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Tribunal de Justiça

Gabinete da Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento

Apelação Cível n. 0730863-68.2017.8.02.0001


Obrigação de Fazer / Não Fazer
2ª Câmara Cível
Relatora : Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento
Apelante : Sueli Moura Costa Ribeiro.
Advogada : Gabriela Eugênia Lucena Tenorio (OAB: 13072/AL).
Advogado : José Vicente Faria de Andrade (OAB: 12119/AL).
Apelado : Banco Pan Sa.
Advogado : Eduardo Chalfin (OAB: 13419A/AL).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM


PEDIDO LIMINAR C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA QUE JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTES
OS PLEITOS AUTORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA
MODALIDADE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PRESCRIÇÃO
QUINQUENAL. ART. 27, DO CDC. CONSUMIDOR QUE REALIZA A CONTRATAÇÃO
DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO QUANDO, NA VERDADE, ESTÁ FORMALIZANDO
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. REALIZAÇÃO DE DESCONTOS MENSAIS
EM FOLHA DE PAGAMENTO NO VALOR MÍNIMO DA FATURA, SITUAÇÃO QUE
GERA A PERPETUAÇÃO DA DÍVIDA. ATO ILÍCITO COMETIDO PELA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CONSUBSTANCIANDO, A UM SÓ TEMPO: (I)
INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO; (II) VANTAGEM
MANIFESTAMENTE EXCESSIVA PARA O FORNECEDOR DE SERVIÇOS; (III)
CONFIGURAÇÃO DE VENDA CASADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 39, I E VI E 51, IV,
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA QUE DEVE
REALIZAR RECÁLCULO QUANTO À FORMA DE PAGAMENTO DOS VALORES
SACADOS, DE MODO QUE TENHA COMO LIMITE AS TAXAS DE JUROS
ADEQUADAS AOS MÚTUOS CONVENCIONAIS DE CRÉDITO PESSOAL
CONSIGNADO. VERIFICAÇÃO DO DIREITO DA CONSUMIDORA À REPETIÇÃO EM
DOBRO DO QUE FOI DESCONTADO INDEVIDAMENTE. DANO MORAL
CONFIGURADO ANTE À FLAGRANTE ABUSIVIDADE. FIXAÇÃO DO QUANTUM DE
R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS). DEFINIÇÃO DE ÍNDICES E MARCOS DE JUROS E
CORREÇÃO MONETÁRIA. SENTENÇA REFORMADA. CUSTAS E HONORÁRIOS
PELA PARTE RÉ, ESTES ÚLTIMOS ARBITRADOS EM 10% (DEZ POR CENTO)
SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE
PROVIDO. À UNANIMIDADE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as
acima citadas, acordam os Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Alagoas, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso para,
no mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de (i) declarar a incidência
da prescrição quinquenal sobre o caso, tanto para fins de cômputo dos valores a serem
restituídos, quanto para os valores a serem compensados; (ii) declarar a inexistência

Proc. Nº 0730863-68.2017.8.02.0001 - Acórdão, Rel. e Voto TJ/AL - 2ª Câmara Cível A12


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parcial da dívida, determinando, assim, que o réu proceda com a revisão do saldo
devedor do cartão de crédito, implementando o recálculo desta verba conforme contrato
padrão de crédito pessoal consignado da instituição financeira, devendo este utilizar a
taxa de juros mais vantajosa ao consumidor dentre as disponíveis aos clientes para o
produto, e respeitar a margem consignável da parte autora, permitindo-se a
compensação dos valores disponibilizados pelos saques/ compras, devidamente
atualizados, desde que tenham sido utilizados nos 5 (cinco) anos anteriores à
propositura da ação, com o valor do dano material; (iii) condenar a instituição financeira
a reparar os danos materiais, cujo montante aferido será aplicada a dobra pela repetição
do indébito mais os juros de mora, à taxa de 1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da
data de vencimento das faturas (art. 397 do Código Civil), e a correção monetária, com
base no INPC/IBGE, desde a data de cada desconto indevido (efetivo prejuízo, súmula
43 do STJ), ambos até o dia da citação, momento a partir do qual deverá incidir
unicamente a taxa Selic; (iv) condenação da instituição bancária na obrigação de pagar
danos morais no importe de R$2.000,00 (dois mil reais), acrescidos dos juros de mora
fixados à taxa de 1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da data de vencimento da
fatura mais antiga não atingida pela prescrição (art. 397 do Código Civil c/c art. 161,
§1º do CTN), até a data em que passa a incidir a correção monetária, a partir do
arbitramento da indenização pela sentença, consoante disposto pela súmula 362 do STJ,
passando a ser aplicado unicamente o índice Selic, que compreende tanto os juros
quanto a correção monetária, até o efetivo pagamento e, (v) por fim, condenar o réu no
pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes em importe
equivalente a 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Maceió, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento
Relatora

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Apelação Cível n. 0730863-68.2017.8.02.0001


Obrigação de Fazer / Não Fazer
2ª Câmara Cível
Relatora : Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento
Apelante : Sueli Moura Costa Ribeiro.
Advogada : Gabriela Eugênia Lucena Tenorio (OAB: 13072/AL).
Advogado : José Vicente Faria de Andrade (OAB: 12119/AL).
Apelado : Banco Pan Sa.
Advogado : Eduardo Chalfin (OAB: 13419A/AL).

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposto por Sueli Moura Costa Ribeiro em face
de sentença proferida pelo Juízo de Direito da 7ª Vara Cível da Capital (fls.230/233), a
qual julgou totalmente improcedentes os pleitos autorais, condenando a parte autora ao
pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa, tendo em vista a
concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Com o julgamento improcedente, a autora interpôs o presente recurso, às


fls.259/277, por meio do qual alega, em apertada síntese, que houve violação ao
princípio da transparência e da boa-fé do negócio jurídico, destacando que o contrato é
composto por cláusulas obscuras e onerosas, fato que coloca a consumidora em situação
de desvantagem exagerada. Além disso, pugna pela condenação da instituição
financeira ao pagamento de danos morais e, quanto aos danos materiais, a devolução do
indébito em dobro. Assim, requer a reforma total da sentença, julgando-se procedentes
os pleitos autorais.

Sem contrarrazões, conforme certidão de fl.373.

É o relatório no que se tem por essencial.

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VOTO

Presentes os requisitos genéricos extrínsecos (preparo – dispensado em relação


à parte autora, em razão da concessão do benefício da justiça gratuita –, tempestividade
e regularidade formal) e intrínsecos (cabimento, legitimação, interesse recursal e
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer) de admissibilidade
recursal, conheço do recurso e passo à apreciação das razões invocadas.

Esclareço, de pronto, que a relação estabelecida entre as partes aqui litigantes


detém cunho consumerista, tendo em vista que a parte recorrida se enquadra no conceito
de consumidor, conforme determina o caput do art. 2º do CDC, e a parte apelante se
subsume ao conceito de fornecedor, nos termos do caput do art. 3º do mesmo diploma
legal, bem como que o Superior Tribunal de Justiça já editou a súmula 297, dispondo
que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Em sendo assim, a presente demanda é regida pelo Código de Defesa do


Consumidor, o qual preceitua que o prazo prescricional para reparação dos danos
causados é de 5 (cinco) anos. Vejamos o que define o diploma consumerista em seu art.
27:

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos


causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste
Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento
do dano e de sua autoria.

Ao mais, importante destacar que a relação em comento refere-se à obrigação


de trato sucessivo ou de execução continuada, ou seja, aquela que se protrai no tempo,
caracterizando-se pela pela prática ou abstenção de atos reiterados, renovando-se mês a
mês.

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Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves1:

Execução continuada da prestação é a que se prolonga no tempo, sem


solução de continuidade ou mediante prestações periódicas ou
reiteradas. No último caso, tem-se uma obrigação de trato sucessivo,
que é aquela cuja prestação se renova em prestações singulares e
sucessivas, em períodos consecutivos, como sucede na compra e
venda a prazo, no pagamento mensal do aluguel pelo locatário, etc.

Desse modo, entendo que a prescrição só atingirá o período anterior ao lastro


quinquenal estabelecido legalmente. Nesse sentido, colaciono jurisprudência deste
Egrégio Tribunal de Justiça que enfrenta a matéria de forma pontual:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE


INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. DÉBITOS
ORIUNDOS DA OPERAÇÃO DENOMINADA "BMG CARTÃO".
INCIDÊNCIA DO CDC. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS
REALIZADOS NO CONTRACHEQUE DO APELADO. DEVER
DE REPARAÇÃO. DIREITO AO RESSARCIMENTO DO VALOR
DESCONTADO EM DOBRO ATÉ O LASTRO
PRESCRICIONAL DE 05 (CINCO) ANOS. RELAÇÃO DE
TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO SÓ ATINGIRÁ O
PERÍODO ANTERIOR AO LASTRO QUINQUENAL
ESTABELECIDO LEGALMENTE. MÁ-FÉ. DANO MORAL.
QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. VALOR QUE
ATENDE AO CARÁTER PUNITIVO E COMPENSATÓRIO.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(Número do Processo: 0721319-56.2017.8.02.0001; Relator (a): Des.
Domingos de Araújo Lima Neto; Comarca: Foro de Maceió; Órgão
julgador: 3ª Câmara Cível; Data do julgamento: 21/03/2019; Data de
registro: 26/03/2019) (Original sem grifos).

Nessa senda, é evidente que a ação fora proposta em 25/11/2017 e, nessa


situação, só será devida a restituição dos valores descontados até 25/11/2012, portanto
1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - vol. 2 - Teoria Geral das Obrigações. 15. Ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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os demais valores descontados, anteriores a referida data estão fulminados pela


prescrição. Frise-se, aqui, que a prescrição também atingirá o direito de
compensação, de modo que somente poderão ser compensados os saques e/ou
compras realizados dentro do quinquênio prescricional.

Pois bem, superada esta questão, passo ao exame do mérito do recurso.

O cerne da questão consiste na pretensão autoral em buscar a reparação


material e moral, ante a alegada conduta ilícita do banco em ter descontado valores de
seus proventos relativos a empréstimos supostamente contraídos mediante cartão de
crédito.

Como dito anteriormente, a relação que envolve as partes diz respeito à relação
de consumo e isso implica dizer que a responsabilidade civil a ser aplicada ao caso em
testilha é a objetiva, por ser a regra estabelecida pelo art. 14 da Lei n.º 8.078/1990, que,
como visto, é a norma de regência a ser aplicada no presente feito, in verbis: "O
fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e
riscos".

Assim, por se tratar de responsabilidade objetiva, cabe ao consumidor apenas


demonstrar a ocorrência da conduta ilícita e do nexo de causalidade, sendo
desnecessária a prova do dolo ou da culpa. Em contrapartida, compete ao réu o ônus de
demonstrar e provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito
alegado pela parte demandante.

No caso em espeque, é fato incontroverso que a parte autora celebrou contrato

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de empréstimo consignado junto ao banco apelante. Contudo, de um lado, a


consumidora alega que o contrato efetuado é nulo, por apresentar dinâmica abusiva e,
de outro lado, a instituição financeira ré sustenta que a parte autora tinha ciência dos
termos do negócio jurídico realizado.

In casu, a parte autora aderiu a uma espécie contratual que vem sendo objeto
de diversas demandas junto ao Judiciário, em decorrência da qual a instituição bancária
fornece um cartão de crédito, cujos valores são, apenas em parte, adimplidos mediante
consignação em folha de pagamento.

Em diversos autos - à semelhança do que ocorre nestes -, os autores alegam


não ter sido informados, de forma clara e precisa, acerca da real dinâmica aplicada pela
instituição financeira, que acabou por conduzi-los à adesão de uma avença da qual
decorre um cartão de crédito que também serve para a realização de saques, em
verdadeira operação de empréstimo de valores, os quais, como dito, deverão ser
adimplidos, em parte, através dos descontos ocorridos em folha de pagamento, e, no que
superar esse valor diretamente descontado, mediante a quitação de boletos mensais.

Na prática, a dinâmica aplicada pelo banco acarreta verdadeiro "efeito cascata",


pois os valores apontados nos boletos que, muitas vezes, sequer chegam às residências
dos consumidores, acabam refletindo nas faturas posteriores, acrescidos de encargos
moratórios, prolongando-se ao longo dos anos, vez que a avença não tem termo certo de
duração.

A par disso, não resta dúvida de que essa espécie contratual revela uma
modalidade costumeiramente denominada "venda casada", prática reprimida pelo art.
39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o qual "É vedado ao
fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o

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fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço,


bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".

Verifica-se, outrossim, uma forma de contrato de empréstimo mais onerosa aos


consumidores e, por conseguinte, mais rentável à instituição financeira, que os
denominados empréstimos pessoais, realizados de forma direta pelo banco, nos quais o
indivíduo obtém, de uma só vez, quantia certa, comprometendo-se a ressarci-la
mediante o adimplemento de prestações mensais que têm termo inicial e final para
pagamento.

Além disso, as diversas demandas que vêm sendo ajuizadas com base nessa
espécie de "contrato de cartão de crédito consignado" evidenciam um fato comum que
não pode ser ignorado, qual seja, o de que, muitas vezes, são firmados por pessoas
idosas, o que significa dizer que as avenças vêm atingindo grupo social hiper-
vulnerável, cuja vulnerabilidade se apresenta em dois aspectos principais: "a) a
diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que o torna ainda
mais suscetível e débil em relação à atuação negocial dos fornecedores; b) a necessidade
e catividade em relação a determinados produtos ou serviços no mercado de consumo,
que o coloca em situação de dependência em relação aos seus fornecedores".2

Dessa forma, fica clara a violação, por parte da instituição financeira, da boa-fé
objetiva que deve pautar as relações consumeristas. Nesse sentido, é o escólio de Bruno
Miragem, quando assevera que "o princípio da boa-fé objetiva implica a exigência nas
relações jurídicas do respeito e da lealdade com o outro sujeito da relação, impondo um
dever de correção e fidelidade, assim como o respeito às expectativas legítimas geradas

2
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor 5ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.
128.

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no outro". 3

Além disso, o princípio da boa-fé impõe ao fornecedor um dever de informar


qualificado, visto que não exige apenas o cumprimento formal do oferecimento de
informações, mas também o dever substancial de que estas sejam efetivamente
compreendidas pelo consumidor. Nasce, assim, o dever de esclarecimento, "pelo qual o
fornecedor é obrigado a informar sobre os riscos do serviço, as situações em que o
mesmo é prestado, sua forma de utilização dentre outros aspectos relevantes da
contratação".4

Dessarte, entendo que a instituição financeira demandada não cumpriu com o


seu dever de informar de maneira satisfatória, tendo em vista que não comprovou que a
parte autora foi devidamente informada acerca do funcionamento do contrato a que
aderiu, como visto, composto por um cartão de crédito intrinsecamente relacionado a
empréstimos consignados que não são capazes de, por si sós, quitar o débito contraído
pelo consumidor.

Não é possível a decretação de inexistência de dívida, pois a contratação não


pode ser desfeita, já que a parte autora usufruiu dos valores sacados, mas cabe ao
Banco, contudo, recalcular a forma de pagamento dos valores sacados, de maneira
que tenham como limite as taxas de juros pactuadas para os empréstimos
consignados regulares. É nesse sentido, inclusive, que vem decidindo o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, corroborando o entendimento esposado neste voto:
APOSENTADORIA. CLIENTE COM MARGEM DE

3
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor 5ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.
134.
4 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor 5ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.

135.

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EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS ESGOTADA. LIBERAÇÃO DE


CRÉDITO DESPROPORCIONAL À CAPACIDADE DE
PAGAMENTO DO APOSENTADO, COM IMPOSIÇÃO DO
SAQUE MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO E COM
EXIGÊNCIA DA TOTALIDADE DO VALOR EMPRESTADO, DE
UMA ÚNICA VEZ, NA FATURA SEGUINTE. BURLA DO TETO
DE DESCONTOS MENSAIS PREVISTOS EM LEI. DÍVIDA QUE
SE TORNOU IMPAGÁVEL.ABUSIVIDADE.
(...)
7. Cabe reconhecer a ilegalidade do contrato em análise nos
autos. Porém, tendo o autor se valido do dinheiro "emprestado",
quantias descontadas a título de RMC devem servir para
amortizar o débito (consideradas em dobro).
(...)
9. Deverá o banco, contudo, recalcular a forma de pagamento dos
valores sacados, de maneira que tenham como limite as taxas de
juros pactuadas, mas que o crédito seja parcelado em tantas
parcelas fixas quanto bastem para a quitação da dívida,
respeitado, como valor das parcelas, o percentual de 5% sobre o valor
líquido da aposentadoria do autor. 10. Recurso parcialmente provido,
com determinação.
(TJ-SP 10021701720178260297 SP 1002170-17.2017.8.26.0297,
Relator: Melo Colombi, Data de Julgamento: 16/11/2017, 14ª Câmara
de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2017) (Original sem
grifos).

Entendo que este julgamento não é extra petita/ultra petita por ter convertido
o contrato em empréstimo consignado comum. Ora, se a sentença considera ilegal a
contratação como feita pela instituição financeira, não haveria como julgar
improcedente a demanda e deixar o quanto pactuado. De outra parte, não haveria como
declarar a inexistência da dívida e determinar a devolução de valores porque há prova
da utilização do cartão para saques e compras e ainda alegação de que a parte autora
pretendia obter empréstimo consignado comum, de modo que acolher o pedido de
inexistência de toda a dívida implicaria em enriquecimento sem causa.

Assim, de nenhum vício padece a decisão colegiada porque, embora inexista

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requerimento expresso das partes para a readequação do contrato, o resultado obtido é


consequência lógica das questões e pretensões postas em juízo. Nesse sentido é o
entendimento do STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
CONTRATO DE TRANSPORTE. INDENIZAÇÃO. DANO
MORAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta
Corte Superior firmou entendimento no sentido de que "inexiste
o alegado julgamento ultra petita, pois o julgador não violou os
limites objetivos da pretensão, tampouco concedeu providência
jurisdicional diversa do pedido formulado na inicial, porquanto o
pedido deve ser extraído a partir de interpretação
lógicosistemática de toda a petição inicial, sendo desnecessária a
sua formulação expressa na parte final desse documento,
podendo o Juiz realizar análise ampla e detida da relação jurídica
posta em exame" (AgRg no AREsp n. 420.451/RJ, Rel. Ministro
Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 5/12/2013, DJe 19/12/2013).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1146033/RS, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 15/10/2018, DJe 19/10/2018) (Original sem grifos).

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO


CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REFORMATIO IN
PEJUS E JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO
OCORRÊNCIA.(...) 3. Não há nulidade no julgamento quando
acolhido o pleito em perfeita harmonia com o princípio da
congruência, pois o pedido inicial "deve ser interpretado em
consonância com a pretensão deduzida na exordial como um
todo, sendo certo que o acolhimento da pretensão extraído da
interpretação lógicosistemática da peça inicial não implica
julgamento extra petita (AgRg no AREsp n. 322.510/BA, Rel. Min.
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 25/06/2013). 4.
Agravo interno desprovido.” (AgInt no REsp 1327487/GO, Rel.
Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
28/08/2018, DJe 19/09/2018) (Original sem grifos).

PROCESSUAL CIVIL OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO


CONFIGURADA. SERVIDORES PÚBLICOS APOSENTADOS DO
ESTADO DE SÃO PAULO. SEXTA-PARTE. VENCIMENTOS
INTEGRAIS. ACÓRDÃO QUE DECIDIU COM BASE EM LEI

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LOCAL E CONSTITUCIONAL. OFENSA AOS ARTS. 128, 286 E


460 DO CPC. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO
OCORRÊNCIA. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C".
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMOSTRADO.(...)3.
Ademais, consoante entendimento sedimentado no STJ, não
ocorre julgamento extra petita se o Tribunal local decide questão
que é reflexo do pedido na exordial. O pleito inicial deve ser
interpretado em consonância com a pretensão deduzida na
exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento da
pretensão extraído da interpretação lógico-sistemática da peça
inicial não implica julgamento extra petita.(...) (REsp
1.655.395/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, DJe 25/4/2017, extraído da Decisão monocrática proferida
pelo mesmo Relator no REsp 1726456, publicada em 03.09.2018)
(Original sem grifos).

Ademais, diante da existência de prova de que a parte autora/apelante se


beneficiou de valores obtidos junto à instituição financeira, deve ser reconhecida a
existência de débito quanto a esses valores comprovados nos autos, devendo ser
realizada a compensação, sob pena de enriquecimento ilícito. Assim, após o recálculo,
os valores pagos a maior pela parte consumidora devem ser devolvidos em dobro, uma
vez que a instituição bancária incorreu em práticas abusivas, consistentes na ocorrência
do aproveitamento da vulnerabilidade do consumidor (art. 39, IV, CDC) e da exigência
de vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V, CDC).

Acerca da possibilidade de compensação dos valores disponibilizados e


usufruídos pela parte autora, esta Segunda Câmara Cível vem se manifestando nesse
sentido, senão vejamos:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE


INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE RESERVA
DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONSUMIDOR QUE
REALIZA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO

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QUANDO, NA VERDADE, ESTÁ FORMALIZANDO CONTRATO


DE CARTÃO DE CRÉDITO. REALIZAÇÃO DE DESCONTOS
MENSAIS EM FOLHA DE PAGAMENTO NO VALOR MÍNIMO
DA FATURA, SITUAÇÃO QUE GERA A PERPETUAÇÃO DA
DÍVIDA. ATO ILÍCITO COMETIDO PELA INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA, CONSUBSTANCIANDO, A UM SÓ TEMPO: (I)
INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO; (II)
VANTAGEM MANIFESTAMENTE EXCESSIVA PARA O
FORNECEDOR DE SERVIÇOS; (III) CONFIGURAÇÃO DE
VENDA CASADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 39, I E VI E 51, IV,
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL
CONFIGURADO ANTE À FLAGRANTE ABUSIVIDADE.
MAJORAÇÃO DO VALOR PARA SE ADEQUAR AO
USUALMENTE ARBITRADO POR ESTA CÂMARA CÍVEL.
OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. AUTORA
QUE UTILIZOU O CRÉDITO OFERECIDO PELO BANCO.
READEQUAMENTO DO DÉBITO. POSSIBILIDADE DE
COMPENSAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
RETIFICADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS
CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. DECISÃO
UNÂNIME. (Número do Processo: 0702636-23.2019.8.02.0058;
Relator (a): Desa. Elisabeth Carvalho Nascimento; Comarca: Foro de
Arapiraca; Órgão julgador: 2ª Câmara Cível; Data do julgamento:
08/07/2021; Data de registro: 08/07/2021) (Original sem grifos).

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE


INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TESE
PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DECENAL. NÃO ACOLHIDA.
DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
DÉBITO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA DESCONTADO
DIRETAMENTE EM FOLHA DE PAGAMENTO. PERPETUAÇÃO
DA DÍVIDA. CONSUMIDORA VULNERÁVEL. DEVER DE
INFORMAÇÃO NÃO OBSERVADO. ART. 6º, II E III DO CDC.
PRÁTICA ILÍCITA DE VENDA CASADA. ART. 39, INCISO I DO
CDC. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DESCONTOS
INDEVIDOS. NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. DANO
MATERIAL CONFIGURADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO.
ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. COMPENSAÇÃO.
PARTE AUTORA UTILIZOU O CRÉDITO OFERECIDO
PELO BANCO. DETERMINAÇÃO DE REVISÃO E

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READEQUAÇÃO DO DÉBITO. COMPENSAÇÃO DE


CRÉDITOS. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM
INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL
REAIS). FIXAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA DOS
CONSECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO DO BANCO RÉU
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA, PARA
CONDENAR A PARTE RÉ À INDENIZAÇÃO POR DANO
EXTRAPATRIMONIAL. SENTENÇA REFORMADA. DECISÃO
UNÂNIME. (Número do Processo: 0711413-71.2019.8.02.0001;
Relator (a):Des. Klever Rêgo Loureiro; Comarca: Foro de Maceió;
Órgão julgador: 2ª Câmara Cível; Data do julgamento: 17/06/2021;
Data de registro: 21/06/2021) (Original sem grifos).

Dessa maneira, faz-se necessário a fixação da correção monetária sobre o valor


a ser compensado pela quantia efetivamente colocada à disposição do consumidor. Sem
maiores delongas, compactuo do entendimento firmado no bojo da apelação cível n.º
0700302-98.2021.8.02.020, sob relatoria do Des. Carlos Cavalcanti de Albuquerque
Filho, cujo excerto do voto peço vênia para transcrever:

Dessarte, entendo ser equilibrado que, a este mesmo valor, incida a


correspondente correção monetária a ser aplicada em sede de
apuração da quantia devida, cujo montante será aferido após o
recálculo da indenização a título de dano material, condicionado às
taxas de juros pactuadas para a modalidade regular de empréstimo
consignado.

Assim, por ser a data do efetivo prejuízo o parâmetro adequado à


atualização monetária dos danos materiais decorrentes de ato ilícito
(Súmula 43 do STJ), deverá, ao valor emprestado, desde o dia de sua
efetiva liberação em conta corrente, ser aplicado a taxa Selic (índice
que engloba a correção monetária), cuja quantia será apurada na fase
de Cumprimento de Sentença, medida que também evitará a
possibilidade de enriquecimento ilícito pela parte apelada e é
harmônica com a praxe desta Corte.

Em síntese, a compensação e o repasse do montante indenizatório


a título de dano material se dará da seguinte forma:

A) Deverá ser recalculado o montante da dívida de acordo com os

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parâmetros aplicáveis à modalidade regular de empréstimo


consignado;

B) O valor previamente disponibilizado à Apelada deverá ser


atualizado com aplicação da taxa Selic, a partir da data de sua
disponibilização em conta corrente;

C) Da soma das prestações efetivamente descontadas da remuneração


da Apelada, será subtraído o valor obtido pela atualização monetária
do valor dado em empréstimo, este apurado de acordo com o item
anterior;

D) A este novo montante será aplicada a dobra pela repetição do


indébito e os consectários legais, destarte, os juros de mora, à taxa de
1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da data de vencimento das
faturas (Art. 397 do Código Civil), e a correção monetária, com base
no INPC/IBGE, desde a data de cada desconto indevido (efetivo
prejuízo, Súmula 43 do STJ), ambos até o dia da citação, momento a
partir do qual deverá incidir unicamente a taxa Selic, que engloba
juros de mora e correção monetária.

Isto posto, defino nos moldes supramencionados, para o presente caso, a


disciplina de apuração sobre os danos materiais. Superada essa consideração, passo a
analisar as teses relativas aos danos morais.

No tocante à alegação do banco de inexistência de dano moral, cumpre-me


destacar que esse, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, "é o que atinge o ofendido
como pessoa, não lesando seu patrimônio. É a lesão do bem que integra os direitos da
personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc.,
[...] e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza vexame e humilhação".5

Vê-se, portanto, que o dano moral surge quando há a infração de um dever


legal, aplicando-se, por conseguinte, os preceitos contidos nos arts. 186 e 927 do
Código Civil, segundo os quais todo aquele que comete ato ilícito, causando dano a

5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 4. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 387.

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outrem, ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a repará-lo.

No caso específico dos autos, é inegável que os descontos intermináveis


efetivados nos proventos da parte autora, ao longo de anos, expuseram a parte
demandante a um contrato excessivamente oneroso, configurando dano moral in re
ipsa. Nesse sentido:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.AÇÃO COMINATÓRIA


DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE C/C DANO MORAL C/C
REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C TUTELA PROVISÓRIA
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PLEITOS
AUTORAIS. APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO DE APELAÇÃO
INTERPOSTO PELA AUTORA. TESES: PREJUDICIAL DE
MÉRITO DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ACOLHIDA.
prescritas as parcelas descontadas, compras e inclusive os saques
Ocorridos no período anterior ao lastro quinquenal estabelecido
legalmente (art. 27 do CDC), ou seja, todas as operações anteriores a
26 de FEVEREIRO de 2014. MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE
DÉBITO E NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. REJEITADA.
COMPROVAÇÃO DE VALORES SACADOS E COMPRAS;
MAJORAÇÃO DO DANO MORAL. REJEITADA. INDENIZAÇÃO
MANTIDA EM R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS), observadas as
peculiaridades do caso concreto e os parâmetros definidos pela Seção
Especializada Cível em sessão realizada no dia 02 de maio de 2022.
CONSUMIDORA FEZ uso do cartão de crédito para compras e
saques, exceto quanto ao saque inicial (objeto do contrato);
MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL ARBITRADO A TÍTULO DE
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACOLHIDA EM PARTE.
HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS EM 11% SOBRE O
VALOR DA CONDENAÇÃO. ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. FIXAÇÃO DE OFÍCIO DOS CONSECTÁRIOS
LEGAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
DECISÃO UNÂNIME. RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO
PELO BANCO BMG S/A. TESES: VALIDADE DO CONTRATO E
AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS.
REJEITADA. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. CABÍVEL
REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. DEMONSTRADA A
MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXCESSIVA
ONEROSIDADE. BANCO DEIXOU INTENCIONALMENTE DE

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PRESTAR A ADEQUADA INFORMAÇÃO SOBRE O PROCESSO


DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR A FIM DE QUE OS
DESCONTOS NÃO POSSUÍSSEM PRAZO DE TÉRMINO.
COMPETE À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA REALIZAR
RECÁLCULO QUANTO À FORMA DE PAGAMENTO DOS
VALORES SACADOS, DE MODO QUE TENHA COMO LIMITE
AS TAXAS DE JUROS ADEQUADAS AOS MÚTUOS
CONVENCIONAIS DE CRÉDITO PESSOAL CONSIGNADO.
PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA; DA
INOCORRÊNCIA DOS DANOS MORAIS. REJEITADA. o dano
moral existe in re ipsa (presumido), satisfazendo à sua
demonstração a simples ocorrência do ato ilícito em si, cujo
prejuízo impingido à vítima se presume. aplica-se ao caso a
responsabilidade objetiva do Banco em reparar os danos causados,
decorrentes da falha em seu serviço; REDUÇÃO DO VALOR
ARBITRADO. REJEITADA. INDENIZAÇÃO MANTIDA EM
R$2.000,00 (DOIS MIL REAIS), observadas as peculiaridades do
caso concreto e os parâmetros definidos pela Seção Especializada
Cível em sessão realizada no dia 02 de maio de 2022. MAJORAÇÃO
DOS HONORÁRIOS RECURSAIS. FIXAÇÃO DE OFÍCIO DOS
CONSECTÁRIOS LEGAIS DE AMBAS AS CONDENAÇÕES
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO
UNÂNIME. (Número do Processo: 0705357-22.2019.8.02.0001;
Relator (a): Des. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho;
Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 2ª Câmara Cível; Data do
julgamento: 15/09/2022; Data de registro: 19/09/2022) (Original sem
grifos).

Assim, comprovado que houve conduta ilícita perpetrada pelo réu, em virtude
da imposição à parte autora de uma forma de cobrança evidentemente abusiva e em
descompasso com o CDC, porque presentes todos os requisitos do dever de indenizar,
entendo que a indenização por dano moral é devida.

No que concerne ao arbitramento do quantum indenizatório, vê-se que este


decorre de critério subjetivo do julgador, baseado nos princípios fundamentais da
razoabilidade e da proporcionalidade, devendo servir, tanto de atenuação ao prejuízo
imaterial experimentado pelo ofendido, quanto de reprimenda ao ofensor.

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Logo, devem ser analisadas as particularidades gerais e especiais do caso


concreto, a saber: gravidade do dano, o comportamento do ofensor e do ofendido, sua
posição social e econômica etc.

No caso em análise, entendo que a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) se


mostra moderada e razoável em vista das especificidades do fato e da extensão do dano,
observadas as peculiaridades do caso concreto e os parâmetros definidos pela Seção
Especializada Cível, em sessão realizada no dia 02 de maio de 2022, na qual restou
consignado que se o consumidor tiver feito uso do cartão de crédito para compras e/ou
saques, exceto quanto ao saque inicial (objeto do contrato), sem a comprovação de que
tinha ciência inequívoca da forma de quitação do contrato, deverá ser fixado o dano
moral de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Além disso, sobre o valor que será ressarcido à parte autora (dano moral)
deverá incidir juros de mora à taxa de 1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da data
de vencimento da fatura mais antiga não atingida pela prescrição (art. 397 do Código
Civil c/c art. 161, §1º do CTN), até a data em que passa a incidir a correção monetária, a
partir do arbitramento da indenização, consoante disposto pela súmula 362 do STJ,
passando a ser aplicado unicamente o índice Selic, que compreende tanto os juros
quanto a correção monetária, até o efetivo pagamento. Nesses termos:
Código Civil
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no
seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante
interpelação judicial ou extrajudicial.

Código Tributário Nacional:


Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é
acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da

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falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da


aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em
lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são
calculados à taxa de um por cento ao mês.
Súmula 362 STJ. A correção monetária do valor da indenização do
dano moral incide desde a data do arbitramento

Por fim, verificada a sucumbência mínima da parte autora, condeno o réu no


dever de pagar as custas processuais e os honorários de sucumbência, estes em importe
equivalente a 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Dispositivo

Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER do recurso para, no


mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de (i) declarar a incidência da
prescrição quinquenal sobre o caso, tanto para fins de cômputo dos valores a serem
restituídos, quanto para os valores a serem compensados; (ii) declarar a inexistência
parcial da dívida, determinando, assim, que o réu proceda com a revisão do saldo
devedor do cartão de crédito, implementando o recálculo desta verba conforme contrato
padrão de crédito pessoal consignado da instituição financeira, devendo este utilizar a
taxa de juros mais vantajosa ao consumidor dentre as disponíveis aos clientes para o
produto, e respeitar a margem consignável da parte autora, permitindo-se a
compensação dos valores disponibilizados pelos saques/ compras, devidamente
atualizados, desde que tenham sido utilizados nos 5 (cinco) anos anteriores à
propositura da ação, com o valor do dano material; (iii) condenar a instituição financeira
a reparar os danos materiais, cujo montante aferido será aplicada a dobra pela repetição
do indébito mais os juros de mora, à taxa de 1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da
data de vencimento das faturas (art. 397 do Código Civil), e a correção monetária, com
base no INPC/IBGE, desde a data de cada desconto indevido (efetivo prejuízo, súmula

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43 do STJ), ambos até o dia da citação, momento a partir do qual deverá incidir
unicamente a taxa Selic; (iv) condenação da instituição bancária na obrigação de pagar
danos morais no importe de R$2.000,00 (dois mil reais), acrescidos dos juros de mora
fixados à taxa de 1% a.m. (um por cento ao mês), a contar da data de vencimento da
fatura mais antiga não atingida pela prescrição (art. 397 do Código Civil c/c art. 161,
§1º do CTN), até a data em que passa a incidir a correção monetária, a partir do
arbitramento da indenização pela sentença, consoante disposto pela súmula 362 do STJ,
passando a ser aplicado unicamente o índice Selic, que compreende tanto os juros
quanto a correção monetária, até o efetivo pagamento e, (v) por fim, condenar o réu no
pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, estes em importe
equivalente a 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

É como voto.
Desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento
Relatora

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