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Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC Xxxxx-

67.2020.8.26.0474 SP Xxxxx-67.2020.8.26.0474 | Jurisprudência

Registro: 2022.0000183598

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-67.2020.8.26.0474, da Comarca de Potirendaba, em que é apelante
NELSON SICCHIERI FILHO, é apelado BANCO C6 CONSIGNADO S/A.

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 38a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Deram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto da relatora, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARIO DE OLIVEIRA (Presidente) E SPENCER ALMEIDA FERREIRA.

São Paulo, 16 de março de 2022.

ANNA PAULA DIAS DA COSTA

Relator (a)

Assinatura Eletrônica

Apelação nº XXXXX-67.2020.8.26.0474

Apelante: Nelson Sicchieri Filho

Apelado: Banco C6 Consignado S/A

Ação: Declaratória de inexistência de débito cumulada com

indenização por danos morais

Origem: Vara Única da Comarca de Potirendaba

Juiz de 1a Instância: Dr. Marco Antônio Costa Neves Buchala

Voto nº 2.349

INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. Fraude na contratação de empréstimo consignado. Consumidor por equiparação. Aplicação do CDC. Alegação
de falsidade de assinatura. Comprovação da falsidade por perícia técnica judicial. Inexigibilidade que se impõe. Falha na prestação de serviço.
Ausente culpa exclusiva da vítima. Responsabilidade do banco não elidida na forma do artigo 14, § 3º, I e II do CDC. Responsabilidade objetiva
do banco por fortuito interno decorrente de fraude. Súmula 479, do STJ. Danos morais in re ipsa. Caracterizado. Teoria do desvio produtivo do
consumidor aplicável à espécie. Necessidade de majoração em atenção aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Incidência de juros da
mora desde o evento danoso (Súmula 54, do STJ), por se tratar de responsabilidade extracontratual. RECURSO PROVIDO.

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls. 156/162, cujo relatório se adota, que julgou parcialmente procedentes os pedidos
iniciais.

Busca-se a reforma da sentença porque: a) o montante arbitrado a título de danos morais deve ser majorado para o equivalente a 10 (dez) salários
mínimos; b) o termo a quo de incidência dos juros de mora deve ser fixado da data do evento danoso (fls. 165/177).

Tempestiva e dispensada de preparo (fl. 33), vieram aos autos contrarrazões (fls. 187/196).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É a síntese do necessário.

Cuida-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com indenização por danos morais, que foi julgada parcialmente procedente,
para declarar a inexistência da relação jurídica entre as partes e, consequentemente, a inexigibilidade do indébito e para condenar o réu a
indenizar o autor por danos morais, fixados no valor de R$.5.000,00.

Aduz o apelante que, embora nunca tenha contratado nenhum serviço prestado pela casa bancária, foi creditado em sua conta bancária o valor de
R$.1.937,00, oriundo de empréstimo consignado realizado em seu benefício previdenciário do INSS representado no contrato nº 010012436752,
cujo valor seria pago em 84 parcelas de R$.47,73 por meio de descontos nos seus proventos.
Com base no laudo pericial de fls. 121/145, foi

reconhecida a fraude perpetrada em desfavor do consumidor e a respectiva falha do serviço bancário ao não identificar a falsidade da assinatura.

Nesse sentido, à fl. 139, concluiu o expert:

"O documento com assinatura questionada intitulada de Constituiu-se peça motivo do presente exame Pericial o documento de"Cédula de
Crédito Bancário sob nº. XXXXX Operação de Crédito com Desconto em Folha de Pagamento de fls. 62 usque 67 dos autos, em sua cópia
reprográfica e descrição a título "PEÇA DE EXAME", NÃO IDENTIFICAM-SE com os materiais gráficos assinaturas naturais do punho escritor
da Srº. Nelson Sicchieri Filho, portador do registro geral nº. 5.368.422/SSP/SP e C.P. F nº. 431.539.098-49, e, portanto, não proveio do seu
punho escritor do requerente a assinatura em questão". (g.n.)

O apelado comprovou o cumprimento da obrigação de fazer ao efetuar o cancelamento definitivo do contrato em apreço, bem como seus
descontos e débitos às fls. 197/198. Cientificado sobre o fato (fl. 199), o autor quedou-se inerte.

Ressalte-se, prima facie , que a relação jurídica sub examine é nitidamente de consumo, nela atuando o autor, no mínimo, por equiparação (arts.
17 e 29, do CDC) e, por isso, impõe-se sua análise dentro do microssistema protetivo instituído pela Lei nº 8.078/90, em especial quanto à
vulnerabilidade material e à hipossuficiência processual que apresenta (arts. 4º, I e 6º, VIII, do CDC).

Dispõe, ainda, a Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" .

Note-se que a responsabilidade do fornecedor de serviços funda-se na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se
dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios deles resultantes,
independentemente de culpa (artigo 14 do CDC).

Vale dizer, que o banco assume o risco inerente às operações e contratações pelo meio de pagamento ofertado ao consumidor, o que inclui, por
óbvio, a necessidade de criar sistemas eficazes, no sentido de identificar a perpetração de fraude, tais como a indicada neste processo.

Infere-se, que o réu é responsável pelos danos causados ao cliente, bastando a demonstração do dano (acidente de consumo) e a relação de
causalidade entre o mencionado dano e o serviço prestado ao consumidor (nexo causal), questão sedimentada com a edição da Súmula nº 479, do
STJ, que contém a seguinte disposição:

delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

Registra-se, ademais, que não restaram caracterizadas nenhuma das hipóteses previstas no artigo 14, § 3º, incisos I e II do CDC, que excluem a
responsabilidade objetiva do fornecedor, quando tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou quando demonstrada a culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro.

Com efeito , pela análise dos autos e das provas que instruem o processo, é de se notar que a responsabilidade objetiva da casa bancária não foi
elidida.

Observa-se ainda que, segundo relata o requerente, idoso e beneficiário do INSS, para conseguir solucionar a quaestio , necessitou efetuar
diversas ligações telefônicas para a instituição financeira. Nesse sentido, no dia 26.10.2020, em clara demonstração de boa-fé, solicitou boleto
para reembolso do valor indevidamente depositado, o que foi atendido apenas no dia 18.11.2020.

Não bastasse isso, conforme documento de fl. 30, o réu foi obrigado a noticiar os fatos perante a autoridade policial, o que foge da normalidade e
denota a desídia da instituição financeira em garantir um serviço bancário seguro.

No caso em testilha, aplica-se a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, de autoria de Marcos Dessaune, cujo norte defende que o tempo
desperdiçado pelo consumidor para solucionar os problemas ocasionados pelos fornecedores e prestadores de serviços constitui dano indenizável.

Veja-se, em suas palavras:

"O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar
as suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de
oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável" (in "Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado", Ed. Revista dos
Tribunais, 2011)

De fato, o consumidor perdeu tempo útil para equacionar o problema na esfera extrajudicial e judicial e a situação ultrapassou o simples do
aborrecimento. Ofendeu o direito da personalidade. Afetou- lhe a órbita psicológica. E, portanto, é passível de indenização.

Vale dizer, os fatos que serviram de fundamento ao pedido indenizatório são extraordinários e singulares e devem ser indenizados, como já
decidiu esta Câmara:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Sentença de parcial procedência Recurso da
autora - PEDIDO DE APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR Acolhimento - Situação vivenciada pela autora
que realmente extrapolou o simples dissabor

Autora que foi obrigado a dedicar seu tempo na solução

do problema criado pela ré, que mostrou-se indiferente em relação à solução, aplicando-se ao caso em comento o que a doutrina e a
jurisprudência têm definido como Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, segundo a qual todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a
solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano moral indenizável Requerida que deve ser condenada ao pagamento no
valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com correção monetária pela Tabela Prática do TJSP a partir da publicação do presente acórdão e juros de
1% ao mês a contar da citação - Sentença reformada - RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível XXXXX- 90.2020.8.26.0189; Relator (a):
Spencer Almeida Ferreira; Órgão Julgador: 38a Câmara de Direito Privado; Foro de Fernandópolis - 1a Vara Cível; Data do Julgamento:
30/03/2021; Data de Registro: 30/03/2021) (g. n.).

Tendo em vista que o dano moral suportado pelo autor está bem delineado e a responsabilidade civil do réu plenamente caracterizada, passo à
análise do quantum debeatur .

A reparação dos danos morais deve abranger três vertentes: a primeira, de caráter punitivo, objetivando penalizar o causador da lesão pela ofensa
que praticou; a segunda, de caráter compensatório, que proporciona ao ofendido algum bem em contrapartida ao mal sofrido, e a terceira, de
caráter dissuasório ou preventivo, que busca dissuadir o responsável pelo dano a cometer novamente a mesma modalidade de violação e prevenir
que outra pessoa pratique ilícito semelhante.

O dever de indenizar decorre, de modo imediato, da quebra da confiança e da justa expectativa do consumidor, sob pena de vulnerar-se a função
punitiva (intimidativa, pedagógica ou profilática) da indenização, na exata medida do que se conhece como teoria do desestímulo, o que é
admitido com tranquilidade pela jurisprudência do intérprete soberano da legislação federal.

Por via de consequência, diante da falta de segurança dos serviços ofertados em detrimento do apelante, presumem-se os transtornos emocionais
e psíquicos experimentados, o que resultou em evidente impacto na prática de seus atos na vida civil e não pode ser considerado um mero
aborrecimento.

Forçoso concluir, portanto, que, o valor fixado na sentença - R$.5.000,00 - comporta revisão.

Nessa linha de raciocínio, levando-se em conta as circunstâncias fáticas que envolvem a quaestio e a capacidade econômica das partes, razoável
que a indenização seja majorada para R$.10.000,00.

Transcrevo, entendimento do Colendo E.STJ, nas palavras da Min. Nancy Andrighi:

"A indenização por dano moral deve atender a uma relação excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta."
(STJ; REsp XXXXX/MG)

De se lembrar que nos termos da Súmula 326, do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca".

No que se refere ao termo inicial de incidência dos juros moratórios sobre os danos morais, a insurgência prospera.

Os juros devidos somente podem incidir a partir do evento danoso ( Súmula 54 do STJ) no caso de se tratar de relação extracontratual, o que
ocorre no presente caso.

Nessa quadra, reforma-se parcialmente a r. sentença, para majorar o valor dos danos morais para R$.10.000,00, atualizado a partir da data da
publicação do Acórdão e acrescido de juros da mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do primeiro desconto indevido, por se tratar de
responsabilidade extracontratual (Súmula 54, do STJ).

Sucumbente, o réu arcará integralmente com ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o
valor da condenação atualizado, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, em observância ao grau de zelo dos profissionais atuantes, o lugar de
prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelos advogados do vencedor, além do tempo exigido para o seu
serviço.

Ex positis , pelo meu voto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso.

Por fim, consideram-se prequestionadas e não ofendidas todas as normas jurídicas reportadas no curso do feito.

ANNA PAULA DIAS DA COSTA

Relatora

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