.
No segundo capítulo, parte-se para uma análise detalhada do
fenômeno chamado judicialização da política, aclarando as
confusões habituais entre judicialização e ativismo judicial,
assim como demonstrando os diversos instrumentos constitucio‐
nais que existem contemporaneamente na legislação brasileiras
que podem dar ensejo ao fenômeno em questão.
No terceiro capítulo, busca-se expor o estado de coisas inconsti‐
tucional demonstrando alguns posicionamentos do Supremo
Tribunal Federal frente à crise do Estado de Direito no sistema
prisional brasileiro, bem como fazer algumas análises das situa‐
ções do cárcere, assim como realizar algumas críticas utilizando
para isso a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.
Trata-se de um estudo de método lógico dedutivo, de caráter
eminentemente teórico, que se utilizará do procedimento biblio‐
grá co, baseado em doutrinas diversas e em decisões brasileiras e
estrangeiras. A pesquisa possui natureza interdisciplinar, empre‐
gando fontes da teoria geral do direito, do direito constitucional,
da ciência política e da sociologia para chegar à crise do sistema
penal.
A pesquisa surgiu através da problemática da atual e crescente
expansão nos mecanismos de poder do sistema Judiciário, que
pode levar a um rompimento das estruturas democráticas e da
sua atuação especi camente quanto ao sistema prisional brasi‐
leiro, onde encontra-se o maior número de violações aos direitos
fundamentais. Pois, a partir disso, pode-
se indagar se o poder judiciário está apenas realizando as suas
funções de garante constitucional ou se estaria ele, ao usurpar as
INTRODUÇÃO 17

atribuições dos demais poderes, rompendo com as estruturas


fundantes da sociedade moderna.
A pesquisa em questão possui eminente valor acadêmico, social e
jurídico. Com a crescente atuação do Poder Judiciário frente aos
outros poderes, faz mister uma melhor compreensão do fenô‐
meno da judicialização da política, como forma de realizar as
melhores escolhas do ponto de vista democrático e compreender
as modi cações na vida de toda a população oriundas de uma
maior ingerência de um dos três poderes do Estado.
É extremamente necessária uma análise das novas formas de
proteção aos direitos fundamentais, a partir da Constituição de
1988, bem como compreender todos os corolários da existente
inércia generalizada dos entes estatais frente à violação massiva
dos direitos básicos da pessoa humana, ponto estabelecedor do
estado de coisas inconstitucional.
Por m, a maior atuação do Judiciário tem gerado grandes discus‐
sões entre juristas e acadêmicos, o que torna indispensável para o
desenvolvimento cientí co uma investigação acurada sobre os
novos estilos de decisões nos Tribunais como fator preponde‐
rante para o desenvolvimento dos estudos jurídicos.
CAPÍTULO 1
DEMOCRACIA, ESTADO DE
DIREITO E SEPARAÇÃO DOS
PODERES

https://doi.org/10.5281/zenodo.8331009
20 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

P
ara a adequada compreensão do signi cado de
judicialização da política, faz-se necessário um aprofun‐
damento sobre a teoria da separação dos poderes. Isso
porque o fenômeno da judicialização constitui exatamente uma
expansão das funções de um dos poderes do Estado, o judiciário,
sobre as atribuições dos demais poderes, o Legislativo e o
Executivo.
Igualmente, para melhor intelecção do tema, torna-se primordial
entender as origens, importâncias e signi cações do Poder e da
Política, bem como compreender a constituição do Estado de
Direito. Em tese, a judicialização se con gura pela adoção de um
posicionamento político-hermenêutico por parte do Poder
Judiciário ao interpretar as leis e a Constituição, com o fulcro de
efetivar os preceitos fundamentais, buscando atingir a justiça
social.
Justiça social esta, altamente ameaçada na conjuntura atual do
Estado de Direito, devido as reiteradas violações aos direitos
humanos dos presos em estabelecimentos penais, o que caracte‐
riza o estado de coisas inconstitucional.
Partindo desse posicionamento político-jurídico-interpretativo,
faz-se mister entender de que forma atualmente o Judiciário
exerce funções políticas e se tais recentes atribuições não são
prejudiciais para o sistema democrático, bem como se são real‐
mente necessárias.
Apesar de atribuir-se a Montesquieu, existiram alguns predeces‐
sores à criação da teoria da separação dos poderes, com posicio‐
namentos imprescindíveis ao entendimento do fenômeno da
judicialização da política.
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 21

1.1 A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO


FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
Sabe-se que desde a antiguidade Clássica, em especial com as
teorias de Platão e Aristóteles, admitia-se que o Estado era
composto por três funções essenciais, a legiferante, a judicante e
a administrativa. Os gregos estudavam a teoria política de forma
secundária, pois o centro dos seus empenhos era voltado para a
natureza da polis e apenas sob o re exo desta recaía-se em ques‐
tões políticas.
Para Aristóteles, o Estado seria composto de população, território
e política, asseverou ele sobre as ligações inerentes entre a ética e
a política, além de conceituar o homem como animal cívico,
necessitado de cobérnio social e superior aos outros desde que
conheça a lei e a justiça. 1
O lósofo, partindo da ideia de constituição mista, teorizava
sobre as estruturas dos poderes políticos e sobre as atribuições
das autoridades, argumentando a imprescindibilidade de se deli‐
mitar poderes com organizações, objetivos e encargos especí cos.
Para Aristóteles, constituição mista seria a que diversos grupos
sociais participam do exercício do poder político, estando a sobe‐
rania nas mãos de todo o corpo social. Ideia contraposta a de
constituição pura, em que apenas determinado grupo ou classe
social possui o poder. 2
Dessa forma, pode-se visualizar que desde épocas remotas já
imaginava-se a ideia de uma carta maior de cunho político que
incorpora os anseios das diversas camadas populacionais, de
forma a efetivar princípios democráticos e de repercussão geral.
22 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

John Locke, ideólogo do Liberalismo, no Primeiro Tratado sobre


o Governo Civil, criticava a crença da época de que os reis eram
representantes das divindades, o que era usado como forma de
legitimar o sistema monárquico, a rmava ele que todas as experi‐
ências advinham dos sentidos, e que a política era invenção dos
homens, sem vínculo algum de cunho divino.
No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, o referido autor
abordou o Estado Liberal a partir do direito natural, as suas
origens, a propriedade privada e a separação dos poderes, criando
um quarto poder, de exceção, chamado de Prerrogativa, que
daria ao príncipe a competência de promover o bem comum
quando houvesse lacuna ou omissão legislativa. Para o lósofo
inglês, a separação dos poderes con gurava-se indispensável, pois
“[...] para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que
não sejam os mesmos homens que a fazem a executá-la”. 3
No estado natural de Locke todos os homens seriam livres para
fazer o que bem entendessem, no limite do direito, sem a necessi‐
dade de autorização de quaisquer pessoas. Nesta conjectura,
haveria a igualdade e a estabilidade, havendo Estado apenas para
de nir o poder e a competência, não existindo hierarquia, nem
um só humano possuidor de poder, todos os homens usufruindo
igualmente da natureza e dos bens. 4
Todavia, o fato de se viver em um “estado de natureza” não dá o
direito aos homens de lesarem-se entre si. Por serem todos iguais
desde o nascimento e dotados de independência, possuem como
única forma de preservarem-se a defesa da saúde, da vida e da
liberdade dos demais, surgindo desta forma, através de alguma
transgressão, o poder de punir o contraventor. 5
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 23

Assim, a partir do momento que os humanos iniciam a vida em


sociedade passa-se a existir a necessidade de serem estabelecidas
normas de conduta. Para tal m, os indivíduos outorgam o seu
poder para representantes que carão encarregados de fazer
cumprir as leis, desta forma cando instituída uma democracia
ideal.
Mesmo nessa democracia perfeita, em que todos são soberanos, o
respeito às igualdades inexiste, o que causa vultosa apreensão,
devido à insegurança pessoal e dos seus bens. Partindo-se da
percepção de que sentimentos ruins, como a raiva, a inveja, a
ambição, a ganância, entre outros permeiam a mente e o compor‐
tamento humano, se faz necessária à criação de leis observadas e
assentidas, que de nirão a concepção social de certo e errado e
de bem e mal.
Com a criação desses regimentos origina-se a necessidade de
existência de um julgador imparcial para solucionar os impasses
e garantir que as punições aos transgressores sejam efetivas, Juiz
este dotado de legitimidade, que deve resolver os embates sem as
incoerências dos anseios individuais, a partir deste arcabouço
motiva-se a gênese do Legislativo e do Judiciário.
Para Locke a função administrativa e legiferante são diversas e
devem ser exercidas por pessoas diferentes, como forma de equi‐
líbrio, apesar de todas serem subordinadas as leis. Já o judiciário
poderia ser exercido pelo próprio legislador ou por um magis‐
trado por ele indicado, não sendo uma real função de poder. O
Judiciário não propicia o m dos litígios, apenas aplica a lei, não
podendo intervir no Executivo, restando no caso de abusos de
poder o direito natural à revolução popular.
24 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Como falado, Montesquieu não foi o primeiro lósofo a falar


sobre a separação dos poderes do Estado, no entanto foi ele o
sistematizador, tornando a teoria da tripartição dos Poderes um
dos pilares do Estado de Democrático de Direito moderno. Na
teoria de Montesquieu encontra-se o âmago da crítica à judiciali‐
zação da política, pois diz-se que judicilização pode con gurar-se
como uma ultrapassagem do judiciário aos seus limites constitu‐
tivos como poder, baseado em tal teoria.
A teoria da separação dos poderes não especulou apenas de
forma genérica sobre a tripartição, mas também teorizou sobre a
sistematização, os limites, a autoridade e a legitimidade do poder
político.
A tripartição dos poderes fundamenta-se na liberdade, na auto‐
nomia e na justiça, pois partindo do princípio de que todos os
humanos estão sujeitos a cometer erros, a concentração das
funções legislativa, executiva e judiciária nas mãos de um só indi‐
víduo, ou no mesmo corpo de indivíduos, poderia levá-lo ao
abuso de poder, o que torna a separação dos poderes imprescin‐
dível para que o próprio Estado contenha os seus possíveis
excessos. 6
Para Montesquieu, se no mesmo sujeito ou mesmo grupo de
sujeitos, o poder legislador é consubstanciado ao administrador,
não existe liberdade. Pois, pode a igir-se que o Monarca ou o
Senado, que seria apenas um, criassem normas abusivas para
executá-las arbitrariamente. Igualmente, não existirá liberdade se
o poder julgador não estiver desassociado do legislativo e do
executivo, pois o juiz que julga a vida e liberdade do povo faria as
leis. Se junto estivesse ao Executivo, o Magistrado teria a
pujança de um tirano. “Estaria tudo perdido se um mesmo
homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 25

Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar


as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas
dos particulares”. 7
A partir dessas ideias expressas pela teoria de Montesquieu,
principalmente, repousa toda a crítica à judicialização da polí‐
tica, onde o Poder Judiciário, ao intrometer-se nas searas do
Poder executivo ou do Poder Legislativo, estaria criando para si a
força de um tirano, o que poderia ensejar uma ditadura do
sistema Judiciário.
Nesta conjectura, deve haver a harmonização dos poderes, pois
se parte do pressuposto de que na realidade o que há é um poder
uno e indivisível, que precisa repartir as suas funções para que se
possa promover o bem comum. Tais poderes são autônomos,
interdependentes e devem ser capazes de controlarem-se entre si,
como forma de balancear as suas atribuições, garantindo os ideais
republicanos.
Justamente nesse sentido, toda a problemática que será tratada
posteriormente, sobre a decisão sobre o Recurso Extraordinário
n° 592.581, bem como a aceitação das medidas liminares da
ADPF n° 347, em que o Supremo Tribunal Federal brasileiro
manifesta-se de forma a dar ao Poder Judiciário o direito de
obrigar o Poder Executivo a promover políticas públicas para
efetivas os direitos fundamentais dos presos que estão sendo
descumpridos de forma genérica.
Indaga-se, a partir disso, se estaria o judiciário tornando-se um
superpoder, ou apenas cumprindo as suas funções de balancear e
harmonizar os poderes, garantindo os ideais constitucionais, de
forma a sobrestar o estado de coisas inconstitucional.
26 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

As diferenças mais essências das teorias de Locke e de


Montesquieu, repousam na ideia de que as funções prerrogativa
e federativa de Locke constam na função executiva de
Montesquieu. Ao mesmo tempo que este expressa a função judi‐
ciária como autônoma, enquanto aquele a rma poder ser ela
exercida pelo legislativo ou por magistrados por ele indicado.
Quase uma década após Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau
escreveu o livro chamado de “O contrato social”, no qual desa‐
provou a tripartição de poderes, teoria que apesar das duras
críticas prevalece até os dias atuais. Discorre o lósofo sobre o
tema: “Fazem do soberano um ser fantástico e formado de peças
ajustadas, tal como se formassem um homem de inúmeros
corpos, dos quais um tivesse os olhos, outro os braços, outro os
pés, e nada mais além disso.[...]” 8
Para o lósofo, a expressão da soberania realiza-se apenas se a lei
abstrata re etir os anseios gerais, sendo as ações do soberano
re exos da lei, sendo esta a forma singular de exteriorização do
poder soberano, de forma que os demais atos são considerados de
cunho pessoal.
Entretanto, podem ser criados órgãos para ajudarem na execução
das normas. Para Rousseau, os indivíduos renunciam a liberdade
absoluta com a nalidade de que, em sociedade, possam obter o
bem comum, resultando daí a legitimidade coercitiva do Estado,
independente da exteriorização volitiva do destinatário.
As diferenças básicas entre Locke e Rousseau é que o primeiro é
a favor de da divisão dos poderes, enquanto o segundo critica tal
teoria, argumentando que o poder uno não pode ser divido. Além
disso, enquanto Locke é adepto do liberalismo, Rousseau é jusna‐
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 27

turalista, expressando que a felicidade humana deve estar acima


de tudo e que as funções judiciárias, dentro de um único poder
devem ser exercidas pelo povo.
As teorias de Rousseau e de Locke, trazem grande in uência
para o Estado de Direito contemporâneo, na medida em que o
direito à liberdade é visto como direito fundamental e que até as
reprimendas aplicadas no sistema penal hodierno restringem tal
direito. Ademais, identi ca-se na estrutura do Estado, diversos
sistemas análogos aos que tais lósofos asseveravam, como a
criação de órgãos diversos para a realização das funções de
Estado.
Além de Rousseau, vários outros autores criticaram a separação
dos poderes, uns argumentando a impossibilidade de divisão dos
poderes do Estado, outros enfatizando os males que a aplicação
de tal teoria poderia trazer. Comte, por exemplo, expressava que
“[...] o Estado forte depende de um poder absoluto, concentrado
e centralizado”, já Condorcet, asseverava que “a interdepen‐
dência do poder impedia a sua separação” 9.
Todavia, a pretensão de Montesquieu não era a de dividir o indi‐
visível ente de direito público externo, mas de distribuir compe‐
tências para que com maior facilidade se atingisse os ns sociais
almejados, objetivo mais custoso para um Estado excessivamente
centralizado.
A Teoria da Separação dos Poderes tinha no seu escopo a neces‐
sária relação harmônica entre os poderes, onde um deve incen‐
tivar o desenvolvimento do outro no que lhe seja cabível, não
estando hodiernamente em discussão a já dubitável nomencla‐
tura “separação” dos poderes.
28 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

A despeito de Montesquieu preconizar a teoria da separação dos


poderes, tendo cada um a sua função especí ca (o poder
Executivo administra o Estado e executa as leis; o poder
Legislativo cria e modi ca as normas e o poder Judiciário julga os
litígios e pune os infratores), 10 para obstar a possibilidade de
criação de poderes absolutos por meio de excessivas centraliza‐
ções, e para garantir a harmonia e o equilíbrio, criara-se o cheks
and balances, (freios e contrapesos). 11
O sistema de freios e contrapesos possui o intento de equilibrar e
harmonizar os três poderes do Estado, paci cando quaisquer
desavenças ideológicas ou excessos, que, porventura, venham a
surgir no interior do Poder Estatal.
Os autores divergem quanto às origens do checks and balances.
Para Pereira, Aristóteles seria o idealizador do sistema, enquanto
Garvey e Aleinlko atribuem ao povo britânico a sua criação. A
despeito dos diferentes pensamentos, é sabido que se originaram
na Inglaterra os importantes institutos do sistema de freios e
contrapesos: o impeachment e o veto. 12 O veto foi uma forma de
o monarca participar e intervir no processo legislativo, enquanto
o impeachment, um modo de o legislativo ter controle sobre o
executivo.
Importante salientar um acontecimento relevante para o controle
difuso de constitucionalidade, o caso Marbury X Madison, em
1803, momento em que o Justice Marshal da Suprem Corte dos
Estados Unidos, atribui ao sistema judiciário a competência
constitucional de declarar inconstitucionais os atos do legislativo
que fossem contrários a Carta Maior.
Desde tal ocorrência, passa o Judiciário a ter controle contra os
abusos de poder advindos do executivo e do legislativo. A partir
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 29

daí, o conceito de três poderes absolutamente independentes foi


substituído por uma ideia de interdependência, com a possibili‐
dade de interferência entre os poderes em situações
excepcionais.
O checks and balances tem como principal função a limitação do
poder exercido por cada uma das funções do Estado, para que de
forma mais e ciente realize-se a justiça e liberdade social. Como
exemplos práticos da aplicabilidade do sistema de freios e contra‐
pesos no Brasil atualmente, podemos citar o instituto do veto do
executivo às normas elaboradas pelo legislativo; o impeachment
do chefe do executivo como forma de controle exercido pelo
legislativo e o controle de constitucionalidade, tanto o difuso
quanto o concentrado, meios utilizados como maneira de o judi‐
ciário scalizar a constitucionalidade das leis elaboradas pelo
legislativo.
Nesse contexto, pode-se questionar se a judicialização da polí‐
tica, representada por um fenômeno de expansão das atribuições
jurisdicionais, seria um instrumento para a aplicação do sistema
de freios e contrapesos, sendo o Judiciário scalizador das ações e
omissões dos demais poderes. E se possui ele legitimidade para
coagi-los a cumprir preceitos fundamentais e seguir os princípios
constitucionais, precipuamente em um país como o Brasil, com
uma vultosa população carcerária, sendo esta uma das maiores
vítimas de ofensas a direitos humanos.
O Poder Judiciário, através do fenômeno da judicialização da
política, vem exercendo cada vez maior Poder Político em nosso
país, sobretudo após a Carta Magna de 1988, o que torna cada
vez mais importante o conhecimento das relações de poder exis‐
tentes no Estado e a gênese do Estado de Direito.
30 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

1.2 PODER POLÍTICO E GÊNESE DO ESTADO DE DIREITO


O fenômeno da judicialização da política consiste na ampliação
do Poder Político do Judiciário, sendo mister para a sua mais
razoável interpretação o entendimento das origens e funções
sócio-históricas do Poder Político e da formação do Estado de
Direito.
Como sabemos, o homem é um animal sociopolítico, pois desde
as suas origens busca o convívio social, objetivando a
concepção dos ns almejados por determinada coletividade.
Mas, devido aos contratempos oriundos da natureza e dos
próprios con itos entre e intergrupos fez-se necessário elencar
dirigentes para obtenção de um maior êxito na busca dos seus
objetivos.
Nas sociedades primitivas os mais fortes e robustos eram os que
possuíam maior aptidão para a defesa do grupo, que tinha o
intento de satisfazer as suas necessidades básicas, como alimen‐
tação e segurança. 13 Todavia, acredita-se que com o aumento da
complexidade e o desenvolvimento das relações sociais, a força
física não mais se fez essencial para a governança social, o que fez
com que as novas che as de grupo se originassem por meio de
sucessão ou herança, fazendo surgir posteriormente assim a
monarquia.
Há autores, entretanto, que se contrapõem a ideia de o homem
ser naturalmente social, argumentando que a sociedade advém
de pactos estabelecidos pelos integrantes da coletividade, que
dessa forma determinam normas comportamentais.
Anteriormente, no “estado de natureza”, o homem hostilizava os
outros, acreditando ser livre, crendo poder fazer o que bem
entendia da sua vida, isolado dos outros. Posteriormente, por
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 31

meio do contrato social, originou-se o estado de sociedade civil,


com leis e poder político, sendo o cumprimento do pacto abali‐
zado inviolável, originando-se assim a justiça. 14
O homem moveu-se, dessa forma, do estado de natureza para
membro da sociedade e depois para o Estado Civil, onde abdica
de parte da sua riqueza, independência e poder para deslocá-la
para o Estado, que era governado pelo Monarca. 15
Com a ampli cação da complexidade social torna-se, cada vez
mais, di cultoso conceituar o que é poder, até porque, depen‐
dendo do contexto, poderá ele assumir diversos formatos.
Trazendo para o arcabouço das ciências jurídicas, políticas e
sociais podemos adentrar no pensamento de respeitados autores
para melhor conceituá-lo.
Para Locke, poder é a capacidade do indivíduo de atingir uma
meta ou in uenciar pessoas, também podendo ser o direito que
porta o sujeito em determinado ordenamento jurídico. 16 Já para
Max Weber, o poder é: “[...] toda probabilidade de impor a
vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja
qual for o fundamento dessa probabilidade”. 17 Todavia, Bobbio,
ao de nir especi camente o poder político expressa: “[...] é o
poder que dispõe do uso exclusivo da força num determinado
grupo social [...].” 18
Diversos são os nomes contrários à ideia de existência do poder,
no entanto, até nas sociedades mais organizadas e pací cas
ocorrem con itos que precisam ser elucidados e para isso é
imprescindível à interferência de uma força externa predomi‐
nante que garanta a paz e a unidade social.
O poder político originou-se nas civilizações grega e romana, pois
se atribuiu aos primeiros representantes do povo, os legisladores,
32 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

a função de impedir o excesso de concentração de poderes nas


mãos do rei.
Com a urbanização um maior número de camponeses tornou-se
comerciantes e artesãos, assim passaram a lutar nas guerras,
exigindo para si o direito de participar também das decisões polí‐
ticas da cidade. Em Atenas, os cidadãos compartilhavam o poder
diretamente, o que originou a democracia. Já em Roma os
plebeus escolhiam um tribuno para representá-los frente aos
patrícios.
Remonta-se a essa época a invenção da política (pluralidade
partidária), onde a lei começou a ser compreendida como
expressão pública popular, com direitos e deveres para todos;
bens e recursos do Estado passaram a pertencer à coletividade;
foram separados os poderes civil e militar; o Senado romano e a
Assembleia grega foram criados, etc. 19
Com o passar do tempo a concepção de poder foi modi cando-se,
passando a se compreender que não cabia ao Estado estabelecer
a propriedade privada, mas apenas protegê- la contra quaisquer
tipos de apropriação ilegítima, sem interferir na economia. Era
atribuição do ente estatal legislar no que concernia a vida
pública, não intervindo na liberdade de pensamento nem na
liberdade econômica. Ao Estado bastava garantir a ordem
pública. 20
Nessa conjuntura, surgiu o Estado de Direito, com o intuito de
defender os direitos individuais e subjugar os cidadãos às leis e as
decisões do Judiciário. Ao ser elencado como garantia constituci‐
onal, o Estado de Direito passou a ter como axiomas os direitos
fundamentais, a jurisdicidade e os valores da própria cons‐
tituição. 21
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 33

Assim, o direito pode ser visto como um sistema racional que se


conecta com certa sociedade e que, para preservar a sua ordem, é
mister que de nam-se normas comportamentais, funde-se insti‐
tuições e rejeite-se atitudes que possam, por ventura, vir a ferir os
princípios do Estado.
A jurisdicidade compreende-se como componente de natureza
formal, material e procedimental, objetivando resolver
problemas oriundos da atuação do Estado, ajustando o poder ao
direito, por meio de regras. 22 Além de jurisdicional o Estado é
constitucional, pois as funções do Estado, os seus atos e delimita‐
ções estão organizados em uma Constituição que subordina as
atividades e edi ca o ordenamento jurídico.
Outro fundamento do Estado de Direito é garantir os direitos
fundamentais, direitos de tamanha importância que se sobre‐
pujam aos demais. Cada Sistema Constitucional elenca os seus
próprios valores fundamentais, apesar de existirem certas conver‐
gências, especialmente no direito ocidental, por in uência do
Jusnaturalismo. No Brasil, temos como exemplos de direitos
fundamentais o direito à vida, o direto à saúde, o direito ao
trabalho e à livre associação.
Vislumbradas às mudanças sociais, históricas e políticas através
do tempo, de nir Estado de Direito não é uma tarefa simples, e
nem teria como o ser, devido à complexidade estrutural, prática e
teórica do termo.
Partindo-se de uma experiência histórica da expressão, Costa e
Zolo conceituaram teoricamente o Estado de Direito como um
Estado moderno no qual atribui-se a um sistema normativo,
concebido como “ordenamento jurídico”, a função de garantir
os direitos individuais, contendo as naturais tendências a arbi‐
34 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

trariedades oriundas de um poder político tendente a expandir-


se. 23
Segundo partes da teoria jurídica, pode-se diferenciar o Estado
de Direito do Estado Constitucional de Direito. No primeiro, o
poder deve ser conferido e exercido nas formas da lei e no
segundo, além de exercido e conferido legalmente, deve ser ele
limitado por ela. 24
Dessa forma, no presente trabalho, visualiza-se o Estado de
Direito como estado de estabilidade e legitimidade do poder polí‐
tico e jurídico posto em determinado território. Legitimidade esta
garantida por ordem de uma representatividade dos governantes
frente ao povo (democracia), tornando a Constituição preponde‐
rante e rea rmando o contrato social.
A expressão “Estado de Direito” foi utilizada pela primeira vez
por Robert von Mohl, no início do século XIX, no tratado de Die
Polizeiwissenschaft nach den Grundsäatzen des Rechtsstaates, na
Alemanha, obra em que o termo Estado de Direito já é usado no
intuito primeiro de referir-se as liberdades individuas dos
sujeitos frente ao Poder estatal. 25
Conectada a noção de Estado de Direito está o avanço do
Positivismo Jurídico, no século XIX e início do século XX. Sendo
atribuído tal evolução a segurança conferida a um ordenamento
jurídico fechado, que fundamenta-se no princípio da legalidade.
O Positivismo, tendo como referência inicial a Revolução
Francesa, no m do século XVIII, inaugurou a denominada “era
dos códigos”, que tornou a lei a principal fonte normativa da
maioria dos países ocidentais. Tal visão foi modi cada no inicio
do século XIX, com a introdução da força normativa da
Constituição, pelas teorias de Hans Kelsen.
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 35

Kelsen, apesar de originar uma teoria que coloca a Constituição


no topo de um “sistema piramidal”, é criticado pelo excessivo
legalismo, que fortalece o positivismo jurídico, tornando-o um
dos principais autores positivistas da sua época.
A partir disso, com a expansão de mecanismos de participação
popular, que originam a democracia liberal e o receio do autorita‐
rismo estatal, assenta-se a ideia de que o juiz não pode ter deci‐
sões políticas e nem contrariar a instituições representativas,
verdadeiras expressões da soberania popular.
Nesse contexto, por força do liberalismo, a lei ocupou parte prin‐
cipal no sistema jurídico. Assim, o poder judiciário atribuiu para
si à ideia de neutralidade e imunidade aos in uxos dos sistemas
econômicos, psicológicos, políticos ou quaisquer outros que
pudessem desvanecer a lealdade ao seu próprio sistema.
Assim, cabe ao legislador a de nição do sentido do direito, sendo
o juiz apenas o executor passivo das normas, com baixa auto‐
nomia e criatividade. Partindo de uma racionalidade dedutiva e
linear de aplicação da norma ao fato, como reprodutor de uma
lógica que garante o status quo. 26
A decisão jurídica tornou-se resumida a subsunção da norma a
lei, e devido à visão do direito como um sistema completo,
fechado e não contraditório, o Judiciário torna-se o único Poder
impelido a decidir.
Grandes críticas originam-se dessa ideologia de juiz como “boca
da lei”, aplicando a norma de forma mecânica, pois até em socie‐
dades mais estáveis e com um direito pouco mutável, o que não é
o caso do Brasil, não visualiza-se possível em todos casos
concretos chegados ao judiciário uma aplicabilidade direta da
norma sem descargas ideológicas ou políticas por parte do juiz.
36 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Assim, tal ideologia poderia estar apenas legitimando certa parti‐


darização do magistrado fantasiada de uma suposta neutralidade
judiciária.
O exacerbado legalismo do positivismo jurídico é profunda‐
mente questionado após a Segunda Guerra Mundial e o
Nazismo, onde começa-se a pensar em uma moralização do
direito. Trazendo novamente para as discussões jurídicas, com a
roupagem de um “neoconstitucionalismo”, valores jusnaturalis‐
tas, como a justiça e a equidade.
Segundo Niklas Luhmann, as correntes positivista e jusnatura‐
lista, não obtiveram um nível de complexidade e abstração que
lhes permitisse entender ao menos quatros circunstâncias impor‐
tantes: a unidade do sistema jurídico; a variabilidade das leis; a
normatividade especi camente jurídica; a relação entre direito e
sociedade. 27 Tendo criado a teoria jurídica sistêmica o intuito de
discutir tal problemática.
Hans Kelsen, em sua obra mais conhecida, Teoria Pura do
Direito, assevera que a ciência jurídica é fechada em si mesma e
tem a lei, representação do Estado, como a sua única fonte, isenta
de in uências metajurídicas.
Segundo o autor, “o fundamento de validade de uma norma
apenas pode ser a validade de uma outra norma”. 28 Dessa forma,
a Constituição no topo legitima-se por uma norma fundamental
hipotética, e todas as leis e atos administrativos apenas são
válidos se respeitarem as normas superiores hierarquicamente.
Mas, ao mesmo tempo, que a Constituição propicia instrumentos
para um fechamento operacional do sistema jurídico, torna-se
ferramenta de uma abertura cognitiva do direito à política,
segundo a teoria de Luhmann.
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 37

Assim, a Carta Maior funciona parte como sistema, parte como


entorno, tanto para o sistema jurídico quanto para o sistema polí‐
tico, que estão constantemente in uenciando um ao outro por
meio da irritação externa, que assim os fazem aprender e evoluir,
atribuindo-se sentidos mútuos por meio do acoplamento estrutu‐
ral. Tais fatos serão melhor esclarecidos no terceiro capítulo
desta obra.
Apesar das diversas críticas, não apenas a teoria da moldura, mas
a toda a obra kelsiniana, não houve ainda outro teórico que
conseguisse justi car de forma mais completa a estrutura do posi‐
tivismo jurídico. Partindo desses pensamentos, pode-se indagar
se a judicialização da política, mesmo que para estagnar as
massivas violações aos direitos fundamentais dos presos,
enquanto decisão alheia ao ambiente normativo, não contraria
todo o sistema teórico alicerce do Estado de Direito e da demo‐
cracia, como a teoria da moldura e a separação dos poderes.
Visto que o poder político fundamenta-se em estabelecer precei‐
tos, leis e mecanismos para atingir o bem comum, cabe aos indiví‐
duos a elaboração de órgãos e estruturas propícias para o alcance
dos seus objetivos. 29 A Carta Maior, principalmente a analítica,
como a brasileira, é a responsável pela criação desses órgãos e
pela estruturação das suas competências, além de eleger os
procedimentos adequados para a consecução dos seus ns
políticos.
Dentre as estruturas e formas estabelecidas constitucionalmente
estão às sujeitas a intervenções do sistema judiciário que, através
de interpretações legislativas e principiológicas, jurisprudências,
ações e recursos de cunho cada vez mais políticos, decidem sobre
matérias de vultosa relevância jurídico-sociais.
38 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Partindo da ideia de que o Estado de Direito possui como um dos


seus maiores fundamentos a garantia dos direitos fundamentais e
que estes se sobressaem ao demais, sob o argumento de preser‐
vação da dignidade da pessoa humana, o STF vem tendo posicio‐
namentos políticos, como na ADPF nº 374. Tais ações
con guraram-se como judicialização da política, demonstrando
as recentes modi cações na atuação do Poder Judiciário no Brasil
frente ao estado de coisas inconstitucional no sistema penal.

1.3 MODIFICAÇÕES NA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO


Primordialmente, o Poder Judiciário exercia uma menor rele‐
vância se comparado ao Executivo e ao Legislativo, cabendo aos
magistrados a simples reprodução da norma escrita, sem poder
algum de crítica aos demais poderes do Estado. Entretanto, isso
começou a modi car-se no início do século XX, mais precisa‐
mente após as grandes atrocidades ocorridas na Segunda Guerra
Mundial. De forma mais clara, percebe-se que nem tudo que é
legal é moral e justo. A partir de então, iniciou-se o constante e
crescente empoderamento do Poder Judiciário, principalmente
na América e na Europa.
Como a transição do Estado Liberal para o Estado Social, o juiz
passou a exercer importante função na consecução das políticas
públicas, como marco do desenvolvimento político-jurídico-
social, podendo, através da lei, dos princípios gerais do direito, da
justiça, da equidade, dos costumes e da analogia, interpretar o
direito no caso concreto. Obtendo também, autônoma liberdade
de pensamento, de decisão e de convencimento, no intuito de
defender os preceitos constitucionais. Essa expansão da sua auto‐
nomia também lhe deu o direito de julgar, nos devidos momen‐
tos, o poder Executivo e o poder Legislativo.
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 39

Com a ampliação nos poderes do Judiciário, averígua-se que o


poder político torna-se, cada vez mais, jurisdicional, pois deu ao
sistema judiciário o direito ao uso da força. Assim, o direito e o
poder podem ser olhados como de ocorrências simultâneas. No
entanto, não se pode dizer que o poder é puramente jurídico,
apesar de estar a todo tempo conformando-se com o direito, pois
para a própria positivação deste faz-se mister o uso da força
daquele. 30
Atualmente, no Brasil, o poder jurisdicional encontra-se apenas
sob o monopólio estatal, con ado a agentes políticos com garan‐
tias e independência, os magistrados, aos quais cabe a aplicação
da lei no caso concreto e a distribuição da justiça (Art 5°, XXXV
da CRFB/88). A jurisdição, competência dos órgãos judiciários,
é acionada por meio do processo judicial, onde as normas jurí‐
dicas são utilizadas para dirimir os con itos sociais, cabendo aos
magistrados decidir com base no direito objetivo, sem o uso de
critérios particulares. 31 A jurisdição constitui-se no poder-dever
que possui o Estado de responder as lides a ele demandadas por
possuir, em regra, o monopólio do uso da força.
No Brasil, a função jurisdicional é exercida por meio de um
órgão de cúpula, o Supremo Tribunal Federal; um órgão articula‐
dor, o Supremo Tribunal de Justiça, que protege as leis federais;
tribunais e juízes federais, estaduais, trabalhistas, militares e elei‐
torais e sistemas judiciários dos estados e do Distrito Federal
(CRFB/88. Art. 92, VII).
Hodiernamente, o judiciário, possuidor da função de distribuir a
justiça e devedor de respeito à harmonia e equilíbrio entre os
poderes, não mais se baseia apenas nas leis e na Constituição em
suas decisões. Isso porque a sociedade complexa exige um posici‐
onamento inovador, ainda não devidamente pautado em normas
40 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

legais, é o caso dos julgamentos recentemente chegados ao STF


sobre delidade partidária, bebês anencefálicos e cassação da lei
de imprensa, que exigem não apenas embasamento legal, mas
político e moral. 32
As novas exigências sociais vêm fazendo com que, em diversos
países, como é o caso do Brasil, sejam levadas ao Judiciário várias
discussões sobre temas práticos que ainda não estão legislados.
Dessa forma, o magistrado, muitas vezes, desempenha as atribui‐
ções do legislador ou do administrador, como modo de efetivar a
justiça social, indo de encontro, muitas vezes, aos abusos dos
outros poderes.
Diante disso, pode-se questionar a lacuna deixada a respeito do
controle dos abusos oriundos do próprio judiciário, que por meio
do STF, tem auto justi cado as suas decisões, fundamentando-
se em sua capacidade constitucional-interpretativa da Carta
Maior. Lembrando-se que, diferentemente do legislativo, o judi‐
ciário não é eleito democraticamente, o que torna mais perigosa
a a rmativa democrática de uma justiça social realizada por
este.
Os juízes, principalmente, os Ministros do STF, ao adquirirem
com a Carta Magna de 1988 o direito de interpretarem a CRFB,
tiveram grande expansão de poderes, ocasionando modi cações
na própria estrutura judiciária. Saíram eles da posição de meros
aplicadores da lei para intérpretes e, muitas vezes, criadores das
normas, âmbito que há bem pouco era exclusivo do legislador. 33
Tal mudança na conjuntura do Judiciário justi ca-se pela neces‐
sidade de atendimentos a direitos básicos, que não tem sito efeti‐
vados pelo poder público por diversas alegações, como a própria
reserva do possível, o que con gura o atual estado de coisas
DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E SEPARAÇÃO DOS PODERES 41

inconstitucional como corolário de uma crise no Estado de


Direito.
No Estado Liberal, o ente estatal assumia uma prestação nega‐
tiva quanto à violação dos direitos individuais, enquanto no
Estado Social há uma expectativa de comportamento ativo por
parte do Estado. A crise no Estado Social pode ser exposta como
a falta de uma teoria política apropriada à captação das transfor‐
mações sociais, bem como a crise do sistema jurídico resulta de
uma falta de técnicas e cientes de defesa e garantia judiciais,
como as que foram ofertadas pelas garantias do Estado Liberal
com o m de tutelar os direitos a liberdades. 34
Uma análise mais detida sobre a conjuntura do Estado Social
pode levar a dúvida quanto a sua realização efetiva, ou o seu
nascimento já em crise, pois não se tem indícios históricos de
uma real garantia de direitos sociais, com obrigações taxativas,
de nidas e sancionadas, consubstanciadas na legalidade e nem
na igualdade na forma de satisfazer as suas expectativas.
Todas essas modi cações estruturais faladas acima, bem como a
caracterização do estado de coisas inconstitucional no sistema
prisional, ocasionaram o fenômeno conceituado de “judiciali‐
zação da política”, que tem trazido enorme divergência doutri‐
nária e vultoso debate jurídico-acadêmico quanto a sua
legalidade ou excessos, benefícios ou danos para o sistema demo‐
crático. No Brasil a judicialização da política pode ser expressa,
por exemplo, através dos remédios constitucionais, como o
Mandado de Injunção, ou pelas ações do controle concentrado
de constitucionalidade pelo STF, como a ADI.
A judicialização da política consiste em uma expansão das
funções do Poder Judiciário, que tem por objetivo a consecução
42 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

de ns estabelecidos a partir de um paradigma de uma interpre‐


tação da Constituição Federal.
CAPÍTULO 2
ATIVISMO JUDICIAL,
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E
OS SEUS INSTRUMENTOS

https://doi.org/10.5281/zenodo.8331012
44 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

A
ntes de adentrar nos raciocínios sobre a judicialização
da política, faz-se importante algumas ressalvas para o
seu melhor entendimento. Não há como falar em judi‐
cialização da política sem falar em ativismo judicial, pois são
fenômenos similares que são sempre trazidos ao fala-se um do
outro. Mas, apesar das aproximações conceituais, cada um ocorre
em determinado contexto, sendo de grande importância tratar do
local das maiores decisões políticas do país, o STF, para a
adequada diferenciação deles.
O Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula do sistema
Judiciário brasileiro, é o principal responsável pela interpretação
da Constituição Federal, possuindo em seu âmbito o poder de
dizer o que é ou não constitucional. Sendo ele o atual respon‐
sável por grandes decisões de cunho político-jurídicas no país,
con gurando-se como protagonista maior da judicialização da
política no Brasil.
Nesse sentido, presente capítulo tenciona a descriminação da
referida judicialização e do ativismo judicial, bem como propõe-
se a uma diferenciação crítica dos semelhantes fenômenos, expli‐
citando as nuances contextuais do Estado de Direito atual.

2.1 ATIVISMO JUDICIAL


A maior parte dos autores atribui a origem do ativismo judicial a
Corte Estadunidense, local em que o Judiciário teria, inicial‐
mente, expandido as suas atuações, debatendo pela primeira vez
na história temas tradicionalmente da alçada do Legislativo e do
Executivo. Todavia, a princípio a expressão foi utilizada como
pretexto para preservar a segregação racial, extremamente forte
nos Estados Unidos, o que ensejou abundantes críticas. 1
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 45

Diversas são as conceituações de ativismo Judicial encontradas


na literatura, a depender do viés cientí co observado e da região
geográ ca do pesquisador. Para maioria, o ativismo seria uma
conduta empregada pelo juiz no que se refere à interpretação das
leis e da Constituição, de forma que ele amplia a abrangência
normativa, diminuindo o poder atribuído ao legislador. 2
O motivo dessa atuação expansiva do judiciário pode ser vislum‐
brado pelas atrocidades causadas pelo estado de coisas inconsti‐
tucional, evidenciada pela ausência de efetividade dos direitos
básicos, demonstrada pelas hodiernas desigualdades sociais, pela
carência de saúde, educação, políticas públicas para a promoção
do bem coletivo, principalmente no sistema carcerário. Surgindo
assim, a esperança de que um judiciário ativista solucione a
estagnação, a ine cácia e a corrupção do sistema político.
O problema desse pensamento, enraizado no último século, é que
não existem indícios reais que uma atuação mais efetiva do
Judiciário possa trazer benefícios, até porque, não são os magis‐
trados representantes eleitos pelo povo, o que diminuiu a con ‐
ança para um maior depósito de poderes em suas mãos. O que
pode justi car o menor poder que o Judiciário exerce em uma
sociedade adepta do civil law, como a brasileira, em um contexto
positivista.
Dessa forma, o ativismo judicial con gura-se pelo argumento na
in uência do Judiciário no âmbito originário dos demais poderes
do Estado, com o intuito de que sejam efetivados, de forma mais
plena os princípios e intentos da Constituição.
Por este viés, o Poder Judiciário poderia declarar inconstitucio‐
nais as leis originadas pelo legislador ou os atos do administrador,
ordenar-lhes condutas e também seria capaz de utilizar-se das
46 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

normas constitucionais e infraconstitucionais sem a aquiescência


do Poder Legislativo, em hipóteses não mencionadas na Carta
Maior. 3
Para as ciências jurídicas, por suas vez, ativismo Judicial concei‐
tua-se como um extravasamento dos limites dos poderes do judi‐
ciário, que age de forma a exceder as atribuições a ele impostas
pela ordem jurídica. 4
Para os ns do presente do trabalho, o ativismo judicial será visu‐
alizado como uma escolha hermenêutica-constitucional indivi‐
dual por parte do magistrado de modo a exceder-se com o m de
efetivação de princípios oriundos da Constituição de modo a
usurpar as funções do legislador e do administrador na criação
legislativa e da consecução de políticas públicas.
Vislumbradas algumas de nições, pode-se, atualmente, sistema‐
tizar cinco conceptualizações de ativismo judicial: postura que
permite ao juiz legislar; questionamento das ações dos demais
poderes; decisões que saem do âmbito do prescrito pelas leis;
julgamentos com intuitos anteriormente determinados e estraté‐
gias para não seguir precedentes jurisprudenciais. 5
O ativismo judicial ocorre sempre que o magistrado usa dos
preceitos constitucionais para salvaguardar direitos. Para isso,
podendo utilizar duas espécies de ativismo: o revelador, no qual
emprega os valores constitucionais e as lacunas normativas para
decidir, e o inovador em que o juiz produz uma norma, não com
o intuito de estabelecer novos regramentos. Mas, de comple‐
mentar a interpretação de certo princípio constitucional ou de
determinada lacuna na lei. 6
Para Almeida, podemos classi car o ativismo em quatro dimen‐
sões: remedial; jurisdicional; contra majoritária; criativa.7 O
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 47

ativismo remedial é uma atitude de criação ou de reestruturação de


órgãos e regulamentos por parte do judiciário, bem como a deter‐
minação de obrigações e políticas públicas aos demais poderes, o
que pode mais facilmente ser confundido com abusos de poder.
Já no caso do ativismo chamado de jurisdicional, o Poder
Judiciário expande as fronteiras da sua prestação jurisdicional de
forma a alterar ou complementar leis e atos administrativos, apre‐
sentando-se como uma necessidade.
O contra majoritário consiste em uma resistência do judiciário ao
cumprimento das decisões realizadas por parte do governo que
foi eleito de forma democrática, con gurando expressamente um
desrespeito a ordem constitucional, desde que tais decisões sejam
legítimas.
O ativismo criativo baseia-se na movimento de moralidade do
direito, já falado no capítulo anterior, que ocorreu com o advento
das teorias do neoconstitucionalismo e do pós positivismo. Nessa
dimensão do ativismo, o Judiciário utiliza-se da hermenêutica
constitucional para a rmação de direitos considerados morais ou
para criar novos direitos.
Apesar das diversas críticas ao ativismo judicial, oriundas da
incerteza sobre a positividade ou negatividade de tal posiciona‐
mento, ainda há hodiernamente duvidas quanto às situações
práticas em que se delimitam a existência do fenômeno. 8 Pois
suas atitudes podem ser confundidas com posicionamentos
inerentes as atribuições dos magistrados, bem como confundidos
com outros modelos de expansão judiciárias. Outrossim, foi
criada a expressão “judicialização da política” para de nir igual‐
mente casos de in uências do judiciário no executivo e no
legislativo.
48 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

2.2 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA


O termo judicialização não possui conceito pací co. Maciel e
Koerner teorizam sobre dois vieses, o normativo e o político-
social. No primeiro, a judicialização seria a obrigação jurídica de
que certa matéria fosse discutida pelo judiciário ou a preferência
pela via judicial para resolução de determinado impasse. Já
quanto ao viés político-social, os autores relatam como sendo a
expansão das ações do Poder Judiciário e o aumento no número
de processos judiciais. 9
Questão intrigante sobre a recente expansão do judiciário é a dos
critérios utilizados para dar vazão a sua legimidade, pois não há
no magistrado critérios de moralidade e nem políticos que o
coloque em condições de ser considerado mais adequado a
criação do direito que o legislador e nem mais apropriado que o
administrador para realização executiva política dos ns
públicos.
Apesar de serem diversas as signi cações atribuídas a judicializa‐
ção, a expressão ‘judicialização da política” possui menor diver‐
gência conceitual. Para Carvalho, a “judicialização é a reação do
judiciário frente a provocação de um terceiro e tem por nali‐
dade revisar a decisão de um poder político tomando como base a
Constituição.” 10
Dessa forma, considera-se a judicialização da política o fenô‐
meno da ingerência do Poder Judiciário nas instituições político-
sociais. Carvalho concebe que a expressão judicialização da polí‐
tica é correlata à politização da justiça, pois ambas con guram-se
por uma expansão do judiciário no que se refere a tomada de
decisões no Estados democráticos contemporâneos. 11
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 49

Pode-se dizer que a judicialização ocorre de diversos modos,


mormente nos casos em que o judiciário age revisando atos
oriundos dos poderes legislativo e executivo baseando-se no
sistema de freios e contrapesos e na Carta Magna. Assim como
na difusão das formas utilizadas para tomar decisões pelos tribu‐
nais que ultrapassem os âmbitos originalmente judiciais. 12
Questionável é a visão do autor sobredito na a rmação de que a
judicialização ocorre no controle revisional dos outros poderes
com base no sistema de freios e contrapesos, pois apesar de talvez
verídica, tal expressão pode ser extremamente perigosa, pois um
excesso dessa expansão judicial pode não estar freando os outros
poderes, mas usurpando as vezes destes.
O que, além de sair da estrutura tradicional da teoria modular de
Kelsen, questiona os pensamentos enraizados político-social‐
mente de Aristóteles, de Montesquieu e de Locke sobre sepa‐
ração dos poderes. Originando, assim, a indagação de se não
estaria, com a judicialização, criando um poder com força de
tornar-se tirano e opressor, quebrando a base democrática do
Estado de Direito.
Carvalho também preleciona que a judicialização da política,
oriunda do poder de revisar práticas legislativas pelo Poder
Judiciário, pode ser conceituada de “judicialização from without”
e expressa-se pela superior colocação em que se põe o juízo do
Judiciário em relação aos âmbitos Legislativo e Administrativo. A
“judicialização from without” objetiva proteger a sociedade dos
excessos do Executivo e do Legislativo, e, para tanto, os
inspeciona. 13
Diversos são os motivos que fundamentam a judicialização da
política: a tripartição dos poderes; a con rmação dos direitos
50 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

humanos; o sistema democrático; a efetivação da justiça social; a


garantia dos direitos políticos; o controle de constitucionalidade
das leis, etc. 14 A tripartição dos poderes fundamenta, na verdade,
uma atuação de controle interno do próprio poder, além de que
uma coerente limitação externa dos demais poderes, buscando
uma harmonia. Sendo que a judicialização da política, pode,
diversas vezes, ser um excesso do poder judiciário, ameaçando a
própria separação dos poderes.
Como falado, a falta de efetividade de direitos fundamentais
pode con gurar um estado de coisas inconstitucional, sendo este
uma crise do Estado de Direito, que não consegue dar conse‐
cução aos seus ns basilares (a promoção do bem comum),
mormente no sistema prisional. Dessa forma, a judicialização
fundamenta-se no propósito de con rmar os direitos humanos
não realizados por um Estado de citário.
A problemática disso consta do descomedimento em um poder
que cria e aplica a norma, que pode resultar em um arbítrio, na
imprevisibilidade do direito e em uma possível confusão entre o
que seria ou não direito. Esses fatos, junto com as possíveis falhas
humanas e as suas tendências egoísticas podem ocasionar
grandes perigos para a própria existência dos direitos fundamen‐
tais e do Estado de Direito.
Todavia, pode-se pensar se a judicialização não seria apenas
uma resposta natural a complexidade social atual, pois, ao
mesmo tempo, que o Judiciário estaria se expandindo para
complementar, usurpar ou auxiliar os outros poderes, estes, em
diversos momentos, utilizam- se de atribuições judicantes. É o
caso, por exemplo, das comissões parlamentares de inquérito,
comitês de ética e câmeras setoriais e até as agências
reguladoras.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INSTR… 51

O argumento que cita como fundamento da judicialização da


política o sistema democrático é um dos mais falhos. Isto porque
o legislador foi eleito democraticamente, enquanto o julgador,
buscando a substituição legislativa tende a desvirtuar a democra‐
cia. Mas ao mesmo tempo, em situações pontuais, poderá o
magistrado, ao controlar as exorbitâncias dos demais poderes,
efetivar garantias democráticas, é o caso do mandando de segu‐
rança ajuizado contra ato que fere o processo legislativo, que será
falado mais adiante, por exemplo. Na atual circunstância de crise
geral e sistêmica do Estado de Direito, estado de coisas inconsti‐
tucional, podemos veri car que os meios de eleger represen‐
tantes políticos estão corrompidos, havendo uma crise de
representatividade arraigada nos meios eletivos, não existindo
uma efetivação da soberania popular, devido a diversos fatores,
entre eles a manipulação de informações midiáticas e a falta de
ética no seio do Estado. Nesse sentido, poderia o judiciário atuar
como executor dos anseios populares e da democracia, obstaculi‐
zados pelo meio político.
Além disso, pode-se a rmar que a judicialização de questões
sociais polêmicas pode diminuir custos eleitorais de uma decisão
controversa ou, ainda, bloquear a abertura de um discussão sobre
políticas públicas ou reformas políticas à sociedade. Tais fatos,
juntamente com a positivação a nível constitucional dos direitos
e garantias individuais, impulsionam o aumento das atribuições
judiciais.
Utilizar o argumento da redução de custos políticos para legi‐
timar a judicialização é colocar a economia acima da própria
tripartição dos poderes e da democracia, o que pode ocasionar
um vultoso desequilíbrio nos próprios sistema jurídico e político,
colocando em perigo o bem comum.
52 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

O debate de políticas públicas é questão essencial para o Estado


de Direito, não sendo aconselhável a obstaculização por meio da
delegação de poderes políticos ao Judiciário, pois seria como se
estivessem jogando, um poder para o outro a função de reali‐
zação dos ns almejados pela existência própria do Estado.
A fuga para discutir sobre reformas políticas evidenciam o
verdadeiro estado de coisas inconstitucional, onde, aparente‐
mente, não se enxerga soluções adequadas para as questões
complexas de uma sociedade. Assim, pode-se averiguar, que a
cada modi cação sistêmica ocorrida em busca das soluções de
problemas, novas questões aparecem, cabendo a escolha de
modelos político-jurídicos-sociais menos nocivos ao bem
comum.
O ativismo judicial diferencia-se da judicialização da política por
diversos motivos, no entanto, existem algumas justi cativas basi‐
lares que impedem a tão reiterada confusão. O ativismo caracte‐
riza-se por opções interpretativas dos magistrados sobre as
normas constitucionais, enquanto a judicialização provêm da
escolha de um protótipo constitucional em lugar de ações de
cunho político-individuais. 15
Entende-se que o fundamento maior para uma crítica negativa a
judicialização da política venha justamente desse “protótipo”
constitucional adotado, pois o que aparenta ocorrer verdadeira‐
mente é que o Supremo Tribunal Federal, na condição de intér‐
prete da Constituição, decide de forma político-parcial,
justi cando em sua própria condição a constitucionalidade da
decisão. É como se as coisas tornassem-se constitucionais porque
o STF diz assim serem, pois não há um controle externo ao
próprio Supremo.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 53

Com o fulcro de expor a problemática, podemos re etir que há


certa confusão e redução nos termo “política” e “partidarização”,
sendo os argumentos contrários a judicialização da política, na
realidade, contrários a uma partidarização do juiz.
A contradição desse pensamento está no fato de que apesar de
haver uma ênfase na imparcialidade do juiz, a Carta Magna
elenca os princípios da impessoalidade, moralidade e igualdade
como válidos para todo o ambiente político-estatal.
Argumento utilizado também pelos que são favoráveis a judiciali‐
zação da política, consiste na a rmativa de que o há é um
aumento das possibilidades de escolhas oriundas de uma maior
complexidade de uma sociedade globalizada, onde se fala corren‐
temente em normas supraconstitucionais ou supralegais. Não
havendo uma contestação ou negação da legalidade.
Para Barroso, “a judicialização e o ativismo judicial são primos.
Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos luga‐
res, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor,
pelas mesmas causas imediatas.” A judicialização, nas circuns‐
tâncias do Brasil, é um fenômeno decorrente do paradigma cons‐
titucional adotado, e não uma atividade deliberada de arbítrio
político, não cabendo escolha ao magistrado, que apenas fará a
sua função. “Se uma norma constitucional autoriza que se
deduza dela uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe
dela conhecer, decidindo a matéria.” 16
Diversamente, o ativismo judicial é um comportamento, a opção
por uma maneira especí ca e antecipatória de interpretação
constitucional, aumentando o seu sentido e abrangência. “A
ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais
54 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e ns


constitucionais.” 17
Na judicialização da política o Poder Executivo e o Poder legisla‐
tivo transmitem ao Poder Judiciário a autoridade para decidir
sobre conteúdos políticos originalmente de suas alçadas. Dando
ao judiciário, assim, a capacidade de estabelecer normas compor‐
tamentais a serem seguidas pelos demais Poderes do Estado e
direito de dirimir os seus con itos, inclusive internos. 18
Assim, conclui-se que não podem ser o ativismo judicial e a judi‐
cialização da política concebidos como idênticos. O ativismo
judicial manifesta que ocorreu uma decisão política individual
por certa prática ideológica, sendo o magistrado ativista o que se
utiliza dos seus atributos para realizar tal prática, não se restrin‐
gindo a coerência e a segurança jurídica, contrapondo as delibe‐
rações dos demais poderes e executando políticas públicas.
Dessa forma, mais que na judicialização, o ativismo teria
tendência a abusos, pela falta de observação a segurança e
coerência jurídicas. Sendo assim, o ativismo poderia ter
consequências mais ofensivas ao ambiente jurídico, principal‐
mente, se viesse a tornar-se uma prática habitual de muitos
magistrados.
Todavia, por ser uma escolha individual do juiz, tal excesso teria
re exos entre as partes demandantes, a princípio, o que teria
menor repercussão. Contrariamente, a judicialização, como
escolha de um paradigma constitucional, é um fenômeno de
cunho mais generalista, ocorrendo em todo o país de uma vez, o
que pode seriamente ameaçar o Estado Democrático de Direito.
Na judicialização da política, o pensamento é que, ao se deparar
com alguma lacuna legislativa o Supremo Tribunal Federal,
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 55

averigue e se pronuncie a respeito de atitudes e atos legislativos


de determinado poder.
Nesse diapasão, a judicialização da política entra como forma de
dar ao magistrado a força necessária à efetivação da
Constituição. Pois, diferentemente de antes, não mais se consi‐
dera o excessivo legalismo como su ciente à solução das deman‐
das. Por este viés, seguindo as novas tendências constitucionais, a
Carta Magna de 1988 ensejou uma maior abertura à judiciali‐
zação da política no Brasil e, além de criar novos instrumentos de
controle de constitucionalidade, democratizou outros.

2.3 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL E OS SEUS


INSTRUMENTOS
Como já falado, na maioria dos países ocidentais vêm ocorrendo
a judicialização da política, fenômeno estudado por diversos
autores e juristas. No Brasil, a judicialização começou com a
promulgação da CRFB/88, que mudou a estrutura da proteção e
defesa dos direitos, possibilitando que o judiciário se tornasse
sujeito ativo na resolução de temas polêmicos. Desde então, enti‐
dades sociais e políticas passaram a valer-se do sistema judiciário
para a consecução dos seus objetivos.
A judicialização da política no Brasil iniciou-se como
consequência das lutas do movimento operário que originaram o
Direito Trabalhista 19, bem como o advento do Estado de bem-
estar social. Além disso, foram elementos motivadores da judicia‐
lização da política no país: os con itos coletivos relacionados ao
consumo; as lides a respeito da propriedade; os problemas refe‐
rentes à produção e distribuição de bens e a positivação dos
direitos fundamentais. Tais fatos, entre outros, acarretaram uma
56 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

invasão do Poder Judiciário a ambientes antes inacessíveis, o que


institucionalizou a in uência da justiça no cotidiano da comuni‐
dade nacional. 20
As inovações jurídicas que têm sido utilizadas resultaram em
uma transformação do direito em sujeito ativo da formação da
sociabilidade. Pois passou a existir um padrão relacional entre os
poderes e a promoção da cidadania e da unicidade social. Nessas
circunstâncias, o judiciário começou a intervir nas relações soci‐
ais, decidindo sobre questões que outrora era de âmbito familiar
ou concernente a apenas determinado grupo social, como a
educação dos lhos; a institucionalização do casamento entre
pessoas do mesmo sexo; a proibição à segregação racial, etc.
Com o intuito de transformar políticas públicas, principalmente
de cunhos sociais, o judiciário tem se utilizado de diversos instru‐
mentos. As ações do controle concentrado de competência do
STF, como a ADI, são as que costumam, de forma mais pací ca,
serem classi cadas como ferramentas da judicialização da polí‐
tica, pois atingem diretamente os atos legislativos.
Todavia, além das ações do controle concentrado a ação civil
pública, a ação popular, o habeas data, o mandado de segurança,
o mandado de injunção e o habeas corpus, se constituem também
como ferramentas aptas a ocasionarem o fenômeno aqui falado.
Tais instrumentos têm qualidade majoritariamente política,
podendo ensejar que o Poder Judiciário transforme-se em um
superpoder quando exerce o controle concentrado de constituci‐
onalidade, prejudicando, assim, a separação dos poderes. Por isso,
o STF não possui o direito de legislar, nem de contestar apenas
fragmentos legais, pois o contrário poderia comprometer o
sentido da norma, fugindo do âmbito das suas atribuições.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 57

A ação direta de inconstitucionalidade é a ferramenta mais


conhecida, e por tanto a mais utilizada, como forma de exercer o
controle de concentrado das leis e dos atos normativos, tanto na
esfera federal, quanto nos âmbitos municipal e estadual.
Constitui-se em um juízo negativo referente à constitucionali‐
dade da lei ou do ato normativo impugnado.
Algumas classi cações diferenciam a ADI da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão (ADO). Na ADO, o STF, ao
constatar a omissão inconstitucional, comunica ao legislador a
mora legislativa, com o intuito de que ele adote as medidas cabí‐
veis à efetivação do texto constitucional pendente de regula‐
mentação.
Todavia, o STF não pode criar instrução normativa que regula‐
mente o texto da Constituição, o que torna a medida muitas
vezes ine caz. Apesar disso, nos últimos anos o STF tem adotado
um posicionamento concretista, não mais apenas declarando a
mora legislativa, como também estabelecendo prazos para que o
legislativo crie a norma regulamentadora e, nos casos de omissões
provocadas por órgãos administrativos, estipula-se o prazo de 30
dias para que esta seja sanada. (Art. 103 da CRFB/ 88).
Mesmo com esse estabelecimento de prazos, devido à própria
estrutura constitucional, onde um poder não deve se sobrepor aos
outros, torna-se muita vezes pouco e ciente tal determinação de
prazos, pois não tem, o judiciário, meios para tornar efetiva a
decisão.
Em relação a ação direta de inconstitucionalidade estadual, é de
competência do STF julgar originariamente ação referente a
norma federal ou estadual. Entretanto, a Carta Magna confere
aos estados-membros a oportunidade de aplicação dessa ferra‐
58 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

menta objetivando a avaliação da constitucionalidade da norma


estadual ou municipal diante do próprio estatuto político. 21
A ADI tenciona declarar que determinada lei é total ou parcial‐
mente inconstitucional, ou seja, contraria os preceitos constituci‐
onais. Tal ação é um dos instrumentos conceituados pela
doutrina de “controle concentrado de constitucionalidade”, con ‐
gurando-se como uma refutação direta a lei. 22 Tal decisão, de
cunho altamente político, dá ao Supremo grande poder de deter‐
minação legal no país, devido a não haver nenhum órgão que o
controle.
Para que haja a decisão sobre a inconstitucionalidade ou não da
lei, há de estarem presentes ao menos 8 dos 11 Ministros do
Supremo na determinada sessão. E, independentemente de ser o
resultado procedente ou não, não caberá recursos, exceto
embargos de declaração, podendo ainda haver ação rescisória e
alegação de prescrição ou decadência. 23
A decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma
possui efeitos concretos, sendo estes vinculantes, pois nenhum
órgão do judiciário ou da administração pública, em quaisquer
que sejam as esferas, pode contrariar tal decisão. O que faz com
que o STF, possua vultoso poder no seio das demais esferas do
Estado.
Ademais, possui e cácia válida e obrigatória genericamente,
acarretando consequências retroativas, porque perde a sua vali‐
dade desde a sua entrada em vigor. O STF pode também,
abalizar a aplicação da decisão quando existir singular interesse
social ou circunstância de peculiar segurança jurídica. E
modular os efeitos desta, para que passe a vigorar a partir de uma
data mais adequada ao bem-estar social. 24
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 59

A Constituição de 1988 expandiu a quantidade de sujeitos legi‐


timados a propositura da ADI, o que aproximou diversos agentes
políticos do STF. Antes apenas o Procurador Geral da República
era capaz de propor a ação, enquanto, atualmente, tem o direito
de o fazer o Presidente da República; a mesa do Senado Federal
e Câmara dos Deputados; a mesa da assembleia legislativa; o
Procurador Geral da República; o Governador do estado; o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido
político com representação no Congresso Nacional e confede‐
ração sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103
da CRFB/88). 25
Outra ferramenta constitucional da judicialização da política é a
ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Esse instru‐
mento objetiva que certa lei ou ato normativo não deixe de ser
aplicado pelos diversos tribunais até que seja dada uma decisão
pelo STF a respeito da sua constitucionalidade. Dessa forma,
tencionou-se que fossem evitadas decisões contrárias as do
Supremo em instâncias inferiores, o que, além de con gurar
desrespeito a decisões gerais, ocasionaria vultosa insegurança
jurídica.
Da mesma forma que a ADI, a ação declaratória de constitucio‐
nalidade têm efeitos válidos para todos (erga omnes), passando a
valer desde a sua criação e também possui efeito vinculante para
todas as esferas do judiciário e da administração pública.
Diferentemente da ADI, a ADC teve a sua gênese através do
Poder Constituinte Reformador, originando-se em 1993 e não
com o nascimento da atual Constituição em 1988. 26 Os seus legi‐
timados ativos são os mesmos da ADI, já citados anteriormente,
constantes do art. 103 da CRFB/88.
60 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITU…

O surgimento da ADC resultou em diversas críticas por partes


de agentes do judiciário, que a rmaram ser tal ação um desres‐
peito à separação dos poderes. Pois, segundo eles, a ação declara‐
tória de constitucionalidade obstava alguns direitos
fundamentais, como o acesso à justiça, o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa.
Outrossim, a ADC con gura-se como instrumento da judiciali‐
zação da política, pois transforma o STF em “[...] órgão de caráter
consultivo do Legislativo e do Executivo, além de um autêntico
apêndice do processo legislativo, na medida em que confere a
última chancela para que a lei seja considerada plenamente
válida”. 27
A despeito das opiniões contrárias a manutenção da ADC, a
Procuradoria Geral da República convenceu o STF sobre a cons‐
titucionalidade da ação, alegando que ela possuía o condão de
ampliar o controle concentrado de constitucionalidade das
normas. Fazendo com que fosse reduzido o acúmulo de trabalho
dos Ministros do Supremo, agilizando a tramitação de muitos
processos ao ampli car os efeitos das decisões de tal órgão para
todos. O STF rebateu também o argumento de que se estaria
ferindo a Tripartição dos Poderes, alegando que não cabia a ele
criar e nem executar normas, mas veri car a sua constitucionali‐
dade quando provocado. 28
Dessa forma, pode-se admitir que a ADC constitui-se em um
instrumento da judicialização da política que possui como um
dos seus intuitos a uniformização dos conteúdos das decisões
emanadas pelo Poder Judiciário em todo o Brasil, função
precípua do Supremo Tribunal Federal.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INSTR… 61

A arguição de descumprimento de preceito fundamental


(ADPF) teve a sua gênese com o intento de precautelar ou
reparar violações aos princípios fundamentais ocasionados por
atos realizados pelos poderes públicos, que não possam ser reso‐
lutos utilizando-se de outras ações judiciais (caráter subsidiário).
Possui o mesmo rol de legitimados ativos da ADC e da ADI,
todos constantes do já citado art.103 da CRFB/88.
Da mesma forma que as demais ações do controle abstrato de
constitucionalidade já citadas, a ADPF possui efeitos gerais e
vinculantes e a sua e cácia pode vigorar desde a decisão ou em
outro momento, determinada a modulação temporal por no
mínimo dois terços dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
A decisão sobre a ADPF é irrecorrível e, em regra, retroativa.
A ADPF pode ter natureza repressiva, preventiva ou de repara‐
ção. Quando repressiva objetiva recompor o dano ocasionado por
ação do ente estatal, por meio do STF. Con gura-se como ação
constitucional, pois tutela preceitos fundamentais que foram
prejudicados ou ameaçados. Na preventiva, pretende-se impossi‐
bilitar a ofensa à norma fundamental. 29 A de reparação se perfaz
quando o fundamento é a discordância sobre atos normativos ou
leis, mesmo quando anteriores a Constituição vigente na época
da propositura da ação. 30
Outra ação que pode ser classi cada como instrumento da judici‐
alização da política no Brasil é a ação civil pública. Através dessa
ação a sociedade, que se faz representar pelos sindicados,
Ministério Público, partidos políticos, união, estados e municí‐
pios adquire o poder de evocar o judiciário quando percebe
lesões aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
62 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Nessa espécie de ação torna-se evidente a relação do Direito


com o corpo social, o que tem como corolário um protótipo
inovador referente aos três Poderes do Estado. O Judiciário surge
neste contexto, como uma possibilidade a elucidação das contro‐
vérsias coletivas e uni cador social e até como provedor da
cidadania.
Assim, por meio dessa ferramenta da judicialização da política,
tenciona-se a coibição às violações aos bens de valores artísticos,
culturais, históricos e turísticos, e o impedimento a lesões ao meio
ambiente e ao consumidor.
A ação popular está na história constitucional brasileira desde
1934, com exceção da chamada Carta Polaca de 1937. É desig‐
nada por muitos como Ação Cidadã, pois tem como requisito
para o seu ajuizamento o pleno gozo dos direitos políticos.
Qualquer cidadão possui legitimidade para ajuizar a ação popu‐
lar, tencionando a anulação de ato que cause lesão ao patrimônio
público ou a órgão de que faça parte o Estado. Bem como para
impedir violações à moralidade administrativa, ao meio ambiente
e ao patrimônio histórico e cultural. 31 Ou seja, a ação popular
defende os direitos mataindividuais.
A promulgação em 1965 da Lei da Ação Popular é considerada
um marco no relacionamento entre os Poderes Judiciário e
Legislativo. Pois, con gura-se como vultoso traço de democrati‐
zação da justiça, tornando, ao menos em tese, facilitada a análise
e a scalização da moralidade administrativa pelos cidadãos e
pela justiça. Tal ação representa um dos meios do controle juris‐
dicional concreto de constitucionalidade, pois através de um caso
especí co, questiona-se incidentalmente a constitucionalidade
de um ato do poder público.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 63

O mandado de injunção é o remédio constitucional utilizado


para sanar a chamada “Síndrome da Inefetividade das Normas
Constitucionais”. Como a ação direta de inconstitucionalidade
por omissão, age quando a “falta de norma regulamentadora
torna inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais
e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania”. 32
O mandado de injunção possui como principal diferenciador da
ADO o fato de este realizar o controle abstrato de constituciona‐
lidade, impugnando diretamente a omissão normativa. Enquanto
o mandado de injunção realiza o controle concreto, questionando
incidentalmente a constitucionalidade. Assim, qualquer pessoa
possui legitimidade para propor o mandado de injunção e a
consequência é a declaração da mora legislativa relacionada dire‐
tamente com o direito pleiteado, o que, muitas vezes, ocasiona a
aplicação subsidiária temporária de outra norma. Esse instru‐
mento da judicialização busca, no caso concreto a possibilitação
do exercício do direito oriundo de uma norma constitucional de
e cácia limitada carente de regulamentação.
Para Marcelo Santos, o mandado de injunção é uma ação singu‐
lar, pois é a única ação constitucional que possibilita ao juiz
romper com as barreiras legais e, de acordo com o caso concreto e
os princípios gerais do direito, dar a solução mais adequada, de
forma a tornar concreto o direito constitucional pendente de
regulamentação que carece o impetrante. 33
O mandado de segurança como mecanismo da judicialização, é o
remédio constitucional que tenciona proteger direito líquido e
certo, sempre que autoridade coatora for agente público ou inves‐
tido de poder público. Tal remédio originou-se com o objetivo de
64 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

garantir os direitos dos indivíduos contra os abusos de poder do


ente estatal.
Devido a grande relevância jurídica, é importante salientar a
atualmente pací ca decisão do STF no sentido de caber o
mandado de segurança para coibir processo legislativo que não
siga os preceitos constitucionais, con gurando-se direito subje‐
tivo de todos os parlamentares um processo legislativo integro.
O habeas corpus é o remédio cabível de utilização por qualquer
pessoa que por ilegalidade ou abuso de poder sofrer ou estiver
sob ameaça de sofrer violação ao seu direito de locomoção.
Todavia, o uso do remédio contra agentes públicos não é comum
no hodierno contexto brasileiro, exceto em certas ações realizadas
pelas comissões parlamentares de inquérito. 34
Dessa forma, o judiciário tem dado respostas positivas à
concessão de habeas corpus, principalmente em prisões em
agrantes e coerção de testemunhas. Pois, tem-se em vista que a
Carta Magna confere ao STF a atribuição de processar e julgar
habeas corpus contra atos das casas legislativas quando o acome‐
tido for membro do Congresso Nacional. O Supremo tem
também conhecido tal remédio quando impetrado contra as
CPIs, mesmo a Constituição não sendo expressa a esse respeito.
Originado com a CRFB/88, o habeas data é o remédio constitu‐
cional que visa defender a intimidade a vida privada, objetiva
também proteger o direito a informação sobre dados pessoas.
Constitui-se em um remédio de natureza personalíssima, só
podendo ser impetrado pelo titular do dado, exceto o herdeiro,
que poderá impetrá-lo em razão do de cujus, mas em seu próprio
nome.
ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E OS SEUS INST… 65

Pode ser impetrado por pessoa natural ou jurídica, nacional ou


estrangeira, desde que titulares do dado. Contra autoridade
coatora que seja da administração pública ou órgão privado que
possua caráter público, como o SPC ou a Serasa.
Tais ferramentas da judicialização da politica possibilitam ao
Judiciário, principalmente ao Supremo Tribunal Federal, questi‐
onar e julgar atos oriundos do Legislativo e do Executivo, sem
prejudicar, em tese, a tripartição dos poderes do Estado, nem a
sua harmonia e interdependência. Não obstante, é inquestio‐
nável que os atuais caracteres políticos das decisões vêm ocasio‐
nando forte ingerência do Poder Judiciário nas esferas dos
demais poderes.
Entendidas diversas questões de cunho histórico-político-jurídi‐
cas, parte-se, no próximo capítulo, para uma análise sobre estado
de coisas inconstitucional, as suas origens e percalços, bem como
um levantamento social e estatístico sobre o sistema prisional
brasileiro e para alguns questionamentos crítico- losó cos
partindo-se da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.
CAPÍTULO 3
ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL COMO
REALIDADE ATUAL BRASILEIRA

https://doi.org/10.5281/zenodo.8331016
68 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

N
o presente capítulo pretende-se abordar o instituto
chamado de estado de coisas inconstitucional (ECI),
por meio de uma análise sintética do sistema prisional
brasileiro, à luz da Ação de Descumprimento de Preceitos
Fundamentais Nº 347, que declara que há no país a generali‐
zada, institucionalizada, recorrente e expansiva violação aos
direitos fundamentais, caracterizada por uma profunda inércia
do poder público.
Falar-se-á, também, de forma sucinta, sobre outras decisões,
dentro e fora do Brasil, como a Sentença de Uni cación (SU) nº
559, da Colômbia, e o Recurso Extraordinário 592.581, com
intento reforçador e de demonstrar o torpor do Estado brasileiro,
relacionado ao desenvolvimento de políticas públicas como o m
de efetivar direitos fundamentais, o que poderia legitimar o judi‐
ciário a uma intervenção nos outros poderes, caracterizando a
judicialização da política.
Ponto importante para ser discutido no presente trabalho,
também, é a terrível situação das prisões no Brasil de forma a
entender melhor a necessidade de um posicionamento mais ativo
do judiciário de forma a combater tais circunstâncias.
Por m, com um intuito de natureza crítico- losó ca, objetiva-se,
de forma breve, utilizar-se da teoria dos sistemas de Niklas
Luhmann, em que a sociedade é vista como um sistema autopoié‐
tico e autocomunicativo, para fazer uma análise do estado de
Coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, onde os
direitos fundamentais apresentam- se, aparentemente, como uma
ilusão funcional.
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 69

3.1 A DECLARAÇÃO DE ESTADO DE COISAS


INCONSTITUCIONAL COMO FORÇA MOTRIZ PARA A
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL
Com o fulcro de suprimir as inconstitucionalidades, tanto comis‐
sivas quanto omissivas, oriundas do poder público, a Carta
Política de 1988 buscou determinar ferramentas para cercear e
prevenir violações a Constituição. Dessa forma, criou os instru‐
mentos já relatados no capítulo anterior deste trabalho. Todavia,
majoritariamente, tais dispositivos possuem e cácia apenas entre
as partes demandantes de um processo concreto. Já no caso das
ações abstratas, que têm valência erga omnes, as decisões
costumam estar limitadas ao ambiente normativo e comporta‐
mental da administração e do judiciário, muitos vezes não
logrando efeitos além de meramente declaratórios ou legislativos.
Pode-se averiguar que a Carta Maior, em variadas partes do seu
texto, predominantemente através de normas programáticas,
demonstra a intenção de promoção do desenvolvimento social e
econômico brasileiro. Tais normas, como forma de garantir os
direitos fundamentais, necessitam de uma aplicabilidade fática
efetiva.
Destarte, como consequência do fracasso generalizado na reali‐
zação das atribuições típicas atinentes aos poderes políticos,
oriundos da inação ou incompetência, o Poder Judiciário vem
constantemente se expandindo, tornando-se mais atuante, impe‐
rativo e crítico, o que enseja a judicialização da política ou
mesmo um ativismo judicial.
A constatação de uma reiterada e persistente violação massiva
aos direitos humanos nos sistemas prisionais vem ocasionando
uma re exão sobre as responsabilidades inerentes a cada poder
70 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

do Estado omisso. Dessa forma, as constantes desobediências


estruturais a preceitos fundamentais, em conjunto com falhas
sistêmicas e orgânicas nas ações estatais, caracterizam um estado
de coisas inconstitucional.
A caracterização do novo instituto constitucional foi realizada na
Sentença de Uni cación (SU) nº 559 de 1997, na Colômbia.
Ação em que professores de múltiplos municípios alegam a
violação ao direito à vida, à saúde, à segurança social e ao traba‐
lho. Fato ocorrido pela negativa ao recebimento de benefícios
previdenciários, mesmo tendo sido realizadas as respectivas
deduções salarias. 1
O Estado possuía o encargo de inscrevê-los no Fundo Nacional
de Prestações Sociais dos Professores daquele país, e não o fez,
sendo as verbas oriundas dos abatimentos salariais destinadas
para ns de saúde pública, ocasionando as violações
supracitadas. 2
Dessa forma, a Corte Constitucional da Colômbia menciona o
estado de coisas inconstitucional, asseverando que, como
garante maior da Constituição, faz-se legítima e necessária uma
ingerência do Judiciário frente aos demais órgãos do Estado,
como modo de promover políticas públicas com o intento de
cessar as estruturais violações aos direitos humanos no seio
daquele país, o que podemos chamar de judicialização da
política.
Posto isso, o ECI manifesta-se como uma possibilidade para o
judiciário brasileiro, sendo utilizado como fundamento para a
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº
347, demandada em 27 de maio de 2015. A ação foi proposta
pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sendo a primeira
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL BR… 71

no país com o intento de obter a declaração do estado de coisas


inconstitucional do sistema prisional brasileiro.
Salienta-se, preliminarmente, a conjuntura prisional de citária
do Brasil, que possui entre outras diversas adversidades, a falta
de assistência basilar relativa a áreas como saúde, educação e
alimentação; superlotação dos aposentos; assim como o constante
estado de violência entre os presos e os funcionários, ocasio‐
nando um cenário tortuoso de maus-tratos, tortura e crueza.
Como forma de demonstração da inconstitucionalidade de tais
fatos ocorridos no sistema prisional brasileiro, a ADPF nº 347,
expõe alguns dos princípios constitucionais, como o da dignidade
da pessoa humana; o da vedação a tortura e a outros tratamentos
desumanos de degradantes; a presunção de inocência; a proi‐
bição de reprimendas cruéis; a execução da pena em locais dife‐
renciados de acordo com a natureza do delito, o sexo e a idade do
apenado e o respeito integridade física e moral. 3
O partido demandante assevera, ademais, a inconciliabilidade
expressa entre a caótica circunstância das prisões brasileiras e os
diversos tratados internacionais rati cados pelo país, como a
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas
Cruéis, Desumanos e Degradantes, a Convenção Interamericana
de Direitos Humanos, o Pacto dos Direitos Civis e políticos e
ainda, a Lei de Execução Penal.
Citando casos internacionais, ocorridos na Colômbia, Estados
Unidos, Itália, Argentina e África do Sul, o PSOL defende que o
Supremo não deve restringir-se ao controle constitucional de atos
normativos, mas defrontar-se com quaisquer atos, sejam omis‐
sivos ou comissivos do poder público tendentes a ferir os direitos
fundamentais.
72 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Neste sentido, o texto da inicial:

Esta técnica, que não está expressamente prevista


na Constituição ou em qualquer outro instrumento
normativo, permite à Corte Constitucional impor
aos poderes do Estado a adoção de medidas
tendentes à superação de violações graves e
massivas de direitos fundamentais, e supervisionar,
em seguida, a sua efetiva implementação.
Considerando que o reconhecimento do estado de
coisas inconstitucional confere ao Tribunal uma
ampla latitude de poderes, tem-se entendido que a
técnica só deve ser manejada em hipóteses excepci‐
onais, em que além de séria e generalizada afronta
aos direitos humanos, haja também a constatação de
que a intervenção da Corte é essencial para a
solução do gravíssimo quadro enfrentado. São casos
em que se identi ca um “bloqueio institucional”
para a garantia dos direitos, o que leva a Corte a
assumir um papel atípico, sob a perspectiva do prin‐
cípio da separação dos poderes. Que envolve uma
intervenção mais ampla sobre campo das políticas
públicas. 4

A inicial, além de expressar as motivações dos pedidos, menciona


o perigo de uma intervenção desmoderada nos demais poderes,
demonstrando que o risco pode ser reduzido utilizando-se de
métodos decisórios exíveis, dialogando e cooperando com o
Executivo e com o Legislativo, que, da mesma forma, em
momentos distintos, amparariam as necessidades do Judiciário.
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 73

Destarte, faz-se importante que a resolução das questões relativas


às prisões brasileiras, não advenha de forma unilateral dos tribu‐
nais, é imprescindível, conforme o texto da supracitada ação, que
o governo viabilize a elaboração de um projeto estratégico para a
sua suplantação, com período temporal determinado e recursos
garantidos e estabelecidos. Assim, o planejamento estratégico,
deve ser concordado com o Judiciário, que scalizará a sua execu‐
ção, com a coadjuvação e assistência da população, o que tornará
mais democrática a intervenção e mitigará o desrespeito a tripar‐
tição dos poderes.
Pode-se dizer que parte dos bloqueios sistêmicos falados na
inicial são causados por motivos eleitorais, pois devido a falta de
representação e do desprezo social da classe presidiária, nenhum
representante político empenha-se na consecução dos direitos
dos presos. O que poderia ocasionar perda de votos pela revolta
popular com o gasto de verbas com pessoas tão malquistas popu‐
larmente, votos estes não recuperados com os agradecimentos
dos bene ciados, por estarem estes com os direitos políticos
suspensos.
Ademais, em um estado de crise generalizada, em que os direitos
humanos carecem em todas as áreas, e com os exorbitantes
impostos cobrados dos brasileiros, a visualização de qualquer
esforço por alguma parte política para promoção de direitos dos
presos pode ser antipatizada pela população, o que tende a
causar rejeições.
O povo pode reprimir as incorreções do legislador pelo meio elei‐
toral, isso explica o motivo de o sistema político possuir referên‐
cias culturais, eleitorais e tendentes ao equilibrar- se conforme a
opinião pública.
74 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Assim, devido aos entraves inerentes a política, causados pela


responsabilização popular pelos seus atos, muitas vezes, o
Executivo e o Legislativo omitem-se, deixando margem para que
o Judiciário faça as intervenções necessárias aos ns constitucio‐
nais, pois estes não sofrerão as consequências das suas ações. O
legislador justi ca-se de forma diversa do juiz, pois os seus argu‐
mentos serão operacionalizados tecnicamente pelo código
governo/oposição.
Deste modo, além da de nição de um plano nacional objeti‐
vando sobrelevar os bloqueios sistêmicos através do julgamento
meritório da ação, tenciona a ADPF nº347, entre demais provi‐
dências, que todos os magistrados e tribunais do país sejam obri‐
gados a motivar explicitamente as causas que incapacitam a
aplicabilidade de medidas cautelares alternativas à privação de
liberdade e despertem para a consideração tangível do cenário
lamentável das prisões brasileiras no instante de concederem
medidas cautelares no sistema penal, na aplicação da reprimenda
e no momento da execução da pena.
Na parte meritória, o PSOL solicita ao STF que considere proce‐
dente a demanda e imponha ao governo federal a elaboração de
um projeto nacional e o envie a Corte Constitucional em três
meses, intentando o sobrepujamento das disfunções sociais e
jurídicas indicadas, no mais tardar em três anos.
No dia 27 de agosto de 2015, em sede de medida cautelar, o
ministro Marco Aurélio declarou-se favorável a ingerência do
Supremo nos aspectos relativos à promoção de políticas públicas
que destinem-se a modi cação da conjuntura prisional do país.
Seu discurso reduziu- se a expressar que é umas das funções
precípuas do STF a provocação do Executivo e do Legislativo
para que estes retirem-se do estado inerte em que se encontram.
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 75

A rmou também, que o Judiciário deve instigar os debates que


tenham como cerne a realização e o desenvolvimento de políticas
públicas, além de cooperar com os procedimentos e scalizar os
seus resultados.
Acentuou também, o mencionado ministro, que nas prisões do
Brasil existem bastantes e constantes violações aos direitos
fundamentais dos presos e o dramático contexto necessita de
combate para que cessem as transgressões, como a ausência de
qualquer salubridade no ambiente, superlotação dos alojamen‐
tos, homicídios, estupros, etc. Sob esse discurso, optou ele pela
concessão de medida liminar e a vedação aos contingencia‐
mentos que vem sendo feitos no Fundo Penitenciário Nacional,
até que sejam solucionados os problemas.
A única negativa aos pedidos consistiu na alegação, pelo ministro
Marco Aurélio, que o STF não pode modi car o texto da lei de
execuções penais e do código de processo penal. Por tanto,
negou-se a solicitação para que fossem reduzidas as condições
temporais para utilização dos benefícios penais dos presos, como
a progressão de regime, o livramento condicional, e a suspensão
condicional da pena.
Com tal voto, o Ministro Marco Aurélio con rmou a crise do
Estado de Direito no Brasil, especialmente no sistema prisional,
consistente em um estado de coisas inconstitucional, com sérias
violações a dignidade humana e a outros direitos fundamentais,
bem como o descumprimento generalizado ao Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, a convenção contra a
Tortura e a Lei de execuções penais.
Também expressou de forma positiva, o relator, para que sejam
realizadas as audiências de custódia em até 90 dias e o compare‐
76 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

cimento do preso a presença da autoridade judiciária no prazo


não excedente a 24 horas, contabilizados a partir do momento da
prisão. O julgamento foi suspenso e a ação até o presente
momento não foi julgada.
A ADPF nº 347 não foi a primeira e está longe de ser a última a
discutir sobre a problemática do sistema prisional do Brasil.
Desde o ano de 2007 já havia a discussão, por exemplo, a
respeito da ação civil pública que culminou no Recurso extraor‐
dinário n°592.581, com decisão em 13 de agosto de 2015. 5 Neste
processo debateu-se a possibilidade de o sistema Judiciário
intervir no sistema Executivo obrigando-o a realizar obras emer‐
genciais nas prisões, como forma de garantir os direitos funda‐
mentais dos presos.
Em tal recurso, de repercussão geral, con rmou-se a decisão
inicial do juiz da 2º vara cível de Uruguaiana, estado Rio Grande
do Sul, que a rmou ter o Poder Judiciário o direito de intervir
nos órgãos do Executivo para garantir os direitos humanos. Não
podendo ser alegado o princípio da reserva do possível, tendo em
vista o descumprimento generalizado dos direitos fundamentais,
fato evidenciado pelas denuncias de violações a direitos humanos
ocorridas em quase todos os estados do Brasil.
A ideia é que o princípio da reserva do possível não pode ser
utilizado como forma de omitir-se a efetivação dos direitos
básicos inerentes à pessoa humana, tendo em vista o caráter
essencial desses direitos, que estão constantes em diversos
tratados internacionais, o que os dá um caráter supralegal.
Para superar o estado de coisas inconstitucional a intervenção do
Judiciário tem de ser apontada para os diferentes órgãos e enti‐
dades dos três poderes e dos diferentes níveis da federação, recla‐
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 77

mando uma multiplicidade de atos de diversos caracteres, pois


apenas com soluções estruturais poderão ser combatidos os
problemas estruturais.
Tais exemplos de ações, como as citadas, bem como muitas outras
de sentido similar que estão no seio dos tribunais brasileiros,
con rmam a existência de um estado de coisa inconstitucional,
bem como con guram o movimento expansionista a respeito dos
poderes do Judiciário falado desde o início do presente trabalho.
Deste modo, a judicialização da política ocorre como forma de
compelir os demais poderes a buscar meios de efetivar políticas
públicas com o fulcro de realizar os direitos fundamentais dos
presos, que encontram-se em instituições terríveis e austeras, que
tiram todo caráter humano na sua forma de tratar os que estão
sobre a custódia do Estado.

3.2 INSTITUIÇÕES DESUMANAS, TERRÍVEIS E AUSTERAS


Sabe-se que no Brasil existem violações sistêmicas aos direitos
fundamentais, que decorrem de de ciências estruturais, inici‐
ando-se por políticas públicas ine cientes e insatisfatórias: trá co
de drogas ilícitas, falta de saneamento básico, saúde precária,
falta de educação de qualidade, etc.
Hodiernamente, pode-se dizer que o sistema prisional do país é o
que gera maior nível de rompimento generalizado de direitos
humanos resultantes de ausências e de irregularidades basilares e
intensi cadas pela sistemática omissão, inabilidade ou incompe‐
tência do governo em sobrelevar o problema.
A crescente população carcerária brasileira, majoritariamente
negra e pobre, é de aproximadamente 600 mil pessoas, 4º maior
população carcerária do mundo, que em grande parte está susce‐
78 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

tível a vultosas violações de direitos:

[...] superlotação, tortura, homicídios, violência


sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de
doenças infectocontagiosas, comida intragável; falta
de água potável e de produtos higiênicos básicos,
corrupção, de ciência no acesso à assistência judi‐
ciária; à educação, à saúde e ao trabalho, domínio
dos cárceres por instituições criminosas.
Insu ciência do controle estatal sobre o cumpri‐
mento das penas, discriminação social, racial, de
gênero e de orientação sexual.6

São vultosas falhas e descumprimentos a direitos fundamentais


que existem em todos os estados do Brasil e que possuem respon‐
sabilidades todos os poderes do Estado. Problemática estrutu‐
rante, tanto de elaboração e aplicação de políticas públicas,
quanto de execução das normas penais. De acordo informações
do Conselho Nacional de Justiça, em 2014 existiam 563.526
detentos em penitenciárias com capacidade para 357.219
pessoas, o que torna o problema da superlotação o mais expres‐
sivo, e talvez o maior causador dos demais. 7
Segundo dados de uma pesquisa realizada pela Clínica UERJ
Direitos, nas prisões do Brasil inteiro os alojamentos estão sobre‐
carregados de pessoas, fazendo com que estas vivam apertadas,
dormindo, muitas vezes, sem camas ou colchões, necessitando se
alternarem para dormir. Repousam em redes suspensas no
telhado ou nas paredes, às vezes em pé, em banheiros, saguões,
pátios, barracos, barris, etc. 8
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 79

Conforme dados do CNJ, 41% dos presos estão em prisão


preventiva. 9 A grande maioria, depois de todo o sofrimento é
absolvida ou condenada a penas alternativas, devido ao menor
potencial ofensivo dos seus delitos. Também existe o caso de
diversos presos que cam nos estabelecimentos penais em tempo
superior ao xado para a sua pena, o que demonstra a de ciência
na assistência judicial.
De 2008 a 2015, os mutirões carcerários do CNJ desencarce‐
raram 41 mil pessoas que haviam excedido ao tempo de prisão. 10
Os presos suportam as insu cientes informações sobre os seus
processos, bem como com as falhas estruturais do Judiciário, que
possui uma quantidade de Varas de Execuções Penais extrema‐
mente menor do que a demanda. Assim, problemas oriundos do
próprio Sistema Judiciário aumentam a superlotação prisional, o
que contribui para a degradação humana existente no cárcere.
Neste sentido, pode-se fazer uma crítica à estagnação e a incoe‐
rência do Poder Judiciário, pois diante do descumprimento do
princípio da presunção de inocência, aumenta- se em 41% o
número de presos, e como falado anteriormente, talvez à superlo‐
tação seja um dos maiores problemas da situação carcerária no
país. Dessa forma, representa uma vultosa incongruência uma
intervenção nos demais poderes sem anteriormente solucionar os
próprios. Outro fator a ser re etido, é a naturalização que há no
Brasil para esses fatores degradantes, pois aparenta ser um estado
natural, como se os presos merecessem estar ali, e as prisões
fossem feitas para tortura e não anomalias a serem repreendidas
pelo direito. Tal naturalização, re exo de uma estruturação histó‐
rica da degradação humana, é um dos pontos mais fortes para
considerar-se que estamos num estado de coisas inconstitucional,
uma crise do Estado de Direito.
80 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Não existe assistência à saúde e nem acesso a medicamentos nas


prisões. Não há possibilidades de trabalho, educacionais ou
quaisquer formas de preenchimento temporal e, além de supor‐
tarem a ociosidade, coabitam com as atrocidades realizadas inter‐
namente e entre eles e os policiais. São constantes as chacinas,
estupros, assassinatos, suicídios, decapitações, esquartejamentos,
estripamentos, choques elétricos, tiros com balas de borracha.
As circunstâncias são ainda mais molestas e austeras contra
grupos socialmente mais vulneráveis, como de cientes, idosos,
gays, lésbicas, mulheres e travestis. Que muitas vezes dividem as
celas com pessoas com condições físicas, sexuais ou de idade
totalmente diversas, fazendo com que muitos sofram estupros e
maus-tratos constantemente. Há relatos, inclusive, de que
existem mulheres que necessitam se utilizarem de miolos de pão
para conter a secreção menstrual.
Não há, na maioria das prisões do Brasil nenhum critério prático
nas divisões dos presos por celas, que segundo a Constituição
deveriam ser por idade, gravidade do delito, sexo, sem falar na
condição temporária ou de nitiva da penalidade.
A situação manifesta a degradação da estrutura punitiva brasi‐
leira, que acaba suscitando mais violência e esta retorna para a
sociedade quando libertos os presos. O que torna o sistema prisi‐
onal mais que um óbice à efetivação dos direitos humanos, mas
também um problema de segurança pública. A ressocialização
dos apenados, como uma das funções da pena, é algo funda‐
mental para a equilíbrio social, fator que torna-se impossível no
contexto aqui falado.
A junção de presos de diversas idades e com penas e naturezas
delitivas diversas, torna o sistema prisional brasileiro uma “escola
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL BR… 81

para o crime”, pois pessoas que cometeram delitos com menor


potencial ofensivo são obrigadas a conviver com pessoas extrema‐
mente perigosas, e como método de sobrevivência, faz-se neces‐
sário socializar-se. Por meio destas in uências, associadas às
torturas sofridas, pequenos ladrões saem das prisões com poten‐
cial para tornarem-se grandes assassinos e estupradores.
Segundo dados do CNJ, cerca de 70% dos apenados reincidem
ao serem libertos, cometendo crimes muitas vezes mais gravosos
que os primeiros. 11 Bastante desse percentual inclui os presos
temporários, que através do contato com outros criminosos, aden‐
tram em associações criminosas. A consequência dessa conjunta
é que o descumprimento aos direitos fundamentais nas prisões,
através da degradação da pessoa humana, ocasiona uma
expansão da violência em toda a sociedade, demonstrando o
estado de coisas inconstitucional atualmente vivido no país.
Finalmente, passaremos a uma análise das perspectivas críticas
do estado de coisas inconstitucional à luz da teoria dos sistemas,
de Niklas Luhmann. Tal teoria, ao enxergar a sociedade como
sistema, busca uma melhor forma de entendimento dos fenô‐
menos sociais. Considerando que os sistemas possuem a aptidão
de estabelecerem relações consigo mesmos e de discriminar tais
relações frente aos demais sistemas, que se tornarão o entorno.

3.3 PERSPECTIVAS CRÍTICAS DO CHAMADO ESTADO DE


COISAS INCONSTITUCIONAL À LUZ DA TEORIA
LUHMANNIANA
Vislumbrando-se que o estado de coisas inconstitucional con ‐
gura-se em violações massivas, generalizadas, sistêmicas e reitera‐
das, de responsabilidade das diversas esferas dos três poderes do
82 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Estado, pode-se, à luz da teoria luhminniana, compreender a


atual crise do Estado de Direito, e em especial no sistema prisio‐
nal, como anomalia sistêmica, bem como uma ilusão funcional.
A sociedade é vista como um sistema, autorreferente e autopoié‐
tico, fechado em si mesmo, que comunica-se diretamente apenas
consigo. Apenas por meio do chamado acoplamento estrutural há
a comunicação com o ambiente externo, também chamado de
entorno. Tudo que não pertencer ao sistema será entorno.
O acoplamento estrutural ocorre a todo o momento na sociedade,
ocasionando uma maior complexidade aos sistemas sociais, é o
caso da existência da Constituição, que ocorre em um acopla‐
mento estrutural entre o direito e a política. E este acoplamento
só pode operar no sistema por meio da autosseleção.
Aos fenômenos de acoplamentos estruturais que são inerentes,
tornando impossível uma total distinção, Luhmann chama de
interpenetração, é o caso das relações entre o sistema psíquico e o
social. Sendo o ser humano, para Luhmann, o ambiente da
sociedade.
A comunicação no acoplamento estrutural, apenas tornará
possível a utilização de novas informações pelo sistema incorpo‐
rando as informações externas em partes do próprio sistema.
Unicamente dando-se sentido as informações externas elas
poderão ser observadas e transformadas em componentes
internos do sistema.
Todo sistema que se faz unidade de diferença constitui-se em
uma identidade, tal identidade é formada a partir da seleção
interna através do sentido. O sentido é o meio que atualiza a
comunicação que obteve êxito em outro momento.
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 83

A comunicação é o limite da sociedade, sendo todo o resto o


entorno e o sistema social é o único capaz de realizar a comunica‐
ção, não havendo possibilidade de comunicação individual. A
percepção de uma nova informação pelo sistema encerra e
institui uma nova comunicação interna. Desse modo, pode-se
dizer que cada sistema caracteriza autopoieticamente sua própria
comunicação, através de um sentido por si próprio atribuído.
Dentre as in nitas possibilidades do ambiente, por meio da
autorreferência e autoprodução, o sistema forma-se com um
caráter contingente. A recepção de novas informações é feita
com base em suas redes operativas com processamentos já reali‐
zados pelo sistema e fundamentados em sua própria estrutura, o
que o delimita semanticamente.
No processo autopoiético ocorre a própria auto-observação e por
meio desta ocorre o processo de diferenciação entre o sistema,
que se difere, e o entorno. Para um melhor entendimento,
compara-se aos sistemas biológicos, que mesmo possuindo
contatos com o ambiente não deixam de ser eles próprios. Daí
também a ideia de autopoiéses, sendo comparada a homeostase.
O sistema não possui capacidade de processar informações que
advenham de outros sistemas, pois possui modos operacionais
especí cos, dessa forma, o fechamento operacional é única possi‐
bilidade para a abertura cognitiva do sistema ao ambiente. Se não
houvesse tal fechamento o sistema seria dissolvido na universali‐
dade do mundo.
O fechamento operacional ocorre como forma de diminuição da
complexidade e ao mesmo tempo acontece devido ao aumento
dela. É como se o sistema social total tivesse cado tão complexo
que necessitasse para diminuir tal complexidade subdividir-se
84 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

em sistemas parciais, daí a gêneses dos subsistemas sociais, polí‐


tica, direito, economia, com autonomias relativas. A tendência à
complexidade ocorre, também, nos ambientes organizacionais,
como células de um corpo.
Pela teoria sistêmica aqui falada, pode parecer dicotômica a exis‐
tência, por exemplo, da Constituição enquanto documento polí‐
tico e jurídico ao mesmo tempo. Todavia, a teoria de Luhmann
explica essa situação asseverando que essa comunicação não
ocorre diretamente no plano dos sentidos e nem no dos códigos
binários internos dos próprios sistemas sociais autopoéticos.
A Constituição, por exemplo, vista como norma superior pelo
sistema jurídico, seria vista no sistema político enquanto meio
balizador de atos de realização de políticas públicas pelo sistema
político. Bem como o direito econômico não enxerga as normas
reguladoras da economia identicamente a forma de visão do
sistema econômico, assim não havendo interferências nas auto‐
poiésis internas dos sistemas.
Tais subsistemas comunicam-se entre si por meio de acopla‐
mento estrutural, como falado, que são antecedidos por uma irri‐
tação externa de um sistema ao outro, ao operar um sistema irrita
ao outro. Assim, o contato com novas informações permite as
modi cações, chamadas, por Luhmann, de evolução.
Neste sentido, assevera Luhmann sobre a sua teoria evolucionista
social:

Assim deve se entender o processo de evolução soci‐


ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 85

Assim deve se entender o processo de evolução soci‐


ocultural como a transformação e a ampliação das
possibilidades de estabelecer uma comunicação
com probabilidades de êxito, graças à qual a socie‐
dade cria suas estruturas sociais; e é evidente que
não se trata de um mero processo de crescimento,
mas de um processo seletivo que determina que
tipos de sistemas sociais são viáveis e o que terá de
se excluir devido a sua improbabilidade.12

Para Luhmann, evolução não se relaciona com hierarquias mora‐


listas do tipo “retrogrado” e “progressista” ou “bem” e “mal”,
também não refere-se a parâmetros temporais lineares divididos
em “pré” e “pós”. Parte de elementos mais abstratos, se trazidos
para as ciências sociais, e conceituais, como variantes, seleções e
reestabilizações.
A sociedade enquanto sistema divida em diversos subsistemas
parciais, encontra-se atualmente, como muito já dito, em uma
crise generalizada decorrente de falhas que ocorrem em diversos
sistemas.
Ao falarmos de sistema carcerário pode-se averiguar que auto‐
poiése do sistema se autorreferencia na propagação da tortura e
da violação aos direitos humanos, como se a função própria do
sistema fosse a degradação humana. Ao sistema baseado no
suplício dos presos parece não haver sentido a observação e o
acoplamento estrutural dos paradigmas oriundos da
Constituição, ao elencar os direitos fundamentais como direitos
básicos do ser humano.
Partindo dessa premissa, os demais sistemas operacionais,
fechados em si mesmos, precipuamente o direito e a política,
86 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

necessitam de um discurso que legitime a sua própria existência


e garanta o status quo. Assim, como forma de manter as
premissas principiológicas de um Estado de Direito, a
Constituição ao garantir os direitos fundamentais torna-se uma
ilusão funcional. Bem como os paradigmas políticos, jurídicos e
econômicos de preservação do bem comum.
Pode-se também inferir da teoria Luhmanniana, que o estado de
coisas inconstitucional, ao ocorrer nos diversos sistemas diferen‐
ciados, denota características comuns que podem ocorrer devido
justamente a separação necessária, cada vez maior dos fenô‐
menos sociais. Tende-se, devido a parte central, deixar de lado as
partes periféricas, o que faz com que as parcelas da sociedade
menos representadas, como o caso dos presos, quem de fora das
realizações democráticas, não pertencendo, talvez, a nenhum
sistema, ou melhor, pertencendo um sistema excluído.
Ao conceber que o Estado de Direito encontra-se em crise, pode-
se a rmar que este estado de coisas inconstitucional seria uma
anomalia nos sistemas parciais, como uma doença que necessita
de cura. Tal cura ocorreria por meio de intervenções externas ao
sistema, ou seja, uma junção dos sistemas diferenciados. Dessa
forma, devido ao estado de exceção em que se encontra o sistema
total, seria possível a judicialização da política.
Nessa anomalia referida, o estado de coisas inconstitucional,
consiste a ideia de um paradoxo na teoria Luhmanniana, pois o
direito apresenta-se como antijurídico, não respeitando aos seus
próprios axiomas, ao desacatar os direitos humanos.
Devido, como falado, a impossibilidade de um sistema a operar
utilizando-se das informações do outro, o fenômeno da judiciali‐
zação da política seria uma modi cação na seleção, modi cando
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO REALIDADE ATUAL B… 87

as formas de comunicação, utilizando-se das informações contin‐


genciais, para fazer cessar o estado de coisas institucional.
Assim, não estaria, na judicialização da política, o Judiciário
transformando-se em Executivo ou em Legislativo, mas, devido a
um desiquilíbrio nas estruturas sistêmicas, modi cando os
sentidos para a consecução de ns que não vêm sendo realizados,
que caracterizam o estado de coisas inconstitucional.
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
90 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITU…

A
pesquisa em questão teve extrema relevância para o
melhor entendimento, não apenas da judicialização da
política e do estado de coisas inconstitucional, mas do
fenômeno jurídico como um todo, na medida em que foram apro‐
fundados diversos institutos de caracteres substanciais para o
direito.
Percebeu-se com a análise da tripartição de poderes, que,
partindo-se da ideia de separação também pode-se chegar a ideia
de equilíbrio, caracterizada pelos freios e contrapesos, bem como
que, apesar de grandemente aceita, tal ideia não possui sentido
universal, tendo sido criticada por autores de grande importância
na construção da atual estrutura social e política.
Conclui-se, ao pesquisar as origens do poder e da política, assim
como as gêneses do Estado de Direito, que o atual fenômeno da
judicialização da política e o estado de coisas inconstitucional,
fazem parte de um movimento histórico, não linear, que pres‐
cindiu de diversos movimentos teóricos, como o neoconstitucio‐
nalismo e o liberalismo, para chegar a condição atual.
Averiguou-se, ao examinar as modi cações na atuação do
Judiciário, de que forma as mudanças ocorridas entre o Estado
Liberal e o Estado Social legitimaram uma maior presença do
Judiciário na vida quotidiana da sociedade, bem como a crise do
Estado de Direito torna o juiz uma esperança para a garantia dos
direitos fundamentais.
Compreendeu-se com o aprofundamento do ativismo judicial,
que este caracteriza-se como uma posição hermenêutica indivi‐
dual do magistrado na interpretação da Constituição, que poderá
tornar-se malé ca a depender da escolha que este zer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 91

Entendeu-se, também que a judicialização da política não


confunde-se com o ativismo judicial, pois apesar de as duas
representarem uma expansão do Judiciário frente aos outros
poderes, aquela constitui-se como a escolha de um paradigma
hermenêutico-constitucional geral, de todo o Judiciário como
forma de efetivar os direitos fundamentais, diferente deste, que é
uma escolha do próprio juiz.
Constatou-se, por meio da análise dos instrumentos constitucio‐
nais que podem ensejar a judicialização da política, que, apesar
de já existirem diversas ferramentas para buscar-se uma maior
justiça social, estas são ainda insu cientes e majoritariamente
voltadas para soluções legislativas, prescindindo ainda de posici‐
onamentos à resoluções de problemas ligados as políticas publi‐
cas, mormente no caso dos presos.
Veri cou-se, através da decisão do Recurso Extraordinário nº
592.581, da Sentença de Uni cación (SU) nº 559 de 1997, da
Colômbia, e da ADPF nº 347, a existência e con guração do
estado de coisas inconstitucional, as suas nuances, assim como a
sua maior prevalência do sistema penal brasileiro. Alguns tribu‐
nais estrangeiros e principalmente brasileiros posicionaram-se a
respeito dessas violações generalizadas, sistêmicas e massivas aos
direitos fundamentais.
Averiguou-se as circunstâncias desumanas, degradantes, terríveis
e austeras em que vivem os presos brasileiros, bem como que o
país é um dos maiores sistemas carcerários do mundo e que quase
metade dos presos estão privados da sua liberdade sem ter sido
julgados, o que desrespeita o princípio da presunção de
inocência.
92 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUC…

Com a teoria sistêmica luhmanniana, concluiu-se que o sistema


penal brasileiro con gura-se em um paradoxo, pois estando
fechado em seu próprio sistema operacional, o direito, em seu
próprio sistema, não poderia estar reproduzindo os desrespeitos
ao próprio direito, o que traz a ideia de que os institutos jurídicos
garantidores de direitos fundamentais tem sido utilizados como
uma ilusão funcional.
Constatou-se que o problema da judicialização da política seria o
descomedimento e a imposição das decisões do Judiciário aos
outros poderes. Sendo que, com decisões dialógicas e exíveis,
com o intuito de promover a discussão entre os poderes do
Estado sobre o estabelecimento de prazos para a promoção de
políticas públicas, o fenômeno pode ser visto de maneira
bené ca.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo Judicial, Revista Jus Navigandi. 18


de julho de 2011.
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94 REFERÊNCIAS

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de Filoso a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São
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REFERÊNCIAS 95

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NOTAS

1. DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO E


SEPARAÇÃO DOS PODERES
1. FINLEY, M.I. O legado da Grécia: Uma nova avaliação. Tradução de Yvette
Vieira P. de Almeida. Brasilia: Ed. U.N.B., 1998.49
2. Idem, Ibidem.
3. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Igor César
F. A. Gomes (org.) Tradução de: Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. São
Paulo: Editora Vozes, 1994, p. 31.
4. LOCKE, Op. cit., nota 3. p. 31.
5. Idem, ibidem, p. 37.
6. MONTESQUIEU, Barão de Secondat. O espírito das leis: as formas
de governo, a federação, a divisão dos poderes. Introdução, tradução e notas:
Pedro Vieira Mota. 9 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, 64-65.
7. Idem, ibidem, p. 67-68.
8. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. 2 ed. São Paulo: Abril
Cultural, Coleção Os Pensadores, 1978, p. 44-45.
9. WIEGERINCK, João Antonio. Tripartição do Poder: o balanço entre
harmonia e independência. Consultor Jurídico, 27 nov. 2005.
10. MONTESQUIEU, Barão de Secondat. O espírito das leis: as formas
de governo, a federação, a divisão dos poderes. Introdução, tradução e notas
de Pedro Vieira Mota. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 165.
11. SOUZA, Sandra Elisa Pereira; ALENCAR, Jucinete Carvalho de;
BASTOS, Iolanda Lúcia Gonçalves. Os princípios de governo, a natureza
das leis e a tripartição de poderes segundo Montesquieu. Governo e Polí‐
tica. 23 outubro 2009.
12. PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e
princípio constitucional – um contributo para o estudo das suas
origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, p. 59-62.
13. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade; por uma teoria
geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 48.
14. MALMESBURY, Thomas Hobbes. O Leviatã ou matéria, forma e poder
de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria
Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2006, p. 47-52.
15. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. 3ª edição. São Paulo:
Martins Fontes, 1996, p. 63.
98 NOTAS

16. LOCKE, Op. cit., nota 3. p. 77.


17. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 35.
18. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade; por uma teoria
geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 55.
19. SILVA, Osmar José da. Poder Político e Direito. Juridicidade do Poder Polí‐
tico: Evolução Histórica e Doutrinária. Regulação Jurídica do Poder Político.
Doutrina. Goiás: Ministério Público, 2011.
20. Idem, ibidem.
21. CANOTILHO, José Joaquim G. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva,
1999, p. 218.
22. Idem, ibidem, p. 210.
23. COSTA, Pietro. Zolo, Danilo. O Estado de Direito. São Paulo: Martins
Fontes,2006, p.11.
24. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política sistema jurídico e
decisão judicial. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p, 44.
25. Idem, Ibidem.
26. CAMPILONGO, Op. cit., nota 24. p, 50.
27. Idem, ibidem, p, 18.
28. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5. ED. Trad. João Batista
Machado. São Paulo: Martins Fontes: 1996, p, 205.
29. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. Ed. São
Paulo: Malheiros, 1994.
30. SILVA, Osmar José da. Poder Político e Direito. Juridicidade do Poder Polí‐
tico: Evolução Histórica e Doutrinária. Regulação Jurídica do Poder Político.
Doutrina. Goiás: Ministério Público, 2011.
31. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura
Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual. Brasília: Presidência da
República/Casa Civil. Brasília, vol. 1, n. 5, setembro de 1999.
32. GUERRA, Gustavo Rabay. O Papel Político do Judiciário em uma Demo‐
cracia Quali cada: a Outra Face da Judicialização da Política e das Relações
Sociais. Revista Direitos Fundamentais e Democracia.
33. GUERRA, Op. cit., nota 32.
34. CAMPILONGO, Op. cit., nota 24. p, 45.

2. ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA


POLÍTICA E OS SEUS INSTRUMENTOS
1. LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez? O outro lado do Supremo
Tribunal Federal. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 23-24.
2. BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática. Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008.
NOTAS 99

3. BARROSO, Op. cit., nota 36.


4. Idem, ibidem.
5. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo Jurisdicional e o
Supremo Tribunal Federal. Laboratório de Análise Jurisprudencial do
STF. Curitiba: Juruá. 2009, p. 22.
6. GOMES, Luiz Flávio. O STF está assumindo um ativismo judicial sem
precedentes? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2.164, 4
jun. 2009.
7. ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo Judicial, Revista Jus Navigandi. 18
de julho de 2011, p. 9.
8. Idem, ibdem.
9. ALMEIDA, Op. cit., nota 41, p. 113-133.
10. CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da política no
Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista Sociológica
Politica. Nov. 2004, n. 23, p.127-139.
11. Idem, ibidem.
12. CARVALHO, Op. cit., nota 44. p.127-139 (online).
13. Idem, ibidem.
14. VALLE, Op. cit., nota 39. p. 25-26.
15. VALLE, Op. cit., nota 39. p. 25-26.
16. BARROSO, Op. cit., nota 36.
17. Idem, ibidem.
18. Idem, ibidem.
19. CASTRO, Marcos Faro. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da
Política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 12, n. 34,
junho/1997.
20. Idem, ibidem.
21. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal de 1988. Texto
consolidado até a Emenda Constitucional nº 64, de 4 de fevereiro de 2010.
Brasília: Senado Federal, 2010, art. 102, I.
22. Idem, ibidem.
23. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Regimento Interno, do art. 169 ao
178. Brasília: Supremo Tribunal Federal.
24. OLIVEIRA, Vanessa Elias de. O Poder Judiciário brasileiro após a
Constituição de 1988: existe uma judicialização da política? Dissertação
de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Facul‐
dade de Filoso a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2002, p. 45.
25. OLIVEIRA, Op.cit., nota 58, p. 45.
26. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça.
Um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999, p. 169.
27. Idem, ibidem, p. 170.
28. VILHENA, Op. cit., nota 60. p. 173.
100 NOTAS

29. BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999,


art. 1º, caput, inciso I.
30. Idem, ibidem, art. 1º, parágrafo único.
31. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federa‐
tiva do Brasil de 1988. Art. 5º, inciso LXXIII. Brasília: Senado Federal.
32. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federa‐
tiva do Brasil de 1988. Art. 5º, inciso LXXI.
33. SANTOS. Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo. O Mandado de
Injunção e a Inconstitucionalidade por Omissão. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1991, p. 32.
34. QUEIROZ FILHO, Gilvan Correa de. O controle judicial de atos do
poder legislativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 108.

3. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL COMO


REALIDADE ATUAL BRASILEIRA
1. COLÔMBIA. Corte Constitucional Sentencia n° 559de1997.Dis‐
ponívelem <http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1997.htm.
Acesso em 01 out 2016.
2. Idem, Ibidem.
3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº
347. Disponível em: <http://redirs.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consul
tarprocessoeletronico/ConsultarprocessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=
4783560>. Acesso em 02 out 2016.
4. BRASIL, Op. cit., nota 71.
5. BRASIL. Decisão do Recurso Extraordinário n° 592.581. Dispo‐
nível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/ane‐
xo/592581.pdf>. Acesso em 02 de out 2016.
6. CAMPOS. C. A. A. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao
“Estado de coisas Inconstitucional”. 2015. Tese (Doutorado em
Direito Público) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
2015. p,32.
7. Idem, ibidem.
8. CAMPOS, Op. cit., nota 74. p. 32.
9. Idem, Ibidem.
10. Idem, Ibidem.
11. CAMPOS, Op. cit., nota 74. p. 34.
12. LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicação. Lisboa:
Veja, 2001, p. 44.
SOBRE OS AUTORES

Diogo Francisco Souza de Moraes


Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Pós - graduando

em Sexologia, Direito Sistêmico - Prática da Constelação Familiar, Justiça Restaurativa e

Mediação de Conflitos e Direitos Humanos na Escola.

Andressa Carneiro Campos


Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduanda em Direito e

Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia (Nova ESA-PB). Advogada recentemente

atuante na área de família no estado da Paraíba.

Hélder Gabryel Padilha Martinho


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em

Gestão Pública pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Licenciado em Pedagogia e especialista em Educação Digital pela Universidade Estadual da

Bahia. Mestrando do programa de pós-graduação em Ciências da Educação pela Universidad del

Sol (Unades/ESL).
Luciana Pereira Santos
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (2011), especialista em

Alfabetização e Letramento pela Faculdade Paraíso do Norte, mestre em Educação (2019), pela

Universidade Federal de Campina Grande (2023). Graduanda em Direito pela Universidade

Federal da Paraíba. Atualmente é professora da rede pública de ensino municipal de João Pessoa,

e atua como formadora municipal através do Programa Integra Educação Paraíba e assessora

técnica para assuntos educacionais da Secretaria de Educação de Bayeux. Atua no Grupo de

estudos e pesquisas infâncias, educação infantil e contextos plurais – Grão e do grupo de estudos

Formação em Cursos de Licenciatura em Pedagogia na Paraíba: sinalizações sobre impactos para

o desenvolvimento educacional do estado. Desenvolve pesquisas na área do direito, da educação

e das infâncias.
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