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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2012.0000645229

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0003674-


85.2011.8.26.0103, da Comarca de Caconde, em que são apelantes ALEXANDRA
CRISTINA GOMES e CRISTIANE SFORCIM DA SILVA GOMES, são apelados
FELIX BELLETATTI JÚNIOR (JUSTIÇA GRATUITA) e IRENILSA AMÉLIA
PEDROSO BELLETATTI (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de


São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V.
U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MIGUEL


BRANDI (Presidente sem voto), LINEU PEINADO E LUIZ ANTONIO COSTA.

São Paulo, 28 de novembro de 2012.

Mendes Pereira
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 2183
Apelação nº 0003674-85.2011.8.26.0103
Apelante: Alexandra Cristina Gomes
Apelados: Felix Belletatti Junior e Irenilsa Amélia Pedroso Belletatti
Comarca: Caconde
7ª Câmara de Direito Privado

RESCISÃO CONTRATUAL - Contrato de compromisso


de venda e compra de imóvel no valor de R$ 40.000,00 -
Instrumento que prevê o pagamento de sinal no valor de R$
10.000,00 e quitação do valor restante em 70 dias -
Apelante que pagou a entrada e entregou um veículo no
valor de R$ 14.500,00 como pagamento de parte do saldo
remanescente - Valor restante não adimplido - Rescisão
contratual bem decretada - Arras que devem ser restituídas,
porquanto estabelecidas com caráter nitidamente
confirmatório - Montante pago que integra o preço, pois
representa princípio de pagamento - Devida apenas a multa
contratual de 10% do valor do imóvel - Impossibilidade,
ademais, de cumulação da perda das arras e pagamento de
multa contratual - Incidência de ambas as cominações que
implicaria “bis in idem” - Precedentes da Corte - Recurso
parcialmente provido para determinar a restituição das
arras à apelante com correção monetária contada do
desembolso.

Adotado o relatório da r. sentença de fls. 48/50,


cumpre acrescentar que o pedido da ação de rescisão de contrato c.c reintegração de
posse foi julgado procedente, declarada a rescisão do contrato de compromisso de
compra e venda firmado pelas partes e determinada a reintegração dos apelados na
posse do imóvel compromissado à venda à recorrente. Reconheceu-se a carência da
ação com relação à corré Cristiane Sforcim da Silva Gomes por ilegitimidade
passiva. Condenou-se a apelante no pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios fixados em 12% do valor da causa.

Interpostos embargos de declaração pelos ora apelados


(fls. 53/54) estes, foram acolhidos para que constasse na r. sentença a condenação da
apelante no pagamento de multa de 10% do valor do imóvel, bem como para
determinar a retenção pelos apelados do sinal pago e à apelante do veículo dado em
pagamento parcial pela apelante (fls. 57/58).

Apelou a demandada Alexandra Cristina Gomes (fls.


68/73) alegando, em síntese, que adquirira um imóvel dos recorridos por R$
40.000,00. Afirmou que teria pago R$ 10.000,00 como sinal e posteriormente teria
dado um veículo no valor de R$ 14.500,00 como parte do pagamento. Assim, teria
pagado quase 60% do valor do bem, razão pela qual a rescisão não deveria ter se

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operado. Aduziu que o contrato não teria previsão acerca de arras, razão pela qual
não haveria que se falar em retenção dos valores pagos, caso se mantenha a rescisão
do contrato. Assim, propugnou pela reforma do decisum e subsidiariamente, pela
condenação dos apelados a devolver o sinal pago, bem como o veículo dado como
parte do pagamento.

Em contrarrazões (fls. 77/78) alegaram os apelados


que a inadimplência da apelante teria sido demonstrada nos autos, motivando assim
a rescisão do contrato na forma determinada na r. sentença.

É o relatório.

O apelo comporta parcial provimento.

Com efeito, a hipótese de rescisão contratual tem


cabimento quando o promitente-comprador não paga o preço sem razão justificável.

Em caso de mora contratual pelo comprador a solução


é a rescisão do contrato diante do inadimplemento da obrigação.

“Se o compromissário comprador deixar de cumprir a


sua obrigação atrasando o pagamento das prestações, poderá o vendedor pleitear a
resolução do contrato, cumulada com pedido de reintegração de posse” 1.

“A causa mais comum de resolução é a mora do


compromissário no pagamento das prestações periódicas em que se divide o preço.
A fim de que não haja enriquecimento ilícito do vendedor é que se exige a
restituição de tudo o que foi pago pelo compromissário-comprador e a restituição da
posse do imóvel, sob pena de sofrer reintegração de posse” 2.

No caso, depreende-se dos autos que em 10/02/2011 as


partes celebraram o contrato de compromisso de compra e venda de fls. 12/13, tendo
por objeto um lote situado na cidade de Tapiratiba/SP, com preço fixado em R$
40.000,00. Segundo consta da cláusula denominada “Do Pagamento”, o contrato
seria adimplido da seguinte forma: R$ 10.000,00 (dez mil reais) no ato da assinatura
do contrato e o restante no prazo de setenta dias mediante a liberação de um
financiamento bancário.

É fato incontroverso que a recorrente pagou R$


10.000,00 a título de sinal e que para pagamento de parte dos R$ 30.000,00
restantes, entregou um veículo Corsa Wind, no valor de R$ 14.500,00 aos apelados,
restando R$ 15.500,00 para adimplemento total da obrigação. Contudo, não quitou o
referido valor no prazo estipulado pelas partes (70 dias).

1
Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 5ª ed., 2010, p. 519.
2
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, SP, 24ª ed., 2012, p.
639/640.

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Assim, de rigor a manutenção da rescisão contratual


operada pelo MM. Juízo de 1º Grau, retornando as parte ao status quo ante.

Contudo, no que toca a retenção do valor de R$


10.000,00 pago a título de sinal, deve-se considerar que no caso, as arras foram
estabelecidas com caráter nitidamente confirmatório e o montante pago integra o
preço, porque representa princípio de pagamento, motivo pelo qual não há que se
falar em retenção das arras.

Como se sabe, as arras importam em pagamento em


dinheiro ou em bem dado a título de adiantamento com o objetivo de confirmar um
contrato. Nesta modalidade, que é a mais comum, este sinal é também conhecido
como arras confirmatórias. As arras são ditas penitenciais quando são utilizadas
como pagamento de indenização pelo arrependimento e não conclusão do contrato.
Esta modalidade de arras é exceção, tem função secundária e somente incide quando
expressamente previstas.

Vale dizer que o contrato firmado entre as partes já


traz a previsão de multa em caso de descumprimento, de sorte que a perda das arras
e a condenação no pagamento da multa contratual de 10% do valor do imóvel
(cláusula “Do Pagamento” 3) implicaria em bis in idem porquanto as duas
cominações tem o mesmo fato gerador, qual seja, o descumprimento contratual.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte:

AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPRA E VENDA


CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS -
Ajuizamento pela compromissária compradora
inadimplente, pleiteando a devolução dos valores
pagos - Procedência da reconvenção ofertada pela ré,
promitente/vendedora - Decretada a rescisão
contratual, com a determinação da perda do sinal, e,
cumulativamente, a cominação de multa de 10% sobre
o valor do contrato - Impossibilidade, porém, de
cumulação dessas duas penalidades, uma vez que as
arras já estão compreendidas no valor total do contrato,
sobre o qual já incidirá um índice de retenção de
valores em favor da promitente-vendedora - Percentual
incidente sobre o valor do contrato não se revela
abusivo, nem contraria o disposto no artigo 924 do
Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos -
Recurso parcialmente provido. (TJ/SP, Apel. 9120872-
91.2000.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Des. Sebastião Carlos Garcia, DJ 06/10/2006) (g.n.).

3
Cláusula “Do Pagamento” - (...) “O presente compromisso é irrevogável e fica estipulada a multa
de 10% sobre o valor do imóvel para a parte que infringir algum item do compromisso.”.

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COMPRA E VENDA - Não incidência do Código de


Defesa do Consumidor - Contrato celebrado entre
particulares - Restituição de percentual da quantia paga
a título de sinal - Possibilidade - Arras confirmatórias -
Montante que integra o preço - Princípio de pagamento -
Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJ/SP, Apel.
9154224-25.2009.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Salles Rossi, DJ 01/08/2012).

Assim, é devida apenas a multa prevista no contrato.

Quanto ao pedido de devolução do veículo dado como


parte do pagamento, este já foi concedido pela r. decisão que acolheu os embargos
de declaração interposto pela ora apelante.

Assim, não há interesse recursal na reapreciação da


questão, porquanto o pedido recursal coincide com o que já foi deferido em 1º Grau.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso e


determina-se a devolução pelos apelados do valor de R$ 10.000,00 com correção
monetária contada do desembolso, pago pela recorrente a título de adiantamento do
valor do contrato rescindendo. Devida a multa contratual de 10% do valor do
imóvel, mantida, no mais a r. sentença, inclusive no tocante verba sucumbencial,
visto que a apelante foi sucumbente em maior parte.

MENDES PEREIRA
Relator

Apelação nº 0003674-85.2011.8.26.0103 - Caconde - Voto 2183 5


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