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Os textos não representam a opinião do CESA sobre o assunto.

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EXPEDIENTE

CESA
Anuário 2023

Comissão Editorial
Gustavo Brigagão
Cristiane Romano Farhat Ferraz
Luiz Roberto de Andrade Novaes

Revista publicada por


Migalhas
www.migalhas.com.br Av. Presidente Castelo Branco, 600
14.091-413 Ribeirão Preto, SP
Telefax: (16) 3617.1344
ISSN www.migalhas.com.br
2316-7351 migalhas@migalhas.com.br
1994 1987 1983
Promulgada a Lei 8.096/1994 Começamos a estabelecer nossa Em 30 de junho, as associadas de
(Estatuto da Advocacia) com um presença em entidades interna- São Paulo se unem para criar o
capítulo destinado às sociedades cionais, passando a integrar a CESA. Desde o início trabalhamos
de advogados. O texto estabele- IBA, de cujo Conselho é membro em conjunto com a OAB para dis-
1995 ceu a figura do advogado associa- atualmente. Mais tarde, passa- ciplinar o exercício da profissão
Instituição de novo Código do, resolvendo assim um proble- mos a participar também da ABA, nas sociedades de advogados. A
de Ética e Disciplina da OAB, ma trabalhista das sociedades. da AIJA e da ILA. parceria levou à criação da Comis-
com contribuições importan- A redação foi debatida por inte- são das Sociedades de Advogados
tes do CESA. grantes do CESA que participa- da OAB.
vam da Comissão das Sociedades
de Advogados da OAB/SP.

1999 2000 2006 2015


Em 30 de novembro, aprovamos O CESA contribui ativamente Contribuímos para a formulação Contribuímos para a redação do
o novo Estatuto Social do CESA, para a formulação do Provimen- do Provimento 112 da OAB, que art. 4º do Provimento 166/15,
prevendo a criação de seções re- to 91 da OAB, destinado a regu- ao reconhecer e regular as so- como solução para o problema
gionais em um ou mais Estados, lamentar a atuação do advogado ciedades de advogados, permitiu de que a advocacia pro bono ter-
a criação de uma secretaria exe- estrangeiro no Brasil, e do Provi- que mantenham o nome do es- minasse como instrumento de
cutiva permanente e a nomea- mento 94, que regula a publicida- critório mesmo após a morte do marketing ou captação. Nego-
ção de comitês de estudos. de e a propaganda na advocacia. sócio-titular. ciamos para que o PL de autoria
do Sebrae contemplasse as so-
ciedades de advocacia no rol das
figuras jurídicas enquadradas no
Simples Nacional, a fim de evitar
tributação excessiva.

2020 2019 2018 2016


Elaboração de plano, em parceria Participamos das discussões que Contribuições para o Projeto Atuamos pela Instituição do Pro-
com o Sinsa, com recomendações levaram o STF a declarar a inconsti- de Lei 1.202/2007, que visa re- vimento 170/2016, que regula-
às sociedades de advogados para tucionalidade de impeditivos à sub- gulamentar a prática do lobby menta a figura das sociedades uni-
a retomada das atividades pós- missão de sociedades profissionais no país. pessoais de advocacia.
-pandemia de covid 19. de advogados ao regime de tribu-
tação fixa ou per capital com bases
anuais na forma estabelecida no DL
406/68. Apresentação de propostas
de cunho societário e trabalhista
para a elaboração do texto da Lei da
Liberdade Econômica, com o objeti-
vo principal de reduzir a burocracia Linha do tempo
nas atividades econômicas.
Carlos José Santos da Silva, Celso Cintra Mori, Horacio Bernardes Neto, Gustavo Brigagão,
Clemencia Beatriz Wolthers, Antonio Corrêa Meyer e José Luis de Salles Freire

Carlos José Santos da Silva, Celso Cintra Mori, Clemencia Beatriz Wolthers,
Cristiane Romano, Antonio Corrêa Meyer, Gustavo Brigagão e José Luis de Salles Freire
SUMÁRIO

Prefácio – Gustavo Brigagão


Celebrando Quatro Décadas de Evolução, Inovação e Compromisso ... 13

Apresentação – Luiz Roberto de Andrade Novaes


Anuário 2023 ... 15

DEPOIMENTOS

Antonio Corrêa Meyer ... 19 Gisela da Silva Freire ... 53


Carlos José Santos da Silva (Cajé) ... 23 Gustavo Brigagão ... 57
Celso Azzi ... 29 Horacio Bernardes Neto ... 63
Celso Mori ... 33 José Luis de Salles Freire ... 67
Clemencia Wolthers ... 37 Moira V. Huggard-Caine ... 71
Cristiane Romano ... 41 Silvia Naufal ... 75
Fernanda Martorelli ... 45 Stanley Martins Frasão ... 79
Fernando Salvia ... 49 Wolnei Tadeu Ferreira ... 83

COMITÊS

ADMINISTRAÇÃO E ÉTICA PROFISSIONAL – CADEP


Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA ... 89
Stanley Martins Frasão

CESA JOVEM
40 anos do CESA: Contribuições do Comitê Jovem para o futuro do CESA ... 93
João Paulo Ferraz, José Victor Pallis da Silva e Vivian Joory

CONCORRÊNCIA E RELAÇÕES DE CONSUMO


Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA ... 97
Pedro Paulo Salles Cristofaro, Ricardo Lara Gaillard, Sonia Marques Döbler e Vivian Fraga do
Nascimento Arruda
DIREITO AMBIENTAL
A evolução do Direito Ambiental, a tendência de uma análise mais holística
sobre as atividades empresariais e os reflexos na advocacia no Brasil ... 101
Guilherme Mota e Marina Maciel

DIREITO DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS


Advocacia digital: a nova realidade sobre provas e golpes digitais ... 107
Alexandre Atheniense

DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES


Desafios e Perspectivas para a Advocacia das Famílias e Sucessões ... 113
Eleonora G. Saltão de Q. Mattos, Ana Luisa Porto Borges e Fernanda Hesketh

DIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL


Os Desafios e as Oportunidades Associadas à Implementação da Advocacia pro bono
pelas Sociedades de Advogados ... 119
Alberto Mori, Flavia Regina de Souza Oliveira e Grazielly Rocha de Arruda

LIDERANÇA FEMININA
Igualdade de Gênero no Exercício da Advocacia: um Esforço
Conjunto Necessário ... 123
Cristiane Romano, Janaina Castro e Maia Martinovich

PENAL
O CESA diante da inovação no Direito e na Advocacia ... 131
Fernanda Haddad de Almeida Carneiro

SOCIETÁRIO
Panorama Geral do Papel do CESA e das Recentes Alterações do Direito Societário no
Futuro da Advocacia ... 135
André Maruch
TRIBUTÁRIO
O Contencioso Tributário Brasileiro do Diagnóstico à Reforma do Sistema Processual:
Relações Institucionais Tributárias e Compliance ... 139
Valter de Souza Lobato, Daniella Zagari Gonçalves, Douglas Mota e Priscila Faricelli

SECCIONAIS

BAHIA
Advogado – Será que você está Preparado para o Futuro ... 147
Paula Pereira Pires

DISTRITO FEDERAL
Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA ... 151
Antonio Carlos Guimarães Gonçalves

ESPÍRITO SANTO
Inovação Tecnológica na Advocacia Moderna: CESA 40 anos ... 155
Giulio Cesare Imbroisi, Francisco Antônio Cardoso Ferreira

MARANHÃO
Adaptando-se à Crise do Poder Judiciário: A Era da Justiça Multiportas e das novas
tecnologias ... 167
Ulisses César Martins de Sousa

MATO GROSSO
Advogado, Juiz e Processo na Era Digital ... 171
João Celestino Corrêa da Costa Neto

MINAS GERAIS
Advocacia do Futuro: O Papel dos Meios Adequados de Solução de Conflitos e a
Formação dos Profissionais do Direito ... 177
Nilson Reis Júnior
NORTE
Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA: uma Adaptação às mudanças ... 183
Afonso Marcius Vaz Lobato

PARAÍBA
Revisitando os Predicados “do Passado” para Garantir uma Advocacia “de Futuro” ... 187
Daniel Sebadelhe Aranha

PARANÁ
Ousadia do CESA para Liderar e Moldar o Futuro da Advocacia ... 193
Tarcísio Araújo Kroetz

PERNAMBUCO
Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA ... 199
Ivo Tinô do Amaral Junior

PIAUÍ
Os Desafios do Futuro são Inspiradores: uma análise sobre o futuro da advocacia e o
uso da inteligência artificial ... 203
Álvaro Fernando da Rocha Mota

RIO DE JANEIRO
O Futuro da Advocacia e o Papel do CESA no seu Desenvolvimento ... 209
Francisco Antunes Maciel Müssnich e Marcella Campinho Vaz

RIO GRANDE DO SUL


INOVAÇÃO como ferramenta no Ativismo Judicial e na Inteligência Artificial ... 213
Ricardo Jobim Faraco de Azevedo

SANTA CATARINA
CESA, o futuro sem perder o essencial ... 219
Giancarlo Castelan
PREFÁCIO

Celebrando Quatro Décadas de Evolução, Inovação e Compromisso

Gustavo Brigagão1

Em 1983, o cenário jurídico brasileiro ganhou um novo e promissor integrante: o


CESA. A década de 80, rica em transformações políticas e sociais, também foi testemu-
nha do nascimento dessa instituição que logo se tornaria um pilar da advocacia no país.
O CESA foi concebido por visionários que enxergaram além do horizonte imediato.
Eles reconheceram que o futuro da advocacia no Brasil não seria apenas uma extensão
do passado, mas uma reinvenção contínua para enfrentar desafios emergentes. Era um
tempo de inovação e mudança, e a criação do CESA refletia essa tendência.
Desde seus primeiros dias, a missão do CESA foi clara: servir como espaço de diá-
logo e inovação. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, essa missão não
era pequena. Com ampla gama de realidades jurídicas e culturais, o CESA enfrentou o
13
desafio de ser inclusivo e representativo.
Rapidamente, a organização expandiu-se para além de suas origens em São Paulo.
Essa expansão geográfica não foi apenas uma conquista logística, mas uma necessidade
para realmente abraçar a diversidade da advocacia brasileira. Com o passar do tempo, 16
seccionais surgiram, refletindo a multifacetada realidade jurídica da nossa nação.
Mas a expansão não foi meramente geográfica. A gama de tópicos abordados pelo
CESA também cresceu. De questões relativas à gestão de escritórios, a organização mer-
gulhou em áreas mais especializadas, refletidas em seus 13 comitês temáticos. Cada co-
mitê tornou-se uma fonte de expertise, oferecendo insights e orientação para membros
e para o setor jurídico em geral.
No entanto, o CESA nunca se contentou em ser apenas uma fonte de informação.
Em vez disso, tomou para si o papel de influenciador ativo. Seja atuando como ami-
cus curiae em questões jurídicas vitais ou dialogando diretamente com autoridades e
parlamentares, o CESA estava na vanguarda, moldando ativamente a paisagem jurídica
brasileira.

1 Presidente do CESA e sócio de Brigagão, Duque Estrada Advogados.


O compromisso da organização com a inovação e a antecipação é claramente evi-
dente. Em um mundo em rápida mutação, onde a tecnologia está redefinindo fronteiras
e criando novos paradigmas, o CESA tem sido pioneiro em explorar os desafios e oportu-
nidades dessas transformações.
E, em meio a tudo isso, o CESA manteve sua essência de camaradagem e colabora-
ção. A atmosfera que permeia a organização é uma de genuína parceria. Essa abordagem
não apenas fortalece o tecido interno do CESA, mas também enriquece o setor jurídico
como um todo.
Ao olharmos para trás, vemos quatro décadas de conquistas notáveis, mas a jor-
nada está longe de terminar. À medida que nos aproximamos do meio do século XXI, os
desafios são novos e muitos. A advocacia, como muitos outros setores, enfrenta questões
de diversidade, inclusão e a necessidade de equilibrar tradição com inovação.
Para o CESA, esses desafios representam oportunidades. Oportunidades para re-
definir, para liderar e para moldar o futuro da advocacia no Brasil. A história nos mostra
que o CESA está mais do que à altura da tarefa.
Enquanto folheamos as páginas deste anuário, somos lembrados do impacto du-
radouro que uma organização pode ter. O CESA não é apenas um reflexo da advocacia
14
brasileira, é também seu arquiteto e defensor.
Em nome de todos os membros, colaboradores e parceiros que fizeram parte des-
ta incrível jornada, expressamos nossa profunda gratidão. E, enquanto olhamos para
as próximas quatro décadas, renovamos nosso compromisso de excelência, inovação e
liderança.
Que o futuro traga desafios, pois sabemos que o CESA estará lá para enfrentá-los,
com a mesma paixão e determinação que tem demonstrado desde o seu nascimento.
APRESENTAÇÃO

Anuário 2023

Luiz Roberto de Andrade Novaes1

Este é um ano especial de celebração dos 40 anos do CESA.


Nosso anuário, portanto, tinha que se alinhar nas comemorações, mas não repe-
tindo o que fizemos por ocasião dos 35 anos, com um histórico de nossa associação e um
álbum de fotografias.
Assim, imaginamos dividi-lo em duas partes de forma a olhar para o passado, mas,
ao mesmo tempo, olhar o futuro que se apresenta desafiador para todas as profissões,
em face das transformações que demandam uma constante adaptação ao novo cenário.
Na primeira parte tomamos o depoimento de todos os ex-presidentes do CESA
ainda vivos, dos atuais dirigentes, bem como de alguns pioneiros na formação dos comi-
tês ou na condução de nossa associação.
15
Estes depoimentos foram gravados em vídeo e transcritos em forma de texto. Pro-
curamos conservar a espontaneidade de tais falas, sem tirar o caráter direto e pessoal,
para preservar a oralidade e não fazer artigos sérios que são a expressão normal dos
advogados.
Ao mesmo tempo, cada depoimento tem um QR code que remete ao vídeo, que
certamente é mais interessante que a sua transcrição.
Na segunda parte pedimos a todos os comitês e seccionais que fizessem um artigo
sobre o futuro da advocacia e do CESA, o que certamente vai mostrar um leque de visões
dos próximos anos e das perspectivas que cada um imagina mais verdadeira.
Não posso deixar passar esta oportunidade para também me colocar como teste-
munha pessoal da fundação e do desenvolvimento do CESA, que teve percurso bem-su-
cedido graças às suas bases sólidas e à ideia genial de superar as diferenças e congregar
as sociedades para discutir pautas comuns.
Tal visão criou uma associação que se destaca pela amizade, fraternidade, hori-

1 Coordenador da Comissão Editorial do Anuário e sócio de Novaes, Plantulli e Manzoli – Sociedade de Advo-
gados.
zontalidade e por um espírito de colaboração na defesa dos interesses comuns.
Assim, o CESA adquiriu a feição que tem hoje e a representatividade que atual-
mente ostenta, junto aos órgãos de classe, às autoridades de todos os poderes da repú-
blica, assim como perante a sociedade em geral.
Mas os tempos passam rápido e o modelo de negócio das sociedades de advoga-
dos vem sendo sacudido pela tecnologia e toda a organização dos escritórios vai sofrer
transformações profundas que precisam ser examinadas com cuidado e enfrentadas por
todos. Por isto, a função do CESA vai demandar um esforço conjunto para fazer face a tão
difícil tarefa, para a qual temos condições de contribuir com todos. Isto de forma melhor
do que individualmente.
De qualquer forma, como já falei antes, a régua do CESA é alta e este o maior le-
gado que recebemos.
O desafio de minha geração é passar o bastão para as novas gerações e confiar que
eles têm capacidade de manter intacto nosso projeto.
Eu completo este ano 50 anos de exercício profissional e espero sinceramente con-
tinuar colaborando no CESA até quando for possível.
Viva o CESA!!
16
DEPOIMENTOS
ASSISTA À ENTREVISTA
ANTONIO CORRÊA MEYER

CESA 40 anos

O início

“O CESA começou na segunda metade da década de 1980, chamada ‘década perdi-


da’ no Brasil, época de inflação muito alta, quando o país tentava renegociar sua dívida,
pagava juros estratosféricos – não foi um período bom para o Brasil – contexto óbvio
para o governo querer aumentar receitas, e para tanto, os advogados eram um objetivo
muito interessante. Embora o governo fosse militar, a condução da economia era feita
por profissionais como o Delfin Neto, que não perdiam oportunidade de majorar as con-
tribuições fiscais; e nós, os advogados, entre os profissionais liberais, éramos os mais
ativos nessa discussão com o governo. A propósito disso, um grupo de advogados que já
se conhecia, por contatos no próprio exercício da atividade, ou da atuação em comitês
19
da Ordem dos Advogados ou da Associação dos Advogados, acabamos nos reunindo em
torno do Orlando Di Giacomo, que tomava a iniciativa de congregar esse grupo em bus-
ca de argumentos para defendermos nossa situação e não termos que nos submeter ao
pagamento de impostos ultrajantes. Havia também outras questões que interessavam à
advocacia de negócios, de empresas; esse grupo vinha se reunindo, vinha propondo al-
ternativas ao governo para evitar que a tributação fosse elevada, e acabamos institucio-
nalizando esse grupo e criando o CESA. Eu estava lá no começo; o CESA foi inicialmente
conduzido pelo Orlando, pela Clemencia, e acho que o Celso Cintra Mori também esteve
envolvido; fiquei um tempo fora, porque fui servir o estado – fui Secretário Estadual de
Justiça, e depois Secretário Estadual de Segurança Pública – mas depois disso voltei a me
engajar, fui vice-presidente do Horácio e depois fui eleito presidente.”

Importância de advogados bem formados

“O objetivo do CESA é congregar pessoas que atuem nessa área da advocacia e


através dessa união de forças, procurar sempre melhorar a qualidade da prestação de
serviços, a educação das pessoas, a formação profissional dos jovens que estão atuan-
do nessa área, pois todos os escritórios de advocacia dependem da renovação dos seus
quadros profissionais com gente bem formada, bem capacitada. Ao longo do tempo, os
escritórios vão formando equipes que seguem prestigiando determinada marca, que é o
conceito daquela empresa; esse conceito é o que o CESA, indiretamente, pretendia, des-
de o seu início: que esse setor tivesse tanto prestígio, tanta força, que evitasse profissio-
nais que viessem de fora, com mais capital, mais investimento, que viessem ocupar essa
área da advocacia. Como diz o José Luís Salles Freire, a missão do CESA é atuar no dia a
dia tentando manter a qualidade profissional, o prestígio da atuação do advogado. Em-
bora o advogado seja alvo de um certo humor exacerbado, ainda tenho a visão romântica
do advogado como a pessoa que sai na frente quando há uma violação de direito indivi-
dual, a pessoa que toma aquele caso e vai às cortes, sejam judiciais, ou arbitrais, ou até
mesmo para resolvê-lo administrativamente, em delegacias de polícia; nós, advogados,
somos essenciais à administração da justiça; sem os advogados, não há recomposição de
direitos individuais violados.”

Minha contribuição ao CESA


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“No CESA, a gente dá continuidade ao trabalho daqueles que nos antecederam na
gestão da entidade, mas é óbvio que o principal objetivo é você mantê-la viva, vibrante,
para que você possa renovar, conquistar sangue novo, estimular os jovens a participarem
da entidade. Eu me lembro que além de dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo
feito na parte de educação, na parte de relacionamento com autoridades, eu também
procurei conferir-lhe dimensão nacional, que o CESA não ficasse conhecido como
uma entidade de pequeno grupo de advogados de São Paulo, não era esse o ob-
jetivo, o objetivo era ser reconhecido nacionalmente. Então eu dei continuidade
criando algumas seccionais do CESA e prestigiando as que já existiam; isso é uma
das coisas que eu me lembro de ter feito; as outras realizações da minha gestão encon-
tram-se no campo do relacionamento do CESA com autoridades públicas; pelo fato de
eu ter trabalhado no governo, ter tido uma participação na vida partidária – embora
nunca tenha sido membro de nenhum partido político – eu tinha muitos relacionamen-
tos com desembargadores, ministros, membros do Ministério Público, e isso facilitava o
nosso diálogo, nossa conversa com essas entidades, então me parece que houve alguma
colaboração útil nesse particular.”
ASSISTA À ENTREVISTA
CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA ( CAJÉ )

CESA 40 anos

Minha trajetória no CESA

“Eu comecei no CESA ainda como um jovem advogado a convite do Antonio Correa
Meyer. Logo na primeira reunião fui apresentado aos nossos ícones da advocacia, que
me receberam de braços abertos. A receptividade do Orlando, Clemência, José Luiz e Ho-
rácio está marcado em minha memória. Comecei participando nos Comitês Temáticos,
mais especificamente no Comitê de Administração e Ética. Os Comitês do CESA são a
porta de entrada por onde vamos desenvolvendo aquele amor e interesse pela entidade.
As discussões nos Comitês são sempre muito ricas e nos oportunizam ter contato com
grandes temas e nomes da advocacia. É importante destacar que o CESA sempre esteve
aberto para as novas gerações, pensando no futuro, no CESA de amanhã.”
23
“O CESA é apaixonante. Quando você começa a participar das reuniões você vai
querendo cada vez mais. Quando as datas das reuniões se aproximam, você fica ansioso
para que chegue rápido. As reuniões do CESA são muito ricas, pois você tem a oportu-
nidade de se reunir com pessoas de todo país, fazendo um enorme networking, além de
discutir os temas atuais de interesse das sociedades de advogados. O CESA tem uma ca-
racterística especial, sempre se antecipando nos temas. Não tenho dúvida que estamos
sempre na vanguarda dos grandes temas.”
“Minha trajetória no CESA, como já disse, começou pelo Comitê de Administração
e Ética. Passado um tempo fomos convidados (Moira, Mateucci e eu) para um almoço
com fundadores do CESA. Nesse almoço eles nos “convocaram” para uma missão: cons-
truir a sucessão no CESA. Nesse almoço nos convidaram para compor a nova diretoria
do CESA que se formava.”
“Primeiro fui diretor de relações institucionais. Na gestão seguinte fui vice-presi-
dente do Matteucci e depois presidente. Como presidente nacional estive em duas ges-
tões. Sempre vivi intensamente a vida associativa e muitas pessoas me perguntavam se
eu tinha a intenção de ser presidente da OAB. Eu sempre respondia que não, pois meu
sonho era ser presidente do CESA. Realizei esse sonho. O CESA é diferenciado, onde a
única política é da amizade.”

Grandes conquistas do CESA

“Desde sua criação o CESA sempre participou ativamente das discussões de in-
teresse das sociedades de advogados. Nas grandes questões tributárias o CESA sempre
esteve à frente dessas lutas. Em todas as tentativas de alteração do regime do ISS, por
exemplo, o CESA sempre teve uma atuação com grande destaque.
Nos mais diversos municípios, assim como no Congresso Nacional, não foram
poucas as vezes que atuamos direta e incansavelmente. Numa dessas tentativas ficamos
semanas na Câmara Municipal de São Paulo, indo diariamente naquela casa para parti-
cipar de audiências públicas, audiências com vereadores e membros do executivo. Mui-
tas falavam que era uma batalha perdida, mas não foi isso que ocorreu. Vencemos. Em
outra ocasião, no Munícipio do Rio de Janeiro descobrimos, no apagar das luzes de um
ano, mais uma tentativa de mudança do regime de ISS. Já tinha ocorrido uma votação,
mas conseguimos reverter.
24
Outras conquistas que vale destacar foram as participações do CESA nas grandes
discussões da OAB com relação a normatização das sociedades de advogados, advoca-
cia pro bono, novo código de ética, regulamentação da publicidade na advocacia, assim
como a criação das sociedades unipessoais e inclusão das sociedades no supersimples.
Os Comitês do CESA trabalharam intensamente em cada um desses temas elaborando
propostas.
“A vanguarda do CESA é uma realidade. Há 12 anos fizemos a primeira reunião em
que o conceito de inteligência artificial foi abordado.”

CESA durante a pandemia

“Durante a pandemia, ao lado das outras entidades da advocacia, o CESA também


teve uma atuação muito forte, desde o momento do fechamento das sociedades de ad-
vogados, até o momento da discussão dos passos para a retomada. Estivemos diversas
vezes com a Presidência do CNJ e STF para que a justiça não parasse, apresentando su-
gestões.”
“Quando declarada a pandemia, com o fechamento de tudo, o CESA rapidamente
se organizou para tentar responder aos seus associados aquela prosaica pergunta ‘como
nós vamos fazer’, das sociedades, perplexas. Foram diversas reuniões virtuais onde leva-
mos os maiores especialistas para falar sobre protocolos de saúde, segurança da infor-
mação, saúde mental, atendimento ao cliente, regime de contratação e oportunidades
de negócios com o triste momento que vivíamos. Uma das nossas reuniões que teve
grande destaque na época foi com os sócios administradores dos mais representativos
escritórios de advocacia do país onde eles dividiram um pouco das experiencias de cada
um e como superar aquele momento.
“No âmbito governamental participamos de diversas reuniões com representantes
do Governo do Estado de São Paulo e, posteriormente, com a Prefeitura de São Paulo,
para tratar do protocolo de retomada das atividades. O primeiro protocolo de retomada
das atividades teve participação ativa do CESA, o que acabou se repetindo com outros
municípios, nos mais diversos estados.”
“Vale lembrar também que o CESA, por meio de seu Comitê de Diversidade e Res-
ponsabilidade Social, criou diversas campanhas naquele momento, para atender não só
as comunidades carentes, como também para ajudar aos jovens carentes a ter acesso a
equipamentos para que pudessem ter acesso as aulas virtuais, assim como para arrecar
25
fundos para o Hospital de Barretos que passava por uma grande crise em virtude da
pandemia.”

Comitê de Diversidade e Responsabilidade Social

“O CESA sempre teve essa tradição da responsabilidade social corporativa. São


diversas as ações do CESA nesse campo. Durante a presidência do Mateucci vale desta-
car duas ações foram transformadoras. Juntamente com a OAB/SP, Tribunal de Justiça
de São Paulo, Ministério Público e algumas secretarias estaduais, da Defensoria Pública
ajudamos a viabilizar um trabalho na cracolandia, para ajudar no acolhimento das pes-
soas que buscavam ajudar para sair do vício. Em outra, o governo municipal de São Paulo
tinha os espaços, mas não tinha verba para compra de equipamentos e mobiliário para
equipar os escritórios para atendimento da população carente que procurava empregos.
Por meio de uma campnha com todos seus associados conseguimos mobiliar e equipar
esses centros.
Outro projeto que vale destacar é o Incluir Direito. Esse projeto acredito que seja
um legado que nossa instituição deixará para futuras gerações. Esse é um projeto que
é transformador para todos nós e não apenas para os jovens diretamente beneficiados.
Lembro no ano de 2016, quando o Paulo Rogério Sehn me fez o questionamento
“quantos negros tem sua sociedade”. Minha vida mudou. Logo realizarmos uma pes-
quisa coordenada pela FIA – Fundação Instituto Administração, da Universidade de São
Paulo (USP), constatamos que as pessoas negras e pardas representavam menos de 1%
dos membros dos escritórios de advocacia no Brasil (entre sócios, associados e estagiá-
rios). Para mudar essa triste realidade criamos o Projeto Incluir Direito.
O Projeto tem como objetivo a conscietização das sociedades de advogados so-
bre as questões étnico-raciais para gerar mudanças na estrutura e cultura organizacio-
nal dos escritórios, com o rompimento de paradigmas, preconceitos e contribuir para
a composição de equipes de trabalho mais diversas. Em paralelo preparamos os jovens
estudantes de direito – negros e pardos – para os processos seletivos complexos e exi-
gentes dos escritórios, oferecendo capacitação profissional e pessoal por meio de aulas,
mentorias e dinâmicas.

O futuro
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“Temos que aproximar mais os jovens do CESA para que o conheçam, para que
não achem que o CESA é aquela entidade que está lá só com os grandes, com aquelas
pessoas que deram nome aos escritórios. Não! É preciso que sintam que o CESA somos
todos nós! É preciso incentivar a participação efetiva desses jovens desde cedo para que
tomem parte não só do Comitê da Jovem Advocacia, mas de todos os nossos comitês.”
ASSISTA À ENTREVISTA
CELSO AZZI

CESA 40 anos

O primeiro Comitê

“Como a preocupação inicial do CESA era tratar só de assuntos de sociedade de


advogados, dar um pouco mais de força para os escritórios de advocacia e não entrar
muito na área em que haveria concorrência entre os escritórios, sentimos necessidade
de fazer alguma coisa em termos jurídico-institucionais, em relação à legislação, ins-
truções normativas, CVM, que estava recém-criada – foi criada em 1977. Partindo desse
ponto, com o CESA um pouquinho mais robusto, o Novaes e eu começamos a ter um
alguns encontros para tratativas com outros advogados e sócios dessas sociedades que
faziam parte do CESA, que construíram o CESA, para discutir mudanças no Estatuto do
CESA – isso já era 1999. Nos reunimos, ele, a Perla Beatriz, que era do Mattos Filho, mui-
29
tas vezes, dezenas de vezes – o Novaes era sempre o nosso escriba, ele fazia as minutas
todas. Na época, o Antônio Meyer era o responsável pela área jurídica da Câmara Ame-
ricana, e ele me relatou que lá havia esses comitês, nos quais nós nos inspiramos para
a criação do Comitê Societário do CESA, que foi o início da grande revolução. Éramos
quatro ou cinco advogados, nos reuníamos lá na sede do CESA na rua Boa Vista, a Sílvia
Naufal já era nossa secretária, a gente tratava de assuntos até corriqueiros – a produção
legislativa à época não era no volume de hoje, era mais bem feita. Aos poucos, outros
escritórios de advocacia começaram a se interessar, o espaço passou a ficar pequeno, en-
tão começamos as famosas reuniões do Comitê Societário que chamamos de itinerante.”

Desconsideração equivocada da personalidade jurídica

“Eu ainda jovem nutria interesse em participar da Junta Comercial do Estado de


São Paulo, porque todo e qualquer direito societário obrigatoriamente tem que acabar
no registro público para que não valha só entre as partes, para que produza efeitos pe-
rante terceiros. Foi nessa linha que eu tive meus primeiros passos no CESA, e o fato é
que eu passei a ser um interlocutor do CESA na Junta Comercial, no sentido institucio-
nal. Em um determinado momento, infelizmente, houve um entendimento de um Juiz
do Trabalho no sentido de que o procurador do sócio da empresa empregadora que figu-
rasse nas fichas cadastrais da sociedade na Junta passava também a ter responsabilida-
de pessoal pelas dívidas trabalhistas da empresa. Então, a partir dos nomes constantes
nas fichas cadastrais os juízes determinavam desconsiderar a personalidade jurídica e
simplesmente penhorava as contas-correntes dos sócios e dos procuradores dos sócios;
à época, a doutora Clemencia, o Meyer, foram alvo assim de cinquenta, sessenta ações
trabalhistas. Então eu comecei a olhar para esse tema, comecei a mostrar para a Junta
Comercial que ao juiz caberia distinguir procurador de sócio, que o procurador não ti-
nha responsabilidade pela condução da empresa, não tinha envolvimento nenhum com
a atividade empresarial, figurando apenas na assinatura dos atos societários. Depois de
muito custo conseguimos que fosse feita essa distinção.”

O susto da aprovação do Código Civil, após mais de 25 anos de tramitação

“O grande trabalho nosso começou com o novo Código Civil, que estava em trami-
tação à época, no Congresso. Mas como essa tramitação se estendia há mais de 25 anos,
30
não tínhamos muita expectativa de que fosse ser aprovado, ninguém tinha mais muito
interesse, já estava meio ultrapassado. No entanto, em certo momento, o deputado fe-
deral Ricardo Fiúza, como relator, começou a levar a sério, a tocar o projeto adiante, e o
CESA tinha interesse em acompanhar alguns temas ali dispostos, e de repente o texto
foi aprovado! Começamos a trabalhar em regime de urgência para mudar, antes que a lei
entrasse em vigor, os pontos que entendíamos necessários, a base do nosso trabalho. A
lei de responsabilidade limitada, até então, uma lei de 1919, tinha trinta artigos; o Có-
digo, por sua vez, dedicava ao tema um caderno! Eram então muitos artigos tratando de
sociedade comercial, sociedade civil (que depois veio a ser o simples empresário); acabei
tendo um contato com um advogado lá em Brasília, que era assessor do Ricardo Fiúza,
um advogado jovem, uns 30 anos, Mário Delgado, que começou a vir para São Paulo –
conversei com a Clemencia, que era presidente do CESA na época, e o CESA começou a
pagar a viagem dele para São Paulo para a gente discutir todas as enormes mudanças
que ocorreram. Veja bem, a lei de 1919 era sucinta, então as sociedades foram criando
seu próprio funcionamento; de repente, é aprovado o Código Civil que passa a regular
tudo minuciosamente, quóruns especiais para reuniões, imagine o impacto para socie-
dades de duas ou três pessoas; nós já tínhamos a lei das sociedades anônimas, de 1976,
uma lei excelente, muito clara, em vigor até hoje, com algumas modificações, e de repen-
te chega essa parte do Código para regular as outras sociedades empresárias com uma
redação da década de 1960, que estava inclusive ultrapassada, que não previa a cisão,
que todo mundo já fazia, enfim, era preciso ao menos introduzir algumas modificações
pontuais. A gente se reunia lá no Pinheiro Neto, em uma sala enorme, com um telão em
que era projetado o texto aprovado, que era examinado e comentado por nós, cerca de
15 ou 20 advogados. Fomos ajustando o que dava, conseguimos alterar alguns pontos, o
que era possível, naquela altura de texto aprovado.”

O embrião do Provimento do advogado associado

“Nós também participamos fortemente na Comissão de Sociedade de Advogados


da OAB e aí lá eu fiquei muitos e muitos anos levando todo minha experiência de Junta
Comercial para poder fazer com que a Sociedade de Advogados tivesse um regramento
para os seus registros públicos também; muita coisa que eu tinha aprendido nos anos
todos que eu fiquei na Junta Comercial levei lá para a Comissão das Sociedades de Ad-
vogados e criou-se um grupo forte, muitos obviamente ligados ao CESA. Conseguimos
31
então fazer com que a Comissão também tivesse um trabalho importante não só naquilo
que diz respeito ao registro, mas também no seu modo de constituição a partir dos con-
tratos de associação, que trazem para o advogado contratado mais liberdade e ao mesmo
tempo não dava para os escritórios de advocacia uma carga enorme na área trabalhista.
Depois, com o Código Civil, foram criadas as cotas de serviço, que deram uma abertura
boa para que os advogados possam se tornar sócios mesmo sem capital, mas participan-
do das reuniões, das decisões. Na minha opinião, o advogado tem que ter liberdade, não
faz sentido que tenha o estado como intermediário na sua relação com o escritório. E de
outro lado, o mentor da atividade do escritório deve ter colaboradores, não empregados.”
ASSISTA À ENTREVISTA
CELSO MORI

CESA 40 anos

O pontapé inicial

“Posso afirmar que o CESA nasceu da maneira mais natural que se pode imaginar:
O Orlando Di Giacomo, que era uma pessoa extraordinária, uma figura humana extrema-
mente rica em conteúdo, em sensibilidade, era muito amigo do Pinheiro e da família do
Pinheiro; na realidade ele era amicíssimo da filha do Pinheiro, a Ana Cecília, e por essa
razão se frequentavam; o Pinheiro tinha no Jockey Club uma mesa cativa em um canto
do restaurante, no 9° andar da rua Boa Vista, onde uma ou duas vezes por semana ele
almoçava e sempre com algum convidado; e o Orlando Di Giacomo era um frequentador
assíduo dessa mesa pelas relações de amizade que tinha com a família do Pinheiro e tam-
bém pela afinidade, pois o Orlando era já um dos principais sócios do escritório Demarest.
33
Nessas conversas de almoço frequentemente eram tratadas questões relacionadas à so-
ciedade de advogados; nós estávamos em um momento de uma certa efervescência no sis-
tema jurídico brasileiro, eram os anos 1981, 1982, período de abertura do regime político,
o fim da ditadura militar; eu me lembro, por exemplo, que havia uma relação tensa entre
as sociedades de advogados e os advogados que prestavam serviços nessas sociedades em
torno da existência ou inexistência de relação de emprego; mas havia também o próprio
reconhecimento e aceitação da sociedade de advogados pela Ordem, que não era uma coi-
sa assim tão tranquila; se em 1981, 1982, o tema já estava se pacificando, uns anos antes
grandes juristas, como Sobral Pinto, por exemplo, questionavam a existência da sociedade
de advogados em face dos estatutos da Ordem que proibiam quaisquer organizações de
advogados que tivessem características ou aparências mercantis; as sociedades eram con-
sideradas empresas e a palavra empresa era um anátema quando se referia a organizações
de advogados, então essas eram preocupações que nós discutimos na época. Graças ao
dinamismo e ao espírito organizativo e empreendedor do Orlando, decidiu-se então que
aqueles encontros deveriam ser ampliados e institucionalizados, e assim o CESA foi fun-
dado. O Orlando foi o seu primeiro presidente e eu, salvo erro de memória, fui o segundo
presidente. Eu me lembro que nessa época nós tínhamos pelo menos três grandes frentes
com as quais nos preocuparmos: uma era esse relacionamento com a Ordem, o reconhe-
cimento da existência das sociedades de advogados como um grupo de profissionais com
identidade própria; as outras duas estavam relacionadas ao quadro de associados, e trata-
vam da existência ou inexistência de relação de emprego em primeiro lugar e em segundo
lugar, da duração da jornada de trabalho do associado dentro da sociedade de advogados.
Quando eu fui presidente do CESA, o presidente da Ordem na seção de São Paulo
era o queridíssimo amigo – que se tornou mais amigo depois – Márcio Thomaz Bastos,
que com sua vocação democrática, estava querendo restaurar instituições que tinham
sido eliminadas pela ditadura militar, dentre elas o sindicato dos advogados. Eu me lem-
bro de ter tido uma conversa muito franca, muito aberta, muito cordial com o Márcio
em que eu advoguei a tese de que não se deveria falar em sindicato de advogados, o que
obrigaria a formação de um sindicato dos advogados empregados e outro dos advogados
empregadores; eu entendia que as relações entre os advogados empregados e os advoga-
dos empregadores deveriam ser resolvidas no âmbito da própria Ordem, em razão de sua
natureza institucional; o Márcio, com toda a franqueza que lhe era peculiar, disse que
as minhas ideias não prosperariam, que ele já tinha compromissos para o restabeleci-
mento do sindicato dos advogados; a partir dessa situação, nós começamos a pensar por
34
meio do CESA nessa questão. Na ocasião, a discussão foi muito intensificada em razão
de um forte movimento sindical liderado por advogados do Banco do Brasil, por meio
do qual surgiu um projeto de lei de autoria de José Frejat no Congresso que limitava a
prestação de trabalho por advogados em relação de emprego a quatro horas diárias; o
interesse, aqui, era que os advogados do Banco do Brasil queriam a limitação da jornada
de quatro horas no banco para ter disponibilidade para seus próprios escritórios, como
acabaram conseguindo. Mas nós também conseguimos fazer um grande movimento, e
demonstrando as peculiaridades da sociedade dos advogados, as peculiaridades das re-
lações entre os sócios e aqueles outros advogados que trabalhavam nas sociedades nós
conseguimos abrir uma exceção e então essa jornada de quatro horas não se aplicava aos
advogados que trabalhassem mediante qualquer tipo de relação em sociedades de advo-
gados. Então, como se pode ver, essas discussões que no começo ocorriam em âmbito re-
lativamente restrito, em conversas do Orlando com o Pinheiro Neto, foram se amplian-
do, e por iniciativa do Orlando fundou-se o CESA, com talvez uns 10 ou 11 escritórios
fazendo parte do núcleo inicial. Sendo assim, eu diria que os momentos iniciais do CESA
foram devotados à criação de uma identidade institucional da sociedade de advogados,
que na década anterior não eram sequer bem vistas aqui no Brasil.”
A expansão territorial do CESA

“Na minha gestão o CESA ainda estava um pouco acanhado geograficamente, es-
távamos restritos a escritórios de São Paulo, muitos dos quais tinham conexões com o
Rio de Janeiro, tinham unidades tanto em São Paulo quanto no Rio. Mas logo depois o
CESA começou sua expansão, e hoje tem relevância nacional.”

O futuro

“Eu não consigo pensar no futuro do CESA sem colocar isso dentro de um contex-
to. Na realidade, a pergunta que eu me faço é o que será do país como Estado de Direito,
quer dizer, qual é o papel que o direito exerce na estrutura e na dinâmica de vida do país.
O futuro do direito será mais ou menos brilhante conforme consiga ou não cumprir os
compromissos com a democracia e o Estado de Direito, conforme consiga angariar a
credibilidade e o respeito institucional da sociedade; nós estamos passando por uma
fase de crise que não é restrita ao mundo do direito, é uma crise da sociedade humana,
uma crise da informação, em que há as informações distorcidas, as informações volun-
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tariamente falsas, e até um questionamento da verdade como sendo um valor perene.
Penso que tudo isso repercute no CESA porque repercute no direito, que é fundamen-
talmente credibilidade, segurança; as pessoas aderem ao direito em busca de segurança
jurídica, mas diante da crise de informação comprometendo o desenvolvimento de uma
sociedade do conhecimento, as instituições que trabalham com o conhecimento e com
a informação – caso da profissão de advogado e da atividade jurisdicional – entram em
crise também. Nesse contexto nós vemos hoje o questionamento, por exemplo, das ativi-
dades do Supremo Tribunal Federal de uma maneira que nós nunca tivemos antes. Tudo
isso para dizer que eu não tenho preocupações com o futuro do CESA, que vai seguir se
desenvolvendo com fidelidade às suas origens, a análise profunda das angústias e das
oportunidades das sociedades de advogados; eu tenho, isso sim, alguma preocupação
com a ordem institucional no que se refere ao Estado de Direito, porque acho que a su-
peração dos conflitos de interesses que nós estamos vivendo hoje tem que causar uma
mudança de patamar em que os interesses individuais cedam lugar aos interesses coleti-
vos mais relevantes, inclusive para garantir a sobrevivência dos interesses individuais.”
ASSISTA À ENTREVISTA
CLEMENCIA WOLTHERS

CESA 40 anos

O contexto do surgimento do CESA

“Sem dúvida nenhuma entre os escritórios, entre os advogados pessoas físicas ou


pessoas jurídicas, existe uma competição saudável, natural e necessária, uma competi-
ção bastante acirrada, porque todo mundo está atrás do seu processo, de ganhar da parte
contrária. Essa competição sempre existiu e vai continuar existindo, só que no momento
de criação do CESA o que reuniu aqueles primeiros grandes escritórios foi o princípio
de que para enfrentar o contexto brasileiro da época, de ausência de liberdade – a con-
corrência saudável pressupõe a liberdade, inclusive para adquirir tecnologia e métodos
de trabalho, exatamente o que não tínhamos no Brasil naquele momento de ditadura
e de reserva de mercado – a gente precisava de cooperação entre nós mesmos a par da
37
competição, algo como ‘vamos competir, mas vamos cooperar também’, porque enten-
demos que só com a união daqueles poucos escritórios que pretendiam atuar nessa área
empresarial e sob um modelo de organização também empresarial, teríamos condições
de fazer frente aos escritórios estrangeiros, que em matéria de gestão e de instrumentos
de trabalho, estavam muito à frente. Não era uma questão de defasagem na formação
jurídica, no conhecimento técnico, em absoluto; mas sim na organização administrativa
dos escritórios, na formação de equipes, na criação de normas de trabalho, de divisão de
cargos dentro dos escritórios etc.; era uma questão de gestão dos escritórios, de acesso
a ferramentas adequadas. Não quero ser repetitiva, mas não adianta querer falar dos
40 anos do CESA sem falar daquele momento histórico em que a ideia surgiu, é preciso
tentar fotografar a situação daquele momento, nós estamos falando dos anos 1980 –
digamos que ele tenha sido gerado um pouco antes, mas eu acho que ele tomou forma
e foi constituído formalmente nos anos 1980, época em que o Brasil ainda estava cheio
de restrições, em que o ambiente negocial e profissional não usufruía de liberdade, era
um clima de fechamento, não havia abertura para o que vinha de fora, fosse tecnologia,
ideias ou métodos de trabalho, mas por outro lado, até em função do próprio foco dos
militares em grandes obras, o Brasil começou a receber grandes investimentos privados
e até do próprio governo, obras que atraíam empresas estrangeiras, acostumadas com
o atendimento por escritórios estruturados em outros moldes, e nós, a partir de nossa
excelência no conhecimento jurídico, passamos a querer provar que éramos tão grande
e capazes quanto os escritórios estrangeiros.
É bom fazer um parêntese e lembrar que à época o que havia eram pequenos es-
critórios geralmente liderados por um bambambã – um antigo desembargador, ou um
grande autor de livros jurídicos, enfim, aquele jurista de muito renome ao redor do qual
orbitavam quatro ou cinco outros advogados –, e no mais, advogados com atuação indi-
vidual, geralmente contenciosa, nada empresarial ou pouco empresarial, aquele modelo
de advogado que dizíamos levar o escritório na pasta, uma atuação muito rudimentar,
caseira.
Fechado o parêntese de mais essa contextualização, em conversa entre nós, inte-
grantes desses poucos escritórios grandes, voltados ao atendimento primordialmente
empresarial, entendemos a necessidade de trocar ideias e juntos inventar uma forma de
implantar os métodos que nós admirávamos e buscávamos para nós.”
“Sabíamos que precisávamos trabalhar juntamente com a Ordem, que é o nosso
órgão de classe, em busca de uma melhor regulamentação, o que conseguimos, pois o
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estatuto atual, trazido pela Lei 8.906/1994, traz várias disposições referentes às socieda-
des de advogados, e não só no capítulo IV, que leva esse nome, mas também no tema dos
honorários, das incompatibilidades, e tem a grande questão do nome da sociedade, uma
das condecorações que o CESA merece, aquela regra de que o nome da sociedade pode
permanecer depois do falecimento do sócio, que significa a continuidade do escritório,
a perpetuação daquela marca. É bom lembrar que à época, falar em ‘marca’ de escritó-
rio de advocacia na Ordem era ser crucificado, e na verdade não é marca propriamente
dita, mas é uma identidade e essa identidade não podia se perder com o falecimento do
criador ou do fundador, então compramos essa briga e conseguimos a aprovação: está lá,
bonitinho, duas linhas importantíssimas do estatuto dos advogados.”

O futuro

“O futuro do CESA, para mim, é a continuidade e o aperfeiçoamento daquilo que


existe, manter sua identidade e permanecer na liderança no meio jurídico colaborando
para o desenvolvimento da sociedade de advogados no Brasil, de sua respeitabilidade
no mundo jurídico e empresarial internacional. Os desafios são imensos, o mundo mu-
dou, a tecnologia tomou conta das profissões e transformou os métodos de trabalho e
as estruturas de organização das empresas clientes; as áreas jurídicas se multiplicaram
e exigiram da sociedade de advogados investimentos de porte em tecnologia, equipa-
mentos sofisticados. Tudo isso exige do CESA que continue inovando, transferindo co-
nhecimentos aos seus associados e procurando estar na frente do mercado, trazendo
novidades tecnológicas de métodos de trabalho e estruturas que mantenham a socieda-
de de advogados na vanguarda, seja na área legislativa, continuando a colaborar com os
três poderes para a atualização das leis e normas legais, seja junto ao judiciário, acom-
panhando a evolução dos conceitos jurídicos e a interpretação legislativa, e finalmente
na área social, outra grande novidade de nosso tempo, na qual o CESA deve incentivar
a sociedade de advogados a aplicar os princípios da diversidade, inclusão, respeito às
minorias, defesa do meio ambiente, da economia verde, e acima de tudo, a zelar pela
atuação ética dos profissionais.”

Avó do CESA

“Anos atrás eu declarei que me considerava a mãe do CESA, atribuindo a paterni-


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dade ao criador maior e o iniciador desse projeto, o querido amigo e parceiro Orlando Di
Giacomo Filho, que nos deixou em 2012; 40 anos depois, com muitos filhos e seguidores,
com muito orgulho eu me autodenomino avó do CESA, com o mesmo entusiasmo – ou
com um entusiasmo ainda maior –, pois o sonho está realizado. Mesmo diante de novos
desafios e novas metas, o lema continua o mesmo, cooperar é melhor que competir, frase
que é um símbolo exato do que o CESA pretendeu desde o primeiro dia.”
ASSISTA À ENTREVISTA
CRISTIANE ROMANO

CESA 40 anos

Meu ingresso no CESA

“Cheguei ao CESA pelas mãos do dr. Antônio Meyer, eu era uma advogada nova,
e o dr. Antônio Meyer me levou a um almoço do CESA em que estavam, simplesmente,
os advogados mais famosos, mais proeminentes de São Paulo, aqueles de quem a gente
sempre ouvia falar; me lembro que fiquei bem quietinha, ouvindo as pessoas, extrema-
mente envaidecida e grata por estar ali, naquele momento. Foi o inicio de um encanta-
mento. Com as pessoas, as oportunidades e as trocas que o Cesa proporciona a todos que
frequentam as reuniões e eventos. Não perdia uma reunião, m envolvia com os temas
procurava contribuir e aprender, até que eu me tornei a vice-presidente – na época cha-
mava vice-presidente, não presidente – da seccional de Brasília. Durante o meu exercí-
41
cio da vice-presidência em Brasília nós fizemos uma aproximação muito grande com a
OAB, da qual surgiu o convênio CESA-OAB para que as reuniões do CESA pudessem ser
realizadas na sede do Conselho Federal da OAB, permitindo uma maior aproximação das
entidades. O presidente do CESA à época era o José Luiz Salles Freire. Aí surgiu a opor-
tunidade de fazer outra parceria, desta vez com o IDP, recém inaugurado curso de Direito
em Brasília. Foram várias iniciativas prestigiando o fato de Brasília ser a capital do país
e o centro do poder. Então foi assim que eu comecei no CESA, eu tive duas gestões como
vice-presidente e depois quem me substituiu foi meu querido amigo Camário, que fez
uma gestão brilhante no CESA Brasília; sou fã do CESA pelos amigos que ganhei, pelas
discussões e temas que tratamos e muito orgulhosa do papel que nossa entidade tem,
hoje, no cenário nacional.”

Minha gestão atual

“Em primeiro lugar, eu e o Brigagão somos parceiros e amigos, discutimos todas as


iniciativas, tenho que agradecê-lo por ser um presidente tão inclusivo, absolutamente
inclusivo, não só em relação à vice-presidência, mas em relação à toda a diretoria: tudo é
muito discutido, decidido em conjunto, no âmbito colegiado. O que posso destacar des-
sa gestão, primeiro é o impacto que teve a presença do CESA na defesa da democracia.
Houve momentos em que o CESA precisou se posicionar e se posicionou de forma firme,
clara, correta, sempre apartidária, em defesa da democracia. Outro ponto que também é
importante destacar é a nossa luta incansável na área tributária capitaneada magistral-
mente pelo nosso presidente Brigagão; é importante falar do Selo CESA de Equidade de
Gênero em parceria com a Tree Diversidade. Um selo que procura encorajar as socieda-
des de advogados a refletirem sobre a questão da equidade de gênero. A habilitação para
participar da pesquisa do Selo leva as sociedades a fazerem uma reflexão, sobre como
estão em relação ao tema o que conduz, quase sempre, a uma melhoria no tratamento
da questão; acerca do mesmo tema, recentemente, também, o Comitê de Liderança Fe-
minina, que é coordenado por mim, pela Bárbara Rosenberg, Luciana Tornovisky, Cris-
tianne Zarzur e Glaucia Lauletta, lançou um programa de mentoria feminina para que
as advogadas mais experientes possam oferecer, possam devolver à sociedade um pouco
da sua experiência e isso para mulheres advogadas mais jovens e de escritórios menores,
de até 50 advogados, um programa totalmente gratuito, com inscrição aberta a qualquer
pessoa que preencha os requisitos; esse programa está começando com poucas men-
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torandas e poucas mentoradas, mas a ideia é expandir essa contribuição. A mentoria é
um processo de troca muito interessante pois a pessoa mais experiente, que é mentora,
aprende muito na interação com pessoas mais jovens, então é sempre uma troca. Essa
possibilidade de troca é uma das marcas que eu mais admiro e mais gosto no CESA, a
gente poder transmitir um pouco dos nossos conhecimentos profissionais e de vida, e
voltar para casa mais enriquecida porque aprendeu com tantas pessoas maravilhosas,
inteligentes, supercapacitadas que sempre frequentaram o CESA. Por fim, é importante
destacar que essa gestão é totalmente nacional, já que o Brigagão é do Rio e eu moro em
Brasília,- onde fiz minha carreira profissional, embora seja paulistana –, o que confirma
a capilaridade do CESA e sua vocação nacional. O CESA, que começou pequeno – um
início a que eu assisti, naquele almoço levada pelo dr. Meyer –, e localizado em São Pau-
lo, hoje tem mais de 1.200 sociedades associadas pelo Brasil inteiro, proporcionando a
troca, nessa diversidade cultural de um país com dimensões continentais, troca muito
rica que é motivo de muito orgulho para nós.”
O futuro

“Eu acho que já deve ter sido falado aqui, a atual gestão entende que o Cesa precisa
atrair os jovens. Nessa linha, nós revitalizamos o Comitê de Jovens Advogados, estamos
dando espaço a eles. Nós temos muito o que aprender com eles e eles têm muito que
aprender conosco. Ainda uma vez, a troca é fundamental e nós precisamos ser atrativos
para esses jovens advogados, porque são eles que vão daqui a pouco assumir o CESA,
como lá atrás, eu fui levada àquela reunião dos “todo-poderosos do Direito”, da qual eu
nunca me esqueço.
É claro que os jovens de hoje, a chamada geração Z, têm outros desafios, outras
características, nós passamos pela pandemia, por questões de saúde mental, as mídias
sociais que têm um papel transformador na sociedade. Essas são questões que a gente
precisa endereçar, entender e precisa ajudar esses jovens a atravessar para que tenham
um futuro brilhante pela frente. Temos aqui uma grande responsabilidade em nossas
mãos. Eu penso que a gente tem que olhar para o futuro sem se esquecer do passado,
é preciso manter aquele espírito de cordialidade, de colaboração, de troca que sempre
houve no CESA – que sempre foi uma entidade em que são todos concorrentes, mas ami-
43
gos, em que as pessoas conseguem transitar, conseguem discordar com elegância, con-
seguem discutir e debater com civilidade, e no fim só há ganho para todo mundo. Então
eu acho que esse espírito de cordialidade, de conversa, de troca que sempre houve com
muito respeito é o legado que temos que transmitir ao caminhar olhando para o futuro.”
ASSISTA À ENTREVISTA
FERNANDA MARTORELLI

CESA 40 anos

Minha história no CESA

“A história do CESA se confunde ou se mistura um pouco com a história do nosso


escritório, que este ano também está fazendo 40 anos. Desde o início do CESA nosso
sócio fundador, Martorelli, meu pai, participou, convidado pelo Orlando Di Giacomo;
considerando que é um escritório de Recife, e que o CESA ainda era muito do Sudeste, foi
realmente muito significativo. Com pouco tempo de participação, Martorelli e Piauhyli-
no resolveram fundar o CESA do Nordeste, reunindo as realidades – que na época eram
diferentes das sociedades de advogados do Sudeste, e ainda hoje o são –, o que fez com
que a gente se aproximasse bastante do CESA. Esse relacionamento estreito acabou sen-
do muito importante para a história do escritório e também para a história de outras
45
sociedades de advogados e advogadas do Nordeste.
Desde que eu entrei no escritório que eu ouço falar e me interesso pelo CESA, mas
foi quando eu vim morar em São Paulo, em 2013, que eu comecei a participar efetiva-
mente das reuniões do CESA, fato que mudou o curso da minha vida profissional, pois eu
tive a oportunidade não só de ter contato com excelentes profissionais, que eu já admi-
rava, mas também pude participar ativamente do dia a dia do CESA entrando no CADEP
e passando a fazer parte do Comitê de Liderança Feminina, podendo contribuir com
todas as sociedades associadas, levando informações e também trazendo a experiência
da realidade do Nordeste. Fico muito feliz também de poder contribuir como conselheira
agora neste momento; houve uma época em que eu ocupei a posição de vice-presidente
no CESA Pernambuco; são todos momentos realmente muito importantes na minha
vida profissional.
Hoje eu sou uma das coordenadoras do CADEP, então juntamente com a Clemen-
cia, com o Novaes, com os outros coordenadores, a gente monta uma pauta que é de
extrema relevância dentro do CESA, porque trata dos assuntos onde tudo começou, as-
suntos de gestão dos escritórios – aliás, razão pela qual eu me interessei em fazer parte
do CADEP, já que eu sou gestora do nosso escritório. O CADEP tem várias frentes, tem
várias coordenações, a gente produz coisas práticas realmente, tivemos a cartilha de
compliance, a cartilha de correspondentes, analisamos o novo código de publicidade da
OAB, enfim, uma atuação bem efetiva, com produção de conteúdo.”

Liderança feminina

“Recentemente foi criado o Comitê de Liderança Feminina, que foi gestado dentro
CADEP e agora é um comitê à parte; eu fico feliz também de poder fazer parte desse
comitê, de ter realmente mostrado a importância e a relevância das mulheres dentro da
advocacia, que sempre foi um meio muito masculino. Embora nos últimos anos a gente
tenha visto um crescimento do número das mulheres advogadas, ainda existe uma gran-
de dificuldade para essas mulheres crescerem na carreira e ocuparem cargos de lideran-
ça; sendo assim, impulsionadas por várias mulheres dentro do CESA que fazem esse pa-
pel nos seus escritórios respectivos, a gente entendeu que seria muito importante ajudar
de alguma maneira essas mulheres para mudarmos a realidade. Assim, o mais recente
programa lançado nesse comitê foi o de mentoria, um trabalho para que as mulheres se
sintam competitivas e à vontade para realmente ocuparem os espaços que são delas, que
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não são necessariamente espaços masculinos, para que elas possam realmente assumir
posições de gestão e liderança dentro dos escritórios de advocacia. Eu também faço esse
papel dentro do meu escritório, estimulando e incentivando as estagiárias e as advoga-
das iniciantes a crescerem, mas nessa seara o exemplo é muito importante, por isso a
mentoria.”

O futuro

“O futuro do CESA já é hoje. O Comitê da Jovem Advocacia mostra uma terceira


geração construindo o CESA. Penso que é importante a gente não perder de vista tudo
o que foi construído, tudo o que fez parte da história do CESA, mas a partir de um olhar
mais contemporâneo, que nos permita renovar o CESA. É muito importante a gente
manter os ideais, a ideologia, os valores do CESA, que são valores da advocacia, valores
das sociedades de advogados, e adicionar tudo o que há de bom na modernidade que a
geração que está entrando agora na profissão pode trazer, seja na tecnologia, por exem-
plo, tema de que temos tratado bastante atualmente. Partir da tradição e transformá-la
em uma questão mais contemporânea.
No CADEP a gente tem trabalhado junto com a FGV em uma pesquisa sobre o
futuro da advocacia. Temos visto que apesar da tecnologia vir a fazer uma parte grande
do nosso trabalho no futuro, trazendo facilidade ao dia a dia dos escritórios, a gente
percebe também que outras habilidades, outras soft skills serão importantes no futuro
da advocacia: nosso comportamento, como vamos nos relacionar com os parceiros, com
os clientes, com o judiciário; nessa pesquisa nós percebemos que a tecnologia tem um
papel fundamental, mas o que é realmente importante para o futuro da advocacia é o ne-
gócio jurídico, o raciocínio jurídico, o conhecimento jurídico. Então não devemos perder
de vista que a tecnologia é uma ferramenta, mas que as chamadas soft skills, essas outras
habilidades humanas, também são importantes na construção da nossa profissão. E que
o core, o coração da nossa profissão, é o conhecimento jurídico.”

47
ASSISTA À ENTREVISTA
FERNANDO SALVIA

CESA 40 anos

“O CESA foi fundado em 1983, e naquela época eu trabalhava no escritório de dois


advogados que eram expoentes na área do direito tributário e que haviam sido convi-
dados para participar da fundação: eram o Ives Gandra da Silva Martins e o José Carlos
Graça Wagner. Como eles na precisavam de um advogado os representasse nas reuniões
do CESA, porque a atividade do escritório estava muito forte, então logo em 1983 ou
1984 eu Dui convidado e comecei a representar o escritório perante o CESA e a participar
das reuniões, que aconteciam ainda nos escritórios dos fundadores. Logo em seguida,
até pelo próprio objetivo do CESA, que foram as bases iniciais, que sempre considerei
muito importante, que ainda hoje é a ideia de melhorar os escritórios de advocacia pela
educação e troca de experiência, foram criados os comitês. A ideia era para distribuir um
pouco os temas, porque não dava para discutir numa reunião só, naquela reunião admi-
49
nistrativa. Com a criação do Comitê Tributário, alem dos debates internos, sempre que
possível trouxemos autoridade se para falar sobre os temas relevantes, e o comitê pas-
sou a privilegiar a troca de experiência entre as sociedades. Os comitês tinham as suas
atividades voltadas para os temas que lhes designavam. No comitê tributário, do qual eu
coordenei por vários anos, quase que o desde o início do CESA, sempre foi voltado para
defender os interesses das suas associadas, seja perante as autoridades quando houve
criação de impostos novos, de alíquotas, de base de cálculo, então nós tivemos discus-
sões de todos os temas, desde ISS, distribuição de lucros, enfim, uma série de discussões
sobre a melhor forma de fazer a interlocução com os poderes legislativo e judiciário para
poder melhorar a tributação ou reduzir a tributação, tudo sempre dentro da legalidade,
procurando questionar aquilo que realmente fosse inconstitucional e ao mesmo tempo
trabalhar em prol dos interesses da sociedade como um todo. Outro ponto importante
que o Comitê Tributário sempre atuou, foi no sentido de defender a correta tributação
em geral e com isso os interesses os clientes dos escritórios.
Nesse sentido, houve uma discussão muito bacana, eu acredito que em 1983 ou
1984, por ocasião da criação, pelo governo federal, do Finsocial. Essa contribuição tinha
uma alíquota de 0,5% sobre o faturamento das empresas e por uma iniciativa do fisco,
depois reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional, a alíquota foi
aumentada de 0,5%, para 1%, para 1,2% e por fim para 2%, quebrando vários princípios
constitucionais, dentre os quais o da legalidade. Nesse momento, o trabalho do Comitê
do CESA foi muito importante: nós reunimos os advogados tributaristas dos escritó-
rios que eram associados ao CESA, desde o Gilberto Ulhôa Canto, lá no Rio de Janeiro,
Hamilton Dias de Souza, o próprio Ives Gandra, de todos os escritórios, Pinheiro Neto,
Pisani, Sérgio, Tozzini, e redigimos um memorial de julgamento com todas as incons-
titucionalidades que estavam contidas nesse aumento de alíquota e aí cada escritório
incumbiu-se de soli- citar uma audiência com o Ministro do Supremo com quem tivesse
um relacionamento – no meu caso, o nosso relacionamento era com o Ministro Moreira
Alves – para mostrar tecnicamente que o que tinha sido criado era inconstitucional.
Levou quase seis meses para que cada escritório conseguisse audiência com o ministro
com quem tinha relacionamento, foi um trabalho em equipe, foi bacana, e o processo foi
a julgamento e nós ganhamos, então o benefício atingiu uma comunidade muito grande,
a sociedade como um todo, e as empresas.
Depois tiveram outras várias discussões, a própria incidência do PIS e Cofins sobre
a sociedade de advogados que nós viemos depois a discutir; nós tivemos um período
50
bastante intenso de discussão com as Câmaras Municipais porque o ISS incidente sobre
as profissões regulamentadas em sociedade foi criado sobre a ideia de que cada socieda-
de paga pelo número de advogados que está no contrato social, mas os municípios vêm
de longa data questionando essa premissa e querendo cobrar sobre o faturamento das
sociedades, o que levaria algumas sociedades a pagarem quatrocentos, quinhentos, até
mil por cento a mais do que pagam hoje, inviabilizando praticamente a profissão, e tem
todo um racional para essa discussão, porque efetivamente a base é por profissional, até
porque a responsabilidade é pessoal, então tem toda uma estruturação que nós discuti-
mos e a partir da qual temos nos defendido há mais de 20 anos do arroubo das Fazendas
Municipais. Com a criação das filiais do CESA, a possibilidade desse controle das investi-
das do municípios aumentou: as sociedades de advogados mantêm-se em contato umas
com as outras e diante de eventual iniciativa de alguma prefeitura para mudar essa base
de cálculo, daqui de São Paulo, onde talvez esteja o maior número de advogados tribu-
taristas, criamos uma força-tarefa, novamente em conjunto, para ir naquele município
questionar judicial ou administrativamente a mudança e fazer voltar à tributação na
forma anterior, por profissional.”
O futuro

Nós temos que pensar realmente na continuidade do trabalho que foi iniciado
pelos fundadores do CESA, com essa visão muito objetiva de trazer educação e pro-
porcionar troca de experiência entre as sociedades de advogados – é impressionante a
abertura que os sócios dos escritórios têm para trocar experiência, para dizer quais são
os problemas, para discuti-los e levar para as diretorias para podermos enfrentá-los, seja
no Poder Judiciário, como amicus curie em alguma ação, seja juntando várias entidades
de prestadores de serviços regulamentados que sofrem do mesmo problema, seja indivi-
dualmente. O CESA é muito cauteloso para não entrar em qualquer discussão, mas aque-
las discussões que realmente atingem as sociedades de advogados e a comunidade ju-
rídica como um todo tornam-se temas extremamente bem estudados, enfrentados com
qualificação. Aos 40 anos, o CESA está no momento de passar por uma transformação,
momento de trazer novos advogados – lá em 1983 os advogados que fundaram o CESA
tinham 35, 40 anos, então a turma nova com essa idade que está dentro das sociedades
tem que começar a se mexer. Tem tanta coisa nova vindo pela frente, de inteligência
artificial à parte penal internacional, a questão das empresas brasileiras que querem ir
51
para o exterior, a transmissão das informações via tik tok, linkedin, instagram, e tudo
isso daí faz parte da nova advocacia, então os jovens têm que vir, os filhos dos sócios têm
que vir, e cabe a nós, os jovens há mais tempo, ajudar esses jovens a virem participar do
CESA como nós participamos lá no passado. É preciso abrir novas frentes para defender
os interesses da nossa querida instituição.”
GISELA DA SILVA FREIRE

CESA 40 anos

O começo

Meu primeiro contato com o CESA, aconteceu quando eu ainda era uma jovem
advogada da área trabalhista do Pinheiro Neto. Naquele tempo, a Clemência era a sócia
gestora do escritório e o CESA ainda era uma entidade em desenvolvimento, que estava
sendo moldada para se tornar o que é hoje. Não eram muitos os grandes escritórios
naquela época, mas já havia a compreensão de que o CESA não poderia descuidar das
relações entre as sociedades de advogados e seus profissionais. Com essa visão, meu
então chefe, Antonio Peres Picolomini, liderou, juntamente com o Dr. Alaor Haddad, a
concretização de um braço trabalhista do CESA, corporificado no Sindicato das Socie-
dades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (SINSA). Quando deixei
53
Pinheiro Neto, eu ainda não participava das reuniões do CESA, as quais eram mais
restritas aos sócios dos escritórios de advocacia. Poucos anos após a minha saída do
escritório, recebi um convite para assumir o cargo de Delegada Sindical do SINSA. E foi
por essa porta que ingressei no Comitê Trabalhista do CESA, à época coordenado pelo
Sólon Cunha.
Com o passar dos anos, participei cada vez mais das reuniões do Comitê e me en-
volvi mais profundamente com os assuntos de ambas as entidades. Sempre encarei essa
atividade institucional como algo muito especial, onde desenvolvi muitas das minhas
competências e solidifiquei grandes amizades. O reconhecimento pelo meu trabalho no
SINSA veio de meus pares, que generosamente me deram a oportunidade de assumir vá-
rios papeis no sindicato. Passei por cargos de Delegada Sindical, Suplente de Conselho,
Conselheira, Diretora, Vice-Presidente e hoje ocupo Presidência do Sindicato. Esse reco-
nhecimento veio também por parte do CESA, que me deu a oportunidade de coordenar o
Comitê Trabalhista, juntamente com Antonio Carlos Aguiar e Luis Guilherme Migliora,
atuais Vice-Presidentes do SINSA.
O presente

Olhando pelo retrovisor, não é difícil, para mim, afirmar, que o CESA e o SINSA
foram dois grandes presentes que a vida institucional me proporcionou.
E com esses presentes vieram também grandes desafios. Trabalhamos, por exemplo,
no aprimoramento de modelos de configurações profissionais que fizessem sentido para
as sociedades de advogados. Fomos ao Congresso Nacional e participamos de audiências
públicas para explicar a realidade dos escritórios de advocacia, escrevemos artigos, mi-
nistramos palestras, enfim, percorremos um longo e difícil caminho que certamente não
teria chegado aos bons resultados que chegaram, se não fosse pela atuação do CESA e do
SINSA. Com o advento da Reforma Trabalhista, que inicialmente se esperava que alterasse
não mais do que dez artigos, fomos surpreendidos com uma mudança substancial da CLT.
O Comitê Trabalhista realizou diversas reuniões com estudiosos do Direito do Trabalho,
advogados, membros do Ministério Público e do Judiciário, sempre com o intuito de pro-
porcionar oportunidades de discussão de temas atuais e de aprendizado. Durante os anos
de pandemia, nos esforçamos para compreender as necessidades das sociedades de ad-
vogados e buscar soluções negociadas com os sindicatos de trabalhadores. Participamos
54
também de reuniões com os chefes do executivo estadual e municipal para, juntamente
com outras entidades da advocacia, estabelecer protocolos sanitários a serem seguidos
pelos escritórios. Sem dúvida alguma, a liderança do CESA foi essencial para o enfrenta-
mento esse período desafiador, que alterou significativamente o modo de trabalhar.

O futuro

O CESA é uma potência associativa, com diversos braços temáticos, sempre atento
às mudanças que podem impactar as sociedades de advogados. Portanto, não faltará
capacidade e criatividade para enfrentar os desafios que o futuro trará. Em especial na
área do trabalho, penso que os escritórios de advocacia devem investir em diversidade,
e capacitar tanto jovens advogados quanto profissionais experientes para lidar com as
novas tecnologias e com a inteligência artificial. Nesse cenário, o CESA terá um papel
importantíssimo para promover iniciativas que estimulem a atualização e capacitação
dos profissionais, além de incentivar a discussão e implementação de políticas que for-
taleçam a inclusão e a inovação no campo jurídico, contribuindo assim para o fortaleci-
mento e desenvolvimento contínuo da advocacia no país.
ASSISTA À ENTREVISTA
GUSTAVO BRIGAGÃO

CESA 40 anos

Meu início no CESA

“Desde as priscas eras, sempre admirei o CESA, a forma como a entidade se por-
tava em relação aos grandes problemas que a advocacia, mais especificamente, que as
sociedades de advogados enfrentavam.
Por volta do ano 2000, houve uma questão tributária que envolvia o ISS das socie-
dades de advogados, cujo regime especial a que elas faziam jus seria revogado. O assunto
foi comentado no escritório do qual eu era sócio na ocasião, e, de imediato, me interessei
em participar de alguma iniciativa no sentido de evitar o retrocesso.
O caminho natural seria ir ao Congresso Nacional e tentar convencer os nossos
parlamentares do equívoco que seria a revogação desse regime especial. Examinando o
57
leque de opções relativo às instituições que poderiam ter representatividade suficiente
para esse fim, cheguei a ingressar nos quadros de algumas delas, mas vi que o CESA se-
ria o melhor caminho. Foi por meio dele que, lá por volta dos anos 2001, 2002, nós nos
debruçamos sobre o projeto do qual resultou a Lei Complementar 116/03, a lei geral de
incidência do ISS. Esse projeto, na sua redação original, revogava expressamente os dis-
positivos que tratavam do regime especial de ISS fixo para as sociedades profissionais.
Formamos um grupo de nove Conselhos Federais, que representavam várias pro-
fissões regulamentadas, tendo em vista que a nova tributação não atingia somente a
sociedade de advogados, mas também a sociedade de médicos, dentistas, arquitetos, en-
genheiros entre outros.
Naquela ocasião, não havia, como hoje, tecnologia que permitisse reuniões com
parlamentares de forma remota. Então, tínhamos que ir fisicamente a Brasília e fazer
essas reuniões pessoalmente. E foram várias, com deputados e senadores, e, ao final,
conseguimos, com total apoio do CESA, com toda a infraestrutura de que ele disponibi-
lizava, com o Comitê Tributário, que reunia pessoas do mais alto nível, mais alto gaba-
rito, conseguimos convencer os parlamentares de que o projeto não deveria ir naquela
direção, que o artigo 9º, parágrafos primeiro e terceiro do Decreto-Lei 406/1968, que dis-
punha sobre o regime especial das sociedades de advogados, não deveria ser revogado,
como se propunha. Obtivemos êxito. Esse dispositivo acabou sendo o único – repito, o
único – de todos os do D.L. 406/68, que não foi revogado expressamente. Ali eu me apai-
xonei pelo CESA, ali eu vi que havia força nesse grupo, uma força de agregação. Naquela
época, a instituição tinha aproximadamente 20 anos, metade da idade que tem hoje.”

Crescimento e expansão do CESA

“O CESA era muito voltado para questões relativas à gestão de escritórios, mas não
só isso. Ele foi se expandido e, com essa expansão, foram sendo criados comitês dos mais
diversos ramos do Direito: Comitê Tributário, Comitê Societário, Penal, Trabalhista, en-
fim, comitês que tratavam de todas as questões que poderiam, de alguma forma, ser de
interesse dos escritórios de advocacia. O CESA é um Centro de Estudos. Os comitês são
o cérebro do CESA, onde todos estudam cada uma dessas matérias [que dão nome aos
comitês]. Há também as seccionais do CESA, que foram sendo constituídas pelo Brasil
afora à medida que ele ia se expandindo – hoje em dia são 16 seccionais. São os braços
do CESA.
58
Assim, a partir de todo esse exame profundo que fazemos sobre os mais diversos
assuntos, tanto no que diz respeito à gestão dos escritórios, como dos temas tratados
pelos Comitês, fazemos com que esse conhecimento seja transmitido às seccionais e,
com isso, atendemos às associadas em todos os quatro cantos do país.”

Meu crescimento na instituição

“À medida em que fui convivendo com o CESA, fui me apegando cada vez mais à
instituição. Depois de certo tempo, eu me tornei presidente da seccional Rio de Janeiro,
pude ver como funcionava uma seccional, como aqueles princípios trazidos do CESA
nacional poderiam ser implementados localmente num grupo de sociedades que não
compartilhava do convívio do CESA central, mas que, de alguma forma, se beneficiava
de todas aquelas atividades exercidas no seu âmbito. Começaram a surgir, também, os
comitês locais, que conversavam com os nacionais.
O meu envolvimento com a instituição foi crescendo, passei a integrar a sua di-
retoria executiva, onde pude enxergar, ainda mais, qual era o seu espírito, os princípios
que a regiam. Foram várias as questões tratadas. Cito, como exemplo, as invasões da Po-
lícia Federal em escritórios de advocacia, que geraram absoluta perplexidade em todos
nós. A reação foi imediata, sempre em absoluta sintonia com a OAB, que é a instituição
que regula a nossa atividade. As notas que emitimos na época foram muito profícuas no
sentido de demonstrar o absurdo que ocorria ali.

As marcas da minha gestão

“Eu me tornei presidente da instituição, ao lado da querida Cristiane Romano,


como vice-presidente, em 2021. O convite me causou muita alegria e honra, principal-
mente pelo fato de que eu passaria a ser – como efetivamente fui – o primeiro presidente
nacional do CESA não paulistano (sou carioca). Era uma demonstração clara de quanto o
CESA se expandia e tinha efetiva abrangência nacional. Isso é muito importante. O CESA
não é uma instituição paulistana, é uma instituição efetivamente nacional e a minha
nomeação como presidente comprova isso.”
Na minha posse e início de gestão, estávamos em plena pandemia, mas não fal-
tavam questões sensíveis e de toda ordem a serem enfrentadas. Elas variavam entre
temas relativos à gestão dos escritórios em época de home office e outras, muito mais
59
sensíveis, que envolviam surpreendentes ameaças ao Estado Democrático de Direito que
o país enfrentava naquela época. Essas questões exigiam reação institucional imediata
por parte do CESA. O CESA é apartidário, mas muito vigilante em tudo que diga respeito
a ameaças à democracia e/ou à preservação das regras constitucionais.
Atuamos, também, durante todo esse tempo, em questões das mais diversas na-
turezas (plenário virtual nos tribunais superiores, alteração de normas relativas às mais
diversas especialidades – societário, arbitragem, penal, trabalhista, proteção de dados,
novas tecnologias, processo, reforma tributária) e nas mais variadas formas (por meio da
propositura de ações, amicus curiae, manifestos, organização de debates, esclarecimen-
tos a parlamentares etc.). Sempre no sentido de contribuir para um Brasil melhor.
Um outro assunto ao qual nos dedicamos com muita intensidade foi o relativo à
diversidade e inclusão nos escritórios de advocacia. Nós já tínhamos o programa Incluir
Direito, que apoia e suporta negros universitários e os prepara para integrar o mercado.
Um programa sensacional, criado pelo meu querido Cajé e ganhador do Prêmio Innova-
re. Sou testemunho da conversa de onde surgiu a ideia de criar esse programa. Ela se deu
entre o Cajé e o Paulo Sehn. Ambos tinham interesse em verificar quantos sócios negros
havia nas sociedades de advogados brasileiros. Deu-se conta de que de que os números
eram irrisórios e que não existiam iniciativas para aumentar essa proporção. Daí surgiu
o Incluir Direito.
Sob o aspecto da diversidade de gênero, Cristiane Romano, logo no início da nossa
gestão, sugeriu a criação do selo relativo à diversidade de gênero. Por intermédio dele,
os escritórios se conscientizam dos requisitos necessários a que pudessem atingir níveis
satisfatórios de diversidade e inclusão de pessoas do sexo feminino nos seus quadros,
inclusive de gestão.”

O CESA é isso. Um centro de convergência e realização de ideias, sempre em prol


das sociedades de advogados e dos seus membros. E tudo isso, entre amigos. Viva o
CESA!

60
ASSISTA À ENTREVISTA
HORACIO BERNARDES NETO

CESA 40 anos

“Eu posso dizer que os velhos amigos do CESA estão na lista dos meus melhores
amigos.”
“Eu primeiro preciso falar um pouco da minha sensação com relação ao CESA. Não
sou fundador do CESA no sentido de que não assinei aquela ata de fundação famosa, que
é a ata do Orlando, aquela carta que o Orlando mandou para todo mundo, mas na época
eu era sócio do escritório Castro e Barros, que foi convidado para a fundação e cujo sócio
principal esteve presente naquela data, mas depois pediu a mim que fizesse a represen-
tação do escritório. Então eu tenho representado o meu escritório – o escritório no qual
eu estou presentemente, os escritórios em que eu estive anteriormente – no CESA desde
a fundação.”
63
CESA, experiência única

“O CESA é uma oportunidade imensa que foi dada a nós advogados brasileiros de
podermos viver numa harmonia que não é comum; quando você conta sobre o CESA em
outros lugares do mundo as pessoas ficam completamente boquiabertas diante do fato
de que os advogados, os grandes concorrentes entre si, as pessoas que legitimamente
lutam pelo mesmo serviço, lutam pelo mesmo cliente, disputam o mercado, têm um
grau de amizade, de entendimento tão grande, que é o que permite, inclusive, uma fa-
cilitação do negócio, porque se você conhece o seu ex adverso, se você conhece a pessoa
com quem você está fazendo negócio, se essa pessoa tem obrigação de te ver depois
daquele dia da reunião porque ela também está no CESA, ou o escritório dela está no
CESA, isso gera um clima de confiança, de respeito mútuo, que é muito importante, e
o CESA conseguiu gerar isso. Nesse sentido o CESA é uma experiência quase única no
mundo, eu tive outras experiências em organizações internacionais, fui presidente da
AIJA, fui presidente da IBA, mas não conheço em nenhuma outra jurisdição no mundo –
eu não conheço, pode até haver, mas não conheço – nada que se compare ao CESA, uma
reunião fraternal de advogados que discutem os seus assuntos e que por outro lado,
sem nenhuma espécie de rusga, sem nenhuma espécie de desentendimento, disputam
o mercado.”

Saudades do CESA Day

“Eu fiz parte de uma época vibrante do CESA, que foi quando a entidade começou a
lançar suas raízes, quando o Orlando era presidente, o grande deus ex machina do CESA,
o homem que concebeu e que dedicou a sua vida, a sua energia, que era imensa, a fazer
o CESA chegar aonde chegou. O Orlando foi presidente por muitos anos, passou para a
Clemencia, e depois finalmente eu fui o primeiro presidente que não estava lá na ata da
fundação. Da minha gestão eu me lembro muito e gosto muito de mencionar o CESA
Day, que a gente fazia lá no Hotel Mercure. Era uma reunião geral, um dia estabelecido
para as reuniões de todas as comissões, ou seja, a gente passava o dia lá, almoçava, pas-
sava a tarde inteira e depois fazíamos a reunião geral. As reuniões das comissões esta-
vam sempre cheias, sempre animadas, e eu gostava muito. Um dos grandes prazeres que
eu tinha naquela ocasião era passar a tarde indo de uma comissão a outra, vendo o que
eles estavam falando, me atualizando dos assuntos que eles estavam tratando. Obvia-
64
mente, ainda acontecem as reuniões das comissões, mas não existe mais esse conceito
de que tudo acontece no mesmo dia.”

Outras lembranças, muitas conquistas do CESA

“Eu também tive grande prazer de ter podido participar do grupo de advogados
que na época tinha ligação muito forte com o Poder Legislativo e que ajudou a criar a
Frente Parlamentar dos Advogados, na época coordenada pelo Luís Piauhylino, ex-sena-
dor, então deputado federal. Foi uma época de muita modificação estrutural, houve vá-
rios assuntos éticos, a entrada dos [advogados/escritórios] estrangeiros, a permissão da
manutenção da denominação da sociedade mesmo com o falecimento do sócio que lhe
desse nome – que aliás era um problema que existia para mim na época, porque o nosso
escritório tinha um nome de um sócio morto e a Ordem queria que nós tirássemos. Mas
como eu ia dizendo, o Provimento dos estrangeiros foi feito na nossa época, eu trabalhei
muito para tal Provimento, e acho que foi um marco na história da advocacia corporativa
no Brasil; nós dissemos, querem vir, venham, mas serão fiscalizados pela Ordem, serão
registrados na Ordem, a gente vai saber quem são vocês, vai saber o que vocês estão fa-
zendo. Isso está funcionando até hoje.”

Pro bono

“Também muito importante na minha época foi o assunto que se referiu ao pro
bono. Havia resistência da Ordem dos Advogados de permitir que os advogados fizessem
pro bono porque consideravam-no uma forma de propaganda desleal, digamos assim. Se
você pensar seriamente não é tanta bobagem, se você advogar de graça para quem pode
lhe mandar serviços magníficos. Eu fui da comissão instituída então pelo presidente da
Ordem, que era o Carlos Miguel, e que percorreu toda aquele caminho que acabou con-
duzindo à regulamentação da atividade pro bono, que hoje é um dos grandes cartões de
visita das sociedades de advogados.”

O futuro

“O CESA não pode ser uma reunião de advogados consagrados, conhecidos, ami-
65
gos. O CESA precisa motivar a juventude, precisa motivar novos talentos, novos interes-
ses. Isso está sendo feito e com muita propriedade, com muita proficiência, mas eu acho
que é nisso que a gente tem que se fixar. Hoje em dia há um software que permite uma
administração melhor do que aquela que a gente tinha na nossa época, permite ter mais
membros, e a capilaridade do CESA é completamente extraordinária, o CESA está em
todos os estados da Federação muito bem representado, uma representação efetiva dos
grandes escritórios de advocacia em todas as unidades da Federação, isso gera uma pos-
sibilidade de futuro imensa, porque esses escritórios continuarão, terão novas lideranças,
terão novos interesses e esses interesses serão então trazidos para o CESA. A advocacia
vai mudar, não tem dúvida, a inteligência artificial não vai substituir ninguém, mas cria
uma possibilidade de pesquisa, por exemplo, que faz com que menos advogados sejam
necessários para algumas funções dentro do escritório. O momento é muito desafiante
para os jovens advogados, e eu gostaria muito que eles usassem esse momento para mo-
dificar o direito e aproveitar e incluir nessa modificação da forma de advogar uma atenção
muito especial para os direitos humanos, para o direito de defesa, para o rule of law; seria
muito bom se todas essas modificações que a inteligência artificial e a tecnologia estão
trazendo melhorassem ainda mais a nossa atuação como agentes do bem na sociedade.”
ASSISTA À ENTREVISTA
JOSÉ LUIS DE SALLES FREIRE

CESA 40 anos

Opção pela cordialidade

“O CESA nasceu de uma forma inesperada, uma maneira bastante informal; um


grupo de advogados liderados pelo Orlando decidiu começar a se reunir; um dos motes é
que os sócios dos escritórios mais antigos das sociedades de advogados que existiam na
época eram conhecidos, eventualmente amigos, mas não conversavam sobre temas que
afetavam a profissão, as sociedades.
Começaram a se reunir primeiro informalmente, na própria OAB/SP, de início, de-
pois começou a caminhar para uma formalização – eu me lembro de uma reunião no
escritório Demarest e Almeida em que se decidiu criar uma associação formal. Daí para
frente começamos a luta pelos interesses das sociedades de advogados; mais e mais, o
67
CESA começou a crescer, mas sem nunca perder aquela característica inicial de informa-
lidade, de colegialidade, de amizade; foi um movimento muito espontâneo da parte de
seus membros de manter essa características, sempre mantendo o objetivo original, de
discutir as questões das sociedades de advogados, e não de fazer política eventualmente
junto aos demais órgãos de classe e junto às autoridades.”

Minha presidência

“Eu me tornei presidente um pouco tarde, na verdade. Como um dos fundadores,


eu sempre estive instado a assumir a presidência, mas no início do CESA eu tinha muitas
responsabilidades no escritório, que estava crescendo, então eu fui adiando essa minha
outra responsabilidade que já estava desenhada desde o início, desde a fundação do
CESA para todos os fundadores. Tento me recordar aqui dos temais mais importantes,
desde que eu assumi. As gestões no CESA sempre se marcaram por ganhos incrementais,
não houve nenhuma “revolução” em nenhum momento, nenhuma ruptura. Mas acho
que uma das marcas da minha gestão foi o envolvimento do CESA com o tema das socie-
dades de advogados estrangeiras, que eram regulamentadas por um Provimento da OAB
Federal, mas que por uma circunstância da economia, a globalização estava atingindo
todos os cantos, estava afetando então o interesse das sociedades estrangeiras pelo Bra-
sil. Então na condição de presidente do CESA tive oportunidade de liderar as discussões
a esse respeito, colaborar com a OAB tanto de São Paulo quanto Federal nessa questão
e foi realmente uma luta intensa. Também me lembro que começamos a expandir um
pouco mais o número de sociedades membros do CESA, principalmente em outros es-
tados; o CESA nasceu em São Paulo, expandiu-se rapidamente para Rio de Janeiro e
Minas, mas a partir daí estacionamos um pouco nesses três estados, depois adicionamos
Paraná e Rio Grande do Sul, e fomos para o Brasil inteiro; nesse trabalho contei com
a ajuda do meu amigo, infelizmente falecido, Carlos Alberto Mateucci: percorremos o
Brasil apresentando o CESA e convidando as sociedades de advogados de outros estados
a participarem do CESA e a colaborarem com sua gestão e desenvolvimento; minha ges-
tão foi responsável, então, por passar o bastão para a segunda geração, que não era uma
geração de fundadores; o Mateucci assumiu como meu vice-presidente, a seguir como
presidente. Mais recentemente fizemos uma outra passagem de bastão, para o primeiro
membro de fora de São Paulo a assumir a presidência, que é o Brigagão.”
68
O futuro

“Temos que continuar a defender os interesses das sociedades de advogados pe-


rante as autoridades e entidades diversas; o CESA é extremamente reconhecido e pre-
sente em todas as discussões principais que afetam as sociedades de advogados. Então
eu vejo o CESA no futuro continuando sua prestação de serviços a seus membros, expan-
dindo sempre sua área de atuação para regiões que ainda estejam pouco representadas,
mas vejo mais do mesmo, mais desse sucesso, de tudo o que o CESA tem feito pelo de-
senvolvimento das sociedades de advogados.”
ASSISTA À ENTREVISTA
MOIRA V. HUGGARD - CAINE

CESA 40 anos

Nascido da amizade

“Eu cheguei ao CESA em 1992; eu trabalhava na Líbero Badaró, no escritório Fran-


ça, Nunes Pereira e Vela Advogados e os escritórios Tozzini Freire e Demarest estavam
no mesmo prédio. Então a gente saía muito para almoçar juntos, saía o Syllas, o Zé Luís,
o Orlando Di Giacomo, toda a turma. Foi a partir desses almoços que o pessoal do escri-
tório onde eu trabalhava foi convidado para participar do CESA e eu fui indicada para
representá-lo nas reuniões, o que me deu muito orgulho. Naquela época a gente fazia as
reuniões no Clube Nacional, uma turma muito boa, muito unida, muito amiga; a gente
trocava muitas experiências sobre as questões das sociedades de advogados.”
71
Participação feminina

“Nessa época em que eu comecei no CESA acho que a única mulher era a Cle-
mencia, essa figura espetacular, que é uma representação total do CESA e que sempre
contribuiu e continua contribuindo até hoje para o desenvolvimento do CESA. Quando
eu cheguei, além de mim passou a ter também uma outra advogada chamada Perla; en-
tão éramos as três, e da mesma forma nas sociedades de advogados também não tinha
muitas mulheres, mesmo associadas. Começar a incluir mulheres nas sociedades foi uma
luta! É preciso registrar que o Syllas é uma pessoa que sempre quis a presença feminina
nas sociedades de advogados, que sempre me provocou para esse tema. É nítido que hoje
as sociedades estão em um patamar muito melhor a esse respeito, estão muito melhores
que no passado, mas ainda não estão em um ponto que eu diria ‘adequado’. Por tudo isso
nós nos preocupamos com esse tema no CESA: temos o grupo de liderança feminina, na
minha gestão na vice-presidência inauguramos um curso de mentoria, que agora está
sendo repetido, tudo isso tem ajudado a incrementar a participação da presença femini-
na nas sociedades de advogados como um todo.”
Projetos sociais marcantes

“Durante a minha gestão como vice-presidente as principais conquistas do CESA


foram, em primeiro lugar, a criação do Prêmio Lumen, destinado a homenagear a so-
ciedade de advogados que apresente as melhores práticas de responsabilidade social;
outro projeto apaixonante é o Incluir Direito, projeto de auxílio e apoio à formação de
estudantes de Direito negros, enquanto ainda nas faculdades, para poderem vir a tra-
balhar nas grandes sociedades de advogados; e o terceiro é o Direito Digital, doação de
equipamentos eletrônicos para universitários ou advogados sem condições materiais de
adquiri-los.”

O futuro

“A base do CESA, na verdade, é a colaboração, o compromisso, o comprometimen-


to, a amizade dos líderes daquela época da fundação, dos sócios das sociedades de ad-
vogados fundadoras. Eu acredito que no futuro o CESA tem muito mais a conquistar se
essa liderança, esse comprometimento, essa amizade, continuarem a existir entre os
72
sucessores dos fundadores. É essa união que faz a força do CESA, que ainda tem muito
espaço para ocupar nas sociedades de advogados e na sociedade como um todo.”
ASSISTA À ENTREVISTA
SILVIA NAUFAL

CESA 40 anos

Dos bastidores, vê-se trabalho e muita cooperação

“A gente costuma dizer que o CESA cresceu rápido, mas estamos vendo que foi ao
longo de 40 anos, então olhando pelos bastidores, é possível perceber que foi muito tra-
balho executado. É que realmente foi muito produtivo, uma associação nascida a partir
da cooperação entre os escritórios que ganhou essa dimensão.
Quando eu entrei no CESA, era um grupo pequeno, era muito fácil a gente saber
quem era quem, tratar todos pelo nome, identificar facilmente cada um e os próprios
escritórios, sabendo a área de atuação de cada um. Hoje isso tudo fica um pouco mais
difícil pela grandeza que tomou; de uma lista fácil de manusear, passamos a um banco
de dados para tratar tudo isso, para coordenar a parte de escritórios associados, os con-
75
tatos. À medida que o CESA foi crescendo, a gente foi aprimorando o controle, os instru-
mentos de governança foram tomando corpo, assim como os escritórios também foram
crescendo, se profissionalizando; o CESA acompanhou essa evolução.
Muitos escritórios associados talvez não tenham a visão do trabalho que há por
trás de uma entidade como o CESA. Quando o tema é tratado em um dos comitês, por
exemplo, ele já foi muito debatido, muito detalhado internamente para saber qual cami-
nho tomar, qual proposta apresentar; é um trabalho muito intenso que não é fácil de ser
identificado por quem está de fora. O trabalho não é só da diretoria, mas de todo o gru-
po que colabora; muitos escritórios associados, mesmo não tendo um cargo efetivo na
diretoria do CESA ou nos comitês participam, contribuem de uma forma bastante rica.
Eu acho que eu contribuí para esse controle, de alguma maneira ajudei a adminis-
trar tudo isso, mas sem dúvida o crescimento se deu mesmo em razão da importância
das discussões que foram travadas ali, dessa cooperação que foi a base de tudo.”

Muito além das sociedades de advogados

“É possível destacar algumas características de cada gestão; nas últimas gestões,


alguns projetos que podem ser chamados de ‘sociais’ se destacaram. O CESA evoluiu
para um campo além daquele propósito para o qual ele foi criado, que tem tudo a ver
com as sociedades de advogados também, mas que são projetos específicos. Tem o Prê-
mio Lumen, que foi desenvolvido em conjunto com o SINSA; tem o projeto Incluir Di-
reito, criado na gestão do Cajé, que é um projeto lindíssimo, de que a gente se orgulha
muito, e eu particularmente, porque esse eu vi nascer, e estou vendo crescer, que visa à
inclusão do negro no mercado jurídico e que hoje conta com 50 escritórios apoiadores e
quase 300 alunos que já tiveram oportunidade de estagiar ou de trabalhar nas socieda-
des de advogados; percebo que é uma temática que foi evoluindo, eu vejo inclusive que
isso contribuiu muito para a discussão e o desenvolvimento da questão da diversidade
internamente nos escritórios, porque foi com o projeto Incluir Direito que os escritórios
viram que precisavam fazer alguma coisa também; vimos que o projeto realmente plan-
tou uma sementinha nos escritórios associados – por isso a gente sempre diz que vai ser
bom mesmo quando o projeto não precisar mais existir –; a gente tem a central de ser-
viços, projeto que foi desenvolvido com bastante participação da secretaria, porque são
prestadores de serviços que atendem alguma associada e então são indicados também
para fazer parte dessa central que a gente divulga entre os escritórios; a gente tem hoje
76
o selo CESA diversidade; temos agora um projeto de mentoring feminino, então eu pen-
so que as últimas gestões, a do Cajé e agora a do Gustavo, implantando esses projetos
importantíssimos, demonstram que o CESA não tem um olhar só para os escritórios de
advocacia, muito embora esse seja o foco principal; mas tem um olhar para a comunida-
de como um todo.”

O futuro

“O futuro é bastante desafiador, não só para o CESA, mas para todos os escritó-
rios. Tem a questão da inteligência artificial, isso é um fato, e vai impactar em todas as
áreas. E como foi bastante falado aqui também, é bastante importante a participação dos
jovens, a quem deve ser apresentada a visão de que o CESA teve em sua criação e desen-
volvimento uma união por parte de todos os escritórios fundadores. É preciso perceber
que de fato essa união é que vai fazer o CESA crescer. Precisamos atrair esses jovens
advogados para que eles possam dar continuidade ao CESA e trazer também aquilo que
eles entendem que é importante para o nosso universo jurídico, para estar sendo discu-
tido, trabalhado, enfim.”
ASSISTA À ENTREVISTA
STANLEY MARTINS FRASÃO

CESA 40 anos

“A minha chegada ao CESA aconteceu quando a Clemencia era presidente, o que


foi sensacional, porque ela nos recebia com tapete vermelho – e continua recebendo, a
verdade é essa. O meu desenvolvimento dentro do CESA aconteceu de forma natural, até
pelo meu interesse no assunto ‘sociedade de advogados’; então com isso eu pude contri-
buir e receber muitos ensinamentos, até chegar no CADEP, que como diz o Novaes, é o
coração do CESA. Eu não tenho dúvida de que é o coração e muito mais, a gente não pre-
cisa declinar, mas as pautas do CADEP são construídas a partir do interesse de gestão das
sociedades de advogados, e essas pautas, uma vez construídas, discutidas, muitas vezes
geram minutas de provimentos do Conselho Federal, guias para as próprias sociedades.
Todos os provimentos que tratam de sociedades de advogados nasceram ou se desenvol-
veram dentro do CADEP; não tenho dúvida de que o CADEP é o grande construtor e o
79
órgão que tem mais preocupação com esse tema da gestão das sociedades dentro desse
universo; muitas vezes pessoas do CADEP, eu por exemplo, estávamos juntos na Comis-
são Nacional de Sociedades de Advogados; eu fiquei três e depois mais nove, um total de
doze anos lá junto com a Clemencia, com o professor Alfredo Assis, Marcelo Zarif, Cajé,
outros advogados, a gente teve a oportunidade de construir o que tem hoje de legislação
da sociedade de advogados, inclusive esse último diploma, a Lei 14.365/2022, que modi-
ficou o Estatuto da OAB, muito do que ela traz teve origem em provimentos construídos
com intensa participação do CADEP, começando pelo Provimento 112/2006, que trata
da sociedade de advogados e que vem registrando as modificações dos últimos anos;
o Provimento 170, que trata da sociedade individual, do qual fui o relator no Conselho
Federal; o Provimento 169, que trata das relações societárias entre sócios e associados,
construído com muita contribuição do Daniel Faria, por meio de nossa atuação conjunta
no CADEP e na Comissão Nacional das Sociedades de Advogados; e se voltarmos ain-
da um pouco mais, tem o próprio Provimento das Sociedades Estrangeiras, que contou
com participação tremenda do Orlando Di Giacomo, nosso querido e saudoso Orlando.
Considerando o histórico de construção desses três provimentos, que talvez sejam os
mais importantes para as sociedades de advogados, fica nítida a participação do CADEP.
Atualmente, tem uma pauta antiga que é a construção de um provimento que trata da
Unificação dos Atos de Registros das Sociedades de Advogados, tema que foi aprovado
na Conferência Nacional da Advocacia no Rio de Janeiro, submetido à apreciação mais
uma vez e aprovado novamente na Conferência Nacional em São Paulo, e agora está no
Conselho Federal; esse é mais um tema que foi construído no CADEP, eu fui o relator no
Conselho Federal, na Comissão Nacional, mas esse provimento ainda não desabrochou,
embora esteja em tramitação há 12 anos. É um provimento importante, que permitiria a
unificação dos registros de forma nacional.
Eu não sei bem dizer se comecei a viver intensamente o tema das sociedades de
advogados pelo CESA, ou se pela minha participação na OAB de Minas, onde presidi, por
17 anos, a Comissão de Sociedade de Advogados – a legislação que rege a sociedade de
advogados é a legislação da OAB, com aplicação subsidiária do Código Civil. Mas sei que
é um tema que sempre me motivou muito. Nesses 17 anos, eu gerei dezessete perfis da
sociedade de advogados e depois eu tive a oportunidade, juntamente com dois amigos,
que são o Luiz Paulo, do Rio de Janeiro, e o Ivo Tinô, lá de Pernambuco, de construir o
Primeiro Perfil Nacional das Sociedades de advogados, pela indicação do Antônio Fabrí-
cio, que era Conselheiro Federal, foi presidente da OAB de Minas, e que nos indicou ao
80
presidente do Conselho Federal, Santa Cruz. Por enquanto é só o primeiro perfil, o se-
gundo ainda não veio, mas seria muito interessante que viesse, para podemos comparar
com o que aconteceu de lá para cá. Mas por toda a construção que empreendi durante
esses 17 anos na OAB de Minas e no Conselho Federal eu afirmo com tranquilidade que
as grandes sociedades de advogados, com mais de 20 sócios, 50 sócios, representam um
universo de cinco a oito por cento das sociedades de advogados no Brasil. Eu não tenho
os dados atuais, mas eu estimo que são em torno de umas 140 mil sociedades, porque
houve um crescimento vertiginoso da sociedade individual, que em muitas seccionais já
existe em maior quantidade do que as sociedades plúrimas; em Minas Gerais, por exem-
plo, isso é um fato, as sociedades individuais hoje representam algo em torno de 57%;
e nos outros estados da Federação isso deve seguir a mesma linha. Talvez o CESA nos
ofereça uma oportunidade de conhecer melhor esse cenário.”

O futuro

“Eu vejo o CESA outros 40 anos, ou outros 80, chegando a 120, e assim seguindo!
A sociedade de advogados da qual faço parte completou este ano 105 anos de existência,
e pela construção que vem sendo feita no CESA, pelo interesse em sua continuidade, em
razão das pautas que constrói e defende para o universo das sociedades de advogados,
creio que será assim! E tudo isso tem origem no CADEP; se o CADEP não existisse, talvez
o CESA não fosse essa potência que é hoje!”

81
ASSISTA À ENTREVISTA
WOLNEI TADEU FERREIRA

CESA 40 anos

Comitê Trabalhista

“A minha aproximação do CESA aconteceu em virtude do primeiro Congresso da


Sociedade de Advogados promovidos na ocasião pelo SINSA, por meio do professor Só-
lon de Almeida Cunha, que era um dos diretores e também acompanhava a parte traba-
lhista do CESA. Ele viu a minha participação muito ativa nas reuniões e decidiu propor a
criação do Comitê Trabalhista do CESA; desde então, são 20 e poucos anos, 22, 23 anos
em que a gente vem realizando essas reuniões mensalmente do Comitê Trabalhista, re-
unindo os advogados trabalhistas das sociedades de advogados e daqueles escritórios
que se dedicam não só exclusivamente ao Direito do Trabalho, mas também a praticar o
Direito do Trabalho de alguma forma, sobretudo empresarialmente. Quando eu comecei
83
a participar, as reuniões eram no Clube Nacional, depois passaram para outros hotéis,
mas foram sempre momentos muito gostosos. Há um detalhe muito importante e que
sempre nos atraiu ao CESA: embora muitos escritórios pequenos achassem que não te-
riam espaço, o CESA sempre foi uma casa para escritórios de todos os tamanhos, a casa
das sociedades de advogados; nunca discriminou, sempre deu oportunidade aos peque-
nos escritórios; até mesmo os profissionais individuais sempre tiveram oportunidade de
acompanhar as discussões e aprender com elas, propondo temas importantes para todas
as sociedades de advogados.”

Temas sensíveis e relevantes

“O Comitê Trabalhista teve uma participação em alguns assuntos bastante inte-


ressantes, como por exemplo, as definições hoje mais seguras em relação a advogados
sócios, advogados empregados ou advogados cotistas; acompanhamos o desenvolvi-
mento feito por outros colegas junto à OAB das resoluções que definiam como os ad-
vogados cotistas ou titulares de cotas de serviço seriam contratados, quais seriam os
formatos ideais para essas situações, como a repercussão de encargos trabalhistas ocor-
ria e como isso poderia ser minimizado. Todas essas questões foram sendo discutidas
então na Academia SINSA, junto também com professores do CESA, ao lado de outros
temas como contratação de pessoas, gestão de advogados, principalmente na sociedade
de advogados; outra grande conquista do Comitê Trabalhista é o acompanhamento das
negociações coletivas, que há muitos anos são realizadas sempre com muita harmonia,
sem nenhum conflito registrado até hoje, junto ao Sindicato dos Advogados, Sindicato
das Secretárias, que abrange São Paulo e Rio de Janeiro, e também o acompanhamen-
to dos dissídios coletivos envolvendo outras categorias menores, como bibliotecários,
empregados em escritórios em lugares menores, no interior de São Paulo. De tudo isso
vê-se, então, que o SINSA e o CESA sempre estiveram juntos, unidos nessas lutas, e até
hoje, quando se discutem aspectos, por exemplo, de responsabilização de advogados, a
questão da inclusão das advogados nos sistemas tecnológicos mais avançados, certifica-
ções, atuação nos processos que foram digitalizados, tudo isso mobiliza tanto o CESA,
quanto o SINSA, por meio do Comitê Trabalhista. Por ocasião da reforma trabalhista, em
2017, nós participamos bastante, trazendo os temas para discussão, mostrando como
a ideia havia sido desenvolvida, como seria recepcionada pelo judiciário. Em razão do
prestígio e credibilidade que as duas entidades possuem, sempre atuaram juntas, por
84
exemplo, no convite a ministros e autoridades que vêm às nossas reuniões mensais para
falar sobre assuntos dos mais diversos – às vezes é o Ministério Público, às vezes é um
representante do judiciário, é um desembargador do tribunal –, movimentos de greves
que poderiam acontecer em outras categorias, enfim, a gente sempre esteve na dianteira
desses assuntos, acompanhando. Mais recentemente nós obtivemos pareceres jurídicos
sobre a caracterização ou não do advogado empregado e para isso nós acabamos atuan-
do em alguns casos como amicus curiae, envolvendo as entidades de forma a fazer uma
defesa mais consistente diante das possibilidades dessa caracterização. Então são temas
às vezes sensíveis que preocupam as sociedade de advogados, mas que por meio da força
do CESA e do SINSA construída ao longo desses 40 anos de um, e 35 do outro, são en-
frentados na melhor defesa das sociedades de advogados.”

O futuro

“O CESA terá uma função primordial em muitas discussões importantes; eu vejo,


por exemplo, a reforma tributária, que neste momento está se desenvolvendo, na qual
o CESA tem uma participação fundamental, não só na proteção do sistema tributário
aplicado às sociedades de advogados, mas mesmo na defesa da melhor prática destinada
aos escritórios. Há outros assuntos, por exemplo, a definição do novo ministro do STF,
a defesa que o CESA já fez em nota pública de que seja uma mulher a substituir a atual
presidente da Corte, fazendo com que a mulher conquiste seu espaço cada vez mais, o
que é adequado e apropriado em nossa sociedade e na esfera jurídica também.
A luta pelo interesse das sociedades de advogados é uma luta permanente; a luta
do CESA tem que ser uma constante vigilância sobre os assuntos que juridicamente di-
zem respeito à sociedade de advogados. Hoje o CESA congrega mais de 1.200 sociedades
de advogados no Brasil todo, é uma expressão muito forte em todos os estados, essa re-
presentação faz com que a entidade seja ouvida pelas autoridades, pelos parlamentares,
pelo judiciário, primeiro pela independência que ela possui, segundo pela competência
de seus membros, de seus dirigentes, que fazem com que a defesa dos assuntos seja feita
com muita autoridade, com muita competência e conhecimento realmente.”

85
COMITÊS
ADMINISTRAÇÃO E ÉTICA PROFISSIONAL – CADEP

Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA

Stanley Martins Frasão

O Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados tem por


Missão “Liderar os temas pertinentes às sociedades de advogados e ao
Direito com a produção de conhecimento jurídico de alto impacto.” E a
Visão é a de “Sermos a instituição referência na apresentação das socie-
dades de advogados, reconhecida por nossa credibilidade, excelência téc-
nica e vanguarda na discussão de temas que moldarão o futuro do Direito
e da sociedade.”

A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia e da OAB, prescreve em


seu Artigo 1º., que as espécies de sociedades de advogados têm por objeto regular e dis-
89
ciplinar as relações entre advogados, administrativa e financeiramente, praticando os
atos que não sejam privativos de advogados.
O Primeiro Perfil Nacional das Espécies de Sociedades de Advogados do Conselho
Federal da OAB, com data de corte no dia 28/05/2021, apontou um total de 108.426 es-
pécies de Sociedades de Advogados registradas, em 58 anos, sendo 62.344 (59%) Socie-
dades de Advogados e 46.082 (41%) Sociedades Individuais de Advocacia.
105.617 espécies de Sociedades de Advogados ativas e 2.809 baixadas (2,5% das
sociedades registradas).
Dos 1.221.034 advogados com inscrições ativas no país, também em 28/05/2021,
somente 220.186 (18,03%) integravam as espécies de sociedades de advogados.
Certamente no próximo ano será apresentado o Primeiro Perfil das Espécies de
Sociedades de Advogados que são associadas ao CESA.
A certeza de que a vida em uma das duas espécies citadas é uma oportunidade
disfarçada e bem mais confortável em vários níveis é fato, porque:

• Menor carga tributária,


• Participa de Licitações,
• As empresas preferem contratar,
• Trabalho em equipe,
• Maior possibilidade de ganhos,
• Atendimento em várias áreas do Direito,
• Maior atendimento do volume de audiências,
• Recessos/férias em várias épocas do ano,
• Maior facilidade na prospecção de clientes,
• Organização da atividade,
• Divisão de tarefas que proporciona ao advogado focar na sua atuação manten-
do a administração da atividade com a pessoa mais indicada,
• Trabalhar com mais advogados possibilita maior troca de ideias e apoio, dentro
e entre departamentos,
• Permite a especialização dos advogados sem perda de mercado ou clientes,
• Divisão de trabalho, responsabilidades e custos,
• Maior facilidade na contratação e gestão de estagiários (Lei 11.788/2008, Art.
9º.).
90
AS PROPOSTAS PARA O FUTURO DA ADVOCACIA E DO CESA giram no sentido de
que os advogados que integram as espécies de sociedades de advogados deixem de ser
carentes, em sua grande maioria, por não receberem formação nas Faculdades de Direito
para administrarem suas sociedades de advogados.
O CESA, por seu Comitê de Administração e Ética Profissional – CADEP, vem tra-
balhando nestas 4 décadas, junto aos representantes de suas Associadas, propondo de-
bates de temas atinentes e de interesse das Sociedades, gerando inclusive Guias, tudo no
sentido dar sustentação para que as elas possam ser geridas profissionalmente.
Espera-se que o CESA possa continuar a contribuir para o futuro da Advocacia,
conforme estabelecido em suas Missão e Visão, fomentando a Especialização em Gestão
nas Espécies de Sociedades de Advogados, que se entende como uma necessária trans-
formação na visão dos advogados gestores.
Estimular o estabelecimento e o desenvolvimento de sistemas de gestão nas So-
ciedades de Advogados, por meio da sensibilização e da conscientização das condições
necessárias à constituição das espécies de sociedades de advogados administrativa, ju-
rídica e financeiramente responsáveis é o que se espera para o futuro da Advocacia, com
a participação efetiva do CESA.
Aliás, o CESA deu início em 2023 ao “Programa de Desenvolvimento de Escritórios
de Advocacia”, em convênio com a Fundação Dom Cabral, com a primeira turma cursan-
do seis módulos: – Estratégia, – Inovação, – Gestão de Clientes/Marketing, – Gestão Eco-
nômico-Financeira, – Transformação Digital, – Gestão de Pessoas, Liderança e Equipes.
O apoio institucional do CESA à FGV Direito SP Centro de Ensino e Pesquisa em
Inovação, que gerou a Pesquisa intitulada “Formando a Advocacia do Presente e do
Futuro: Habilidades e Perspectivas de Atuação, Destaques e Tendências”, em 2023, de-
monstra justamente a preocupação do CESA com as sociedades de advogados, gerando
debates e materiais para pensar o FUTURO DA ADVOCACIA E DO CESA.
Parabéns a todos que construíram e que constroem, diuturnamente, o CESA, de
forma inspiradora para as novas gerações.

91
CESA JOVEM

40 anos do CESA: Contribuições do Comitê Jovem para o futuro do CESA

João Paulo Ferraz1


José Victor Pallis da Silva2
Vivian Joory3

Nos últimos 40 anos, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) se


consolidou como uma das principais entidades representativas das sociedades de advo-
gados e, sobretudo, como uma grande liderança nas discussões relativas à advocacia e
ao Direito de modo geral.
Movido pelo espírito colaborativo que o orienta desde sua fundação e procurando
sempre atender à qualificação técnica e ao estrito cumprimento da ética profissional, o
CESA vem há décadas produzindo conhecimento jurídico de alto impacto, sendo capaz
não apenas de influenciar o debate público sobre temas diretamente relacionados às
93
sociedades de advogados, mas também cumprindo um importante papel na defesa da
prerrogativas profissionais e das instituições que compõem o Estado Democrático de
Direito.
Nesses 40 anos de existência, o CESA também ganhou notoriedade pela sua ca-
pacidade de atuar sempre na vanguarda das discussões de que participa, representando
hoje um importante centro de debates sobre a inovação nos mais variados ramos do
Direito.
Com base nessas características, parece ser correto afirmar que, ao mesmo tempo
em que se coloca como um centro de referência já bastante tradicional e com longo his-
tórico de atuação, o CESA também procura se posicionar sempre na vanguarda da prá-
tica profissional, orientando-se pelo princípio cardeal de que, ainda que as sociedades
de advogados possam ser usualmente vistas como concorrentes no “mercado jurídico”,

1 Coordenador do Comitê Jovem do CESA.

2 Coordenador do Comitê Jovem do CESA.

3 Coordenador do Comitê Jovem do CESA.


devem estar sempre abertas ao diálogo e à colaboração para realização de seus interes-
ses em comum.
Nesse sentido, atualmente o CESA conta com mais de 1.000 sociedades associadas
e se organiza a partir de 16 seccionais, presentes em todas as regiões do País, e por meio
de 13 comitês temáticos, dentre os quais destacamos o Comitê Jovem, que se propõe
justamente a unir os valores da tradição e da vanguarda, que vêm marcando a atuação
do CESA nos últimos 40 anos.
Embora o CESA já contasse há alguns anos com um comitê que se propunha a
tratar dos “Novos Advogados”, em 2022 tomou-se a decisão de reorganizar o comitê e
rebatizá-lo de “Comitê Jovem”.
Em tempos de constantes evoluções no exercício da advocacia e incertezas quanto
ao futuro da profissão, tornou-se necessária a reformulação do comitê como forma de
garantir maior protagonismo e representatividade ao grupo de profissionais que cor-
responde a relevante parcela do total de advogados inscritos nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil e talvez seja o mais afetado pelas modificações ocorridas no mer-
cado jurídico.
O comitê foi criado com a finalidade de estabelecer um novo fórum de debates so-
94
bre a jovem advocacia que tivesse uma missão e uma visão mais claramente definidos e
que fosse capaz de atender não apenas aos princípios éticos e profissionais que orientam
o CESA em geral, mas principalmente os seguintes valores: (i) inovação; (ii) diversida-
de; (iii) diálogo intergeracional e inter-regional; e (iv) compromisso social.
A fim de dar mais concretude aos valores acima elencados, pode-se dizer que, hoje,
o Comitê Jovem do CESA tem por missão (i) estimular a participação da Jovem Advoca-
cia no CESA; (ii) auxiliar no desenvolvimento profissional de seus membros; (iii) inte-
grar a jovem advocacia de todas as seccionais; e (iv) fomentar o protagonismo da jovem
advocacia.
Pautado nesses valores e nessas missões, o Comitê Jovem tem por visão (isto é,
por perspectiva futura), consolidar-se como uma referência na formação e no desenvol-
vimento da jovem advocacia, contribuindo para o seu protagonismo na construção do
futuro do CESA, da advocacia e da sociedade em geral.
Ao longo de pouco mais de um ano de atuação, o comitê tem se dedicado a uma sé-
rie de iniciativas concretas com a finalidade de contribuir com debates importantes para
os jovens advogados, criando, assim, um ambiente propício para a evolução intelectual
e profissional de seus membros.
Para esse fim, destacam-se os debates e palestras que reuniram profissionais de
destaque no campo do Direito. Esses eventos proporcionaram uma oportunidade única
para os jovens advogados interagirem com experts renomados, trocarem ideias e in-
sights e obterem uma visão aprofundada dos desafios e oportunidades que a advocacia
oferece.
Essas discussões abordaram temas de relevância inegável, como, por exemplo, es-
tratégias para ingressar no mercado de trabalho jurídico, as perspectivas necessárias
para trilhar uma carreira de sucesso, a atuação da jovem advocacia perante os tribunais
superiores e o fenômeno da digitalização do mundo jurídico.
Os jovens advogados puderam explorar caminhos profissionais e entender as ten-
dências em constante evolução no mundo jurídico. Além disso, essas ações não apenas
forneceram informações valiosas, mas também criaram redes de contatos e conexões
profissionais que são fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento na carreira
jurídica.
A jovem advocacia, ao mesmo tempo em que tem muito a aprender com o CESA,
desempenha um papel fundamental na construção e no aprimoramento da advocacia
como um todo e é de extrema relevância para o CESA. Os jovens advogados trazem con-
95
sigo um conjunto de perspectivas frescas e inovadoras, que podem contribuir significa-
tivamente para a evolução da profissão e do CESA.
Pautado por estas premissas e sempre norteado por seus princípios, missões e va-
lores, o Comitê Cesa Jovem se compromete a continuar atuando na defesa das pautas de
interesse da jovem advocacia e contribuindo com iniciativas voltadas à evolução profis-
sional e intelectual de seus membros.
Nesses 40 anos de CESA, portanto, a mensagem do Comitê Jovem é justamente
essa: nossa missão consiste em perpetuar os princípios e valores que estamos recebendo
do CESA do passado e do CESA de hoje e, assim, ajudar a construir o CESA do futuro.
CONCORRÊNCIA E RELAÇÕES DE CONSUMO

Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA

Coordenadores:
Pedro Paulo Salles Cristofaro1
Ricardo Lara Gaillard2
Sonia Marques Döbler3
Vivian Fraga do Nascimento Arruda4

Há quarenta anos, quando o CESA foi criado, os temas objeto de seu Comitê de
Concorrência e Relações de Consumo não tinham, nem de longe, a relevância de hoje
em dia.
A bem da verdade, embora desde 1962 o Brasil tivesse uma lei de repressão ao
abuso do poder econômico e uma autoridade de “defesa econômica”, o CADE, pode-se
dizer que somente a partir de 1994, com a Lei no 8.884, o direito concorrencial se desen-
97
volveu no Brasil, passando não apenas a ser aplicado, mas a fazer parte do cotidiano das
empresas e dos advogados.
Não foi diferente com o tema das “relações de consumo”, termo que somente se
integrou ao sistema jurídico brasileiro em 1990, com a edição do Código de Defesa do
Consumidor.
Assim, o CESA, honrando seu protagonismo, e antes mesmo de ter um Comitê
voltado para essas matérias, acompanhou pari passu o desenvolvimento do direito con-
correncial e do direito do consumidor no Brasil, servindo como uma arena na qual os
profissionais da advocacia puderam trocar ideias, experiências e conhecimentos sobre
os novos ramos que floresciam.

1 Sócio de Chediak, Lopes da Costa e Cristofaro Advogados.

2 Sócio de Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.

3 Sócia de Sonia Marques Döbler Advogados.

4 Sócia de TozziniFreire Advogados.


No âmbito do direito concorrencial, acompanhou-se a primeira fase, caracterizada
sobretudo pelo avanço na disciplina dos atos de concentração, e as discussões infindá-
veis sobre o momento exato em que uma determinada operação deveria ser submetida
ao CADE. Aliás, por mais que hoje tais discussões pareçam superadas, não se pode negar
que foi a partir delas que a ideia de que certos atos precisariam ser avaliados em seus as-
pectos concorrenciais passou a fazer parte das preocupações permanentes dos agentes
econômicos e dos profissionais do direito.
Também se acompanhou uma segunda fase, na qual se introduziu no Brasil o acor-
do de leniência, como forma de incentivo à colaboração com as autoridades por parte de
coparticipantes de condutas anticompetitivas, com impacto no combate aos cartéis. E
uma terceira fase, em que o sistema de autorizações de atos de concentração passou a
ser prévio, e assim por diante.
No campo das relações de consumo, não foram menores os desafios que se apre-
sentaram: desde as discussões iniciais que envolviam temas que atualmente pareceriam
óbvios (se é que em Direito algo pode ser tachado de óbvio), como a própria definição
de relação de consumo, de fornecedor e de consumidor, há matérias que continuam a
dar margem a acalorados debates, como a chamada teoria menor da desconsideração da
98
personalidade jurídica. Acompanhou-se a universalização de um ramo do direito, com
reflexos até mesmo sobre a estrutura do Poder Judiciário, com a expansão dos juizados
de pequenas causas.
Essas mudanças tiveram grande reflexo na advocacia e nas sociedades de advogados.
Os escritórios de advocacia com atuação em direito empresarial, de início especial-
mente na área de fusões e aquisições e posteriormente na área de condutas, precisaram
dispor de profissionais especializados, ou de todo um setor voltado para o direito con-
correncial, para não falar em escritórios dedicados quase que exclusivamente ao tema.
E, no que diz respeito às relações de consumo, viu-se o surgimento nas sociedades
de advogados de estruturas baseadas em um novo tipo de organização, capaz de atuar
simultaneamente em uma multiplicidade de causas de menor valor, quando considera-
das individualmente, mas que em conjunto têm reflexo importante para as empresas.
Nesse contexto de tantas mudanças, parece difícil prever o futuro, ainda que não
sejam poucos os desafios do presente.
Na área concorrencial, existem hoje preocupações com o modelo institucional do
CADE, em razão dos temores que se apresentam, de tempos em tempos, de paralisação
do órgão em razão de dificuldades políticas para a nomeação de conselheiros. Sem quó-
rum, o CADE não pode deliberar, por exemplo, sobre atos de concentração que lhe são
submetidos, e tais operações ficariam paralisadas, prejudicando as partes envolvidas e a
atividade econômica como um todo.
Também parece haver uma tendência – não apenas no Brasil – de queda do núme-
ro de acordos de leniência, com impactos sobre o principal modelo adotado para investi-
gação e combate de cartéis. E são relevantes as discussões sobre a eventual necessidade
de modificação dos critérios objetivos de submissão de atos de concentração.
Como um alento, a crescente preocupação do órgão com as chamadas condutas
unilaterais, que têm incrementado as disputas empresariais, sobretudo nos agentes do-
tados de poder de mercado, e os desafios dos mercados digitais.
Na esfera da defesa do consumidor, também se apresentam acentuados os desafios
da era digital, em que a própria identificação do fornecedor do produto ou do serviço se
torna mais fluida, ou na qual existe uma menor capacidade de controle sobre as informa-
ções – falsas ou verdadeiras – divulgadas a respeito das características, aptidões e qua-
lidade dos bens e serviços fornecidos. Antigas formas de proteção do consumidor, como
a definição da competência do foro de sua residência, ou a exigência de fornecimento de
informações completas e acuradas sobre produtos e serviços, se tornam menos eficazes,
99
em um mundo no qual não se sabe a localização de um fornecedor pouco preciso, ou não
se encontram meios para coibir de forma eficiente propagandas enganosas ou simples-
mente fraudulentas.
Por outro lado, ainda que pouco a pouco, vê-se no âmbito concorrencial o cres-
cimento do private enforcement, através de ações (ou arbitragens) tendo por objeto a
reparação de danos concorrenciais. Também são acompanhadas discussões a respeito
da criação de varas especializadas no Poder Judiciário, destinadas a tratar de temas do
direito antitruste.
E o CADE, não se pode negar, tornou-se nesses quarenta anos um importante ór-
gão técnico que soube superar as dificuldades que se apresentaram e mesmo as descon-
fianças em momentos decisivos: quando o sistema de aprovação dos atos de concentra-
ção no Brasil passou a ser prévio, não foram poucos os que temeram que uma possível
lentidão do órgão paralisaria a economia. Pois hoje é inegável que o CADE é uma das
autoridades de defesa da concorrência mais eficientes do mundo no exame de atos de
concentração que, em média, são analisados em menos de 30 dias.
E, no âmbito das relações de consumo, a ligação entre o direito do consumidor e
outros modernos direitos de “cidadania”, como o direito à imagem e à proteção de dados
traz um novo olhar sobre as relações de consumo.
Unindo direito da concorrência e relações do consumo, vê-se ainda o crescimento
da chamada agenda ESG, incorporando a questão da responsabilidade concorrencial e
perante os consumidores dos agentes econômicos.
Nesse contexto de mudanças, qual o papel da advocacia e do CESA?
Para além da atuação direta das sociedades de advogados nos inúmeros casos con-
cretos que surgiram e surgirão, tanto em matéria concorrencial quanto consumerista, na
defesa dos direitos de seus clientes, deve-se reconhecer a contribuição institucional da
advocacia para a criação de um ambiente competitivo, baseado nos princípios constitu-
cionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da defesa do consumidor.
O direito da concorrência e o direito do consumidor não teriam a importância que
ganharam na sociedade brasileira nos últimos quarenta anos sem a atuação permanente
dos advogados.
O CESA, por outro lado, teve no passado e terá no futuro o papel de juntar ideias e
fomentar debates que permitam compreender o presente e preparar o futuro.
Nesse ponto, o CESA tem, para se usar um termo próprio do direito da concor-
rência, uma importante vantagem competitiva: ao reunir sociedades de advogados com
100
perfis diferentes, formadas por advogados das mais diversas regiões e formações, e com
atuação em múltiplas áreas do direito, o CESA permite não apenas o debate entre iguais,
mas o debate entre diferentes, reunindo conhecimentos diversos e complementares.
Especialistas em direito do consumidor e da concorrência podem trocar ideias e
experiências com profissionais especializados em outros ramos como arbitragem, prote-
ção de dados, direito penal, direito societário, direito tributário e tantos outros.
A partir desse debate construtivo, o CESA pode e deve fortalecer suas relações
institucionais com o CADE e o DPDC, contribuindo para um diálogo essencial para a
concorrência e para os consumidores.
DIREITO AMBIENTAL

A evolução do Direito Ambiental, a tendência de uma análise mais holística


sobre as atividades empresariais e os reflexos na advocacia no Brasil

Guilherme Mota
Marina Maciel

A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei nº. 6.938/1981, trouxe
um olhar inovador para o conceito de poluidor, sendo este “a pessoa física ou jurídica, de
direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental” (art. 3, IV). A norma, contudo, não trouxe uma definição exata do
que seria o poluidor indireto, sendo um conceito jurídico abstrato.
Neste contexto, a doutrina e a jurisprudência vêm há anos evoluindo na concei-
tuação ampla de poluidor indireto. Os Tribunais têm casuisticamente aplicado a solida-
riedade entre os agentes poluidores, diretos e indiretos, inclusive vinculados por mera
101
relação comercial, cujas atividades concorreram para o dano, bastando para tanto a exis-
tência de nexo de causalidade1. Em alguns casos, percebe-se um alargamento do con-
ceito de poluidor indireto de forma direcionada a outras pessoas jurídicas (numa mes-
ma cadeia produtiva, por exemplo) que possam ser de alguma forma entendidas como
responsáveis, de modo a assegurar financeiramente a reparação do dano (deep pocket
doctrine).2
A necessidade de diferenciação das condutas entre “poluidor direto” e “poluidor
indireto” tem inclinado a doutrina a atribuir como critério de responsabilização do in-

1 “Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz
quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem
se beneficia quando outros fazem” (STJ, REsp nº 650.728/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado
em 23/10/2007, publicado em 02/12/2019).

2 STJ, AgInt no AREsp nº 1250031/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/09/2020, publicado
em 30/09/2020; STJ, REsp nº 467212/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28/10/2003, publicado em
15/12/2003.
direto o rompimento de um dever de cuidado, bem como a relevância da sua ação para
o dano.3 Note-se, contudo, que o conceito de poluidor indireto só se estende àqueles
indivíduos cujas ações ou omissões tenham sido (efetiva e comprovadamente) uma das
causas do dano ambiental.4-5
Assim, entender as premissas legais que norteiam a configuração do nexo causal é
de suma importância. Vigora, no direito brasileiro, o princípio de causalidade adequada
(ou do dano direto e imediato)6 e por esta razão, conforme já definiu o Superior Tribunal
de Justiça (“STJ”), é imprescindível a demonstração da existência de nexo de causalidade
apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo
ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador.
A título exemplificativo, o STJ decidiu pela inexistência de nexo de causalidade en-
tre os danos ambientais (e morais a eles correlatos) resultantes da explosão de um navio
e a conduta das empresas adquirentes da carga transportada pela referida embarcação.
Neste caso, entendeu-se que não houve comportamento omissivo dos adquirentes da
carga, pois não havia risco de explosão ínsito ao transporte marítimo, não foram eles
que contrataram o transporte da carga que lhes seria destinada, e a explosão foi causada
102

3   “Em direito ambiental (entre outras áreas de inerente complexidade), quando diversos fatores ou agentes con-
tribuem de forma substancial para o resultado danoso, o conceito tradicional de nexo causal exige releitura.
A impossibilidade de prova (positiva ou negativa, com inversão do ônus probatório) da influência específica
do ato (omissivo ou comissivo) para o dano não pode inviabilizar a tutela protetiva do meio ambiente. Nessa
circunstância, deve-se verificar a relação entre a conduta (ativa, negligente ou omissiva) verificada e o dever do
imputado em evitá-la, bem como sua relevância para o resultado, e não exatamente a causalidade (conceito ele
próprio impreciso e variável conforme as concepções epistemológicas adotadas) concreta e determinada entre a
ação/omissão e o dano ambiental”. (STJ, AREsp 1945714/SC, 2ª Turma, julgado em 24/05/2022, publicado em
20/06/2022).

4 TJSP, AI nº 990.10.212623-4, Rel. Des. Renato Nalini, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, julgado em
19/08/2010, publicado em 19/08/2010.

5   TJRS, AC nº 70014126130, Rel. Des. Matilde Chabar Maia, Terceira Câmara Cível, julgado em 19/10/2006.

6   STJ, REsp nº 1198829/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 05/10/2010, publicado em
25/11/2010.
pelo combustível do navio, e não pela carga transportada.7
Na mesma toada, há alguns anos se discute a linha do que consistiria na ação ou
omissão de instituições financeiras a atrair a responsabilidade dessas por danos cau-
sados em decorrência de atividades financiadas. Apesar de extensa discussão, ainda há
grande indefinição sobre o tema, restando certo apenas que o nexo de causalidade deve
ser avaliado com cautela. O puro e simples ato de financiar uma empresa, de forma geral,
mormente seguindo as diretrizes aplicáveis às instituições financeiras, não deve atrair
a responsabilidade de financiadores8. As especificidades do caso e do financiamento, o
disclosure de informações, a expertise necessária para a apuração dessas e outros tantos

7 STJ, REsp nº 1596081/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgamento em 25/10/2017, publi-
cado em 22/11/2017; STJ, AgInt na AR nº 7070/DF, 2ª Seção, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/09/2022,
publicado em 13/10/2022.

8 “80. Conforme já explicitado anteriormente, em se tratando de poluidor indireto, a responsabilidade civil


ambiental pressupõe a demonstração de nexo de causalidade normativo, assim entendido o descumprimen-
to do dever de cuidado de quem contribui indiretamente para a ocorrência do dano ambiental. Insista-se
103
nesse ponto, a responsabilidade do poluidor indireto não pode ser equiparada à do poluidor direto, na me-
dida em que, em relação ao primeiro, o nexo de causalidade é normativo, fazendo-se imprescindível verificar
em sua conduta a violação do dever de jurídico de cuidado, sem o que será descabia sua responsabilização.
81. No caso dos autos, a petição inicial não cogita do descumprimento de qualquer dever jurídico por parte
do demandado, ao contrário, o relato da exordial indica que o BNDES criou uma Política Socioambiental,
dispondo de mecanismos que vão desde a análise dos impactos sociais e ambientais de qualquer projeto
apoiado financeiramente, ao financiamento a investimentos que gerem benefícios diretos sobre a quali-
dade ambiental e diminuição das desigualdades sociais e regionais no País, tudo em conformidade com a
regra do Art. 12 da Lei nº 6.938/1981.
82. Nesse passo, verifica-se que a petição inicial do Ministério Público Federal não preenche os requisitos
mínimos que justifiquem a inclusão do BNDES no polo passivo da demanda, pois não expõe de forma
objetiva em que medida a instituição financeira teria deixado de observar a legislação ambiental ao con-
tribuir, inadvertidamente, para a ocorrência de danos ambientais. É dizer que a afirmação de que o Banco
financiou as atividades de uma empresa que, por sua vez, teria causado danos ao meio ambiente, não basta
para justificar sua responsabilização civil.” (Decisão proferida no âmbito da Ação Civil Pública n° 0806577-
74.2019.4.05.8000, Juiz Federal Frederico Wildson da Silva Dantas, 3ª Vara Federal de Alagoas, datada de
15 de janeiro de 2020).
fatores são decisivos para a avaliação da existência do nexo de causalidade.
Seguindo a tendência de uma interpretação cada vez mais holística da atividade
poluidora, verifica-se a nível internacional a promulgação de normas que obrigam em-
presas a realizarem a devida diligência não só nas suas atividades diretas, mas em toda
a sua cadeia de fornecimento.
Esse é o caso do regulamento aprovado, em 19 de abril de 2023, pelo Parlamen-
to Europeu que proíbe a importação de commodities e produtos relevantes advindos de
áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Dentre as commodities contempladas,
destacam-se gado, óleo de palma, soja, madeira, cacau, café, gado e borracha, além de
chocolate, móveis de madeira, papel impresso e outros produtos feitos com as commo-
dities mencionadas.
Previamente à exportação dos referidos produtos para a União Europeia (“EU”), os
operadores deverão apresentar declaração de que os produtos atendem aos requisitos
da norma, através da realização de due diligence. A due diligence deve comprovar, dentre
outros, (i) cumprimento das normas existentes no país de origem; (ii) produtos foram
feitos em áreas não sujeitas a desmatamento ou degradação florestal após 31 de dezem-
bro de 2020; e (iii) observância aos direitos humanos e das comunidades indígenas. A
104
due diligence deverá considerar, ainda, a avaliação de riscos (risk assessment), a fim de
verificar se há risco que os produtos relevantes estejam em desconformidade, e medidas
de mitigação de riscos (risk mitigation), caso constatado o descumprimento da legislação
por commodity ou produto.
As empresas que não cumprirem o regulamento estarão sujeitas, dentre outros,
a (i) multa no valor de, no mínimo, 4% de seu faturamento em um Estado-membro da
UE, podendo ser majorado a depender do potencial benefício econômico auferido; (ii)
proibição de acesso a financiamento público; e (iii) proibição de exportar os relevantes
produtos e commodites.
Em 16 de maio de 2023, a norma foi aprovada pelo Conselho da UE e entrará em vi-
gor 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial, devendo ser implementada 18 meses
a partir da sua entrada em vigor.
Em nível nacional, a necessidade de um olhar mais aprimorado sobre boas práticas
também já vem sendo notada e regulada. A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”),
por meio da Resolução nº. 59/2021, publicada em dezembro de 2021, alterou as Reso-
luções nº. 480/2009 e nº. 481/2009 e, dentre outras disposições, passou a exigir a di-
vulgação de informações de companhias abertas, em seus respectivos formulários de
referência, sobre práticas (Environmental Social and Governance) (“ESG”) (em formato
“pratique-ou-explique”).
Dentre as exigências trazidas pela Resolução, destaca-se a divulgação de infor-
mações sobre indicadores de ESG em relatório anual ou outro documento específico,
devendo indicar (i) a metodologia ou padrão seguido na elaboração do relatório ou do-
cumento, (ii) se considera os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (“ODS”) e, em
caso positivo, quais os ODS relevantes para os negócios do emissor, (iii) se o relatório ou
documento considera as recomendações da Força Tarefa sobre Divulgações Financeiras
Relacionadas ao Clima (“TCFD”), e (iv) se o emissor realiza ou não inventários de emis-
são de gases de efeito estufa, dentre outros critérios.
Caso a empresa não adote um dos critérios determinados pela Resolução, deverá
justificar. Além disso, a Resolução também inclui uma seção específica para prestação
de informações a respeito da diversidade do corpo de administradores e empregados e
previsão da abertura de informações por nível hierárquico, no caso dos empregados. As
novas exigências entraram em vigor em 2 de janeiro de 2023.
Outras tantas normas, em nível nacional e internacional, e diversos princípios de
adesão voluntária, com partes signatárias de grande relevância nos universos empre-
105
sarial e financeiro, caminham no mesmo sentido. O cuidado com a observância de tais
normas não só se reflete na avaliação do dever de diligência de um agente, como ainda,
gera um efeito cascata em toda a cadeia. Financiadores precisam seguir com determina-
dos preceitos e, por sua vez, irradiam exigências para o universo corporativo, que por sua
vez irradia à cadeia de fornecimento, e assim sucessivamente.
Este novo cenário que se desenha reflete inevitavelmente na atividade advocatícia.
Os advogados precisam estar atentos a este universo de constante mutação regulatória,
seja para exarar opiniões e aconselhamentos adequados que considerem o novo espec-
tro de exigências e de boas práticas (que pode refletir em discussões de responsabili-
dade, como visto acima), seja para, na condição de prestador de serviços, adequar suas
atividades.
Vale notar que, em recente estudo publicado, o International Bar Association
(“IBA”) buscou identificar os principais desafios que afetariam a atividade jurídica entre
2023 e 2028. Trata-se do IBA Legal Agenda9. Dentre tais desafios, ênfase é dada às ques-

9 Disponível em: https://www.ibanet.org/document?id=IBA-Legal-Agenda-2023-2028. Último acesso em 09


de outubro de 2023.
tões relacionadas a ESG.
Em tradução livre, dispõe o documento que “[temas afetos a] ambiental, social e
governança (ASG) terão um substancial impacto no trabalho dos escritórios de advoca-
cia e também na formulação de suas políticas e estruturas. O lado social, em termos de
inclusão feminina em cargos seniores e inclusão racial continua sendo um desafio para
os escritórios de advocacia”.
Dentre os subtópicos em relação a tal desafio, cita o IBA que: (i) escritórios têm se
estruturado de diferentes formas para endereçar o interesse dos clientes sobre assuntos
ESG, o que, de certa forma, revela e gera uma dificuldade de monetização de serviços re-
lacionados ao tema; (ii) os próximos anos revelarão naturalmente a forma mais eficiente
de prestação de serviços sobre o tema, seja de forma descentralizada por diversas práti-
cas especializadas distintas, seja por meio de uma área focada exclusivamente no tema;
(iii) em trabalhos transacionais de alto valor, o tema ESG é essencial, mas normalmente
poucas horas e valores são destinados para tanto, de modo que escritórios precisarão
maturar a precificação levando em consideração a relevância do tema; (iv) escritórios
precisarão medir e adequar suas atividades em relação a mudanças climáticas; (v) clien-
tes e partes interessadas de tais clientes irradiarão exigências que lhes afetam aos seus
106
prestadores de serviços, dentre os quais os escritórios de advocacia, demandando ade-
quações em relação a políticas internas e implementação dessas, principalmente em
relação a diversidade e inclusão; e (vi) escritórios de advocacia precisarão refletir novos
engajamentos em foros externos, como universidades, e quebrar silos e protecionismos
tradicionais.
Em suma, o novo cenário que se apresenta demanda (e demandará) que advogados
e advogadas não só compreendam o novo arcabouço regulatório e a interseção entre
boas práticas e responsabilidades empresariais para uma adequada prestação de servi-
ços, como, também, adequem-se às novas exigências para que possam continuar sendo
contratados.
DIREITO DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS

Advocacia digital: a nova realidade


sobre provas e golpes digitais

Alexandre Atheniense1

1. O que os advogados precisam saber para defender seus clientes na era digital

A era digital trouxe mudanças significativas para o campo jurídico, expondo ad-
vogados a desafios multifacetados. A ascensão dos crimes e fraudes online, exacerbada
pela pandemia, evidenciou a vulnerabilidade dos sistemas e a necessidade de profissio-
nais do direito aprofundarem seu conhecimento em segurança cibernética e manejo de
evidências digitais.
A coleta e análise de provas digitais, como metadados, tornaram-se essenciais
para a autenticação e validação de evidências. A capacidade de interpretar e apresentar
107
adequadamente essas provas é crucial no cenário legal atual.
A proficiência em aspectos técnicos e legais associados às provas digitais é uma
necessidade para garantir a integridade do processo legal, evitar erros judiciais e maxi-
mizar as chances de sucesso nos casos.
A incidência crescente de golpes digitais, fraudes cibernéticas e crimes online in-
tensificou a importância do exame das provas digitais nos tribunais.
A advocacia moderna demanda que os advogados que desejam ter sucesso em seus
casos saibam como coletar, preservar, analisar e apresentar provas digitais de forma eficaz.
As provas digitais podem aumentar as chances de vitória, evitar erros judiciais e
acelerar o processo judicial.
A incidência crescente de golpes digitais, fraudes cibernéticas e crimes online,
acentuada durante e após a pandemia, intensificou a importância do exame das provas
digitais nos tribunais.

1 Coordenador da Comissão de Direito Digital do CESA, sócio fundador de Alexandre Atheniense Advogados
com atuação na área de Direito Digital e consultoria sobre provas e golpes digitais.
Um estudo de jurimetria que coordenei desde o ano passado, focado na identifica-
ção do aumento de golpes digitais, julgados no Tribunal de Justiça de São Paulo, entre o
segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2023 revelou que já foram decididos
38 modalidades diferentes de golpes nesse período.
Esse aumento é resultado de uma série de fatores, incluindo a mudança do foco
dos ataques hackers do ambiente corporativo para o home office, onde as vítimas são
mais vulneráveis.
Como resultado, o judiciário enfrenta um novo cenário de incidentes marcados
pela complexidade e pela necessidade de perícias técnicas especializadas em provas di-
gitais.
A advocacia moderna praticada com o suporte de provas digitais e demandante
quanto ao enfrentamento de golpes digitais, é uma realidade emergente que exige que os
advogados se adaptem a essa nova realidade. A proficiência em aspectos técnicos e legais
associados às provas digitais é uma necessidade para garantir o sucesso profissional.

2. A abrangência da análise dos metadados mas provas digitais na instrução processual


108
A evolução das tecnologias digitais ampliou o leque de provas eletrônicas utiliza-
das em processos judiciais, incluindo registros online, mensagens e postagens em redes
sociais. A validação dessas evidências depende fortemente da análise de metadados – os
“dados sobre dados” – que oferecem contexto, autenticidade e rastreabilidade essen-
ciais. Os metadados ajudam a construir um registro cronológico detalhado dos eventos,
sendo fundamentais para identificar manipulações e garantir a integridade das provas.
Em um mundo cada vez mais digital, a perícia em metadados tornou-se crucial
para o sistema legal. Cada peça de evidência digital, de imagens a registros de transa-
ções, contém metadados que são vitais para a autenticação e validação na busca pela
justiça. Esses elementos são essenciais para discernir a veracidade das informações em
meio ao aumento dos crimes digitais e à complexidade tecnológica crescente.

3. A análise forense sobre provas e golpes digitais foi amplificada

Cada plataforma digital tem metadados que são referências que podem variar em
cada caso. Quanto mais metadados uma plataforma dispuser, mais robusta a prova. Uma
simples mensagem de whatsapp por exemplo pode gerar até 10 metadados diferentes.
• A análise dos metadados também serão relevantes para as seguintes situações:
• Computadores e celulares: Rastrear atividades, acessos e modificações; ofere-
cer insights contextuais sobre a origem, autenticidade e integridade das evi-
dências.
• Banco de dados e redes sociais: Detectar e revelar tentativas de manipulação
ou fraude; revelar dados ocultos imperceptíveis pelo leigo.
• Imagens forenses e multimídia: Validar a autenticidade, data, hora e local de
criação; iluminar aspectos subjacentes que são imperativos para a solidez pro-
batória.
• Rastreamento de torres de celular e GPS: Reconstituir padrões de localização e
movimentação com precisão; conferir validade e confiabilidade às conclusões
derivadas.
• Transações em blockchain e criptomoedas
• Decisões automatizadas realizadas por algoritmos que podem descriminalizar
pessoas

4. A Importância da Preservação da Cadeia de Custódia


109

A cadeia de custódia em provas digitais é a garantia de que as evidências não foram


alteradas desde sua coleta até sua apresentação em tribunal. Ela é fundamental para
estabelecer a integridade e autoria das provas digitais.
No Brasil, a cadeia de custódia foi regulamentada pelo Pacote Anticrime, em 2019.
O artigo 158-A do Código de Processo Penal define a cadeia de custódia como conjunto
sistemático de procedimentos e meios técnicos adotados para manter a integridade e a
autenticidade das provas, desde a sua coleta até a sua apresentação em juízo”.
As etapas da cadeia de custódia são:

• Identificação e coleta: Identificação e coleta das evidências digitais, preser-


vando sua integridade durante a coleta.
• Registro de metadados: Documentação de informações sobre as evidências,
como datas, horas e origem.
• Preservação: Armazenamento seguro das evidências, evitando alterações ou
perdas.
• Identificação e rotulagem: Identificação única e rotulagem de cada item de
evidência.
• Análise das evidências por especialistas, preservando sua integridade durante
a análise.
• Documentação detalhada de todas as atividades e procedimentos relacionados
às evidências.
• Apresentação das evidências em tribunal, de acordo com as regras legais.

A preservação da cadeia de custódia é essencial para garantir a validade das pro-


vas digitais. Qualquer falha na cadeia de custódia pode comprometer a integridade das
evidências e, consequentemente, a sua admissibilidade em tribunal.
Portanto, a cadeia de custódia é um processo complexo e essencial para a análise
de provas digitais. Os profissionais que trabalham com provas digitais devem estar
familiarizados com as etapas da cadeia de custódia para garantir a validade das evi-
dências.

5. Análise jurisprudencial sobre a jurisprudência recente do STF sobre a Cadeia de Custódia


110
das provas digitais

A preservação da cadeia de custódia das provas, nos anos mais recentes, tem se
consolidado, como um tema de grande relevância na jurisprudência brasileira.
As recentes decisões do STF enfatizaram sua importância, exigindo rigor técnico e
ético na admissão e avaliação de provas digitais em processos judiciais.
Um exemplo é a decisão do Ministro Dias Toffoli no processo STF Pet 11446, onde
anulou provas do acordo de leniência da Odebrecht, destacando a responsabilidade do
Estado e do Ministério Público na obtenção e manuseio das provas.
O Ministro Lewandowski também apontou falhas na cadeia de custódia e a inu-
tilidade de provas contra Geraldo Alckmin, reforçando a necessidade de integridade e
confiabilidade das evidências em juízo.
Essas decisões firmam dois aspectos cruciais na jurisprudência: o reconhecimento
da inutilidade de provas contaminadas e a necessidade de perícia técnica adequada. O
STF busca identificar a origem da contaminação probatória, ressaltando o dever do Es-
tado na preservação da cadeia de custódia.
O impacto dessas decisões é claro, pois provas ilegais ou contaminadas não têm
lugar em nenhum processo, garantindo os princípios do contraditório, ampla defesa e
devido processo legal.
Outro caso importante envolveu a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que or-
denou o desentranhamento de uma prova digital por falta de perícia técnica adequada e
disponibilidade integral do vídeo. Isso enfatiza a importância de uma cadeia de custódia
sólida.
As decisões recentes do STF têm demonstrado a necessidade imperativa da preser-
vação da cadeia de custódia íntegra e confiável, sob pena de desconsideração da prova
e comprometimento da ação penal. É importante ressaltar que a responsabilidade do
Estado e do Ministério Público sobre este tema é absoluta.
A anulação de provas nesses casos ressalta a importância da integridade e validade
das provas, garantindo os direitos fundamentais e o devido processo legal. A preservação
da cadeia de custódia é essencial para a realização da justiça e a garantia dos princípios
constitucionais na instrução processual brasileira.
Em síntese, as decisões do STF solidificam a compreensão de que a integridade da
cadeia de custódia é fundamental para a justiça e o cumprimento dos princípios consti-
tucionais na instrução processual brasileira.
111

6. Como obter êxito com a Investigação Defensiva nas provas digitais

O Provimento 188/2018 da OAB regulamenta a realização de investigações defen-


sivas por advogados. Essa norma formaliza práticas já existentes na advocacia, propor-
cionando maior segurança e eficiência na coleta de provas.
No âmbito penal, a investigação defensiva é realizada sob a responsabilidade e su-
pervisão direta de advogados. O profissional pode convocar uma equipe multidisciplinar
para complementar as atividades investigativas.
Na seara cível, a investigação defensiva é importante para reunir informações re-
levantes e preparar uma defesa sólida.
O Provimento 188/2018 é um marco na advocacia brasileira, pois:

• No campo penal, assegura os direitos do acusado e fortalece a defesa.


• Na área cível, desempenha um papel crucial para proteger os interesses do
cliente.
A formalização dessa prática contribui para a busca da verdade, reforçando os
princípios fundamentais do processo penal e civil.

7. Conclusão

A análise de provas digitais é uma realidade no cenário jurídico pós-pandemia. Os


advogados devem adquirir novas habilidades e conhecimentos para enfrentar esse desa-
fio, como a análise de metadados, a preservação da cadeia de custódia e a investigação
defensiva.
A integridade, autenticidade e admissibilidade das provas digitais são essenciais
para garantir um processo justo. Cada detalhe, desde a coleta até a apresentação nos
autos, deve ser meticulosamente executado e analisado.
O advogado que não estiver atento e engajado a enfrentar estes novos desafios
estará em desvantagem competitiva com aqueles que dominarem o conhecimento sobre
como explorar as provas digitais a seu favor na defesa do cliente.

112
DIREITO DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

Desafios e Perspectivas para a Advocacia das Famílias e Sucessões

Eleonora G. Saltão de Q. Mattos1


Ana Luisa Porto Borges2
Fernanda Hesketh3

1. A advocacia na era das novas famílias e da sucessões consultiva

Afirmar que a advocacia contemporânea não é mais a mesma que se via há algu-
mas décadas é quase uma frase clichê. A constatação de que aquele profissional que
atuava quase que exclusivamente na esfera judicial e contenciosa foi substituído por um
outro, de necessárias habilidades multifacetadas e de atuação consultiva, salta aos olhos
daqueles que atuam no mercado jurídico.
De fato, a evolução cultural e social impulsionou alterações em todos os campos
113

1 Sócia do Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogados. Advogada graduada pela USP. Especializada em Direi-
to de Família e das Sucessões e em Direito Processual Civil. Membro da Comissão Especial da Advocacia
de Família e Sucessões da OAB/SP – triênio 2022-2024. Associada do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM. Integrante da Comissão de Estudos de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos
Advogados de São Paulo – IASP. Coordenadora do Comitê de Direito de Família e Sucessões do CESA.

2 Sócia do MLD Advogados. Advogada graduada pela PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado. Conse-
lheira Estadual e Secretária da Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP – triênio 2022-2024. Associada
do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP.
Conselheira e Coordenadora do Comitê de Direito de Família e Sucessões do CESA.

3 Sócia do escritório Hesketh Advogados. Advogada graduada pela USP. Membro da Comissão Especial de
Direito Civil da OAB/SP – triênio 2016/2018, da Comissão Especial da Advocacia de Família e Sucessões da
OAB/SP – triênio 2022-2024 e da Federação de Advogados de Língua Portuguesa – FALP. Associada do Ins-
tituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Integrante da Comissão de Estudos de Direito de Família e
Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Coordenadoras do Comitê de Direito de Família
e Sucessões do CESA.
do direito e no Direito das Famílias e Sucessões, como não poderia deixar de ser, as mo-
vimentações foram ainda mais evidentes. E, sem dúvidas, isso aconteceu pelo simples
fato de que as famílias não são mais as mesmas de outrora, marcadas inclusive pela nova
leitura do conceito de entidade familiar trazida pelo marco emblemático da Constituição
Federal de 1988.
Com efeito, após o advento da Constituição cidadã, não só ao direito privado se
incorporou contornos e princípios constitucionais, como também deslocou-se o enfoque
da primazia da família como instituição para a desejável promoção e tutela da dignidade
de seus membros4.
Um dos maiores exemplos dessa mudança de paradigma, sem dúvida, foi a pro-
mulgação do Estatuto da Criança e dos Adolescentes, a tutelar o superior interesse dos
sujeitos de direito em inegável vulnerabilidade e formação. Pela doutrina de proteção
integral, os filhos, no ambiente da família democrática – e não mais centrada apenas no
antigo poder familiar ou na figura do pater – são sujeito de direitos dignos de máxima
atenção do Estado e da Família.
Houve, outrossim, o reconhecimento constitucional de novas configurações fami-
liares, as quais deixam de ser centradas no casamento para ter distintas conformações.
114
A maleabilidade das relações familiares também revolucionou a atuação do profissional
que atua na área, já que a família contemporânea não é mais aquela de outrora: institu-
cional, engessada, imutável. É família em constante movimentação, que exige da socie-
dade e de seus atores – aqui, os advogados – que se desnudem de seus preconceitos e se
valham de novas habilidades profissionais.
De fato, os casamentos – antes realizados para perdurar “até que a morte os sepa-
re” – já são menos duradouros e indissolúveis. Segundo a última pesquisa “Estatísticas
do Registro Civil do IBGE”, foram celebrados 386,8 mil divórcios em 2021 no Brasil, nú-
mero 16,8% maior em relação ao ano anterior. O tempo médio de duração das relações
matrimoniais sofreu diminuição: de 15,9 anos em 2010, para 13,6 anos em 2021. Não
obstante, os números de celebrações voltaram a crescer: foram registrados 932,5 mil
casamentos em 2021, com alta de 23,2% ante 2020.
O Censo do IBGE realizado no ano de 2010 já apontava que 36,4% dos casais não
possuíam relações formalmente regulamentadas e que 16,3% das famílias existentes

4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 3 ed. São Paulo:
Saraiva, 2016.
eram resultados de recasamentos (números ainda não atualizados pela última pesquisa).
Já o Censo Escolar realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em 2013 apontou
5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento, enquanto haviam
2,5 milhões de enteados que moravam com seus padrastos e madrastas.
As significativas mudanças acima indicadas fizeram com que o profissional da área
tivesse que se reinventar. Temas como divórcio direto (sem discussão de culpa, prazo
mínimo de casamento ou requisitos outros), a guarda compartilhada (em consonância
com o novo entendimento sobre o exercício das figuras patentais), a multiparentalida-
de e o reconhecimento das uniões homoafetivas5 (fundamentadas na afetividade como
princípio norteador das relações familiares), por exemplo, exigiram da advocacia dos
últimos anos um olhar mais sensível e atento, inclusive, às interdisciplinariedades.
Além disso, é fato público e notório que a população brasileira está envelhecendo.
No Brasil, a população idosa que, em 2012, representava 11,3% da população, passou
para 15,1% em 2022, segundo dados do último Censo do IBGE.
De todos os desafios que o envelhecimento populacional traz ao país, talvez o
maior deles, seja conseguir que a autonomia do idoso seja salvaguardada e sopesada em
consideração à sua vulnerabilidade, questão que está no cerne do julgamento da cons-
115
titucionalidade do regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas
maiores de 70 anos de idade, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Plenário do
Superior Tribunal de Justiça e deve ser julgada em breve.
O fato é que, sem respaldo estatal, cabe às famílias originais gerenciar o indivíduo
idoso, em suas necessidades e particularidades. E é no seio desse gerenciamento fami-
liar que, muitas vezes, nos deparamos com questões ligadas às dificuldades práticas na
administração e transmissão patrimonial, realidade que exige da advocacia atenção e
respaldo.
No âmbito do Direito das Sucessões as mudanças igualmente foram perceptíveis.
A pandemia de Covid-19 trouxe luz e urgência para o planejamento sucessório e seus
instrumentos, enaltecendo prática consultiva das mais em voga no momento. Se antes
a atuação do advogado da área limitava-se ao assessoramento da família após o óbito
de um de seus membros, atualmente sua prática volta-se ao entendimento e adoção de
medidas que garantam a efetivação da vontade do planejador ainda não falecido, em

5 Legitimada e reconhecida em nosso sistema por meio do julgamento da Ação Direta de Inscontitucionali-
dade (ADI 4.277) pelo Supremo Tribunal Federal.
absoluta modificação de foco e perspectiva.
Dentre os instrumentos possíveis para tal, mostra-se inquestionável que as direti-
vas antecipadas de vontade e os testamentos – sobretudo, públicos – seguirão crescendo
em número, relevância e inovação em relação ao seu conteúdo e à sua lavratura6.
Nesse sentido, ganhará cada vez mais importância o tratamento sobre a herança
digital, ou seja, a transmissibilidade dos bens digitais do falecido por herança, composta
desde bitcoins até perfis em redes sociais. Sobre os últimos, mostra-se relevante subli-
nhar que talvez não possuam necessariamente viés patrimonial, mas certamente podem
deter valor sentimental para os familiares vivos, a conflitar, ao menos em teoria, com o
direito à intimidade e à privacidade do falecido.
Em relação aos meios de lavratura, insta destacar a inovação trazida pelo Provi-
mento 100 do Conselho Nacional de Justiça ainda quando vigente a pandemia do Coro-
navírus, o qual permitiu a lavratura de testamentos por meio remoto, sem a necessidade
de comparecimento físico do testador e das testemunhas ao cartório, via videoconferên-
cias realizadas dentro do Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (o E-Notariado – art. 3º).
Para o futuro, já se conclama a legitimação da possibilidade de feitura de testa-
mentos exclusivamente gravados, por meio de captura de imagem e som do testador e
116
testemunhas7. Além da aposta na popularização da sucessão testamentária no país dian-
te da massiva utilização de smartphones que contam com câmeras acopladas (mais de 1
por habitante)8, há a inequívoca vantagem de se ter registrada a manifestação do próprio
testador na externalização de suas intenções, desejos e motivações, o que atualmente é

6 Mesmo no contexto atual do país, em que grande parte da população não deixará herança passível de
transmissão e que a ordem vocacional da sucessão legítima já possa atender a vontade daqueles que têm
bens.

7 De fato, como ensina lembra Priscila M. P. Corrêa da Fonseca: “Diante das evoluções tecnológicas verifica-
das nas últimas décadas, trata-se de modalidade que já deveria ter sido contemplada pelo legislador, em
razão das inúmeras vantagens que apresenta: praticidade, baixo custo, facilidade de armazenamento, etc”
(Manual do Planejamento Patrimonial das Relações Afetivas e Sucessórias. São Paulo: Thompson Reuterus.
2018. p. 360).

8 https://portal.fgv.br/noticias/brasil-tem-424-milhoes-dispositivos-digitais-uso-revela-31a-pesquisa-anual-
-fgvcia (acesso em 06/10/2023).
objeto de inúmeros questionamentos9.

2. Conclusão

A constitucionalização do Direito de Família e das Sucessões e suas consequentes


relevantes transformações – estima-se – é um movimento sem retorno.
A cultura e a prática social incorporaram a valorização dos entes familiares, os
quais, na busca de sua plena realização, constituem entidades de naturezas plurais e
sujeitas ao encerramento. As crianças, adolescentes e idosos, reconhecidos como vulne-
ráveis, finalmente estão amparados por arcabouços jurídicos capazes de tutelarem seus
supremos interesses.
Por sua vez, a vivenciamento da pandemia de Covid-19 desnudou a conveniência
de se planejar a sucessão, deixando a referida área em plena evidência.
As competências e a prática profissional dos advogados que atuam nessas áreas
foram absolutamente afetados pelas referidas alterações jurídicas e culturais. Além de
ser imprescindível o constante questionamento de ideias preconcebidas, as habilidades
profissionais de outrora exigiram atualização e olhar sensível inclusive para outras áreas
117
do saber, restando evidente a proeminência da atuação consultiva sobre a contenciosa.
Nesse contexto, não há dúvidas que as perspectivas de futuro para a advocacia das
Famílias e Sucessões para o profissional que entendeu as novas exigências dos tempos
e dos clientes são amplíssimas. O CESA – notória sede de troca de rico conhecimento –,
por meio do recém-criado Comitê de Direito de Família e Sucessões – certamente fará
relevantes contribuições.

3. Referências

FONSECA, Priscila Corrêa da. Manual do Planejamento Patrimonial das Relações Afetivas e Suces-
sórias. São Paulo: Thompson Reuterus. 2018.
GUILHERMINO, Everilda Brandão. Para novos bens, um novo direito sucessório. In Arquitetura

9 MUCILO, Daniela de Carvalho e TEIXEIRA, Daniele Chaves. COVID-19 e planejamento sucessório: não há
mais momento para postergar in Coronavírus: impactos no Direito de Família e Sucessões. Coord: NEVARES,
Ana Luiza Maia, XAVIER, Marília Pedroso Xavier, MARZAGÃO, Silvia Felipe. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 346.
do Planejamento Sucessório Tomo II. Coordenação TEIXEIRA, Daniele Chaves. Belo Horizonte:
2020.
LEAL, Lívia. Internet e a morte do usuário: propostas para o tratamento jurídico post mortem do
conteúdo inserido na rede. 2ª ed. Rio de Janeiro: GZ, 2020.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 3 ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.
MUCILO, Daniela de Carvalho e TEIXEIRA, Daniele Chaves. COVID-19 e planejamento sucessó-
rio: não há mais momento para postergar in Coronavírus: impactos no Direito de Família e Su-
cessões. Coord: NEVARES, Ana Luiza Maia, XAVIER, Marília Pedroso Xavier, MARZAGÃO, Silvia
Felipe. Indaiatuba: Foco, 2020.
NEVARES, Ana Luiza Maia, XAVIER, Marília Pedroso Xavier, MARZAGÃO, Silvia Felipe. Conrona-
vírus: impactos no direito de família e sucessões. Indaiatuba: Foco, 2020
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. 3 ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.

118
DIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL

Os Desafios e as Oportunidades Associadas à Implementação


da Advocacia pro bono pelas Sociedades de Advogados

Alberto Mori
Flavia Regina de Souza Oliveira
Grazielly Rocha de Arruda

Introdução

A advocacia pro bono, ou advocacia para o bem, pode ser definida como espécie de
prática jurídica, de caráter voluntário, que desafia diretamente as barreiras socialmente
postas ao acesso à justiça, por meio do oferecimento de serviços jurídicos gratuitos para
pessoas físicas ou entidades sem fins lucrativos que não dispuserem de recursos finan-
ceiros para tanto. No contexto brasileiro, em especial, essa prática desempenha papel
119
crucial ao exercício da cidadania, ao complementar os esforços do Estado para a garantia
de assistência jurídica àqueles que precisam e auxiliando diretamente na redução de
desigualdades, em diálogo direto, por exemplo, com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, da Organização das Nações Unidas (“ONU”).
Ocorre que, embora a matéria tenha centralizado debates no país desde a década
de 1990 e, já em 2015, tenha sido formalmente disciplinada pela Ordem do Advogados
do Brasil (“OAB”) a nível nacional, por meio do Código de Ética da Advocacia, a imple-
mentação eficaz da advocacia pro bono segue enfrentando desafios, sendo de extrema
relevância delinear estratégias para superação de obstáculos e para a promoção de um
acesso mais amplo e igualitário à justiça no Brasil, reafirmando a função social da advo-
cacia e de seus profissionais.

O que os dados têm demonstrado

De acordo com pesquisa de 2019, realizada pela Latin Lawyer e pelo Cyrus R. Vance
Center for International Justice1 sobre a prática pro bono por escritórios da América Lati-
na, mesmo após mais de 10 anos do surgimento da Declaração Pro Bono das Américas,
diversas sociedades de advogados ainda não conseguiram cumprir a meta sugerida de
dedicação de 20 horas anuais a serviços pro bono por advogado.
Nesse mesmo sentido, segundo pesquisa coordenada pela 16ª edição do anuário
Análise Advocacia2, da Análise Editorial, que recebeu insumos de cerca de 774 socieda-
des de advogados, no ano de 2021, embora diversas sociedades participantes desenvol-
vessem alguma forma de trabalho pro bono, 52% dessas não dispunham de um método
formal para realização de suas atividades.
Contudo, conforme se verá adiante, a adoção de uma política institucional voltada
a realização de trabalhos pro bono pode ser definida de maneira estratégica, adequando-
-se a realidade de cada uma das sociedades de advogados e apurando, de modo estrutu-
ral, o que de melhor pode ser oferecido aos clientes desse nicho, maximizando direitos
e o impacto social positivo, sem, no entanto, se distanciar da regulamentação existente,
que fixa os pilares da voluntariedade, gratuidade e eventualidade – os dois últimos serão
melhor abordados ao longo desse artigo.
120
Oportunidades e principais estratégias

Por vezes, na advocacia pro bono, o conceito de gratuidade tem sido interpretado
como a ausência de pagamento direto ao profissional pelo serviço jurídico que tenha
sido prestado em favor de uma pessoa física ou de uma entidade sem fins lucrativos, o
que pode refletir baixos índices de engajamento com a causa. Contudo, essa perspectiva
tem se expandido para além da visão tradicional, podendo proporcionar benefícios mú-
tuos à sociedade e aos seus advogados.
Conforme tem se observado, em muitas sociedades de advogados é prática comum
se oferecer incentivos aos profissionais engajados na advocacia pro bono, seja no plano
de remuneração direta ou na inclusão dessas atividades nos planos de progressão de

1 Disponível em: https://www.probono.org.br/noticias/pesquisa-faz-balanco-dos-10-anos-da-declaracao-pro


-bonodas-americas/. Acesso em: 29 set. 2023.

2 Disponível em: https://analise.com/noticias/mais-da-metade-dos-escritorios-praticam-advocacia-pro-bono


-demaneira-informal. Acesso em: 29 set. 2023.
carreira existentes, ainda que esses profissionais não sejam exclusivamente dedicados
à pauta. Há, ainda, as sociedades que atrelam o número de horas efetivamente dedica-
das pelos profissionais às atividades pro bono aos seus pilares avaliativos, as utilizando
como espécie de termômetro à adesão profissional às políticas e visão institucional. Esta
abordagem não apenas difunde a prática dentro do ambiente corporativo, mas também
confere a sustentabilidade vital para a consolidação do pro bono como uma política in-
terna, transformando-o de algo “permitido” para algo ativamente encorajado.
Para a consolidação efetiva da prática pro bono e sua sustentabilidade a longo pra-
zo, é essencial que, a despeito do já mencionado pilar da eventualidade – que determina
um início, meio e fim dos serviços prestados –, essa não se restrinja a atendimentos
episódicos, mas seja organizada como uma política institucional, observando estratégia
que seja definida pela sociedade de advogados. Isso não apenas amplia o alcance do pro
bono, mas também melhora a qualidade dos resultados obtidos com os serviços presta-
dos, que serão planejados e terão diretrizes de continuidade, por meio da definição dos
princípios que regerão o programa, seus objetivos principais, o perfil de entidades ou
pessoas físicas que serão atendidas, bem como as metas que deverão ser observadas.
Ademais, a criação de uma política pro bono também permite que os profissionais
121
engajados descubram outras áreas de atuação, por meio da experimentação da advoca-
cia, além de atuar, junto com as sociedades de advogados, em demandas consideradas de
alto potencial transformador, promovendo a diversidade, o fortalecimento de causas e
movimentos sociais e, por meio do apoio jurídico, por exemplo, colaborar para a conso-
lidação de pautas caras à responsabilidade social. Não raro, as sociedades de advogados
têm se dedicando à temática, em busca de propósito e de uma atuação direcionada aos
direitos humanos.
Por fim, para além do pilar de institucionalização e remuneração, embora cativar
os profissionais à causa possa parecer um desafio, a utilização do arcabouço institucional
para sensibilização das pessoas é uma escolha estratégica, valendo-se desse espaço para
realização de palestras e workshops, fomentando a troca de ideias e o esclarecimento
de dúvidas sobre o tema. Além disso, é possível fornecer formações específicas para a
equipe, abordando realidades diferentes daquelas comumente observadas no escritório
e reforçando a oportunidade de se colaborar com a promoção da cidadania e universali-
zação de direitos, por meio da promoção ao acesso à justiça com a prática pro bono.
Conclusão

No Brasil, a advocacia pro bono representa uma oportunidade para promoção do


acesso à justiça e, igualmente, aos direitos fundamentais. Superar os desafios relaciona-
dos à consolidação da prática requer um esforço coletivo, envolvendo os profissionais
do direito e as sociedades de advogados, como um todo. Ao adotar uma abordagem es-
tratégica e colaborativa, é possível transformar a prática jurídica da advocacia pro bono
em uma força poderosa para a promoção da justiça e da equidade, por meio do fomento
a agendas diversas e promoção de um impacto duradouro na vida daqueles que mais
necessitam.

122
LIDERANÇA FEMININA

Igualdade de Gênero no Exercício da Advocacia:


um Esforço Conjunto Necessário

Cristiane Romano1
Janaina Castro2
Maia Martinovich3

Parafraseando Angela Davis, quando a mulher se movimenta, toda a


estrutura da sociedade se movimenta com ela.

As discussões e medidas necessárias para alcançarmos um cenário com maior


representatividade feminina nos cargos de poder e/ou de liderança, certamente, é um
tema de primeira hora no mundo corporativo – ou, pelo menos, assim deveria ser.
A despeito disso, as mulheres, especialmente as negras, permanecem sub-repre-
123

1   Sócia do escritório Machado Meyer, formada na faculdade de direito da PUC/SP, associada do International
Bar Association (IBA), Vice-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), Membro
da Comissão da Mulher Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Consultora da
Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Membro da
Comissão de Integração com os Tribunais Superiores do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

2 Advogada do escritório Machado Meyer, bacharel em direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília
(IESB) em 2014, pós-graduada em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
em 2018, pós graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 2022, mestranda pela Universidade de Brasília
(UnB), membra da Comissão de Advocacia nos Tribunais Superiores e da Comissão de Assuntos Tributários,
ambos na OAB/DF.

3 Advogada do escritório Machado Meyer, bacharel em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub)
em 2014, pós-graduada em direito processual civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) em
2018, mestranda pelo IDP em direito constitucional, membra da Comissão de Processo Civil e da comissão
Especial de Energia, ambos na OAB/DF.
sentadas nas esferas de alto escalão das corporações e, embora tenha havido tímida evo-
lução, no mercado jurídico, o cenário não é muito diferente.
Neste ano, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil divulgou pes-
quisa4, apontando que, em um total de 1.319.357 inscritos, mais de 51% são compostos
por advogadas e quase 49% de advogados. Quando examinamos esses dados de acordo
com a faixa etária, há uma inversão do cenário: entre os advogados e advogadas de 41 e
59 anos, 52,4% são homens; e a partir dos 60 anos, 66,3% dos inscritos são advogados.
Isso mostra que pouco mudou desde a pesquisa5 realizada em 2021, pela Consul-
toria TREE, com o apoio do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (“CESA”),
que indicava que, em 92% dos escritórios, as mulheres ocupavam majoritariamente os
cargos de estagiárias e advogadas.
Embora as mulheres sejam maioria em números totais, essa presença está limitada
aos estágios iniciais da carreira, inalterado, portanto, o cenário em que os homens conti-
nuam ocupando as posições mais sêniores, a sociedade e/ou cargos de poder e liderança.
Tem-se que: (i) apenas 5 das 27 seccionais da OAB são presididas por mulheres, o
equivalente a 18,5%6; (ii) 35% das posições societárias nos escritórios de advocacia ocu-
padas por mulheres7; (iii) mulheres sócias são maioria em 1/3 dos grandes escritórios de
124
advocacia, sendo que, em 1/4 sequer percentual superior a 30% do quadro de sócios8; (iv)
nos escritórios de médio porte, 36,5% têm maioria de sócias e em escritórios de pequeno
porte, apenas 27% têm mulheres sócias como maioria9.

4   
Disponível em <https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados>. Acesso em
01.11.2023.

5 Disponível em < https://treediversidade.com.br/diversidade-e-equidade-de-genero-em-escritorios-de-ad-


vocacia-e-meio-juridico/>. Acesso em 01.11.2023.

6   
Disponível em <https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados> Acesso em
01.11.2023.

7   Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-pesquisa-inedita-revela-perfil-


-economico-e-de-atuacao-da-advocacia-do-pais.shtml> Acesso em 01.11.2023.

8   Disponível em < https://treediversidade.com.br/diversidade-e-equidade-de-genero-em-escritorios-de-ad-


vocacia-e-meio-juridico/> Acesso em 01.11.2023.

9   Disponível em < https://treediversidade.com.br/diversidade-e-equidade-de-genero-em-escritorios-de-ad-


Nos rankings jurídicos, em que pese tenha havido uma leve melhora, também
há discrepância. De um total de 1.384 advogados ranqueados nas diferentes etapas de
Chambers Brazil10 entre setembro de 2020 e agosto de 2021, 310 são mulheres (22%),
1.074 (78%) são homens. Na base da pirâmide dos rankings, associados e sócios juniores,
são 68 mulheres (40%) para 104 homens (60%). Já no topo da pirâmide o mercado ainda
é mais desequilibrado, sendo a relação de 78 mulheres (19%) para 334 homens (81%).
Não se pode desconsiderar na análise desse cenário o fato de que as mulheres fo-
ram autorizadas a exercer essa nobre função essencial à Justiça apenas em 190611, por
meio do caminho pavimentado pela vanguardista Myrthes Campos. Sem sua ousadia e
coragem, certamente, não estaríamos aqui, ainda que muito longe de onde as mulheres
querem e merecem estar: atuando nos leading cases, ocupando os rankings jurídicos, na
Presidência da OAB, em todo lugar, especialmente nas esferas decisórias e de poder.
Em recente caso de relevância em matéria tributária12 no Superior Tribunal de Jus-
tiça, o Ministro Gurgel de Faria, com seu característico olhar atento, festejou o fato raro
– talvez inédito, até então –, que é uma tribuna composta apenas por mulheres, sendo 5
advogadas atuando em todos os polos processuais – advocacia privada, pública e como
amici curiae.
125
O cenário nos reporta a importantes reflexões acerca da igualdade de gênero no
exercício da advocacia. Não se pode negar que houve avanços, mas longe da velocidade
ideal.

vocacia-e-meio-juridico/> Acesso em 01.11.2023.

10   Disponível em < https://exame.com/bussola/ranking-aponta-melhores-escritorios-de-advocacia-e-advoga-


dos-do-brasil/ e https://www.abvcap.com.br/sala-de-imprensa/noticias-imprensa.aspx?id=5154 > Acesso
em 01.11.2023.

11   
Disponível em < https://www.oab.org.br/noticia/60107/juristas-que-marcaram-a-historia-do-pais-myr-
thes-gomes-de-campos> Acesso em 01.11.2023.

12   Discutia-se a respeito da (i)legalidade do art. 9º da MP n. 690/15 – posteriormente convertida na Lei n.


13.241/15 –, que revogou prematuramente art. 5º da Lei n. 13.097/15, que prorrogou o prazo de vigência
do incentivo de fiscal de alíquota zero das contribuições ao PIS e à COFINS incidentes sobre a receita bruta
das vendas a varejo – a consumidor final – dos produtos de informática incluídos no Programa de Inclusão
Digital, instituído pela Lei n. 11.196/05, usualmente denominada de “Lei do Bem”.
As barreiras que impedem a ascensão das mulheres surgem em várias frentes e de
várias formas, como, por exemplo, na criação, no ambiente familiar, na estrutura orga-
nizacional e cultura das empresas, nos vieses (in)conscientes, na diferença salarial, na
ausência de políticas internas das empresas, etc.
A própria maternidade pode ser um fator que impede a contratação e/ou progres-
são das mulheres carreira. Essas são, sem sombra de dúvida, questões socioculturais,
vieses inconscientes, associados ao gênero, que impossibilitam o acesso das mulheres a
cargos de maior senioridade como também de gestão ou até na sociedade.
O conjunto dessas barreiras tem sido denominado como “teto de vidro”, uma ex-
pressão cunhada há mais de 40 anos e frequentemente citada como a principal razão
pela qual mais mulheres não chegam ao topo.
A expressão foi assim caracterizada nos anos 80 por Hymowitz e Schellhardt, nos
Estados Unidos, em artigo publicado no Wall Street Journal13, no qual se abordou uma
nova dinâmica na inclusão das mulheres no mercado de trabalho que coexiste com a
desigualdade de gênero no que diz respeito ao acesso das mulheres a cargos de alto es-
calão, uma vez que a maioria esmagadora dessas posições era – como ainda é – desem-
penhada por homens.
126
Esse termo também foi utilizado pela Marilyn Londen em 197814, referindo-se às
barreiras sutis e invisíveis ao olhar da sociedade, mas que interferem (in)diretamente na
ascensão e progressão das mulheres nos cargos de comando/gestão dos escritórios e/ou
empresas.
Nesse sentido, a McKinsey & Company em parceria com LeanIn.Org lançou nes-
te ano mais uma edição da pesquisa Women in the Workplace15, na qual, entre outros
pontos, considera que a barreira invisível denominada “teto de vidro” não seria mais a

13   Disponível em <https://www.wsj.com/articles/the-phrase-glass-ceiling-stretches-back-decades-1428089
010>. Acesso em 01.11.2023 – Hymowitz, C. & Schellhardt, T.D. (1986). The glass ceiling: why women cant seem
to break the invisible barrier that blocks them from the top jobs. Wall Street Journal Section, 4(1), 4-5.

14   Beltramini, L. de M., Cepellos, V. M., & Pereira, J. J.. (2022). MULHERES JOVENS, “TETO DE VIDRO” E ESTRATÉ-
GIAS PARA O ENFRENTAMENTO DE PAREDES DE CRISTAL. Revista De Administração De Empresas, 62(6),
e2021–0073. Disponível em <https://doi.org/10.1590/S0034-759020220608>. Acesso em 01.11.2023.

15   Disponível em <https://www.mckinsey.com/featured-insights/diversity-and-inclusion/women-in-the-work
place>. Acesso em 01.11.2023.
principal causa para esse cenário, mas sim, os desafios impostos pela chamada síndrome
do degrau quebrado.
Segundo Margareth Goldenberg16, o fenômeno do degrau quebrado pode ser expli-
cado por uma metáfora simples: você sobe aquela escada enorme e quando está chegando
no topo dela, tem um degrau oco ou perigoso ser pisado. Você tem três alternativas: parar
onde está, voltar para trás ou fazer um esforço e pular o obstáculo, o que dificulta a ascen-
são das mulheres aos postos de alto comando.
A mencionada pesquisa da McKinsey & Company afirma que pelo nono ano con-
secutivo, as mulheres enfrentam o seu maior obstáculo no primeiro estágio até chega-
rem aos cargos de gestão. Este ano, para cada 100 homens promovidos de nível inicial a
gerente, 87 mulheres foram promovidas. A lacuna é maior para as mulheres negras: este
ano, 73 mulheres negras foram promovidas a gerentes. Como resultado deste degrau
quebrado, as mulheres ficam para trás e têm maior dificuldade ou não conseguem alcan-
çar os cargos de alta liderança.
Ressalvando divergências conceituais, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres
são objeto de discussão há muito tempo sejam elas visíveis ou invisíveis, e decorrem da
construção de uma sociedade patriarcal e de inferiorização da mulher, não tendo qual-
127
quer relação com sua capacidade, competência ou qualificação jurídico-profissional.
Diferentemente do que muitos pensam e de acordo com a mencionada pesquisa,
os obstáculos não estão apenas no topo, mas, sim, ao longo de toda a trajetória da car-
reira feminina, de modo que as microagressões têm um grande impacto nas mulheres e
inibem a sua progressão na carreira.
Desse modo, em que pese o aumento da presença feminina no âmbito jurídico,
ainda se nota um afunilamento hierárquico no qual são encontradas menores propor-
ções de mulheres nos cargos de liderança e nos obriga a refletir sobre os vieses incons-
cientes e/ou possíveis barreiras – sociológicas – existentes que impeçam as mulheres de
alcançarem posições de liderança nas sociedades de advogados e/ou empresas.
Não se trata apenas de discriminação ou preconceito de forma individualizada,
mas, sim, de estruturas extremamente densas e complexas envolvendo cultura, política,
prática e atitudes sutis – ou nem tanto – dentro do mercado de trabalho e fora dele.
Para as mulheres, quebrar estas barreiras, ao longo de toda a carreira, é desafiador,

16   
Disponível em <https://mitsloanreview.com.br/post/a-sindrome-do-degrau-quebrado>. Acesso em
01.11.2023.
carregado de culpa, nas quais uma escolha, dentro da estrutura em desconstrução, não
deveria significar uma renúncia. E, para isso, é preciso, a partir de um olhar atento e cui-
dadoso, identificar as crenças limitantes e as tensões culturais que assombram o gênero
feminino, obviamente com recorte racial, uma vez que as mulheres negras encontram
desafios ainda maiores.
Compreender os impactos decorrentes do teto de vidro, do degrau quebrado, dos
vieses inconscientes, e de tantas outras barreiras – ainda não conceituadas –, é útil e
necessário, não só para a quebra deste ciclo, como também para acabar ou reduzir a
desigualdade de gênero, permitindo a ascensão igualitária de homens e mulheres nos
cargos de liderança.
Algumas políticas podem ser implementadas visando a equidade de gênero, sendo
que várias empresas já estão nesse caminho. Alguns exemplos devem ser mencionados:
a mentoria, o chamado sponsorship, a promoção de eventos e networking feminino, pro-
gramas para licença maternidade e paternidade, grupo de afinidades e, sobretudo, criar
a cultura de que a equidade de gênero é um valor/objetivo inegociável da empresa.
Essencial que mais homens sejam chamados para o debate, dando espaço para que
se tornem aliados da causa, bem como para que, nesse processo de (des)construção da
128
cultura patriarcal, percebam que o machismo, a misógina, a masculinidade tóxica, entre
outros fatores, não afetam apenas as mulheres, mas também sua saúde física e mental.
Importante, ainda, conscientizá-los a respeito da paternidade plena e responsável
com gozo de licença paternidade estendida. A paternidade consciente, a um só tempo,
possibilita às mães tempo de qualidade para seus afazeres pessoais e profissionais, bem
como permite a criação de vínculos com os filhos, tornando mais igualitário o tempo
destinado ao cuidado. É o clássico ganha/ganha.
De acordo com a Oxfam Brasil17, as mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam
12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma con-
tribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o
valor da indústria de tecnologia do mundo.
A despeito de os afazeres diários – cuidar de outras pessoas, cozinhar, limpar, bus-
car água, etc. – serem essenciais para o bem-estar da sociedade e funcionamento da
economia, a responsabilidade por esse trabalho é imputada, quase exclusivamente, às

17   
Disponível em <https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/> Acesso em
01.11.2023.
mulheres/meninas, o que perpetua as desigualdades de gênero em todos os aspectos.
E, por fim, se não for por amor é pela dor. Ou seja, as empresas mais e mais estão
exigindo dos seus contratantes – prestadores de serviços ou fornecedores – a existência
de políticas que visem a promoção da equidade de gênero, como critério de contratação.
Quem possuir tais políticas, portanto, sairá na frente das demais empresas.
A McKinsey & Company18, em sua pesquisa mais recente, reforçou a existência de
vínculo entre a diversidade e a performance financeira das empresas. Sob a perspectiva
de gênero, afirma que, em 2017, as empresas com mais mulheres em suas equipes execu-
tivas eram 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média do que as empresas
no quartil inferior. É um percentual muito significativo para qualquer setor da economia.
Tendo todos esses aspectos como norte, o CESA vem contribuindo para conscien-
tização dos escritórios de advocacia, apoiando a implementação de políticas para pro-
mover a equidade de gênero. Dentre elas, cita-se a criação de grupo de liderança femini-
na e o Selo CESA de equidade de Gênero, que, além de premiar e promover a equidade de
gênero, se presta a conscientizar as sociedades de advogados sobre o tema.
Outro instrumento importante é o programa de mentoria capitaneado pelo CESA,
no qual as profissionais mais experientes, integrantes das sociedades associadas, dis-
129
ponibilizam seu tempo para mentorar advogadas mais jovens, visando fomentar novas
lideranças.
Diante de um sistema inegavelmente construído para promover lideranças mascu-
linas, levar mulheres ao topo das organizações exige um esforço conjunto da sociedade –
empresas, organizações, governo, dos homens e, também, das mulheres –, identificando
desafios e compartilhando experiências que ressaltam a figura feminina em postos de
comando.
As mulheres sempre foram – e continuam – altamente ambiciosas, assim como
Myrthes, e são igualmente comprometidas com suas carreiras como os homens. A única
distinção é que as mulheres são contratadas pelo que fizeram e, dentro da estrutura pos-
ta, os homens são contratados pelo que podem se tornar.
É, portanto, papel de entidades como CESA contribuir ativamente para mudarmos
esse quadro.

18   Disponível em < https://www.mckinsey.com/capabilities/people-and-organizational-performance/our-in-


sights/delivering-through-diversity/pt-BR> Acesso em 01.11.2023.
PENAL

O CESA diante da inovação no Direito e na Advocacia

Fernanda Haddad de Almeida Carneiro

Desde sua fundação, mais de 40 anos atrás, o CESA sempre esteve atento às ques-
tões dinâmicas que envolvem o Direito, como ciência em constante desenvolvimento e
prática de alta relevância social, e as sociedades de advogados.
Em função deste papel de protagonismo assumido, o CESA sempre participou e se-
gue participando ativamente dos mais importantes capítulos da advocacia nacional, em
suas mais diversas áreas de atuação, cada uma com a sua importância que lhe é peculiar.
Ao se debruçar sobre o futuro da nossa profissão, o CESA continuamente aponta
tendências, identifica desafios, promove discussões e apresenta propostas capazes de
gerar resultados efetivos e relevantes para impulsionar o Direito e a advocacia a trilhar
os melhores caminhos, o que colabora para a construção de uma sociedade mais justa.
131
Desde o início da revolução tecnológica, que trouxe profundas mudanças na forma
em que vivemos, trabalhamos e nos relacionamos nos diferentes aspectos de nossas vi-
das, o CESA vem debatendo com afinco o impacto da inteligência artificial na Advocacia
– vale lembrar o anuário temático publicado em 2017, inteiramente dedicado às novas
tecnologias e sua relação com o exercício do Direito.
Como tudo relacionado à inovação, desde então muita coisa já mudou. Naquela
época, dávamos os primeiros passos na digitalização de processos, peticionamento ele-
trônico e intimação das partes em aparelhos celulares. Ainda engatinhavam os softwa-
res de aplicação ao meio jurídico, os chamados “advogados virtuais” – que conseguiam
analisar milhares de documentos em frações de segundos, postular hipóteses quando
questionado, pesquisar e gerar respostas com referências e citações, fundamento suas
conclusões.
Foram lançados diversos sistemas informáticos que se destinam a otimizar as ta-
refas de advogados e advogadas no seu cotidiano profissional, tirando dos departamen-
tos jurídicos empresariais e dos setores operacionais dos escritórios as funções mais
burocráticas e manuais, como o próprio acompanhamento de processos, a elaboração de
relatórios, a pesquisa e o mapeamento de dados, dentre outras.
No final de 2022, houve um enorme salto com o lançamento do ChatGPT – um
modelo de linguagem de última geração, treinado por inteligência artificial, que fornece
respostas muito mais complexas, ainda que com uma linguagem fluída e natural, seme-
lhante à humana.
Atingindo a marca de um milhão de usuários em apenas uma semana de lança-
mento, em pouco tempo estava sendo utilizada pelos mais diversos agentes do Poder
Judiciário. Em janeiro de 2023, um juiz da Colômbia incluiu comentários elaborados por
ChatGPT em uma sentença, gerando enorme debate sobre as controvérsias da utilização
da inteligência artificial para automatizar o Direito e todas as suas nuances.
Surgiram questões como: um robô pode ter a sensibilidade de definir o que é jus-
to em casos concretos? A tecnologia, por si só, pode alcançar aquele tato sensível para
definir estratégias diferentes em cada caso? Poderia, até mesmo, suprir a necessidade da
relação interpessoal no campo jurídico, em que é tão cara a boa oratória e comunicação?
Sobre a possibilidade de “robôs juízes” servirem à Magistratura, o Ministro Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, já chegou a afirmar o seguinte: “no atual
estágio da condição humana e da condição tecnológica, o juiz vai ser inevitável. Agora, se
vier uma boa minuta pelo ChatGPT e você puder apenas revisá-la, essa é uma possibilidade
132
que eu não descartaria”, o que foi publicado na Revista Migalhas em 2 de maio de 20231
e intensificou a polêmica.
Uma boa peça pode ser escrita pelo ChatGPT e similares? Possivelmente, mas isso
basta? Há inúmeras outras controvérsias e o assunto segue e seguirá por muito tempo
em discussão.
Na Advocacia, por outro lado, assistentes jurídicos baseados em inteligência arti-
ficial são amplamente utilizados, prometendo ganhos de produtividade de até 90%. Os
robôs analisam processos, localizam precedentes legais relevantes e elaboram as peti-
ções necessárias.
A antiga pergunta, então, voltou à baila. Seria o ChatGPT e outras tecnologias
congêneres – que não sofrem nossa limitação de processamento e armazenamento de
informações – capazes de substituir o Advogado?
A resposta – se é que ela existe – inquieta, por um lado, e acalma, por outro.
Pode-se considerar que o Advogado que se limita a realizar tarefas repetitivas e

1 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/385725/para-ministros-chatgpt-pode-ser-valioso-


-para-a-justica.
burocráticas, que envolvem a compilação de informações/dados e podem ser realizadas
de forma completamente automatizada, ou a elaboração de petições no esquema “recor-
ta e cola”, serão – se é que já não o foram – substituídos.
Por outro lado, as chamadas “soft skills” (habilidades subjetivas inerentes a uma
pessoa) passam a ser ainda mais valorizadas: na medida em que as máquinas nos oti-
mizam o tempo, a abordagem personalizada, a capacidade crítica de discernimento e
análise do imponderável, o trato e a empatia com o cliente serão indispensáveis para que
o Advogado realmente insubstituível permaneça na ativa.
É isso o que se tem percebido e pesquisado, por exemplo, no inovador campo do
“Legal Operations” (operações jurídicas), que tem dominado intensamente o debate so-
bre otimização de atividades jurídicas nos departamentos jurídicos de grandes empresas.
A Legal Operations, ou Legal Ops, pode ser definida como o conjunto de processos,
negócios, atividades e profissionais que possibilitam aumento de eficiência na prática
jurídica, conforme conceituação trazida pela Corporate Legal Operations Consortium
(CLOC), comunidade internacional que possui um correspondente nacional, a Comuni-
dade Legal Operations do Brasil (CLOB)2.
Fala-se muito, sob essa ótica, sobre a verificação de uma revolução no Direito, ten-
133
do como elementos chave a inovação, a otimização e a eficiência, conforme apresentado
no recente livro “Legal Operations, como começar: um guia com insights e dicas práticas
para suas operações legais” (Saraivajur, 2023), que conta com prefácio enriquecedor de
Mary O’Carroll, importante figura do Direito nos EUA, que já foi presidente da CLOC e
foi diretora de Operações Jurídicas do Google por 13 anos.
Nesse cenário, o Legal Operations pode servir como uma “porta de entrada para
a inovação”3 e auxiliar na resolução e superação de dilemas e até mesmo medos que a
Advocacia vem enfrentando na atualidade.
A inovação não veio para substituir, mas para ajudar os advogados e as advogadas.
Mas é preciso saber utilizá-la com inteligência, a serviço da prática jurídica, não como
uma muleta, mas como um elemento de otimização.
Devemos pensar o Direito como um setor da economia, na área da prestação de

2 Disponível em: https://cloc.org/what-is-lal-ops/.

3 Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legal-ops-uma-porta-de-entrada-para-a-


-inovacao-27072023.
serviços, o qual deve se adequar às mudanças “industriais” e alcançar cada vez mais
eficiência.
Portanto, o desafio foi lançado, e o CESA, como sempre, será essencial para abor-
dar as adaptações que serão necessárias para atravessar a enorme transformação que se
avizinha com sabedoria.

134
SOCIETÁRIO

Panorama Geral do Papel do CESA e das Recentes Alterações do Direito


Societário no Futuro da Advocacia

André Maruch1

Centrado em seu papel de fomentar o debate contínuo e atual dos temas funda-
mentais ao aprimoramento da prática jurídica, o Comitê Societário do CESA tem tido a
oportunidade e o privilégio de, ao longo do tempo, servir como foro para a apresentação
e discussão, por brilhantes profissionais integrantes dos mais renomados e vanguardis-
tas escritórios de advocacia, dos assuntos mais relevantes e úteis à prática societária.
Neste cenário, nós advogados temos nos deparado, nos negócios e disputas que
surgem, com assuntos que demandam o entendimento e o acompanhamento próximo
de segmentos de mercado que têm seu próprio racional de funcionamento. As exigên-
cias, ao não se restringirem aos institutos tradicionais do direito societário e às práticas
135
usuais de fusões e aquisições, espraiam-se para endereçar novas estruturas, novos racio-
nais e novos vieses, na velocidade do ambiente de negócios.
Em função da dinamicidade e flexibilidade ínsitas à indústria de Private Equity e
Venture Capital – sujeita agora ao Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/21)
e futuramente ao Marco Legal do Stock Option, ainda em discussão legislativa ao tempo
deste texto –, questões jurídicas específicas têm constantemente surgido e demandado
a atenção dos operadores do direito. O crescente volume de negócios do setor, que alia
o espírito empreendedor de executivos predominantemente jovens, debruçados sobre
demandas emergentes e soluções tecnológicas, ao apetite e interesse de investidores de
variados matizes, tem perenizado o surgimento de operações desta natureza e robuste-
cido a discussão de questões costumeiramente envolvidas neste tipo de negócio.
Assim, passam a ser enfrentadas discussões envolvendo o ingresso de investidores
no cap table, tais como as condições para conversão do crédito em capital, a formatação
das sucessivas rodadas de investimento, os direitos garantidos ao investidor em função
de seu perfil e do aporte, o alinhamento deste ingresso perante os fundadores e demais

1 Associado sênior do KLA Advogados.


investidores, os eventos de liquidez que permitem o upside, as proteções contra diluição,
as opções de saída do negócio, e as características da posição reflexa em estrutura no
exterior quando do eventual flip.
Nesta esteira, tem-se vislumbrado ainda uma participação material de fundos de
investimento, especialmente em participações (FIP), como veículos de alocação e gestão
de recursos em empresas. Com a mudança positiva trazida pela Lei de Liberdade Econô-
mica (Lei 13.874/19) sobre o racional de várias premissas relevantes – como a respeito
de sua tipificação como condomínio de natureza especial, a limitação da responsabili-
dade de cada investidor ao valor de suas cotas, a admissão de classes de cotas com direi-
tos e obrigações distintos com patrimônio segregado, e a limitação da responsabilidade
dos prestadores de serviços sem solidariedade –, em combinação com o novo arcabouço
representado pela Resolução CVM 175/22 e regulamentação correlata, é esperado que,
com o incremento da segurança jurídica e a previsibilidade de exposição dos investido-
res, os fundos sejam manejados ainda mais intensamente que antes, suscitando novas
e diferentes discussões, com enfoque especial nos regulamentos e acordos regulando os
direitos e privilégios de cada classe de cotistas e na exposição dos gestores e adminis-
tradores.
136
Já no âmbito das auditorias jurídicas em sede de aquisições e combinações de ne-
gócios, a sofisticação das demais áreas do direito tornam mais abrangentes e multidisci-
plinares as análises de exposição de empresas-alvo. Questões envolvendo o tratamento
adequado de dados pessoais – diante especialmente da potencialidade de danos por va-
zamentos e violações em face dos titulares de dados e da atuação mais ativa da ANPD –,
a efetiva adoção de políticas anticorrupção, a estruturação e implementação de práticas
de controle de riscos e ética empresarial, a higidez reputacional dos parceiros comer-
ciais, e ao cabo a persecução de boas práticas de governança e transparência, passam a
representar aspectos importantes na avaliação dos negócios e suas contingências.
Sem prejuízo, aspectos tradicionais do direito societário tampouco passam incólu-
mes à inovação e também demandam discussão sob novos vieses.
A título de exemplo, (i) a substancial redução do quórum de alteração de contratos
sociais para maioria do capital social por força do art. 2º da Lei 14.451/22, (ii) a autori-
zação para criação de quotas preferenciais a partir de sua admissão pelo DREI por sua
IN 80/20, (iii) a possibilidade de constituição por um único sócio como autorizado pela
Lei de Liberdade Econômica, e (iv) a tão esperada dispensa da publicação de demons-
trações financeiras por sociedades de grande porte, em linha com o Ofício Circular DREI
4742/22, são algumas inovações que têm o potencial de forçar novas discussões sobre a
estruturação de sociedades limitadas.
Em paralelo, está ainda a ser explorada em estatutos sociais e acordos de acio-
nistas a figura do voto plural trazida pela Lei 14.195/21, com tratamento conferido aos
artigos 16, IV, 16-A e 110-A da Lei 6.404/76, que, caso efetivamente adotada, deverá
suscitar aprofundamentos interessantes. Por outro lado, já se tornou realidade e tem
progredido satisfatoriamente a digitalização das assembleias (Lei 14.030/20, arts. 9º e
10; Lei 14.382/22, art. 14; LSA, art. 121, p. único, art. 124, p. 2º-A; Resolução CVM 81/22;
CC, arts. 48-A e 1.080-A) e dos livros sociais (Lei 14.195/21, art. 5º; LSA, art. 100, 3º; INs
DREI 82/21 e 79/22; LC 182/21; LSA, art. 294, IV). Por oportuno, não se pode descurar
da reavaliação do padrão legal de atuação dos administradores, cujos deveres fiduciários
aprofundam-se mediante a sofisticação do nível informacional e das políticas de ética
empresarial (compliance), exigindo-se padrões de informação, conduta e vigilância em
níveis mais elevados que outrora, com correspondentes impactos na adequada abor-
dagem de questões reputacionais sensíveis e na formalização de determinadas ações e
decisões para proteção das empresas e dos próprios executivos.
O CESA, como foro catalizador dessas discussões, deve permanecer atento para,
137
por meio de seu Comitê Societário, continuar a fomentar as discussões sobre estes e
vários outros assuntos relacionados ao direito dos negócios com o propósito de contri-
buir com a instigação e o compartilhamento de problemas e de soluções necessários ao
desenvolvimento da advocacia empresarial.
TRIBUTÁRIO

O Contencioso Tributário Brasileiro do Diagnóstico à Reforma do Sistema


Processual: Relações Institucionais Tributárias e Compliance

Valter de Souza Lobato1


Daniella Zagari Gonçalves2
Douglas Mota3
Priscila Faricelli4

1. INTRODUÇÃO

O contencioso tributário brasileiro (judicial e administrativo), segundo os dados


mais recentes do Insper5, alcança o aterrorizante importe de 5,44 trilhões de reais. Tra-
ta-se de situação sem paralelo em nações minimamente competitivas. Por consequên-
cia lógica, níveis elevados de contencioso tributário são sintomáticos de insegurança
139
jurídica e, ao mesmo tempo, ajudam a agravá-la. O presente artigo visa – mais uma vez
– clamar para que nos voltemos à necessária reforma do processo administrativo e judi-
cial tributário, pois esta reforma – ainda que infraconstitucional – pode trazer efetivos
ganhos na relação jurídico-tributário, bem como no cenário de maior segurança para
investimentos no país. Partiremos, portanto, dos pontos essenciais apontados nos diag-

1 SCMD Consultores e Advogados.

2 Machado, Meyer, Sendacz e Opice – Advogados.

3 Demarest Advogados – Almeida Rotenberg e Boscoli Sociedade de Advogados.

4 Demarest Advogados – Almeida Rotenberg e Boscoli Sociedade de Advogados.

5 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Contencioso tributário no Brasil: Relatório 2020 – Ano de Referência
2019. Brasília: CNJ, 2020.
nósticos do (I) BID/RFB6 e do (II) INSPER/CNJ7, apresentando propostas que possam
subsidiar os debates em torno de uma reforma eficaz do sistema.

2. DOS DIAGNÓSTICOS DO CONTENCIOSO: DADOS E GATILHOS

O “Diagnóstico do contencioso tributário administrativo: relatório final de


pesquisa”8 é, muito provavelmente, a pesquisa mais completa e atualizada sobre o con-
tencioso administrativo fiscal brasileiro de que se tem notícia. Em síntese, buscou-se
verificar a efetividade do processo administrativo tributário no Brasil e analisar a ar-
quitetura e funcionamento do contencioso administrativo tributário nos três níveis de
governo.
Em se tratando dos meios alternativos de resolução de conflitos, o estudo centra-
-se em analisar os impactos das transações administrativas (instituídas pela Lei Federal
n.º 13.988/2020), embora teça considerações sobre os demais métodos. Neste ponto,
cuida-se de avaliar as referências e métricas da PGFN e RFB, pelo que se demonstra que,
desde a regulamentação da transação em âmbito federal, foram deferidas transações para
cerca de R$221 bilhões de créditos inscritos em dívida ativa da União (tributários e não tri-
140
butários). De lá para cá tivemos apenas crescimento nas transações e já estamos numa
nova fase: discutir as fórmulas matemáticas da CAPAG (capacidade de pagamento), bem
como qual seria o espaço discricionário da Fazenda Pública para transacionar. Mas – é
fato – o instituto apenas evolui.
Talvez mais relevante para o escopo deste ensaio é destacar os aportes que a pes-
quisa traz para analisar o cenário de conformidade tributária no âmbito administrativo
mineiro, especialmente sob a perspectiva do compliance cooperativo. Na análise da for-
mação do contencioso administrativo, constatou-se que “o maior volume financeiro das
dívidas sem execução fiscal – valores inscritos na Dívida Ativa da União (DAU) e que não,
necessariamente, buscaram a via do contencioso tributário administrativo – é representado

6 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico do contencioso judicial tributário brasileiro: relatório
final de pesquisa. Brasília: CNJ, 2022.

7 BRASIL, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Diagnóstico do contencioso tributário administrativo:


relatório final de pesquisa, Brasília, 2022.

8 Idem.
pelo Simples (64,85%), seguido do IRPJ (9,37%) e da COFINS (8,58%).”9
Nesse sentido, acena para a necessidade de implementação de programas de Coo-
perative Compliance, especialmente voltados para as empresas do Simples Nacional, em
regra em menor condição de litigar e com menos estrutura contábil e tributária. Neste
ponto, também o aprimoramento das consultas fiscais serviria a um só tempo à redução
da litigiosidade, à melhor eficiência na defesa do erário e ao atendimento do manda-
mento constitucional do tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas. Mais
do que isso, voltando ao alerta inicial, tais procedimentos aproximam administração
fiscal dos contribuintes, restabelecendo a necessária confiança sistêmica, tao propagada
e festejada pela doutrina nacional.
De mais a mais, não é desarrazoado afirmar que as consultas fiscais podem ser, elas
próprias, instrumento de cooperative compliance. O compliance cooperativo é medida
de prevenção do litígio que beneficia tanto o contribuinte quanto o erário – e os re-
ceios quase dogmáticos que “rondam” a indisponibilidade do crédito tributário não tem
o condão de afastar a sua pertinência. É importante, entretanto, que as balizas gerais dos
programas estejam definidas em lei, de modo a homenagear a legalidade e segurança
jurídica e modular a isonomia no tratamento dos contribuintes.
141
Já no âmbito judicial, o “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasi-
leiro – 5ª Edição”10, produzido pelo INSPER, busca-se responder 74 (setenta e quatro)
perguntas, agrupadas em 12 (doze) hipóteses. Convém o destaque de alguns dados – so-
bejamente desassossegadores.
Constatou-se a baixa efetividade do instituto da penhora de bens nas execuções
fiscais, aclarando que apenas 0,5% das inscrições em dívida ativa da União está integral-
mente garantidas e, se considerado o valor exigido, apenas 12% do valor foi integralmente
garantido.
A análise qualitativa acerca da elaboração, interpretação e aplicação da legislação
tributária, traz também dados temerários aptos a gerar contencioso tributário desneces-
sário, inepto e em desperdício.

9 BRASIL, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Diagnóstico do contencioso tributário administrativo:


relatório final de pesquisa, Brasília, 2022, p. 97.

10 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico do contencioso judicial tributário brasileiro: relatório
final de pesquisa. Brasília: CNJ, 2022.
Em se insistindo nesta perspectiva de relações institucionais entre fisco e contri-
buinte, sobreleva consignar a notada ineficiência da administração tributária na preven-
ção de litígio e no contato cidadão com os contribuintes. É que a pesquisa identificou
número elevado (variável de tribunal a tribunal) de ações que indicam deficiências por
parte das administrações tributárias para solucionar administrativamente questões que não
envolvem diretamente o crédito tributário. Sob a ótica dos precedentes judiciais, o enqua-
dramento também preocupa: constatou-se que apenas nove estados possuem normas
que vinculam à administração tributária à precedentes judiciais.

3. DAS CONCLUSÕES

Sobre a necessidade de racionalização e simplificação do processo tributário


administrativo. Os dados alinhavados no diagnóstico do contencioso tributário admi-
nistrativo11 demonstram o desgaste inequívoco de nosso processo administrativo tri-
butário, sobretudo quando considerada a sua ineficiência em termos de morosidade. A
racionalização e simplificação do processo administrativo tributário devem partir da
correção de rumos dos gargalos identificados supra, por óbvio sem que isso signifique
142
qualquer retrocesso em direitos fundamentais já concretizados.
Trata-se tanto de reformar o processo administrativo tributário federal (Decre-
to nº 70.235), espelho dos processos administrativos subnacionais quanto de avaliar a
pertinência de inclusão/reforma de dispositivos de hierarquia complementar (no CTN).
Tem-se, por essencial, neste ponto, restaurar e solidificar a confiança sistêmica entre
fisco e contribuinte, desde a apuração fiscal, passando pelo lançamento e pelos julga-
mentos administrativos12.

11 BRASIL, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Diagnóstico do contencioso tributário administrativo:


relatório final de pesquisa, Brasília, 2022.

12 Em boa hora, por exemplo, viria inspiração do legislador para a regulamentação do parágrafo único do art.
116 do CTN, nos moldes determinados pelo STF na ADI nº 2.446/DF. Cf. LOBATO, Valter de Souza; FONSECA,
Pedro Henrique Esteves. A ADI nº 2.446/DF: impactos potenciais no processo administrativo tributário e
na norma geral antielisiva mineiros. In: FEITAL, Thiago Alvares; PAIXÂO, Luciana Mundim de Mattos; DINIZ,
Erika Morreale. (Org.). Direito e indústria: contribuições ao I Congresso de Direito Empresarial da FIEMG.
1 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022, v., p. 101-116.
Alguns caminhos sugeridos podem ser facilmente perseguidos (sem risco de exau-
rir): (I) racionalização do escopo e obrigatoriedade dos recursos voluntários, considera-
da a baixa taxa de reversão das decisões por este meio; (II) aprimoramento do contato
fisco-contribuinte pré-lançamento tributário; (III) avanço no sistema de precedentes
administrativos, considerando a viabilidade de processamento de recursos repetitivos
administrativos, nos moldes do CPC; (IV) aprimoramento do processamento de recur-
sos em rito sumário e ordinário consignando o valor dos créditos em discussão; e (V)
admissão de instrução probatória para além da fase da impugnação.
Quanto à necessidade de racionalização do processo judicial tributário. Ora,
essa racionalização passa necessariamente por atualização legislativa da Lei de Exe-
cuções Fiscais (LEF – Lei Federal nº 6.830/80), especificamente para aprimorar o feito
executivo fiscal – que hoje padece de total ineficiência como demonstrado no relatório
do INSPER.
Assim, dentre as propostas, destacam-se (também sem exaurimento): (I) criação e
ampliação de varas especializadas para julgar unicamente feitos tributários; (II) avalia-
ção da possibilidade admissão de embargos à execução fiscal independente de garantia;
(III) limitação da liquidação de garantias somente após o trânsito em julgado; (IV) per-
143
missão da compensação tributária em sede de embargos executivos; (V) obrigatoriedade
de que o crédito tributário constituído seja encaminhado para inscrição em dívida ativa,
pelo órgão competente, em prazo determinado; (VI) obrigatoriedade de que a Fazenda
priorize o uso de métodos de autocomposição e consensualidade, sob pena de indefe-
rimento da inicial; e (VII) dispensa de ajuizar o feito executivo quando o crédito tiver
fundado em matéria decidida pelos tribunais superiores no rito repetitivo ou de controle
de constitucionalidade;
Quanto à necessidade de reforço do sistema de precedentes tributários. Pela
via judicial, faz-se imperiosa a investigação das razões pelas quais o processamento e
julgamento definitivo de temas repetitivos pelos tribunais superiores não têm espelha-
do a redução dos acervos dos processos sobrestados nos tribunais de segunda instância
– em que pese ser este o objetivo lógico almejado13.
Pela via administrativa, o problema é de fácil solução, tamanha a irracionalida-
de do arranjo atual. Conforme se sabe, no âmbito do CARF, as decisões definitivas de

13 BECHO, Renato Lopes. A aplicação dos precedentes judiciais como caminho para a redução dos processos
tributários; Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 71, p. 499-530, 2017.
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
em matéria infraconstitucional na sistemática de repetitivos são obrigatoriamente re-
produzidas pelos conselheiros (artigo 62, § 2º, do Anexo II do Regimento Interno do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Portaria 343/2015 e alterações). No âm-
bito estadual, afigura-se imperativo o acréscimo de dispositivo ao CTN para determinar
vinculação semelhante.
Quanto à necessidade de prestígio da consensualidade tributária na resolução
de conflitos. Ao lado da transação, deve estar a arbitragem e mediação – que podem e
devem estar inseridas na competência legislativa complementar e geral do legislador
federal, de modo a balizar o sistema a nível nacional e evitar que “a emenda torne o so-
neto ainda mais complexo”. Ainda, ao lado dos institutos referidos, as consultas fiscais
também se inserem no contexto de construção de uma consensualidade tributária.
Por conseguinte, entendemos que o legislador complementar pode reformar o
CTN para (I) determinar que a administração priorize método preventivos para pos-
sibilitar a autorregularização do contribuinte, com eventual redução de penalidades;
(II) determinar que os entes instituam e regulamentem os institutos da consulta fiscal,
programas de conformidade tributária, audiências dialogais, mediação, transação e ar-
144
bitragem; (III) balizar normas gerais para a padronização dos mecanismos de consulta
fiscal, versando sobre a possibilidade de recurso e necessidade motivação e publiciza-
ção ampla das respostas; (IV) estabelecer efeitos erga omnes das consultas fiscais para
contribuintes situação fática e jurídica idêntica à do consulente, (V) indicar a sentença
arbitral como causa extintiva do crédito tributário; (VI) estabelecer normas gerais para
a transação, mediação e arbitragem tributária.
Por fim, sobre a necessidade de prestígio dos mecanismos de compliance nas
relações institucionais tributárias. A partir da adoção de mecanismos que animem a
consensualidade tributária, inaugura-se vertente na prática tributária que extrapola o
contencioso clássico – até então formatado em processo rígido de heterocomposição.
A possibilidade de autocomposição diretamente com o fisco, antes e depois da consti-
tuição do crédito e da conformação do conflito tributário, significa a possibilidade de
influenciar a autoridade administrativa (nos termos da lei) a adotar determinada inter-
pretação ou expediente. Se instituído um paradigma em que as consultas fiscais deixam
de ser meras respostas protocolares da autoridade fiscal e passam a servir de mecanismo
cooperativo e dialogado na construção de aplicação e interpretação das normas, estamos
a tratar de campo autônomo a ser estudado: o das relações institucionais tributárias.
SECCIONAIS
BAHIA

Advogado – Será que você está Preparado para o Futuro

Paula Pereira Pires1

O futuro está aí, batendo na porta e os advogados precisam estar preparados para
ele, sejam de que especialidade forem, porque tanto os advogados serão atingidos quan-
to todas as sociedades de advogados.
É que o avanço da tecnologia, a IA inteligência artificial, a globalização, os equi-
pamentos tecnológicos cada vez mais poderosos, as novas formas de comunicação do
mundo contemporâneo, incluindo nesse campo as redes sociais, WhatsApp, Twitter, Te-
legram, Instagram, Facebook; a inclusão social, o respeito a diversidade, estão transfor-
mando o mundo jurídico, que tem o dever de adaptar-se sob pena de se descontinuar, de
se tornar ineficaz e não existir.
Não é mais uma previsão. É uma realidade que está modificando o mundo numa
147
velocidade absurda.
A tecnologia está impactando diretamente as mudanças que estão vindo e os ad-
vogados que estiverem antenados com essas novas tecnologias sairão na frente e terão
uma maior força na competição agressiva desse mercado jurídico.
É verdade que essa revolução tecnológica irá transformar a forma de como nos
relacionamos, vivemos, trabalhamos, objetivando o equilíbrio entre as relações.
Acredita-se que tudo isso veio para somar, para que o futuro da advocacia evolua
de maneira positiva, podendo ser uma forma de aprimorar a prática jurídica.
Acontece que muito se tem perguntado se os advogados serão substituídos pela
inteligência artificial. Dificilmente isso irá ocorrer. A inteligência artificial tem um mo-
delo de linguagem que não foi projetado para substituir os humanos. A IA não tem como
fornecer consultorias jurídicas, pode sim responder perguntas; não tem como participar
de sustentações nos Tribunais, audiências, nem garantir a aplicação das leis, tarefas que

1 PIRES, Paula Pereira. Mestra em Direito das Relações Socias e Trabalhistas pelo Centro Universitário do
Distrito Federal – UDF. Pós Graduada em Processo Civil, Direito do Trabalho e Metodologia de Ensino pela
UFBA. Presidente do CESA de 2022 a 2024. Advogada Trabalhista.
apenas o advogado qualificado pode realizar, entre tantas outras.
A IA pode auxiliar os advogados em algumas tarefas mas, nunca substitui-los. O
advogado pode, se beneficiar com o uso da tecnologia porque minimiza as ações repeti-
tivas; classifica publicações, atua na análise de resultados, prevê resultado de casos com
probabilidade de perdas e ganhos, elabora peças judiciais, faz pesquisas, roteiros de per-
guntas para as partes e testemunhas, e várias outras solicitações são atendidas pela IA.
A presença física do advogado nunca vai deixar de existir.
Esse medo não se deve ter!
É bem verdade que a Inteligência Artificial deve ser usada de maneira segura, den-
tro da ética e dos princípios legais.
Sabe-se que a IA veio à tona pelo ChatGPT em novembro de 2022, através da cria-
ção automática de conteúdo mas, antes disso havia a Alexa que é um dispositivo inteli-
gente com muitas habilidades, o Victor utilizado pelo STF que busca reduzir a quantida-
de de processos aguardando julgamento, a análise de precedentes que é feita com base
na IA – jurimetria, entre outros. Nota-se que a IA realmente ajuda e muito o andamento
do Judiciário de uma forma geral e das pessoas em particular.
Repita-se, a IA deve ser usada dentro da ética e do direito. Hoje já é possível si-
148
mular a voz de uma pessoa pela IA; processar a imagem de uma pessoa, falecida ou não,
pela inteligência, e muitas vezes, dessa forma, surgem os golpes, que cada dia mais estão
assumindo uma perfeição tão grande que dificilmente um ser humano não cai neles e
se prejudica. Esse é um ponto que precisa ser melhorado, não para temer a inteligência
artificial mas sim a burrice ou esperteza humana.
As novas tecnologias vieram para ficar.
Os advogados ou escritórios que as utilizarem irão reduzir custos e ter resultados
mais favoráveis. Se resistirem a elas, possivelmente, irão perder clientes, dificuldades
em mantê-los e atraí-los.
Isso tudo terá um custo porque vai exigir treinamento, além de exigir que seja
escolhida com cuidado a ferramenta certa para a utilização do que o advogado precisa.
É inevitável.
Nos últimos anos as gerações tem se encantado com os avanços tecnológicos e vi-
vido experiências que nunca imaginaram. As novas gerações já se acostumaram com es-
ses avanços e não sabem viver sem eles. Muitas preocupações em relação a essas tecno-
logias ainda estão por vir e são de difícil avaliação. Vão mexer no mercado de trabalho,
vão acabar algumas profissões mas, farão surgir outras, impactar no sistema educacional
e mexer no emocional de muitos.
Não podemos nos furtar a essa evolução. É arregaçar as mangas e seguir em frente.

Referências Bibliográficas

MANNRICH, Nelson. O Futuro do Direito do Trabalho, no Brasil e no Mundo. Revista LTr.


81-11/287.
RIBEIRO, Viviane Lícia. O Futuro do Direito do Trabalho – Modernização ou Precarização?
LTr Suplemento Trabalhista 066/19.
ALMEIDA, Rafaela Benta de, MELO Raimundo Simão de. Cyberbullying, A Liberdade de Mani-
festação dos Trabalhadores nas Redes Sociais e seus Impactos no Contrato de Trabalho.
Direitos Sociais Contemporâneos, 1ª edição, Brasília, DF, UDF 2021.

149
DISTRITO FEDERAL

Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA

Antonio Carlos Guimarães Gonçalves1

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (“CESA”) é entidade que repre-


senta sociedades de advogados no Brasil. Fundado em 1983, o CESA possui 16 (dezes-
seis) Seccionais e Comitês Temáticos especializados, distribuídos em todas as regiões do
País, reunindo mais de 1.200 (mil e duzentas) sociedades de advogados dos mais varia-
dos portes, comprometidas com a ética, a excelência técnica e que prezam pelo espírito
colaborativo.
Em sua história, o CESA se consolidou como entidade preocupada com as pessoas,
inclusiva, moderna e atuante, antecipando mudanças e provocando discussões que re-
sultam em iniciativas de transformação da sociedade.
Neste ano de 2023, o CESA completou 40 (quarenta) anos da sua fundação. O ani-
151
versário foi celebrado em um Congresso belíssimo (o segundo, empreendido ela entida-
de), realizado em Brasília em 25.09.2023 e 26.09.2023 no Instituto Brasileiro de Ensino,
Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Foram apresentados 11 (onze) painéis no total, que
abordaram temas significantes para a advocacia e para as sociedades de advogados. Des-
ses painéis participaram advogados com extensos track records notadamente na prática
empresarial, representantes de associações de classe, professores integrantes de reno-
madas instituições de ensino do Brasil, Ministros dos Tribunais Superiores e um público
diversificado, inclusive de jovens estudantes.
Fomos brindados por aula magna de abertura apresentada pelo Ministro Gilmar
Mendes e por conferência de encerramento capitaneada pelo Ministro Luis Roberto Bar-
roso, à véspera da sua posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal. Também

1 Presidente da Seccional do Centro de Estudos dos Advogados (CESA) no Distrito Federal. Sócio em Gon-
çalves, Arruda & Gonçalves – Sociedade de Advogados (GABS), com 26 anos de experiência nas práticas
de corporate tax, regulatory e civil litigation – ênfase em Tribunais Superiores e em matérias deliberadas,
em Brasília, nas 03 (três) esferas da Federação. Ex-Consultor da Rádio Justiça (administrada pelo Supremo
Tribunal Federal – STF).
tivemos a honra de pela primeira vez reunir todos os Ex-Presidentes do CESA em um
momento memorável em que foi possível a transmissão ao elevado público integrante
do auditório dos princípios cultivados ao longo de anos que criaram uma árvore com raí-
zes vigorosas e que tem totais condições de render bons e contínuos frutos não só para
o CESA, mas para a própria advocacia e para a sociedade civil.
E quais as propostas que podem e devem ser adotadas para o futuro do CESA e da
advocacia? Dúvidas não existem de que os avanços das plataformas tecnológicas e da
inteligência artificial devem ser aproveitados, por propiciarem a modernização, a orga-
nização e o foco das entidades, com a célere propagação (também chamada de impulsio-
namento) e a coleta de dados atrelados a conteúdos jurídicos que se interconectam e que
são de interesse dos operadores do direito e da coletividade, os quais são amplamente
debatidos nos Comitês Temáticos, nas Seccionais do CESA e nas Seccionais da OAB.
Apesar de o emprego da internet chegar a ser intuitivo e mandatório, por inques-
tionavelmente influenciar as relações humanas, principalmente no que se refere à co-
municação, vale recordar que esse fenômeno já foi gestado há bastante tempo, ainda
que de maneira precária, com a invenção, em 1892, do telefone fixo e posteriormente
das videoconferências.
152
O desafio a vencer aqui para a exitosa perpetuação das entidades em apreço reside,
a nosso ver, em conciliar a impessoalidade e o certo distanciamento que permeiam o
universo computacional com o contato humano que propicia uma atmosfera que garan-
te a presença física dos emissores e dos receptores das ideias trocadas relativamente aos
temas no campo do direito que são estudados.
O networking, por exemplo, no ambiente eletrônico, pode ser prejudicado pela fal-
ta de privacidade, por não permitir as trocas de ideias mais sinceras, o engajamento,
os feedbacks e a completa noção do comportamento social de parceiros que podem ser
agregados aos serviços advocatícios de alto nível prestados a clientes.
O que se quer dizer com isso é que, não obstante as plataformas tecnológicas e a
inteligência artificial facilitem o dia a dia dos operadores do direito, inclusive a custos
menores, quer nos parecer que o sucesso para um horizonte ainda mais vigoroso para o
CESA e para a advocacia reside na cautela em não tirar do horizonte a tradição da cele-
bração periódica de reuniões pessoais, espalhadas pelo Brasil (que é um País de grande
dimensão), com coffee breaks e coquetéis que facilitam a descontração e criam sinergias
imprescindíveis para o bom desenvolvimento de negócios.
Afinal de contas, foi assim que o CESA surgiu em uma reunião presencial realizada
com sócios das maiores e mais prestigiadas sociedades de advocacia no Brasil e enten-
demos que essa é a missão, a visão e os valores que, evidentemente aliados à progressão
da tecnologia e ao envolvimento do público jovem, não podem ser perdidos para a per-
petuação da instituição.

153
ESPÍRITO SANTO

Inovação Tecnológica na Advocacia Moderna: CESA 40 anos

Giulio Cesare Imbroisi1


Francisco Antônio Cardoso Ferreira2

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo geral analisar a relevância da inovação tec-
nológica na advocacia 4.0 e sua relação com a visão do CESA em ser uma instituição
referência na apresentação das sociedades de advogados, reconhecida por sua credibi-
lidade, excelência técnica e vanguarda na discussão de temas que moldarão o futuro do
Direito e da sociedade. Justifica-se a realização dessa pesquisa diante da necessidade de
compreender as mudanças trazidas pela inovação tecnológica no campo jurídico, bem
como seus impactos nos profissionais da área e no acesso à justiça. Além disso, o estudo
155
busca contribuir para o debate sobre a ética na tecnologia e na advocacia, promovendo
uma reflexão sobre os dilemas éticos que emergem nesse contexto. Em relação à meto-
dologia adotada como instrumento de análise e síntese do estudo, utilizou-se a pesqui-
sa bibliográfica, com consulta a revistas, livros, textos, artigos, e teses entre outros, o que
permitirá traçar o referencial teórico relacionado ao tema em questão. As conclusões
mostraram que para o CESA, que muito embora o uso da IA no judiciário seja promissor,
é importante analisar questões relacionadas a essa tecnologia antes de virtualizar todas
as atividades judiciais. Os desenvolvedores enfrentam desafios em compreender total-
mente as etapas de processamento dos sistemas de IA, devido à natureza dos algoritmos
de aprendizado de máquina, o que pode levar a comportamentos imprevisíveis.

Palavras chave: CESA. Inovação Tecnológica. Advocacia Moderna.

1 Membro do Conselho do Cesa Nacional.

2 Presidente Seccional do CESA-ES.


1. INTRODUÇÃO

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), fundado em 30 de ju-


nho de 1983, é uma associação sem fins lucrativos, estabelecida na capital do estado de
São Paulo, composta por sociedades de advogados registradas na Ordem dos Advogados
do Brasil conforme a Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, e tem sua duração por prazo inde-
terminado. Sua missão é liderar assuntos relevantes para as sociedades de advogados e
o Direito, produzindo conhecimento jurídico de alto impacto (CESA, 2023). Para alcan-
çar esse objetivo, a inovação tecnológica é considerada uma parte fundamental de seu
progresso.
A inovação tecnológica desempenha um papel cada vez mais crucial na advocacia
contemporânea, especialmente na era da Advocacia 4.0. Com o avanço rápido da tec-
nologia e a chegada da Quarta Revolução Industrial, o setor jurídico também passa por
mudanças significativas. Nesse contexto, a inteligência artificial tem se destacado como
uma ferramenta poderosa para impulsionar a eficiência, agilidade e tomada de decisões
embasadas no judiciário e nos escritórios de advocacia (SANTOS, CARNEIRO, 2023).
Diante da histórica demora na efetiva prestação jurisdicional, a transformação di-
156
gital no sistema judiciário surge como uma alternativa para otimizar os procedimentos e
agilizar a tramitação de milhares de processos. A utilização da inteligência artificial nos
tribunais e na advocacia 4.0 tem o potencial de reduzir prazos, aprimorar a precisão dos
julgamentos e ampliar o acesso à justiça.
Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo principal analisar a impor-
tância da inovação tecnológica na advocacia 4.0 e sua correlação com a visão do CESA
em ser uma instituição referencial na representação das sociedades de advogados, reco-
nhecida por sua credibilidade, excelência técnica e liderança na discussão de temas que
moldarão o futuro do Direito e da sociedade. Entre os objetivos específicos, destacam-
-se: investigar a aplicação da inteligência artificial no judiciário e nos escritórios de
advocacia; examinar a relevância da inovação tecnológica na advocacia moderna, em
sintonia com o CESA; analisar os benefícios e desafios da transformação digital no sis-
tema judiciário; e contemplar os aspectos éticos relacionados à tecnologia na advocacia.
A realização dessa pesquisa é justificada pela necessidade de compreender as
transformações proporcionadas pela inovação tecnológica no campo jurídico, bem como
seus impactos nos profissionais da área e no acesso à justiça. Além disso, o estudo visa
contribuir para o debate sobre a ética na tecnologia e na advocacia, promovendo uma
reflexão aprofundada sobre os dilemas éticos que surgem nesse contexto.
Quanto à metodologia adotada para análise e síntese do estudo, optou-se pela
pesquisa bibliográfica, envolvendo consulta a revistas, livros, textos, artigos, teses e ou-
tras fontes, o que permitirá a construção de um referencial teórico relacionado ao tema
abordado.

2. CESA: CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS

2.1. HISTÓRIA E FUNDAÇÃO

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) foi fundado com o in-
tuito de fomentar o progresso das sociedades de advogados no Brasil, servindo como
um espaço de diálogo e intercâmbio de ideias. Ao longo das últimas quatro décadas, o
CESA reuniu gestores de escritórios de todo o país em um esforço conjunto para discu-
tir assuntos de interesse comum, incluindo a regulamentação da profissão, modelos de
gestão, formação de sócios, questões fiscais e trabalhistas (CESA, 2023).
O propósito do CESA é estabelecer padrões que promovam o desempenho das ati-
157
vidades dos escritórios de advocacia em um ambiente de negócios cada vez mais dinâ-
mico e contemporâneo no Brasil. Durante sua trajetória, marcos significativos marcaram
sua história. Em 1983, no dia 30 de junho, as associadas de São Paulo se uniram para
criar o CESA.
Desde o início, colaborou estreitamente com a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) para regular o exercício da profissão nas sociedades de advogados. Essa colabora-
ção resultou na criação da Comissão das Sociedades de Advogados da OAB (CESA, 2023).
Em 1987, o CESA começou a expandir sua presença em organizações internacio-
nais, passando a fazer parte da International Bar Association (IBA), da qual é membro
do conselho atualmente. Posteriormente, também se tornou parte da American Bar As-
sociation (ABA), da Association Internationale des Jeunes Avocats (AIJA) e da Inter-
national Law Association (ILA). Em 1994, a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) foi
promulgada, incluindo um capítulo dedicado às sociedades de advogados. Esse texto
estabeleceu a figura do advogado associado, resolvendo um problema trabalhista das
sociedades. A redação desse capítulo foi discutida por membros do CESA que também
faziam parte da Comissão das Sociedades de Advogados da OAB-Seção São Paulo. No
ano seguinte, o CESA contribuiu de forma significativa para o novo Código de Ética e
Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (CESA, 2023).
Em 30 de novembro de 1999, o CESA aprovou seu novo Estatuto Social, prevendo
a criação de seções regionais em um ou mais estados da federação, a criação de uma
secretaria executiva permanente e a nomeação de comitês de estudos. A partir do ano
2000, o CESA passou a contribuir ativamente para a formulação do Provimento 91 da
OAB, que regulamenta a atuação do advogado estrangeiro no Brasil, e do Provimento 94,
que regula a publicidade e a propaganda na advocacia (CESA, 2023).
No ano de 2006, o CESA teve um papel importante na formulação do Provimento
112 da OAB, que, ao reconhecer e regular as sociedades de advogados, permitiu que elas
mantivessem o nome do escritório mesmo após a morte do sócio-titular.
Com base em discussões realizadas por suas associadas, o CESA contribuiu para a
redação do artigo 4° do Provimento 166/2015, oferecendo uma solução para a preocupa-
ção da OAB de que a advocacia pro bono se tornasse um instrumento de marketing ou
captação de clientes. Também atuou no âmbito legislativo para incluir as sociedades de
advocacia no rol das figuras jurídicas enquadradas no Simples Nacional, evitando assim
uma tributação excessiva, como parte de um projeto de lei proposto pelo Sebrae (CESA,
2023).
158
A Instituição atuou fortemente na criação do Provimento 170/2016, que regula-
menta as sociedades unipessoais de advocacia. Já em 2018, contribuiu para o Projeto de
Lei 1.202/2007, que busca regulamentar a prática do lobby no país.
Em 2019, o CESA esteve envolvido nas discussões que levaram o STF a declarar a
inconstitucionalidade de impedimentos à submissão de sociedades profissionais de ad-
vogados ao regime de tributação fixa ou per capita com bases anuais, conforme estabe-
lecido no DL 406/68 (recepcionado pela Constituição Federal da República de 1988 com
status de lei complementar nacional). Assim, o CESA apresentou propostas societárias e
trabalhistas para a elaboração do texto da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019),
que entrou em vigor em 20 de setembro, com o principal objetivo de reduzir a burocracia
nas atividades econômicas (CESA, 2023).
A partir de 2020, foi elaborado um plano em parceria com o Sinsa, contendo reco-
mendações às sociedades de advogados para a retomada das atividades pós-pandemia
de covid-19.
Durante suas quatro décadas de existência, o CESA se consolidou como uma ins-
tituição atenta às pessoas, inclusiva, moderna e proativa, antecipando mudanças e pro-
movendo discussões que resultam em iniciativas transformadoras na sociedade. A ex-
celência técnica de seus membros posiciona o CESA como uma instituição altamente
respeitada, capaz de fomentar debates de elevado nível técnico que geram resultados
eficazes.
O CESA possui uma visão inovadora, sempre atenta às transformações sociais. Por
isso, lidera debates sobre assuntos relacionados às sociedades de advogados, ao Direito e
à sociedade como um todo. É uma instituição moderna, inclusiva e plural que incentiva a
participação das sociedades de advogados em discussões relevantes no setor, que englo-
bam valores como diversidade, sustentabilidade e equidade (CESA, 2023).
Portanto, traz inovação à nossa maneira de conceber o Direito, na sinergia, união e
colaboração de nossos membros e em nossa habilidade de articular e influenciar o futuro
do Direito, como será explorado a seguir.

3. O DIREITO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

3.1. TECNOLOGIA JURÍDICA DA INTELIGÊNCIA ARTIFICAL E A CESA

A inovação tecnológica está transformando rapidamente a prática da advocacia,


159
dando origem ao que é conhecido como “Advocacia 4.0”. O CESA busca integrar a tec-
nologia para aprimorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos, oferecendo fer-
ramentas como inteligência artificial, automação de processos, análise de dados, arma-
zenamento em nuvem, jurimetria e escritórios virtuais (CAVALCANTE, CAVALCANTE,
2023).
Essas inovações permitem que os advogados atuem de forma mais ágil e precisa,
além de facilitar a gestão eficiente de informações e documentos específicos. Adicio-
nalmente, a tecnologia está revolucionando a maneira como os serviços jurídicos são
oferecidos aos clientes, incluindo serviços online e atendimento virtual (VALE, 2023).
No entanto, na implementação da tecnologia na advocacia, o CESA enfrenta de-
safios como a necessidade de capacitar os advogados, garantir a proteção de dados e
privacidade, e equilibrar o uso da tecnologia com ética e normas legais.
Conforme Ronaldo Lemos (2019, p. 139) destaca em seu livro “Direito e Tecnolo-
gia”, ao abordar a definição de tecnologia e os desafios éticos aplicados aos negócios:
“Um dos principais desafios éticos ao utilizar a inteligência artificial no Direito é ga-
rantir a proteção dos dados. Dado que o trabalho é baseado na análise de informações
coletadas, é crucial que os dados sejam confiáveis e a privacidade das partes envolvidas
seja preservada” (LEMOS, 2019, p. 139).
A tecnologia jurídica, ou LegalTech, está transformando a forma como os advoga-
dos exercem sua profissão. É evidente que a área jurídica é um dos setores mais requisi-
tados na indústria de consultoria nos dias atuais, especialmente nos centros urbanos e
países desenvolvidos. A LegalTech engloba plataformas, serviços de Tecnologia da Infor-
mação e software que inicialmente tornaram os escritórios e advogados mais eficientes
em suas atividades. Exemplos claros incluem o gerenciamento prático, armazenamento
de documentos e automação de faturamento e contabilidade. Além disso, a LegalTech
auxilia os profissionais do direito em processos como due diligence e pesquisa jurispru-
dencial (VERMEULEM, 2018).
Os escritórios de advocacia estão se transformando em plataformas legais, com
um foco na interconexão de profissionais jurídicos e outros colaboradores, e na gestão
da colaboração. Em um contexto de plataformas, matchmaking e colaboração baseada
em projetos, advogados e consultores legais precisam compreender como a tecnologia
em rede opera. Eles devem também começar a aproveitar o poder das mídias sociais para
construir suas próprias redes (VERMEULEM, 2018).
Por outro lado, os processos legais, incluindo a atuação do CESA, demandam o
160
suporte da Inteligência Artificial (IA), que é um campo da ciência da computação vol-
tado para o desenvolvimento de dispositivos capazes de simular a capacidade humana
de raciocínio, percepção, tomada de decisões e resolução de problemas, ou seja, serem
inteligentes (CIRIACO, 2008, p. 1).
No âmbito do judiciário, a IA se apresenta como uma alternativa para agilizar os
processos e fortalecer sua eficiência. Porto (2019, p. 40) identificou diversas maneiras
pelas quais a IA pode apoiar o judiciário. Numa abordagem holística da aplicação da IA
no Judiciário, identificamos as seguintes áreas de atuação:

(a) auxiliando o Magistrado na realização de atos de constrição (pe-


nhora on line, Renajud e outros);
(b) auxiliando o Magistrado a identificar os casos de suspensão por
decisões em recursos repetitivos, IRDR, Reclamações e etc., possi-
bilitando que o processo seja identificado e suspenso sem esforço
humano maior do que aquele baseado em confirmar o que a má-
quina apontou;
(c) auxiliar o Magistrado na degravação de audiências, poupando
enorme tempo;
(d) auxiliar na classificação adequada dos processos, gerando dados
estatísticos mais consistentes;
(e) auxiliar o Magistrado na elaboração do relatório dos processos, fil-
trando as etapas relevantes do processos e sintetizando o mesmo;
(f) auxiliar na identificação de fraudes;
(g) auxiliar na identificação de litigante contumaz; (...)”.

Torna-se claro o efeito positivo que o investimento nessas tecnologias avançadas


pode gerar. Diante desse cenário, é pertinente afirmar que os currículos dos cursos de
Direito precisam se orientar mais para o ensino jurídico integrado a outras disciplinas,
com maior enfoque. Simultaneamente, devem estar receptivos para incorporar a forma-
ção adicional dos profissionais de outras áreas, consolidando, assim, a verdadeira multi-
disciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade (VILHENA, 2017).
Dessa maneira, ao assumir um caráter cada vez mais instrumental, o Direito pas-
sou a estabelecer relações mais profundas com outras áreas do conhecimento que estão
161
interligadas, como a Economia, a Sociologia, a Administração e até mesmo a Filosofia.
Isso ocorre porque os profissionais dessa área são frequentemente chamados não ape-
nas para determinar a legalidade ou ilegalidade de um comportamento, a validade de
uma lei ou contrato, mas também para opinar sobre o impacto econômico de um deter-
minado acordo ou as implicações sociais de uma política pública específica (VILHENA,
p. 9, 2017).

3.2. INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA ADVOCACIA 4.0

O CESA reconhece que, de maneira geral, a inovação tecnológica na advocacia 4.0


traz vastas oportunidades para aprimorar a eficiência, a qualidade e a acessibilidade dos
serviços jurídicos, além de melhorar a experiência do cliente. Nesse contexto, o direito
se insere na Quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, represen-
tando uma nova etapa na evolução da indústria e tecnologia, iniciada no final da década
de 2010. Essa revolução é caracterizada pelo uso da tecnologia digital, englobando inte-
ligência artificial, robótica avançada, internet das coisas, big data e outras tecnologias
de automação e conectividade (SANTOS, CARNEIRO, 2023).
Ela se baseia na coleta, análise e compartilhamento de dados em tempo real, per-
mitindo decisões mais precisas e rápidas. Máquinas e sistemas interagem entre si e com
os seres humanos, criando uma rede integrada de produção. Os sistemas de produção na
Indústria 4.0 são altamente flexíveis e adaptáveis, possibilitando a produção personaliza-
da em massa de produtos. Isso implica que a produção é ajustada de acordo com as neces-
sidades individuais dos clientes, tornando-a mais eficiente e sustentável (ROCHA, 2023).
O CESA concorda que é fundamental que os profissionais do direito trabalhem
em conjunto com a tecnologia, compreendendo profundamente como essa área pode
ser uma grande aliada em suas práticas diárias. Dessa maneira, os advogados e outros
profissionais do direito devem compreender como a tecnologia pode contribuir para me-
lhorar suas atuações.
A implementação de sistemas informatizados, de acordo com o CESA, como os pro-
cessos eletrônicos, tem contribuído para a redução do uso de papel, economia de tempo e
recursos, e facilitação do acesso às informações processuais. A digitalização de documen-
tos e a adoção de plataformas de comunicação eletrônica também têm acelerado e facili-
tado a troca de informações entre as partes envolvidas nos processos. Adicionalmente, a
tecnologia tem possibilitado o desenvolvimento de ferramentas como inteligência artifi-
162
cial, machine learning e análise de dados, auxiliando na análise de casos complexos, iden-
tificação de padrões e tomada de decisões mais embasadas (SANTOS, CARNEIRO, 2023).
No Brasil, várias startups, conhecidas como lawtechs, estão impulsionando a
transformação na advocacia. Essas empresas oferecem serviços tecnológicos para o se-
tor jurídico, abrangendo obtenção de documentos, gestão de processos, automação de
tarefas, proteção de dados e outras soluções (BRASIL, 2023).
Além das lawtechs, a parceria entre a startup LegalLabs e a Procuradoria-Geral
do Distrito Federal resultou na criação da primeira robô-advogada do Brasil, chamada
“Dra. Luzia”. Ela tem a função de analisar o andamento dos processos de execução fiscal,
fornecendo informações sobre as partes envolvidas (endereços, bens, etc.) e indicando
possíveis soluções (FERRARI; BECKER, 2020, p. 202).
A relevância da Inteligência Artificial na advocacia é de grande importância, se-
gundo as diretrizes do CESA, pois plataformas digitais baseadas em inteligência artifi-
cial estão otimizando os escritórios de advocacia. Exemplos incluem o “Jus Brasil”, que
oferece jurisprudências e facilita o contato com advogados, e o “AdvBox”, que elimina
tarefas repetitivas e oferece recursos como a criação de códigos QR para petições (SAN-
TOS, CARNEIRO, 2023).
No Brasil, o debate sobre a possibilidade de automatização das decisões judiciais
já está em andamento. O caso em Wisconsin é um exemplo dos riscos de permitir que
apenas a máquina decida, sem intervenção humana. É crucial desenvolver algoritmos
de I.A. isentos de discriminação social e garantir a transparência nos processos deci-
sórios. Princípios como o direito ao contraditório e ao devido processo legal devem ser
mantidos. A aplicação dos algoritmos e a definição de limites éticos são essenciais para
garantir a confiabilidade e ética da IA no judiciário (MIGALHAS, 2023).
Quando se trata do tema “ciências e tecnologias nas carreiras do futuro”, é fun-
damental abordar as profissões que estão por vir. Estamos vivendo em uma era digital
e enfrentando uma nova realidade que se tornou o novo padrão, caracterizada pelo dis-
tanciamento social e uma maior interação digital. Com isso, tornou-se possível traba-
lhar em casa por meio do Home Office (MONTEIRO, 2019).
Nesse contexto, é crucial ressaltar que não se trata apenas de abordar conheci-
mentos básicos e obrigatórios, como o uso das ferramentas do Office, como o Word e o
Powerpoint, que são de grande importância para a digitalização de documentos, produ-
ção de planilhas, elaboração de relatórios e até mesmo petições.
Por outro lado, surge nos tempos mais recentes a Advocacia 5.0. Os principais be-
163
nefícios da Advocacia 5.0 incluem otimização do tempo, redução de custos, aumento da
produtividade e melhoria na qualidade dos serviços prestados. Além disso, discute-se as
principais tendências tecnológicas na advocacia, como automação de processos, uso de
Big Data, Inteligência Artificial e Blockchain, que terão seus impactos potencializados
na Sociedade 5.0 (CRUZ, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidente para o CESA, a partir do que foi apresentado, que apesar das pers-
pectivas promissoras da aplicação de Inteligência Artificial no âmbito judiciário, é fun-
damental abordar e examinar as questões associadas a essa tecnologia antes de adotar
uma virtualização completa das atividades judiciais. Os desenvolvedores enfrentam de-
safios para compreender plenamente as etapas de processamento dos sistemas de IA,
devido à natureza dos algoritmos de aprendizado de máquina, o que pode resultar em
comportamentos imprevisíveis.
Ademais, a falta de transparência no funcionamento dessas tecnologias, muitas
vezes desenvolvidas por entidades privadas, suscita preocupações. A opacidade na di-
vulgação de informações pode dificultar a compreensão dos critérios utilizados pela IA
na tomada de decisões, aspecto crucial para assegurar a justiça e a equidade.
Outro ponto relevante é o potencial agravamento de questões sociais decorrente
da aplicação da IA. Se os dados utilizados para treinar os sistemas refletirem discri-
minação ou desigualdade, por exemplo, a IA pode reproduzir tais preconceitos, perpe-
tuando as injustiças existentes na sociedade. A Advocacia 4.0 representa uma evolução
da prática jurídica que incorpora tecnologias inovadoras para oferecer um serviço mais
eficiente, acessível e transparente aos clientes, ao mesmo tempo em que permite que os
advogados se concentrem em atividades mais estratégicas e de maior valor agregado.
Assim, de acordo com as diretrizes do CESA, a Advocacia 5.0 emerge como uma
tendência para os advogados, alinhando-se à nova sociedade “super inteligente” im-
pulsionada pelas tecnologias digitais. Esse conceito surgiu a partir do lançamento do 5º
Plano Básico de Ciência e Tecnologia pelo governo japonês em 2016, buscando empregar
as tecnologias da Indústria 4.0 para atender às necessidades humanas e resolver proble-
mas sociais. A Advocacia 5.0 se destaca por sua centralidade no ser humano e em suas
necessidades, considerando a mentalidade do mundo digital e suas formas de geração
de valor e resolução de problemas. Ao contrário da abordagem jurídica conservadora e
164
tradicional, a Advocacia 5.0 se fundamenta na descentralização, diversidade, horizonta-
lidade e sustentabilidade.

5. REFERÊNCIAS

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Advogados. Disponível no endereço: https://www.udemy.com/. Acesso em 20/03/2023.
CAVALCANTE, Rafael; CAVALCANTE, Renata. Advocacia 4.0: desafios e oportunidades. Revista
Eletrônica de Direito Processual. Acesso em 20/03/2023.
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institucional/. Acesso em 3 Out. 2023.
CRUZ, Aneliese. Advocacia 5.0: o que você precisa saber sobre essa nova realidade. Disponível
no endereço: https://www.aurum.com.br/blog/advocacia-5-0/. Acesso em: 22/03/2023.
CIRIACO, Douglas. O que é Inteligência Artificial? 2008. Disponível em: http://www.tecmun-
do.com.br/intel/1039-o-que-e-inteligencia-artificial-.htm. Acessado em: 07/04/2013.
FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel. Direito à explicação e decisões automatizadas: reflexões
sobre o princípio do contraditório. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo; WOLKART, Erik (Coord.).
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LEMOS, Ronaldo. Direito e Tecnologia. 2019. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2019.
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Disponível no endereço: https://www.migalhas.com.br. Acesso em 18/02/2023.
MONTEIRO, Matheus Henrique. A quarta revolução e a advocacia 4.0 no Brasil. Centro Uni-
versitário das Faculdades Integradas de Ourinhos-UNIFIO. 2019. Anais. Disponível em: http://
www.cic.fio.edu.br/anaisCIC/anais2019/pdf/07.07..pdf. Acesso em: 06/04/2023.
PORTO, Fábio Ribeiro. O Impacto da Utilização da Inteligência Artificial no Executivo Fis-
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ROCHA, Gustavo. Advogado 4.0 em tempos de crise. Revista Consultor Jurídico. Disponível em:
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VILHENA, Oscar. Prefácio: A revolução no mundo de Cícero, in: O futuro do Direito, JOTA; Cia
do e-Book, 2017.
MARANHÃO

Adaptando-se à Crise do Poder Judiciário: A Era da Justiça


Multiportas e das novas tecnologias

Ulisses César Martins de Sousa1

Num mundo em constante mudança, as profissões devem se reinventar para acom-


panhar as transformações sociais, econômicas e tecnológicas. A advocacia, tradicional
guardiã dos direitos e da justiça, encontra-se numa encruzilhada particularmente desa-
fiadora. Confrontada com a crise do sistema judiciário, as demandas de uma era de justi-
ça multiportas, a ascensão da autotutela e o avanço implacável da tecnologia, a advoca-
cia do futuro necessita incorporar abordagens, metodologias e ferramentas inovadoras.
Em resposta às demandas dinâmicas da sociedade contemporânea, os sistemas de
justiça têm sido reformulados e adaptados. As estruturas tradicionais, muitas vezes per-
cebidas como lentas e rígidas, estão sendo substituídas ou complementadas por abor-
167
dagens mais flexíveis e ágeis. Esta evolução reflete uma tendência global de reforma do
sistema judicial, onde a eficiência e a satisfação do usuário são colocadas no centro do
processo.
O espectro diversificado de conflitos na sociedade moderna requer uma variedade
igualmente diversa de mecanismos de resolução. Essa percepção levou a uma aceitação
crescente da necessidade de métodos alternativos e complementares, adequados à na-
tureza e à complexidade específicas de cada disputa.
O sistema judiciário tradicional, com suas formalidades e processos muitas vezes
prolongados, pode não atender às expectativas dos litigantes modernos. Isso pode levar
a atrasos na administração da justiça e, consequentemente, a uma confiança decrescen-
te na capacidade do sistema de prover soluções justas e oportunas.
Em resposta a esses desafios, o conceito de “desjudicialização” surgiu como uma
alternativa promissora. Ao invés de depender exclusivamente dos tribunais para resol-
ver disputas, propõe-se a utilização de métodos alternativos (ou adequados), como a
arbitragem, onde um terceiro imparcial decide o conflito; e a mediação e conciliação,

1 Presidente da Seccional do Maranhão do CESA – Centro de Estudos de Sociedades de Advogados.


onde um mediador ou conciliador auxilia as partes a chegar a uma solução mutuamente
acordada. Essas abordagens podem oferecer soluções mais rápidas, menos custosas e
mais alinhadas com as expectativas das partes envolvidas.
A par de resolver conflitos, uma ênfase renovada tem sido colocada na prevenção
de litígios. Ao abordar as causas subjacentes das disputas e proporcionar mecanismos
para resolver tensões antes que elas se transformem em litígios formais, pode-se criar
uma sociedade mais harmoniosa e reduzir significativamente o fardo sobre o sistema
judiciário.
Em um cenário onde o poder judiciário encontra-se saturado e com uma exten-
sa lista de processos pendentes, as ferramentas de arbitragem, mediação e conciliação
emergem como alternativas cruciais para a desjudicialização e uma resolução de confli-
tos mais célere. Estas modalidades, diferentemente do processo judicial tradicional, são
pautadas no diálogo e no consenso entre as partes.
No entanto, uma das grandes barreiras para a efetiva implementação dessas alter-
nativas no cenário brasileiro é a persistência da mentalidade litigiosa. Historicamente, a
cultura jurídica brasileira tem se orientado para o litígio, em que as disputas são levadas
ao Judiciário e espera-se uma solução imposta por um terceiro, no caso, o juiz.
168
A mentalidade litigiosa, enraizada em muitos setores da sociedade, muitas vezes
prioriza a “vitória” sobre o outro em vez da busca por um entendimento mútuo. Essa
abordagem pode resultar em processos longos, dispendiosos e, muitas vezes, em deci-
sões que não satisfazem plenamente nenhuma das partes envolvidas.
Contrapondo-se a esse cenário, o novo paradigma processual, como delineado
no Código de Processo Civil de 2015 (§§ 2º e 3º do artigo 3º), enfatiza a colaboração
e comunicação entre as partes. O foco desloca-se da decisão autoritária para métodos
consensuais de resolução de conflitos. Este é um passo essencial para a modernização
e eficiência do sistema de justiça, contudo, a transição exige uma mudança cultural e a
reeducação tanto de profissionais do direito quanto do público em geral.
Enquanto as ferramentas de arbitragem, mediação e conciliação são promissoras
e oferecem uma via alternativa e muitas vezes mais eficiente, o desafio real reside em
transformar a mentalidade predominante, de litigiosa para colaborativa, garantindo que
tais ferramentas sejam efetivamente utilizadas e valorizadas.
Assistimos ainda o crescimento do uso de ODRs – Resolução Online de Disputas
(Online Dispute Resolution, em inglês), conjunto de práticas e tecnologias destinadas
a resolver conflitos por meio de plataformas e ferramentas digitais, sem a necessidade
de processos judiciais presenciais. Com o avanço da digitalização e das comunicações
online, as ODRs têm se tornado uma alternativa cada vez mais popular para resolver
disputas, especialmente aquelas de menor complexidade ou valor.
Muitas plataformas de ODR oferecem ferramentas de negociação e mediação. Ad-
vogados com habilidades de negociação podem usar estas ferramentas para alcançar
acordos que beneficiem seus clientes, muitas vezes em um espaço de tempo mais curto
e com custos reduzidos em comparação com os métodos tradicionais.
À medida que as ODRs se tornam mais comuns, os advogados precisam se adaptar
a essa nova realidade, familiarizando-se com as plataformas e ferramentas, bem como
desenvolvendo novas habilidades que são específicas para este tipo de resolução de
disputas.
O papel dos advogados, nesse contexto, sofre uma transformação significativa. A
formação e atuação destes profissionais não pode mais se limitar ao contencioso tradi-
cional, em que a lide é levada ao Poder Judiciário para resolução. Eles devem, agora, estar
preparados para atuar também em cenários extrajudiciais, orientando e representando
seus clientes em processos de mediação, conciliação, arbitragem, e, ainda, em On Line
Dispute Resolutions.
169
O advogado não é mais visto apenas como um técnico, mas também como um
agente de transformação social, apto a guiar as partes por um caminho de entendimen-
to e consenso. Passa a ter a responsabilidade não só de defender os interesses de seu
cliente, mas também de orientá-lo sobre as vantagens da negociação e da busca pelo
consenso.
Para os advogados modernos, torna-se imperativo desenvolver habilidades e co-
nhecimentos em ADR. Eles devem ser capazes de avaliar a adequação de cada método
para o caso específico de seu cliente, bem como conduzi-lo por esse caminho alternativo
com eficácia e competência. A diversificação das formas de resolução de conflitos não é
apenas uma tendência, mas uma resposta necessária à crise judiciária, e os advogados
desempenham um papel central nessa evolução.
A transformação digital trouxe ferramentas valiosas, desde a automação e inte-
ligência artificial até contratos inteligentes baseados em blockchain. A prática jurídica
não pode permanecer alheia a estas inovações.
A advocacia do século XXI enfrenta desafios sem precedentes, mas também opor-
tunidades inigualáveis. A crise do Poder Judiciário, embora preocupante, pode ser vista
como um catalisador para uma profunda transformação na forma como a justiça é perce-
bida e praticada. Com a integração de abordagens multiportas, uma ênfase renovada na
autotutela e a adoção inteligente da tecnologia, a advocacia pode reafirmar sua posição
como a vanguarda da justiça, adaptabilidade e inovação em um mundo em constante
evolução.

170
MATO GROSSO

Advogado, Juiz e Processo na Era Digital

João Celestino Corrêa da Costa Neto1

Primórdios e legislação

Em seu célebre livro “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, Calamandrei já di-
zia: “Acredita-se comumente que a missão específica do advogado seja fazer-se ouvir
pelos juízes; na realidade, o ofício mais humano dos advogados é ouvir os clientes”.2
O reconhecimento social da importância e do papel do advogado em nosso orde-
namento jurídico começa na própria Constituição Federal, pelo que dispõe o famoso
artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por
seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Com o advento do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados, Lei nº
171
8.906/1994, a expressão foi reiterada, no seu art. 2º: “O advogado é indispensável à ad-
ministração da justiça.” No mesmo diploma legal, no parágrafo único do art. 2º, dispõe:
“No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.”
Ninguém duvida da horizontalidade da linha entre o advogado e o juiz. A dura
realidade é fazer tornar efetiva esta premissa. Autonomia e independência – advogado
e juiz – são essenciais à administração da Justiça, não há hierarquia, e se espera sim,
harmonia entre a magistratura e a advocacia.
A sociedade necessita de uma magistratura consciente de sua missão, de uma jus-
tiça produtiva, de qualidade, que dê efetividade à prestação jurisdicional com brevidade.
De um advogado se espera a postura de urbanidade, cortesia e conhecimento téc-
nico, buscar com probidade, diligência a boa administração da justiça em harmonia com
magistrado.

1 Advogado, sócio de Corrêa da Costa Advogados, escritório com sede em Cuiabá-MT, e Presidente da Seccio-
nal CESA de Mato Grosso.

2 CALAMANDREI, Pierro. Eles, os Juízes, visto por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Princípio da Cooperação – CPC

Não por outra razão a doutrina brasileira abraçou o princípio da cooperação (ou
da colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa
triangular (entre o juiz e as partes). A moderna concepção processual (no sentido de que
o processo é um meio de interesse público na busca da justa aplicação do ordenamento
jurídico no caso concreto) exige um juiz ativo no centro da controvérsia, e a participação
das partes, por meio da efetivação do caráter isonômico entre os sujeitos do processo.
Trata-se de uma evolução do princípio do contraditório.
O dever de cooperação estaria voltado eminentemente para o magistrado, de modo
a orientar sua atuação como agente colaborador do processo, inclusive como participan-
te ativo do contraditório, não mais se limitando a mero fiscal de regras. Não pode existir
mais o juiz “apático”, que aguarda manifestações das partes para atuar.
Nesse sentido o art. 6º do CPC estabelece que “todos os sujeitos do processo de-
vem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa
e efetiva.”
A doutrina processual, então, estabeleceu alguns deveres, que são recíprocos, mas,
172
até mesmo em caráter exemplar, devem ser efetivamente implementados pelo juiz na
prática forense:

a) dever de esclarecimento: obrigação do magistrado de esclarecer


com as partes quanto a determinadas dúvidas que tenha sobre
alegações, posições ou pedidos realizados em juízo (“embargos de
declaração às avessas”), dando conhecimento à outra parte sobre
a diligência;
b) dever de consulta: o juiz deve ouvir previamente as partes sobre as
questões de fato ou de direito que influenciarão o julgamento da
causa;
c) dever de prevenção: cabe ao magistrado apontar as deficiências
postulatórias das partes, para que possam ser supridas (ex.: emen-
da da inicial, indeferimento da inicial por escolha inadequada do
procedimento somente quando for impossível adaptá-la);
d) dever de auxílio: obrigação do juiz de auxiliar a parte a superar
eventual dificuldade que lhe tolha o exercício de seus ônus ou de-
veres processuais (ex.: distribuição dinâmica do ônus da prova –
projeto do CPC, art. 358);
e) dever de correção e urbanidade: deve o magistrado adotar conduta
adequada, ética e respeitosa em sua atividade judicante.

Pelo princípio da cooperação depreende-se que o processo é produto de uma ati-


vidade cooperativa triangular, composta pelo juiz e pelas partes, que exige uma postura
ativa, de boa fé e isonômica de todos os atores processuais, e, especificamente do juiz,
a atuação como agente colaborador do processo, e não mero fiscal de regras, visando à
tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Traduz-se, portanto, em um diálogo
entre partes e juiz, que encontra, porém, limites na natureza da atuação de cada um dos
atores processuais.

Processo Eletrônico – Facilidades que afastaram a magistratura da advocacia

O grande legado da pandemia ao poder judiciário foi a expansão do processo ele-


trônico, com audiências virtuais, canais permanentes de acesso ao judiciário, balcão vir-
173
tual, etc.
Inobstante a previsão legal contida no artigo 286, § 3º do Código de Processo Civil,
desde março de 2015, anteriormente à pandemia da covid-19, poucas eram as audiências
realizadas no formato virtual, uma vez que nem todos os tribunais estavam equipados e
preparados para tal mudança.
No entanto, em pouco tempo houve a disponibilização e o uso das mais diversas
ferramentas e plataformas para a realização das audiências como: Whatsapp, Google,
Hangouts, Zoom, Cisco Webex, entre outras. Contudo, apesar da rápida disponibilização e
uso, observa-se a necessidade de adequações e regulamentações urgentes para a máxi-
ma efetividade da prestação jurisdicional.
O Conselho Nacional de Justiça, através de diversas resoluções, dispôs sobre o
cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial, abrangendo atos das unida-
des jurisdicionais de primeira e segunda instâncias dos Estados, Federal, do Trabalho,
Militar e Eleitoral, bem como os Tribunais Superiores com exceção do Supremo Tribunal
Federal.
Além de tecer regramentos para a realização de audiências, estabeleceu os casos
em que a citação ou intimação poderão ser cumpridas por meio eletrônico desde que
assegure o conhecimento do destinatário.
Seguindo a sistemática adotada pelo Código de Processo Civil, também trouxe
conceitos teóricos, inicialmente esclarecendo que videoconferência é a comunicação à
distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; telepresenciais são as audiên-
cias ou sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias.
E ainda estipulou as situações em que as audiências telepresenciais poderão ser
determinadas, como por exemplo: nos casos de urgência, substituição ou designação de
magistrado com sede funcional diversa; mutirão ou projeto específico; conciliação ou
mediação; e indisponibilidade temporária do foro, calamidade pública ou força maior,
tudo a depender da viabilidade técnica e do Juízo de conveniência do magistrado.
No entanto, é certo que as audiências virtuais vieram para ficar, com a possibilida-
de de evidente impacto positivo no decorrer dos anos, especialmente, no que se refere a
celeridade e efetividade processual. Para tanto, importante esse alinhamento, a fim de
que as audiências virtuais garantam às partes envolvidas a adequada prestação jurisdi-
cional.
Além disso, as audiências virtuais devem ser consideradas como uma ferramenta
tecnológica de impacto social justamente relacionado à promoção de sociedades pacífi-
174
cas e inclusivas, proporcionando o acesso à justiça para todos e a construção de institui-
ções eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
Com isso, respeitados os princípios constitucionais, processuais e regulamentais,
utilizando plataformas seguras e regras claras e adequadas, a expectativa é de que a
expansão do processo judicial eletrônico com as audiências e sessões virtuais deem um
salto que, ao final, represente uma sociedade mais inclusiva, com a máxima efetividade
jurisdicional e segurança jurídica para os jurisdicionados.
Todavia, tais facilidades trazidas pela modernidade não podem servir de justifi-
cativa para os magistrados, de qualquer instância, impor limites a atuação da advocacia
que procura um contato mais próximo, físico e pessoal em seus gabinetes, ainda que seja
por videoconferência.
Compreende-se que a dinâmica e a quantidade absurda de tramitação de proces-
sos na justiça brasileira podem causar certa dificuldade em agendar uma diligência ou
audiência presencial, entretanto, se apegar em tais justificativas para dificultar o conta-
to do jurisdicionado, através de seu patrono, em obter uma resposta ao seu clamor seria
o mesmo que impedir o acesso à justiça.
Convém aqui lembrar que foi publicada em 25/08/2020 a decisão proferida em jul-
gamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4330, que teve atuação da OAB
como amicus curiae defendendo a categoria, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) as-
segurou o direito de advogados e advogadas serem recebidos em audiência por magis-
trado, independentemente de hora marcada.3
O ministro Gilmar Mendes citou a norma do CNJ que obriga o magistrado a sempre
“receber advogado em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente
forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio
à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião
de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua
não observância poderá implicar em responsabilização administrativa”.
Como bem salientou o Presidente da Comissão de Prerrogativas da OABRJ, Dr
Marcello Oliveira, ao comentar a decisão do STF:

“Essa decisão do Supremo só confirma uma das mais importantes


prerrogativas da advocacia, que é a de acessar o magistrado e defender
seu cliente. Este é um aspecto fundamental do contraditório e da am-
pla defesa no nosso sistema processual. O magistrado que não recebe
175
o advogado não compreende o devido processo legal, não trabalha no
Estado democrático de Direito. Essa é uma bandeira fundamental, pela
qual a gente vinha lutando todos os dias na Seccional”.4

Portanto, cabe ao advogado, no exercício de seu mister, fazer prevalecer o disposto


no art. 7º, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da advocacia), exercendo com
liberdade a sua profissão, dirigindo-se diretamente aos magistrados nas salas e gabine-
tes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado.
Lógico, buscando sempre atuar com respeito, acatamento e urbanidade, buscando
uma forma de colher os interesses dos litigantes e auxiliando na resolução da lide.

3 STF – ADI: 4330 DF 0009590-97.2009.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 08/2020,
Data de Publicação: 26/08/2020.

4 PASSI, CLARA. OABRJ. Rio de Janeiro. 26/08/2020. STF julga ADI e assegura à advocacia direito de ser rece-
bida por juízes. Pleito era bandeira constante da Comissão de Prerrogativas da OABRJ.
Concluindo

Mesmo com toda tecnologia a disposição das partes, ainda assim se torna justo e
necessário que determinadas audiências sejam realizadas na forma presencial.
Há uma certa aversão de alguns magistrados que procuram evitar receber as partes
e advogados em seu gabinete, criando certa animosidade entre as classes. São exceções.
Alguns até questionam a efetividade de tal aproximação do causídico em seus gabinetes,
preferindo apenas a entrega de memoriais através dos meios eletrônicos.
Porém, a frieza das letras estampadas nas petições não são suficientes para ressal-
tar as nuances que envolvem uma causa complexa ou urgente. Por essas, dentre outras,
justifica-se a aproximação permanente da magistratura e advocacia. Através da coope-
ração mútua e de forma efetiva aplicar-se-á a justiça de forma célere atingindo os obje-
tivos der cada uma das profissões, ainda que as facilidades da modernização da justiça
tragam a possibilidade de realização de tudo pelo meio virtual, o contato presencial
ainda se faz necessário e salutar para todos os personagens da JUSTIÇA.

176
MINAS GERAIS

Advocacia do Futuro: O Papel dos Meios Adequados de Solução


de Conflitos e a Formação dos Profissionais do Direito

Nilson Reis Júnior1

1. Advocacia para o futuro: qual o estado da arte no presente?

A prática da advocacia, uma das profissões mais antigas do mundo, está passando
por uma transformação profunda e inegável em resposta às mudanças sociais, tecnoló-
gicas e econômicas do século XXI. Hoje, mais do que nunca, o exercício do direito requer
uma adaptação constante para atender às demandas de uma sociedade em constante
evolução.
À medida que nos deparamos com um futuro onde a tecnologia desempenha um
papel relevante em quase todos os aspectos de nossas vidas, a advocacia não é exceção. A
177
automatização, a inteligência artificial e a análise de dados estão remodelando a forma
como os advogados realizam pesquisas jurídicas, gerenciam documentos e até mesmo
preveem resultados de litígios. Os avanços tecnológicos permitem uma maior eficiência
e precisão, mas também desafiam os advogados a adaptarem-se a novas habilidades e
conhecimentos para atender às expectativas de seus clientes.
Juntamente com a revolução tecnológica, as demandas dos clientes também estão
evoluindo. Os clientes não estão mais satisfeitos apenas com uma representação legal
habilidosa; eles exigem soluções rápidas, acessíveis e inovadoras. Empresas e indivíduos
estão buscando alternativas ao processo judiciário demorado e dispendioso, o que co-
loca a resolução de conflitos como um dos pilares da advocacia do futuro. A capacidade
de oferecer alternativas eficazes ao litígio tradicional, como a mediação e a arbitragem,
tornou-se uma vantagem competitiva significativa.
A globalização também desempenha um papel central na redefinição da advoca-
cia. Os advogados enfrentam transações internacionais cada vez mais complexas e dis-
putas transfronteiriças que desafiam as estruturas tradicionais do direito. A advocacia

1 Presidente CESA/MG.
do futuro exige a capacidade de adaptar-se a essas mudanças e entender a dinâmica
legal em contextos globais.
Além disso, a formação dos profissionais do direito nas faculdades deve evoluir
para preparar os futuros advogados para o mundo em rápida transformação. A grade
curricular deve ser atualizada para integrar as tecnologias emergentes, LGPD e com-
pliance, resolução de conflitos e negociação, além de enfatizar o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais, como empatia, escuta ativa e comunicação eficaz, além
de fomentar o estudo da ética. A advocacia do futuro requer um novo tipo de advogado,
com habilidades multidisciplinares e uma compreensão profunda das complexidades do
mundo jurídico moderno.
Nesse cenário, o papel do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advoga-
dos) se torna ainda mais vital. O CESA, como entidade representativa dos escritórios
de advocacia, tem a responsabilidade de apoiar os profissionais do direito à medida que
enfrentam esses desafios em constante evolução.

2. Em que medida os meios adequados de solução de conflitos se inserem nesse contexto?


178
Os Meios Adequados de Solução de Conflitos (ADRs) desempenham um papel
crucial na Advocacia do Futuro, oferecendo alternativas eficazes e eficientes ao litígio
tradicional. Enquanto os tribunais se tornam sobrecarregados e os processos judiciais
se tornam cada vez mais demorados e caros, as partes envolvidas em disputas estão bus-
cando meios mais acessíveis, rápidos e menos custosos financeiramente para resolver
suas diferenças. Pode-se dizer que se está na transição da cultura da sentença para a da
pacificição.
Cada uma das diferentes formas de ADR está moldando o panorama jurídico no
presente e para o futuro, impulsionada por várias vantagens, incluindo economia de
tempo e dinheiro, maior controle das partes sobre o resultado, a possibilidade da con-
fidencialidade e a capacidade de adaptar os procedimentos à natureza única de cada
disputa.
A mediação, por exemplo, é um processo no qual um terceiro imparcial e sem po-
der decisório, o mediador, estimula as partes a encontrar uma saída comum ao impasse.
Esse método oferece um ambiente menos formal do que um tribunal, o que muitas vezes
leva a resoluções mais rápidas e menos custosas. Na advocacia do futuro, a mediação é
uma ferramenta poderosa para desescalar conflitos antes que eles se transformem em
litígios prolongados e com danos reputacionais sem precedentes.
A arbitragem, por sua vez, envolve a apresentação de uma disputa a um árbitro ou
painel de árbitros, que emitem uma decisão vinculativa. Ela é frequentemente preferida
quando a confidencialidade, a especialização e a rapidez são importantes. Os avanços na
tecnologia e nas regras de arbitragem online estão tornando a arbitragem mais acessível
e eficiente.
A resolução de disputas online (ODR) é um campo em rápido crescimento que se
baseia na tecnologia para resolver disputas online. Plataformas e sistemas ODR estão
sendo usados para resolver uma variedade de conflitos, desde disputas de consumidores
até litígios comerciais internacionais. Isso é particularmente relevante em um mundo
onde as transações e as relações comerciais ocorrem em ambientes virtuais.
A negociação, a seu turno, é uma habilidade fundamental para os advogados mo-
dernos. A advocacia do futuro requer advogados que sejam capazes de negociar acordos
favoráveis para seus clientes e resolver disputas de forma cooperativa, quando possível.
A capacidade de negociar eficazmente é uma competência-chave que os profissionais do
direito devem cultivar desde o início de suas carreiras.
É sabido que o papel do Direito, essencialmente, cinge-se a resolver conflitos, pro-
179
porcionando a distribuição dos bens da vida de modo a garantir a paz social2. Logo,
diante da advocacia do futuro que se aproxima, a integração eficaz de ADR nas práticas
legais torna-se fundamental. Os advogados, cada vez mais, devem ser facilitadores da
resolução de conflitos.
A capacidade de escolher a abordagem correta para a resolução de conflitos, seja
através de negociação, mediação, arbitragem ou outros métodos, é uma habilidade va-
liosa em um mundo onde a eficiência e a eficácia são indispensáveis. A advocacia do
futuro abraça essa mudança, reconhecendo que a justiça não se limita ao tribunal, mas
pode ser encontrada por meio de procedimentos alternativos de solução ao conflito.

3. A necessidade de formação dos profissionais do Direito para lidar com meios adequados
de solução de disputas

À medida que a demanda por alternativas ao litígio tradicional cresce, a capacida-


de de advogados em usar eficazmente ADR se torna uma competência primordial, para

2 DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial. 6ª ed. Madri: Civitas, 2007, p. 45.
o que se exigirá mudanças na formação dos profissionais do Direito, a fim de que eles
sejam capazes de enfrentar a nova realidade da advocacia.
Assim é que as Faculdades de Direito devem ampliar suas abordagens educacionais
para incluir uma ênfase significativa nos métodos de soluções alternativas aos conflitos,
notadamente a mediação e a arbitragem. Isso envolve a alteração da grade curricular
que forneça aos estudantes uma compreensão profunda desses métodos de resolução
de disputas, bem como oportunidades para aplicar essas habilidades em situações reais.
A formação prática é fundamental. Através de simulações de casos reais, os estu-
dantes têm a oportunidade de atuar como mediadores e árbitros, ganhando experiência
em facilitar a comunicação entre partes em conflito e emitir, conforme o método utili-
zado, decisões justas e equitativas. Essas simulações promovem o desenvolvimento de
habilidades essenciais para o ADR.
O treinamento em tecnologia também se afigura essencial para lidar com ADR no
ambiente atual. As faculdades de direito devem integrar ferramentas e recursos de tec-
nologia relacionados ao ADR, ensinando como usar plataformas online para facilitar a
resolução de disputas e incorporar a análise de dados na tomada de decisões.
Além de mediação e arbitragem, a formação deve se concentrar nas habilidades
180
de negociação e comunicação. A capacidade de representar eficazmente os interesses
dos clientes, entender suas necessidades e alcançar acordos mutuamente satisfatórios é
fundamental na advocacia do futuro.
A advocacia do futuro muitas vezes exige colaboração com profissionais de outras
disciplinas, como psicólogos, terapeutas e especialistas em resolução de disputas. A for-
mação dos profissionais do direito deve enfatizar a importância da interdisciplinaridade
e a capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares.
Destarte, a ênfase na mediação, arbitragem, tecnologia e habilidades interpessoais
é essencial para garantir que os advogados estejam bem preparados para atender às de-
mandas de um mundo jurídico em constante evolução.

4. Conclusão

A advocacia do futuro já é uma realidade moldada por avanços tecnológicos, de-


mandas do cliente e a busca por uma justiça mais acessível, ágil, menos custosa e efi-
ciente. Nesse cenário em constante transformação, os profissionais do direito, junta-
mente com as faculdades de direito e instituições como o CESA, desempenham papéis
fundamentais na adaptação e no aprimoramento da advocacia contemporânea.
A necessidade de formação adequada dos profissionais do direito para lidar com
ADR é indiscutível. À medida que a mediação, a arbitragem e outros métodos de re-
solução de conflitos alternativos ganham destaque, a preparação para a advocacia do
futuro exige que os advogados adquiram as habilidades necessárias para navegar nesse
ambiente em constante evolução.
As faculdades de direito desempenham um papel vital na formação de uma nova
geração de advogados, equipando-os com conhecimentos sobre tecnologia jurídica, éti-
ca digital, negociação, comunicação ativa e eficaz e a capacidade de usar os métodos
de de ADR. A ênfase na aprendizagem contínua e na interdisciplinaridade também é
essencial para garantir que os advogados estejam preparados para abraçar os desafios e
as oportunidades que a advocacia do futuro oferece.
Nesse processo de adaptação, o CESA se destaca como um aliado importante e
com papel colaborativo, pois estimula e propicia discussões em torno dos temas atuais
e desafiadores em suas reuniões de associadas e dos comitês, para além de atuação pro-
positiva junto aos três poderes.
Com a preparação atualizada e adequada aos novos tempos e sob a contribuição
181
ativa de instituições, como o CESA, os profissionais do direito poderão enfrentar os de-
safios que a advocacia atual está a impor.
NORTE

Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA:


uma Adaptação às mudanças

Afonso Marcius Vaz Lobato

A advocacia sempre teve um papel essencial e estrutural na sociedade, desfrutan-


do de relevante importância na preservação do Estado de Direito democrático, à medida
que cada profissional atua como pilar da busca pela justiça. Neste sentido, é importante
destacar que a profissão, da advocacia assim como as demais, está em constante evolu-
ção moldada, como o título do artigo já adianta, pelas mudanças tecnológicas.
Com isso, a advocacia precisa enfrentar os desafios trazidos por estas mudanças,
se adaptar e aproveitar as oportunidades que o futuro trará, da mesma forma como as
organizações públicas e privadas que atuam com a justiça, a exemplo do CESA (Centro
de Estudos das Sociedades de Advogados).
183
Não podemos pensar em exercer a a advocacia do presente e sequer a do futuro,
como ela era há 40 anos. As demandas são completamente diferentes, as exigências são
novas e, a cada dia, surgem formas diversas.
A pandemia de COVID-19, que eclodiu no final de 2019 e se espalhou rapidamente
pelo mundo, trouxe cenários sem precedentes para a humanidade. E em meio a essa cri-
se global, a inteligência artificial (IA) emergiu como uma das ferramentas mais valiosas
e versáteis para enfrentar os desafios apresentados pela pandemia.
A pandemia de COVID-19 serviu como um catalisador para a aplicação mais am-
pla da inteligência artificial na área da saúde. Ela demonstrou como a IA pode ser uma
ferramenta poderosa para lidar com crises globais e nos preparar para desafios futuros.
NOVAS NECESSIDADES:
A inovação é essencial para qualquer setor, e a advocacia não seria uma exceção.
Em um mundo cada vez mais conectado e com os avanços tecnológicos faz-se necessá-
rios promover a acessibilidade da justiça para todos, independentemente de quaisquer
situações. Isso não apenas beneficia a sociedade, mas também promove a inclusão dos
indivíduos e fortalece a reputação da advocacia como defensora da justiça.
Além de auxiliar na pesquisa legal e oferecer sugestões criativas para estratégias
de argumentação e negociação, enriquecendo a criatividade de advogados, a Inteligên-
cia Artificial traz agilidade em processos fazendo com que os profissionais possam utili-
zar o tempo gasto em tarefas repetitivas para o estudo e aprofundamento em questões
mais complexas.

DESAFIOS

Entre os principais desafios que a advocacia enfrenta em relação à Inteligência


artificial podemos destacar: privacidade e ética; precisão e responsabilidade; acesso à
tecnologia; regulamentação; custos e investimentos; segurança cibernética; relações
com clientes e evolução das habilidades profissionais.

MAIOR LITIGIOSIDADE DO MUNDO

A litigiosidade é uma medida que se refere à frequência e ao volume de litígios ou


processos judiciais em um determinado país ou região. A litigiosidade é influenciada por
uma série de fatores, como o sistema legal e judicial, a cultura jurídica, a economia e
184
as características sociopolíticas de um país. O Brasil destaca-se como o país com maior
litigiosidade do mundo, tendo um sistema legal complexo e volume substancial de pro-
cessos judiciais.
Temos, atualmente, um judiciário atravancado que precisa de maior gestão do seu
acervo, por outro lado a advocacia precisa colaborar e contar com outras formas de so-
lução de conflitos, como tribunais de conciliação, arbitragem, busca por uma advocacia
mais preventiva do que repressiva.
Mesmo tendo a disposição essa gama de novas tecnologias e ferramentas, é neces-
sário promover a cultura da correta utilização de cada uma no sistema de justiça.

ROTINA

A tecnologia pode alavancar a advocacia em termos de: agilidade nas pesquisas


jurídicas; respostas claras e acessíveis; análises de contratos e documentos; suporte na
tomada de decisões.
O futuro da advocacia se manifestará como um casamento harmonioso entre hu-
manidade e tecnologia, uma sinergia que elevará a profissão a novos patamares de efi-
ciência, acessibilidade e impacto social. Os advogados do futuro estarão na vanguarda da
transformação jurídica, moldando um mundo mais justo e equitativo para todos.
Ainda falando sobre o futuro, os advogados irão liderar não apenas em questões
legais, mas também como agentes de mudança em um mundo que busca um equilíbrio
entre a justiça, tecnologia e a humanidade.
As breves propostas apresentadas neste artigo são fundamentais para preparar a
advocacia para os desafios e oportunidades que já se fazem presentes em nossa rotina
de trabalho.

185
PARAÍBA

Revisitando os Predicados “do Passado” para


Garantir uma Advocacia “de Futuro”

Daniel Sebadelhe Aranha1

A advocacia nunca esteve tão democrática, tecnológica e interdisciplinar. Também


nunca esteve tão intensa. É que o campo jurídico está passando por uma transformação
significativa na era moderna. Advogados não são mais apenas defensores das leis, mas
sim agentes de mudanças que precisam se adaptar a um ambiente em constante evolução.
Com efeito, são muitos os diferenciais que um advogado moderno deve possuir
para se destacar em sua carreira. Se destacam como essenciais as habilidades tecnoló-
gicas, as soft skills – habilidades emocionais, as técnicas de marketing pessoal e tantas
outras competências que pouco tem a ver com o direito propriamente dito, todavia, es-
tão sempre em alta.
187
A tecnologia tornou-se uma aliada indispensável para os advogados modernos.
A gestão eficiente de documentos digitais, a pesquisa on line e a automação de tarefas
rotineiras são apenas algumas das áreas em que as habilidades tecnológicas são cru-
ciais. Ferramentas de inteligência artificial estão revolucionando a pesquisa jurídica, e
até a construção de textos jurídicos, tornando tudo mais rápido e preciso do que nunca.
Advogados que dominam essas tecnologias têm uma vantagem competitiva, indubita-
velmente.
Já as habilidades interpessoais / emocionais, igualmente conhecidas como soft
skills, são fundamentais para o sucesso nesta advocacia moderna. A comunicação eficaz,
a empatia e a capacidade de resolver conflitos são competências que não mais podem
ser subestimadas.
Não menos importante, o marketing pessoal desempenha um papel significativo

1 Sócio do Sebadelhe Aranha & Vasconcelos Advocacia. Fundador e Ex-Presidente da AATRAPB – Associação
dos Advogados Trabalhistas da Paraíba, sendo atual representante da entidade junto a ABRAT – Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas. Presidente de CESA/PB – Centro de Estudos das Sociedades de Advo-
gados, Seccional Paraíba.
na advocacia e pode ser fundamental para o sucesso do advogado. Desde a construção da
reputação até a atração ética de clientes, passando pela formação e estabelecimento de
autoridade sobre determinada área e/ou assunto, a própria autopromoção em redes so-
ciais, nada disso pode ser minimizado. A máxima de que “advogados que não aparecem,
não são vistos pelo mercado” tornou-se ainda mais genuína e atual.
Ademais, o direito não existe em um vácuo, já que ele interage com outras disci-
plinas em nossa sociedade complexa. Advogados que adotam uma abordagem interdis-
ciplinar podem oferecer soluções mais abrangentes, com um pensamento mais amplo
e holístico. A interseção entre o direito, a tecnologia, a ciência e o meio ambiente, por
exemplo, está se tornando cada vez mais relevante. Advogados que compreendem essas
interações e podem colaborar com especialistas de outras áreas têm uma vantagem na
busca por soluções eficazes.
Eis acima um panorama rápido de um futuro que já chegou, que é realidade e que
tende a se tornar ainda mais complexo nos anos vindouros.
Todavia, investe-se, discute-se e trabalha-se muito o futuro da advocacia, mas tal-
vez, e fica aqui a reflexão, seja o momento de também olhar para trás e resgatar valores
e boas práticas do passado. E essa afirmação não é à toa!
188
Como bem se sabe, toda essa advocacia moderna nasceu em meio a uma avalanche
de cursos de direito abertos de forma indiscriminada, sem concreta fiscalização dos ór-
gãos estatais de controle. O direito e aqueles que se lançam nos cursos jurídicos passam
por um estelionato educacional sem precedentes.
Segundo matéria veiculada no sitio eletrônico do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil2, uma das razões para o enorme número de advogados no País é a
abertura indiscriminada de cursos de direito. De acordo com a matéria, se o número de
inscritos na OAB é surpreendentemente grande, aquele referente aos estudantes de di-
reito é estarrecedor. Em agosto de 2022 existiam cerca de 1,8 mil cursos jurídicos no País
e, segundo dados do próprio órgão, são mais de 700 mil alunos matriculados.
O referido artigo ainda relata que a Ordem, por meio do Exame de Ordem Unifica-
do (EOU), funcionando como uma espécie de funil educacional, peneirando os bacharéis
aptos a trabalhar como advogados, retém cerca de 80% dos inscritos. A taxa de aprova-
ção no Exame de Ordem não passa de 20%, em regra.

2 https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa
-com-qualidade-dos-cursos-juridicos. Acesso em 06/10/2023.
Será isso normal e aceitável? Como garantir uma boa e mínima formação técnica a
todos esses estudantes? Como fazer com que esses estudantes venham para o mercado
de trabalho da advocacia não apenas com todos os “predicados modernos” de um advo-
gado, mas, igualmente, com os “predicados antigos”, a exemplo de um escorreito portu-
guês, domínio da gramatica, formação sólida em direito material e processual?
O desafio é enorme. A despeito de nos grandes centros urbanos e nos Estados mais
desenvolvidos o número de bons profissionais que adentram ao mercado da advocacia
seja até expressivo, não é essa a realidade que se percebe Brasil afora. E isso é por deve-
ras preocupante, na medida em que uma advocacia forte, bem preparada é sinônimo de
uma sociedade segura, bem protegida em relação as suas garantias, direitos e liberdades.
O estado democrático de direito clama por uma advocacia robusta, bem formada.
E não se está aqui a defender ideias retrógradas, um apego ao tradicionalismo e ao
formalismo de tempos antigos, ou mesmo a rigidez dos tradicionais cursos jurídicos de
outrora, nos quais se buscava uma formação conservadora e as vezes até endurecida do
advogado. Nada disso!
O que se chama a atenção é para o excesso de valorização dessas tão importantes
novas competências e habilidades em detrimento do básico, do conhecimento sólido
189
que deve permear a formação de qualquer bom advogado. Sem essa base, se afigura pra-
ticamente impossível fazer o advogado gozar de um tirocínio jurídico diferenciado que
o permita funcionar como o agente de transformação social que deve ser em essência,
se valendo de todas as facilidades, competências e novidades que a modernidade pro-
porciona.
SÉRGIO ANTUNES LIMA JÚNIOR, advogado e mestre em Direito, em destacado
artigo publicado no MIGALHAS3 aponta alguns caminhos para a problemática ora abor-
dada e que se mostram interessantes, reforçando que a advocacia precisa ser valorizada
e revistos, urgentemente, os métodos de formação do advogado:

“O aluno da faculdade aprende o Direito e se forma bacharel, mas a


formação profissional plena e efetiva da profissão de Advogado so-
mente se dará quando passar pelo crivo e estudo específico nas Escolas

3 https://www.migalhas.com.br/depeso/320609/necessaria-implementacao-de-um-novo-modelo-de-forma-
cao-do-advogado-em-prol-da-valorizacao-da-profissao-e-da-efetiva-qualificacao-do-profissional-no-bra-
sil--novas-atribuicoes-da-ena-e-esa-s.
de formação que deverão ser estruturadas com esta finalidade.
Se pensar em um modelo em que se privilegie a ESCOLA NACIONAL
DA ADVOCACIA, com a possível delegação docente e de formação para
as ESAs das Seccionais e Subseções (com determinado número míni-
mo de inscritos) poderia ser um avanço considerável. Ou ainda, e de
forma alternativa, aproximando-se do modelo francês, estabelecer um
determinado número de Escolas de Advocacia Regionais e compatíveis
com o número de advogados que se pretende formar por semestre, sob
a tutela da ENA.
A implementação deste novo sistema importaria, sem qualquer dúvi-
da, em uma melhor qualificação do advogado e exigiria um maior com-
prometimento dos estudantes de Direito em sua trajetória acadêmica
quando na busca do bacharelado, uma vez que o ingresso nas Escolas
levaria em consideração as notas do pretenso aluno, além do exame de
ingresso”.

Enfim, o tema é espinhoso, são múltiplos os problemas, variadas as possíveis so-


190
luções que nem de longe se descortinam com facilidade. Resolver anos de distorções no
ensino jurídico e até na formação básica escolar do País pode parecer irresolvível, mas
o mercado jurídico, sobretudo a advocacia, precisa reagir, dar as mãos em prol do seu
fortalecimento.
Nesse cenário, instituições como o IAB – Instituto dos Advogados do Brasil, o
CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, dentre tantas outras entidades
de reconhecida atuação em favor do engrandecimento da advocacia possuem papel fun-
damental para discutir e projetar o futuro da profissão, e, sobretudo, para garantir que
os valores inegociáveis do “passado” não desapareçam.
Evoluir não é desconstruir o passado, mas sim melhorar o presente, a partir das
boas lições aprendidas no pretérito, de forma a edificar um futuro ainda melhor. A des-
construção do passado, quando feita de maneira construtiva, envolve a análise críti-
ca das experiências passadas, identificação de erros e oportunidades de melhoria, e a
aplicação dessas aprendizagens para fazer escolhas mais sábias e positivas tanto para
presente quanto para o futuro.
Não há como pensar no futuro da advocacia com superficialidade na formação
técnica daqueles que adentram ao mercado de trabalho, com profissionais que se mante-
nham longe do mínimo exigível para um exercício pleno e altivo da advocacia. Profissio-
nais que possuem infinitas qualidades e predicados modernos, mas que não se moldam,
insista-se, em sólida formação jurídica, estarão alijados do mercado de trabalho.
Logo, no ano em que o CESA faz 40 anos de existência, que completa 04 décadas de
concreta entrega de valor para tantos advogados, impactando decisiva e positivamente
na profissionalização da advocacia e das sociedades de advogados, vê-se que seu desafio
institucional só aumenta. A responsabilidade para com a advocacia não cessa e é dever
comum que interliga umbilicalmente órgãos de classe, entidades voltadas para a advo-
cacia e que ultrapassa qualquer barreira geracional.
Há de se ancorar a “nova advocacia” nas boas lições, nas melhores práticas, no re-
fino da técnica que tanto se verifica na antiga escola da advocacia. Sem esses predicados
que podem ser considerados “do passado”, impossível se garantir uma advocacia “de
futuro”.

191
PARANÁ

Ousadia do CESA para Liderar e Moldar o Futuro da Advocacia

Tarcísio Araújo Kroetz

Internet das coisas, Inteligência Artificial e integração digital são algumas das
ferramentas que muito se desenvolveram e auxiliam a criação de negócios disruptivos,
nos últimos anos. Com os avanços da tecnologia, vem os desafios que acompanham as
mudanças Estes novos modelos transformaram os originais, tidos como mercado tradi-
cional, e consequentemente provocaram a regulamentação de novos ambientes de inte-
resses e urgiram os agentes dos mercados a se posicionarem de novas formas.
Com a advocacia a situação não é diferente. As tendências da sociedade sempre
foram facilmente apreendidas no cotidiano e, tendo em vista que o Direito se volta para
sociedade, referidas tendências acabam repercutindo na sua própria dimensão. Com ve-
locidade maior do que a esperada e resultados nem sempre previsíveis, as novas realida-
193
des trazem alterações no perfil dos protagonistas da comunidade jurídica.
Há quem hesite sobre futuro dos advogados após o lançamento do ChatGPT, que
funciona através da aquisição de conhecimento a partir de informações captadas, sendo,
previsivelmente, capaz de redigir peças jurídicas de qualidade e, portanto, em tese, de
substituir o trabalho do jurista.
Diz-se necessário, portanto, que o operador do Direito mude, revitalize, digitalize,
revolucione para não perder seu protagonismo dentro da sociedade, para continuar indis-
pensável para as relações nela celebradas e, assim, aperfeiçoar o exercício da advocacia.
Mas não é só a mudança comportamental. O treinamento de novas ferramentas é apenas
um pequeno complemento do que se espera da advocacia e do seu múnus na sociedade.
Advocacia institucional, como percepção de crítica social, recentemente vem tendo sua
credibilidade questionada, sua imparcialidade debatida e seu papel enquanto defensor
das causas democráticas enfraquecido, dizem alguns, por ter ora aderido ideologicamen-
te ao establishment ora por ter condescendido com ideologias político partidárias.
Nessa breve contribuição pretendemos explorar o trabalho do Centro de Estudos
das Sociedades de Advogados (CESA) em seus quarenta anos de vida e debater o que os
espera, no mínimo, pelos próximos quarenta. Vida longa ao CESA!
O JOVEM CESA COM QUARENTA ANOS

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados encontra sua função precípua


na defesa da advocacia organizada nas sociedades de advogados. Ao completar quarenta
anos muitos de seus propósitos, em uma análise cronológica linear, são reconhecidos
pelos resultados que conquistou a favor desta advocacia organizada.
Destacam-se o fermentar de ideias transformadoras e o networking entre os pro-
fissionais que permitiu não apenas a aproximação de importantes casas, mesmo que
concorrentes, nos grandes centros, mas também propiciou o compartilhamento de suas
experiências e operações com os escritórios de advocacia de menor porte, inclusive lo-
calizados no interior do país.
Nos últimos 40 anos, o CESA foi responsável por incentivar o exercício da profissão
da advocacia com integridade, estimular políticas de diversidade e, em especial, da valo-
rização da mulher advogada, incluir governança e transparência na gestão e distribuição
de seus resultados, sempre visando o aprimoramento da qualidade dos serviços jurídi-
cos prestados pelos escritórios. Ainda, obteve imenso sucesso em promover debates e
compartilhamento de experiências sobre saúde mental, sustentabilidade, capacitação e
194
apoio para prática de atividades pro-bono,, bem como de ações filantrópicas, com intui-
to de se aproximar dos anseios da comunidade que assiste e entrega o sustento de seus
associados.
Para quem respira o CESA durante todos esses anos é muito difícil sintetizar todas
as ações no pequeno espaço de tempo de sua existência. Quanto mais, tecer comentários
sobre o futuro desse Centro de Estudos tão pujante e conectado com as mudanças da
sociedade na qual atua.

CESA DO FUTURO

Não obstante os desafios, fazemos o esforço de traçar o exercício de trazer algumas


intuições de sobre o que os próximos anos guardam ao CESA. Deveras, a análise do por
vir da instituição não se restringe ao plano linear da manutenção e continuidade de suas
ações. Com efeito há que se fazer um exame de outras dimensões em que a nosso país se
encontra para fazer que este Centro de Estudos seja o real protagonista das necessárias
transformações do futuro.
Relacionamento com o Poder Judiciário

Estamos vivendo um tempo de muita apreensão, próprio de uma democracia tão


jovem quanto o CESA. Pelos méritos da grandeza social e avanços econômicos de nosso
país, imaginávamos que esta democracia já tinha superado a fase da adolescência de
experimentos e alcançado a maturidade da proteção do Estado de Direito. Ledo engano.
Diante de episódios recentes, a sociedade civil, no exercício da cidadania questio-
na os checks and balances dos três poderes. Recentemente, o Supremo Tribunal Fede-
ral (STF), tem sido foco de tais questionamentos por conta de inquestionável ativismo
judicial seja em matérias progressista, de cunho social, seja em matérias técnicas que
abrangem as mais diversas searas do Direito.
A Constituição Federal tem papel de organização do governo com a aspiração de
assegurar o maior grau possível de autonomia e liberdade para as pessoas, como nos
ensina prof. Oscar Vilhena.1 E a Constituição de 1988 optou por atribuir ao STF papel
central no sistema político brasileiro, não deixando dúvidas quanto à sua competência
de corte constitucional para dar a última palavra na interpretação e aplicação dos diplo-
mas normativos relevantes do país.
195
Enquanto advogados e críticos do direito não temos dúvida de que a manutenção
do Estado de Direito – aqui entendido como democrático – requer fortalecimento das
instituições que preservam os direitos fundamentais tendo como núcleo indispensável
a função jurisdicional. Todavia, assim como os demais poderes, entendemos que o Judi-
ciário tem de estar a serviço da Nação.
Presenciamos um momento de crise no Poder Judiciário: seja por conta do exacer-
bado acesso à justiça, que tem permitido milhares de litígios em nossos tribunais, com
custo sem precedentes; ou pela necessidade premente de se fortalecer a competência do
STF como corte constitucional, como tribunal de última instância.
Crise essa que é agravada pelo ambiente de antagonismos políticos, e que nos faz
vivenciar um momento de perplexidade que nos induz a buscar o equilíbrio e maturi-
dade necessárias para preservar a autonomia e liberdade das pessoas dentro dos limites
postos para o Estado Democrático de Direito – quando veremos sua plena concretização.
Sabemos que é difícil encontrar duas opiniões jurídicas ou políticas confluentes.

1 VIEIRA, Oscar Vilhena. A Batalha dos Poderes: da transição ao mal-estar constitucional. 1. ed. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2018.
Mas atualmente precisamos evitar as polarizações. O Direito, por meio dos advogados
que militam a favor do desenvolvimento econômico e social, é o principal instrumento
de inclusão e de elemento de agregação para construção de soluções e consensos.
Por esta razão que se faz tão importante quanto identificar a crise, marcar as afini-
dades, para indicarmos as convergências como guardiões aglutinantes de nossos valores
comuns.
E é por isso que temos que construir alternativas que prescindam da atuação do
Estado e outras que coloquem o Judiciário mais próximo das necessidades da Nação.
Cabe aos advogados organizados no CESA encontrar mecanismos que propiciem uma
sociedade justa e menos litigante.
Este talvez seja o maior desafio do CESA do Futuro. Não se olvida que os maiores
empreendedores e líderes empresariais do País são atualmente assistidos pelos
associados do CESA que recebem como um termômetro o calor dos anseios sociais. O
CESA não pode calar ou assistir passivamente a corrosão dos anseios sociais omitindo-
-se perante esta grave crise institucional. Neste instante tem a missão de protagonizar
as soluções para o aprimoramento das relações entre os três poderes, com uma postura
responsiva e corajosa, para proteger o exercício da advocacia e da liberdade de expressão
196
no que há de mais sagrado: a salvaguarda do Estado Democrático de Direito.

Ousadia de projetos transformadores

Ao largo da crise institucional, retomamos as mudanças exigidas pela socidade


tecnológica e digitalizada mencionada no início de nossa intervenção. Os modelos de
negócios disruptivos demandam o uso da criatividade do advogado para pensar em ins-
trumentos legais que permitam o financiamento e o desenvolvimento dessas atividades
econômicas. Essas soluções muitas vezes, ultrapassam o ramo do saber dos tribunais e
exigem respostas de quem entende do mercado em que está operando e das oportuni-
dades que ele traz.
Em verdade, a digitalização do mundo traz oportunidades para a advocacia. De-
mandas jurídicas são criadas pelos novos modelos de negócios, o gerenciamento de cri-
ses é mais requisitado com a proliferação de atividades de risco. O aumento da possibi-
lidade de uso de recursos antes subexplorados – como os dados – cria a necessidade do
desenvolvimento de regras e, consequentemente, de sua aplicação e da implementação
de ajustes para sua observância. Ademais, temos como desafio a discussão de estudos e
de trabalhos relacionados à ética e, portanto, ao Direito, tendo em vista o crescente uso
da inteligência artificial.
Ao mesmo tempo, os clientes, pertencentes ao tecnológico século XXI, aguardam
da advocacia o menor custo de transação e o sucesso da negociação, com criatividade e
flexibilidade, customizando os interesses envolvidos, de tal forma que assegurem às par-
tes segurança jurídica capaz de tornar próspera e duradoura a própria relação advogado/
cliente, antecipando-se e prevenindo os conflitos, com ética.
Isso pressupõe uma interface entre os juristas e demais áreas do conhecimento.
O mercado atendido pelo advogado empresarial seguramente pode ser enriquecido por
saberes da economia; pelo advogado tributarista, das ciências contábeis; o contencioso,
de programadores de computador; o direito de propriedade industrial, de técnicos das
mais diversas especialidades das ciências exatas; e aparentemente todas as modalida-
des do direito atualmente dependem da cibernética, dos algorítmicos e da inteligência
artificial.
E assim, com equipes multidisciplinares, as questões deontológicas e mercadoló-
gicas da advocacia poderão sofrer adequações que permitem extrapolar o espaço reser-
vado para sua atuação.
197
É certo que, as exigências dos clientes e do mercado tornam imperioso o aprofun-
damento de outros conhecimentos e de adequações necessárias a partir de novas regu-
lamentações. Este será o papel do CESA. Instigar os legisladores a propiciarem ambiente
dócil para evolução de novas relações econômicas e sociais. Porém, a essência do direito
permanece a mesma: a relação humana (o homem) que tem como ciência o objeto cul-
tural (o justo).2

2 Nesse sentido, conforme explanado por João Carlos Pietropaolo, a finalidade primária do direito não é aten-
der a demandas econômicas, mas, antes àquilo que é justo: “Em terceiro lugar, o sentido final do direito será́
o justo, um tipo de condição de compreensão racional do direito em razão de seu fim. Sem se reportar ao justo,
a interpretação será sempre provisória, no aguardo de argumentos que lhe deem”. PIETROPAOLO, Joao Carlos.
Limites de critérios econômicos na aplicação do direito: hermenêutica e análise econômica do direito. 2009.
Tese (Doutorado. Área de Concentração: Filosofia do Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, p. 240.
O CESA PROTAGONISTA DO FUTURO

Colocamos dois objetivos desafiadores para o CESA nas últimas linhas: o de ser
protetor do Estado Democrático de Direito através de seu papel de prestígio na socieda-
de brasileira e o de ser interlocutor das novidades trazidas pela revolução tecnológica no
mercado para as sociedades de advogados com intuito de que elas possam melhor satis-
fazer o interesse de seus clientes e estarem calçadas para salvaguardar os parâmetros da
ética que devem balizar a prática da advocacia.
E como materializar essas tarefas? Há caminhos fundamentalmente desafiadores
e outros de cunho eminentemente prático. Por exemplo, nos próximos anos almejamos
melhor comunicação por meio das redes sociais de nossa instituição para aprimorarmos
o diálogo, por meio da via digital, entre os membros dos valiosos Comitês temáticos do
CESA e a sociedade civil. Esta medida irá incentivar maior clareza nos objetivos do CESA
e o engajamento com os advogados mais jovens. Quiçá teremos espaço para publicações
técnicas de periódicos digitais voltados para os interesses dos associados, bem como
acervo com os vídeos das conferências as quais são mensalmente tão bem organizadas
pelos comitês e as seccionais. Também poderia se mostrar como plataforma de divul-
198
gação da lista de fornecedores de serviços para assessoria dos escritórios, ainda que em
forma de convênio com publicações especializadas nacionais e estrangeiras.
Vê-se também valor na elaboração de eventos itinerantes periódicos, de forma a
prestigiar as seccionais estaduais do CESA. Aliás, percebemos como veemente rica a me-
dida que é a marca registrada da atual gestão do CESA, capitaneada pelo presidente Gus-
tavo Brigagão, manifesta pelo reflorescer da descentralização das atividades do Centro
de Estudos. Esperamos que nos próximos anos algumas plenárias já possam ser organi-
zadas nas mais diversas secionais do país, inclusive para sensibilizar as associadas que
tem menor número de advogados para as causas pro-bono e de responsabilidade social.
O presente está conectado com o futuro. Muito há ser feito, mas os primeiros pas-
sos já foram colocados em marcha com os concursos e reconhecimentos promovidos
pelo CESA.
A tarefa institucional do CESA, enquanto comunidade de advogados não é pe-
quena, mas enquanto partícipe de nossa associação, nunca foi tão necessária, para de-
fendermos nosso valor comum que, em última análise, se resume na defesa do Estado
Democrático de Direito. Não bastam palavras, precisamos de transformações.
PERNAMBUCO

Propostas para o Futuro da Advocacia e do CESA

Ivo Tinô do Amaral Junior1

Para se ter um vislumbre do que será o futuro da advocacia e do CESA, nada mais
justo e necessário do que se olhar o retrovisor, o passado e a importância e relevância
da instituição no cenário nacional e os movimentos pelo qual a advocacia participou e
ultrapassou. Independente de para onde se caminhará e quais os desafios que surgirão,
uma coisa é certa: o que se deixa para trás é relevante e foi um aprendizado constante
nesse turbilhão de mudanças vividas pela advocacia, pela instituição e pelo mundo
jurídico.
Para contextualizar melhor a implicação e a influência dos fatos ocorridos, mere-
ce destaque o nascimento do centro de estudos de advogados, advindo da intenção da
advocacia em confraternizar nos encontros com os colegas e ao mesmo tempo trocar
199
ideias e experiências de forma leal e visando o fortalecimento das sociedades, bem como
as experiências, formatos, alcance territorial e direções que foram tomadas pelas bancas
de advocacia ao longo dos anos.
Logicamente o nascedouro do CESA com a sua formalização foi um marco tempo-
ral importantíssimo, contudo, a simbiose e a vontade de crescer juntos, gerir de forma
profissional, evoluir e aprender já vinha de antes, servindo esse momento como pontapé
documental para o que hoje representa grande parte da advocacia nacional, seus inte-
resses e seu desenvolvimento e perpetuação.
Com o passar dos anos, cada direção contribuiu para a robustez e crescimento
paulatino do CESA, ampliando em números de filiados, em expansão territorial, em re-
presentatividade e respeitabilidade, culminando no que hoje é a instituição. É evidente
que em cada momento vivido advieram desafios – cada época com seus percalços – mas
todos eles auxiliaram na evolução das sociedades.
Viu-se e ouviu-se falar em reengenharia de métodos gerenciais, advocacia 2.0, 3.0,
4.0, metodologias, reconstrução, revolução – e isso só para falar sobre gestão; mas não

1 Presidente da Seccional CESA-PE.


se pode esquecer das transformações sociais, demandas da sociedade, crescimentos e
declínios econômicos locais e internacionais. Só de reformas legislativas e crises polí-
ticas vivenciou-se tantas que nem nos dedos das mãos consegue-se contar; sejam com
mudanças que impactaram no meio jurídico, político, social, sejam alterações que cau-
saram transformações sociais, impactos perante a sociedade e evoluções tecnológicas.
Nessa transição do tempo, o CESA debateu e discutiu os temas sem pruridos e sem
tabus, uma vez que assuntos sensíveis nunca foram afastados nem patrulhados, pois a
essência do centro de estudos em relação ao meio acadêmico e à sociedade acompanhou
a evolução dessa discussão, seja pela possibilidade de impacto nas bancas de advocacia,
como também em todo o sistema jurídico, aí falando também do judiciário e da socieda-
de como um todo.
Muitos temas complexos, a exemplo dos acima citados, moldaram os eventos e
encontros da instituição e sempre foram estudados os possíveis gargalos – e bem assim
as soluções – dos desafios que eram apresentados, cada época tendo sua peculiaridade.
Cada momento teve uma tendência que afetava o meio jurídico e, para ter o vislumbre
referido inicialmente, necessário se faz também analisar o momento presente, igual-
mente cheio de desafios.
200
Atualmente se está vivenciando a integração da tecnologia ao campo jurídico, a
automação, a estatística, a multidisciplinariedade, a inteligência artificial, métodos di-
versos e virtuais de resolução de disputas e, como não poderia deixar de ser, reformas
legislativas, advindas do contexto social e econômico (local e mundial), onde a democra-
cia como sistema político no mundo continua sendo posta à prova.
O CESA não ficou de fora nessa quadra histórica e já com a visão de futuro, vem
realizando encontros, palestras, debates e discussões sobre as diversas matizes que es-
tão sendo apresentadas, sempre com o viés prático e pragmático, evitando apenas o
academicismo, pois a busca de soluções que deem efetividade é uma constante na ins-
tituição e deve ser almejada nos tempos atuais, onde os questionamentos e respostas
carecem de desenlace aligeirado.
Para as sociedades de advogados, não se pode deixar de estar atento para as ten-
dências em relação ao uso da inteligência artificial e a discussão sobre ética, o uso de
robôs (chatbots) na comunicação com os clientes, a ineficiência dos meios processuais
postos desde o ano de 2015 e que não demonstraram grande efetividade na redução de
demandas (IRDR, IAC, repercussões gerais, etc.). São temas que já foram discutidos em
comissões, reuniões gerais de associadas e comitês, com frequência.
A especialização da profissão vem sendo debatida pelo CESA desde a sua gênese e
esse debate se mostrou acertado quando hoje se vê o surgimento de novas áreas do direi-
to, a especialidade da especialidade e os novos mercados do mundo globalizado. Eviden-
te que em um país onde se tem mais de 1 milhão e trezentos e cinquenta mil advogados
e estimados mais que o dobro de bacharéis sem conseguir passar pelo filtro do exame de
ordem, o conhecimento aprofundado sobre um tema e habilidades em diversas áreas de
relações interpessoais dos partícipes se tornam imprescindíveis para o crescimento e a
solidificação das sociedades.
As novas áreas do saber, principalmente ligadas ao digital e virtual despontarão
nesse mercado, mas a profissão não deixará de existir como pregam alguns, eis que as
relações humanas são essenciais para a continuidade de nossa sociedade. Os escritórios
de advocacia devem continuar a investir em novos profissionais – e esses cada vez mais
haverão de ser mais e mais capacitados – e jamais deixar de antecipar as tendências e
mudanças surgidas. Não ter receio de mudar, mexer também no que está dando certo,
inovar e ter a inquietação da juventude será imprescindível para não ser engolido.
Já o CESA, para continuar na vanguarda do movimento classista e representativo
da sociedade, deve refletir nesses seus 40 anos continuar com sua abordagem adaptativa
201
aos reflexos do tempo e das mudanças. Quando se referem ao CESA, alguns desavisados
imaginam como associados os escritórios tradicionais, com ar taciturno e fechados às
mudanças, mas na verdade o movimento é o inverso, com escritórios tradicionais re-
novados, abrindo espaço para sócios mais jovens, mudanças de direção e, consequente-
mente, na condução do destino e dos novos ares; além, é claro, de diversos novos escri-
tórios, com fôlego ainda novo, quase neófitos e com gana de estarem na ponta de lança
das transformações.
É imperioso se questionar se muitas mudanças ainda estão por vir. A resposta
claramente é sim! E o CESA, desde o seu nascedouro, esteve preparado para isso e mu-
dou recentemente não apenas em relação à sua logomarca. A pandemia acelerou as re-
uniões virtuais, as decisões mais ágeis em centros de comando mais especializados e
mexeu com a cabeça e com a estrutura de todos, que se adaptaram e tiveram de se rein-
ventar com uma velocidade nunca vista antes.
Não obstante sensibilizar suas associadas para os tempos de “sociedade e relações
líquidas” e “vida de consumo e globalização nas relações humanas”, no dizer do soció-
logo polonês Zygmunt Bauman; a transmudação das leis e do pensamento da sociedade
em curto espaço temporal, trouxe para a instituição a obrigação de estar atenta à socie-
dade como um todo e não apenas ao meio jurídico que nos rodeia, a fim de não perder o
bonde da história.
O viés político que dominou a sociedade mundial nos últimos anos, teve no CESA
um bastião de defesa da democracia brasileira, por esse ser um dos seus objetivos e
princípios, não como uma instituição apolítica – pelo contrário – como entidade há ne-
cessidade de se estar dentro da política, estudando e praticando ela em suas relações,
mas como uma organização apartidária, a qual não se imiscuiu em ser protagonista
de movimentos que buscaram o resguardo dos direitos das suas associadas e, também
assim, da sociedade. De toda sorte, um dos princípios mais basilares, norteador das ações
do CESA, tem-se a certeza que jamais se descolará de seus membros e corpo diretivo: a
ética. Isso não mudará com o tempo e é inegociável.

202
PIAUÍ

Os Desafios do Futuro são Inspiradores: uma análise sobre


o futuro da advocacia e o uso da inteligência artificial

Álvaro Fernando da Rocha Mota1

Eric Hobsbawm, eminente historiador do século XX, dedicou-se incansavelmente


à compreensão do mundo contemporâneo, reconhecendo que havia a necessidade de
imergir nas complexidades dos séculos precedentes para só então entender o presente.
Basicamente, ao analisar os séculos XIX e XX, particularmente nas Revoluções do século
XIX e nas Guerras do século XX, Hobsbawn estabelece meios para sabermos quão desa-
fiador é o futuro.
Ao explorar o século XIX, Hobsbawm delineou a Revolução Industrial como um
evento transformador em todos os aspectos da vida humana, sobretudo, quanto à econo-
mia e à política, em torno da qual o Direito se envolve de modo decisivo – notadamente
203
no modelo político e econômico prevalente, o capitalismo. Hobsbawm destaca a interco-
nexão global resultante desse período, na emergência do capitalismo, no seu desenvol-
vimento e consolidação se fez acompanhar dos avanços tecnológicos determinados por
demandas e necessidades próprias de cada tempo.
O avanço tecnológico, embora tenha contribuído para mutações sociais e trans-
formações nas relações de trabalho, destaca-se na contemporaneidade por sua presença
até mesmo em áreas nas quais, pela natureza de trabalho intelectual, como a prática
jurídica – onde a automação parecia não caber. Contudo, a introdução de sistemas de in-
teligência artificial e automação na Advocacia indica uma transição para ambientes vir-
tuais, eliminando o uso de papel, adotando o tráfego de dados em nuvem e conectando
sistemas judiciais, o que pode trazer temores, mas sem dúvida tem aspectos positivos.
O fluxo de dados mensuráveis em terabytes bem assim o cotejamento de quantida-
de gigantesca de informações exige a utilização de robôs para uma leitura mais eficiente
de processos, facilitando a construção de argumentos para defesa e acusação nas ações

1 Advogado. Membro da Sociedade de Advogados Álvaro Fernando Mota Advogados e Consultores. Presiden-
te do CESA Piauí.
judiciais. A velocidade dos avanços tecnológicos supera a capacidade de absorção desses
conhecimentos em AI na formação inicial dos cursos de Direito – o pode levar a se pro-
jetar a substituição de profissionais por robôs em diversas tarefas repetitivas, derivando
disso maior produtividade dos escritórios.
Dessa forma, o futuro aponta para mudanças significativas no trabalho dos advo-
gados devido aos avanços tecnológicos. Contudo, é crucial lembrar que nenhuma má-
quina ou sistema de inteligência artificial pode replicar a capacidade humana de pensar
de maneira diversa e única – sobretudo considerando que a cognição humana se faz
acompanhar de valores éticos e morais, da capacidade de agir com empatia e de medir
subjetivamente os impactos de certas ações a decisões. Diante das transformações so-
ciais resultantes do avanço tecnológico, Eric Hobsbawm alertaria para a possibilidade
de vivermos tempos sombrios de uma revolução das máquinas – a qual será tanto mais
positiva quanto maior for o controle humano sobre a automação.
Neste sentido, mesmo com essas mudanças, o olhar humano sobre as questões
jurídicas não pode ser transferido integralmente para sistemas tecnológicos baseados
em algoritmos, pois cada caso possui particularidades e está sujeito a conjunturas que
escapam à percepção não humana. Isso significa que o papel do profissional de Direito
204
continuará a fazer diferença, o que faz das transformações tecnológicas e das revoluções
das máquinas um aspecto processual, não a essencialidade da atividade jurídica.
Convém sempre lembrar que o Direito é uma ciência voltada para o homem em sua
essência, constituindo-se em um sistema normativo que rege as relações entre os indiví-
duos em uma sociedade, sendo sua origem intrinsecamente ligada ao desenvolvimento
humano ao longo da história. Sua evolução é um reflexo da complexidade das interações
sociais e das necessidades de organização e controle – e nesse ponto, para além dos usos
tecnológicos, será necessário enxergar novos campos de atuação decorrentes de deman-
das emergentes no futuro para o Direito.
Devemos lembrar que em seus primórdios o Direito surge menos como mecanis-
mo para garantias individuais e mais como regulador social nas primeiras comunidades
humanas, mas desde as codificações das leis na antiga Mesopotâmia, por volta de 2100
a.C., com o Código de Ur-Nammu e, posteriormente, o famoso Código de Hamurabi, sua
função foi a de garantir construções sociais sólidas, mais ainda quando a diversidade e a
complexidade das civilizações se firmaram.
As bases filosóficas do Direito, que herdamos de Aristóteles e Platão, bem como
conceitos pétreos surgidos no Direito Romano nos mostram que o avanço tecnológico
no exercício profissional deve ser incapaz de alterar as percepções humanas decorrentes
dessas construções jurídicas milenares.
Justiça e equidade, respeito à propriedade, a percepção de sinais do bom direito,
onde quer que ele esteja, a ampla defesa e o contraditório, a dúvida favorecendo ao réu,
o bom senso como guia de nossas ações, e equidade como princípio fundamental para
não desfavorecer uma parte são temas imutáveis. A tecnologia os recepciona e pode até
fazer com que seu uso, na técnica, seja mais bem feito em favor da Justiça. Produtivida-
de em razão de avanço tecnológico não é prescindir do elemento humano, mas fazê-lo
mais eficiente, proativo, capaz de executar mais tarefas sem perder de vista sua condição
humana.
Sabemos que os avanços tecnológicos podem, de fato, alterar substancialmente
o trabalho dos advogados, mas é evidente que não poderão jamais ser suficientes para
dispensar a presença humana na Advocacia. A máquina pode funcionar perfeitamente,
mas sua eficácia depende da subjetividade humana – na qual está a nossa infinita capa-
cidade para o exercício da ética. Portanto, é mais sensato agir no Direito impulsionado
por pessoas do que por sistemas de informação baseados apenas em números, mantendo
uma razão humana capaz de reconhecer a possibilidade de injustiça e erro.
205
A sociedade contemporânea enfrenta uma revolução tecnológica abrangente, in-
cluindo o setor jurídico. A inteligência artificial pode automatizar tarefas rotineiras, ge-
rando debates sobre o papel futuro dos advogados. No entanto, a natureza humana do
Direito, intrinsecamente ligada à ciência social moldada por cultura, valores e nuances
humanas, permanece inabalável. Não há máquinas, softwares, bots ou sistemas de in-
formação baseados em inteligência artificial que possam reproduzir essas competências
cornificavas humanas.
Compreendemos, assim, que a interpretação de leis, a administração da justiça
e a resolução de conflitos requerem uma compreensão profunda da natureza humana,
algo que as tecnologias, por mais avançadas que se tornem, não conseguem replicar
totalmente – embora possam fazê-lo não por princípio ou iniciativa próprias, mas como
replicadoras da ação humana. A prática do Direito exige empatia e um julgamento ético
apurado, habilidades cruciais para lidar com situações complexas e nuances emocionais
e éticas que as máquinas não podem compreender plenamente. E é possível que mesmo
sendo mais ágeis seguirão como incapazes de ter o mesmo nível de habilidade cognitiva
humana.
Nesse contexto, o papel do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados torna-
-se vital na preparação dos profissionais do Direito para os desafios do futuro – fazen-
do-se repositório e replicador de saberes decorrentes desses avanços tecnológicos. O
CESA, como um espaço de relações corporativas baseadas na amizade, guiar-se por uma
cultura de cooperação, algo realmente positivo num mundo em que se valoriza mais a
competição – sobretudo em nossa contemporaneidade eivada por avanços tecnológicos
que aprimoram produtividade pela rapidez da automação, ao tempo em que se enxer-
gam esforços mitigadores da necessidade do advogado como elemento essencial no fa-
zer jurídico-forense. Assim, atua o CESA para crescimento de todos os que dele fazem
parte, fazendo-se instituição humana, possibilitando o contato humano – sem embargo
dos usos tecnológicos como ferramenta de gestão e aumento de rendimento.
O CESA prima por alinhar o Direito aos avanços tecnológicos e, neste sentido, tem
se guiado pelo estímulo ao uso da tecnologia da informação e mais recentemente o da
inteligência artificial, como ferramentas de trabalho nas sociedades de advogados.
Esse trabalho do CESA não se circunscreve à entidade e seus associados, pois con-
forme a sua cultura colaborativa, há que se estabelecer interfaces com outras organi-
zações, sendo a Ordem dos Advogados do Brasil a primeira nessa perspectiva de coo-
peração – que foca ainda em segurança jurídica e desenvolvimento econômico, fatores
206
preponderantes para mais e melhor atuação das sociedades de advogados. Esse desenho
institucional que privilegia a ação cooperativa e solidária afasta do CESA a condição de
uma entidade focada em interesses pontuais, de modo que uma solução construída no
âmbito da instituição se prestará a atender a todos os que dela fazem parte. Ademais,
a referida instituição visa à formação como elemento que deve transcender o conheci-
mento técnico, incorporando aspectos éticos, sociais e emocionais na prática jurídica.
O desenvolvimento de habilidades não facilmente replicáveis por máquinas torna-se
imperativo.
Assim, sendo a automação um passo sem volta e que concorre para agilizar pro-
cessos e facilitar tarefas rotineiras, é fundamental que os advogados abracem as opor-
tunidades oferecidas pela tecnologia para aprimorar seu trabalho. Ferramentas de inte-
ligência artificial podem ser aliadas na pesquisa jurídica, análise de dados e previsão de
resultados, permitindo que os advogados se concentrem em aspectos mais complexos e
humanos da prática jurídica.
O futuro da advocacia e os desafios iminentes são temas de grande interesse para
nós. O ato de advogar não é meramente um fazer profissional, a rotina das formalidades
tão comuns e muitas vezes inalcançáveis ou da lida com as leis. É, principalmente, uma
atividade humana que requer dedicação, respeito às pessoas, conduta ética irreparável e
compromisso com o próximo. Traduz-se a advocacia também em ação solidária, em que
a tecnologia é parte da rotina e necessidade recorrente.
Tem sido comum em nosso país enxergar no advogado um profissional que age
apenas com a frieza técnica jurídica ou, em olhar estereotipado, como profissional que
se move por interesses comezinhos. Nunca se enxerga a real importância do seu mister
para a vida das pessoas, seja na preservação dos direitos individuais e coletivos, seja
na obtenção de sentenças condenatórias àqueles que atentaram contra as prerrogativas
alheias.
Neste aspecto, para além dos usos tecnológicos, teremos que perceber o trabalho
futuro do advogado através de multidisciplinaridade. Há que se estabelecer um diálogo
com outras áreas do conhecimento humano, a começar pela inteligência artificial, a qual
se impregna de um fluxo gigantesco de informações. Especializar-se ou ter uma postura
propedêutica tende a ser essencial para os novos tempos, em que os desafios exigirão
sempre novos saberes e novas competências.
É, assim, adequado que se olhe para o futuro não como uma ocorrência em um
horizonte longo demais para não ser percebido. O futuro se constrói de modo cotidiano
207
e agora. Neste cenário, quem antecipa-se o futuro com estudo recorrente e obsessivo, o
que pode dar aos que assim agem a capacidade para antecipar tendências, compreender
os avanços tecnológicos, perceber que as mutações sociais, econômicas e culturais farão
surgir novas demandas jurídicas.
Em meio a esses processos evolutivos que tanto tempos que compreender quanto
acompanhar e incorporar como técnica e demandas profissionais novas e desafiadoras,
cabe lembrar que seguiremos sempre, pela natureza de nossa atuação profissional, como
advogados. Nossa natureza, com efeito, segue o padrão de defesa da sociedade, dos di-
reitos da pessoa humana, que se estendem desde questões mais simples até demandas
jurídicas que podem se transformar em paradigmas para o futuro.
Neste sentido, é que o advogado age não apenas para si, mas para a coletividade.
Mesmo uma ação individual ou especialíssima pode redundar em benefício de todos,
porque não se trata de defender uma pessoa em si, mas o direito comum a todos, so-
bretudo o que chamamos de direitos fundamentais ou, mais simplesmente de direitos
humanos.
Os advogados são pessoas humanas defendendo gente e seus direitos. Não é ape-
nas profissão, mas compromisso. Não é apenas um ato de trabalho para uma contrapar-
tida financeira, mas uma ação de quem acredita na democracia, no Estado de direito, na
possibilidade de se fazer Justiça e de se atingir sempre o bom senso. Advogado, enfim, é
um ato humano e humanista.
Certamente, vivemos tempos de transformação necessária, impulsionados por no-
vos profissionais e avanços tecnológicos, mas o advogado deve estar atento ao ambiente
que o cerca, pois a legislação não muda com a mesma rapidez que os usos e costumes. Ao
olhar além da fria letra da lei, o advogado contribui para estabelecer novos paradigmas
judiciais e torna-se protagonista de mudanças essenciais para a melhoria da sociedade.
Portanto, o futuro da advocacia deve equilibrar a incorporação de tecnologias ino-
vadoras com a preservação dos elementos humanos inerentes ao Direito. A máquina
pode ser uma auxiliar valiosa, mas a empatia, a ética e a compreensão profunda da na-
tureza humana continuarão a posicionar o advogado como uma figura insubstituível no
cenário jurídico.

208
RIO DE JANEIRO

O Futuro da Advocacia e o Papel do CESA no seu Desenvolvimento

Francisco Antunes Maciel Müssnich1


Marcella Campinho Vaz2

Ao longo dos últimos quarenta anos, o Centro de Estudos das Sociedades de Ad-
vogados (“CESA”) deixou de ser um simples fórum de troca de ideias, e se transformou
numa instituição de referência no desenvolvimento das sociedades de advogados no
Brasil. Com a reunião de gestores de escritórios em todo o Brasil, existe no CESA um
esforço conjunto para debater temas de interesse comum, como regulamentação da pro-
fissão, modelos de inclusão/diversidade, modelos de gestão e de formação de sócios,
questões fiscais e trabalhistas.
Com o objetivo maior de estabelecer padrões que favoreçam a atuação dos escri-
tórios de advocacia em um ambiente de negócios cada vez mais dinâmico, moderno e
209
inclusivo, o CESA hoje assume um importante papel nas iniciativas de transformação
da sociedade, liderando a discussão de temas que envolvem os escritórios de advocacia,
o Direito e a sociedade como um todo. Por meio dessas iniciativas e discussões, o CESA
assume atualmente relevante capacidade de desenvolver e influenciar o futuro da advo-
cacia.
Para a análise desse futuro, é impossível não falar sobre tecnologia. Fica cada vez
mais claro que as novas tendências da área jurídica se baseiam na tecnologia e na in-
teligência artificial. Por meio dessas ferramentas, é possível alcançar a automatização
de procedimentos, gerando alternativas essenciais para a atividade advocatícia. Investi-
mentos em softwares jurídicos e outras estratégias tecnológicas são essenciais na orga-
nização dos processos e no ganho de agilidade na gestão interna dos escritórios. Essas
soluções tecnológicas possibilitam, por exemplo, a gestão e a assinatura digital de do-
cumentos; a redação de petições e procurações padronizadas; a pesquisa de precedentes

1 Sócio fundador do escritório Barbosa Müssnich Aragão. Presidente do CESA – Rio de Janeiro.

2 Advogada do escritório Barbosa Müssnich Aragão.


e desenvolvimento de previsões de possíveis sentenças e decisões judiciais por meio de
algoritmos (jurimetria); a realização de reuniões e palestras virtuais; o acesso a biblio-
tecas virtuais; etc.
Nesse cenário de constante avanço tecnológico, o CESA tem uma importante fun-
ção e deverá cada vez mais trabalhar na divulgação e no debate acerca da utilização
desses instrumentos tecnológicos pelos advogados e sua influência na gestão dos escri-
tórios de advocacia brasileiros.
Outro ponto essencial do futuro da advocacia – que nunca deixou, nem deixará de
ser um elemento imprescindível na nossa área – é o conhecimento e a estratégia do ad-
vogado, que, em sua essência, são insubstituíveis. Enquanto a tecnologia, ao substituir
e agilizar a realização de tarefas operacionais e repetitivas, está cada vez mais operando
como um instrumento facilitador da atividade da advocacia, a competência técnica e a
experiência dos advogados permanecem sendo uma premissa básica na atuação profis-
sional. Nesse aspecto, o CESA, por meio de seus diversos comitês temáticos, desponta
como uma instituição apta a desenvolver os profissionais associados e mantê-los atua-
lizados dos mais diferentes assuntos, prezando por um futuro em que o conhecimento
não deixe de ser uma prioridade na advocacia.
210
Ao lado da técnica do profissional, o futuro da advocacia também está ancorado
nas chamadas softskills e no aprimoramento da diversidade e da inclusão nos escritórios
de advocacia.
Nessa linha, o CESA vem se destacando por meio de seu Comitê de Diversidade e
Responsabilidade Social, que contribui para difundir boas práticas que auxiliem na im-
plementação de políticas de diversidade, responsabilidade social e advocacia pro bono
nos escritórios de advocacia, visando estabelecer novos patamares para a prestação de
serviços jurídicos no Brasil, de forma mais diversa e inclusiva. Contudo, o aprimora-
mento desses valores no âmbito jurídico, campo ainda muito conservador, não é tarefa
fácil. Como exposto na “Cartilha Diversidade”, elaborada por um grupo de associadas
integrantes do referido comitê, tal aprimoramento:

“requer esforços contínuos da liderança e um agir consciente de cada pro-


fissional para combater seus vieses inconscientes, especialmente os de afi-
nidade. Além de ser a coisa certa a se fazer do ponto de vista da justiça
e dos direitos humanos, há enormes ganhos para o negócio. As empresas
e os escritórios de advocacia diversos e inclusivos atraem, desenvolvem
e retêm os melhores profissionais porque têm um ambiente de trabalho
mais rico, respeitoso e humano e, assim, potencialmente mais criativo, co-
laborativo e inovador. O caminho da diversidade e da inclusão, apesar de
desafiador, parece ser de mão única e não ter volta. Assim, os negócios que
quiserem se perpetuar com sucesso ao longo do tempo devem rapidamente
começar a trilhá-lo”.3

A dificuldade não deve servir de empecilho para a evolução, muito pelo contrá-
rio. E dentro desse cenário, o CESA tem um grande potencial de influenciar e expandir
ideias inovadoras para que a inclusão seja realizada de forma mais efetiva. Em 2017,
por exemplo, o Comitê de Diversidade e Responsabilidade Social apoiou ativamente o
CESA no lançamento do “Projeto Incluir Direito”, uma iniciativa inovadora, que qualifi-
ca estudantes de Direito, autodeclarados negros, para inserção no mercado jurídico. Por
meio desse projeto, que meu escritório tem a honra de participar, busca-se um ambiente
jurídico mais diverso e acolhedor, que desenvolva uma atuação jurídica coerente e afir-
mativa.
Cabe aos advogados e seus respectivos escritórios estarem atentos a essas novas
211
perspectivas, aproveitando-se da tecnologia de forma inteligente, mantendo um nível
de conhecimento e criatividade sempre elevado e adotando um olhar mais cuidadoso
para toda a questão social que envolve nossa sociedade. O CESA tem uma grande im-
portância nesse caminho, que vai além de uma mera representação de seus associados,
abrangendo a promoção de estudos e debates, inclusive no âmbito social, o que se revela
essencial para o futuro de nossa advocacia.

3 Cartilha Diversidade. CESA, p. 13. Disponível em https://cesa.org.br/wp-content/uploads/2023/02/cartilha-


diversidade1.pdf. Acesso em 13.10.2023.
RIO GRANDE DO SUL

INOVAÇÃO como ferramenta no Ativismo Judicial


e na Inteligência Artificial

Ricardo Jobim Faraco de Azevedo

Sobre o tema proposto – o futuro da Advocacia e do CESA – ele é de


densa consistência e ao mesmo tempo genérico. Das diversas suges-
tões que serão trazidas por artigos que estão sendo escritos para esse
Anuário 2023 do CESA, ficarei com o tema e com os conhecidos cami-
nhos ou ferramentas da INOVAÇÃO.

A inovação é peculiar ao CESA já porque a trouxe em sua gênese. Quando o CESA


foi constituído, talvez sem se dar conta da gigantesca importância que em seguida viria
a ter, ele estava criando uma associação de advogados, um centro de estudos de socie-
213
dades de advogados sem dúvida já inovatórios, já diferentes de todas as associações, so-
ciedades, corporações de advogados que então se tinha. Inovou! Através de um objetivo
novo e distinto das finalidades das associações que então existiam. Inovou tanto que
cresceu tanto. E hoje estamos aí com 40 anos de vida. E de posição e prestígio invejáveis
nos cenários jurídico, advocatícios, judiciário e frente aos poderes da República. Então,
sua peculiar e inovadora “marca registrada” permitiu e permite que o CESA possa en-
frentar, com igual sucesso, os desafios inovadores, até mesmo ameaças inovatórias que
temos e vamos continuar a encontrar pela frente.

( I ) O primeiro desses desafios que deverão ser enfrentados como soluções para
o futuro está no JUDICIÁRIO. O Judiciário como um todo e de uma forma muito especial
o Supremo Tribunal Federal. E isso porque o STF vem adotando e provavelmente conti-
nuará adotando uma posição inovatória, razão pela qual a atitude do CESA deverá ser,
entre aspas, combater e fomentar o combate a essa postura do Supremo. Trata-se de um
ativismo judicial pelo qual o STF acaba propositadamente governando. Não porque o
Supremo seja “mauzinho”, mas sim porque a incompetência, a inação, os corporativismo
e clientelismo escancarados dos outros poderes fizeram e fazem com que o Supremo se
encoraje a tomar uma atitude proativa, muitas vezes de ofício. Atitude de muitas vezes
tomar à frente de problemas por ele supostos e decidir, com questionável legitimidade
constitucional para atuar de ofício. A nossa corte suprema está em verdade governando
através de suas decisões, como já fazia no governo anterior e agora está alguma vezes
emparedando o governo atual, o qual ensaia, em esforço apressado mas inequívoco, mo-
vimentos para obter uma maioria parlamentar e, quem sabe, aprovar normas que possam
travar ou limitar essa proatividade do Supremo, u até invalidar alguma decisão da corte.
Por isso que esse nosso DNA, inovatório e de vanguarda, do nos oferece ânimo, pendor
e capacidade para colocar a experiência processual e judicial de nós advogados para
segurar e conter esse excesso de protagonismo judicial, que o Supremo vem cometendo.
E esse é o grande desafio junto ao Supremo, para o futuro, que o CESA deve e certa-
mente irá enfrentar, quando reagir ao excesso de atividade judicial. E esse enfrentamen-
to na essência é o exercício da defesa da Democracia e da Cidadania. Temos que o fazer
enfrentando a questão de forma específica, caso a caso, processo a processo, porque isso,
além de eficiente, é o que advogados sabem fazer. E não deixar passar uma oportunidade
em um processo, em uma sustentação oral, em um recurso em que deva ser questionada
a constitucionalidade e a legitimidade de o judiciário julgar o que, por determinação
214
constitucional, o legislativo tem que votar ou o executivo tem que fazer!
Mas enfrentamentos e ações a serem feitos de forma uniforme, em que cada advo-
gado, cada escritório, cada sociedade digam mais ou menos a mesma coisa. Temos que
invocar nosso argumento de inconstitucionalidade em todas as vezes e todas oportuni-
dades do mesmo jeito, porque obviamente as chances de sucesso aumentam. Tem que
ser dito “Vossas Excelências não podem governar, Vossas Excelências não podem decidir
temas que não lhes são de competência constitucional”, daquela mesma Constituição que
sempre é invocada nos julgamento do Supremo. Assim, será garantida a constitucional
cláusula pétrea da separação dos poderes. Por exemplo, que a feitura da lei ordinária é
de competência exclusiva do Poder Legislativo.
Claro que poderíamos cair em outro problema – qual o do Legislativo ou o Executi-
vo agirem de forma inadequada e de forma corporativa – mas não há outro jeito, porque
só nós podemos agir e por termos o direito e o dever de defender e de contra-atacar
direitos agredidos, por quem quer que seja, inclusive pelo Supremo. Nós advogados e
o CESA é que temos o poder ; ninguém tem mais poder que nós e mesmo credibilidade
para dizermos ao STF: calma, basta. Há que tenha, mas tanto não dizem.
E esse ora preconizado movimento inovatório do CESA vigora no mundo todo.
Transita pelos meios de comunicação e por redes sociais, em admirável e arriscada ve-
locidade. Mas são tão rápidas as pautas judiciais em série, em padrão, em standard, que
fazem com que as decisões sejam aceleradamente proferidas, os recursos rapidamente
julgados e retornando celeremente à primeira instância, já para execução.
Entendo que essa tarefa de se irresignar frente à Suprema Corte deva ser o pri-
meiro objetivo para o futuro do CESA e da Advocacia. E através dessa sugerida investida
frene ao Supremo. Com jeito e com respeito, mas com firmeza para não perdemos o
nosso respeito.

( II ) Bem, o ponto número dois – mas preliminarmente recordando que dele o


CESA já se ocupa há mais de 6 anos, com seminários, eventos, reuniões, trazendo advo-
gados e técnicos especialistas na área – também trata-se de uma inovação. Inovação ex-
terna ; inovação sofrida pelos escritórios: a questão da polêmica inteligência artificial.
E inteligência artificial se combate com inteligência, inclusive com própria inteli-
gência artificial. Porque nós advogados não devemos permitir e temos que estar atentos
para impedir que o Direito seja “dominado” pela máquina. Se ela vier para otimizar, para
organizar e para modernizar e, sobretudo, para de uma forma rápida e ágil (sem perda da
215
qualidade jurídica) reprogramar e redesenhar os escritórios, tudo OK. Essa inteligência
artificial não só será bem recebida como já está sendo bem acolhida. Mas existem limi-
tações para ela e essas de limitações o CESA já está e terá que continuar tendo atenção,
usando as suas criatividade e ferramentas inovatória próprias. E isso através da inovação
que eu venho preconizando ao longo do que estou escrevendo acima. É não é o saudável
caso de a inteligência artificial vir para organizar processos de escritórios que possuam
muitos processos, sobretudo muitos processos de um mesmo tipo; ou para empresas que
tenham muitas ações de uma mesma natureza.
Ela já está aí, mas a inteligência artificial não tem a caneta de um bom advogado,
não dispõe do teclado de um bom profissional do direito. Ela não cria. Ela repete, ela
agrupa ou ela copia e cola. Por isso não podemos concordar que o juiz (às vezes nem o
juiz, mas o assessor do assessor do juiz) decida o nosso processo automaticamente, num
quase copiar e colar, decidindo de forma repetida a outros tantos feitos que o tal ente
artificial lhe indica, sem exame detalhado, sem examinar as peculiaridades, as nuances,
as diferenças das provas produzidas no nosso processo!
Mas esse embate com a inteligência artificial a meu juízo é mais desafiador e infi-
nitamente mais inovatório do que a questão número um acima, que foi o enfrentamento
jurídico-processual do ativismo do STF e de Tribunais de segunda instância ativistas.
E, para o presente Item II – a inovação tecnológica da Inteligência Artificial – nós não
estamos tão bem aparelhados ou aqueles que o estão não estão muito acostumados a
enfrentar a máquina artificial, nos tribunais. Desde que o mundo é mundo o advogado
sabe advogar, mas contra inteligência artificial talvez tenhamos que nos valer até de
uma inteligência artificial, nossa, própria. Mas para interagirmos e nos defendermos
desse ente artificial, temos que ter também a máquina para nossa defesa.
E nessa quadra deste parco artigo, o nosso desafio inovatório tem que ter cuida-
dosa atenção, pois não temos em nossa originária formação a área tecnológica. Os mais
jovens tem melhores noções, mas na grande média não temos em nossa formação essas
ciências da computação, da tecnologia e da dita inteligência artificial. Eu não tenho so-
lução pronta para oferecer. Justamente por essa razão estou a preconizar que seja nesse
tema da artificialidade que enderecemos nossos binóculos e quem sabe nossos mortei-
ros. Nossos esforços e visões para o futuro do CESA e da Advocacia.
Que a tecnicidade da inteligência artificial fique restrita à organização, à forma e
nunca alcançando as teses jurídicas dos advogados, nem os argumentos de suas petições
iniciais, defesas e recursos. Ela tem que auxiliar como uma disciplina subordinada, uma
216
ciência paralela e assessória E, assim, tornar-se uma aliada. Mas uma aliada operacional.
Mas uma aliada submetida aos advogados, que são os verdadeiros e exclusivos operado-
res do direito.

( III ) Nesse tópico final do que escrevo, tento me debruçar sobre as ferramentas
que possam existir para que o futuro da Advocacia e do CESA possa ter um enfrentamen-
to exitoso dos Itens I e II supra, quais o ativismo judicial e a inteligência artificial.
Na verdade trata-se de tríplice ferramenta e, resumidamente, elas podem ser no-
minadas como Talentos, Formação de Lideranças e Gestão, gestão desses talentos
e lideranças. Com o que estaremos crescendo e nos habilitando nessa “santa e jurídica
guerra”.
Os três pontos desse olhar para o futuro misturam-se e até se confundem em al-
guma medida. Mas não estão em ordem hierarquia. Somente os separei, como fiz com os
Itens I e II supra. Para facilitar para mim, que escrevo, e quem sabe ficar mais didático
para os que tiverem a paciência de me ler.
Relativamente aos talentos, nosso futuro na batalha residirá em uma criteriosa
e profissional seleção e recrutamento de talentos. Na praça não faltam talentos. Temos
que encontrar advogados ainda melhores para o empreendimento contra o ativismo. E
também precisamos de advogados com conhecimento técnico especializado para o en-
frentamento da tecnologia inteligência artificial.
Uma vez recrutados, o escritório deverá ter a inteligente visão de os bem treinar,
oferecer cursos, bancando de alguma forma a formação/evolução de tais talentos, para o
futuro deles e do próprio escritório. Eles muito poderão auxiliar no enfrentar do ativis-
mo e a artificialidade tecnológica.
Quanto à formação de lideranças, ela é quase um corolário do bom recrutamento
de talentos, porque os talentos que vão ingressar e se formar na parte de baixo da pirâ-
mide de cada escritório deverão tocar à frente, com sucesso, todo esse processo inovador
e de duplo alvo.
E quanto à gestão, por óbvio ela tem por escopo administrar de forma eficiente
e moderna os talentos recrutados e os líderes a serem formados. Talentos e líderes que
muito poderão auxiliar na revisão e modernização das internas rotinas operacionais dos
escritórios, em seus processos operacionais, processos esses responsáveis pelo ingresso
de uma ação judicial, pelo andamento do processo, desde sua chegada no escritório, seu
desenvolvimento e término.
217
Naturalmente essa gestão facilitará em muito as soluções de inovação a serem
protagonizadas pelos talentos e líderes que, bem geridos, por certo saberão adotar todas
as ações para o enfrentamento acima vislumbrado do ATIVISMO JUDICIAL e da INTE-
LIGÊNCIA ARTIFICIAL.
SANTA CATARINA

CESA, o futuro sem perder o essencial

Giancarlo Castelan1

O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA, é uma entidade as-


sociativa e sem fins lucrativos. Fundada em 1983, por colegas advogados oriundos de
sociedades de advogados, que ao tempo buscavam, dentro de um espírito de união e de
colaboração, reunir esforços para desenvolver atividades comuns, entre elas, defender
seus interesses, buscar o aprimoramento de gestão, enfrentar novos desafios da concor-
rência profissional, além de difundir conhecimento jurídico e ser, também, uma institui-
ção defensora do estado de direito e da democracia.
Desde então, sempre esteve na vanguarda, confrontando problemáticas em apoio
às sociedades de advogados e ao progresso da advocacia no Brasil, não sendo diferente
na quadra atual, em que o CESA é chamado, mais uma vez, a auxiliar suas associadas
219
frente à realidade que se avizinha diante das novas tecnologias a serem implementadas
nos escritórios.
Mas, relembrando, ao longo destas quatro décadas, marco invejável de sua profícua
existência comemorado neste ano de 2023, o CESA consolidou-se como uma referên-
cia no cenário nacional, quer seja por seu papel associativo, congregando na atualidade
mais de 1.000 (mil) sociedades de advogados em todo o país, quer por suas conquistas
em prol das sociedades de advogados. A exemplo, temos o disciplinamento do exercício
da profissão nas sociedades de advogados, participando junto à Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) da elaboração de capítulo próprio das sociedades, do Estatuto da Advo-
cacia – Lei n. 8.906/1994, de Provimentos como o que regulou o exercício profissional do
advogado estrangeiro no Brasil, o que tratou da manutenção do nome do sócio titular
da sociedade de advogados pós-morte, do exercício profissional pro bono, da regulamen-
tação das sociedades unipessoais de advocacia, além de contribuições na elaboração do
Código de Ética e Disciplina da OAB, entre outras atuações de absoluta importância para
a profissão e para as sociedades de advogados.

1 Presidente CESA/SC.
O CESA também enfrentou ao longo deste tempo desafios de aprimoramento da
administração dos escritórios, preocupando-se com a implementação de técnicas mo-
dernas de gestão de pessoas e financeira, introdução de novas tecnologias associadas ao
uso da informática, organização funcional dos escritórios, formação de sócios, questões
referentes a relações trabalhistas bem como aspectos ficais relevantes aos interesses
das sociedades de advogados. Tudo visando impulsionar o desenvolvimento e aprimo-
ramento do exercício da profissão e das sociedades, mostrando-se uma entidade conec-
tada com o dia a dia dos assuntos e interesses comuns das associadas, comprometida
permanentemente em trazer benefícios por meio de ações coletivas que vão ao encontro
dos princípios do associativismo.
De outro plano, o exercício da advocacia ao longo deste tempo de existência do
CESA mudou, várias foram as transformações, passou-se do uso da máquina de escrever
para o uso maciço e integral dos computadores, dos processos físicos para os eletrônicos,
da realização de audiências e sessões de julgamento da forma presencial para o modelo
virtual. Enfim, acontecimentos, novos hábitos e novas ferramentas que foram mudando
e revolucionando a prática do direito e o exercício da profissão, imprimindo mais veloci-
dade, mais economia de tempo e trazendo mais aplicabilidade.
220
Diante de sua realidade e dos novos padrões, o CESA com força motriz calcada na
sua atuação associativa, colaborativa e apoiadora, sempre esteve ao lado de suas asso-
ciadas, e não será diferente no atual momento. A advocacia passa por mudanças signifi-
cativas no seu exercício, com a chegada de novas técnicas de comunicação e novas ferra-
mentas tecnológicas, entre as primeiras o legal desing e o visual law, e entre as segundas
podemos citar a utilização da inteligência artificial, novos marcos transformadores que
redefinem a forma como os advogados operam e que exigirão do profissional da advoca-
cia, adaptação, habilidades, qualidades e caraterísticas para uma nova forma de advogar.
A combinação inovadora de princípios de design gráfico no ambiente jurídico, para
tornar os documentos mais simples de compreensão, transformando a informação em
algo mais acessível, estará em coexistência com o binômio tecnologia e trabalho huma-
no, advindo do uso da inteligência artificial.
A uso da inteligência artificial, aliás, representará, como já está representando,
uma ruptura com o modelo artesanal de advogar. Com a inserção da tecnologia haverá
simplificação no acesso a informações jurídicas com ferramentas de pesquisa e métodos
de automação de processos. Bases de dados substituíram a análise detida da demanda
jurídica pelo advogado, petições, ainda que complexas, serão elaboradas em segundos,
minutos, representando este estado de coisas uma seletividade para os profissionais ad-
vogados, para se adaptarem a esta forma de advocacia que já está se fazendo presente e
mira o futuro próximo.
Para tanto, estes novos profissionais que o mercado de trabalho passa a exigir, de-
verão ser dotados de expertises e características muito próprias para o momento. Além
de uma formação jurídica sólida, o advogado terá que aliar conhecimentos multidisci-
plinares e de tecnologia no exercício de suas atividades, para que possa aproveitar bem
e corretamente as vantagens do uso da inteligência artificial. A tradicional posição que
o advogado se coloca diante do problema jurídico levado a seu conhecimento será mo-
dificada, pois ao invés de responder indagações sobre ele, deverá saber o que perguntar
para a Inteligência Artificial (AI) a seu respeito, sendo assertivo nos questionamentos,
buscando obter as melhores respostas e, a partir daí, encaminhar providências para a
solução da demanda. Isto requer de sua parte, como dito, domínio jurídico, somado,
também, a uma dose de criatividade e curiosidade, além de uma boa comunicação.
O CESA, mais uma vez, é chamado a apoiar as sociedades de advogados, que tam-
bém necessitam se adaptar a esta nova realidade para abrigar e selecionar em seus qua-
dros este novo perfil de advogado. Os escritórios passarão por modificações em suas es-
221
truturas, com o uso das novas ferramentas tecnológicas e da IA, que por certo implicarão
em uma seleção natural daqueles profissionais aptos a estes novos tempos.
Sem dúvida, inúmeras serão as tarefas a serem cumpridas pela entidade, pois com
o seu poder de penetração nas sociedades de advogados a ela associadas, visto sua capi-
laridade através de suas Seccionais e Comitês, o CESA deverá dar contribuições inesti-
máveis neste novo momento.
Realça, de sua característica associativa, o traço da humanidade, congraçamen-
to de pessoas e profissionais, elemento essencial a ser considerado no momento que
a máquina começa a ganhar espaço no cenário do exercício da advocacia, implicando
em que o CESA reafirme perante suas associadas a necessidade de valorização da ap-
tidão dos profissionais, pois nada substitui o ser humano, sua inteligência, capacidade
de julgamento e empatia. Cabe ao CESA impulsionar o novo, mas valorizando sempre a
indispensabilidade de profissionais advogados nas estruturas das sociedades, angaria-
dos dentro dos critérios exigidos pela nova realidade que se avizinha. É o conhecimento
humano no centro da advocacia mesmo diante da crescente influência das máquinas.
Demais disso, justamente por se fazer presente na extensão do território nacio-
nal por suas Seccionais e fazendo uso da tecnologia hoje tão difundida de transmissões
on-line, o CESA deve buscar interiorizar suas ações, não só para suas associadas, mas
também captando novas sociedades de advogados para o seu ambiente associativo, ca-
pitaneando com o seu poder de representatividade e prestígio, reuniões abertas e fóruns
de discussões sobre este novo padrão da advocacia do futuro, capacitando profissionais
para prosperar neste novo modelo.
Assim, o CESA, que é farol de orientação para a advocacia brasileira e para as so-
ciedades de advogados, estará dando, com estas e outras ações, contribuição inestimável
ao cenário jurídico nacional nestes tempos de mudança, se preparando também para
novas décadas de existência, mantendo-se fiel ao seu compromisso de impulsionar o
novo enquanto preserva o essencial.

Outubro de 2023.

222

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