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Processo nº 74/08-L

Impugnação da justa causa de despedimento

Poderes do Juiz laboral na cognição da justa causa e a apreciação da matéria de facto


constante da nota de culpa.

Sumário:
1. A aplicação da sanção do despedimento apenas se justifica quando a infracção
disciplinar em concreto se revela especialmente grave, pelas circunstâncias em que
ocorra e pelas suas consequências comprometa o normal funcionamento da
organização, pondo assim em risco a subsistência da relação laboral, nos termos do
artigo 70º, nº 1, da Lei do Trabalho.
2. Ao juiz do Tribunal do Trabalho incumbe a averiguação da verdade material
especialmente nos processos de impugnação de despedimento baseados em justa causa,
conforme o disposto no nº 3, do art.º 22º, da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro.

ACÓRDÃO
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo:
António Adriano Banze, maior, com os demais sinais de identificação nos
autos, intentou junto do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, uma acção de
impugnação de despedimento contra IBIS – Organização Não-Governamental
Dinamarquesa, com sede na Rua John Issa, nº 288, na cidade de Maputo, tendo
por base os fundamentos descritos a fls. 2 a 4. Juntou os documentos de fls. 5 a
20.
Regularmente citada na pessoa do seu representante legal (fls. 25), a ré deduziu
oposição nos moldes constantes de fls. 26 a 28 e juntou os documentos de fls.
30 a 55.

Findos os articulados, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, na qual


foram ouvidas as partes em litígio (fls. 75 e 94 a 96).

Posteriormente foi proferida sentença, fls. 98 a 103, na qual, depois de se julgar


procedente e provada a acção, se condenou a ré a indemnizar o autor na
quantia de 675.246,00 Mts, por despedimento ilícito.
Por não se ter conformado com a decisão assim proferida, a ré interpôs
tempestivamente recurso, logo apresentando as respectivas alegações de fls. 110
a 115, cumprindo o mais de lei para que o mesmo pudesse prosseguir.

Nas suas alegações de recurso, a apelante veio dizer, em conclusão, o seguinte:


- “Em Moçambique, o sábado é dia útil, não está equiparado ao domingo, como resulta da
interpretação do nº 3, do artigo 37º, da Lei nº 08/98, de 20 de Julho.

- O tribunal “a quo” aplicou mal o nº 3, do art.º 144º, do C.P.C.


- “O despedimento do autor foi com justa causa devido a procedência dos factos articulados na
nota de culpa”.
- “O processo disciplinar não enferma de nenhuma nulidade, pois só se pode dizer com
propriedade que há nulidade quando a entidade patronal tivesse deixado de remeter nota de
culpa ao autor, o que não foi o caso. O apelado respondeu a nota de culpa fora do prazo”.
- “O tribunal recorrido reapreciou a matéria de facto do processo disciplinar, a qual não cabe
nas suas competências, por ser de exclusiva competência da apelante (cfr. art.º 22º, da Lei nº
08/98, de 20 de Julho) ”.
- “Com o procedimento acima vertido, o Tribunal recorrido passou a conhecer do que não
devia, conduzindo a tomada de uma decisão ilegal”.

- “Ao Tribunal “a quo” cabia só e tão-somente verificar e fiscalizar da legalidade da medida


disciplinar aplicada ao apelado pela apelante”.

- “Do supra descrito, está pois claro que a sentença está ferida de nulidade”.

Termina requerendo que seja declarada a nulidade da sentença impugnada.


Regularmente notificado (fls. 18), o autor deduziu as contra-alegações de fls.
119 e 120, pondo em causa os fundamentos do recurso interposto e pedindo a
confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:


A questão essencial a apreciar, em sede do presente recurso, resume-se em
saber se o despedimento ocorreu com ou sem justa causa e se foram
respeitados os direitos e garantias do apelado.
Para análise desta questão importa examinar a prova que se mostra junta aos
autos.
Comprova-se, através da nota de culpa entregue a 14 de Fevereiro de 2006, que
o apelado foi acusado de ter deixado de promover actividades de assessoria
para o desenvolvimento de programas de pequena escala com as organizações
parceiras da apelante no período compreendido entre Dezembro de 2005 até 7
de Fevereiro de 2006, revelando desse modo mau desempenho das funções
para que fora contratado, com o que, no entender da apelante, terá causado
prejuízos de difícil reparação (fls. 33 a 36).
O apelado teve oportunidade de se defender, fls. 37 a 42, pondo em causa a
acusação contra si formulada pela apelante e apresentando a sua versão dos
factos, tendo sido despedido no dia 10 de Março de 2006.
No relatório de encerramento do processo disciplinar, fls. 42 a 46, foram
considerados como provados, por confissão, todos os factos contidos na nota
de culpa, por o apelado ter apresentado a sua defesa no dia 28 de Fevereiro de
2006, quando deveria tê-lo feito a 27 do mesmo mês e ano.
Quanto a esta questão, anote-se que, no caso dos autos, após a recepção da
nota de culpa, o apelado dispunha de dez dias úteis para elaborar e apresentar a
respectiva defesa, não se contando, para efeitos de contagem do referido prazo,
o próprio dia da recepção, nem o sábado e domingo, tendo presente o horário
de funcionamento da organização apelante junto a fls. 58.
Portanto, decidiu correctamente o tribunal da causa ao considerar que o
apelado apresentou a sua defesa dentro do prazo legal.

No depoimento de parte prestado na audiência de discussão e julgamento, fls.


95 e 95 vs, a representante da apelante veio afirmar o seguinte:
- que o mau desempenho do apelado consistiu na entrega tardia de um relatório
ao director o que lhe causou prejuízos, na medida em que do tal relatório
dependia o desembolso de fundos pelos doadores;
- que os referidos fundos vieram a ser desembolsados após demoradas
negociações com os doadores;
- que “talvez” o apelado não tenha prestado a devida assistência a todas as
associações das três províncias sob sua responsabilidade, mas não sabe explicar
o que de facto teria acontecido.
Em resultado da prova assim produzida nos autos e ora dada como assente,
mas sobretudo pelo depoimento da representante da apelante na audiência de
julgamento, não se vislumbra que o apelado tenha tido um comportamento que
justifique a medida disciplinar que lhe foi aplicada, tanto mais porque em
nenhum momento do processo se fez prova do montante do prejuízo
alegadamente causado à organização ora apelante.
Por outro lado, importa reter que a aplicação da sanção do despedimento
apenas se justifica quando a infracção disciplinar em concreto se revela
especialmente grave, pelas circunstâncias em que ocorra e pelas suas
consequências, comprometa o normal funcionamento da organização, pondo
assim em risco a subsistência da relação laboral que vinculava as partes (cfr.
artigo 70, nº 1 da Lei do Trabalho), o que, como acima se demonstrou, não se
verifica nos presentes autos.
Quanto aos motivos invocados para considerar que o Tribunal a quo conheceu
de questões que não devia, ao apreciar e decidir sobre a matéria da acusação
contida na nota de culpa, não assiste razão à apelante e nem pode proceder tal
alegação.
É que, por um lado, o juiz da causa só pode dar o despedimento como válido
se considerar provados os factos susceptíveis de implicarem a impossibilidade
prática do vínculo jurídico-laboral, usando para tanto o seu poder jurisdicional
de averiguação da verdade material em todos os seus aspectos relevantes das
regras do inquisitório que norteiam especialmente os processos de impugnação
do despedimento baseado em justa causa.
Por outro lado, atente-se ao facto de que tal exercício de averiguação da
verdade material decorre da lei processual, – cfr. artigo 22º, nº 3, da Lei nº
18/92 de 14 de Outubro – competindo ao magistrado julgador apreciar e
ponderar, em termos objectivos e concretos, a gravidade da conduta do
trabalhador arguido em processo disciplinar em função do grau da lesão dos
interesses da entidade empregadora e das demais circunstâncias que, em cada
caso, se mostrem relevantes, pois, nem sempre tal gravidade coincide com o
que a entidade empregadora considera como tal.
Nestes termos e por todo o exposto, decidem declarar improcedente o recurso
improcedente, por falta de fundamentos, e mantêm, para todos os efeitos
legais, a decisão proferida pela primeira instância.

Custas pela apelante, com imposto de justiça fixado em 6% do valor da acção.

Maputo, 23 de Abril de 2009

Ass) Maria Noémia Luís Francisco, Joaquim Luís Madeira e


Leonardo André Simbine.

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