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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação n. 1013110-40.2023.8.26.0100
Comarca: São Paulo – Foro Central Cível
Apelante: Cloud 9 Holding S.A.
Apelado: One Nex Itaim Empreendimento Imobiliário SPE
Ltda.

Juiz sentenciante: André Augusto Salvador Bezerra

VOTO DIVERGENTE EM PARTE N. 32063

RESCISÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO.


CORREÇÃO MONETÁRIA MENSAL. PARCELA FINAL EM
FRAUDE A NORMA COGENTE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO
INCABÍVEL. DIVERGÊNCIA EM PARTE. Sentença de
improcedência. Nulidade de disposição contratual, correção
com periodicidade anual e devolução em dobro. Insurgência
da demandada. Divergência ora levantada apenas quanto à
dobra da restituição. Controvérsia acerca de cláusula
contratual, quanto a aplicação da Lei 10.1931/2004.
Financiamento imobiliário misto, em parte direto – pela
vendedora – e parte por instituição financeira. Nulidade de
disposição contratual em relação a qual pende dúvida
razoável. Indébito caracterizado somente depois da
decretação da nulidade da cláusula. Inexistência de quebra
da boa-fé objetiva, exigindo-se a demonstração da má-fé da
demandada, o que não ocorreu. Não aplicação do art. 42, §
único, CDC. Engano justificável diante da relevante
controvérsia jurídica, quanto à aplicação da lei em referência
e da cláusula contratual discutida. Inviabilidade da repetição
dobrada. Reforma para julgar procedentes os pedidos, salvo
aquele relativo à restituição em dobro. RECURSO PROVIDO
EM PARTE.

Trata-se de apelação interposta contra sentença de


ps. 148/150, que julgou improcedentes pedidos formulados pela
autora.
Adota-se, no mais, o relatório do Sr. Rel. Des.
Donegá Morandini, cujo voto dá provimento ao recurso, para declarar
a nulidade da disposição contratual, determinar correção com
periodicidade anual e condenar a ré na devolução em dobro dos
valores cobrados a mais em relação à correção monetária.
Ousa-se, com as devidas vênias, divergir em parte
do r. voto proposto, apenas para julgar improcedente o pedido
quanto a dobra dos valores a restituir.

Apelação n. 1054413-68.2022.8.26.0100 – Voto n. 29530 – AZ


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Em primeiro lugar, há de se observar a existência


de controvérsia acerca de cláusula contratual, no que toca à aplicação
da Lei 10.1931/2004 para fins de validade ou não de correção
monetária mensal. Tal lei (art. 46 e 47) veta correção monetária
mensal em financiamentos imobiliários de prazo inferior a 36 meses.
Conforme dispõe, não superando esse limite, caberia apenas
atualização monetaria anual.
No caso em exame, trata-se de financiamento
imobiliário misto, isto é, em parte direto – pela vendedora – e parte
por instituição financeira, como se extrai do Item 5, “e”, do contrato
(p. 22). De qualquer forma, não se trata de contratos coligados,
sendo correto o entendimento que aplica da limitação da Lei
10.1931/2004 à parte financiada diretamente pela vendedora, com a
correta desconsideração da clásula prevista o Item 5, “f”, do contrato,
nos termos da r. sentença e do voto da D. Relatoria.
De todo modo, observa-se cuidar de nulidade de
disposição contratual em relação a qual pende dúvida razoável. Tal
nulidade, cuja declaração se acata, não é aferível prima facie,
dependendo, para tanto, da superação de várias questões jurídicas.
Não se pode afirmar, desta maneira, na espécie,
quebra da boa-fé objetiva, exigindo-se a demonstração da má-fé da
demandada. Tanto assim, que o indébito caracteriza-se somente
depois da decretação da nulidade da cláusula reputada ilícita, mas
que, em sua vigência, dava respaldo à cobrança.
Não se aplica, verificada as circunstâncias acima
mencionadas, o art. 42, § único, Código de Defesa do Consumidor,
até porque discutível, também, que a holding autora possua a
condição de consumidora.
Afinal, não demonstrada a má-fé da ora apelante,
resta determinado que o engano na cobrança seja considerado
justificável, diante da relevante controvérsia jurídica estabelecida,
quanto à lei em referência e validade da cláusula contratual discutida.
Assim, com reiterada licença, a reforma da não
deve atingir a restituição em dobro.
Diante do exposto, por este voto, dá-se parcial
provimento à apelação da ré, divergindo-se parcialmente do E. Des.
Relator, para julgar improcedente a restituição em dobro.
Ante o parcial provimento do recurso, os honorários
advocatícios são fixados em 10% (dez por cento) do valor da
condenação para os patronos dos autores e 10% (dez por cento) do
Apelação n. 1054413-68.2022.8.26.0100 – Voto n. 29530 – AZ
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valor da dobra para os patronos da demandada. Custas e despesas


processuais distribuídas na proporção de 60% (sessenta por cento)
para a demandada e 40% (quarenta por cento) para demandante.

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator

Apelação n. 1054413-68.2022.8.26.0100 – Voto n. 29530 – AZ

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