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N.B: Saudações caros ilustres esperamos poder ajudar nas questões colocadas no
Universo do Direito Moçambicano
Obra Intitulada Noções De Direito

Conteúdo

NOÇÃO .........................................................................................................................................1

Direito.......................................................................................................................................1

1. A necessidade do Direito no mundo social ......................................................................2

2. As diversas ordens sociais normativas. ............................................................................3

3. Característica das normas jurídicas ..................................................................................5

4. As fontes do Direito no sistema jurídico Português .........................................................9

A ordem jurídica é uma realidade histórica cujo conteúdo são as normas jurídicas. Importa
saber como e onde nascem essas normas e como se formam e se revelam aos particulares. ...9

5. São fontes de direito neste sentido as seguintes quatro:.................................................10

6. Hierarquia das leis ..........................................................................................................13

6. Pessoas singulares ......................................................................................................................25

6.2. Pessoas colectivas.......................................................................................................26

a. Capacidade de exercício das pessoas colectivas.............................................................27

9. Princípio geral, na Secção Responsabilidade civil e pelo risco.......................................28

Responsabilidade por factos ilícitos...............................................................................28

Art. 6 do CC. Ignorância ou ma interpretação da lei: A ignorância ou ma


interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das
sanções nela estabelecidas...................................................................................................28

Art. 485 do CC. Conselho, recomendações ou informações: 1. Os simples conselhos,


recomendações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua
parte. 2 A obrigação de indemnizar existe, quando se tenha assumido a
responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho,
recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de
prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível......................28

Art. 486 do CC. Omissões As simples omissões dão lugar á obrigação de reparar os
danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei
ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido. ..............................................28
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Art. 487 do culpa CC. 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão,
salvo presunção legal. 2 A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela
diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. ..............28

10. Sanções Materiais.......................................................................................................42

c. Antes de prosseguir, convém fazer referência a três conceitos fundamentais:...............43

6. Direito Constitucional ............................................................................................................48

O Direito constitucional em sentido material ou substancial .................................................48

O Direito constitucional em sentido .......................................................................................48

O Direito constitucional em sentido instrumental ..................................................................49

15.1. Classificação dos tipos constitucionais..................................................................................49

15.2. Princípios estruturantes da constituição da república de moçambique .................50

A intervenção do Estado na sociedade ao abrigo deste princípio, visa: ...............................56

Estado de Previdência, ...........................................................................................................57

Há dois tipos de autarquias locais que concretizam o Poder Local: .....................................59

7. A Teoria do controlo da constitucionalidade..........................................................................65

8. Vigência da Constituição e vicissitudes constitucionais ................................................66

9. Factores que influem na modificação ............................................................................68

10. Tipologia das principais formas de modificação das Constitucionais .......................68

Quanto ao modo .....................................................................................................................70

Direito constitucional II..........................................................................................................74

11. Modalidades de fiscalização ..............................................................................................88

12. Ciência política...........................................................................................................90

18.1. NOÇÃO ..........................................................................................................................90

Objecto ...........................................................................................................................................91

O surgimento da ciência politica ............................................................................................91

18.2. Elementos do Estado .....................................................................................................96


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18.3. O estado unitário. O Estado unitário centralizado e o Estado unitário regional............98

18.4. Os fins do Estado.........................................................................................................100

13. Introdução ao Estudo do Direito II...........................................................................101

b. Interpretação e aplicação das leis .................................................................................102

c. Noção de base...............................................................................................................103

d. Espécies de interpretação pela finalidade:....................................................................104

e. Elemento da Interpretação............................................................................................105

f. Elementos complementares..........................................................................................107

g. Espécies de interpretação pelo resultado:.....................................................................108

h. Integração da lei ...........................................................................................................110

i. Analogia .......................................................................................................................111

j. Aplicação da lei ............................................................................................................111

k. Aplicação das leis no tempo.........................................................................................112

14. Metodologia jurídica ................................................................................................113

20.1. A natureza da metodologia jurídica.............................................................................114

20.2. Os limites da metodologia jurídica..............................................................................115


“O Direito não se reduz á metodologia jurídica”. Escreve JEAN-LOUIS BERGEL, isto
permite medir os limites da metodologia jurídica. ...............................................................115

15. A distinção da metodologia jurídica das disciplinas científicas afins ......................115

21.1. Objecto da metodologia jurídica .................................................................................116

21.2. Interesse da metodologia jurídica................................................................................117

21.3. Os objectos do curso....................................................................................................118

16. Finanças públicas e direito financeiro ......................................................................119

17. Economia política.....................................................................................................120

23.2. Política Fiscal ..............................................................................................................121

23.3. Politica Monetária .......................................................................................................121


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23.4. Politica Económica Internacional................................................................................121

23.5. Política de rendimentos ...............................................................................................121

23.6. Noções de oferta e procura agregada...........................................................................122

18. Teoria Geral do direito civil I...................................................................................123

1. Os princípios fundamentais de Direito .................................................................................126

Ainda sobre as pessoas singulares:...............................................................................................154

O domicílio das pessoas ...............................................................................................................154

19. Teoria Geral do Direito Civil II...............................................................................167

Relação jurídica....................................................................................................................167

a. Sanções jurídicas ..........................................................................................................219

20. Direito Administrativo .............................................................................................221

27.1. Distinguem-se entre a administração central e a administração local. ........................222

27.2. Caracteres do Direito Administrativo..........................................................................222

28. O direito administrativo como ramo de direito ..............................................................228

28.1. Subordinação da Administração Pública ao Direito....................................................228

28.2. Noção de Direito Administrativo ................................................................................228

28.3. O Direito Administrativo como Direito Público .........................................................229

28.4. O poder administrativo e os direitos dos particulares, Conceitos fundamentais: o


poder administrativo.............................................................................................................229

O Princípio da Separação dos Poderes .................................................................................229

28.5. O Poder Administrativo...............................................................................................230

28.6. Manifestações do Poder Administrativo .....................................................................231

28.7. Corolários do Poder Administrativo.....................................................................233

28.8. Princípios constitucionais sobre o poder administrativo .............................................233

28.9 O Princípio da Prossecução do Interesse Público.....................................................234

Controlo do acto discricionário ................................................................................................242


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Elementos da administração publica .......................................................................................243

Classificação das pessoas colectivas ........................................................................................243

Regime jurídico.........................................................................................................................244

Criação e extinção das pessoas colectivas publicas .................................................................244

Capacidade jurídica de direito publico e priavado ...................................................................244

Autonomia administrativa e financeira....................................................................................245

Direito de celebrar contratos administrativos .........................................................................245

Bens do domínio publica ..........................................................................................................245

Pessoal......................................................................................................................................246

Sujeição ao regime administrativo de responsabilidade civil ..................................................246

Sujeito á tutela administrativa .................................................................................................246

Sujeição á fiscalização e controlo externo dos tribunais administrativos................................246

Fórum administrativo...............................................................................................................246

Atribuições e missões das pessoas colectivas publicas: fins ....................................................247

29. Direito Fundamentais ...............................................................................................247

Conceito dos Direitos Fundamentais....................................................................................247


29.7. Principais diferenças entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais nas
duas 136

Constituições de Moçambique (1990 e 2004) .....................................................................136

30. Introdução á Psicologia ............................................................................................141

28.1. Correntes que confluem em uma outra mentalidade – Secs. XIX E XX.....................141

31. Direito Criminal Geral II ..........................................................................................143

29.1. O princípio da Legalidade ...........................................................................................144

29.2. Qualificação jurídica ...................................................................................................145

29.3. Análise estrutural dos Elementos do tipo legal de crime.............................................147

32. Direito Constitucional Moçambicano.......................................................................148


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32.7. Consciência nacionalista no exterior ....................................................................150

32.8. Formação e fundação da FRELIMO ....................................................................152

32.9. Nos Estatutos e programa que então se aprova, cuja cópia se junta em anexo, fixa-
se o seguinte: ........................................................................................................................154

32.10. Os Objectivos da FRELIMO são:.........................................................................155

32.11. Para atingir os seus objectivos a FRELIMO: .......................................................155

32.12. Quanto à estrutura e organização acha-se consagrado o seguinte: .......................155

32.13. Legitimidade da FRELIMO no plano internacional.............................................162

32.14. Rumo a vitória final sobre o colonialismo português...........................................165

28.9. Há dois aspectos fundamentais a reter nos Acordos de Lusaca que tem relevância para
o nosso tema .........................................................................................................................166

32.15. Acordo de Lusaka.................................................................................................169

32.16. ESTATUTOS .......................................................................................................172

32.17. ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO.....................................................................174

32.18. MODIFICAÇÕES E DISSOLUÇÃO ..................................................................175

28.13. O CONGRESSO ......................................................................................................178

33. Direitos das Obrigações I .........................................................................................178

34. Direito de Trabalho ..................................................................................................180

Direito Laboral ou de Trabalho ............................................................................................180

35. Ramos principais do direito público.........................................................................184

33.2. ramo de direito possa considerar-se autónomo............................................................184

36. Direito Reais.............................................................................................................185

37.1. Parte geral e especial dos direitos reais .......................................................................186

37.2. Características do Direito Real....................................................................................187

37.3. Princípio gerais dos direitos Reais ..............................................................................192

37. Direito da Família.....................................................................................................198


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Fontes das relações jurídicas familiares ...............................................................................199

Casos Particular....................................................................................................................202

38. Direito Internacional Privado ...................................................................................202

39. Direitos Privados Especiais ......................................................................................203

40. Direito constitucional ...............................................................................................204

41. Direito Processual Civil............................................................................................205

Direito Processual Cível I.....................................................................................................205

41.7. Ramo do direito público .......................................................................................207

41.8. Direito instrumental ou adjectivo .........................................................................208

41.9. Aplicação imediata ...............................................................................................209

41.10. Fontes e integração de lacunas .............................................................................211

41.11. Autodefesa e jurisdição ........................................................................................212

41.12. Jurisdição..............................................................................................................212

41.13. O direito de acção.................................................................................................214

42. Tipos de jurisdição ...................................................................................................216

42.7. Jurisdição contenciosa ..........................................................................................216

42.8. Jurisdição voluntária.............................................................................................217

43. Tipos e formas do processo ......................................................................................219

43.7. Tipos de ação........................................................................................................219

43.8. As ações declarativas............................................................................................221


44. As ações constitutivas podem dividir-se em ações constitutivas-constitutivas,
Ações 225

45. Formas de processo declarativo................................................................................226

45.7. As ações executivas..............................................................................................228

46. Princípios de processo civil ......................................................................................229

Conceito e relevância ...........................................................................................................229


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46.7. Princípio do dispositivo........................................................................................230

46.8. Princípio do inquisitório.......................................................................................232

46.9. Princípio do contraditório.....................................................................................233

46.10. O princípio do contraditório .................................................................................234

46.11. Princípio da igualdade das partes .........................................................................234

46.12. Princípio da legalidade .........................................................................................236

46.13. Princípio da celeridade processual .......................................................................236

46.14. Princípio da economia processual ........................................................................237

46.15. Princípio do juiz natural .......................................................................................238

46.16. Princípio do duplo grau de jurisdição...................................................................239

46.17. Princípio da cooperação .......................................................................................240

46.18. Princípios relativos à prova ..................................................................................241

46.18.1. Princípio da aquisição processual.....................................................................241

46.18.2. Princípio da livre apreciação ............................................................................241

46.18.3. Princípios relativos à audiência e produção de prova.......................................243

46.18.4. Princípio da imediação .....................................................................................243

46.18.5. Princípio da concentração.................................................................................244

46.18.6. Princípio da oralidade.......................................................................................244

46.18.7. Princípio da publicidade ...................................................................................245

46.19. fiscalização. ..........................................................................................................246

46.20. Princípio da submissão ao direito substantivo......................................................246

47. Capítulo II – Pressupostos Processuais ....................................................................247

47.7. Conceito................................................................................................................247

47.8. Personalidade judiciária ou processual.................................................................247

Conceito e medida da personalidade judiciária ....................................................................247

47.9. Extensão da personalidade judiciária ...................................................................248


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47.10. Consequências da falta de personalidade judiciária .............................................250

48. Capacidade judiciária ou processual ........................................................................251

48.7. Conceito e medida ................................................................................................251

48.8. Anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária..............252

48.9. Legitimidade.........................................................................................................254

Legitimidade processual singular .........................................................................................254

49. Critérios estabelecidos na lei para se aferir a legitimidade singular das partes:.......255

49.7. Legitimidade nas relações com pluralidade de interessados ................................258

49.8. Falhas ao nível dos pressupostos processuais e exceções dilatórias.....................259

49.9. Patrocínio judiciário .............................................................................................260

49.10. Falta insuficiência e irregularidade do mandato:..................................................261

50. Direito Comercial .....................................................................................................262

51. Direito de insolvência e recuperação de empresas ...................................................264

51.7. O Processo de insolvência ....................................................................................265

51.8. Pressupostos de declaração de insolvência...........................................................266

51.9. A fase declarativa do Processo de Insolvência.....................................................269

51.10. Os órgãos do Processo de Insolvência..................................................................274

51.11. Os créditos sobre a insolvência correspondem aos créditos que se constituíram


antes da data da declaração de insolvência69. Estes também se encontram divididos nas
seguintes classes:..................................................................................................................277

52. Medidas a adotar para a recuperação de empresas ...................................................284

52.7. Plano de insolvência.............................................................................................284

53. Direito Bancário I.....................................................................................................287

52.1. Tipos de Direitos Bancários ........................................................................................288

52.2. Direito bancário institucional ......................................................................................288

52.3. Sistema Financeiro Nacional.......................................................................................289


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52.4. Características do Direito Bancário.............................................................................289

52.5. Princípios bancários ....................................................................................................290

54. Direito do Comercio Internacional...........................................................................290

55. Direito de Energia e dos Petróleos ...........................................................................292

Noção ...................................................................................................................................292

55.7. Direito de petróleo................................................................................................293

55.8. Direito de energia .................................................................................................293

55.9. Princípios..............................................................................................................293

56. Direito do Consumidor .............................................................................................294

55.1. A historicidade do direito do consumidor ...................................................................295

55.2. Campo de aplicação da lei do consumidor ..................................................................296

O que fica de fora do campo de aplicação da Lei da Defesa do Consumidor ......................297

Direitos básicos do consumidor ...........................................................................................298

Direito à proteção contratual ................................................................................................298

57. Direitos dos Valores Mobiliários..............................................................................303

58. Direito da Propriedades Industrial e dos Autores.....................................................303

59. Direito Fiscal e Aduaneiro........................................................................................305

60.2. Princípios do Direito Fiscal .........................................................................................305

60.3. Características do Direito Fiscal..................................................................................306

60.4. Princípios Tributários ..................................................................................................307

60. Práticas jurídicas.......................................................................................................311

Das partes e seus procuradores.............................................................................................311

60.7. Conceito de parte..................................................................................................312

60.8. Direitos e deveres das partes e procuradores........................................................313

60.9. Os direitos e deveres dos advogados se acham elencados no Estatuto da OAB ..313

60.10. Responsabilidade das partes por dano processual ................................................313


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60.11. Substituição processual e substituição de parte....................................................314

60.12. Capacidade de estar em juízo e capacidade processual........................................315

60.13. Do advogado.........................................................................................................315

60.14. Defensoria Pública ...............................................................................................316

60.15. Advocacia-Geral da União ...................................................................................316

60.16. Natureza jurídica da advocacia.............................................................................317

60.17. Mandato por procuração.......................................................................................317

60.18. Do Ministério Público ..........................................................................................318

60.19. Princípios institucionais e constitucionais do ministério público.........................319

59.15. O Ministério Público e o Poder Judiciário.................................................................319

60.20. Funções institucionais ..........................................................................................319

59.16. Garantias....................................................................................................................320

59.17. Aos membros individualmente são as seguintes as garantias: ..................................320

59.18. Impedimentos ...........................................................................................................321

59.19. Órgãos do MP da União ............................................................................................321

59.20. Do Juiz.......................................................................................................................322

61. Requisitos .................................................................................................................322

60.1. Garantias......................................................................................................................323

60.2. Restrições ....................................................................................................................323

60.4. Conceito.......................................................................................................................324

60.5. Classificação................................................................................................................324

61.7. Atos processuais das partes ..................................................................................325

61.8. Dos atos processuais do juiz.................................................................................325

61.9. Dos atos dos auxiliares da justiça.........................................................................326

61.10. Princípios..............................................................................................................326

60.5. Prazos processuais.......................................................................................................327


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61.11. Prazo próprio e impróprio ....................................................................................328

61.12. Prazo dilatório e peremptório ...............................................................................329

61.13. Preclusão ..............................................................................................................329

61. Processo Administrativo contencioso.............................................................................330

61.2. INÍCIO DO PROCESSO DISCIPLINAR:..................................................................330

61.3. Se no local não existir um funcionário ........................................................................331

61.4. Não podem ser indicados como instrutores.................................................................331

61.5. A partir da data de conhecimento da prática de infracção, até quando pode instaurar um
processo disciplinar? ............................................................................................................331

Artigo 80 do EGFAE Só pode se instaurar um processo disciplinar, dentro de 3 anos, a partir


da data em que a infracção tiver sido cometida pelo Funcionário ou Agente do Estado. ....331

61.6. Registo e início do processo disciplinar ......................................................................332

61.7. Qual é o prazo da instrução do processo disciplinar?..................................................333

 A instrução do processo disciplinar deve ser finalizada no prazo de 15 dias – artigo 105
nº 1 do EGFAE;....................................................................................................................333

62. Direito Processual Penal.................................................................................................342

62.1. Princípios.....................................................................................................................344

63. Bibliografia.....................................................................................................................354

 MIRANDA, Jorge, Ciência Politica. Formas de Governo, Lisboa, 1996. ...................354


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Introdução ao Estudo do Direito
NOÇÃO

Direito, no sentido central desta palavra, como o sistema de normas de conduta social,
assistido de protecção coactiva.
A existência do direito decorre de duas ordens de factos, que podemos exprimir pelas
frases seguintes:
O homem é um animal social;

Ubi societas, ibi jus.


O homem é um animal social: é de natureza viver, não isolado, mas em convivência
dentro de um grupo organizado: em sociedade1.
Fontes do direito
A expressão fonte do direito é uma expressão que traduz diversos significados, como
muitas das que temos vindo encontrado.
Ocupar-nos-emos apenas do sentido técnico-jurídico da expressão, sentido por que se
designam os modos de formação ou de revelação das normas jurídicas.
Podemos a expressão fonte do direito fixar cinco acepções ou sentidos principais:
Sentido filosófico (ou metafísico)
Fontes de direito, modos de formação ou revelação das normas fundamento da
obrigatoriedade da norma jurídica (seja entendido como a vontade do Estado ou a justiça,
ou noutra posição júris-filosofia diversa).
Sentido sociológico
(habitualmente chamado) factor que provocou o aparecimento da norma e
condicionou o seu conteúdo concreto.
Sentido político
Órgãos de onde e1manam as normas jurídicas.
Sentido técnico-jurídico ou formal
1
JOAO CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa p. 11 e ss.

1
Modos de formação e de revelação das normas jurídicas. São tradicionalmente
reduzidos a quatro: lei, costume, jurisprudência e doutrina. A lei e o costume são
primariamente modos de formação (fontes júris essendi), a jurisprudência e a doutrina de
revelação (fontes júris cognoscendi) das normas jurídicas.

Sentido material ou instrumental


Textos ou diplomas que contem normas jurídicas.

1. A necessidade do Direito no mundo social

Já na Antiguidade se dizia que onde existe o Homem existe Sociedade (ubi homo, ibi
societas). Mas também se dizia que onde houver Sociedade haverá Direito (ubi societas,
ibi ius).2
Com efeito, sendo a sociedade indispensável à vida do Homem, a convivência humana
em sociedade exige que se defina e prevaleça uma ordem, a que a todos se submetam,
isto é, um conjunto de regras gerais e padrões que orientem de forma imperativa o
comportamento do Homem e estabeleçam as regras de organização dessa sociedade bem
como as instituições que dela fazem parte. Dessa ordem social, destaca-se a ordem
jurídica, ou seja o Direito.
A ordem jurídica é, pois, a ordem social regulada ou constituída pelo Direito, ou seja, por
um conjunto de normas gerais, abstractas e imperativas, cuja observância pode ser
assegurada de forma coerciva pelo Estado.
A sociedade é, ao mesmo tempo, a forma de vida por excelência do Homem e uma
realidade ordenada pelo Direito. De facto, o meio social ordenado em que vive o homem
(a sociedade) é instituído pelo Direito, através da definição de regras de conduta e
padrões de comportamento individual e colectivo e de um sistema organizativo em que se
estrutura e funciona a sociedade.
A ordem social, é uma ordem de liberdade, dado que, apesar de as suas normas
exprimirem um dever ser e se imporem ao Homem, este pode viola-las, pode rebelar-se
contra elas ou pode mesmo altera-las, sendo que a violação destas normas só as atinge na
sua eficácia e não na sua validade.

2
Exemplo: A regra não matar – todos concordam que deve ser acatada, mas isso não
significa que ninguém mate. No entanto, mesmo que os homicídios sejam numerosos, a
norma não é abolida, pois a sua validade não é afectada.
A ordem Natural é uma ordem de necessidade:
As suas leis não são substituíveis, aplicam-se de forma invariável e constante,
independemente da vontade do Homem ou mesmo contra sua vontade. Tais leis não são
fruto da vontade do homem, mas sim inerentes a própria natureza das coisas.
Exemplo:
Torna-se evidente que entre a infinidade de astros há uma maravilhosa ordem, que o
homem só lentamente vai descobrindo. Se cada um não ocupasse uma posição
determinada no conjunto, teríamos o caos.

2. As diversas ordens sociais normativas.

A ordem social é uma ordem complexa, entrando na sua composição várias ordens
normativas que pautam aspectos diferentes da vida do Homem em sociedade, das quais se
destacam, pela sua importância, as ordens:
 Moral;
 Religiosa;
 De trato social;
 Jurídica.
a) A ordem moral – aponta normas ou regras que tratam de influenciar a consciência
e moldar o comportamento do indivíduo em função daquilo que se considera o
Bem e o Mal; As normas morais visam o indivíduo e não directamente a
organização social em que se integram; a ordem moral tem como sanção a
reprovação da formação moral da pessoa ou a má reputação;
 De forma sucinta, podemos fazer a distinção entre a ordem jurídica
(Direito) e a ordem moral de acordo com os seguintes critérios:
a) Critério do “mínimo tico”: O Direito só acolhe e imp e as regras morais
cuja observância é imprescindível para a subsistência da paz, da liberdade e da
justiça em sociedade. O Direito constitui aquele mínimo ético ou moral que
resulta da coincidência das suas normas com as regras morais. Isto equivale a
dizer que o Direito não se propõe, como seu fim essencial, garantir certa
3
concepção ética da sociedade mas tampouco ignora as normas morais; na
verdade, o Direito não prescreve condutas imorais;
b) Critério da coercibilidade: As normas morais só têm relevância para a
consciência de cada um, enquanto as normas jurídicas se impõem ao indivíduo
na medida em que são coercivas, ou seja, podem ser impostas pela força;
c) Critério da exterioridade: Ao Direito, que se preocupa essencialmente com
a conduta externa ou visível do homem, basta que o indivíduo cumpra as
normas em vigor, enquanto a Moral exige, além disso, uma adesão íntima
(interior) aos valores éticos que prescreve.
b) A ordem religiosa – tem por função regular as condutas humanas em relação a
Deus, com base na Fé;
c) A ordem de trato social – aponta normas que se destinam a permitir uma
convivência agradável entre as pessoas mas que não são propriamente indispensáveis à
subsistência da vida em sociedade. Inclui normas sobre a maneira de estar e se comportar
em acontecimentos sociais (normas de etiqueta e boas maneiras, de cortesia e
urbanidade); normas sobre a forma de vestir (moda), normas típicas de uma profissão
(deontologia), normas de uma determinada região (usos e costumes), etc.;
d) A ordem jurídica - é constituída pelas normas mais relevantes da vida em
sociedade e, ao contrário, das outras ordens normativas, serve-se da coacção como meio
de garantir a observância das suas normas, caso estas não forem acatadas
voluntariamente. É, pois, um conjunto de normas que regulam as relações sociais,
impondo-se aos homens deforma obrigatória e com recurso à coercibilidade.
Ou seja em contraposição a ordem enumerada, esta ocupa-se dos aspectos mais
importantes da convivência social.
É uma ordem normativa intersubjectiva e assistida de coercibilidade material, que visa
regular a vida do Homem em sociedade, conciliando os interesses conflito.
Os valores que visa atingir são a Justiça e a Segurança, utilizando como meio as normas
jurídicas.
Mas, note-se bem: todas as ordens sociais enunciadas têm em comum o facto de as suas
normas (normas morais, religiosas, de trato social e jurídicas) serem gerais,
abstractas e obrigatórias. A generalidade, a abstracção e a imperatividade ou
obrigatoriedade são, pois, características comuns às mesmas. No entanto, e como marca
diferenciadora, só a ordem jurídica (ou de Direito) se caracteriza pela coercibilidade,
assegurada pelo Estado em caso de não cumprimento voluntário das suas normas (normas
jurídicas).

4
3. Característica das normas jurídicas

Uma definição tradicional da norma jurídica designa-se como um comando geral,


abstracto e coercível, emanado da autoridade competente.
Dai as características que a doutrina tradicional lhe atribui normalmente e que são as
seguintes:
 Imperatividade;
 Generalidade e abstracção;
 Coercibilidade.

Imperatividade

Na sua forma fundamental ou prototípica, a norma jurídica contem um comando,


porque impõe ou ordena certo comportamento.
No entanto, para certos autores é duvidosa caracterização da norma jurídica como
imperativo, já que certas normas não ordenam nem proíbem uma conduta, antes atribuem
um poder ou faculdade, designadamente as regras permissivas. Deste modo, nem toda a
regra jurídica se cifraria num imperativo.
Porem, outra corrente de opinião entende que esse imperativo existe sempre mais ou
menos expresso ou encoberto na norma.
Imperatividade: As normas jurídicas são de cumprimento obrigatório
Generalidade e abstracção
A primeira destas características – a generalidade – significa que a norma jurídica se
refere a toda uma categoria mais ou menos ampla de pessoas e não destinatárias
singularmente determinados.
Uma norma pode ter como destinatário apenas uma determinada pessoa e ser geral.
Assim acontece, por exemplo, com as regras constitucionais que definem as

5
competências e os deveres do presidente da Republica e que se destinam a uma categoria
de pessoas e não a uma pessoa em concreto.
Generalidade: Todos os cidadãos são iguais perante a lei, razão por que a norma jurídica
se aplica a todas as pessoas em geral. As normas jurídicas são válidas para todos e a todos
obrigam de igual forma;
A generalidade é assim, a abstracção especial dos destinatários.
Quando a segunda característica – a abstracção – significa que a norma respeita a um
número indeterminado de casos ou a uma categoria mais ou menos ampla de situações e
não situações concretas ou individualizadas.
Abstracção: As normas jurídicas aplicam-se a um número abstracto de situações, a
situações hipotéticas em que poderão enquadrar-se as condutas sociais e não a um
indivíduo ou facto concreto da vida social;

Coercibilidade
Consiste na susceptibidade de aplicação coactiva de sanções, se a norma for violada.
A coercibilidade não é característica essencial da norma jurídica, mas da Ordem Jurídica
estatal globalmente considerada, embora seja elemento desta norma na sua perfeita ou
completa.
Tal característica pressupõe a imperatividade da observação da norma, mas vais mais
alem, por quando há outras normas imperativas, como as morais, que não são coactivas.
Pelo menos hoje em dia (mas nunca pode ter sido essencialmente diverso), o poder tem
necessariamente a função de garantir a Ordem Jurídica da sociedade, defendendo-a de
elementos anti-sociais. Organiza-se, pois todo um sistema de coacção, sendo o monopólio
desta praticamente assegurado pelo Estado.
Portanto, a Ordem Jurídica estatal é, hoje em dia, uma ordem coerciva, porque,
globalmente tomada, é assistido pela coacção3.
Exemplo:
Quem afirmar um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa,
singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Esta regra é:

3
Oliveira Ascensao, O Direito – Introducao e Teoria Geral.

6
 Imperativa, porque obriga a adoptar uma conduta – não afirmar ou difundir um
facto;
 Genérica, porque visa uma pluralidade indefinida de pessoas – quem;
 Abstracta, porque contempla um certo tipo de situação – afirmar ou difundir um
facto;
 Susceptível de imposição coactiva de sanções, porque o lesado pode recorrer aos
tribunais para obter a reparação do dono causado.
Coercibilidade: As normas jurídicas podem impor-se mediante o emprego de meios
coercivos (ou da força) pelos órgãos estaduais competentes, em caso de não
cumprimento voluntário.
Estrutura da norma jurídica
A norma jurídica tem uma estrutura interna constituída, amiúde, por três elementos, a
saber:
a) Previsão: a norma jurídica regula situações ou casos hipotéticos da vida que se
espera venham a acontecer (previsíveis), isto é, contém, em si mesma, a representação
da situação futura;
b) Estatuição: a norma jurídica impõe uma conduta a adoptar quando se verifique, no
caso concreto, a previsão da norma:
c) Sanção: a norma jurídica dispõe os meios de coacção que fazem parte do sistema
jurídico para impor o cumprimento dos seus comandos.
No exemplo apresentado, temos:
- Previsão: “Aquele que, achando exposto em qualquer lugar um recém-nascido ou
que, encontrando em lugar ermo um menor de sete anos, abandonado....”
- Estatuição: ...” o não apresentar à autoridade administrativa mais próxima”...
- Sanção: ...” será condenado a prisão de um mês a dois anos”.
De entre os tipos de sanção social, em sentido restrito ou negativo, destacam-se:
a) Sanções morais são aquelas que se traduzem na reprovação da formação moral do
transgressor e na condenação do mesmo sob o anátema da má reputação. Aplicam-se
em virtude da violação das normas morais que, como já vimos, regulam o
comportamento do indivíduo em função daquilo que se considera o Bem e o Mal;
b) Sanções religiosas são aquelas que se aplicam em virtude da violação das normas
religiosas que, como as sabe, têm por função regular as condutas humanas com base

7
na Fé em Deus. A violação das normas religiosas traduz-se em infracções cuja
gravidade é objecto de diversa graduação (que se expressam, nomeadamente, em
“pecados veniais”, pecados graves ou “mortais”) e implicam a aplicação das mais
diversas sanções religiosas, umas de aplicação terrena (v.g. proibição de benefício de
sacramentos, excomunhão, etc.) e outras após a morte (condenação ao purgatório e ao
inferno);
c) As sanções jurídicas são aquelas que visam sancionar a violação das normas
jurídicas que, como sabemos, são as regras de conduta gerais, abstractas e
obrigatórias que regulam os aspectos mais relevantes da vida em sociedade,
distinguindo-se das demais normas da ordem social
Manual de Introdução ao Direito (2011) Bartolomeu L. Varela 36
pelo facto de poderem ser aplicadas coercivamente pelo Estado quando não são
acatadas de forma voluntária.
Partes integrantes das sanções sociais, as sanções jurídicas apresentam diversas
modalidades, destacando-se as seguintes:
- Sanções civis – têm por fim impor o cumprimento das obrigações e ou o
ressarcimento de danos morais e materiais causados por quem age em violação das
normas a que está obrigado. Traduzem-se, designadamente, na reconstituição do
interesse lesado, isto é, na reposição das coisas no estado em que se encontravam
antes da prática da ilicitude, mediante o cumprimento forçoso das obrigações em
causa (exs: pagamento de uma dívida num contrato de compra e venda, devolução do
bem emprestado, etc.)30 e ou na fixação de uma indemnização, destinada a cobrir os
prejuízos ou danos causados31;
- Sanções criminais (ou penais)4 – visam responsabilizar o criminoso perante a
sociedade em virtude de actos ou omissões que violem normas imperativas de
convivência social, podendo as penas revestir-se as mais diversas formas: pena de
multa, privação da liberdade (pena de prisão)33, imposição de medidas de segurança,
indemnizações (nalguns casos), etc.;
- Sanções disciplinares – traduzem-se na aplicação de sanções a indivíduos pela
violação de normas que disciplinam a conduta no seio de organizações a que
pertençam esses mesmos indivíduos. As penas disciplinares podem ser de mera
censura, pecuniárias (multas), suspensivas (suspensões e inactividade) e expulsivas
(aposentação compulsiva e demissão), além da pena acessória de cessação da

4
Manual de Introdução ao Direito (2011) Bartolomeu L. Varela 32.

8
comissão de serviço, que pode aplicar-se a funcionários investidos em cargo dirigente
ou equiparado.
Nas sanções jurídicas revela-se a coercibilidade que se traduz na associação entre o
Direito (Justiça) e a Força. Entretanto, não é imprescindível a utilização da Força em
todos os casos para se assegurar o cumprimento das normas jurídicas. Com efeito, na
maioria das vezes, o acatamento destas acontece de forma voluntária ou natural, sem
a intervenção da Força.
3.5. Sanções Políticas
Uma categoria especial de sanções sociais é constituída pela Sanções Políticas.
Efectivamente, com a emergência, a partir das sociedades primárias, da chamada
sociedade civil ou política e, com ela, do Poder Político, cujo exercício obedece a
regras que, como quaisquer outras, requerem cumprimento obrigatório, mas são, por
natureza, igualmente violáveis, torna-se necessária a existência das Sanções Políticas,
para “premiar” ou “penalizar” o desempenho dos indivíduos investidos nos mais
diversos cargos políticos.

4. As fontes do Direito no sistema jurídico Português

A ordem jurídica é uma realidade histórica cujo conteúdo são as normas jurídicas.
Importa saber como e onde nascem essas normas e como se formam e se revelam aos
particulares.
Este é o problema das fontes do Direito.
A expressão Fontes do Direito tem sido utilizada pelos diversos autores, em varias sentidos, de
entre os quais, salientamos:

 Sentido sociológico-material;

 Sentido histórico-instrumental;

 Sentido-organico;

 Sentido técnico-juridico.
Em sentido sociológico-material são fontes do Direito todos os circunstancialismo saciais que
estiverem na origem de determinada norma jurídica.
Em sentido histórico-instrumental, são fontes do Direito os diplomas ou monumentos legislativos
que contem normas jurídicas.
Em sentido técnico-juridico, são fontes do Direito os modos de formação e revelação das n
normas jurídicas. Evidencia a maneira como é criada e se manifesta socialmente a norma jurídica
e é este o sentido que, fundamentalmente, interesse ao nosso estudo.
9
5. São fontes de direito neste sentido as seguintes quatro:

- Lei;
- Costume;
- Jurisprudência;
- Doutrina.

Chama-se lei á norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o
fazer, na sociedade politica. A lei é assim uma norma jurídica de criação deliberada – é
criada para servir como tal.
Valor como fonte de direito A lei caracteriza-se por ser decidida por um órgão (singular
ou colegial, uma ou mais pessoas) dotado de poder legislativo. No estado português,
vários são os órgãos com poder legislativo (em sentido lato) e diversos os processos por
que as leis são elaboradas.
E agora convém fazer referência a um ponto muito importante entre as várias formas de
lei estabelece-se um escalonamento ou hierarquia – hierarquia das leis.
Saliente-se, no entanto, que alguns autores dizem só a jurisprudência de conteúdo
normativo cria Direito e outros consideram que nem a jurisprudência nem a doutrina são
criadores do Direito.
A posição destes últimos baseia-se numa distinção tradicional entre:

 Fontes imediatas do Direito, as que tem força vinculativa própria, sendo, contudo,
importantes pelo modo de produção do Direito.

 Fontes mediatas do Direito, não tem força vinculativa própria, são, contudo,
importantes pelo modo como influenciam o processo de formação e revelação da
norma jurídica.

Chama-se costume á forma de criação de normas jurídicas que consiste na repetida e


habitual de uma conduta, quando chega a ser encarada como obrigatória pela
10
generalidade dos membros. A este entendimento de que a norma é obrigatória dá-se a
denominação latina tradicional de opinio júris vel necessitais. Chama-se também costume
á norma criada desta maneira.
Valor como fonte de direito O costume resulta da prática repetida, habitual, de
determinada conduta, como forma de agir num dado jogo de circunstâncias; mas só
atinge o valor de fonte de direito quando essa conduta (estatuição) nessas circunstâncias
(previsão) se passa a certa altura a ter como obrigatória. A esta convicção de
obrigatoriedade é usual dar-se o nome latino de opinião júris vel necessitatis.
Há assim dois elementos do costume:
Um material, o facto de, em certas condições, estar generalizado o uso ou hábito de se
proceder de certo modo5. Outro, elemento psicológico, a opinio júris vel necessitatis.
Qual o valor do costume como fonte de direito? Em tempos antigos, a sociedade regia-se
largamente pelo costume. Actualmente, é muito difícil que uma norma não corporizada
em textos legais adquira valor jurídico.

Do ponto de vista da lei, o costume pode ser confirmativo ou interpretativo das normas
daquela, e então diz-se costume secundum legem (segundo a lei)6; integrativo, regulando
hipóteses e aspectos de que a lei não trata, e então fala-se de costume praeter legem (para
além da lei); contrario à lei, contra legem. Ora, sempre do ponto de vista da lei, o
costume contra legem não valer.
É o que substancialmente estatui o artigo 3°. Do código civil – os usos só são atendíveis
quando a lei determine7 e portanto nunca contra a mesma lei8.
Somente, o jurista, para julgar das relações entre costume e lei, deve colocar-se num
ponto de vista duma das fontes relacionadas. Nesse ponto de vista imparcial, deve
reconhecer que, de facto, o costume pode revogar ou suspender a lei. Se uma norma for
considerada por todos – ate os tribunais – como abolida, ela perde realmente a sua
vigência9.

5
Ao que se costuma fazer, independentemente da sua obrigatoriedade, chama-se por vezes, uso, usos ou
costume, num sentido impróprio desta palavra.
6
Esta necessariamente neste plano a figura dos “bons costumes” Codigo Civil, art° 271, 280°, 334°, n°2,
465°, alínea a), 967°, 1422° n°2, alínea b), 2186°, 2230° e 2245°.
7
Cfr também art.° 737 e 1400° do Código Civil.
8
Cfr também art.° 1401 e 1718° do código civil.
9
Luiz de Almeida Braga, “Reformas de processo”, in “Revista dos Tribunais”, ano 58 (1940), p.51
11
Chama-se jurisprudência, num sentido desta palavra, ao conjunto de orientações, que
em matéria de determinação e aplicação do direito da lei, decorrem da actividade prática
de aplicação do direito dos órgãos da sociedade de tal encarregados. Alguns autores
restringem esta noção apenas aos tribunais, a jurisprudência judicial, contudo essas
restrições não é de fazer-se. Existe também uma jurisprudência dos notários,
conservadores e até dos órgãos administrativos. Em todos estes casos – e outros ainda – a
necessidade de aplicar (correctamente) o direito leva á pesquisa e descoberta de normas
jurídicas, que de outro modo permaneceriam ocultas e indiferenciadas no sistema.
Valor como fonte de direito a jurisprudência como o conjunto de orientações que, como
forma de revelação de normas jurídicas, resultam da sua aplicação ao caso concreto pelos
órgãos encarregados de tal. Em nossa opinião, esses órgãos não são só os tribunais,
embora a jurisprudência judicial seja de longe a mais importante (basta disser que os
tribunais são órgãos encarregados justamente de aplicar o direito em casos concretos de
litigiosos), a tal ponto que muitos autores e a linguagem dominante entendem por
jurisprudência só a judicial.

Chama-se doutrina á actividade de estudo teórico ou dogmático do direito (e por vezes


ao conjunto daqueles que a isso se dedicam). Também esta actividade poe a descoberto
normas latentes no sistema jurídico.
A doutrina constitui uma fonte de direito outro modo de revelação das normas jurídicas,
que se traduz no estado teorético do direito (não pratico, para sua aplicação aos casos da
vida).
No entanto, o conceito de lei só se tornará verdadeiro compreensível se tivermos em
conta a distinção entre a lei sentido formal e a lei em sentido material.

 Lei em sentido formal é todo o acto normativo emanando de um órgão com


competência legislativa, quer contenha ou não verdadeira regra, exigindo-se que
se revista das formalidades relativas a essa competência.

 Lei em sentido material é todo o acto normativo, emanado de um órgão do Estado,


mesmo que não incumbido da função legislativa, desde que contenha uma
verdadeira regra jurídica.
Lei em sentido formal – uma lei da assembleia da republica que concedesse uma
condecoração a um determinado Presidente da Republica.
Lei em sentido material – uma portaria que aprove um Regulamento de exames
12
Resta-nos distinguir ainda:

 Lei em sentido amplo – abrange qualquer norma jurídica;

 Lei em sentido restrito – compreende apenas os diplomas emanados pela


assembleia da Republica.

6. Hierarquia das leis

I. Em direito português, a hierarquia das leis – que, repita-se tem como principal
consequência que a lei de grau inferior não pode dispor contra a norma constante de uma
lei de grau superior – estabelece – se do seguinte modo:
- Constituição;
- Direito Internacional geral e convencional (tratados normativos);
- Leis e decretos – leis;
- Decretos legislativos regionais;
- Decretas regulamentares;
- Decretos regulamentares regionais;
- Portarias;
- Despachos;
- Posturas.
Quando os textos normativos empregam a palavra lei, é por interpretação que temos de
fixar a extensão do sentido.
I. Há varias categorias de leis, pelo que surgem difíceis problemas quando se trata
de aferir o seu valor relativo. É pois necessário estabelecer entre elas uma
determinada ordenação ou hierarquia.

Da hierarquia das leis resulta que as leis de hierarquia inferior não podem contrariar as
leis de hierarquia superior, antes tem de se conformar com elas; as leis de hierarquia igual
ou superior podem contrariar leis de hierarquia igual ou inferior, e então diz-se que a lei
mais recente revoga a lei mais antiga.

13
A hierarquia das leis depende da hierarquia das fontes em estão contidas e tem de ser
analisada em paralelo com a hierarquia dos correspondentes aspectos do poder
legislativo.
Para estabelecer esta hierarquia há que distinguir:

 Leis ou normas constitucionais;

 Leis ou normas ordinárias.

Leis ou normas constitucionais


O poder de estabelecer normas constitucionais denomina-se poder constituinte e ocupa o
lugar cimeiro ou primeiro do poder legislativo. Pode ser atribuído a certo órgão por forma
pré-constitucional ou por forma já constitucional – na medida em que a constituição pode
estabelecer a forma de revisão.
Denomina-se constituição a lei fundamental de um Estado, a que fixa os grandes
princípios fundamentais da organização politica e da ordem jurídica em geral.
As leis ou normas constitucionais são, assim, aquelas que estão contidas na Constituição
e encontram-se no topo da hierarquia das leis.

Leis ou normas ordinárias


As leis ou normas ordinárias reforçadas encontram-se imediatamente abaixo leis
constitucionais, não tem a mesma finalidade, e o seu processo de elaboração é mais fácil.
São consideradas, nos termos art 112, verdadeiro actos legislativos e provem de órgãos
com competências legislativas:

 Assembleia da Republica – Leis;

 Governo – decretos – leis

 Assembleia legislativa regionais – decretos legislativos regionais.


Note-se que as leis e os decretos-lei tem, em principio, o mesmo valor e a mesma força
obrigatoria geral e, por isso, encontram-se num mesmo nível hierárquico, pelo que um
decreto-lei do Governo pode revogar uma lei anterior da assembleia da republica e esta
pode revogar um decreto-lei do Governo.
As leis ou normas ordinárias comuns estão subordinadas as leis ordinárias reforçadas e,
em consequência, encontram-se nível hierárquico abaixo destas; é o caso dos decretos e
dos decretos regulamentares.
14
A Assembleia da Republica é considerada o órgão legislativo por excelência e dela
provem as leis, mocoes e resoluções (art 166 da crp). Porem, so a lei se destina a
estabelecer verdadeira regras jurídicas.
Salienta-se que a Assembleia da Republica pode elaborar as leis, quer no domínio da
reserva absoluta da competência legislativa que lhe é atribuída (art. 164 da crp), quer no
domínio da reserva relativa da competência legislativa que também lhe é atribuída (art
165 da crp).
O Governo, no exercício das suas funções legislativa, emite decretos-lei. As funções
legislativa do Governo resultam:

 Do seu poder legislativo próprio (art 198 n1, aleneas a a c) da crp);

 do uso de autorizações legislativas conferidas pela Assembleia da Republica (art


198 n1 alínea b) da crp).
O Governo, para alem das funções legislativas propriamente ditas, tem ainda
competências regulamentar, que exerce através de regulamentos (art 199 da crp), sendo o
principal órgão com competências regulamentar.
Refira-se que o regulamento se destina a pormenorizar a lei, de forma a conduzir a sua
boa execução. Os regulamentos do Governo podem assumir as seguintes formas:

 decretos regulamentares;

 resoluções do conselho de Ministros;

 portarias;

 despachos normativos e ministeriais;

 instruções;

 circulares.
Os decretos regulamentares são diplomas emanadas pelo Governo e promulgados pelo
Presidente da Republica (art 134, b) da CRP). Devem ser referendados pelo Governo ou
Ministérios interessados (art 197 a) da CRP).

As resoluções do Conselho de Ministros, como a própria designação sugere, provem do


Conselho de Ministerio e não de ser promulgadas pelo Presidente da Republica.
As portarias são ordens do Governo, dadas por um ou mais ministros e que também não
tem de ser promulgadas pelo Presidente da Republica.

15
O facto de tanto as resoluções como as portarias não terem de ser promulgadas pelo
Presidente da Republica confere-lhes um valor inferior aos decretos regulamentares na
hierarquia das leis.
Os despachos são diplomas que tem apenas como destinatário os subordinados do
ministro ou ministros signatários e valem unicamente dentro do Ministerio respectivo.
As instruções são meros regulamentos internos, contendo ordens dadas pelos ministros
aos respectivos funcionários, ou estabelecendo directrizes para melhor aplicação dos
diplomas normativos.
Circulares é a designação dada as instruções quando estas são dirigidas a diversas
serviços.
Para alem dos decretos regulamentares do Governo, acabados de referir, a forma decreto
é ainda utlizada para outros actos que podemos designar por decretos especiais.
Estes decretos podem provir:

 Do presidente da republica, que embora não seja um órgão com função legislativa,
intervem no processo legislativo, e assim, é por decreto que o presidente da
republica nomeia o primeiro-ministro e os membros do Governo (art 133 f) e h)
da CRP).

 Do Governo, pois é por decreto que o Governo aprova os tratados internacionais


(art 200 c) da crp).
Existem também órgãos com poder regulamentares local especifico, de entre os quais se
destacam as autarquias locais (art 241 da CRP), que, no exercício deste poder, emitem
posturas.
Daqui decorrer que as posturas ocupam o lugar mais baixo da hierarquia das leis.
As posturas são regulamentos autónomos, locais, de policia, provindos dos corpos
administrativos competentes. Exemplo:
Postura de uma camara Municipal que regulamente o transito dentro de determinadas
vilas de conselho.
Postura de uma camara Municipal que disciplina as feiras que se realiza no conselho.

II. A constituição, regra geral, refere-se ao escalão superior das leis ordinárias. Por
exemplo, a palavra “lei”, no artigo 77 nº2, só abrange (alem de leis
constitucionais), as leis da Assembleia da Republica e os decretos do Governo
16
– um simples decreto regulamentar não pode regular as formas de participação
as associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das
instituições de caracter cientifico na definição da política de ensino. Já nos
artigos 280ºe 294º do Código Civil o termo se deve entender abranger os
decretos regulamentares.

7. Inicio e termo de vigência

O legislador baseia-se rigidamente no pressuposto de que a lei é conhecida, e nem


sequer admite se prove o seu desconhecimento. É este o sentido do aforismo
corrente “a ignorância da lei não aproveita a ninguém, consagrado no artigo 6° do
código civil.
Isto significa que a vigência da lei não depende do seu conhecimento efectivo.
Contudo, é necessário que se utilize um meio de a tornar conhecida. Este meio é a
publicação.
As formas de publicação são diversas, dependendo apenas dos tempos e lugares.
Os antigos arautos desempenhavam esta função de publicidade. Hoje, em Portugal
é feita no jornal oficial, que é o Direito da Republica.
A falta de publicidade oficial implica ineficácia jurídica do (art 199 cp).
Com a publicação, a lei passa a ser obrigatória, mas não significa que entre de
imediato em vigor.
De acordo com o art. 5°, n°2, do Codigo Civil, decorrera um intervalo entre a
publicação e a sua entrada em vigor. Este prazo de jacencia de uma lei, denomina-
se vacatio legis.
Os prazos de vacatio legis estão fixados na constituição artigo e são os seguintes:
Estes prazos só se aplicam quando o legislador nada disser, pois pode acontecer
que ele próprio estabeleça em cada diploma a sua própria vacatio legis.

O processo de elaboração de uma lei


O processo de realizacao dos actos legislativos não é uniforme para todos eles, varia em
função de diversos factores: o mesmo é dizer que cada órgão dotado de competência
legislativas tem o seu modo próprio de agir na feitura das leis. Importa assim descrever,
ainda que a forma sumaria, o formalismo da respectiva actividade.

17
Saleintamos a actividade legislatvas da Assembleia da Republica e do Governo.
Processo de formação das leis na Assembleia da Republica
Este processo inicia-se com a apresentação do texto, sobre o qual se pretende que A.R se
pronuncie. Nos termos do art. ° 167 da CRP., esta apresentação pode ser efectuada:
 Pelos Deputados (art. ° 167 da CRP), tomando a designação de Projecto de Lei;
 Pelos Grupos Parlamentares (art. ° 180 n°1,g), tomando a designação de Projecto
de Lei;
 Pelo Governo (art° 197 n° 1, d) da CRP), tomando a designação de Projecto de
Lei;
 Por grupos de cidadãos eleitores, de acordo com o estipulado no citado art.° 167.

Apresentado o texto á Assembleia da Republica é por esta discutido e votado na


generalidade, passando-se depois á discussão na especialidade, isto é, á discussão de cada
um dos preceitos nele contido, podendo os deputados apresentar propostas de emenda em
relação a cada um deles.
Através de votação na especialidade fixa-se o conteúdo do preceito, optando a
Assembleia da Republica pelo texto original ou pelo constante da emenda, procedendo-se
posteriormente a uma votação final global, (art 168° n° 2 CRP).
O texto deste modo conseguido é enviado, sob a forma de decreto, para o Presidente da
Republica promulgar (art° 134 b) e 136 da CRP). Sendo que a promulgação é o acto pelo
qual o Presidente da Republica atesta solenemente a existência da norma e intima á sua
observação10.
O presidente da Republica poderá não promulgar o diploma e exercer o direito de veto
previsto no art° 168 n 2 da CRP).
A promulgação é uma etapa essencial de todo o processo legislativo, pois, so apos esta, o
texto toma a designação de Lei e a falta de promulgação implica a Inexistência Juridica
do Acto, (art 137 da CRP).
Apos a promulgação, o diploma é remetido do Governo para referendo ministerial (art.
140 da CRP), seguindo-se a publicação no Diario da Republica, 1,ª serie (art° 119 da
CRP).
O processo de formação dos decretos-lei pelo Governo

10
Castro Mendes, Introducao ao Estudo do Direito, pág. 154.

18
O Governo, na sua tarefa legislativa, pode optar por uma de duas situações:
 Assinatura sucessivas;
 Aprovação em Conselho de Ministros.
Assinaturas sucessivas – neste processo, o texto do diploma é submetido separadamente a
assinatura do Primeiro-Ministro e de cada um dos Ministros competentes.
Uma vez obtidas as assinaturas, é o diploma presente ao Presidente da Republica para
promulgação (art. 136 n° 4 da CRP).
Aprovação em Conselho de Ministros – o texto do respectivo decreto-lei é apresentado e
aprovado em Conselho de Ministros, sendo enviado, para promulgação, para o Presidente
da Republica.

6.1. Feituras das leis

Na elaboração das leis – processo legislativo – há a contar com varias fases:


Elaboração;
Aprovação;
Promulgação;
Publicidade;
Entrada em vigor.

Elaboração. Antes de mais, há que elaborar o texto da lei.

Na assembleia da Republica, a elaboração e aprovação da lei são reguladas pela


constituição e pelo regulamento. Só pode iniciar o processo legislativo quem tenha
poder de iniciativa legislativa: “a iniciativa da lei… compete aos deputados, aos
grupos parlamentares e ao governo, competindo a iniciativa da lei, no respeitante as
regiões autónomas, as respectivas assembleias legislativas regionais” (artigo 170º da
Constituição).
A elaboração e votação dos decretos-leis e decretos regulamentos é informal.

19
Aprovação. Por maioria na Assembleia da Republica ou em Conselho de Ministros, o
acto legislativo é aprovado
Tradicionalmente, chama-se decreto da Assembleia da Republica do texto aprovado por
esta, antes da promulgação.
Promulgação. As leis, decretos-leis e decretos regulamentares carecem de promulgação
do Presidente da Republica (artigo 137, alínea b), da constituição). ”A falta de
promulgação determina a inexistência jurídica do acto” (artigo 140 da constituição).
A promulgação é o acto pela qual o Presidente da Republica atesta solenemente a
existência da norma e intima a sua observância.
Publicação. Para poderem ser aplicadas, as normas tem de poder ser conhecidas; para
poder ser conhecidas tem de ser públicas.
O artigo 122º da constituição enumera os princípios actos sujeitos a publicação no
“Diário da República” e estatui que a falta de publicação desses actos e a de qualquer
acto de conteúdo genérico de órgão de soberania, das regiões autónomas e do poder local
implica a sua ineficácia jurídica (nº2).
Sobre o ponto também estatui o artigo 5º., nº 1, do Código Civil:
“ A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial”.
E a Lei nº 6/83, de 29 de Julho (alterada pelo Decreto-Lei nº 1/91, de 2 de Janeiro), sobre
a publicação, identificação e formulário dos diplomas, dispõe, no artigo 1º:
“ A eficácia Jurídica de qualquer diploma depende da sua publicação”.
As normas de valor geral são, em regra, publicadas no “Diário da Republicas”
(Constituição, artigo 122º, nº1; Lei nº6/83, artigo 3º); quando as de valor local, diz a
constituição que “ a lei determina as formas de publicidade dos demais actos e as
consequências da sua falta (artigo 122º nº3) ”.

Entrada em vigor. Com a publicação, completam-se todos os requisitos da entrada em


vigor do diploma.
Mas o artigo 5º, nº2. Do código Civil, dispõe:
“ Entre a publicação e a vigência da lei decorrera o tempo que a própria lei fixar ou, na
falta de fixação, o que for determinado em legislação especial”.
20
E o artigo 2º da Lei n.º6/83, de 29 de Julho:
O diploma entra vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto
dia apos a publicação, de nos Acores e na Madeira no décimo quinto dia e em Macau e
no estrangeiro no trigésimo dia.
O dia da publicação do diploma não se conta.
A este espaço de tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor dá-se
tradicionalmente o nome latino de vacatio legis. Por vezes, é bastante larga: o Código
Civil foi publicado em 25 de Novembro de 1966 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º47344)
para entrar em vigor em 1 de Junho de 1967; o Constituição foi publicado em 10 de Abril
de 1976, para entrar em vigor 25 de Abril do mesmo ano. Outras vezes, a lei determina
que entra em vigor no dia da sua publicação, ou no dia seguinte.
Por vezes, os diplomas saem com erros de publicação que obrigam á rectificação.
Diz, a este respeito, artigo 5ºda Lei n.º6/83:
As rectificações dos erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e
o texto impresso de qualquer diploma publicado na I.ª serie do “Diario da Republica”,
devem ser publicadas nesta serie e provir do órgão de soberania que aprovou texto
original.
As rectificações de diplomas publicados na Iª. Série só serão admitidas a tem noventa
dias após a publicação do texto rectificado.
As rectificações entrem em vigor na data da sua publicação.

Diário da república
Completamente, convém dizer algo acerca do jornal oficial, hoje chamado Diário da
Republica.
Esse periódico oficial começou a publicar-se em 1 de Janeiro de 1835, com o título de
Diário do Governo; passou a chama-se Diário de Lisboa, por força-se de decreto de 31
de Outubro de 1859; e voltou a ter Diário do Governo a partir de 1 de Janeiro de 1869
(por determinação do decreto de 11 de Dezembro de 1869).

O Diário da Republica é publicado pela Imprensa Nacional.

21
Pelo artigo 1° n°3, da Lei n°6/83, de 29 de Julho, “o Diário da Republica deve ser
distribuído no dia correspondente ao da sua data”. Esta disposição (vinda da Lei n° 3/76,
de 10 de Setembro, e imposta pela natureza das coisas) não tem sido observada.
Também nas regiões autónomas há jornais oficiais.

Termo da vigência
Passado o período da vacatio legis, se este existir, a lei ficará, em principio,
ilimitadamente em vigor. O decurso do tempo, por maior que seja, não é razão suficiente
para que a lei cesse a sua vigência.
Como formas de cessação de vigência da lei, o art 7° do Código Civil prevê unicamente a
caducidade e a revogação.

8. Cessação da vigência das leis

A lei pode deixar de vigorar por:


Caducidade;
Revogação.

a. Caducidade.

A ideia geral da caducidade exprime-se do seguinte modo:


Extinção da vigência e eficácia, dos efeitos, de um acto, em virtude da superveniência
dum facto com força bastante para tal.
Para a vigência de uma lei cessar com a superveniência de um facto é preciso que se
verifique uma das seguintes circunstâncias:
Ou que esse facto seja tal que, ex. natura, faca perder definitivamente a lei todo o seu
campo de aplicação;
Por exemplo, trata-se de uma lei sobre certa categoria concreta de pessoas (combatentes
de certa guerra, supondo) e morre a última;

22
Qual, sob a epígrafe “cessação da vigência da lei” estatui em quatro números sucessivos:
Quando se não destina a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada
por outra lei.
Refere-se aqui o caso mais importante (embora não o único) de caducidade e em seguida
a figura da revogação. E negam-se implicitamente outras causas possíveis de cessação da
vigência da lei, como seja o desuso, a cessação da razão de ser, etc.
A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas
disposições e as regras precedentes ou da circunstância de o nova lei regular toda a
matéria da lei anterior.

Prevêem-se aqui as três formas de revogação:

Expressa, tácita e de sistema.


A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do
legislador.
Chama-se especial à lei cuja previsão se insere na de outra lei – lei geral – como caso
particular, para este estabelecendo um regime diferente.
Assim, no Código Civil, temos regras sobre a locação (artigos 1022° e seguintes), mas do
Decreto-Lei n° 321-B/90, de 15 de Outubro, constam regras específicas sobre os
arrendamentos de prédios urbanos; dentro desta nova categoria, existem regras especiais
sobre o arrendamento para comercio ou industria. As regras sobre locação são gerais11 em
relação as que visam sobre o arrendamento de prédios urbanos, e estas especiais em
relação aquelas, e gerais em relação as que regulam o arrendamento para comercio ou
industria.
Ora, quando a lei altera um regime geral, não se presume que altere normas especiais que
para casos particulares dispõem de modo diferente. Pelo contrário, a lei especial posterior
derroga a lei geral anterior.
“A lei geral nova não revoga necessariamente a lei especial anterior. Para que esta seja
revogada é preciso, ou que o legislador expressamente o declare na lei geral nova, ou que
a sua intenção nesse sentido de manifeste, já por ter regulado nesta lei, de modo diverso,
as mesmas matérias dessa lei especial, já por ter estabelecido principais jurídico-sociais
novos, incompatíveis com os princípios que inspiram essa lei especial, já por estar aquela

11
E são especiais em relação as regras gerais dos contratos

23
redigida em termos que não admitem excepções alguma, ou só admitem de aceitar a regra
absoluta legi special per generalem nom derogatur.
A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogado.
O preceito é claro, mas cede perante a vontade do legislador em contrário. Chama-se lei
repristinatória à que repõe em vigor a nova lei revogado.
Ou que esse facto seja previsto na própria lei ou noutra de valor hierárquico igual ou
superior.
O facto superveniente pode ser uma data, ou o termo de um prazo (leis temporários).
Iii. A cessação da razão De ser da lei não opera só por si a extinção da vigência desta.
Não é valida a máxima, cessante ratione legis, cessant eius dispositivo.
Sacrifica-se aqui a justiça à segurança:
As pessoas devem poder ter a certeza de certa lei estar ou não em vigor. Ora, se há razão
ou não para manter a lei em vigor, é um ponto susceptível de várias apreciações
subjectivas.

Iv. B) A revogação é o afastamento da lei por outra lei, de valor hierárquico igual
ou superior.
Há três espécies de revogação:
Revogação expressa;
Revogação tácita;
Revogação de sistema.
A revogação expressa verifica-se quando um preceito da nova lei designa uma lei anterior
e a declara revogada.
Esta designação pode ser uma individualização, feita de forma concreta – v. Artigo 11°
da Lei n°6/83, de 29 de Julho, por exemplo; ou referir-se a um conjunto mais ou menos
geral – v. Artigo 3° da lei preambular do código civil.
A revogação tácita verifica-se quando, sem haver revogação expressa, as normas da lei
posterior são incompatíveis com as da anterior.
Não podem subsistir as duas, sem o direito perder o seu carácter de sistema, livre de
contradições internas. Então cede a mais antiga.
24
Um caso particular de incompatibilidade é a repetição:
Se uma norma é idêntica a outra, vigorava só a mais recente.
A revogação de sistema verifica-se quando, embora não haja revogação expressa nem
tácita, no entanto a intenção do legislador é que certo diploma passe a ser único e
completo texto de regulamento de certa matéria.
Apurada que é essa intenção do legislador, mesmo pormenores das leis antigas, não
revogadas expressamente nem incompatíveis em rigor com a lei nova, se devem
considerar feridos de uma revogação de sistema.
V. A revogação distingue-se ainda em abrogação e derrogação. Abrogação é a revogação
total, derrogação é a revogação parcial. Diz Modestino, no “Digesto” D.50.16.102:
“ A lei derroga-se ou abroga-se; derroga-se quando se suprime uma parte; abroga-se,
quando de todo se suprime”.

6. Pessoas singulares

São pessoas – pessoas singulares – os seres humanos vivos, hoje sem qualquer excepcao,
desde que nascem (código civil, artigo 66º nº1,) ate que morrerem (código civil, artigo
68º nº1).

Capacidade de gozo das pessoas singulares


Em regra, o ser humano pode ser titular de quaisquer direitos e adstrito a quaisquer
obrigações. E o que se afirma no artigo 67º do código civil.

Capacidade de exercício das pessoas singulares


Em regra também, as pessoas singulares são capazes de exercício – podem exercer os
seus direitos e cumprir as suas obrigações por si, pessoal e livremente.
Esta regra tem excepcoes: os incapazes. As principais categorias de1 incapazes previstas
no nosso código civil são:
Os menores, ou seja, aqueles que ainda não atingiram a maioridade. A maioridade,
segundo do código civil de 1966, atingia-se aos 21 anos (artigo 122). A reforma do
código civil de 1977 reportou a maioridade aos 18 anos.

25
Os interditos e inabilitados, ou seja, as pessoas a quem uma sentença judicial,
provocada pelas condições dos artigos 138º e 152º do código civil, limita a capacidade de
exercício.
A menoridade atribui uma situada de incapacidade de exercício rígida – determinada na
lei – embora com certo escalonamento, suprida em regra pela representação; a interdição
atribui uma incapacidade de exercício de rígida também, e suprida em regra pela
representação; a inabilitação atribui uma incapacidade de exercício maleável,
determinada pela sentença, e onde desempenha forte papel a assistência.
As pessoas a quem se confia a representação e a assistência destes incapazes atribuem-se
muitas vezes outros podores, como o de guarda e custódia pessoal do incapaz.
Desenham-se assim situações de que se devem destacar três:
- Poder paternal ou pátrio poder, referente a menores, atribuído por igual ao pai e á
mãe (Constituição, artigo 36 nº3; código civil, artigos 124º 1877º e seguintes);
- Tutela, referente a menores não sujeitos a pátrio poder e a interditos;
- Curatela, referente a inabilitados.

6.2. Pessoas colectivas

São pessoas colectivas as organizações destinadas á prossecução de interesses colectivos,


a que a ordem jurídicas, atribui personalidade jurídica ou seja, como susceptiveis de
serem titulares de direitos e vinculações. A figura vem regulada no código civil, artigos
157º e seguintes.
Entre nos é legal e corrente a designação de pessoas colectivas, por contraposição a
pessoas colectivas, por contraposição a pessoas singulares. Em doutrina estrangeira,
encontramos as figuras referenciadas com outros nomes: pessoas jurídicas e pessoas
físicas, pessoas morais, etc.
II. As organizações de que se trata podem ser organizações de pessoas – grupos
organizados, destinados á prossecução de interesses, comuns, como as sociedades
comerciais, os clubes desportivos, as associações científicas; ou organizações bens –
estruturam patrimoniais organizadas, de modo a prosseguirem interesses especiais. As
pessoas colectivas da primeira categoria da-se o nome genérico de associações, á
segunda, o de fundações.

26
O interesse da associação é o interesse (egoísta ou altruísta) dos associados. Os interesses
da fundação tem de ser tembem interesses humanos colectivos – artigo 188º nº1, do
código civil
III. Entre as associações destacam-se aqueles cujo fim é a obtenção dum lucro e sua
distribuição pelos associados (fim lucrativo, intuito lucrativo). São as sociedades (código
Civil, artigos 980 e seguintes).
As restantes associações dizem-se associações em sentido restrito ou pessoas morais.

Capacidade de gozo das pessoas colectivas


Ao contrário das pessoas singulares, as pessoas colectivas tem uma capacidade de gozo
limitada: limitada aos direitos e vinculações adequados aos interesses que prosseguem; é
o que se chama princípio da especialidade.
O artigo 160º do código civil, sob a epígrafe “ capacidade”, estatui:
“ A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários
ou convenientes á prossecução dos seus fins.
Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da
personalidade.
E o artigo 12º nº2, da Constituição:
“ As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com
a sua natureza”.

a. Capacidade de exercício das pessoas colectivas

Acerca da capacidade de exercício das pessoas colectivas, reinam dúvidas na doutrina.


Algumas autores pretendem que as pessoas colectivas, incapazes por natureza, sendo essa
capacidade suprida por representação. Os gerentes das sociedades, os directores das
associações e das fundações e, de um modo geral, aqueles que actuam pela pessoa
colectiva seriam seus representantes. Outra corrente entende que as pessoas colectivas
são capazes de exercício: só que essa capacidade não é natural, dota as pessoas
colectivas de órgãos, através dos quais a pessoa colectiva actua no mundo do direito,
como a pessoa singular o faz pelos seus órgãos naturais.

27
Esta segunda corrente parece mais adequada a uma visão jurídica do problema, sendo
certo que a lei em parte alguma equipara as pessoas colectivas a incapazes.

9. Princípio geral, na Secção Responsabilidade civil e pelo risco

Responsabilidade por factos ilícitos

Art. 6 do CC. Ignorância ou ma interpretação da lei: A ignorância ou ma


interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as
pessoas das sanções nela estabelecidas.

Art. 485 do CC. Conselho, recomendações ou informações: 1. Os simples


conselhos, recomendações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja
negligência da sua parte. 2 A obrigação de indemnizar existe, quando se tenha
assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o
conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou
intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto
punível.

Art. 486 do CC. Omissões As simples omissões dão lugar á obrigação de reparar
os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia por força
da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.

Art. 487 do culpa CC. 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão,
salvo presunção legal. 2 A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela
diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Art. 483º nº 1 do CC- Principio geral: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar
ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger
interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da
violação.

Art. 484ᵒ do CC. Ofensa do crédito ou bom nome: Quem afirmar um facto capaz
de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva,
responde pelos danos causados.

28
Art. 488° do CC. Imputabilidade: 1.Não responde pelas consequências do facto
danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa,
incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente
nesse estado, sendo este transitório. 2. Presume-se falta de imputabilidade nos
menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica.

Art. 489° do CC. Indemnização por pessoa não imputável. 1 Se o acto causador
dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivo de
equidade, ser condenada, ser condenada a repara-los, total ou parcialmente, desde
que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua
vigilância. 2. A indemnização será, todavia, calculada por forma a não privar a
pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e
condições, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais
de alimentos.

Art. 562º do CC Obrigação de indeminização principio geral: Quem estiver


obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse
verificado o evento que obriga á reparação. Art. 566º nº 1 do CC, Obrigação em
dinheiro : A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição
natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente
onerosa para o devedor.

Art. 490 do CC. Responsabilidade dos autores, instigadores e auxiliares. Se


forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ilícito, todos eles respondem
pelos danos que hajam causado.

Art. 492 do CC. Responsabilidade por edifícios ou outras obras. 1, O


proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte,
parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos
causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a
diligência devida, se não teriam evitado os danos. 2. A pessoa obrigada, por lei ou
negocio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário
ou possuidor, quando os danos forem devido exclusivamente a defeito de
conservação.

Art. 491 do CC Responsabilidade das pessoas obrigadas a vigilância de outrem.


As pessoas que, por lei ou negocio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por
virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas
causarem a terceiros, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância
ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.

29
Art. 493 do CC Danos causados por coisas, animais ou actividades. 1 Quem tiver
em seu poder coisas imóvel , com o dever de vigiar, é bem assim quem tiver
assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a
coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhum culpa houve da sua parte
ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda não houvesse culpa sua. 2
quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua
própria natureza ou pela natureza dos meios utlizados, é obrigado a repara-los,
excepto se mostrar que empregou todas as providencias exigidas pelas
circunstâncias com o fim de se prevenir.

Art. 494 do CC limite da indemnização no caso de mera culpa. Quando a


responsabilidade se fundir na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada,
equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, o
lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Art. 495. Do CC Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesado corporal.


1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar
as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, em exceptuar as do
funeral. 2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, tem direito de
indemnização previsto no artigo 562 e 564 do CC, aqueles que socorrem o lesado,
bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outros pessoas ou
entidades que tenham contributo para o tratamento ou assistência de vítima. 3 t.
Tem igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou
aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Art. 496 do CC Danos não patrimoniais. 1. Na fixação de indemnização deve


atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do
direito. Artigo 566 n°1. Do CC. 2 Por morte da vitima, o direito á indemnização por
danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente d
pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes: na falta destes, aos pais ou
outros ascendentes; e por ultimo, aos irmãos ou sobrinhos que os representam
conjugado com artigo 495 CC. 3 O montante de indemnização sera fixado
equitativamente pelo tribunal tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as
circunstâncias referidas no artigo 494 CC; no caso de morte, podem ser atendidos
não so os danos patrimoniais sofridos pela vitima, como os sofridos pelas pessoas
com direito a indemnização nos termos do numero 495 do CC.

Art. 497 do CC Responsabilidade solidaria 1. Se forem várias responsáveis pelos


danos, é solidaria a sua responsabilidade. 2 O Direito de regresso entre os

30
responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas
advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

Art. 498 do CC Prescrição 1. O direito de Indemnização prescreve no prazo de três


anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito lhe compete,
embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos
danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a
contar do facto danoso. 2 Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do
cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. 3 Se o facto constituir
crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o
prazo aplicável. 4 A prescrição do direito de indeminização não importa prescrição
da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem
causa, se houver lugar a uma ou a outra.

Responsabilidade pelo risco

Disposições aplicáveis

Art. 499 do CC.: São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte
aplicável e na falta preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a
responsabilidade por factos ilícitos.

Art. 500 do CC. Responsabilidade do comitente: 1. Aquele em encarrega outrem


de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o
comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente so existe se o facto danoso for praticado pelo
comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no
exercício da função que lhe foi confiada. 3 O comitente que satisfazer a
indeminização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quando
haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o
disposto no n°2 do artigo 497 do CC.

Art. 501 do CC. Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas


publicas: O Estado e demais pessoas colectivas publicas, quando haja anos causados
a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades
de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os
comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários.

31
Art. 502 do CC. Danos causados por animais: quem no seu próprio interesse
utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os
danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.

Art. 503 do CC. Acidentes causados por veículos: 1 Aquele que tiver a direcção
interesse, ainda que por intermediário de comissário, responde pelos danos
provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em
circulação. 2 As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489 do
CC. 3 Aquele que conduzir o veiculo por conta de outrem responde pelos danos que
causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se porem, o conduzir fora
do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos de n°1.

Art. 504 do CC. Beneficiários da responsabilidade: 1 A responsabilidade pelos


danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como as pessoas
transportadas em virtude de contrato; mas, neste caso, abrange so os danos que
atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas. 2 No caso, porem, de
transporte gratuito, o transportador responde apenas, nos termos gerais, pelos
danos que culposamente causar. 3 São nulas as cláusulas que excluam os limitem
a responsabilidade do transportador pelas acidentes que atinjam a pessoa
transportadas.

Art. 505 do CC. Exclusão da responsabilidade: Sem prejuízo do disposto no artigo


570 do CC, a responsabilidade fixada pelo n° 1 do 503 do CC, só é excluída quando o
acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa
de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

Art. 506 do CC. Colisão de veículos: 1 Se da colisão entre dois veículos resultarem
danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver
culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de
cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados
somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, so a pessoa por
eles responsável é obrigado a indemnizar. 2 Em caso de duvida, considera-se igual a
medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a
contribuição da culpa de cada um dos condutores.

Art. 507 do CC. Responsabilidade solidaria: 1 Se a responsabilidade pelo risco


recair varias pessoas, todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que
haja culpa de alguma ou algumas. 2 Nas relações entre os diferentes responsáveis, a
obrigação de indemnizar repare-se de harmonia com a interesse de cada um na
utilização do veículo; mas, se houver culpa de algum ou alguns, apenas os culpados

32
respondem, sendo aplicável quando ao direito de regresso, entre eles, ou em relação
a eles, o disposto no n°2 do artigo 497 do CC.

Art. 508 do CC: Limites máximos: A indemnização fundada em acidente de viação,


quando não haja do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou
lesão de uma pessoa, duzentos

Art. 509 do CC. Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás. 1
Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada á condução ou entrega
da energia eléctrica ou gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde
tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gas,
como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do
acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado
de conservação. 2 Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força
maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do
funcionamento e utilização da coisa. 3 Os danos causados por utensílios de uso de
energia não são reparáveis nos termos desta disposição.

Art. 510 do CC. Limtes da Responsabilidade: 1 A responsabilidade de que trata o


artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem para cada acidente
como limite máximo: no caso de morte ou lesão corpórea, duzentos contos….

Enriquecimento sem causa previsto código civil

Principio geral art. 473. 1,Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer á
custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se
locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de
modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for
recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um
efeito que não se verificou.

Art. 474 Natureza subsidiária da obrigação – não há lugar á restituição por


enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser
indemnizado ou restituído, negar o direito á restituição ou atribuir outros
efeitos ao enriquecimento.

Art. 475 Falta do resultado previsto – também não há lugar á restituição


se, ao efectuar a prestação, o autor sabia que o efeito com ela previsto esta
impossível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação.

33
Art. 476 Repetição do indevido 1. Sem prejuízo do disposto acerca das
obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma
obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.
2. A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não
se tornar liberatória nos termos do artigo 770. 3. A prestação feita por erro
desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar a repetição
daquilo com que o credor se enriquecer por efeito do cumprimento
antecipado.

Art. 477 Cumprimento de obrigação alheia na convicção de que é


própria. 1 Aquele que, por erro desculpável, cumprir uma obrigação alheia,
julgando-a própria, goza do direito de repetição, excepto se o credor,
desconhecendo o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou das
garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito, ou
não o tiver exercido contra o devedor ou contra o fiador enquanto solventes.

Art. 478 Cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar


obrigado a cumpri-la. – Aquele que cumprir obrigação alheia, na convicção
errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la, não tem o direito
de repetição contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor
exonerado aquilo com que este injustamente se locupletou, excepto se o
credor conhecia o erro ao receber a prestação.

Art. 479 Objecto da obrigação de restituir 1. A obrigação de restituir


fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha
obtido á custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor corresponde. 2 A obrigação de restituir não pode exceder a
medida do locupletamento á data da verificação de algum dos factos
referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.

Art. 480 Agravamento da Obrigação – O enriquecido passa a responder


também pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos que
por sua culpa deixam de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a
que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes
circunstâncias:
A) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição;
B) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta
do efeito que se pretendia obter com a prestação.
34
Art. 481. Obrigação de restituir no caso de alienação gratuita. 1. Tendo o
enriquecido alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o
adquirente obrigado em lugar dele, mas só na medida do seu próprio
enriquecimento. 2 Se, porem, a transmissão teve lugar depois da verificação
de algum dos factos referidos no artigo 480 do CC, o alienante é responsável
nos termos desse artigo, e o adquirente estiver de ma fé, é responsável nos
mesmos termos.

Art. 482. Prescrição – O direito a restituição por enriquecimento prescreve


no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento
do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da
prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do
enriquecimento. Previsto no código civil.

Princípios orientadores no direito Penal e Processual Penal.

 O princípio da oficialidade trata-se aqui a questão de saber a quem


compete a iniciativa (o impulso) de investigar a prática de uma infracção e a
decisão de a submeter ou não a julgamento. A problemática relativa ao
princípio em questão decorre a nível diferente da quarela sobre a estrutura
acusatória nível diferente da quarela sobre a estrutura acusatória ou
inquisitória do processo penal, embora não deva negar-se que o principio se
afirma historicamente em conjunção com a viragem para o processo
inquisitório. Mas naquele outro sentido de estabelecer se uma tal iniciativa
deve pertencer a uma entidade publica ou estadual – que interprete o
interesse da comunidade, constituída em Estado, perguicao oficiosa
particulares, designadamente ao ofendido pela infracção.

No nosso direito processual penal actual o princípio da oficialidade pretende


receber consagração plena. A instrução preparatória do processo penal encontra-se
por principio entregue a entidades oficiais sem funções jurisdicionais, que devem
promover oficiosamente o conjunto de diligências destinadas a provar a culpa
ou a inocência dos arguidos: em regra ao MP art 56 n°2 e art 64 n°2 CPP.

Só partir daqui – a partir do momento, pois em que uma entidade oficial decide da
submissão a julgamento de uma infracção, em principio independentemente da
vontade de um particular – O tribunal toma nas mãos o processo penal na sua
totalidade e condu-lo oficiosamente até a decisão (CPP, arts. 357 CPP.

35
O ministério publico acusados os crimes admite a acção popular nos casos referidos
nos artigos 52 CPP, bem como os ofendidos (excepcionalmente outras pessoas
determinadas) a acusarem conjuntamente com o MP, como verdadeiras partes
acusadores art 56 n°1. Do CPP. Mandatário judicial artigo 55 n°3 do CPP. Com o
que deixaria de poder falar-se de autêntica acção popular e de autonomia acusação
privada no sentido e com o conteúdo tradicionais, reforçados e alargando-se nesta
medida o princípio da oficialidade.

 O princípio da legalidade dos arts 53 e 56 n°2 do decreto lei n° 25/2019 de


26 de Setembro decorre indubiamente a ideia de que o MP esta obrigado a
proceder e dar acusação por todas as infracções de cujos pressupostos –
factuais e jurídicos, substantivos processuais – tido conhecimento e tenha
logrado recolher, na instrução, indícios suficientes.

Não há pois lugar para qualquer juízo de “oportunidade sobre a promoção e


prossecução do processo penal, antes esta se apresenta como um dever para MP,
uma vez dadas as seguintes condições: a) existência de pressupostos processuais
(v.g competência) e inexistência de obstáculos processuais (v.g. imunidade); b)
punibilidade do comportamento segundo o direito penal substantivo (v.g. ilicitude,
culpa, condições objectivas de punibilidade); e c) conhecimento da infracção (art. 55
n°2 e 3).

A actividade do MP desenvolve-se, em suma, sob o signo da estrita vinculação a lei


(dai o falar-se em principio da legalidade).

A Favor do princípio da acusação. Em geral não pode o juiz e decidir sobre uma
infracção, se lhe não for previamente acusada por uma entidade diferenciada – em
principio o MP ou outras entidades publicas (art 55 e 56), excepcionalmente o
assistente particular ou acasos de acusação autonomia por crime publico).

 O princípio do contraditório encontra assento generalizado na actual


legislação processual penal portuguesa, se bem que em medida e sob formas
diferentes consoante o concreto estádio do processo.

Quando á fase “julgamento”, o texto onde ele surge de forma mais correcta e
acabada é o do art. _____ do CPP:

O juiz ouvira sempre o MP e os representantes da parte acusadora sobre os


representantes da defesa e estes sobre o que tenham requerido aqueles, e muitos
dos artigos seguintes, bem bem como v.g. o art_____, é a luz do mesmo principio que
devem compreender-se. Quando a fase chamada da acusação e defesa; a
36
contraditoriedade transparece sobretudo nos arts_____ e seguintes ______ e______,
sendo ela própria, por outro lado, o autentico fundamento da fase da instrução
contraditória (v. arts. ______ e seguintes do CPP). No que toca á fase da instrução
preparatória, o principio do contraditório foi intencionalmente afastado no artigo
_____ do CPP e no corpo do _____ .

É, de resto, para assegurar o contraditório – bem como para tomar efectiva a


possibilidade de defesa – que o art. ______, CPP considera como nulidade principal a
falta de notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, ao arguido e ao seu
defensor, bem como a falta de entrega do rol de testemunha.

 Princípio relativo aprova A adução e esclarecimento do material de facto


não pertence aqui a exclusivamente as partes, mas em ultimo termo ao juiz: é
sobre ele que recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente – sc.,
independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a
julgamento. Esta consequência do principio da investigação encontra-se
consagrada, com carácter geral, nos art._____, e a propósito de problemas
particulares, nos arts______. _____._____. E _______; ______; ______; _______; único, cte.,
do CPP.

O ultimo posso enunciado vale, sobretudo, perante as alegações orais na


audiência de discussão e julgamento (arts 405 e 406 do CPP) pede o MP ter
pedido a absolvição do arguido e o tribunal) condenado – como pode a defesa,
considerado provado o crime, pedir apenas a condenação em pena leve e o
tribunal absolve o arguido.

No entendimento de certos autores, porem, devera apontar-se ao princípio num


tripla limitação, derivada: a) da concorrência do princípio da acusação; b) do
princípio da legalidade dos meios de prova; c) da exclusão do conhecimento privado do
juiz.

Livre apreciação das provas muitas legislações do passado, receosas de que o juiz
facilmente incorresse em erro na valorização dos meios de prova a utilizar,
reputavam indispensável prescrever regras de apreciação, assentes em regras da
vida e da experiencia que tradicionalmente eram tidas por segura, e através das
quais se fixava ou se hierarquizava o valor dos diversos meios de prova. Art 385.

a) relativamente a prova testemunhal e por declarações (art. 393 e seguintes do


CPP) O principio vale hoje (ao contrario do que sucedeu ate sec. XIX) sem quaisquer
limitações, podendo mesmo dizer-se ser este o seu campo de eleição. É certo que a

37
lei da a entender, por diversos modos, não ter a prova por declarações a mesma
dignidade probatória que é atribuída á prova testemunhal. O critério de apreciação
da prova: o juiz é livre – no sentido indicado – de informar a sua convicção na base
do depoimento de um declarante em desfavor de testemunha (s) contrária (s).

B) Depoimento do arguido ( arts 388 e 393 do CPP) teremos de distinguir


consoante este confesse ou negue os factos que lhe são imputados. A negação fica,
naturalmente, submetida por inteiro ao princípio da livre apreciação e cometida por
inteiro ao principio da livre apreciação e convicção. A confissão, porem, esta sujeita,
quando ao seu valor, a um verdadeiro critério legal de apreciação; com efeito, nos
termos do art. 389 do CPP.

Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é


desfavorável e favorece a parte contraria previsto artigo 352 do código civil.

c) também em relação á prova pericial vem sendo sustentada entre nós a ideia da
absoluta liberdade da sua apreciação pelo juiz. Ideia que parece confirmação pelo
facto de hoje já ninguém sustentar – ao contrario do que sucedeu no
deslumbramento consequente ao advento da “prova científica”. Art. 396 CPP.

d) com um verdadeiro critério legal de apreciação deparamos nos em matéria de


factos constantes de documentos autênticos ou autenticados, pois que estes, nos
termos do artigo 408 do CPP. Consideram-se provados e sobre eles não haverá
quesitos, salvo o caso de falsidade. Art. 205.

Quando, por outro lado, aos autos de noticia referidos no art. 109, ele farão fé em
juízo até prova em contrario – e beneficiário, portanto, da presunção relativa
corresponde – nos termos do art. 204.

Documentos autentico – o documento so é autentico quando a autoridade ou


oficial publico que o exara for competente, em razão, da matéria e do lugar, e não
estiver legalmente impedido previsto no artigo 369 CC.

Prova documental é a que resulta de documentos; diz-se documentos qualquer


objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa,
coisa ou facto. Artigo 362. CC.

O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção
da autoridade ou oficial publico qualquer facto que na realidade se não verificou, ou
como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na
realidade o não foi. Previsto no artigo 372 CC.
38
Documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu
rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar.

Reconhecimento notarial se estiverem reconhecidos presencialmente nos termos


das leis notariais, a letra e assinatura do documento, ou só a assinatura, tem-se por
verdadeira.

 O princípio in dúbio pro reo em processo penal, onde como sabemos,


compete em ultimo termo o juiz, oficiosamente, o dever de instruir e
esclarecer o facto sujeito a julgamento: não existe aqui, por conseguinte
qualquer verdadeiro ónus da prova que recaia sobre o acusador ou o
arguido.

Relativamentem, porem, ao facto sujeito a julgamento o principio aplica-se


sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos
fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também as causas da
exclusão da ilicitude (v.g. a legitima defesa, art 51 n°1 e art 53 CP), e da exclusão
da culpa (v.g. o estado de necessidade subjectivo, art. 52 do CP), e de exclusão da
pena (v.g. desistência da tentativa, art. 18 n°1 e art. 20 n°1 do CP), bem como as
circunstâncias atenuantes, sejam elas modificativas ou simplesmente “gerais” em
todos estes casos a persistências de duvida razoável após a produção da prova
tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte de duvida
razoável após a produção da prova tem de completa da circunstância
favorável ao arguido artigo 59 n°3 CRM.

Falta, morte e ausência do arguido.

 Sabe-se que toda a responsabilidade verdadeiramente penal é individual e


intransmissível (CP. Art. 29). A tradução deste principio ao nível do processo
penal conduz a considerar paralelamente que toda a pessoa que seja
chamada solenemente a responder perante a comunidade em um processo
penal tem o fazer pessoalmente; não pode, pois, existir um processo
penal sem haver quem nele tome o lugar de arguido. E contra isto não
esta a circunstância de a instrução preparatória, fazendo já parte do processo
penal, começar a correr muitas vezes “contra desconhecidos”; o chamamento
solene a responsabilidade é feito através do acto de acusação e consequente

39
despacho de pronúncia, pelo que será neste momento que a falta de arguido
determinara a inexequibilidade do processo penal.

 Do principio da responsabilidade pessoal segue-se que a morte do


arguido (e não do “criminoso”, como incorrectamente referem, tomando a
parte todo, _________________________)extingue o procedimento criminal, seja
qual for o estádio em que este se encontre e, portanto, mesmo na fase dos
recursos.
A única excepção a tomar em conta é a que tem lugar no recurso de revisão a
favor do arguido e que, nos termos do art. 507 e 508 CPP, pode ser requerido
mesmo depois do falecimento do arguido, “pelos ser requerido mesmo
descendentes, cônjuges, irmãos ou herdeiros; e é claro que, por evidente
maioria de razão, o recurso devera – embora a lei não refira a possibilidade –
poder ser continuado pelos mencionados parentes ou herdeiros do
arguido se este falecer na pendência do recurso.

 Do princípio da responsabilidade pessoal – como aliás de outros


princípios que precedem á audiência de julgamento penal, nomeadamente o
da imediação – deveria ainda resultar a geral impossibilidade de uma
audiência de julgamento sem a presença do arguido; a geral impossibilidade,
i. é de um verdadeiro processo penal de ausentes. Não foi essa todavia a
solução seguida pelo nosso CPP, nos artigos 379 e seguintes, que pelo
contrário aceitou o julgamento de ausentes dentro de um processo
penal especial.

Legitimidade para a acção penal – em todos casos declarados na presente


secção, se o furto não exceder a quantia de vinte salários mínimos, e não
sendo habitual, só tem lugar o procedimento criminal queixando-se ofendido.
A acção criminal não tem lugar sem queixa do ofendido, sendo o furto
praticado pelo agente contra os seus irmãos, cunhados, sogros ou
genros, padrastos, madrastas ou enteados, tutores ou menores e cessa o
procedimento logo que os prejudicados o requeiram. Previsto no artigo
277 CP.

O lesado e o “processo adesão”

O artigo 80 que “ o pedido de indemnização por perdas e danos resultantes


de um facto punível, por que sejam responsáveis os seus agentes, deve fazer-
40
se no processo em que correr a acção penal e só poderá ser feito
separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos
neste código. E o corpo do artigo 94 que “ o juiz, no caso de condenação,
arbitrara aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e
danos, ainda que lhe não tenha sido requerida.

A natureza da reparação de perdas e danos arbitrada em processo


penal.

A favor da orientação dominante pode certamente invocar-se o teor literal do


art. 80 do CPP, quando afirmar ser o pedido civil de indeminização que se
fazer valer no processo penal; mas o argumento não é por si decisivo, já que
aponta para a natureza do pedido, mas ainda diz sobre a natureza da resposta
que o tribunal penal eventualmente venha a dar, é dizer, da reparação que
venha a ser arbitrada no tribunal penal.
O artigo 94 não admite a possibilidade de transacção na acção civil; e
sobretudo, que ele viole um princípio intocável do processo civil, como
é o da necessidade do pedido, ao impor ao juiz penal a reparação “ainda
que lhe não tenha sido requerida.
É, em segundo lugar, a circunstância do 94 do CPP considerar a reparação
como um efeito necessário, como que automático, da condenação penal
(como o revela também o art. 414 n°1.
Finalmente, e sobretudo o n°2 do art. 94 mostra serem irremediavelmente
diferentes os critérios de avaliação da reparação penal e da indeminização

Responsabilidade objectiva pelo risco:


Arts 499 e seguintes do CC ou mesmo da responsabilidade por factos ilícitos
(arts. 3391 n°2 e 1347 e seguintes 1367, etc.) nem, de todo o modo, as
exigências da culpa na responsabilidade civil coincidem com as pressupostas
pelo conceito de culpa jurídico-penal, dada a muito mais forte personalização
deste em face daquela.
Com o que haveremos de concluir por força que, respeitando como deve
o disposto no n°2 do art. 94 do CPP, a reparação de perdas e danos
arbitrada em processo penal pode ser e será muitas vezes de montante
diferentes – superior ou inferior – daquele que seria arbitrado a titulo
de indemnização civil

41
10. Sanções Materiais

a. Distinguimos três espécies de sanções matérias:

Cumprimento coactivo
Reintegração
Reparação
Sempre que é possível, a lei faz cumprir coactivamente a norma. E isso é possível sempre
que a norma estatui uma prestação fungível. A deve 50 a B; o tribunal vai buscar 50 ao
património de A e entrega a B e com isso cumpriu-se a norma, embora coactiva e não
voluntariamente. Para B é indiferente que os 50 lhe sejam entregues por A, por um criado
de A, ou por um funcionário da Caixa Geral de Depósitos mediante um precatório cheque
do tribunal.
Quando não é possível o cumprimento coactivo, recorre-se à reintegração. Esta
corresponde à seguinte ideia:
Procura-se estabelecer o estado de coisas que se verificaria se não tivesse havido a
violação da norma (cfr., artigo 562° do código civil).
Quando possível, estabelece-se o estado de coisas material e efectivo – é o que se chama
reconstituição natural ou in natura (quebrou-se um vidro, poe-se outro); quando tal não é
possível, estabelece-se um estado de coisas que se considera juridicamente equivalente
através de bens patrimoniais do mesmo valor ou do seu preço em dinheiro (quebrou-se
um jarro insubstituível, paga-se o seu valor) – é o que se chama reintegração por
sucedâneo ou equivalente pecuniário.
Quando não é possível a reintegração, ou ela não repara totalmente a violação cometida,
lança a ordem jurídica mão da ideia de reparação – ou seja, impõe algo que represente
para o violador um sacrifício em contrapartida da violação (nullum passionais propter
malum actions, definiam os antigos a pena), e representa para o lesado com a violação
(seja a sociedade toda, seja certa pessoa) uma satisfação em contrapartida da lesão
sofrida.

42
b. A reparação apresenta duas formas principais:

Compensação por danos morais (ou não patrimoniais);


Pena
Entende-se hoje que o responsável deve indemnizar pelos prejuízos que causou mesmo
no domínio moral (v. antigo 496° do código civil). Se A mata B, pode dever pagar uma
indemnização ao cônjuge de B, pelo desgosto ou magoa que causa. Se C fere D. pode ter
de indemnizar o sofrimento que lhe causa. Não estamos perante a ideia de cumprimento
efectivo ou reintegração, mesmo por sucedâneo pecuniário (nada avalia um homem;
como avaliar o dinheiro um sofrimento?).
A ideia é atribuir ao lesado uma soma da qual possam derivar algumas satisfação que
sirvam de contrapartida ao sofrimento que teve.

c. Antes de prosseguir, convém fazer referência a três conceitos


fundamentais:

Indemnização – é a quantia a sair do património do violador para suportar o


cumprimento coactivo não pecuniário, a reintegração ou a compensação por danos
morais.
Execução – é o processo civil através do qual, no disser do artigo 4° n°3, do código de
processo civil, se tomam as providencias adequadas à reparação efectiva do direito
violado. Como se disse já, a execução pode ser específica – caso do cumprimento
coactivo e da reintegração natural – e não especifica – caso da reintegração por
sucedâneo pecuniário e da reparação.
Dano ou prejuízo: é a desvantagem para certa pessoa, resultante da diferença entre a
situação resultante da lesão e a que existiria se não fosse esta. Se A não tivesse danificado
o táxi de B, este estaria apto a ser usado e valeria mais, B teria ganho dinheiro que assim
não ganhou, etc.12.

12
Os dois exemplos respondem a duas categorias de danos ou prejuízo: danos emergentes (o carro esta
destruído), lucros cessantes (B não ganhou e teria ganho): cfr. Artigo 564° n°1 do código civil.

43
Iii. A ideia de pena sai totalmente deste campo. É muito discutida a natureza e fins das
penas, mas a ideia é a de um sacrifício imposto ao violador de uma norma, em atenção
à sua culpa.
Ainda quando a pena tem objecto patrimonial (multa), distingue-se da indemnização
porque esta se mede fundamentalmente pelo dano (patrimonial ou não patrimonial) ao
passo que a pena se mede fundamentalmente pela culpa13
A latere desta classificação aparece-nos o conceito de pena disciplinar, que se caracteriza
pela sua origem: resulta da violação dos deveres próprios dum trabalhador no domínio do
seu trabalho.

2. A pena distingue-se em duas espécies:

Civil ou não Criminal;

Criminal.

A distinção reside no critério seguinte:

A pena é efectiva ou potencialmente pessoal, ou seja, quando efectiva ou potencialmente


recai sobre a própria pessoa do violador, no presente estádio da civilização
fundamentalmente através da privação da liberdade14; e não criminal, no caso contrario.

3. Responsabilidade

Responsabilidade é o dever que impende sobre o violador da norma de reintegrar ou


reparar tal violação. Distingue-se em:

13
Ou, noutra terminologia, é chamado equivalente ao elemento do acto ilícito em função fundamentalmente
do qual varia a sancao, equivalente da pena é a culpa, equivalente da indemnização é o dano. O termo
fundamentalmente chega para o sistema se manter, apesar de normas como a do artigo 494° do código
civil.
14
Não existem no nosso direito penais corporais propriamente ditas, e o artigo 24° n° 2 da constituição
dispõe hoje no nosso direito que “em caso algum haverá pena de morte. A multa é pena criminal quando
convertível em prisão se não for paga, não criminal em caso contrário.

44
Responsabilidade civil – a que tem por objecto a reintegração, a compensação por danos
morais e a pena civil.
Responsabilidade criminal – a que tem por objecto a pena criminal15
No âmbito criminal
4.º Exemplo: Existe a norma não matar, a necessidade dessa regra é óbvia. Como se
protege coactivamente esta regra?
Antes de mais, preventivamente: procura-se arranjar modo de impedir os assassinatos,
agindo pela forca se preciso for, designa1damente através de forcas policiais.
Mas a lei procura alem disso reparar o mal cometido pela violação da norma (alguém
matar outrem). Já não e pensável uma reparação especifica, Nem em primeiro plano por
sucedâneo pecuniário (de um ser humano?). Não se pode, claro, dar vida de novo ao
assassinado.
Note-se que, em certa medida, pode-se impor um sucedâneo pecuniário: se o assassinado
tinha filhos menores que sustentava, por exemplo, pode-se atribuir aos filhos um direito a
alimentos, ou um capital donde esse sustento saia. Mas é evidente que, no fundamental,
um ser humano não tem sucedâneo pecuniário possível.
Então a lei socorre-se de duas medidas:
Primariamente, uma pena criminal: procura reparar o mal cometido, na medida do
possível, fazendo-o expiar pelo agente;
Alem disso, uma compensação por dano moral, ou seja, uma quantia que se presume
poder proporcionar aqueles que sofreram pessoalmente (e não patrimonialmente) com o
acto ilícito (pai e mãe da vitima, por exemplo) satisfações que atenuem a perda que
sofreu.

4. Sujeitos

Chama-se personalidade jurídica á susceptibilidade de ser titular de direitos e


obrigações.
Personalidade jurídica – É a susceptibilidade (a possibilidade) de qualquer pessoa ser
titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e obrigações. Compete à lei estabelecer

15
Distingue-se também aqui uma responsabilidade disciplinar.

45
quem tem personalidade jurídica. De acordo com o Código Civil, a personalidade
adquire-se no momento do nascimento completo e com vida e cessa com a morte. Assim,
todos os seres humanos têm personalidade jurídica e, desde logo, os direitos de
personalidade como: o direito à vida e à integridade física, direito ao nome, ao bom-nome
e à reputação, direito à honra, direito à imagem, direito à reserva sobre a intimidade
privada, etc.
Se a personalidade jurídica significa a susceptibilidade de a pessoa ser titular de direitos e
obrigações, e sendo certo que todas as pessoas podem gozar direitos (a capacidade de
gozo de direitos é dada a todos os que tem personalidade jurídica), a verdade é que nem
toda a pessoa é efectivamente capaz de exercer total ou mesmo parcialmente os seus
direitos e responder pelas suas obrigações (a capacidade de exercício de direitos pode ser
maior ou menor). A medida em que uma pessoa pode ser sujeito de relações jurídicas, ou
seja, titular de direitos e obrigações é dada pela sua capacidade jurídica.
“Dizia o artigo 1º do Código Civil português de 1867: Só o homem é susceptível de
direitos e obrigações. Nisto consiste a sua capacidade jurídica ou a sua personalidade”.
Detenhamo-nos um pouco mais sobre a capacidade de exercício.
Existe capacidade de exercício quando a pessoa pode agir, no domínio do direito, por si,
pessoal e livremente. Porque há pessoas que actuam no mundo direito, mas:
Ou não por si, pessoalmente antes através de representantes. Um recém-nascido pode ser
dono de uma grande fortuna. É claro que não é ele que a gere e administra, mas alguém
por ele – uma pessoa, esta capaz, que actua juridicamente em nome dele. Juridicamente, é
como se fosse o incapaz a agir. É a figura da representação artigo 258º. Do código civil.
Ou não livremente, antes autorizado por outra pessoa. A esta figura – suprimento da
incapacidade por autorização – chama-se assistência.

Quanto as pessoas são incapazes de exercer os seus direitos e cumprir as suas obrigações,
o direito arranja formas de suprir essa incapacidade, ou seja, de permitir que os direitos se
exerçam e as obrigações se cumpram através de outra pessoa ou sob o devido controlo
dela. Esses meios de suprimento da incapacidade são a representação (outra pessoa age
em nome do incapaz) e a assistência (outra pessoa autoriza o incapaz).
A personalidade jurídica é precisamente a optidao para ser titular de relações jurídicas, ou
seja, de direitos e obrigações.
O código Civil, no art 66°, diz-nos quando se dá seu inicio:
Corresponde assim, a personalidade jurídica, a uma exigência da natureza e da própria
dignidade do Homem que deve ser reconhecida pelo direito objectivo, sendo a condição
46
indispensável para que cada Homem, nas suas relações com os outros realize os seus fins
e interesses, pois como já se referiu, o” direito existe por causa e para serviço dos
homens”.

5. Capacidade

No afim da personalidade jurídica é a de capacidade.


A personalidade jurídica é um conceito absoluto insusceptível de gradação: certo
entidade ou é a pessoa ou não é, não faz sentido falar de mais ou menos pessoa. A
titularidade de um único direito ou a adstrição a uma só vinculação jurídica prova a
personalidade.
A noção é muito vaga e só se concretiza com a diferenciação entre

Capacidade de gozo;
Capacidade de exercício.
Capacidade de gozo é a medida de direitos e vinculações de que a pessoa é susceptível de
ser titular;
Capacidade de exercício é a medida de direitos e vinculações que a pessoa pode exercer
ou cumprir por si, pessoal e livremente.
Fenómeno inverso é a incapacidade de gozo – medida de direitos e vinculações de que a
pessoa é insusceptível de ser titular, e
A incapacidade de exercício – medida de direitos e vinculações que a pessoa não pode
exercer ou cumprir por si, pessoal e livremente
Capacidade Jurídica é, pois, é a capacidade ou faculdade que o ordenamento jurídico
confere a uma pessoa para ser sujeito de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição
legal em contrário48. Qualquer sujeito de relações jurídicas é titular de direitos e poderá
dispor deles desde que não sofra de qualquer incapacidade prevista na lei, como a
menoridade ou a anomalia psíquica. Se tal acontecer, o incapaz deve ter um representante
legal que actuará em seu nome e defenderá os seus direitos. A capacidade jurídica
envolve, assim, a capacidade jurídica de gozo de direitos, que em regra todos possuem, e
capacidade jurídica de exercício de direitos, que é maior ou menor consoante os casos e
conforme a lei.

Agora um fenómeno curioso de terminologia


47
Quando em linguagem jurídica se fala em capacidade, regra geral designa-se a
capacidade de gozo. Veja-se o artigo 67º do código Civil:
”As pessoas podem ser sujeitas de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em
contrário: nisto consiste a sua capacidade jurídica.”
- Quando se fala em incapacidade, e no termo correlacionado incapaz, pensa-se em regra
na incapacidade de exercício.
Incapaz é a pessoa afectada de incapacidade de exercício, como regra geral ou num
domínio importante da sua esfera jurídica (designadamente a esfera patrimonial.)

Finalmente, a personalidade jurídica das pessoas extingue-se com a sua morte,


conforme o preceituado no artigo 68° do Código Civil.

Extensão da personalidade jurídica


Em princípio, é uma pessoa jurídica todo o ser humano e só o ser humano e só o ser
humano.
É uma pessoa jurídica todo o ser humano (o ser humano vivo, claro) – e esta regra não
tem hoje, no estádio actual da nossa civilização, excepções. Instituições como a
escravatura, em que seres humanos eram vistos como objectos, e não sujeitos de direitos,
são figuras do passado. O ser humano é pessoas desde que nasce (artigo 66º, n.º1, do
Código civil) até que morre (artigo 68º, nº1, do mesmo código).

6. Direito Constitucional

NOÇÃO
O Direito constitucional em sentido material ou substancial – o conjunto de normas
jurídicas fundamentais que regem a estrutura, os fins e as funções do Estado, a
organização, a titularidade, o exercício e o controlo poder politico do Estado, bem como
as respeitantes á fiscalização do acatamento das normas enumeradas, em particular do
acatamento pelo próprio poder politico do Estado.
O Direito constitucional em sentido formal – o conjunto de normas jurídicas escritas,
elaboradas por órgão dotado de poderes especiais, através de um processo específico,
diverso do que gera as leis ordinárias.

48
O Direito constitucional em sentido instrumental – texto único em que se compendiam
as normas formalmente constitucionais.

15.1. Classificação dos tipos constitucionais

Quanto ao conteúdo: material e formal


Constituição material é o conjunto de regras constitucionais esparsas, codificadas ou não
em um único documento.
Já a Constituição, no seu conceito formal, consubstancia-se em um conteúdo normativo
expresso, estabelecido pelo poder constituinte originário em um documento solene que
contém um conjunto de regras jurídicas estruturais e organizadoras dos órgãos supremos
do Estado.
A diferença entre sentido material e sentido formal da Constituição é que nesta temos a
existência estatal reduzida à sua expressão jurídica formalizada através da codificação
solene das normas constitucionais.

Quanto à forma: escrita e não escrita


Constituição escrita é o conjunto de regras codificado e sistematizado em um único
documento para fixar-se a organização fundamental.
Caracteriza-se por ser a lei fundamental de um povo, colocada no ápice da pirâmide das
normas legais, dotada de coercibilidade.
Constituição não escrita é o conjunto de normas constitucionais esparsas, baseado nos
costumes, na jurisprudência e em convenções. Exemplo: Constituição inglesa.

Quanto à forma de elaboração: dogmáticas e históricas

 Constituição dogmática é aquela que se nos é apresentada de forma escrita e


sistematizada, por um órgão constituinte, a partir de princípios e idéias
fundamentais da teoria política e do direito dominante em uma determinada
sociedade.

 Constituição histórica é aquela que resulta da história, dos costumes e da tradição


de um povo.

49
15.2. Princípios estruturantes da constituição da república de moçambique

O que são princípios estruturantes: São elementos fundamentais que consagram a


Organização e a filosofia em que assenta o Estado, que de forma expressa ou implícita
define o carácter, o espírito do Estado, a posição jurídica dos cidadãos e dos
governantes em relação ao Estado, os objectivos gerais do Estado, no plano interno
e externo.
Os princípios estruturantes numa Constituição podem estar de forma expressa e podem
estar de forma não expressa, o que significa que a sua identificação decorre da
c o n j u g a ç ã o do articulado, da sistemática e da interpretação das normas
constitucionais, por forma a serem revelados.
São princípios estruturantes que nos definem e nos caracterizam o Estado, ou seja, a
partir dos princípios estruturantes o interprete ou aplicador da norma fica com a ideia
fundamental do tipo de Estado, do Sistema de Governo assim como da forma de
Governo.
Os princípios estruturantes são o fundamento e o limite da interpretação das normas
constitucionais. Constituem as balizas do poder politica, da sociedade e do cidadão.
São os seguintes os princípios estruturantes da nossa República:

 Principio republicano

 Princípio do Estado de direito

 Princípio democrático

 Principio pluralista

 Princípio do Estado social

 Princípio do Estado unitário

 Princípio da autonomia das autarquias locais

 Princípio da laicidade do Estado

50
I. P r i n c i p i o republicano

Com este princípio que se encontra plasmado na Constituição entende-se que o Estado é
um bem público que não pertence aos titulares dos órgãos, nomeadamente os constantes
no artigo 133, 135, n.˚3, 138, 140, 141, 142, 237, n.˚2, 240, 255, n.˚1, 257, 268, n.˚ 2,
275, mas sim um bem público, artigo 249 e 272, n.˚ 2.
A expressão republica, “Res Publica”, que vem consagrado no artigo 1, da CRM,
provém do latim e significa coisa pública, coisa comum, diferente de res privata que é
coisa particular), coisa que é de todos os seus habitantes. Por conseguinte, ninguém
pode-se arrogar proprietário da coisa de todos. Todos beneficiam-se dos frutos
resultantes do uso da fruição da coisa pública, em pé de igualdade, artigo 35, 36, 39.
O Estado é uma colectividade de cidadãos titulares de direitos civis e de participação
política que estão vinculados a deveres decorrentes do respeito que se deve ter em
relação a coisa de todos, artigo 38; Este principio tem a sua expressão na Constituição,
nos seguintes artigos constitucionais:
Capítulo I do Título I tem por epígrafe “República” e, segundo o art. 1, “A República
de Moçambique é um Estado...”
Designação do Chefe de Estado por “Presidente da República” (art. 146, n.º 1). Por
conseguinte, há limitação dos mandatos sucessivos do PR (art. 147, n.ºs 4 e 5) e da AR,
artigos 171.
O mandato que se fixa para os titulares do poder é a expressão da sua concretização
material, pois quem ascende ao poder desde a tomada de posse fica informado de que é
titular por algum período e não vitaliciamente.
O cargo que ocupa é coisa pública, dai que o seu titular não pode permanecer no cargo
vitaliciamente.
A permanência no cargo durante muito tempo ofende o princípio republicano.
A Constituição moçambicana de 2004 fixa como tempo máximo de permanência de 5
anos podendo ser renovado nos ternos estritamente previstos na lei.

51
II. Princípio do Estado de direito

Consiste em exercer o poder em conformidade com o Direito positivo. Aquele Direito


que esteja plasmado na Constituição e na lei, designadamente, nos termos previstos
nos artigos 2, n.ºs 2 e 3, no artigo 4 e 214 e com respeito ao disposto no artigo 144.
Estado d e D i r e i t o p r e s s u p õ e u m a ordem jurídica baseada numa Constituição,
artigo 2 n.º 3, que tem por objectivo a estruturação d o próprio Estado e a garantia
d a s liberdades fundamentais, artigo 133 e seguintes e artigo 56 e seguintes. Um
Estado que prossegue fins orientados por princípios e regras do Direito e que busca a
realização d a j us ti ça , da segurança e do bem-estar social, económico, e cultural,
artigo 11, 96 e seguintes.
Estado que actua segundo processos e p r o c e d i m e n t o s jurídicos pré-
estabelecidos que garantem a previsibilidade e s e g u r a n ç a jurídica nas relações os
cidadãos e a administração. Por força deste princípio impõe-se uma rigorosa e garantia
efectiva, no mínimo, dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos,
designadamente o direito à vida e à integridade física, artigo 40 e a liberdade e
segurança física individual da pessoa, artigo 59, o gozo das liberdades de consciência e
de religião, artigo 54 (liberdade de consciência e de religião).
O princípio do Estado de Direito, garante ainda o cumprimento da r e g r a d a igualdade
j u r í d i c a e n t r e a s p e s s o a s , tal como se pode constatar dos artigos 35, 36 e 37.
O Estado de Direito prossegue fins racionalmente previstos nos princípios fundamentais
do Estado, do artigo 1 ao artigo 22. Pressupõe ainda a existência de órgãos de
fiscalização da constitucionalidade e da legalidade dos actos praticados pelos órgãos
de poder, conforme os artigos 142, n.º2, al. a), 1 4 6 , n.º 2, 1 7 9 , n.º 2, al. j), k), 206,
214, 238, n.º 2, 236, 244, n.º 1, al. b), c), 245, 256, 259, 69, 70, 79, 80, 81, 253, n.ºs 2 e
3.
No nosso país temos órgãos de fiscalização, sendo de destacar o Conselho
Constitucional, os Tribunais judicias e Administrativo, o Provedor de Justiça, a
sociedade civil, o cidadão e finalmente o P.R que é o garante da Constituição.
No Estado de Direito todos os actos devem estar conformados com a lei e a Constituição
que se acha numa posição superior às demais leis

52
São os seguintes os requisitos do Estado de Direito:
O Estado de Direito para a governação do País possuem como característica a
Pluralidade, a independência e a interdependentes quanto a sua subsistência, e c a d a
uma delas exerce uma f u n ç ã o que é d i s t i n t a da outra, tal como se pode
constata dos seguintes dispositivos:

 Pluralidade de órgãos de soberania, artigo 133 (PR, AR, Governo, Tribunais e


Conselho Constitucional);

 Princípio da separação e interdependência dos poderes, artigo 134.

 Aos tribunais está-lhes reservado a função jurisdicional, independente e dotados


de garantias de independência dos juízes, artigo 212,213, 217, 219 e 215.

 A independência dos tribunais é ainda garantida pelo Conselho Superior da


Magistratura Judicial, nos termos do artigo 220.

 Vigora o Princípio da constitucionalidade, concretizado pela fiscalização,


jurisdicional ou jurisdicionalizada que se realiza em conformidade com a
própria Constituição e as leis, nos termos previstos nos artigos…Artigo 2, n.º 3 -
Subordinação do Estado à Constituição);

 Artigo 2, n.º 4 - Prevalência das normas constitucionais sobre as restantes


normas do ordenamento jurídico;

 Artigo 214 e seguintes - Fiscalização jurisdicionalizada da


constitucionalidade e legalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado,
através do Conselho Constitucional).

 O Princípio da legalidade de Administração é um dos princípios fundamentais


através do qual, o sistema institui meios de impugnação contenciosa dos actos
administrativos e dos regulamentos, conforme o disposto nos seguintes
articulados jurídicos-constitucionais:

 Artigo 2, n.º 3 - O Estado funda-se na legalidade;

 Artigo 249, n.º 2 - Vinculação da Administração Pública à Constituição e à


lei);

 Artigo 253, n.º 3 - Direito dos cidadãos ao recurso contencioso c o n t r a a c t o s


administrativos ilegais l e s i v o s de seus direitos;

 Artigo 2 2 8 e s e g u i n t e s (Tribunal Administrativo, órgão de controlo da


legalidade dos actos administrativos e da aplicação das normas regulamentares
emitidas pela Administração Pública);

 Finalmente, temos no Estado de Direito como corolário, a Responsabilidade civil


do Estado pelos danos causados pelos seus órgãos e agentes.
5
3
Esta garantia encontra a sua expressão na Constituição no artigo 58, o
Direito à indemnização e responsabilidade do Estado, nos seguintes termos:

 “1. A todos e reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indemnização


pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos
fundamentais.”

 “2. O Estado é responsável pelos danos causados por actos ilegais de seus
agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso
nos termos da lei.”

III. Princípio democrático

Democracia

Consiste no exercício do poder pela maioria do povo. O que significa que o poder
é efectivamente exercido pelo povo, tem como fundamento o povo, dirige-se ao
povo e é do Povo, segundo a máxima “Democracia “ governo do povo, pelo povo e
para o povo”.
O povo exerce o poder segundo as formas estabelecidas na Constituição, conforme o
disposto no artigo 2, n.˚ 1 e 2, 73, 135, n.˚ 1, 142, n.˚1, 147, n.˚
1, 170, n.˚ 1 e 275, n.ºs 2 e 3 que consagra o princípio da Soberania Popular do nosso
Estado.
A democracia é exercida sob duas modalidades.
1. Via directa - que consiste em o povo exercer por si próprio o direito de escolher
livremente os seus representantes para o exercício das funções políticas ou
adm i ni s t rat i vas do Estado, conforme os artigos 73, 135, n.˚1, 142, n.˚1, 147, n.˚ 1,
170, n.˚ 1 e 275, n.ºs 2 e 3.
2. Por via indirecta - quando os representantes do povo escolhidos, através da 1.ª via
praticam os actos públicos em nome do povo. Ex: os deputados que na A.R apreciam e
aprovam as leis. O P.R é que forma o governo, nomeia e confere posse as altas
individualidades do Estado, artigo 143,
159, 160, 161, 162, 163, 166, 169, 179, 183, 195, 197, 198, 203, 204,
205, 206, 212, 213, 222, 225, 230, 236, 244, 254, 256, 259, 264, 269,
271, 291, 295, 296…. DEMOCRACIA DIRECTA
O povo directamente escolhe. Há uma escolha directa pelo povo.
Na democracia directa o acto só é válido quando um povo apresenta-se na sua
universalidade. Isto é, quando seja a maioria das pessoas, artigo 148, 135 n.º 2,
5
4
136 N.º 6
LEGITIMIDADE POPULAR.
Foi eleito por maioria de voto. LEGITIMIDADE LEGAL
O acto foi praticado nos termos da lei. Sendo necessário combinar a legitimidade com a
legalidade, para se respeitar a democracia, artigo 2, n.º 2 e 3.
A democracia não se compadece com a anarquia ou ilegalidades. A legitimidade e
legalidade são dois seguimentos que integram a democracia, onde a falta de um põe
em causa a unidade. O que significa que estes dois seguimentos são cumulativos, sendo
o Estado baseado na organização política democrática, artigo 3.

IV. Principio pluralista

O pluralismo significa a existência de uma realidade politica, económica, social e


cultural diversa, onde temos uma pluralidade e multiplicidade de situações variadas
sobre a mesma realidade factual.
Com este princípio a ordem jurídica Moçambicana reconhece a existência de diferenças
no pensamento e na ideologia de todos os Moçambicanos. Reconhece-se ainda pontos
de vistas diferentes no domínio económico, social, cultural e políticos.
A ordem jurídica moçambicana, prevê assim no domínio político o sistema
multipartidário artigo 53, 74, 75, 77, 51 e 52.
Ainda no domínio politico, pluralismo significa existência e livre formação dos
partidos políticos, por serem eles a e x p r e s s ã o do pluralismo político, nos termos do
artigo 74, as associações e grupos de pressão e c o m u n i c a ç ã o d e diferentes
ideologias e c o r r e n t e s políticas, onde predomina, conforme o artigo 3, o disposto
no artigo 3, “Estado de direito baseado no pluralismo d e expressão”.
Possibilidade de organização dos cidadãos para a crítica dos governantes e para a sua
eventual substituição pacífica, vide artigo 77.
No domínio social, a família, conforme os artigos 19 e 120. Temos ainda a liberdade de
circulação e de habitação, artigo 55 e 91. Temos ainda no domínio social, a liberdade
religiosa, artigo 54, o direito de expressão, artigo 3 e
48,comdestaque para o n.º 6 do artigo 48, artigo 56, n.º2, a independência dos órgãos de
comunicação social, artigo 50, sem prejuízo do direito de defesa, artigo 49, 62 e 65.
No domínio cultural, artigo 93, 94, 115, 118 e 11, al. i).
No domínio económico, artigo 84 n.º 1 e 2, 82, 86, 87, 96, 97 e seguintes.

5
5
No domínio económico ao Estado cabe-lhe desempenhar a função prevista nos artigos
101, n.º 1 e 97, al. g).
V. Princípio do Estado social
O princípio de Estado Social, pressupõe a socialização e estadualização da sociedade
em que o Estado deve intervir na sociedade, o que significa que não deve haver rigidez
na separação entre o Estado e a sociedade, pese embora o regime económico seja de
mercado livre em que o papel do Estado na economia seja de regulador e promotor
do crescimento e desenvolvimento económico e social, vide artigo 97, al. g), pois
entende-se que o Estado está inserido na comunidade e ao serviço do cidadão, conforme
os artigos 96, 101 e204, n.º 1, al. a).
Assim, o Estado social é aquele em que os Estado intervêm na sociedade e na
economia visando criar a igualdade de oportunidades, redistribui r a riqueza de forma
equilibrada, enfim, realizar a justiça social preconizado no artigo 1, nos artigos 11,
relativo aos objectivos fundamentais do Estado tais como: “edificação de uma sociedade
de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos
cidadãos” e no artigo 82 e seguintes da Constituição da República.

A intervenção do Estado na sociedade ao abrigo deste princípio, visa:

 Tornar o Estado de piloto ou condutor do crescimento e desenvolvimento


económico e social da sociedade.

 Identificar em cada momento o que é que o interesse geral determina.

 Planificar o que deve ser feito para a concretização do interesse geral a médio e
longo prazo.

 Promover a produção de produtos não lucrativos,


p r o d u z i n d o u m conjunto de bens de interesse geral a um preço
acessível às camadas desfavorecidas.

 Planificar os objectos e meios para executar as tarefas que visa atingir os fins
do Estado.

 Regular c o m m a i o r r i go r a act i vi dade e c o n ó m i c a a t r a v é s d e m ei o s


jurídicos instituídos.

 Praticar uma política de condicionamento de todas esferas da sociedade.

 Fazer a redistribuição dos bens equitativamente por todos membros, de modo a


combater o desequilíbrio económico e social.

5
6
Para este efeito, o Estado define uma política fiscal baseada na progressividade dos
impostos, cuja metodologia consiste em quanto mais rendimento um agente tiver,
maior será o valor do imposto a pagar ao Estado, artigo 127 e 100.
A fórmula, permite que os agentes que têm rendimentos baixos, paguem menores
valores de impostos, o que beneficia as camadas mais desprotegidas.
Finalmente, o Estado encarrega-se de fazer a redistribuição dos lucros pelos cidadãos,
favorecendo as camadas com menos recursos para subsistência.
Com fundamento neste princípio, o Estado atribui a propriedade, um valor social,
embora para o proprietário, represente limitações dos seus direitos. Contudo o
Estado Social, c o m esta acção, não pretende de nenhuma f o r m a , proceder a
expropriação do bem, o proprietário deve usar o seu bem para os fins sociais a que se
destina e só em situação contrária, o Estado reserva-se o direito de impor coactivamente
sanções que obrigue o proprietário a conferir ao bem, uma função social.

Porém, o Estado social não se confunde com:

 Estado Assistencial

 Estado Previdência

 Estado de Bem Estar

O Estado Assistencial, refere-se apenas a um aspecto social que é de dar assistência


às camadas desfavorecida. O Estado Social de Direito não é só isto. Abrange estas
camadas e todas outras da sociedade.
Estado de Previdência, não pode ser, pois a previdência social destina-se a salvaguardar
os direitos económicos e sociais decorrentes dos serviços realizados pelo cidadão, no
futuro, enquanto que o Estado social de direito garante os direitos económicos e sociais
no presente e no futuro. O Estado do Bem Estar, significa que os membros da
sociedade atingiram na globalidade uma situação económica e social que garante a cada
um, um bem-estar social.
Portanto, o Estado Social de Direito, implica uma intervenção directa na sociedade,
ocupando as funções de planificador, produtor, gestor, controlador, redistribui dor, etc.
Para este efeito, o Estado Social de Direito, reserva-se o direito de intervir na esfera
patrimonial dos cidadãos de modo a obter os recursos sem os quais não pode garantir a
igualdade.
A promoção positiva das liberdades é a garantia a favor do Estado de um mínimo
de subsistência na sua manutenção.

5
7
O objectivo final desta intervenção visa garantir que os cidadãos possuam condições
materiais para gozo efectivo dos seus direitos. Pois reconhece-se que não os cidadãos
não podem estar sob ameaça de fome, doença, nudez, em resumo, pela pobreza absoluta,
para o efectivo gozo dos direitos fundamentais plasmados na Constituição. O cidadão só
pode ser útil para a sua sociedade, quando tiver instrução e formação, habitação,
emprego, transporte, etc. Sem estas c o n d i ç õ e s mínimas, ao seu dispor não é
p o s s í v e l garantir-se a concretização dos seus Direitos Fundamentais.

VI.Princípio do Estado unitário

É o Principio que se contrapõe ao Estado composto ou federal. Simboliza ou significa


que o carácter unitário do Estado adopta o país de uma Organização politica com um
poder centralizado, dotado de unidade do poder soberano com jurisdição sobre todo o
território e toda a população, sem prejuízo do principio da descentralização que se
traduz na existência de poder local que são as autarquias locais, artigo 271 e
seguintes e nas demais pessoas colectivas que prosseguem fins de interesse público,
artigo 97, al. d), e) e artigo 78, gozando contudo de p e r s o n a l i d a d e própria como
seja sociedades comerciais, associações e fundações.
O poder central do Estado, artigo 138, no quadro da sua aplicação admite a
desconcentração das competências do Estado, artigo 139 e 140. Assim, temos na
ordem jurídica do Estado unitário os órgãos locais do Estado que ao nível do território
garantem a execução dos programas centralmente definidos, artigo141, 262 e 264.
A concretização constitucional deste princípio consta fundamentalmente dos seguintes
artigos:

 Art.8: “A República de Moçambique é um Estado unitário...”

 Art. 7: Organização territorial em circunscrições meramente administrativas


(províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações).

 Existência de um único sistema de órgãos de soberania que se constituem em


órgãos centrais do Estado (arts. 133, 138 e 139)

 Art. 262 e 264: Órgãos locais do Estado como entes administrativos


desconcentrados, representantes do poder central.

5
8
VII. Princípio da autonomia das autarquias locais

Vejamos em primeiro plano o que é Poder Local, para em seguinte a partir das funções e
sua distinção com o Estado compreender a sua autonomia em face do Estado.
Poder local compreende a existência de autarquias locais que são as pessoas públicas de
personalidade jurídica própria, de população e território que organizam e promovem a
participação dos cidadãos na solução dos problemas da sua comunidade que habita a
área de jurisdição.

Há dois tipos de autarquias locais que concretizam o Poder Local:

a) Os municípios que correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas;


b) As povoações que correspondem à circunscrição territorial da sede do posto
administrativo.
O legislador entendeu municipalizar o país observando o gradualismo, que consiste em
criar municípios tendo em conta os seguintes factores1:
a) Factores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e
administrativos;
b) Interesses de ordem nacional ou local em causa;
c) Razões de ordem histórica e cultural;
d) A v a l i a ç ã o da capacidade financeira para a prossecução das atribuições que lhe
estiverem cometidas.
Com base nestes factores, o processo de criação das autarquias locais vai ser lento e
longo.
Actualmente, estão definidos como municípios 43 autarquias.
1 Artigo 5, da Lei n.º2/97, de 18 de Fevereiro. A opção por apenas municípios tem a ver
com a inexistência ou insuficiência de condições económicas e sociais necessárias e
indispensáveis para a implantação e funcionamento da administração autárquica.
Nas vilas, onde o poder local ainda não foi estabelecido, o poder é exercido pelos
Administradores de Distritos ou pelos Chefes de Postos administrativos, de nomeação
dos órgãos do Estado.
O Poder Local não se confunde com os Órgãos Locais do Estado, previstos no artigo
141, 142, 262 e 264 e seguintes, todos da CRM.

5
9
Os Órgãos Locais do Estado são aqueles que têm a função de representação do Estado
ao nível local para administração do desenvolvimento do respectivo território e
contribuem para a unidade e integração nacionais.
Estes órgãos do Estado ao nível do território garantem a realização de tarefas e
programas económicos, sociais e culturais de interesse local e nacional, observando a
Constituição, as deliberações da Assembleia da República e as decisões do Conselho de
Ministros e dos órgãos do Estado de escalão superior.
Por conseguinte, realizam as tarefas do Estado no território em que se situam por
delegação dos órgãos Centrais do Estado2.
A delegação de competências centrais do Estado decorre do n.º 1 do artigo 140 e do n.º
2 do artigo 141, ambos da CRM e enquadra-se no sistema da desconcentração, que diz
respeito à organização administrativa de uma pessoa colectiva pública, sobretudo o
Estado.
A desconcentração é o versus da concentração das competências conferidas e trata-se da
organização vertical dos serviços públicos, em que se reparte entre os órgãos centrais
do Estado com os órgãos locais do Estado o poder de decisão que cabe ao Estado no
exercício das competências conferidas.
O Poder Local não se deve confundir também com a autoridade tradicional ou
comunitária, prevista no artigo 118 da CRM de 2004 que resulta da valorização das
tradições e costumes do povo moçambicano, conforme o artigo 115 e 11, alínea i) da
Constituição de 2004.
A autoridade tradicional compreende os chefes tradicionais, de cujo poder é da
emanação natural e assumem a chefia de acordo com as regras tradicionais da respectiva
comunidade, os secretários de bairro ou de aldeia que assumem a chefia por escolha feita
pela população do bairro ou aldeia a que pertençam e outros lideres legitimados como
tais pelas respectivas comunidades locais,
2 Que são os órgãos de soberania, o conjunto dos órgãos governamentais e as
instituições c e n t r a i s a quem cabe garantir a prevalência do interesse nacional e a
realização da política unitária do Estado, artigo 110 da CRM. Devido ao
reconhecimento geral que decorre do seu papel na vida social, económica, religioso
ou cultural, cujo regime jurídico consta do Decreto n.º15/2000, de 20 de Junho,
regulamentado pelo Diploma Ministerial n.º 107- A/2000, de 25 de Agosto e pela
Directiva de 23 de Janeiro de 2002.
O Poder Local distingue-se dos demais poderes locais pelo seu modo de constituição.
As autarquias resultam da eleição por sufrágio universal, directo, igual, secreto e
pessoal dos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da autarquia,
segundo o sistema de representação proporcional, tratando-se de Assembleia Municipal
ou por maior de votos sendo o Presidente do Conselho
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0
Municipal, artigo 275, n.ºs 2 e 3 da CRM, materializado pelas Leis que se indicam
em nota de rodapé 3.
Por remissão do comando constitucional, artigo 281, nos termos do artigo 98, da Lei
n.º 2/97, o mandato dos órgãos autárquicos e dos seus titulares é de cinco anos.
Os Órgãos Locais do Estado, s ã o por nomeação, exoneração ou demissão do Presidente
da República, tratando-se de Governador Provincial, artigo 121, alínea d), da CRM.
O Secretário Permanente Provincial é nomeado pelo Primeiro- m i n i s t r o , sob
proposta do Ministro que superintende na função pública e administração local do
Estado, ouvido ou por proposta do Governador Provincial, n.º 3, do artigo
22, da Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio. O Director Provincial é nomeado centralmente
pelo Ministro da área com parecer favorável dos respectivos Governadores, n.º 1 e 2
do artigo 30, da Lei n.º 8/2003.
O Administrador distrital é nomeado pelo Ministro que superintende na administração
l o c a l do Estado, ouvido ou por proposta do Governador
Provincial, n.º 2 do artigo 34, da Lei n.º 8/2003.
3 Lei n.˚ 5/97, de 28 de Maio, BR n.º 22, I Série, 2º Suplemento, de 28 de Maio -
institucionaliza o recenseamento eleitoral sistemático para a realização de eleições e
referendos;
Lei n.˚ 9/99, de 14 de Abril, BR n.º 15, I Série, de 14 de Abril - Dá nova redacção a
alguns dos artigos da Lei n.º5/97, de 28 de Maio, BR n.º 22, I Série, 2.º Suplemento, de
28 de Maio - elimina outros e introduz depois novos;
Lei n.˚ 6/97, de 28 de Maio, BR n.º 22, I Série, 2º Suplemento, de 28 de Maio - relativa
a eleição dos órgãos das autarquias locais; Lei n.˚ 2/97, de 18 de Fevereiro, BR n.º 7, I
Série, 2º Suplemento, de 18 de Fevereiro - aprova o quadro jurídico para a implantação
das autarquias locais;
Lei n.˚ 19/2002, de 10 de Outubro, introduz alterações à Lei n.˚ 6/97, de 28 de Maio,
relativa a eleição dos órgãos das autarquias locais.
As a u t o r i d a d e s c o m u n i t á r i a s s ã o c o n s t i t u í d a s o b e d e c e n d o
a s r e g r a s d a respectiva comunidade sendo na maioria dos casos, por via de
sucessão, tratando-se de chefes tradicionais ou por escolha ao nível do bairro ou
aldeia, por residentes presentes na data da prática do acto segundo critérios da respectiva
comunidade local ou grupo social, artigos 8 e 9 do Diploma Ministerial n.º 107-
A/2000, de 25 de Agosto.
Resumindo entre o poder local e outros poderes locais há distinção quanto a
legitimidade popular, porquanto, o poder local goza de maior legitimidade
democrática que os demais.

6
1
A legitimidade dos órgãos locais do Estado emana da lei e dos órgãos competentes
centrais do Estado.
O quadro das atribuições para os órgãos locais é limitado. Nos termos constitucionais,
artigo 271, o poder local tem como objectivo:
a) Organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da
comunidade;
b) Promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da
democracia, no quadro da unidade do Estado moçambicano.
O poder Local apoia-se na iniciativa e na capacidade das populações e actua em
estreita colaboração com as organizações de participação dos cidadãos.

No quadro do exercício das atribuições4 próprias cabe ao poder local, de acordo com os
recursos financeiros ao seu alcance e no respeito aos interesses próprios, comuns e
específicos das populações respectivas, promover o seguinte:
a) Desenvolvimento económico e social local;

b) Meio ambiente, saneamento básico5 e qualidade de vida;

c) Abastecimento público6;
d) Saúde;
e) Educação;
f) C u l t u r a , tempos livres e desporto;
g) Polícia da autarquia;
h) Urbanização, construção e habitação.
Na realização dos interesses locais das populações respectivas, as autarquias não
prejudicam nem afastam os interesses nacionais ou a participação do Estado
prosseguido pelos órgãos locais do Estado, nomeadamente:
4 Artigo 6, da Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro.

5 Incluindo limpeza.

6 Em água e energia.

a) A r e p r e s e n t a ç ã o do E s t a d o ao nível local7 para


a d m i n i s t r a ç ã o e desenvolvimento do respectivo território;
b) A integração e unidade nacional;

6
2
c) A realização de tarefas e programas económicos, culturais e sociais de interesse
local e nacional, como sejam:
Daqui se compreende que na área da autarquia há assuntos da competência mista,
nomeadamente a educação, saúde, vias públicas, segurança pública, transporte,
comunicação, energia.
Todas estas áreas de intervenção e incidência local ou autárquica são também de
âmbito nacional.
A epidemia não tem fronteiras geográficas, as estradas atravessam o bairro, localidade,
vila, cidade, distrito e província.
O crime não se limita numa determinada área geográfica.
A língua, a cultura e os usos são também do país e não de uma certa autarquia. Já é
diferente em relação ao mercado, saneamento, drenagem ou limpeza que são tarefas
específicas de uma certa zona habitacional.
Por se reconhecer este facto, as áreas comuns são da competência exclusiva dos
órgãos centrais do Estado, nomeadamente: a normação das matérias do âmbito da lei, a
definição das políticas nacionais, a representação do Estado, a definição e organização
do território, a defesa nacional e ordem pública, a fiscalização das fronteiras, a
emissão da moeda e as relações diplomáticas, artigo 139, da CRM.
Os órgãos centrais do Estado têm a sua sede na cidade de Maputo, capital da
República de Moçambique.
A sede dos órgãos locais do Estado é na cidade capital da província, distrito ou na vila
do Posto Administrativo, conforme os casos.
Os Municípios correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas.
As povoações correspondem à circunscrição territorial da sede do posto administrativo.
A área da autarquia local está integrada no território da província cujo representante da
autoridade central da administração do Estado é o Governador da Província ou do
Administrador distrital, conforme os casos.

Órgãos das autarquias locais

1. O Presidente do Conselho Municipal


Uma vez eleito, os munícipes consideram-no como o principal responsável pela
execução da política de governação municipal, com base nas competências
conferidas pelo artigo 62, da Lei n.º 2/97.

6
3
O Presidente do Conselho Municipal escolhe livremente e nomeia os seus colaboradores,
os denominados vereadores, artigo 49, com a limitação imposta pelo artigo 51, ambos da
Lei n.º 2/97.
Competem ao Presidente do Conselho Municipal definir as tarefas, os limites e
competências dos vereadores, artigo 50 n.º 3 e 63, da Lei n.º 2/97

2. O Conselho Municipal

É constituído pelos Vereadores e pelo Presidente do Conselho Municipal que o dirige.


É o órgão executivo municipal que, em certas tarefas coadjuva o Presidente do Conselho
Municipal, não obstante possuir competências 8 p r ó p r i a s que limitam os poderes do
Presidente.
A existência de Vereadores provenientes da Assembleia Municipal torna este órgão de
independente em relação ao Presidente que escolhe livremente os vereadores e de ter
visões próprias.

3. A Assembleia Municipal

A Assembleia exprime o pluralismo político consagrado no artigo 74, da CRM.


É neste órgão onde se manifesta de forma inequívoca o sistema político multipartidário
do nosso país, ao nível das populações locais.

A Assembleia Municipal no exercício das suas competências promove debates de


nível político-ideológico, delibera aprovando os instrumentos essenciais com os quais o
executivo governa o município e efectua o controlo da actividade governativa e o
cumprimento do Manifesto e Programa de governação municipal do Presidente do
Conselho Municipal eleito.
8 Vide artigo 45, n.º 3, 46 e artigo 56, da Lei n.º 2/9

6
4
VIII. Princípio da laicidade do Estado

O sistema colonial português durante séculos em que esteve a colonizar Moçambique


serviu-se da religião católica fazendo desta o meio, ou seja, instrumento de dominação
espiritual tal como consta no artigo 2 do Acto Colonial. Exercer influência moral.
Assim a igreja é usada pelo regime colonial português como o meio de dominação.
É assim parte do sistema colonial, coube a Igreja garantir a instrução e a educação
moral dos indígenas no território de Moçambique.
Os tratamentos cruéis a que o povo foi submetido a humilhação e todo o resto que
ofendia o valor e a dignidade humana foram sempre abençoados pela Igreja católica
em nome de Deus. Assim a luta de libertação de Moçambique ao definir o inimigo
principal - o colonialismo português, incluiu também todas as formas de dominação e
sua manifestação.
Em 1975 ano da proclamação da independência a lei fundamental promulgada em 25
de Junho consagrou o princípio da separação absoluta do Estado e das confissões
religiosas em respeito ao princípio da igualdade e não discriminação.
Assim, a Igreja católica perdeu os privilégios que foi usufruiu durante a vigência do
governo colonial no território de Moçambique.
A Constituição Moçambicana consagra o princípio segundo o qual as confissões
religiosas devem respeito a Constituição e a lei. O Estado reconhece e valoriza a
religião que no quadro legal prossegue os fins para os quais foi constituída.
Entre o Estado e a religião há uma separação, sendo assim o Estado
Moçambicano laico, artigo 12 e 54 da CRM 2004.
Laicidade significa que o Estado na prossecução dos seus fins, não se orienta por
princípios religiosos e ainda há separação entre o poder político e o poder religioso
A laicidade do Estado Moçambicano vem consagrada no artigo 12 e a liberdade religiosa
e de consciência e culto, no artigo 54.

7. A Teoria do controlo da constitucionalidade

A Teoria Constitucional distingue dois tipos de controlo ou fiscalização da


constitucionalidade: o controlo dito político e o jurisdicional.
O controlo político é aquele que é exercido pelo próprio órgão criador da norma jurídica
ou por outro órgão ad hoc, o qual não detém garantias de independência, caracterizando-
se como preventivo e discricionário.
6
5
Em contrapartida, o controlo jurisdicional é aquele exercido por órgãos detentores de
garantias de independência, como o Poder Judiciário, os quais não participam no
processo de criação das normas jurídicas, agindo Manual de Introdução ao Direito (2011)
Bartolomeu L. Varela 87
por provocação ou “ex lege”, de forma definitiva e com pouca discricionariedade.
Para melhor se entender a distinção entre estes dois sistemas de controlo, destacam-se os
ensinamentos de José Afonso da Silva:
a) O controlo político é o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de
natureza política. Pode ser de dois tipos: a) controlo político comum, quando um órgão
político, como o próprio Poder Legislativo faz o controlo da constitucionalidade, além de
exercer as suas funções correntes; b) controlo político especial, quando esse controlo é
feito por um órgão de natureza política que só se ocupa da fiscalização da
constitucionalidade, como o Presidium do Soviete Supremo da ex-União Soviética
(Constituição da URSS, art. 121, n.º 4) e o Conseil Constitutionnel da vigente
Constituição francesa de 1958 (arts. 56 a 63).
b) O controlo jurisdicional, generalizado, hoje em dia (e denominado “judicial review”
nos Estados Unidos da América do Norte), é a faculdade que as constituições outorgam
ao Poder Judicial de declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros actos do Poder
Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios
constitucionais67.
Quando o controlo da constitucionalidade e da legalidade é feito por um tribunal que
acumula essa função de controlo com a sua função corrente e essencial, que é administrar
ou fazer a justiça (como ainda acontece em Cabo Verde), está-se perante um controlo
jurisdicional comum.
Tem-se um sistema de controlo jurisdicional especial se a fiscalização da
constitucionalidade e da legalidade é confiada a um tribunal especial, que apenas se
dedica a essa fiscalização, como acontece com o Tribunal Constitucional em Portugal e
está previsto que aconteça em Cabo Verde (no nosso caso, o Tribunal Constitucional
aguarda oportunidade para ser instalado de forma autónoma).

8. Vigência da Constituição e vicissitudes constitucionais

Que o Direito Constitucional era o ramo de Direito que ocupava na definição da


titularidade do poder político, os modos de formação e manifestação da vontade política,
os órgãos do Estado de que este carece para exprimir a vontade suprema do poder
constituinte material e formal e os actos jurídicos em que se traduz a sua manifestação
de vontade política na área de jurisdição do Estado.

As disposições normativas e princípios que regulam a estrutura do Estado, designa as


suas funções, define as atribuições e os limites dos supremos órgãos do poder político e
6
6
as grandes linhas de organização dos entes públicos menores, bem assim da garantia da
esfera de liberdade dos cidadãos (direitos fundamentais), quando emanadas pelo poder
constituinte material, se acham definitivas e voltadas para o futuro.
Portanto, sem duração prefixada. Vide artigo 291, 293 e 292, n.º 2 e artigo 2, n.º 1, todos
da CRM
Em 1975, quando elaborou-se a Constituição da República Popular de Moçambique, o
legislador constituinte, fixou as normas constitucionais ciente de que estas irão
prevalecer por longo tempo e muitas delas eternamente. Esta é na grande maioria a
concepção das modernas normas constitucionais. Os legisladores constituintes emanam
normas jurídico- constitucionais para o futuro e para um horizonte temporal mais ou
menos longo.

As leis constitucionais não são para durar dias, semanas, meses ou anos, mas sim para
durar décadas e gerações.
Mas será verdade e praticável esta percepção?
O que é certo é que nenhuma Constituição que vigora por um período mais ou menos
longo deixa de sofrer modificações – para se adaptar às circunstâncias políticas,
económicas, sociais e culturais decorrentes da dinâmica da vida da sociedade a novos
tempos ou para acorrer a exigências de solução de problemas que podem nascer até da
sua própria aplicação.
O Prof. Jorge Miranda, no seu Manual de Direito Constitucional, Tomo II,
1996, pág. 129, afirma “ a modificação das Constituições é um fenómeno inelutável da
vida jurídica, imposta pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de
efectividade que as tem de marcar”. Querendo dizer, no nosso entender, que é um
fenómeno com que se não pode lutar, porque é invencível e inevitável.
Na verdade, as Constituições mais do que modificáveis, são modificadas, pois
nenhuma Constituição se esgota no momento em que é emanada; enquanto dura
modifica-se no momento da sua aplicação, no qual intervém todas as forças políticas,
sociais e económicas da vida constitucional.
Se aceitamos que a modificação da Constituição é um fenómeno inevitável, então, como
se processa a modificação de uma Constituição?
A Constituição Moçambicana de 2004, no seu artigo 291 e seguintes, dispõe sobre o
processo de revisão da Constituição.
Se estivéssemos perante a Constituição da República da Africa de Sul, teríamos também
uma disposição sobre a matéria. O mesmo sucederia em relação as demais Constituições
de Estados modernos.

6
7
O que é comum e variável em todas as Constituições é o modo como se processa, a
frequência de revisão que tanto pode ser de cinco em cinco anos ou de dez em dez anos
ou de vinte em vinte anos ou pura e simplesmente que se mostrar necessário ajustar à
realidade da vida social, politica, económica e cultural. Vide artigo 293, 294, 282 e
seguintes da CRM.
O que varia é ainda a extensão da revisão, isto é, as matérias que podem ser objectos de
revisão constitucional, vide artigo 292.

É de notar que quando a Constituição não for flexível1, isto é, ser rígida2, pode, esse
factor constituir uma condição para uma maior perdurabilidade e de sujeição a
modificações menos extensas e menos graves.
A rigidez da Constituição impede que seja alterada em qualquer circunstância, ao belo
prazer da vontade política dos titulares do poder, sob pressão de certos acontecimentos,
ou que possa ser afectada por qualquer oscilação ou inversão da situação política ou pura
e simplesmente por dificuldade da sua implementação.

9. Factores que influem na modificação


 Estabilidade ou instabilidade política e social dominante no País;

 Grau de institucionalização da vida colectiva;

 Paz e normalidade das instituições do Estado

 Cultura político-constitucional;

 Capacidade de evolução do regime político (a forma de Governo:


monarquia, aristocracia, democracia, república, oligarquia, timocracia, tirania,
etc.)

10. Tipologia das principais formas de modificação das Constitucionais

Como questão p r é v i a , o que se entende por vicissitudes ou modificações


constitucionais?
São quaisquer eventos que se projectam sobre a subsistência da Constituição no seu todo
ou sobre algumas das suas normas.
Entendido o que são as vicissitudes constitucionais, então, é fácil perceber que
existem pois, várias vicissitudes e com diferente natureza e manifestação.
1 Aquela em que são idêntico o processo legislativo e o processo de revisão
constitucional. É a Constituição em que a forma da aprovação é a mesma para a lei

6
8
ordinária e para a lei de revisão constitucional, vide artigo 187, n.º 1 e 2 e artigo 183,
todos da CRM.
2 É aquela que exige forma diferente para a aprovação das normas de revisão
constitucional. Vide artigo 295 e 296

6
9
Assim, podemos organizar tais vicissitudes em cinco grandes critérios, nomeadamente:

 Quanto ao modo;

 Quanto ao objecto;

 Quanto ao alcance;

 Quanto às circunstâncias sobre a ordem constitucional;

 Quanto à duração dos efeitos.

Quanto ao modo

Diz respeito a forma como se produzem, tendo em conta a forma como através
delas se exerce o poder ou se representa a vontade constitucional.
As vicissitudes ou modificações constitucionais podem ser expressas ou tácitas.
São expressas, quando o evento constitucional produz-se como resultado de acto a ele
especificamente dirigido;
Nesta modificação fica alterado o texto constitucional. Vide artigo 296, da CRM
São tácitas, quando o evento é um resultado indirecto, uma consequência que se
extrai a posteriori de um facto normativo historicamente localizado. Neste caso, o texto
constitucional mantém-se inalterado, mas o conteúdo da norma modifica-se.
Vide a redacção do artigo 210 da CRM de 1990, introduzida pela Lei n.º11/92, de
8 de Outubro, BR n.º 41, Suplemento.
1. Até à realização das eleições gerais, o Presidente da República de
Moçambique é o Presidente do Partido Frelimo.
2. O d i s p o s t o n o a r t i g o 1 1 8 q u a n t o à e l e i ç ã o e a o m a n d a t o d o Presidente
da República entra em vigor aquando da realização das próximas eleições
presidenciais.
3. O disposto no artigo 198, n.º 2, só será aplicado após a realização das próximas
eleições presidenciais e legislativas.
As primeiras eleições gerais multipartidárias na República de Moçambique, tiveram
lugar nos dias 3 e 4 de Dezembro de 1994. Em 1999, cinco anos depois tiveram lugar
as 2.ª eleições gerais e em 1 e 2 de Dezembro de 2004, realizaram-se as terceiras
eleições gerais. No entanto o artigo 210, manteve-se inalterado. O Presidente da
República era o eleito pelo povo por sufrágio universal e não o Presidente do Partido

7
0
Frelimo. Por mera coincidência, o vencedor das eleições presidenciais de 1994 e 1999,
foi o candidato do Partido Frelimo que ocupava o cargo de Presidente daquele Partido.
Para todos os cidadãos estava claro que o disposto no artigo 210, tinham um conteúdo
diverso da regra constitucional prescrito no seu texto original, pelo que o conteúdo
daquela norma não correspondia à letra da lei. Assim, estávamos perante uma nominal
sendo assim, uma modificação tácita da Constituição.
A experiencia que conhecemos dá-nos conta de que as vicissitudes constitucionais
expressas constituem a grande maioria das vicissitudes. Este tipo de vicissitudes,
assentam numa vontade expressa. Trata-se de actos jurídicos que tanto podem ser totais
ou parciais.
Nas vicissitudes constitucionais expressas encontramos entre elas:

 A revisão constitucional. É a modificação da Constituição com uma


finalidade de auto-regeneração e autoconservação, quer dizer, de eliminação das
suas normas já não justificadas politica, social ou juridicamente, de adição de
elementos novos que a revitalizam, ou porventura, de consagração de normas
preexistentes a título de costume ou de lei ordinária. Trata-se de um processo
normal de reajustamento das normas jurídico-constitucionais, prevista nos artigos
artigo 291 e seguintes;

 A derrogação constitucional – ou quebra ou ruptura material da


Constituição. Opera-se através de um processo em tudo idêntico com a revisão
constitucional. Diverge no entanto, pelo resultado. Na revisão constitucional
faz-se a adição de uma norma geral e abstracta. Na derrogação faz-se a
adição de uma norma geral e concreta. Trata-se de uma excepção, temporária
ou pretensamente definitiva, em face do princípio ou da regra constitucional.
Derrogação constitucional (noção) é a violação a título excepcional, de uma
prescrição legal-constitucional para um ou vários c a s o s c o n c r e t o s ,
q u a n d o t a l é p e r m i t i d o p o r u m a l e i constitucional ou resulta do
processo prescrito para as variações da Constituição. É frequente optar por
este processo sempre que a revisão não seja total nem abstracta e visa tão-
somente ajustar uma determinada norma a uma certa conjuntura politica,
económica, social ou cultural

7
1
Jurista Alcídio Leão
 A transição constitucional. – É a passagem de uma Constituição material a
outra com a observância das formas processuais constitucionais, sem ruptura.
Vide artigo 305 e 291 e seg. Exemplo: Da Constituição de 1975 a de 1990 e de
1990 a de 2004;

 A Revolução – É uma ruptura da ordem constitucional. Vide artigo 77. No


nosso pai, ocorreu em 1975, com a aprovação e entrada em vigor da
Constituição da República Popular de Moçambique, ao 25 de Junho de 1975.
Esta Constituição representa uma revolução, pois no plano material e formal
houve ruptura com o sistema de revisão constitucional que aprovou a
Constituição de 11 de Abril de 1933. A Constituição aprovada pelo poder
constituinte Moçambicano representa uma descontinuidade no plano filosófico,
politico, jurídico, social e cultural;

 A ruptura não revolucionária. – Não põe em causa a validade em geral da


Constituição anterior, somente a sua validade circunstancial. Continua a
reconhecer o princípio da legitimidade no qual assenta a Constituição; apenas
lhe introduz um limite ou o aplica de novo por forma originária; e

 Suspensão (parcial) da Constituição. – Consiste na suspensão da


Constituição durante um certo lapso de tempo, decretada por causa de certas
circunstâncias, de algumas normas constitucionais. Vide 282 e seg.
As v i c i s s i t u d e s c o n s t i t u c i o n a i s t á c i t a s , s ã o necessariamente
p a r c i a i s , ainda que de alcance geral e abstracto.
Nestas v i c i s s i t u d e s , t e m o s o c o s t u m e c o n s t i t u c i o n a l , a i n t e r p r e t a ç ã o
evolutiva da constituição e a revisão indirecta.
Também pode se dizer que é a modificação da Constituição levada a cabo por meio
de um processo de revisão que se traduz na excepção a um princípio constitucional ou
na regulamentação de um caso concreto.

Quanto ao objecto
Refere-se às normas constitucionais que são afectadas.
As modificações incidem sobre uma norma constitucional em concreto. Assim, temos
vicissitudes totais e parciais.
São totais, quando as modificações atingem a Constituição como um todo, trate-se
de todas as suas normas ou trate-se, tão-somente, dos seus princípios fundamentais.
São parciais, quando as modificações atingem apenas parte da Constituição e nunca os
princípios definidores da ideia do Direito que a caracteriza.
Vide a Lei n.º 11/92, de 8 de Outubro; Lei n.º 12/92, de 9 de Outubro, Lei n.º 9/96, de
22 de Novembro e a Lei n.º 9/98, de 14 de Dezembro, que introduziram emenda à
Constituição da República de Moçambique de

72
Jurista Alcídio Leão
1990. (Recomendamos a consulta ou aquisição da Constituição da República de
Moçambique de 1990, edição actualizada e organizada por Ussumane Aly Dauto,
publicada em 2000).
Nas vicissitudes totais a modificação abrange todas as normas constitucionais ou, tão-
somente dos seus princípios fundamentais, conforme já nos referimos.
A título de exemplo temos da Constituição da República de Moçambique, aprovado em
16 de Novembro de 2004, que abrange todas as normas constitucionais da Constituição
de 1990.
As vicissitudes parciais nunca atingem os princípios definidores da ideia de Direito que
a caracterizam, conforme já nos referimos.

Quanto ao alcance
As vicissitudes quanto ao alcance, ocorrem quando se verificam sobre às situações da
vida e aos destinatários das normas constitucionais postos em causa.
Por isso, há que distinguir:

 Vicissitudes de alcance geral e abstracto; e

 Vicissitudes de alcance concreto ou excepcional.


Nas Vicissitudes de alcance geral e abstracto, têm-se em vista todas e quaisquer
situações de idêntica ou semelhante contextura e todos e quaisquer destinatários que
nelas se encontrem.
Nas vicissitudes de alcance concreto ou excepcional, temos situações concretas
verificadas ou a verificar-se, e alguns dos destinatários possíveis abrangidos pelas
normas.

Quanto às circunstâncias sobre a ordem constitucional


Podemos distinguir as vicissitudes que não colidem com a sua integridade e, sobretudo,
com a sua continuidade e que correspondem a uma evolução constitucional e as
vicissitudes que equivalem a um corte, a uma solução de continuidade, a uma ruptura.

As vicissitudes sem quebra de continuidade são quase todas parciais, determinam


meras modificações;
As vicissitudes com rupturas (alterações constitucionais) são quase todas totais. Mas
pode haver vicissitudes totais na continuidade – contanto que a nova Constituição
advenha com respeito às regras orgânicas e processuais anteriores. Também, pode
haver descontinuidade, que podemos, designar por rupturas não revolucionárias.

Quanto à duração dos efeitos


Podemos t e r vicissitudes de efeitos temporários ou
s u s p e n s õ e s d a Constituição e vicissitudes de efeitos definitivos:
São vicissitudes de efeitos temporários ou suspensões da Constituição, aquelas que
produzem a suspensão parcial da Constituição.

73
Jurista Alcídio Leão
Este tipo de vicissitudes pode ser totais ou parciais e feitas nos termos da Constituição
ou sem a sua observância. Estamos perante uma suspensão total da Constituição,
quando houver uma revolução. Vide situação de Moçambique em 1974, quando foi
celebrado o Acordo de Lusaka em 7 de Setembro, decorrente da luta de libertação
de Moçambique, por virtude do qual, a Constituição de 11 de Abril de 1933, então em
vigor, ficou derrogada definitivamente, na parte em que fazia a integração do território
de Moçambique ao Estado Português, por força da Lei.º 7/74, de 27 de Julho,
aprovado pelo Conselho de Estado e assinado pelo Presidente da República Portuguesa,
General António de Spínola, pela qual, pela primeira vez, Portugal reconheceu o
direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo o
reconhecimento da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte
correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de 1933.
A suspensão parcial quando ocorre sem observância das regras constitucionais há uma
ruptura definitiva.
Vicissitudes de efeitos definitivos.
São todas aquelas que ocorrem na ordem jurídica, menos a suspensão
(parcial) da Constituição, ou seja, são as suspensões constitucionais.

Direito constitucional II

Garantia da Constitucionalidade
A Constituição, como depositário de normas jurídicas que é, a sua execução, necessita
de ser garantida. A fiscalização é a área que se ocupa da garantia da constitucionalidade
das normas jurídicas.
A fiscalização é um elemento externo da norma jurídica.
As normas jurídicas que não são assistidas da garantia são susceptivelmente violadas e
os seus agentes não são sancionados pelos actos cometidos.
A garantia da constitucionalidade, surgiu num momento posterior à sua criação. Resulta
de várias experiências registadas ao longo dos tempos que permitiram ao legislador
ganhar consciência da necessidade de criação de mecanismos próprios que garantam a
conformidade dos actos com a Constituição.
No início não havia nenhuma consciência no sentido, da necessidade da garantia da
Constituição através de mecanismo jurídicos institucionalizados. Havia nos liberais um
espírito optimista em como estando consagrado na Constituição, direitos fundamentais
do cidadão, que corresponde a efectivação geral, a razão da sua concretização seria
automática, uma vez exprimindo a vontade geral.
Esta ideia foi rejeitada pela realidade: Em vários Estados, surge de uma forma
desigual e em tempos diferentes, a ideia da garantia da constitucionalidade.

74
Jurista Alcídio Leão
Olhando para o Direito comparado é possível ver que os mecanismos de fiscalização,
surgiram em momentos diferentes e correspondem às situações próprias de cada
Estado.
A experiência constitucional moçambicana indica que a CRPM não dispunha de
nenhum mecanismo jurídico, com valor e dignidade constitucional, que oferece-se
garantias aos cidadãos, por forma a assegurar o sancionamento dos agentes do Estado
em caso de violação das normas constitucionais.
A situação Moçambicana não é caso único no Direito público.

Os E.U.A, foi o 1.º Estado no mundo a ter os mecanismos de fiscalização da


Constituição para sua garantia.
Hoje em dia, entende-se que uma Constituição sem garantia da constitucionalidade, está
sujeita a f r e q u en t es desrespeitos, o q u e significa que n ã o
c o n s e g u e s e r interiormente normativa, isto é, moldar a realidade a que se
destina, de modo a corresponder a expectativa constitucional.
Portanto, sem garantia da constitucionalidade, não há verdadeiramente Estado de
direito.
Um dos meios de garantia de constitucionalidade que tem tendências a difundir-se
cada vez mais é o da fiscalização da constitucionalidade, cuja acção pressupõe a
institucionalização de mecanismos de garantia, sobretudo a criação de um órgão de
fiscalização d o s c o m p o r t a m e n t o s d a s e n t i d a d e s d o p o d e r p ú b l i c o
e p r i v a d o , encarregue de verificar se os seus actos, estão ou não, em conformidade
com a Constituição.
Para além deste meio, existem outros meios de garantia de constitucionalidade, talvez
menos eficazes, mas bastante difundidas e às vezes mais antigos; são contudo, meios
que hoje são encarados com menos reticências.
Tais meios, não iremos estudá-las com maior profundidade, mas referir-nos-emos
apenas a alguns deles, a título informativo, começando por:

Juramento nos cargos públicos o titular do cargo de Presidente da República, no


acto da sua investidura, presta um juramento em público e perante os deputados da
Assembleia da Republica e representantes dos órgãos de soberania.
Na Constituição Moçambicana, o artigo 150 versa sobre esta matéria no seu número
dois. Os artigos 69, 70 e 80 contém uma garantia que se reconhece aos cidadãos em
relação aos seus direitos e liberdades consagradas na CRM, entre eles, o terem um
Presidente eleito e que na tomada de posse jurou por sua honra, respeitar e fazer
respeitar a Constituição,
Vedação aos partidos políticos da prática de actos que preconiza ou recorre à
violência para alterar a ordem política e social estabelecida.

75
Jurista Alcídio Leão
Vide artigo 75, n.º 1, 77 e 52 n.º 3, todos da Constituição da República, embora o seu
sentido literal não seja expressivo neste sentido, mas está implícito razão pela qual,
estamos certos tratar-se de um mecanismo.
Apenas o Estado tem o monopólio do uso da força. Vide artigo 254, 265, 266.
Estado de sítio, de emergência ou de guerra A Constituição Moçambicana, através do
artigo 282, 283 e segs, 72, 161, al. a), c), 268, 269, 179, n.º 2, al. g), 164, 166, al. b),
fixa os pressupostos necessários para a declaração.
Perda do mandato e dissolução de órgãos de soberania, são mecanismos de
carácter repressivo que têm por finalidade garantir e salvaguardar a vontade do povo
manifestamente expresso no acto eleitoral. Estes podem ser meios de garantia da
constitucionalidade.
Vide artigos 159, alínea e), 188, art. 2, n.º 1 e 2 e 73 todos da CRM. A
institucionalização de mecanismos de garantia da Constituição é um meio que se
entrega a uma certa entidade Estatal para se ocupar da verificação dos comportamentos
se estão ou não em conformidade com a Constituição.
Para a identificação dos vários modelos existentes há que ter em conta, certos critérios a
relacioná-los com as várias expressões do poder, em cada Estado onde se pretende
identificar o tipo de mecanismos.
O órgão com competência para fiscalizar a constitucionalidade, pode ser um órgão
comum ou órgão especial. Isto quer dizer, que a fiscalização pode caber a um órgão
político que não só tem esta vocação, como também outras actividades inerentes às suas
funções e, pode acontecer que a fiscalização, seja entregue a um órgão especializado,
isto é, criado para o efeito.
Para o efeito, comecemos pelo critério do:

Órgão a que está entregue a competência de Fiscalização


Neste primeiro caso temos os Supremos Tribunais das ordens, que são em número
muito reduzido. Estes podem acumular as funções judiciais com as funções de
fiscalização da constitucionalidade.

No nosso ordenamento jurídico temos o Tribunal Supremo que se ocupa das funções
jurisdicionais, Vide artigo 212, 213, 214, 215, 217, 218, 225 da CRM de 2004 e, no
entanto, na vigência da Constituição de 1990, foi lhe atribuído as funções de
fiscalização da constitucionalidade, nos termos do artigo 208.
“Artigo 208
Até à entrada em funcionamento do Conselho Constitucional, as suas competências
são exercidas pelo Tribunal Supremo.”
Ainda neste 1.º caso, em alguns Estados, a fiscalização é entregue ao Parlamento, que
pelo facto de ser um órgão legislativo, a sua acção nesta função revela-se ineficiente,
vide artigos 168, 169, 179 e 196 da CRM, do que quando estiver por exemplo num
órgão judicial que pela sua natureza, é imparcial, Vide artigo 212, 213, 214, 215, 217,

76
Jurista Alcídio Leão
218, 225 da CRM.

O cargo de um órgão com outras funções


Neste caso temos tribunais de fiscalização e administrativos.
Em Moçambique, o artigo 241, 244, 245, 246 e 248 da Constituição para este efeito,
concebeu o Conselho Constitucional que é o órgão de soberania, ao qual compete
especialmente administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional.
É o órgão especializado para a fiscalização da constitucionalidade.
Os dois modelos distinguem-se entre si, pelo facto de que o modelo do tribunal é
aquele em que este desempenha funções jurisdicionais, isto é, julga litígios e a função
de fiscalização é complementar, enquanto no caso do modelo do órgão especializado
como seja, o Conselho Constitucional, a função que desempenha é de fiscalização
concentrada da constitucionalidade e a outra função que realiza, vide artigo 244, n.º
2 é complementar.

O cargo de vários órgãos ou entidades


Quando a f i s c a l i z a ç ã o e s t á encarre gue a v á r i o s órgãos ou entidades,
cham a-s e Sistema de Fiscalização Difuso.
Neste tipo de fiscalização o legislador reconhece a competência para fiscalizar a
constitucionalidade das normas a todos os tribunais que, quer por impugnação das
partes, quer ex. officio do juiz, apreciam a inconstitucionalidade das normas aplicáveis
ao caso concreto submetido a decisão judicial.

Vide artigos 214, 241, 244 e 245, todos da CRM, que se referem ao controlo da
constitucionalidade, por via de excepção, incidindo sobretudo nos casos concretos.
É importante salientar que a Constituição moçambicana confiou também no próprio
cidadão a função de controlo da fiscalização tal como se pode notar com os artigos 69,
70, 7 9 , 8 0 , 8 1 e 2 5 3 , n . º 2 e 3 . No c a s o v e r t e n t e , o c i d a d ã o v e l a
p e l a constitucionalidade do comportamento dos órgãos do Estado, em relação aos
direitos, liberdades e garantias reconhecidas pela ordem jurídica à sua pessoa.
Portanto, quando verifica que os seus direitos, liberdades e garantias estão a ser
violados pode impugnar junto do tribunal competente, artigo 70 e 223 n.º 2 e 3.
E, quando a fiscalização da constitucionalidade estiver sido encarregue a um só órgão
neste caso, especializado, chama-se Sistema de Fiscalização Concentrada, artigo
241, 244 e 245 CRM.
Como se pode notar, os dois sistemas, abarcam os três tipos de critérios:

 O cargo de um órgão especializado;

 O cargo de um órgão com outras funções;

77
Jurista Alcídio Leão
 A cargo de vários órgãos.

Objecto de fiscalização
Quanto ao objecto de fiscalização, desde logo devemos estar claros, em que é que
incide a fiscalização a fazer. Definir se deve incidir no comportamento positivo ou no
comportamento negativo. Para cada tipo de comportamento existem modelos próprios.
Outro objecto, cuja definição é importante é no que diz respeito se a fiscalização deve
incidir sobre a forma, pressuposto, conteúdo ou apenas na finalidade do comportamento
fixado na Constituição.
Outro aspecto ainda a ter em conta é se a fiscalização deve incidir sobre todos os actos
do poder público ou apenas num determinado número de actos, por exemplo nas normas
infra-constitucionais ou nos comportamentos das entidades.
A Constituição Moçambicana, não faz referência ao objecto da fiscalização.
O artigo 244 não esclarece devidamente o objecto de fiscalização, enquanto o tipo de
sistema, embora não esteja expressamente definido, conclui-se ao articular os artigos
214 (Sistema de fiscalização difuso) com o artigo 241 (sistema de fiscalização
concentrado), trata-se de um sistema de controlo Misto.

O Sistema de Controlo Misto consiste num processo de declaração de


inconstitucionalidade com base no controlo concreto de normas, contendo duas
dimensões:
a) D i m e n s ã o abstracta em que a declaração da inconstitucionalidade tem força
obrigatória geral, artigo 248 da CRM;

b) D i m e n s ã o concreto, em que a declaração da inconstitucionalidade tem como base


a fiscalização concreta da constitucionalidade de normas jurídicas, artigo 214 da CRM.
O Artigo 241, n.º 2, remete para a lei ordinária a definição do conteúdo do objecto da
fiscalização.

Quanto ao tempo de fiscalização é o outro critério a ter em conta. O tempo, ou seja, o


momento em que se realiza a fiscalização.
Em relação ao tempo, distingue-se a fiscalização preventiva da fiscalização sucessiva.
Na preventiva verificamos se o acto a praticar é ou não é compatível com o
Comportamento previsto na Constituição. Esta acção é feita antes de a norma (quando
Se trata de Diploma), ser aprovado, promulgado e publicado ou produzidos seus
Efeitos jurídicos. Tem por finalidade evitar que certos projectos de actos normativos
se transformem em actos perfeitos e definitivos, mas inconstitucionais. O acto cuja
constitucionalidade tem de ser previamente verificada é enviado ao órgão competente
que aprecia e se pronuncia, dando o seu parecer. Vide o artigo 246 da CRM

78
Jurista Alcídio Leão

É de recordar que o Presidente da República na vigência da Constituição da


República de Moçambique de 1990, no uso da competência prevista no artigo 124, n.º
3, após consulta ao Tribunal Supremo, na sua qualidade de Conselho Constitucional,
Devolveu para reexame, à Assembleia da República, a Lei que aprova os feriados
nacionais nas datas do Ide-Ul-Filtre e do Ide-Ul-Ada, aprovada pela Assembleia da
República em 4 de Maio de 1996, por se mostrar ferida de inconstitucionalidade
material.

A falta ou omissão deste dever, leva a situações como as que ocorreram com a
aprovação da Lei n.º 3/94, de 13 de Setembro, que estabelece o quadro Institucional
dos Distritos Municipais 1, quando a Constituição da República não previa o Poder
Local. A emenda constitucional que veio estabelecer o poder local ocorre em 1996,
através da Lei n.º 9/96, de 22 de Novembro2, que introduz princípios e disposições
sobre o Poder Local.

Outra situação de inconstitucionalidade material que se pode reportar nestas lições é a


relativa a aprovação da Lei n.º 4/2003, de 21 de Janeiro3, que aprovou Estatuto do
Conselho Constitucional e no seu articulado fazia referencia explicita a Tribunal
Constitucional, ferindo desse modo a natureza jurídica do Conselho Constitucional da,
Constituição em vigor – 1990.
Para evitar situações desta natureza a Assembleia da República possui na sua
organização interna, a Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de
Legalidade, instituído pela Lei regimental da Assembleia da República, Lei n.º 1/95,
de 8 de Maio4, revogado pela lei n.º 6/2001, de 30 de Abril5.
A esta comissão entre as várias atribuições acometidas figura na sua competência
específica verificar “aspectos constitucionais e legais dos projectos e das propostas
de lei, e das versões definitivas, bem como dos tratados e acordos submetidos à sua
apreciação”, conforme o artigo 66, al. a) da lei n.º 6/2001, de 30 de Abril.
Na Sucessiva, a fiscalização é feita durante a aplicação da norma, isto é, quando já
estiver a produzir efeitos.
Vide artigo 214, CRM
A Constituição Moçambicana de 2004 faz referência ao tipo de fiscalização quanto ao
tempo, quando de forma clara dispõe o que se segue:
1 Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 37, 2.º Suplemento, de 13 de Setembro
de 1994

79
Jurista Alcídio Leão
2 Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 47, Suplemento, de 22 de Novembro
de 1996
3 Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 3, 2.º Suplemento, de 21 de Janeiro de
2003.
4 Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 18, Suplemento, de 8 de Maio de 1995.

5 Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 17, Suplemento, de 30 de Abril de


2001

80
“Artigo 245 (Solicitação de apreciação de inconstitucionalidade)
1. O Conselho Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos demais actos normativos dos órgãos do
Estado, emqualquer momento da sua vigência.”
Desta disposição e do teor do artigo 214, pode-se inferir que a fiscalização quanto ao
tempo é sucessiva, uma vez que os tribunais só não podem aplicar leis ou princípios que
ofendam a Constituição quando estes, estiverem em poder dos tribunais para aplicação e
o Conselho Constitucional em qualquer momento pode apreciar e declarar
inconstitucional uma norma que enferma de um vicio.
Quanto ao modo como se processa
Neste caso distinguimos dois tipos de fiscalização
- Concreta
- Abstracta
Na fiscalização concreta realiza-se a fiscalização constitucional quando se pretende
verificar se uma norma é ou não é constitucional. O acto é feito no momento em que se
pretende aplicar para a solução de um caso concreto. Normalmente é o órgão
judicial que pretende aplicar uma certa norma, que faz a verificação se é ou não é
constitucional.
Os órgãos que se ocupam desta função são os tribunais, que quando estão perante
casos concretos que para os quais devem dar soluções de Direito, além de verificar a
legitimidade das partes, a instrução do processo, a matéria da causa, verificam também
a constitucionalidade das normas a aplicar no caso sub-judíce, á luz do artigo 214 da
Constituição.
Estamos perante um processo incidental de inconstitucionalidade que tem por objecto a
apreciação de uma questão julgada inconstitucional, que é levantada por uma das partes
durante o julgamento. É concreta por que ocorre incidentalmente numa audiência de
julgamento.
Na Fiscalização Abstracta, o caso é diferente. Neste tipo de fiscalização, o acto não se
realiza no momento da aplicação da norma para um caso concreto. A fiscalização é feita
numa situação abstracta. O órgão competente na concretização das suas atribuições,
coloca a Constituição e a norma infra-constitucional e verifica se esta, está ou não em
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

818
181
conformidade com a Constituição, o que é diferente com o que se faz em relação ao
artigo 214 cuja acção é feita no momento da aplicação da norma, isto é, nos feitos
submetidos a julgamento perante qualquer tribunal6.
Do artigo 244 parece nos cobrir este tipo de fiscalização.
No controlo abstracto por via de acção o processo tem por objecto uma pretensão
dirigida à declaração, com força jurídica geral, da inconstitucionalidade de normas
jurídicas, artigo 244, n.º 1, al. a) e 248.
6Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J.J. Gomes Canotilho, 3.ª edic.,
Reimpressão, Coimbra, 1999, pag. 919.
Com esta acção o órgão competente, o Conselho Constitucional, artigo 241 e
seguintes, pretende de forma abstracta, verificar a conformidade formal, procedimento ou
material, de normas jurídicas com a Constituição.

Quanto ao Critério dos interesses.


Com este critério, pretende-se saber quais devem ser os interesses da fiscalização da
constitucionalidade.
Existem dois tipos de interesses: Objectivos e Subjectivos
No 1.º caso, diz-se fiscalização Objectiva e no 2.º caso fiscalização subjectiva.
Na concretização, é possível que o mesmo modelo de fiscalização abarca os dois
tipos.

Fiscalização Subjectiva
Visa satisfazer interesses particulares de uma certa entidade no domínio privado.
Qualquer titular tem interesses em:

 Diariamente ter pão ao pequeno-almoço e refeição condigna, conforme o seu


estatuto social;

 Fazer uso da viatura;

 Protecção pessoal e da sua família e residência.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

828
282
É do interesse do Estado, em relação aos titulares de órgãos do Estado assegurar o seu
regime de alimentação, a sua segurança pessoal e da sua família, o veículo em que se
deslocam e o meio onde vive e passa o tempo de laser. Por isso, a fiscalização pode ser
subjectiva.
Fiscalização objectiva é a fiscalização através da qual protege-se, interesses públicos
por exemplo:

 Intenção de proteger uma certa comunidade ou de bens tutelados pelo Estado.


A Constituição Moçambicana não identifica o interesse que a fiscalização pretende
proteger. Vejamos os artigos seguintes:

O artigo 69, (Direito de impugnação)


O cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na
Constituição e nas demais leis.
Artigo 70 (Direito de recorrer aos tribunais)
O cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus
direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei.
Além destes mecanismos, a Constituição estabelece ainda que o cidadão pode invocar os
artigos 40, 41, 44, 45, 71 e 81 para a defesa dos seus interesses ou do interesse geral.
O quadro jurídico-constitucional ora apontado parece nos apontar no sentido de os
cidadãos fazer funcionar a fiscalização a cargo do Conselho Constitucional e tribunais
judiciais para que estes protejam e garantam os direitos fundamentais dos cidadãos,
consagrados na Constituição.
De acordo com este raciocínio, deduz-se tratar de uma fiscalização de interesse
subjectivo, pois visa satisfazer interesses dos cidadãos individualmente considerados.
A Constituição, não nos fornece outras disposições nem há indicação de que haverá
através do legislador ordinário, uma disposição do tipo de interesse que deverá
orientar a fiscalização. A falta de definição, no quadro jurídico-constitucional, deste
critério que não é caso único de Moçambique pois a sede origina situações de queixas
constitucionais que é um acto que permite ao cidadão dirigir-se ao órgão competente
solicitar se uma determinada norma está ou não em conformidade com os seus direitos
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

838
383
neste caso, requer-se fiscalização subjectiva, vide artigo 245, n.º 2, al. g) que permite que
um total de dois mil cidadãos possa solicitar ao Conselho Constitucional a apreciação e
declaração da inconstitucionalidade da lei em vigor no momento da petição.
Em síntese, neste critério de interesse objectivo, os beneficiários não são
determináveis, enquanto no critério de interesse subjectivo, os beneficiários são
determinados. As fronteiras interiores entre estes dois critérios não são de fácil
visualização.
A distinção que se faz na definição é apenas indicativa e visa determinar que se trata
apenas de duas realidades diferentes que só a prática permite estabelecer a sua diferença.
O interesse mais evidente é o objectivo que abrange toda a comunidade, por exemplo, a
segurança e a resistência da comunidade em relação as agressões externas.

Quanto ao objectivo da fiscalização


Este critério, tem a ver com a finalidade que se pretende atingir com a fiscalização
distinguimos dois tipos de fiscalização incidental e principal.
Fiscalização incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade

Neste tipo de fiscalização o objectivo do processo não é a de fiscalização da


constitucionalidade, mas sim, de averiguar se uma norma que obviamente vai convergir
na verificação da garantia da sua constitucionalidade, isto é, se é ou não é constitucional.
Neste caso, a fiscalização é um acto secundário.
Visa completar um processo em curso. Por exemplo: O tribunal, perante um caso
concreto, pode-se ver obrigado a verificar a constitucionalidade da norma. Mas deve- se
estar claro que a verificação da constitucionalidade é uma acção incidental, pois o
objectivo não é este, mas sim, o de resolver o caso concreto, cujo processo está em
curso.

A acção judicial de inconstitucionalidade decorre do direito de fiscalização acometida


aos juízes relativamente a normas a aplicar a um caso concreto.
Antes da aplicação do Direito, cabe ao Juiz verificar se a norma a aplicar no caso
concreto está em conformidade material, formal ou procedimento com a Constituição.
Caso verifique que está desconforme, tal lei é nula, por violar a norma e os princípios
constitucionais, artigo 214 da CRM.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

848
484
Fiscalização principal
Neste tipo de fiscalização desde logo, o órgão competente, ocupa-se da fiscalização,
Independentemente da solicitação ou da existência de um caso concreto. É uma
fiscalização ordinária que resulta das atribuições ou vocação do órgão, artigo 241, n.º 1,
al. a). Da CRM.
A Constituição Moçambicana, conforme já nos referimos, não indica a razão da
fiscalização incidental ou principal. Os artigos 214 e 244, limitam-se a enunciar as
competências do Conselho Constitucional e o artigo 214 a proibir a aplicação pelos
tribunais judiciais de leis ou princípios que ofendem a Constituição

Quanto a forma processual


Tem a ver com a forma do processo assumido na fiscalização. Distingue-se duas vias:

 Excepcional

 Acção

A fiscalização por via excepcional

Sucede quando a iniciativa é como enxertada num determinado processo em curso,


por alguém que perante os factos de Direito, toma a iniciativa de verificar a
constitucionalidade da norma a aplicar, ou seja, do comportamento, artigo 214. Neste
caso, o objecto da fiscalização é a norma em concreto que se pretende aplicar no caso em
apreço.

Fiscalização por via de acção


A iniciativa do processo, visa única e exclusivamente a constitucionalidade de uma certa
norma por exemplo: estamos perante esta via quando:

 O Presidente da República, solicita ao órgão competente, a apreciação preventiva


da constitucionalidade de uma certa lei ou norma ordinária, artigo 245, n.º 2 e
246, n.º 1.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

858
585
 Quando um órgão ou entidade privada, solicita a verificação da
constitucionalidade de uma norma incriminatória em processo de aplicação num
caso concreto em julgamento.
Na fiscalização por via de acção, há uma acção directa dedicada à fiscalização,
enquanto na fiscalização por via excepcional, já não sucede o mesmo.
Nesta última via, a fiscalização é um acto excepcional que foi praticada para resolver
um caso concreto, na fiscalização por via de acção o órgão competente aprecia a norma
em cumprimento da sua vocação, cabendo aos órgãos indicados no artigo 245, n.º 2 da
CRM, propor a apreciação e declaração da inconstitucionalidade.
É todavia, um critério cujo estudo, não deve ocupar o estudante acentuadamente. Consta
no programa, para informação.
Finalmente, concluímos o estudo dos critérios que nos permitem fazer uma avaliação do
tipo e modelo de fiscalização de uma certa Constituição.

Sistema de fiscalização da constitucionalidade em Moçambique dos três sistemas


estudados nas aulas anteriores, designadamente:
1.º) Modelo de F i s c a l i z a ç ã o política da constitucionalidade, também chamado
por modelo de tipo Francês, por ter sofrido influência das teses do domínio público
Francês. Predominou nos fins dos séculos XVIII e durante o século XIX e em certa
medida no nosso século.
De acordo com este modelo, a fiscalização da constitucionalidade fica confiada a um
órgão político ou a um órgão criado para o efeito. Na França, onde foi criado pela 1.ª
vez, se chamou conselho constitucional francês, com funções de órgão de fiscalização
concentrada. Actualmente devido a evolução, o seu funcionamento assemelha-se a
um tribunal comum mantendo as funções originais.
2.º) Modelo d e f i s c a l i z a ç ã o j u r i s d i c i o n a l , t a m b é m c h a m a d o d e m o d e l o
Americano.
Nasceu nos E.U.A em 1803, data da leitura de uma importante Sentença conhecida por
“Mercury Us. Madison”. O modelo traduz uma entrega a todos os tribunais comuns da
capacidade de fiscalização de normas. É um modelo de sistema de fiscalização difusa
que funciona sobretudo através da fiscalização no seu estado puro, de fiscalização
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

868
686
difusa, concreta, incidental e, em princípio, por via de excepção, sempre que as situações
assim requererem.
Em termos comparativos podemos ver os artigos 214, 241 e 244 da Constituição da
República.
3.º) Modelo de Tribunal constitucional, conhecido por modelo Austríaco. Foi criado
pela 1.ª vez na Austrália pela Constituição de 1920 e funciona desde 1929 na
Austrália e depois noutras Constituições. É um órgão especificamente vocacionado a
fazer a fiscalização da constitucionalidade por via de sistema de fiscalização
concentrada.
Este modelo é o que faz a fiscalização preventiva e sucessiva quanto ao tempo e
proteger interesses objectivos ou subjectivos. Exerce a fiscalização abstracta, principal e
por via de acção.
Concluindo: os três modelos, que surgiram em épocas diferentes, na base de realidades
distintas, não gozam da mesma simpatia nos diversos Estados modernos.
Os dois últimos modelos, são os que mais apresentam maior eficácia, sendo por isso, os
mais preferidos.
O 1.º foi abandonado pela ineficácia de que é apontada. Porém, para os dois últimos, é
costume apontar-lhes as seguintes vantagens e desvantagens.

Modelo misto

É destes factos que surgem modelos mistos, que procuram conjugar as vantagens dos
dois últimos modelos e eliminar ou minimizar as desvantagens dos modelos puros e
ao mesmo tempo, procuram manter as vantagens de cada e melhorá-las de uma única
forma.
Em Moçambique, a Constituição não é conclusiva em relação ao tipo de modelo a
aplicar. Mas, pela conjugação dos artigos 214 e 244, se deduz tratar-se de um modelo
misto.
O órgão com c o m p e t ê n c i a de fiscalizar a Constituição é o conselho constitucional,
segundo o artigo 244 da Constituição.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

878
787
Este facto, não impede que se adopte o modelo de fiscalização política da
Constituição, por exemplo, o mesmo acontece em relação ao tribunal constitucional que
apesar de se chamar tribunal, não quer dizer que desenvolve acções como as
desenvolvidas nos tribunais comuns, embora possa ter um funcionamento semelhante,
em tanto que órgão judicial. Mas têm funções diferentes e possuem características
próprias.
Ocupa-se do controlo da decisão política fundamental.

11.Modalidades de fiscalização

São previstas na Constituição cabo-verdiana as seguintes modalidades de fiscalização da


constitucionalidade:
11.4.1) A fiscalização preventiva (artigos 278º e 279º) tem lugar antes da entrada em
vigor dos diplomas legais. É da iniciativa do Presidente da República, de quinze
Deputados em efectividade de funções ou do Primeiro Ministro, e consiste em solicitar
ao Tribunal Constitucional que faça a apreciação preventiva da constitucionalidade nos
termos seguintes: i) o Presidente da República pode requerer apreciação preventiva da
constitucionalidade de norma constante de Tratado ou Acordo Internacional ou de acto
legislativo que lhe tenham sido enviados, respectivamente, para ratificação ou
promulgação; ii) os Deputados e o Primeiro Ministro podem requerer fiscalização da
constitucionalidade de norma constante de acto legislativo que, estando sujeita a
aprovação por maioria qualificada, haja sido enviado ao Presidente da República para
promulgação.
11.4.2) A fiscalização sucessiva tem lugar em relação a normas jurídicas em vigor e
compreende duas modalidades:
a) - A fiscalização abstracta (artigo 280º), que visa apreciar e declarar a
constitucionalidade ou a ilegalidade de normas ou resoluções de conteúdo material
normativo ou individual e concreto, cabendo a iniciativa ao Presidente da República, ao
Presidente da Assembleia Nacional, ao Primeiro Ministro, ao Procurador-Geral da
República e a, pelo menos, quinze deputados; Manual de Introdução ao Direito (2011)
Bartolomeu L. Varela 89

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

888
888
b) - A fiscalização concreta (artigos 281º e 282º), que tem lugar através de recursos
formulados ao Tribunal Constitucional pelo Ministério Público ou por pessoas
legitimadas para o fazer nos termos das leis de processo, recursos esses motivados:
b)1. Por decisões dos Tribunais que recusem a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade, de qualquer norma ou resolução de conteúdo material normativo
ou individual e concreto;
b)2. Por decisões dos Tribunais que apliquem normas ou resoluções de conteúdo
material normativo ou individual e concreto cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada no processo;
b)3. Por decisões dos Tribunais que apliquem normas ou resoluções de conteúdo
material normativo ou individual e concreto que tenham sido julgadas anteriormente
inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional;
b)4. Por decisões que apliquem ou recusem a aplicação de resoluções de conteúdo
material normativo ou individual e concreto que tenham sido julgadas ilegais pelo
Tribunal Constitucional ou cuja ilegalidade haja sido suscitada no processo.
11.5. Efeitos da fiscalização
Quando uma norma é considerada inconstitucional ou ilegal, o efeito geral é o de a
mesma norma deixar de ter efeitos.
Entretanto, as implicações variam segundo a natureza das situações: Quando se trate de
uma norma de um Tratado, a decisão de inconstitucionalidade (que assume a forma de
Parecer) deve levar o Presidente da República a não ratificar o Tratado salvo se a
Assembleia, ouvido o Governo, confirmar a aprovação por maioria de 2/3 dos deputados
em efectividade de funções (neste caso, o Presidente da República pode ratificar o
Tratado).
Quando se tratar de norma constante de acto legislativo, a decisão de
inconstitucionalidade (que assume a forma de Acórdão) implica que o Presidente da
República vete o diploma e o devolva ao órgão que o aprovou (Assembleia ou Governo)
para o expurgar da inconstitucionalidade, sem prejuízo da possibilidade de a Assembleia
confirmar o diploma por maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções, caso
em que o Presidente da República já poderá promulgá-lo.68
68 A superação do veto presidencial pela Assembleia Nacional (ainda que com votos
favoráveis de 2/3 dos deputados em efectividade de funções), numa situação em que o
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

898
989
veto é precedido de acórdão ou parecer do Tribunal Constitucional que considera uma
norma inconstitucional, é uma solução de duvidosa bondade, logo, polémica, que coloca
problemas de fundo. Parecem estar em causa, de certo modo, princípios do Estado de
Direito Democrático, como o da constitucionalidade (ou da primazia constitucional),
além, claro está, das garantias efectivamente oferecidas pelo sistema de controlo
jurisdicional da constitucionalidade, ao beliscar-se desta forma a autoridade da Justiça
Constitucional. Manual de Introdução ao Direito (2011) Bartolomeu L. Varela 90
Os Acórdãos do Tribunal Constitucional que tenham por objecto a fiscalização da
constitucionalidade ou ilegalidade têm força obrigatória geral, o que quer dizer que
produzem o mesmo efeito que uma norma jurídica, impondo-se à observância de todos.
Essa força obrigatória geral implica que a declaração (Acórdão) produza efeitos
retroactivos à data de entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal,
com a consequente repristinação (reposição) das normas que aquela (norma
inconstitucional) tiver revogado.

12. Ciência política

18.1. NOÇÃO
Disciplina que estuda o facto politico
Dois conceitos de ciência politica. O conceito de ciência politica não esta definido fixado
em termos que hajam logrado aceitação universal. Pode dizer-se que os autores adoptam
diversas posições situadas entre dois conceitos extremos:
O conceito restrito, segundo o qual a Ciência Politica será apenas a disciplina que estuda
as manifestações, as formas e regularidades dos factos políticos, em si mesmos ou através
do comportamento dos indivíduos, mediante métodos de observação:
E o conceito amplo que engloba na Ciência Politica todos os conhecimentos, seja qual for
o método empregado na sua obtenção, relativos a compreensão, explicação e fundamento
racional dos factos políticos, ordenados e sistematizados em função do seu objecto.
Enquanto os sequazes da primeira concepção procuram fazer da Ciência Politica quando
possível uma ciência positiva, utilizando na sua construção o chamado método cientifico
propriamente dito, que procede por abstracção a partir dos factos e em demanda das suas
leis, os partidários de segunda alargam o campo de pesquisa e não se fecham ao emprego
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

909
090
de quaisquer métodos das ciências do espírito ou culturais e incluindo as próprias
investigações filosofias nos domínios da ontologia e da axiologia.

Objecto
O âmbito do objecto de estudo da ciência Politica tem na sua base a definição de Marcelo
Rebelo de Sousa, nos termos da qual esta é todo o facto social relacionado com o
acesso, a titularidade, o exercício e o controlo do poder politico.

O surgimento da ciência politica


A ciência política vem clarificar determinados aspectos que, no momento da sua
concepção, apresentava lacunas no direito constitucional causando duvidas e dificuldades
aos leitores e interpretes.
O poder politica. A questão da legitimidade dos governantes
Poder politica
O poder politica, para Marcelo Rebelo de Sousa, é um poder de injunção dotado de
coercibilidade material16. Isto é dita de outra forma. Um poder de natureza vinculativa
marcado pela susceptibilidade, que do uso da força física, quer da supressão, não
resistível, de recursos vitais.
Isso significa que é fundamental a existência de legitimidade no exercício do poder
político. E que, em conformidade, o recurso ao emprego da força para que o poder
consiga atingir os seus objectivos estará na proporção inversa do consentimento dos
governantes.
De entre as várias classificações existentes nesta matéria é de particular importância a
que distingue legitimidade de título de legitimidade de exercício:

 Legitimidade de título – é a legitimidade que resulta do modo de designação dos


titulares do poder político;

 Legitimidade de exercício – é a legitimidade que resulta do modo como é


exercido o poder político pelos governantes.

A legitimidade dos governantes

16

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

919
191
A legitimidade dos governantes implica, segundo Jorge Miranda 17, que “não basta o
governantes invocar qualquer intenção do seu poder ou ter, pura e simplesmente, a força
material para se fazer obedecer; ou apresentar-se ao serviço deste ou daquele projecto ou
ideologia.
As perspectivas básicas da investigação e analise dos factos políticos
O cientista politico tem por objectivo conhecer de uma forma sistemática os factos
políticos de modo a poder formular explicações que permitam compreender os
fenómenos políticos passados e prever os futuros.
Com esse objectivo a orientar a sua actividade:

 Acompanha o desenrolar dos fenómenos políticos de molde a apurar quais é a que


são os factos políticos que merecem ser qualificados como tais;

 Formula hipóteses, com base nos factos políticos apurados, que se traduzem em
generalizações sobre a regularidade possível dos fenómenos políticos;

 Procura comprovar ou confirmar pela experiencia das hipóteses que são


formuladas.

As relações entre a ciência politica e o direito constitucional


Existe uma estrita relação entre a Ciência Politica e o Direito Publico, em geral, e o
Direito Constitucional, em particular. Com o primeiro, porque é composto pelo
conjunto de regras jurídicas que regulam os factos políticos que são estudados pela
ciência Politica;
No âmbito do Direito constitucional, como o ensina Marcelo Rebelo de Sousa18, deve
ser distinguido:

 O Direito constitucional em sentido material ou substancial – “o conjunto


de normas jurídicas fundamentais que regem a estrutura, os fins e as funções
do Estado, a organização, a titularidade, o exercício e o controlo do poder
politico do Estado, bem como as respeitantes á fiscalização do acatamento das

17

18
SOUSA, Rebelo de, Ciencia…, pp. 66-67; MIRANDA, Jorge Manual…, pp. 13-66 e CAETANO,
Marcelo, Manual…, pp. 36-42.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

929
292
normas enumeradas, em particular do acatamento pelo próprio poder politico
do Estado”.

 O Direito Constitucional em sentido formal - “o conjunto de normas


jurídicas escritas, elaboradas por órgão dotado de poderes especiais, através de
um processo especifico, diverso do que gera as leis ordinárias”.

 O Direito Constitucional em sentido instrumental – “texto único em que se


compendiam as normas formalmente constitucionais”.

Teoria geral do Estado


A definição de Estado adoptada parte de um tipo de Estado concreto: “o Estado
nacional soberano que nascido na Europa, se espalhou recentemente por todo
mundo19.
Os tracos fundamentais deste tipo de Estado, segundo Jorge Miranda20.sao
seguintes:

 Complexidade de organização e de actuação, - com cada vez maior


diferenciação de funções, órgãos e serviços,

 Institucionalização do poder – ou subsistência do poder como ideia para


além dos seus detentores concretos e atuais;

 Autonomia – ou formação de uma dinâmica própria do poder e do seu


aparelho frente á vida social;

 Coercibilidade – ou no monopólio do uso legítimo da força;

 A interdependência como o factor nacional.


O estado grego
São características dominantes do Estado grego, ou polis, segundo Jorge Miranda21:

19

20

21

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

939
393
 Prevalência do factor pessoal (o Estado é a comunidade dos cidadãos, embora não
sejam estes os seus os seus únicos habitantes também há os metecos e os
escravos);

 Fundamentos da comunidade dos cidadãos: a comunidade religiosa, unida no


culto de antepassados (apesar de a autoridade não ter natureza divina e não
predominar a casta sacerdotal);

 Relativa pouca importância do factor territorial, o que esta a par da pequena


exetensao do território (o Estado tem caracter municipal ou cantonal é a Cidade-
Estado, e não conseguem estruturar-se ou perdurar formas de associação ou
união);

 Deficiência ou inexistência da liberdade fora do Estado ou redução da liberdade


individual á participação no governo da Cidade, não sendo a pessoa um valor em
si, livre do poder politico;

 Diversidade de forma de governo, sucessivamente ou com oscilações de Cidade


para Cidade, e onsoante as filosofias e as vicissitudes politicas, internas e
externas.

O Estado romano
São características dominantes do Estado romano, segundo Jorge Miranda22:

 O desenvolvimento da noção de poder politico, como poder supremo e uno,


plenitude – imperium, potestas. Majestas – pode ou deve ser reservdas a uma
única origem e a um único detentor.
O Estado oriental
São características dominantes do Estado Oriental, segundo Jorge Miranda23:

 Teocracia, ou seja, poder politica reconduzido ao poder religioso;

 Forma monárquica (combinada com a teocracia, portanto o monarca é adotado


como um deus);

22

23

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

949
494
 Ordem desigualitária, hierárquica e hierática da sociedade;

 Reduzidas garantias jurídicas dos indivíduos (o que, todavia, não significa que
eles ou que todos eles sejam degradados a meros objectos sem quaisquer direitos);

 Larga extensão territorial e aspiração a constituir um império universal.


O estado moderno
São características dominantes do Estado moderno ou europeu, segundo Jorge Miranda24:

 Ser um “Estado nacional: o Estado tende a corresponder a uma nação ou


comunidade histórica de cultura; a ocupação de unificação politica deixa, assim
de ser a religião, a raça, a ocupação bélica ou a vizinhança para passar a ser uma
afinidade de índole nova”.

 A “secularidade ou laicidade: porque – por influxo do Cristianismo e ao contrario


do que sucede com os Estado islâmico o temporal e o espiritual se afirma esferas
distintas e a comunidade já não tem por base a religião, o poder politico não
prossegue fins religiosos e os sacerdotes deixam de ser agentes do seu exercício;

 A “soberania: ou poder supremo e aparentemente ilimitado, dando ao Estado não


só capacidade para vencer as resistências internas á sua acção como para afirmar a
sua independência em relação aos Estudos (pois trata-se agora de Estado que, ao
invés dos anteriores, tem de coexistir com outros Estados)”:

 A consciência da separação entre o poder publico (do Estado) e o poder privado


(do pater famílias) e a distinção entre Direito publico e Direito privado.

 A considerado como direitos básicos do cidadão romano não apenas o jus


suffragii (direito de eleger) e do jus honorum (direito de acesso ás magistraturas) mas
também do jus connubi (direito de casamento legitimo) e do jus commercci (direito de
celebração de actos jurídicos).

 A progressiva atribuição de direito aos estrangeiros e a formação do jus gentium


como conjunto de normas reguladoras das relações em que eles intervém;

24

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

959
595
 A expansão da cidadania num largo espaço territorial (culminando com Caracala,
m 212), em contraste com a caracter meramente territorial das monarquias
orientais e o caracter pessoal restrito das Cidades-Estados gregas.

18.2. Elementos do Estado


Os elementos do Estado são três: Povo, território e poder politico.
Povo deve ser entendido, segundo Jorge Miranda, como uma “comunidade de pessoas”,
como “ a comunidade politica” e é constituído por aqueles “homens que o seu Direito
reveste da qualidade de cidadãos ou de súbditos e que permanecem unidos na obediência
ás mesma leis25. É. em conformidade, o “…substrato humano do Estado…” no mesmo
sentido. O Prof, Rebelo de Sousa define o povo como “o conjunto de cidadãos ou
nacionais de certo Estado”26.
A cidadania ou nacionalidade
Sendo o povo a “… comunidade dos cidadãos ou súbdito..”27 é fundamental determinar
quais as pessoas que devem ser qualificadas dessa forma. Os Estados gozam nesta
matéria, em coonfromidade com o Direito Internacional, de uma competência exclusiva
na definição das regras de aquisição e de perda da cidadania, não obstante a necessidade
de atenderem á existência de uma ligação efectiva entre o individuo e o Estado que o
atribui.

Território
O território de um Estado é fundamental para delimitar qual é o espaço em que o Estado
pode exercer o seu poder soberano e, em conformidade, qual é o âmbito espacial de
aplicação das normas jurídicos que são emitidas pelo poder politico.

25

26

27

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

969
696
Território terrestre, aéreo e marítimo

O território de um Estado é constituído obrigatoriamente por território terrestre e por


território aéreo e, no caso dos Estados que têm fronteira com mares ou oceanos, por
território marítimo. A delimitação do território é feita tendo em consideração normas de
Direito Internacional e normas de direito interno
O poder politico
O terceiro dos elementos que caracterizam o Estado é o exercício do poder politico.
Embora não se trate de uma característica exclusiva do Estado, importa salientar que a
forma mais comum e paradigmática de poder politico é a que lugar no âmbito dos
Estados.
Nestes termos, o poder politico que se exerce nos Estados é:

 Um poder constituinte, originário, que tem um fundamento próprio e que não está
dependente de qualquer outro poder,

 Um poder de auto-organização, que tem por objecto perante e continuado a


criação de condições para a manutenção da segurança, a administração da justiça
e a promoção de bem-estar da comunidade politica;

 Um poder de decisão que faz as opções consideradas adequadas á organização da


vida da comunidade politica, nomeadamente através da produção de regras
jurídicas.
O poder politico é exercido no âmbito do Estado por um conjunto de órgãos do Estado,
que são poderes constituídos e que devem actuar na estrita observância das competências
prevista na lei. Daqui resulta que o poder politico que é exercido no âmbito do Estado
está limitado pelo Direito.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

979
797
18.3. O estado unitário. O Estado unitário centralizado e o Estado unitário
regional

No Estado unitário deve ser feita a distinção entre Estado Unitário centralizado e
Estado unitário regional.
No primeiro, existe apenas um poder político estadual, enquanto no segundo existe um
fenómeno de descentralização politica.
A descentralização política é “… sempre a nível territorial: são províncias ou regiões
que se tornam politicamente autónomas por os seus órgãos desempenharem funções
políticos, participarem ao lado dos órgãos estaduais, no exercício de alguns poderes ou
competências de caracter legislativo ou governativo”28.

O Estado unitário clássico e o Estado unitário regional


As experiencias de regionalismo politico são recentes e remontam á constituição
espanhola de 1931 e a italiana de 1947.

O Estado unitário regional tem na sua base uma situação de descentralização


politica que se traduz na atribuição a entidades intra-estaduais de “… poderes ou
funções de natureza politica, relativas á definição do interesse publico ou a tomada de
decisões politicas (designadamente, de decisões legislativas)29.
Segundo Jorge Miranda30 existem varias categorias de Estados regionais:

 Estado regional integral – aquele em que “… todo o território se divide em


regiões autónomas” e Estado regional parcial – aquele em que o território não
esta todo dividido em regiões autónomas e em que “… encontram-se regiões ou
circunscrições só descentralização administrativas, verificando-se pois,
diversidade de condições jurídico-políticos de região para região;

 Estado regional homogéneo – aquele em que “… a organização das regiões é,


senão uniforme, idêntica (a mesma no essencial para todos)”, e Estado regional

28
MIRANDA, Jorge, Manual…, vol. III, pp. 253-259.
29
MIRANDA, Jorge, Manual…, vol. III, p 179.
30
MIRANDA, Jorge, Manual…, vol. III, p 260.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

989
898
heterogéneo – aquele em que a organização das regiões “… pode ser diferenciada
ou haver regiões de estatuto comum e regiões de estatuto especial”;

 Estado em regiões de fins gerais – aqueles em que “… as regiões são


constituídas para a prossecução de interesses (e, em principio, de todos os
interesses) específicos das pessoas ou das populações de certas áreas geográficas”
e Estado com regiões de fins especiais – aqueles em que “… a descentralização
politica regional é moldada em razão de algum ou alguns interesses específicos
(v.g., interesses culturais) e é, porventura, mesma a partir da comunidade desses
interesses que se recortam os territórios regionais”.

Estado federal
Para Jorge Miranda31, Estado federal ou federação é baseado numa dualidade:

 Por lado, “… numa estrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes


políticos locais (isto é, dos Estados federados, de modo a cada cidadão ficar
simultaneamente sujeito a duas constituições – a federal e a do Estado
federado a que pertence e ser destinatário de actos provenientes de dois
aparelho de órgãos legislativos, governativos, administrativos e
jurisdicionais”;

 E, por outro lado, “… numa estrutura de participação, em que o poder politico


central surge como resultante da agregação dos poderes políticos locais,
independentemente do modo de formação: donde a terminologia clássica de
Estado de Estados”.
A federação tem na sua origem uma constituição federal, resultante do exercício de um
poder constituinte autónomo, “… que contem o fundamento de validade e de eficácia do
ordenamento jurídico federativo; e é ele que define a competência das
competências…”32.
Das características da sobreposição e da participação decorrem, segundo Jorge Miranda33,
os seguintes princípios directivos:

31
Manual…, vol. III, pp. 268 e 269
32
Manual…, vol. III, p. 270
33
Manual…, vol. III, pp. 270 e 271
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

999
999
 Dualidade de soberanias – a de cada um dos Estados federados e a do Estado
federal, tendo cada um deles a sua Constituição (e Constituição emanada de um
poder constituinte originário, exercido em nome próprio), bem como o
correspondente sistema de funções e órgãos (legislativos, governativos,
administrativos e jurisdicionais);

 Participação dos Estados federados na formação e na modificação da Constituição


federal, seja a título constitutivo, seja a titulo de veto colectivo, seja por via
representativa, seja por referendos parciais.

18.4. Os fins do Estado

Os fins do Estado “… como objectos prosseguidos pelo poder político do Estado”34.

São normalmente considerados três fins do Estado: segurança justiça e bem-estar.


A segurança, tendo “… varias facetas: a Segurança interna, ou ordem interna, e a
Segurança externa, ou defesa da colectividade perante o exterior; a Segurança individual,
proporcionada pela definição, através de normas jurídicas executadas pelos órgãos do
Estado, dos direitos e deveres reconhecidos a dado cidadão, e a segurança colectiva,
enquanto realidade que envolve toda a comunidade considera”35.
A justiça, que “… visa a substituição, nas relações entre os homens, do arbítrio por um
conjunto de regras capaz de consensualmente estabelecer uma nova ordem, e, assim,
satisfazer uma aspiração por todos sentido36.
O bem-estar, entendido como bem-estar económico, social e cultural que “… consiste na
promoção de condições de vida dos cidadãos em termos de garantir o acesso, em
condições sucessivamente aperfeiçoadas, a bens e serviços considerados fundamentais.

34
SOUSA, Rebelo de, Ciência… p. 81.
35
SOUSA, Rebelo de, e GALVÃO, Sofia, introdução…, pp. 26 e 27.
36
SOUSA, Rebelo de, e GALVÃO, Sofia, introdução…, p. 27.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

100
100
100
13. Introdução ao Estudo do Direito II

a. Classificação do direito
Ramos do direito

Direito público e direito privado


A classificação fundamental de direito interno é a que o distingue entre direito público e
direito privado.
Esta classificação é extremamente discutida – ascendem a mais de uma centena de
critérios de distinção proposta37.
Com os Profs. Marcello Caetano e Freitas do Amaral 38 salientarão que para distinguir o
Direito em público e privado tem sido principalmente adoptados dois critérios:

O do interesse e o do sujeito da relação jurídica. Os dois referidos autores perfilham o


primeiro seguinte termos:
Para na uma norma é de Direito Publico quando directamente protege um interesse
público (considerando interesses públicos os que respeitam à existência, conservação e
desenvolvimento da sociedade política) e só indirectamente beneficia (se beneficia)
interesses privados.
A este critério tem-se dirigido muitas críticas. Em algumas há uma ponta de exagero –
por exemplo, na que sustenta que o critério pretende reduzir o direito privado a um direito
individualista, que beneficia os particulares isoladamente considerados, sem a união
numa solidarie11dade comum – na frase de BRINZ, “onde acaba o egoísmo termina o
direito civil”39.
Si. Parece-nos mais curial este critério, dito critério da posição dos sujeitos na relação
jurídica. Critério distingue, pois primariamente relações:
Relações jurídicas de direito público e relações jurídicas de direito privado; só
secundariamente as normas que as disciplinam ou regulam. São relações jurídicas de

37
Prof. Marques Guedes, A concessão, Coimbra, 1954, I, p. 129.
38
Manual de Direito Administrativo, I, 10.ª edição, pp. 49 e segs.
39
Cit, in Federico de Castro, “Derecho Civil de Espana”, I, P.88.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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direito público aquelas em que intervém entidades munidas (e enquanto munidas) de
autoridade públicas, de jus impere. Designadamente o Estado; e são normas jurídicas de
direito público as que disciplinam estas relações.
São relações jurídicas de direito privado as que se estabelecem entre particulares, ou em
que intervenham – mas despidos do seu imperium -, o Estado ou outra entidade que o
possua; paralelamente, o direito privado é formado pelas normas que disciplinam tais
relações.

iii. O critério da posição dos sujeitos na relação jurídica informativa o artigo 8° do código
civil de 1867:
Se os direitos e obrigações se limitam as relações reciprocas dos cidadãos entre si, como
meros particulares, ou entre os cidadãos e o Estado, em questões de propriedade ou de
direitos puramente individuais, esses direitos e obrigações constituem a capacidade civil
dos cidadãos, denominam-se direitos e obrigações civis, e são regidos pelo direito
privado contido no código civil, excepto na parte que é regulada por lei especial.
Esta disposição não pode já considerar-se em vigor; mas o facto não afecta a
possibilidade de se continuar a considerar mas curial a distinção entre direito público e
privado pelo critério da posição dos sujeitos na relação jurídica.

b. Interpretação e aplicação das leis

A lei é criada para ser aplicada. Para isso, tem primeiro de ser compreendida ou
entendida. Verificam-se assim dois momentos lógicos na utilização da lei:
Interpretação – é a determinação ou fixação do sentido e alcance da lei (cfr. 9° n°1, do
Código Civil), ou seu entendimento ou compreensão, a determinação do exacto e plano
conteúdo de pensamento nele contido;

Aplicação – é o uso da lei para resolver casos concretos, ou seja, para determinar, face as
múltiplas situações que a vida oferece, a conduta a seguir.
Na expressão interpretação e aplicação das leis, empregamos o termo lei no sentido em
que se opõe a costume (sentido lato).

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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102
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O título I do Livro I do código civil – tem por epígrafe “das leis, sua interpretação e
aplicação”. Aos preceitos ai contidos (artigo 1° e seguintes, especialmente 9° e
seguintes).

c. Noção de base

A interpretação é a determinação ou fixação do exacto sentido e alcance de uma norma40.


Por vezes, diz-se que a lei clara não necessita de interpretação – in claris non fit
interpretativo. É um erro. Para aplicar a lei é sempre preciso entende-la ou compreende-
la – isso é a interpretação. Esta pode ser mais ou menos fácil. Mas é sempre necessária.
A técnica de interpretação chama-se hermenêutica.

Espécies de interpretação pela sua fonte e valor. Interpretação autêntica, oficial,


judicial e doutrinária.
Pelo critério da sua fonte e valor, a interpretação diz-se autentica, oficial, judicial e
doutrinária ou particular.
Interpretação autêntica é a que é feita por lei de valor igual ou superior (na hierarquia
das leis) à norma interpretada.
A esta lei chama-se lei interpretativa (cfr. Artigo 13° do código civil).
Característica da interpretação autêntica é que é vinculativa ainda que esteja ainda que
esteja errada. Na verdade, se a interpretação aduzida pela lei interpretativa é correcta,
verifica-se uma verdadeira interpretação; se a pretensa interpretação na realidade altera o
sentido da norma anterior, revoga-a, mas continua a ter, a lei interpretativa, perfeita e
exclusiva vigência.
Interpretação autêntica é a que é feita igualmente pelos assentos, uma vez que são
vinculativos, sem que se possa opor a esta eficácia a desconformidade com a disposição
que lhes serve de base.

40
“teoria da Interpretacao das Leis” (1883); Prof. Manual de Andrade, “Ensaio sobre a Teoria da
Interpretação” 2ª. Ed. (1963).
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

103
103
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Interpretação oficial é a que é feita em lei (em sentido lato) de valor inferior ao da
norma interpretada.
Esta interpretação pode vincular em termos da obediência hierárquico (a interpretação
que o ministro der por despacho a certa norma pode ser vinculativa para o seu Ministério,
por obediência hierárquica); não vincula para além disso, e designadamente não vincula
os tribunais.
Levanta-se aqui um problema especial, a que nos vamos repórter de seguida.
Muitos diplomas legais (em especial decretos-leis e decretos regulamentares) contem um
artigo dizendo que as duvidas suscitadas pelo diploma será resolvido por despacho. Terão
neste caso os despachos valor de interpretação autêntica, com base no preceito
mencionado? Ou conservarão o valor da mera interpretação oficial?
O artigo 115° n° 5, da constituição, dispõe que nenhuma lei pode conferir a actos da
natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar ou integrar qualquer dos seus
preceitos. Trata-se por conseguinte, nesse caso, de mera interpretação oficial.
Interpretação judicial. A interpretação feita pelos tribunais num processo (salvo o caso
particular dos assentos) só tem valor vinculativo no processo em si, fora disso, pode
persuadir pala forca e exactidão dos argumentos, não mais.
Interpretação doutrinal ou particular: é a interpretação feita fora das condições que
caracterizam as outras hipóteses. Não tem, claro qualquer força vinculativa, mas apenas o
valor persuasivo que resulta do prestígio do intérprete ou da coerência lógica da
argumentação.

d. Espécies de interpretação pela finalidade:

Interpretação subjectivista e objectivista, histórica e actualista


A interpretação também se pode diferenciar consoante a finalidade que se propõe. Há
duas distinções a fazer, logicamente diversas, embora estreitamente correlacionadas:
Interpretação subjectivista e interpretação objectivista;
Interpretação histórica e interpretação actualista.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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104
Interpretação histórica e interpretação objectivista
A interpretação subjectivista propõe-se como finalidade reconstituir o pensamento
concreto do legislador, entendido como a pessoa ou pessoas que fizeram a lei. A
interpretação objectivista procura determinar o sentido da lei em si, desligada da pessoa
que a fizeram. Fala-se no primeiro caso em determinada da mens legislatoris, no segundo
da mens legis.
Contra a interpretação subjectivista, a argumenta-se que é raro provir a lei de uma pessoa
só. Por exemplo, quando a uma lei de uma assembleia legislativa, reconstituir-se-ia o
pensamento de que deputado ou grupo de deputados? Sem contar que a existência e
validade da lei assentam também na promulgação.
Interpretação histórica e interpretação actualista
Outra distinção a fazer contrapõe a interpretação histórica à interpretação actualista. A
primeira tem por finalidade reconstituir o sentido que a lei tinha no momento da sua
elaboração e entrada em vigor; a segunda, determinar o sentido que a lei tem no momento
da sua aplicação. Por alteração das circunstâncias e até dos sentidos das palavras, podem
ser diferentes os dois sentidos.
Ora, a interpretação subjectivista é naturalmente histórica; a objectivista naturalmente
actualista.
O artigo 9° n°1, do código civil estabelece como finalidade da interpretação do
pensamento legislativo, o que é dúbio no que diz respeito à controvérsia objectivismo-
subjectivismo, mas perfilha a interpretação actualista, na medida em que manda atender
“as condições específicas do tempo em que (a lei) é aplicada”. Ora, a interpretação
actualista é naturalmente objectivista também.

e. Elemento da Interpretação

Vamos falar de cinco:


Elemento literal;
Elemento lógico;
Elemento sistemático;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Elemento histórico;
Elemento complementares.

Elemento literal
O primeiro factor a considerar é o elemento literal (por vezes chamado também
gramatical ou filológico), a letra da lei – o sentido das diversas palavras que a compõem,
na sua conjugação sintáctica indicada pela colaboração e pelos termos de ligação.
Este é o elemento de base. Evidentemente, a principal tarefa do intérprete é ler e ver o
que ai si diz.
A interpretação baseada fundamentalmente no elenco literal diz-se interpretação literal ou
gramatical, ou exegese. A exegese a lei é portanto a primeira tarefa do intérprete: lê-la,
atendendo ao sentido dos termos e à sua correlação.
O elemento literal é necessário, mas não suficiente. Diz o artigo 9° n° 2, do código
civil.
Não pode ser considerado pelo interprete o pensamento legislativo que não tenha na letra
da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressão41.
Elemento lógico
Para além da letra da lei deve recorrer-se a todas as potencialidade de transmissão de
pensamento que a frase legal encerra, potencialidade que são postas em destaque pela
análise jurídica.

Elemento sistemático
A ordem jurídica forma um sistema de elemento coordenados e homogéneos entre si, não
podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas
outras – cada norma e conjunto de normas funciona em relação as outras como elemento
sistemático de interpretação.

Elemento Histórico

41
Cfr. Também artigo 238° n°1, do código civil.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Outro factor de determinação do sentido da lei é a evolução que lhe deu origem, na qual a
lei é um momento especial – ou seja, a sua história. Que se pode distinguir em – ou seja,
a sua história. História que se pode distinguir em história próxima e história remota, por
um lado, e história legal (evolução da regulamentação legal da matéria) e história social
por outro.
Pontos particulares do elemento histórico são:
Os trabalhos preparatórios. Muitas vezes estão publicados os estudos, projectos e
anteprojectos que serviram de base a lei: tratando-se de um diploma da Assembleia da
Republica, há a contar com os debates publicados no “ Diário da Assembleia da
Republica”. Todos estes elementos (histórias social próxima42) podem ser úteis para
clarificar o sentido das normas;
O preâmbulo ou relatório dos decretos-leis e decretos é um elemento histórico e não
normativo (não vincula por si) todavia como elemento histórico é útil para entender a lei;

Chama-se occasio legis ao conjunto de circunstâncias da sociedade que justificam o


aparecimento da lei, com o conteúdo que tem – as “circunstâncias em que a lei foi
elaborada”, de que fala o artigo 9° n°1 do código civil. Também este factor pode
esclarecer o sentido da lei.

f. Elementos complementares

Os autores falam por vezes de elementos complementares, onde inscrevem o relatório


(afastando-o do domínio do elemento histórico), o direito comparado, etc. mas os
elementos indicados são, julgamos, os principais.
Registem-se algumas regras fundamentais da interpretação:
Presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados (artigo 9° n°3 do código civil);
Presume-se que na lei não há normas, frases ou mesmo só palavras inúteis;
A lei não impõe impossíveis (impossibilia nema tenetur);

42

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, nec nos
distinguere debemus). Quando a lei aplica uma estatuição a uma previsão, delimitada de
certo modo, presume-se que a aplica a toda a previsão, não sendo lícito ao intérprete
distinguir casos em que se aplica, casos em que se não aplica. Mas trata-se de uma mera
presunção:
O intérprete pode concluir que o legislador usou uma expressão geral de mais, não sendo
sua vontade submeter-lhe certos casos particulares.

g. Espécies de interpretação pelo resultado:

Interpretação declarativa, extensiva, restritiva, enunciativa e ab-rogante


A interpretação pode distinguir-se também quanto ao resultado em:
Interpretação declarativa;
Interpretação extensiva;
Interpretação restritiva;
Interpretação enunciativa;
Interpretação ab-rogante.
Interpretação declarativa. Chama-se interpretação declarativa aquela que fixa à norma,
como seu verdadeiro sentido, o sentido ou um dos literais.

Pode é suceder que alguma ou algumas palavras da lei tenham mais que um sentido, de
extensão desigual. Se a interpretação toma como exacto o sentido mais lato, chama-se
interpretação declarativa lata; se mais restrito, interpretação declarativa restrita.
Assim, por exemplo, deve fazer-se dos artigos 362°, 1320° n°1, 1326 n°1, 1351 n°1,
1563° n°1, alínea a), e 1570° n°1, do código civil uma interpretação declarativa lata, dado
que ai a palavra “homem” vale com o sentido mais lato – normal – dos dois que tem (ser
humano, ser humano do sexo masculino).
Interpretação extensiva. Fala-se de interpretação extensiva quando se chega a conclusão
de que a letra da lei é mais restrita que o seu espírito:

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O legislador minus dixit quam voluit. Fala da interpretação extensiva o artigo 11° do
código civil.
Note-se que a interpretação extensiva se deve distinguir do alargamento do campo de
aplicação de uma norma efectuada por outras (designadamente por remissão). O artigo
939° do código civil alarga a outr1os contratos o regime de compra e venda, mas não
impõe uma interpretação extensiva dos artigos 874° e seguintes. O legislador disse o que
queria no artigo 875° (por exemplo) e depois no artigo 939°.
Considere-se o artigo 877° n°1, do código civil:
“os pais e avos não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não
consentirem na venda”.
Não haverá proibição quanto aos bisavôs? Entendemos que sim, e que o caso é de
interpretação extensiva. Não há qualquer razão plausível para a limitação aos dois
primeiros graus da linha recta; o legislador minus dixit quam voluit e deve alargar-se o
preceito a todos os ascendentes.
Interpretação restritiva. Na interpretação restritiva, o intérprete limita a norma aparente,
por entender que o texto vai além do sentido – legislador maius dixit quam voluit.
Assim, quando a lei se refere a menores, o elemento sistema força a entender que se
refere só a menores não emancipados. “Menor não emancipado” não é um sentido
possível do terno ”menor” – a interpretação que fazemos é restritiva.
Também entendemos que hipnose se encontra regulada no artigo 246° do código civil
(coacção física), interpretado extensivamente.
Interpretação enunciativa. Estamos perante a interpretação enunciativa quando o
intérprete deduz da norma interpretada outras normas, afins ou periféricas, usando
designadamente dos processos referidos atrás, quando tratamos do elemento lógico da
interpretação.
Interpretação ab-rogante. A interpretação ab-rogante é a que conduz à conclusão segundo
a qual a norma não tem conteúdo valido43.

43
Não se trata da validade formal da norma, constitucionalidade, por exemplo: essa não é objecto da
interpretação. A interpretação abrogante verifica-se quando é pergunta “qual o sentido desta norma?” há a
responder nenhuma.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Em princípio, é ilícita a interpretação ab-rogante. Mas pode verificar-se em alguns casos:
uns académicos, como incompreensibilidade total da norma, outras mais viaves. Entre
estes últimos saliente-se a hipótese verificável de dois artigos contraditórios da mesma
lei, ou mais, do mesmo valor e a mesma data de entrada em vigor. O intérprete deve
esforçar-se por resolver a contradição44. Mas isso pode ser impossível. Então deve
sacrificar a norma que lhe parece menos adequada trata-se de interpretação ab-rogante
(imposta pelo elemento sistemático).

h. Integração da lei

Lacunas da lei e sua integração generalidades


Pode haver casos que devem ser regulados juridicamente, mas para os quais a lei não de
resposta imediata. Estes casos chamam-se lacunas da lei.
A actividade destinada a encontrar solução jurídica para esses casos, norma que lhe
aplicável, diz-se integração da lei. No código Civil faz-lhe referencia o artigo 10°.
“1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos
análogos.
2 Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei.
3 Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio
interprete criara, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Há aqui métodos a considerar:


A analogia;
O metido previsto no n°3 do artigo do código civil

44
O que tem procurado no caso, por exemplo, dos artigos 23° n°2 e 348° n°3, do código Civil.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

110
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110
i. Analogia

De há muito se estabelece que, não se encontrando na lei solução jurídica para um caso,
se busca uma norma que regule um caso análogo.
Quando se verifica a analogia? O n°2 do artigo 10° do código civil responde: “Há
analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação
do caso previsto na lei”.
A própria lei remete em casos particulares para analogia: ver exemplo código civil,
artigos 157°, 274° n°2, 289° n°3 e 29545.

j. Aplicação da lei

A aplicação da lei envolve dois aspectos: a determinação da norma aplicável e a fixação


da estatuição. Primeiro, há que enquadrar o caso concreto na previsão de certa norma, em
seguida, estabelece-se qual a estatuição corresponde.
Este segundo aspecto é pura interpretação – fixação do sentido e alcance de um dos
elementos da norma (a estatuição).
O primeiro, contudo – determinação da norma aplicável – é mais complexo. Há dois
factores a ter em conta: a norma e o facto. É preciso encontrar-se a norma que se ajuste
ao facto. Na realidade isso exige que o seja traduzido em conceitos recognoscíveis nas
previsões das normas.
A determinação da norma aplicável envolve dois aspectos por seu turno:

Selecção da norma;
Controlo da sua validade e vigência.
Dos milhares de normas do sistema jurídica, é necessário encontrar aquela cuja previsão
compreende os factos, devidamente qualificados.

45
Cfr. Também artigos 13° n°1, 30°, 422°, etc.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Esta tarefa é, em regra, distinta da interpretação. Esta (no que diz respeito a previsão)
procura determinação a que factos se aplica a norma; procura (a respeito a normas
sucessivamente ensaiadas) determinar se a norma se aplica a certos factos. Embora sejam
tarefas próximas e interpenetrantes, é patente a diferença.
E agora um ponto de muita importância: é acerca do domínio da selecção da norma
aplicável que nos surgem dois aspectos diferenciados que teremos de analisar
particularmente:
A aplicação das leis no tempo;
A aplicação das leis no espaço.
As normas cuja aplicabilidade se ensaia têm de ser controladas na sua vigência e
validade: tem de estar em vigor (a não ser que se apliquem como normas passadas, por
força das regras de aplicação das leis no espaço) e serem validas, não ilegalmente ou
inconstitucionalmente formadas sem contrárias a normas hierarquicamente superiores.

k. Aplicação das leis no tempo

Poderia pensar-se que desde a revogação de uma lei x (chamemos-lhe lei antiga) por uma
lei y (lei nova), a primeira nunca se aplicaria mais, só a segunda. E que nunca se
aplicariam normas jurídicas ao passado, só ao presente.
Nenhuma das duas visões é correcta. Começando pela segunda, pelo contrário a lei
aplica-se sobretudo ao passado:
Determinação a posteriori (por vezes bastante depois) as consequências de actos ou factos
realizados em momentos anteriores, julgando-os e valorando-os, atribuindo-lhes as suas
consequências.
Ora, a valoração natural dum acto é a que é que feita pela norma em vigor quando o acto
foi praticado:
Se nessa altura foi lícito, a parte tinha o direito (reconhecimento pela ordem jurídica) de o
praticar, injusto é que mais tarde venha ser julgado como ilícito e acarrete uma s1ancao.
E se de um facto resultarem efeitos jurídicos (tutelados pela lei) a favor de certa pessoa,

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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112
será sempre injusto e frustrante que esses benefícios, atribuídos pela lei, venham a ser
retirados por uma lei posterior.
Diz-se retroactiva a norma que valoriza de novo um facto passado, antes valorizado
diferentemente pela lei vigente no momento em que se verificou, e lhe atribui portanto
consequências diversas, sobretudo quando mais desfavoráveis ao destinatário da mesma
norma. A retroactividade é, pois, a qualidade da norma que altera a valorização e
consequências de factos, tal como foram fixados no momento da sua realização.

14. Metodologia jurídica

Definição
No sentido etimológico, o método é uma sequência ordenada de meios com vista a atingir
um objectivo, “uma maneira ordenada de fazer as coisas” ou como o define Edgar
MORIN, numa perspectiva cognitiva: “ o que aprende a prender, é isto o método46.
Assim, o método é um meio e não um fim. É um simples instrumento que deve permitir a
reflexão de se desenvolver.
Para René DESCARTES (1596-1650)47, O método parecia universal, todavia, hoje em
dia os métodos são vários e diversificados, não só segundo as disciplinas científicas mas
também no âmbito da mesma disciplina.
Assim, numa primeira aproximação, a metodologia jurídica é, logicamente, o estudo dos
métodos técnico-científicos e procedimentos utilizados no âmbito do Direito.
Se observar-se o fenómeno jurídico, sem preconceitos, pode-se concluir que abrange um
conjunto de mecanismo de organização das sociedades humanas e de regulação das
relações sociais (estruturas organizativas, normas de condutas, sanções). Mas
especificadamente, o Direito surge através de fontes – “ Fontes do Direito” – que,
manifestam-se através de vários substratos: constituições, leis, tratados internacionais,
regulamentos administrativos, costume, jurisprudência.

46
MORIN E., La méthode, Tome 1. La nature de la Nature, Paris, Ed. Du Seuil, 1977, p. 21-
47
Discurso do Método, Lisboa Guimarães Editores, Lda, 1997.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Nesta actividade, a Ciência do Direito, que tem objecto o fenómeno jurídico48, usa de
uma técnica de uma série de procedimentos para atingir a sistematização. Sem este
esforço conceptual, o Direito não seria praticável.
Os valares consagrados pela ordem jurídica e as regras que esta comporta não pode ser
implementada senão com o apoio de princípios, instrumentos e modos de raciocínios
específicos. François GÉNY ensinava que “Qualquer elaboração jurídica é dominada
por operações intelectuais e por metodologia, baseadas sobre princípios da lógica
comum, com uma certa flexibilidade que impõe-se pela natureza própria do objecto a
investigar: as regras jurídicas49.
Assim, a metodologia jurídica é, stricto sensu, “ o estudo dos procedimentos e dos
métodos que os juristas são conduzidos a praticar nas suas actividades de pesquisa de
criação e de aplicação do Direito e, mais geralmente, para solucionar problemas
jurídicos”.

20.1. A natureza da metodologia jurídica

A ciência define-se comumente como: “ conhecimento certo e racional sobre a natureza


das coisas ou sobre as suas condições da existência.” Todavia, autores defendem que a
questão “o que é a ciência? Não tem uma resposta científica50. Por outras palavras, “a
ciência não se conhece cientificamente e não tem nenhum meio de se conhecer
cientificamente” 51. O que existe ensina Edgar MORIN, é “ uma metodologia científica
para considerar e controlar os objectos da ciência”.52
Neste sentido, não há nenhum obstáculo em considerar o Direito como uma ciência,
como escreve Inocêncio Galvão TeLLES53: “ O direito é objecto de uma verdadeira
Ciência. Não se trata, evidentemente, de uma ciência do tipo das da Natureza; nela não se

48
VIRALLY M. “Le phénomène juridique”, RDP 1966, pp. 5-64.

49
GÉNY F. Science et techinique en privén positif. Nouvelle contribution à la critique de la méthode
juririqui, t. IV, n,ᵒ 302.

50
Vide, por exemplo, MORIN E., La méthode, Tome 1., op. Cit., p. 14.
51
MORIN E., Ibidem.
52
MORIN E., Ibidem
53

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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pode aspirar-se a total rigor, semelhante aquela a que devem chegar os, matemáticos e os
físicos.
Mas o importante é o identificação da existência de uma metodologia científica do
Direito que permite, para parafrasear Edgar MORIN, “considerar e controlar os objectos
da ciência “ do Direito.
Assim, da mesma maneira que o Direito é uma ciência, a metodologia jurídica é
também uma ciência. Com efeito, a metodologia jurídica tem o estatuto de uma
ciência porque constitui um sistema organizado de conhecimento e tem, de uma
certa forma, um caracter permanente e universal54.~

20.2. Os limites da metodologia jurídica

“O Direito não se reduz á metodologia jurídica”55. Escreve JEAN-LOUIS BERGEL, isto


permite medir os limites da metodologia jurídica.
Deve-se ainda a François GÉNY uma demonstração esclarecedora sobre os limites da
metodologia jurídica, através de observações relacionadas a questão da técnica jurídica,
isto é, dos métodos que conduzem à concretização da política jurídica entendida como o
processo que visa determinar os resultados a atingir pelas autoridades competentes.

15. A distinção da metodologia jurídica das disciplinas científicas afins

A primeira distinção a realizar é aquela que se pode estabelecer entre a metodologia


jurídica e a Filosofia do Direito. A filosofia do Direito trata da razão de ser Direito, das
suas origens, das suas finalidades em função de posições essencialmente metafisicas,
éticas, ideológicas, políticas e sociológicas56; como escreve Giorgio del VECCHIO: “A
filosofia do Direito é a ciência que define o direito na sua universidade lógica, procura
as origens e os caracteres gerais do seu desenvolvimento histórico e aprecia-lo segundo
o ideal de justiça sugerido pela razão57”
Por exemplo:
54
BERGEL J.L., “Ebauche d´une definition de la méthodologie juridique”, Cahiers méthodologie
juridique, 1990, n.ᵒ 5, p. 716.
55
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. Cit., p. 20.
56
Vide, Philosophie du droit, in, Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, Paris,
LGDJ, 2ª ed., 1993, p. 442 e seguintes.
57
Del VECCHIO G. Philosophie du droit, Paris, Ed. Dalloz, 2004, p. 16.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O filósofo do Direito perguntar-se-á se a segurança social é uma instituição justa ou de
progresso social. O jurista, diferentemente, estudará quais são os mecanismos de
pagamento das contribuições, quais são as prestações oferecidas, quais são as ligações
entre o Instituto de Segurança social e o Direito do trabalho ou Direito da família, os
critérios de acesso das prestações, etc… Para atingir esses objectivos, o jurista
recorrerá a metodologia jurídica e ou seja, aos métodos de qualificação, de
interpretação de coordenação das diversas regras de Direito.
Em segundo lugar, a metodologia jurídica integra-se e destaca-se ao mesmo tempo da
teoria geral do Direito. Com efeito, a teoria geral do Direito tem por objecto o estudo da
ordem jurídica na sua globalidade e define os eixos fundamentais da construção do
Direito e da sua aplicação58. Neste sentido, a teoria geral do Direito aproveita-se da
metodologia do Direito. Todavia, a metodologia do Direito é apenas uma parte da teoria
geral do Direito. A definição do Direito, a sua essência e as suas funções não entram no
campo de investigação da metodologia do Direito59.
Finalmente, deve-se distinguir a metodologia jurídica da epistemologia jurista, que tem
por objecto o estudo dos modos de conhecimento do direito60. A distanciação entre as
duas disciplinas incide sobre a natureza da aproximação do Direito: enquanto a
epistemologia jurídica tem fundamentalmente como objecto o pensamento jurídico
abstracto, a metodologia jurídica tem sempre uma abordagem concreta das
necessidades e dos interesses em causa.

21.1. Objecto da metodologia jurídica


A ideia da metodologia jurídica está ligada a ideia de uma construção racional do Direito
e a ideia de sistema jurídica61. Com efeito. O Direito é a disciplina que tem por objecto a
organização e a regulação de uma sociedade e as suas relações internas. O Direito, como
ordem ou como relações, deve ser percebido como um conjunto coerente de elementos
interdependentes, isto é, como um sistema62.

58
BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 2001, nᵒ 3; «Théorie Générale du
Droit», in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, p. 610.
59
BERGEL J.L., “Ébauche d´une definition de la méthodologie juridique”, op. cit., p. 712-713.
60
ATIAS C., Épistémologie juridique, Paris, PUF, 1985; “Épistémologie juridique”, in Dictionnaire
encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, p. 610.
61
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. Cit., p. 23 e seguintes.
62
BERGEL J.L., idem
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

116
116
116
Não há dúvida sobre o facto de que os sistemas jurídicos são inspirados de ideologias e
objectivos diversos que têm uma influência sobre o seu próprio conteúdo. Mas qualquer
que seja a substancia das normas jurídicas dos diferentes sistemas jurídicos, o seu
desenvolvimento, o seu funcionamento e a sua aplicação são dominadas por mecanismos,
instrumentos, modos de pensamento, conceitos, instituições que parecem comuns a todos.
O objecto essencial da metodologia jurídica é “estabelecer e aplicar soluções de
Direito a situações de facto”63. Com efeito, olhando para a actividade dos juristas,
qualquer que seja a diversidade dessa actividade e sua riqueza, esta é caracterizada por
um vaivém constante entre o facto e o Direito e consiste sempre em aplicar o Direito aos
factos, ou seja, submeter situações concretas á ordem jurídica. Para poderem fazer isso,
os juristas usa varias técnicas e métodos jurídicos para aproximar o Direito ao facto; por
exemplo a qualificação dos factos ou o raciocínio silogístico ou, pelo contrário, para
dissociar o facto do Direito, por exemplo com o recurso as ficções.

21.2. Interesse da metodologia jurídica


Pode-se observar que,
Ate a entrada em vigor da reforma curricular na Faculdade de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane em 2004, o estudo da metodologia jurídica era negligenciado. Era
uma situação bastante paradoxal.
Em primeiro lugar, do ponto de vista macro jurídico, a produção crescente de normas
jurídicas – na sua vertente quantitativa – na ordem jurídica moçambicana e a
interpenetração da ordem jurídica interna e regional ou internacional necessitam do
conhecimento e da aplicação dos métodos do Direito para garantir um entendimento
legível do conjunto dessas regras jurídicas.
Em segundo lugar, do ponto de vista micro jurídico, pode-se verificar que a maior parte
dos estudantes têm carências mais ou menos graves em metodologia do Direito. Não
dominam os princípios mais elementares da metodologia jurídica. Por várias razões e a
culpa não é apenas deles64. O corpo docente tem uma importante responsabilidade na
existência desta carência. Mas essas carências metodológicas não são apenas um facto
dos estudantes em direito. É também uma situação que se estende parcialmente ao
legislador, ao juiz e aos advogados. A metodologia legislativa – feitura de leis – é
negligenciada; a redacção dos acórdãos não é plenamente satisfatório (incoerência, falta

63
BERGEL J.L., op. Cit., p. 37.
64

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

117
117
117
de fundamentação, contradições, etc…) e os advogados têm fraquezas em termos de
argumentação, de técnicas de negociação e redacção de contratos65, por exemplos.
Assim, impõe-se a todos os práticos do Direito, no sentido material da palavra, o estudo
atento das regras que dominam os procedimentos intelectuais dos juristas.
Assim, ser bom jurista66, não consiste em conhecer todas as regras duma determinada
ordem jurídica (dificilmente concebível na pratica). O conhecimento do Direito não se
reduz a uma boa memória. Sobre este aspecto, o homem não pode rivalizar-se com o
computador.
Ser bom jurista pressupõe dominar métodos e procedimentos fundamentados sobre uma
lógica e raciocínios específicos, instrumentos técnicos, classificações e uma terminologia
rica e precisa; é ainda, compreender a totalidade das dimensões do Direito e gozar da
possibilidade de construir e perpetuar o que se estuda e inscrever o seu pensamento numa
finalidade normativa67.
Finalmente, dominar a coerência e a racionalidade do Direito e estudar a sua lógica e as
suas técnicas permite identificar melhor as regras de direito e interpretá-las e aplica-las
com melhor segurança.

21.3. Os objectos do curso

O ensino da metodologia jurídica aos estudantes é indispensável pela compreensão do


Direito e pela sua aplicação. Assim, para atingir esses objectivos gerais, os objectivos
mais específicos devem ser realçados.
O primeiro objectivo a atingir é a formação do espirito jurídico e a aquisição do
pensamento jurídico68. Com efeito, o jurista deve ser capaz de pensar o real, de
dominar um sistema de normas e de procurar e inventar, se for o caso, soluções aos
problemas jurídicos que lhe são colocados; como escreve MARIE-ANNE

65

66
JEAN CARBONNIER defende que a função do jurista é constituída pela reunião de quatro ciências:
“ciência das sistematizações” ou ciência da classificação; “ciência da interpretação” ou hermenêutica,
“ciência da criação normativa” ou “ciência da legislação” e “ciência sociológico ou estudo dos fenómenos,
citado por, LOUIS ASSIER-ANDRIEU, Le droit dans les sociétés humaines, op. Cit., p.10.
67
ASSIER-ANDRIEU L., op. Cit., p. 10
68
COHENDET M.A., Méthodes de travail. Droit Public, Ed. Montchrestien, E.J.A., 1994. P. 17 e seguintes
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

118
118
118
COHENDET, ” O Direito é, ao mesmo tempo, a escola da reflexão e da imaginação”69.
Por outras palavras, a acumulação de conhecimentos não é suficiente para o jurista que
precisa de mais uma formação do seu pensamento do que memorizar regras efémeras e
especializadas. No início da sua formação, como no topo da sua vida profissional,
qualquer jurista tem a necessidade de conhecer e de implementar instrumentos, técnicos e
modos de raciocínio.
O segundo objectivo tem directamente a ver com o lugar do jurista num Estado do
Direito. Neste tipo de sociedade, o jurista não deve ser percebido como um travão mas,
pelo contrário, como um ser favorecendo a acção e a inovação. Para atingir este
objectivo, é preciso pôr em evidência o espírito, a coerência e a racionalidade do direito,
estudando a sua lógica e sua técnica. Essas aproximações contribuem todas em mesmo
tempo, na melhoria as normas jurídicas existentes e no funcionamento das instituições,
bem como, as relações jurídicas, que terão vocação a ser praticadas numa determinada
ordem jurídica.
Finalmente, a ambição deste curso é de melhorar os resultados dos estudantes mudando a
sua maneira de trabalhar. De qualquer forma, um processo de aprendizagem como este,
apenas pode ser gradual.
Assim, a metodologia jurídica aparece ao mesmo tempo como uma disciplina
transversal, porque tem uma vocação de intervir em qualquer ramo do direito, e
permanente porque os juristas deverão utilizar as suas técnicas durante toda a sua
vida profissional.

16. Finanças públicas e direito financeiro

As finanças públicas referem-se à aquisição e utilização de meios financeiros pelas


entidades públicas. Por outras palavras, dizem respeito as receitas e despesas do Estado,
dos municípios e das entidades para estaduais. O seu estudo abarca aspectos como o
orçamento, as despesas e receitas públicas e sua utilização como instrumento de política
económica e social.
As finanças públicas existem porque existe a necessidade do Estado realizar despesas e,
consequentemente, cobrar receitas:
 O Estado tem como finalidade a satisfação de necessidade colectivas, tais como a
segurança e ordem pública, a defesa nacional, a administração da justiça, o

69
COHENDET M.A., op. Cit., p. 17.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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119
119
acesso á educação e saúde, a existência de infra-estrutura económicas e sociais e
a estabilidade macroeconómica.
 Tem também como objectivo atingir certos objectivos de política económica e
social, como a redução da pobreza, a redistribuição do rendimento e o
desenvolvimento económico.
A fim de alcançar tais objectivo, o Estado ve-se obrigado a despender recursos, a
efectuar despesas. Para financiar as suas despesas, o Estado necessita de
arrecadar receitas. Temos, pois, os impostos, as taxas, as receitas patrimonias, os
donativos e os empréstimos públicos. De salientar que estas receitas cumprem
outras funções para além do financiamento da despesas publica:
 Os impostos podem ser utilizados como instrumento de política comercial
(protecção de determinados sectores económicos), ambiental (penalização de
certas actividades poluidoras), social (redistribuição do rendimento) ou
macroeconómica (estabilização macroeconómica).
 A emissão e o reembolso de títulos de pública (empréstimos públicos) podem ter
como objectivo o aumento ou a redução da quantidade de moeda em circulação,
assim como o desenvolvimento do mercado de capitais.
 A alienação de empresas estatais (uma receita patrimonial) tem por detrás
objectivos que não se cingem á mera arrecadação de receitas, tais como o
aumento da eficiência económica, a transformação do papel do Estado na
economia, a expansão do investimento e a melhoria dos serviços públicos.
Podemos, definir a actividade financeira do Estado como sendo aquela que visa
satisfazer necessidades colectivas ou alcançar outro tipo de objectivos
económicos, políticos e sociais e que se concretiza na arrecadação de receitas e
na realização de despesas.

17. Economia política

Instrumento da Política Macroeconómica


São variáveis económicas controladas pelo governo que podem afectar um ou mais
objectivos macroeconomia.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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23.2. Política Fiscal

Corresponde ao uso de imposto e despesa pública. Esta determina a dimensão relativa dos
sectores publico e privado, isto é, qual a parcela do PNB que é consumida colectivamente
e não de modo privado. Em geral a despesa pública afecta o nível global da despesa da
economia e dessa forma o nível do PNB.
Os impostos reduzem o rendimento dos indivíduos e consequentemente o montante gasto
pelas pessoas na aquisição de bens e serviços, e reduz a procura desse bens e serviços e
finalmente faz baixar o PNB.
Além disso os impostos afectam os preços de mercado e desse modo influenciam os
incentivos e comportamentos. Ninguém gosta de pagar impostos, por isso onde a carga
fiscal é maior o investimento é menos, e ainda há a fuga ao fisco, é dai que o Tesouro
queira alargar a base tributária e moralizar a sociedade.

23.3. Politica Monetária

Com este instrumento o Governo dirige a gestao da moeda, do crédito e do sistema


banacario do gestao da moeda influencia variáveis financeiras e económicas tais como a
taxa de juro, níveis de preços e taxas de câmbio. Uma redução da oferta da moeda
aumenta as taxas de juro e reduz o investimento e consequentemente reduz o PIB e a
inflação. O inverso também acontece.

23.4. Politica Económica Internacional

Caracteriza-se pela política comercial, e consiste nas tarifas alfandegárias, quotas de


importação e exportação, e pela política de câmbio cuja taxa representa o preço da moeda
nacional. Os câmbios podem ser fixos ou determinados pela procura e oferta.
As políticas económicas internacionais quando aplicados com certa severidade causam
perturbações e externalidades, casos típicos os embargos e as sanções (cuba, Iraque,
Rodesia do Sul, etc.).

23.5. Política de rendimentos

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Quando a inflação ameaça ficar fora do controlo, os governos estabilizar os preços
através de medidas fiscais ou monetárias que reduzem o produto e aumentam o
desemprego, mas isso é bastante oneroso com a perca de grande parte do PNB.
A política macroeconómica exige uma escolha entre os objectivos concorrenciais, não se
pode ter um crescimento rápido e consumo elevado.
A redução da inflação exige ou um grande período de desemprego e de fraco produto ou
a interferência nos mercados livres através da política de rendimentos. A redução do
défice comercial exige a redução de consumo interno e do investimento.
De todos estes objectivos mais difícil de alcançar é o plano emprego de mão-de-obra e
dos recursos. Mas o povo e eleitores exigem ambas as coisas.
O alto nível do produto e emprego fazem aumentar os preços (capacidade de compra) e
salários e a inflação tende aumentar em períodos de rápido crescimento económico.
O antagonismo entre o desemprego e a inflação é a mais dura dor de cabeça dos
governantes.
Quando os preços e salários são estabelecidos em mercados livres, uma política para
redução de inflação leva a um grande desemprego e grandes hiatos do PNB.
Inversamente, se um país deseja crescer rapidamente e beneficiar de um reduzido
desemprego a inflação ira subir.

23.6. Noções de oferta e procura agregada

A oferta agregada (AS) refere-se a quantidade total de bens e serviços que as empresas de
uns países estão dispostas a produzir e vender num dado período e depende do nível de
preços, capacidade produtivo da economia e do nível de custos.
Em geral as empresas gostariam de produzir na sua capacidade máxima e vender toda a
sua produção mas factores como preços e os níveis de despesas podem reduzir e as
empresas deparam-se com um excesso de capacidade. Inversamente nos períodos de
guerra as fábricas operam na sua máxima capacidade mas o produto não chega para as
encomendas.
Produto potencial é determinado pela disponibilidade de factores produtivos (T,K,W) e
da eficiência com que estes factores são combinados, isto é, tecnologia existente.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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A procura agregada (AD) é a quantidade total que os diferentes sectores da economia
estão dispostos a gastar num dado período, isto é, é soma das despesas dos consumidores
individuais, empresas e outros e outros agentes, é igual á despesa total da economia.
A procura agregada, depende do nível de preços, da política monetária, política fiscal e
outros factores.
O produto nacional e o nível de preços dependem essencialmente da oferta e procura
agregada.

18. Teoria Geral do direito civil I

O direito civil, portanto, é o subsistema de normas jurídicas que regula as relações entre
particulares.
O direito civil regula a relação jurídica na sua forma mais simples. A relação pública
exige características especiais do sujeito, a relação comercial e laboral são também
relações jurídicas com notas especiais. A relação jurídica entre duas pessoas, sem mais
nota relevante, é relação jurídica.

a. Subclassificação do direito civil

O direito civil, que disciplina em regra toda a actividade dos particulares, é tão vasto e
complexo quanto esta mesma actividade. Dai resulta a necessidade, sobretudo para
efeitos de estudo, da sua divisão em sub-ramos.
A classificação tradicional neste domínio é a chamada classificação germânica do direito
civil, a qual o distingue em quatro partes:
Direito das obrigações
Direito das coisas (no plano subjectivo, direitos reais);
Direito da família
Direito das sucessões.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Dto. Administrativo
Dto. Constitucional
Direito público Dto. Penal
Dto. Fiscal
Direito em Dto. Processual
Sentido Dto. Internacional Público
Subjectivo

Dto. Obrigações
Dto. Coisas
Dto. Civil Dto. Família
Dto. Sucessões
Direito privado

Dto. Comercial

Dto. Trabalho

Dto. Internacional privado

Código Civil
1. Livro I - Parte Geral
2. Livro II - Obrigações
3. Livro III - Direito das coisas
4. Livro IV - Direito da família
5. Livro V - Direito das sucessões

Foi seu autor mais remoto o alemão GUSTAV HUGO, o qual, numa obra em 1789,
dividia o direito civil em cinco partes: direitos reais, obrigações, direito de família, direito
hereditário, processa. Esta classificação foi aceite por HEISE e, em seguida, com
supressão do processo, defendida pelo grande jurista alemão FRIEDRICH CARL VON
SAVIGNY. A autoridade europeia de SAVIGNY faz que esta obra alcance aceitação
geral. Sobretudo por haver sido também perfilhada por outro grande jurisconsulto alemão
do século XIX, BERNARD WINDSCHEID.
Esta classificação forma a base da sistematização do nosso actual Código Civil, de 1966,
o qual se divide em cinco livros:
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

124
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Livro I, Parte Geral;
Livro II, Direito das obrigações;
Livro III, Direitos das coisas;
Livro IV, Direitos da família;
Livro V, Direito das sucessões.
Também, os estudos de direito civil nas Faculdades de Direito portugueses se estruturam
com base nesta classificação.

Geral Livro I Art.66º ao 396º


Direito Civil
Livro II
Especial Livro III
Livro IV
Livro V

Dos livros que constituem o CC, iremos apenas estudar o Livro I, denominado de Parte
Geral. Este livro contém as regras gerais aplicáveis ao Direito Civil.

O Direito Civil é um ramo do direito privado e, inserido neste encontramos o Direito das
coisas, da família, das obrigações e das sucessões.
O direito civil contém disposições que são aplicáveis aos restantes ramos de direito
privado; a todas as relações jurídico privadas e, não apenas aos direitos que no próprio
direito civil se inserem.
Dentro do direito privado encontramos o direito privado comum e o direito privado
especial, ex. Direito do trabalho
O Direito civil não se aplica quando exista uma norma específica que regule esse assunto.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

125
125
125
O Direito civil geral ou comum, encontra-se no Livro I do CC e o direito civil especial
encontra-se nos restantes Livros.

O Direito Civil é a base do Direito em geral

Divisão da Teoria geral do ordenamento jurídico civil = Norma Jurídica

Teoria geral do
Direito Civil Teoria geral da relação jurídica civil

Nota: O Código Civil vigente data de 1966. O primeiro código civil português data de
1877, denominado de Seabra. O nosso actual código deriva do modelo germânico (Plano
Savigny)

Ordenamento jurídico = conjunto de normas

A fonte do direito Civil, no sentido do diploma onde podemos encontrar as normas


jurídicas civis, é o CC bem como a legislação avulsa posterior e algumas das normas
civis constantes na CRP. Dessas normas podemos enunciar os direitos, garantias e
liberdades constantes da mesma (direito à vida, à identidade, à intimidade, ao bom
nome…)

1. Os princípios fundamentais de Direito

Existem nove princípios base para as normas do Direito Civil (sete no manual):
1º. Personificação jurídica do Homem;
2º. Reconhecimento do Direitos de personalidade;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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3º. Igualdade dos Homens perante a lei;
4º. Reconhecimento da família como instrumento fundamental;
5º. Personalidade colectiva;
6º. Autonomia privada;
7º. Responsabilidade civil;
8º. Propriedade privada;
9º. Reconhecimento do fenómeno sucessório

Princípio da personificação jurídica do homem


O Homem é a figura central de todo o direito. No Direito Civil há uma tendência
humanista e aí o Homem e os seus direitos constituem o ponto mais importante do
tratamento dos conflitos de interesse que são regidos pelo Direito Civil Português.
Todos os Homens são iguais perante a lei. A Personalidade Jurídica do Homem é imposta
ao Direito como um conjunto de fundamentos de vária ordem, como sendo um valor
irrecusável. O art. 1º da CRP é quem reconhece este princípio. No art. 12º CRP é também
frisado. Este princípio ganha mais importância quando no art. 16º/2 CRP diz que os
preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem. O art. 66º CC diz que, a personalidade adquire-se no momento do nascimento
completo e com vida. A própria Personalidade Jurídica é indispensável. No art. 69º,
ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua Capacidade Jurídica. A
Personalidade Jurídica é uma qualidade imposta ao Direito e que encontra projecção na
dignidade humana.

Princípio do reconhecimento dos direitos de personalidade


Reconhecimento de um círculo fundamental de direitos de personalidade. Têm um
conteúdo útil e de total protecção para o Homem.
Personificar o Homem envolve um conjunto máximo de direitos de conteúdo não
patrimonial.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Princípio da igualdade dos homens perante a lei
O Princípio da Igualdade dos Homens Perante a Lei encontra-se na Constituição no seu
art. 13º. Não se deixa de referir na Constituição o princípio de tratar desigual aquilo que é
desigual.
A Lei Constitucional proíbe todas as formas de discriminação.

Princípio do reconhecimento da família como instrumento fundamental


A Constituição reconhece a família como elemento fundamental da sociedade. Esta
qualidade é pressuposto da protecção que a sociedade e o Estado devem à família. O art.
67º/1 CRP diz que “a Família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à
protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam
a realização pessoal dos seus membros”.
Esta tutela é assegurada à família pela Constituição, assente num conjunto de linhas
fundamentais:
1. Reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade com a
inerente consagração do direito de todos os cidadãos a contraírem casamento e a
constituírem família, conforme o art. 36º/1 CRP;
2. Afirmação da liberdade de constituir família sem dependência do casamento.
Princípio da igualdade de tratamento da família constituída deste modo ou por via do
casamento;
3. A afirmação do carácter essencialmente laico do casamento e a possibilidade de
dissolução do mesmo por divórcio, independentemente da forma de celebração (art. 36º/2
CRP);
4. A maternidade e paternidade constituem valores sociais imanentes, art. 68º/2 CRP;
5. Reconhecimento do carácter insubstituível dos progenitores em relação à pessoa
dos seus filhos no que toca à sua integral realização como homens, arts. 68º/2, 36º/5/6
CRP.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Princípio da personalidade colectiva
As Pessoas Colectivas jurídicas criadas pelo efeito do Direito demarcam-se das pessoas
jurídicas singulares, embora funcionem também com centros autónomos de imputação de
direitos e deveres, art. 12º/2 CRP, as Pessoas Colectivas gozam de direitos e estão
sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. Este artigo reconhece uma
individualidade própria às Pessoas Colectivas quando afirma que elas gozam de direitos
que são compatíveis à sua natureza.

Princípio da autonomia privada


Os efeitos só se produzem na medida em que o Direito os admite ou prevê. Isto porque
são fenómenos criados pelo Direito.
Este princípio está directamente ligado ao princípio da liberdade contratual, segundo o
qual, é lícito tudo o que não é proibido. A este princípio contrapõe-se o princípio da
competência. Segundo este, só é lícito aquilo que é permitido.
Princípio da responsabilidade civil
Encontra fundamento no princípio da liberdade do Homem. Esta ideia assentava na
imputação psicológica do acto do agente.
Com a evolução das relações comerciais passou a surgir um conceito de responsabilidade
objectiva. Já não tem a ver com o dolo do agente mas sim com o risco que acompanha
toda a actividade humana.

Princípio da propriedade privada


A tutela constitucional da propriedade privada está expressamente consagrada no art.
62º/1 CRP, segundo o qual “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua
transmissão em vida ou em morte, nos termos da constituição”, bem como nos arts. 61º e
88º CRP, relativos à tutela da iniciativa e da propriedade privadas.
O Código Civil, não define o direito de propriedade, mas o art. 1305º caracteriza-o,
dizendo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição
e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância
das restrições por ela impostas”.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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129
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· Sector Público: bens e unidades de produção pertencentes ao Estado ou a outras
entidades públicas, art. 82º/2 CRP;
· Sector Privado: pertencem os meios de produção da propriedade e gestão privada
que não se enquadre no sector público nem no cooperativo, art. 82º/3 CRP;
· Sector Cooperativo: o sector cooperativo refere-se aos meios de produção
possuídos e geridos pelas cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos; aos
meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais; aos meios
de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores, art. 82º/4 CRP.

O princípio sucessório
A ordem jurídica portuguesa reconhece o fenómeno da sucessão mortis causa. No nosso
sistema jurídico, este princípio decorre do corolário lógico do reconhecimento da
propriedade privada, art. 62º/1 CRP.
Princípio da transmissibilidade da generalidade dos bens patrimoniais, ex. vi legis: arts.
2024º, 2025º, 2156º (quota indisponível).
Quota indisponível, o titular dos bens tem uma ampla liberdade para testar. Por este efeito
pode afastar da sucessão um conjunto de familiares que não estejam incluídos no
conceito de pequena família. A sucessão legitimária, funciona sempre a favor dos
herdeiros legitimários: cônjuge, descendentes ascendentes.

Livro I
Artigos 1º a 14º - Parte geral de introdução ao direito
Capítulo III – artigos 15º a 65º - Direitos dos estrangeiros
Título II – artigos 66º a 396º - das Relações Jurídicas
O artigo 66º, nº 2 do C.C. estabelece que os direitos reconhecidos por lei aos nascituros
dependem do seu nascimento, ou seja, apesar de não terem ainda personalidade jurídica e,
portanto não serem sujeitos de direito (artigo 66, nº 1 C.C.) a nossa lei reconhece aos
nascituros “direitos”embora dependentes do seu nascimento completo e com vida (art.
66, nº 2).

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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130
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Principio do reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade – arts. 66º a
81º.
Personalidade – Conceito mais importante do Direito, pois diz respeito às pessoas, ao
ser humano, é a matéria mais nobre do direito, artigo 66º.
Personalidade Jurídica – Aptidão para ser titular/sujeito de relações jurídicas direitos e
obrigações. È uma qualidade dos seres humanos, adquirida no momento do nascimento
completo e com vida (pessoa singular). As empresas também têm personalidade jurídica,
trata-se de pessoas colectivas.
A Personalidade Jurídica traduz-se precisamente na susceptibilidade de ser titular de
direitos e se estar adstrito a vinculações, art. 66º/1 CC.
À Personalidade Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou a Capacidade de Gozo de
direitos (art. 67º CC).

A personalidade jurídica acaba com a morte, isto é, os direitos e obrigações cessam para
o falecido. Art 68° CC.
“decujus” – Morto / Falecido
Relativamente a determinados direitos e obrigações cessam para si que morre, mas são
transmitidos para os herdeiros.

Os que passam para os herdeiros são os materiais e os que não passam são os pessoais.
Os direitos patrimoniais, avaliados em dinheiro transmitem-se; os direitos pessoais como
o é o direito à vida, à honra, não se transmitem, são os chamados direitos de
personalidade.
O direito para a pessoa que morre desaparece, no entanto, os seus familiares têm o direito
de exigir que sejam respeitados os direitos de personalidade (art.71º CC). Existe o direito
de salvaguardar a imagem, a reputação, por parte dos familiares daquele que já partiu.

Direito Personalidade

Cessa com a Morte

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Direito à Vida
Direito Nome
Imagem
Honra

Estes podem no entanto ser evocados segundo o artigo 71º CC “Ofensas a pessoas já
falecidas”

Segundo o Prof. Capelo de Sousa, que estudou os direitos de personalidade durante


20 anos, para ele. Os Direitos de Personalidade são Direitos Subjectivos (são
privados), absolutos (os direitos podem ser absolutos, como é o caso do direito de
personalidade e os direitos reais, ou direitos relativos, que são os direitos de crédito),
gerais, extrapatrimoniais, (não são avaliáveis em dinheiro) inatos, (surgem com o
nascimento) perpétuos, (duram toda vida) intransmissíveis, (não podemos transmitir para
outra pessoa, são nossos para toda a vida) relativamente indisponíveis, tendo por objecto
os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o
desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a
absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou
ameacem ofender a personalidade alheia sem o que (ou sob pena) de incorrerem em
responsabilidade civil e/ou na sujeição às providencias cíveis adequáveis a evitar a
consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida.
Explicação da razão do Prof. Capelo de Sousa.
Os direitos absolutos são direitos que se opõem a todas as pessoas, que se impõe. Os
direitos absolutos devem ser respeitados por todas as pessoas à face da terra. Ex: O
direito á vida é absoluto, porque se impõe a todas as pessoas e está acima de todos os
outros direitos e por isso deve ser respeitado.

Capacidade jurídica
À Personalidade Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou Capacidade de Gozo de
direitos. O art. 67º CC, traduzindo esta inerência, estabelece que “as pessoas podem ser
sujeitas de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição em contrário: nisto consiste a
sua Capacidade Jurídica”.
A Capacidade de Exercício, é a idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos
ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por acto próprio e
exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procurador, isto é, um
representante escolhido pelo próprio representado. A pessoa, dotada da Capacidade de
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Exercício de direitos, age pessoalmente, isto é, não carece de ser substituída, na prática
dos actos que movimentam a sua esfera jurídica, por um representante legal, e age
autonomamente, isto é, não carece de consentimento, anterior ou posterior ao acto, de
outra.
Quando esta capacidade de actuar pessoalmente e autonomamente falta, estamos perante
a Incapacidade de Exercício de direitos. Esta pode ser específica ou genérica.
A Incapacidade de Exercício genérica, é quando uma pessoa não pode praticar todos os
actos.
A Incapacidade de Exercício específica, é quando uma pessoa não pode praticar alguns
actos.

Pessoas singulares e começo da personalidade

A categoria da pessoa singular é própria do homem. No que toca à personalidade, o


Ordenamento Jurídico português, sobretudo a Constituição, no art. 13º/2, não admite
qualquer desigualdade ou privilégio em razão de nenhum dos aspectos lá focados.
A personalidade, nos termos do art. 66º/1 CC, adquire-se no momento do nascimento
completo e com vida.
Para o Direito Português adquire-se Personalidade Jurídica quando há vida,
independentemente do tempo que se está vivo. A durabilidade não tem importância para a
Personalidade Jurídica, geralmente, o “ponto” de referência para o começo da
Personalidade Jurídica é a constatação da existência de respiração. Isto porque a
respiração vem significar o começo de vida.

Condição jurídica dos nascituros


A lei portuguesa parece atribuir direitos a pessoas ainda não nascidas – os nascituros. Isto
quer para os nascituros já concebidos, como para os ainda não concebidos – os
concepturos.
A lei permite que se façam doações aos nascituros concebidos ou não concebidos (art.
952º CC) e se defiram sucessões – sem qualquer restrição, quanto aos concebidos (art.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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2033º/1 CC) e apenas testamentária e contratualmente, quando aos não concebidos (art.
2033º/2 CC).
A lei admite ainda o reconhecimento dos filhos concebidos fora do matrimónio (arts.
1847º, 1854º, 1855 CC).
No entanto, o art. 66º/2, estabelece que os direitos reconhecidos por lei aos nascituros
dependem do seu nascimento.

Termo da personalidade jurídica


a) Morte: nos termos do art. 68º/1 CC, a personalidade cessa com a morte. No
momento da morte, a pessoa perde, assim, os direitos e deveres da sua esfera jurídica,
extinguindo-se os de natureza pessoal e transmitindo-se para seus sucessores mortis
causa os de natureza patrimonial. Mas, os direitos de personalidade gozam igualmente de
protecção depois da morte do respectivo titular (art. 71º/1 CC).
b) Presunção de comoriência: nos termos do art. 68º/2 CC, “quando certo efeito
jurídico depender da sobrevivência de uma outra pessoa, presume-se em caso de dúvida,
que uma e outra falecem ao mesmo tempo”. Consagra-se, neste número, uma presunção
de comoriência (isto é, mortes simultâneas) susceptível de prova em contrário –
presunção iuris tantum.
c) O desaparecimento da pessoa (art. 68º/3): “tem-se por falecida a pessoa cujo
cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em
circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela”. Parece dever-se aplicar as
regras de morte presumida (arts. 114 seg. CC).

Sujeitos das relações jurídicas:


- Pessoas singulares (pessoas humanas)
- Pessoas colectivas

Art.66º da CC – A personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento


completo e com vida (corte do cordão umbilical) e termina com a morte – art.68º nº1.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Os nascituros não têm personalidade jurídica, só a obtêm depois do nascimento completo
e com vida

Art.68º nº1 – a personalidade jurídica termina com a morte


Art.68º nº2 – presunção da comoriência (quando se presume que duas pessoas faleceram
ao mesmo tempo
Art.68º nº3 – Presunção de morte muito certa
Considera-se que a pessoa faleceu através de uma acção judicial. È a sentença judicial
que atesta com certeza o óbito.
Art.114º - Quando há hipóteses de sobrevivência, esta presunção permite duvidar.

Personalidade jurídica – a aptidão para se ser titular de relações jurídicas, direitos e


obrigações – conceito qualitativo.

Capacidade jurídica
É a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é susceptível, art. 67º CC,
traduzindo esta inerência, estabelece que “as pessoas podem ser sujeitos de quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste na sua Capacidade
Jurídica”.
A Capacidade divide-se em Capacidade de Gozo, é a medida de direitos e vinculações de
que uma pessoa pode ser titular e a que pode estar adstrita. Capacidade de Exercício,
consiste na medida de direitos e de vinculações que uma pessoa pode exercer por si só
pessoal e livremente.
Enquanto na Capacidade de Gozo esta coloca-se no plano abstracto da titularidade de
situações jurídicas, na Capacidade de Exercício estamos já no plano concreto de
averiguar em que medida certa pessoa pode exercer os direitos ou cumprir as obrigações
que na verdade lhe podem caber enquanto sujeito. Pode haver Capacidade de Gozo e não
haver Capacidade de Exercício.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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A Capacidade Genérica é quando a generalidade dos direitos e das vinculações
reconhecidas pela ordem jurídica. (art. 67º CC). A Capacidade Específica, é a capacidade
das pessoas num âmbito mais restrito de apenas abranger certas categorias e vinculações
de direito, ex. Pessoas Colectivas, art. 160º/1 CC.
Por oposto existe a Incapacidade Jurídica, que é a medida de direitos e vinculações de
que uma pessoa não é susceptível. Há pessoas que são titulares da Capacidade de Gozo,
mas não de exercício. Pode-se ter Capacidade de Gozo genérica e não ter uma
Capacidade de Exercício genérica, ex. menores.
A Incapacidade de Gozo não admite suprimento, enquanto que a Capacidade de
Exercício é suprível.
A Incapacidade de Gozo reporta-se à titularidade de direitos e vinculações de que uma
pessoa pode gozar. Neste campo não é viável suprir uma incapacidade.
Na Incapacidade de Exercício está em causa a impossibilidade de certa pessoa que é
titular de um determinado direito, exercê-lo pessoalmente. No entanto, já é viável a outra
pessoa que venha a exercer esse mesmo direito em conjunto com o incapaz, ou em
substituição deste. A ideia de suprimento é sempre inerente à ideia de Capacidade de
Exercício.

Regime de capacidade jurídica


Aptidão para se ser titular de um numero mais ou menos amplo de ralações judiciais. È
inerente à personalidade jurídica.
É um conceito quantitativo, ou se tem mais ou menos, muitas ou poucas relações
jurídicas.
Esta capacidade varia conforme as pessoas. A esfera jurídica de um pode ser menor que a
de outro (já a personalidade jurídica não varia).
Isto resulta do art.67º - sujeitos de relação jurídica = capacidade jurídica.
A capacidade jurídica (designação mais utilizada na lei) também pode ser designada
como a capacidade de gozo de direitos (mais utilizada pela doutrina)

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Capacidade para o exercício de direitos (também para o cumprimento de obrigações), é a
idoneidade para actuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres por acto
próprio e exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procurador.
Este conceito também é designado por capacidade de agir Todo o ser humano tem
personalidade jurídica, capacidade jurídica ou de gozo e capacidade para o exercício de
direito.
Incapacidade de gozo de direito – É a falta de aptidão para se ser titular de um número
mais ou menos amplo de ralações judiciais

São excepções à capacidade de gozo:


Incapacidades absolutas (porque aplicáveis a todas as pessoas)
Menores (aqueles que têm menos de 18 anos de idade)
- Incapacidade para casar (16 anos) – 1601º CC
- Incapacidade para perfilhar – 1850º CC Consequência: anulabilidade
- Incapacidade para testar – Consequência: nulidade

Art.1601º
Consequência – 1631º
Quem pode anular – 1639º
Prazo – 1643º

Incapacidade relativa (porque dizem respeito a apenas algumas pessoas) – 2192º a


2198º
O mesmo regime aplica-se ao 953º - “mutatis mutandis”
Consequência: nulidade

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Incapacidade de exercício de direitos:
- Menoridade – art.122º e seguintes
- Interdição – art.138 e seguintes
- Inabilitação – art.152º e seguintes

Estas incapacidades são supríveis mediante dois Institutos:

Menoridade

Representação legal
Interdição

O representante actua em nome do representado. A lei admite que outra pessoa possa
exercer direitos e cumprir deveres por aquelas pessoas.

Assistência Inabilitado

Autoriza o inabilitado a agir. Consiste numa pessoa que é o curador, a autorizar o


inabilitado a exercer direitos e a cumprir obrigações. Aqui são duas pessoas que agem –
uma que pratica o acto, outra que autoriza o acto, se assim não for, o negócio não é
válido.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Formas de suprimento da incapacidade

São os meios de actuação estabelecidos pelo Direito, tendo em vista o efectivo exercício
dos direitos e o cumprimento das obrigações do incapaz. Implicam sempre a intervenção
de terceiros.
Existem duas formas de suprimento: a representação e a assistência.
A representação, quando o incapaz não é admitido a exercer os seus direitos
pessoalmente. Para suprir a sua incapacidade tem de aparecer outra pessoa que actue em
lugar do incapaz. (art. 258º CC, efeitos de representação). Os actos praticados por esta
outra pessoa é um acto juridicamente, tido pelo Direito como se fosse um acto praticado
pelo incapaz.
A assistência, situações em que certas pessoas são admitidas a exercer livremente os seus
direitos. Nestes casos, o incapaz, pode exigir mas não sozinho. Ou seja, o suprimento da
incapacidade impõe única e simplesmente que outra pessoa actue juntamente com o
incapaz. Para que os actos sejam válidos, é necessário que haja um concurso de vontade
do incapaz e do assistente. Há sempre um fenómeno de conjugação de vontades, isto
porque o incapaz pode agir pessoalmente mas não livremente.

Menoridade
Menoridade – Todo aquele que não tiver completado 18 anos é menor, é incapaz para o
exercício de direitos (ou aquele que não é emancipado)
Suprimento:
Regulamentação legal - art.124º
- Pelo poder paternal – art.1877º e seguintes e subsidiariamente pela tutela – 1927º e
seguintes.

Art.125º → Norma especial da anulabilidade dos actos dos menores que afasta o regime
geral do art.287º
Quem pode requerer: a); b) e c) do 125º, substituindo o art.287º nº1.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O art.287º nº2 aplica-se aos menores.

Nota:

Invalidade – porque não são conforme a lei.

Duas formas de invalidade negocial (art.285º e seguintes):

Nulidade: declaração de nulidade. É de conhecimento oficioso, o juiz ao aperceber-se que o


negócio é nulo, declara-o nulo oficiosamente sem necessidade de pedido. No caso de haver
pedido também o declara nulo. Pode ser requerido pelos legítimos interessados e é digno de
protecção legal a todo o tempo.

Resumindo: é de conhecimento oficioso, pode ser requerido por qualquer interessado a todo
o tempo.

Anulabilidade (art.287º): Não é de conhecimento oficioso, apenas pode ser requerido pelas
pessoas cujo interesse a lei reconhece e no prazo de um ano.

Se ninguém o suscitar, mesmo que o juiz se aperceba daquela invalidade no decurso de


outro processo, ele não vai reconhecer a sua anulabilidade. Efeitos – art.289º com remissão
para o 125º. Retroactividade (muito importante)

Menoridade
A incapacidade dos menores começa com o seu nascimento e cessa aos dezoito anos
(sistema genérico).
O sistema genérico divide-se em: sistema genérico rígido, em que a idade funciona como
uma fronteira inelutável entre a capacidade e a incapacidade.

E o sistema genérico gradativo, em que há uma ideia de evolução progressiva.


Diminuição da incapacidade com a progressão do tempo. A pessoa vai-se tornando mais
capaz.
O sistema que vigora em Portugal é um sistema fixo ou rígido, no entanto o legislador
português introduziu elementos de atenuação dessa rigidez.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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É rígido porque se atribuiu uma idade (18 anos), no entanto há três momentos
fundamentais que envolvem uma grande modificação jurídica do menor.
1º. Momento, aos sete anos: há a partir daqui um termo de presunção de
imputabilidade do menor (art. 488º/2 CC);
2º. Momento, aos quatorze anos: a partir desta idade tende a se intender à
vontade do menor na resolução dos assuntos do seu interesse (art. 1901º/2 CC).
3º. Momento, aos dezasseis anos: verifica-se o alargamento da Capacidade de
Gozo e de exercício do menor (arts. 1850º. 1856º, 127º/1-a CC).
O alargamento da Capacidade de Exercício verifica-se, pois a partir do momento em que
o menor pode casar.
O alargamento da Incapacidade de Exercício verifica-se no art. 1878º/2 CC, os pais têm
de ter em consideração os interesses dos menores. Devem ainda ter em conta a
maturidade do filho.
A maioridade atinge-se aos dezoito anos (art. 122º, 130º CC).
A incapacidade do menor também pode cessar através da emancipação, esta faz cessar a
incapacidade mas não a condição de menor (arts. 133º, 1649º CC). Em Portugal a
emancipação só é feita através do casamento (arts. 132º, 1601º CC).

Tutela
É o meio subsidiário ou sucedâneo de suprir a incapacidade do menor nos casos em que o
poder paternal não pode em absoluto ser exercido. Portanto, é o meio normal de
suprimento do poder paternal. Deve ser instaurado sempre que se verifique algumas das
situações previstas no art. 1921º CC. Estão nela integradas o tutor, protutor, o conselho
de família e como órgão de controlo e vigilância, o Tribunal de menores.

Quando é que a tutela é instituída?


O art. 1921º regula a instituição da tutela.
O menor está obrigatoriamente sujeito à tutela nos seguintes casos:
a) Se os pais houverem falecido;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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b) Se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho;
c) Se estiverem à mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal;
d) Se forem incógnitos.
A instituição de uma tutela, depende sempre da decisão judicial e o Tribunal pode agir
oficiosamente ou não, art. 1923º/1 CC.
Mas a lei estabelece restrições aos poderes do tutor (este, é o órgão executivo da tutela,
tem poderes de representação abrangendo, em princípio, tal como os do pai, a
generalidade da esfera jurídica do menor, mas o poder do tutor, é todavia, mais reduzido
que o poder paternal - arts. 1937º e 1938º CC -, e estabelece medidas destinadas a
assegurar uma boa gestão dos interesses e protecção do menor).
O âmbito da tutela e dos seus órgãos é a do art. 1935º/1 CC.

Os órgãos da tutela
Os órgãos vêm referidos no art. 1924º/1 CC.
Estes são o tutor e o conselho de família, este é um órgão consultivo e fiscalizador da
tutela, constituído por dois vogais e presidido pelo Ministério Público, art. 1951º CC; este
reúne esporadicamente, mas é necessário um órgão carácter permanente – o protutor, art.
1955º, 1956-a) b) CC.
Por fim o órgão com competência para a fixação do tutor é o Tribunal de família.

A escolha do tutor
Esta pode ser feita pelos pais ou pelo Tribunal.
Quando o tutor é indicado pelos pais, é feito por testamento – chamada escolha
testamentária.
Quando é feita pelo Tribunal, chama-se escolha dativa.
O Tribunal antes de designar o tutor tem de ouvir previamente o conselho de família e
ouvirá o menor caso este já tenha completado 14 anos, art. 1931º/2 CC.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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O juiz tem amplos poderes e deve escolher o tutor de entre os parentes ou afins do menor,
art. 1931º/1 CC.
Este cargo é obrigatório, não podendo ninguém recusar-se ao cargo, exceptuando o
previsto na lei (art. 1926º CC), o art. 1933º define quem não pode ser tutor, e o art. 1934º
define as condições de escusa de tutela. O tutor também pode ser removido arts. 1948º e
1949º CC. O tutor também pode ser exonerado, por sua iniciativa, por fundamento em
escusa.

Limitações aos poderes do tutor


A lei proíbe ao tutor a prática dos actos que vêm enumerados no art. 1937º CC. O tutor
carece de autorização do Tribunal para a prática de o maior número de actos que os pais
arts. 1938º e 1889º CC.

O art. 1945º CC regula a responsabilidade do tutor pelos danos que da sua actuação,
resultem para o menor.
Os actos vedados ao tutor são nulos (art. 1939º CC), a nulidade não pode ser invocada
pelo tutor, actos por este cometidos sem autorização judicial, quando esta era necessária.
Os actos invocados no art. 1938 e 1940º CC, são anuláveis.

Administração de bens
A instituição da Administração de bens, como meio de suprimento da incapacidade do
menor terá lugar, coexistindo com a tutela ou com o poder paternal, nos termos do art.
1922º CC: (a) quando os pais, mantendo a regência da pessoa do filho, foram excluídos,
inibidos ou suspensos da Administração de todos os bens do menor ou de alguns deles;
(b) quando a entidade competente para designar o tutor confie a outrem, no todo ou em
parte, a Administração dos bens do menor.

Interdição
A incapacidade resultante de interdição é aplicável apenas a maiores, pois os menores,
embora dementes, surdos-mudos ou cegos, estão protegidos pela incapacidade por
menoridade. A lei permite, todavia, o requerimento e o decretamento da interdição dentro
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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de um ano anterior à maioridade. A interdição resulta sempre de uma decisão judicial, art.
138º/2 CC.
São fundamento da interdição as situações de anomalia psíquica, surdez-mudez ou
cegueira, quando pela sua gravidade tornem o interditando incapaz de reger a sua pessoa
e bens (art. 138º CC). Quando a anomalia psíquica não vai ao ponto de tornar o demente
inapto para a prática de todos os negócios jurídicos, ou quando os reflexos de surdez-
mudez ou na cegueira sobre o discernimento do surdo-mudo ou do cego não excluem
totalmente a sua aptidão para gerir os seus interesses, o incapaz será inabilitado.
Para que o Tribunal decrete a interdição por via destas causas, são necessários os
seguintes requisitos:
· Devem ser incapacitantes;
· Actuais;
· Permanentes.
É necessário que em cada uma das causas se verifiquem estes três requisitos. O processo
judicial de interdição que conduz a esta decisão, vem regulado do Código de Processo
Civil (CPC), art. 944º e seg.
1º. Princípio: a acção de interdição só pode ser intentada a maiores, excepto, se uma
acção de interdição for intentada contra menores no ano anterior à maioridade, podendo a
sentença ser proferida durante a menoridade, mas os seus efeitos só se produzem após ele
ter a maioridade.
2º. Princípio: o art. 141º CC, enumera as pessoas que podem intentar a acção de
interdição: (1) o cônjuge; (2) qualquer parente sucessível; (3) ministério público.
3º. Princípio: a lei regula basicamente o processo de interdição para o caso de anomalia
psíquica e manda que as demais causas de interdição seja aplicado o mesmo regime, arts.
944º e 958º CPC.

4º. Princípio: a interdição e a tutela do interdito ficam sujeitas a registo, faz-se a


inscrição desse registo no assento de nascimento por averbamento.
O regime da incapacidade por interdição é idêntico ao da incapacidade por menoridade,
quer quanto ao valor dos actos praticados em contravenção da proibição em que ela cifra,
quer quanto aos meios de suprir a incapacidade, art. 139º CC

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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Efeitos da interdição na capacidade de gozo
As limitações que decorrem desta interdição podem repartir-se em dois grupos, consoante
as causas que estão na origem da interdição:
1º. Caso – Interdições que resultem de anomalias psíquicas, aqui os interditos não
podem: (1) casar, art. 1601º-b CC; (2) perfilhar, art. 1850º/1 CC; (3) testar, art. 2189º-b
CC; (4) exercer o pleno exercício do poder paternal, art. 1913º/1-b.
2º. Caso – Quando resultam de quaisquer outras causas: (1) no que toca ao poder
paternal a interdição é apenas parcial, art. 1913º/2 CC; (2) no entanto nenhum interdito,
qualquer que seja a causa da sua incapacidade, pode ser tutor, art. 1933º/1-a CC; (3) não
podem ser vogais do conselho de família, art. 1953º CC (1933º, 1934º CC); (4) não
podem ser administradores, art. 1970º CC.

Efeitos da interdição na capacidade de exercício dos interditos


É aplicável ao interdito as disposições que regulam a incapacidade do menor prevista no
art. 123º (e art. 139º). O regime dos interditos é idêntico ao dos menores, tendo no
entanto algumas particularidades em relação a este, o interdito carece de capacidade
genérica de exercício.
A causa incapacitante do interdito pode gerar alguns casos de inimputabilidade pelo facto
no momento da prática do acto danoso, o interdito se encontrar incapacitado de entender
e querer, como melhor resulta o art. 488º/1 CC.

Valor dos actos praticados pelo interdito


O regime legal, aplicável à generalidade dos negócios jurídicos, obriga-nos a distinguir
três períodos, que vêm consagrados nos arts. 148º a 150º CC.
a) Valor dos actos praticados pelo interdito no período anterior à preposição da acção
de interdição. O valor destes actos decorre do art. 148º CC que diz que os actos são
anuláveis, e do art. 150º CC, que manda aplicar o regime da incapacidade acidental (art.
157º CC).
b) Na dependência do processo de interdição. Se o acto foi praticado depois de
publicados os anúncios da proposição da acção, exigidos no art. 945º CPC, e a interdição
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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vem a ser decretada, haverá lugar à anulabilidade, desde que “ se mostre que o negócio
jurídico causou prejuízo ao interdito”, art. 149º CC. Os negócios jurídicos praticados
pelo interdicendo, na dependência do processo de interdição, só serão anuláveis, se forem
considerados prejudiciais numa apreciação reportada ao momento da pratica do acto, não
se tomando em conta eventualidades ulteriores, que tornariam agora vantajoso não ser
realizado.
c) Actos praticados pelo interdito posteriormente ao registo da sentença, art. 148º CC,
são anuláveis.
Cabe ao tutor invocar a anulabilidade do acto, quanto ao prazo resulta da remissão para o
art. 287º CC, segundo este artigo, o prazo é diferente consoante o acto esteja ou não
cumprido. Se a anulação depende do prazo, esse prazo é de um ano a partir do
conhecimento do tutor e nunca começa a correr antes da data do registo da sentença, art.
149º/2 CC.
O tutor só começa a desempenhar as suas funções depois do registo da sentença.

Suprimento da incapacidade dos interditos


A incapacidade é suprida mediante o instituto da representação legal. Estabelece-se uma
tutela regulada pelas mesmas normas que regulam a dos menores, no funcionamento da
representação legal dos menores é definida, no que se refere à incapacidade dos
interditos, ao Tribunal Comum, art. 140º CC.
A sentença de interdição definitiva deve ser registada, sob pena de não poder ser
invocada contra terceiros de boa fé, art. 147º CC.

Cessação da interdição
Quando é decretada por duração indeterminada, mas não ilimitada, o interdito pode
recuperar da deficiência que o afecta e seria injusto manter a incapacidade. A cessação da
interdição pode ser requerida pelo interdito ou pelas pessoas referidas no art. 141º CC.
Para lhe pôr termo, exige-se uma decisão judicial mediante nova sentença, que substitua
o regime da interdição pelo regime da inabilitação, que é um regime de incapacidade
menos grave.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Inabilitação
Resultam tal como as interdições de uma decisão judicial. Mas é menos grave que a
interdição.
A inabilitação resulta de deficiências de ordem psíquica ou física e de certos hábitos de
vida (arts. 152º a 156º CC).
O regime subsidiário é também o regime da menoridade e isso resulta do combinado dos
arts. 156º e 139º CC.
As pessoas sujeitas a inabilitação estão indicadas no art. 152º CC, indivíduos cuja
anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja
tão grave que justifique a interdição; indivíduos que se revelem incapazes de reger o seu
património por habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou
estupefacientes.
A primeira categoria, anomalias psíquicas, surdez-mudez ou cegueira que provoquem
uma mera fraqueza de espírito e não uma total inaptidão do incapaz.
A segunda categoria – habitual prodigalidade – abrange os indivíduos que praticam
habitualmente actos de delapidação patrimonial (por ex. viciados no jogo).
A terceira categoria – abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes – representa uma
inovação do Código Civil, pois anteriormente tais pessoas não podiam ser declaradas
incapazes, salvo quando as repercussões psíquicas daqueles vícios atingissem os
extremos fundamentais da interdição por demência.
Pode-se dizer que a fronteira entre a interdição e a inabilitação consiste na gravidade
maior ou menor dessas condutas. O art. 954º CPC, permite ao juiz fixar a interdição ou a
inabilitação.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Verificação e determinação judicial da inabilitação
A incapacidade dos inabilitados não existe pelo simples facto da existência das
circunstâncias referidas no art. 152º. Torna-se necessária uma sentença de inabilitação, no
termo de um processo judicial, tal como acontece com as interdições. A sentença pode
determinar uma extensão maior ou menor da incapacidade.
A inabilitação abrangerá os actos de disposição de bens entre vivos e os que forem
específicos na sentença, dadas as circunstâncias do caso (art. 153º CC). Pode todavia, a
própria Administração do património do inabilitado ser-lhe retirada e entregue ao curador
(art. 154º CC).

Efeitos da inabilitação na capacidade de gozo


São muito limitados, mas no entanto:
- Não podem ser nomeados tutores, art. 1933º/1-a CC;
- Não podem ser vogais do conselho de família, art. 1953º/1 CC;
- Não podem ser administradores de bens, art. 1973º CC.
Os inabilitados que o sejam sem ser por anomalia psíquica, além das limitações gerais,
sofrem ainda de uma inibição legal parcial do exercício do poder paternal, art. 1913º CC.
Os inabilitados por anomalia psíquica, além das limitações gerais, sofrem ainda da
limitação decorrente do art. 1601º-b CC, que os impedem de casar, e estão inibidos do
exercício do poder paternal.
Os inabilitados por prodigalidade têm o regime mais atenuado da inabilitação. A lei diz
que estes podem ser nomeados tutores, mas coloca algumas excepções:
- Estão impedidos de administrar os bens do pupilo, art. 1933º/2 CC;
- Não podem, como protutores, praticar actos abrangidos por esta matéria, art.
1956º-a), b) CC;
- Não podem ser administradores de bens, art. 1970º-a CC.

Efeitos da inabilitação da capacidade de exercício


4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Actos de disposição de bens entre vivos. Os inabilitados só os podem praticar com
autorização do curador, art. 153º/1 CC. Pode-se subordinar ao curador todos os actos que
em atenção às circunstâncias de cada caso forem especificadas na sentença.
Neste caso, os actos ficam subordinados ao regime da assistência. O juiz, pode no
entanto, subordinar a prática dos actos pelo inabilitado não ao regime da assistência mas
da representação (art. 154º CC).

Suprimento da incapacidade no caso da inabilitação


A incapacidade dos inabilitados é suprida, em princípio, pelo instituto da assistência, pois
estão sujeitos a autorização do curador os actos de disposição entre vivos, bem como os
especificados na sentença (art. 153º CC). Pode todavia, determinar-se que a
Administração do património do inabilitado seja entregue pelo Tribunal ao curador (art.
154º/1 CC). Neste caso funciona, como forma de suprimento da incapacidade, o instituto
da representação. A pessoa encarregada de suprir a incapacidade dos inabilitados é
designada pela lei por curador. Mas a lei não estabelece qual a forma de nomeação do
curador, por efeito do art. 156º CC, temos que recorrer à figura do regime subsidiário do
tutor.
Se o curador não der a autorização para qualquer acto que o inabilitado entenda que deve
praticar, o próprio inabilitado pode requerer ao juiz o suprimento judicial do curador
nessa situação

Cessação da inabilitação
A incapacidade só deixa de existir quando for levantada a inabilitação.
O art. 153º CC, contém, acerca do levantamento da inabilitação, um regime particular.
Estabelece-se que, quando a inabilitação tiver por causa a prodigalidade ou o abuso de
bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, o seu levantamento exige as condições
seguintes:
a) Prova de cessação daquelas causas de inabilitação;
b) Decurso de um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença
inabilitação ou da sentença que desatendeu um pedido anterior de levantamento.
O Código de Processo Civil, no seu art. 968º, regula as causa inabilitação por inabilitação
psíquica, surdez-mudez, cegueira.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O art. 963º CPC, regula o cerimonial das situações não previstas acima. No entanto, se as
causas de inabilitação se agravarem, transformam-se em interdição. Caso contrário, se as
causas de inabilitação forem cessando, passa-se do regime da inabilitação para o da
assistência.

Incapacidades acidentais
O actual código não inclui regulamentação da incapacidade acidental (art. 257º CC) na
secção relativa às incapacidades, regula-a conjuntamente com as várias hipóteses de falta
ou vícios de vontade na declaração negocial.
Qual é a hipótese do art. 257º CC?
Abrange todos os casos em que a declaração negocial é feita por quem, devido a qualquer
causa (embriaguez, estado hipnótico, intoxicação, delírio, ira, etc.), estiver
transitoriamente incapacitado de se representar o sentido dela ou não tenha livre exercício
de vontade.
Os actos referidos são anuláveis desde que o facto seja notório ou conhecido do
declaratório. A anulação está sujeita ao regime geral das anulabilidades (arts 287º seg.),
pois não se prescreve qualquer regime especial.

Valor dos negócios jurídicos indevidamente realizados pelos incapazes


Tratando-se de uma Incapacidade Jurídica (ou de gozo de direitos), os negócios são
nulos.
A lei não diz de uma forma genérica, mas é essa a solução geralmente definida e a que se
impõe, dada a natureza dos interesses que determinaram as incapacidades de gozo.
Poderá encontrar-se-lhe fundamento legal no art. 294º CC, do qual resulta ser a
anulabilidade uma forma de invalidade excepcional.
Tratando-se de incapacidades de exercício, tem lugar a anulabilidade dos actos praticados
pelos incapazes.
Na incapacidade dos menores, dos interditos ou dos inabilitados, a anulabilidade tem as
características enumeradas no art. 125º CC, aplicável por força dos arts. 139º e 156º CC.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O representante legal do menor (pais ou tutor), pode actuar em nome do mesmo:
Poder paternal – art.1877º
Tutela – art.1927º - 124º

Regime geral das anulabilidades – art.287º


Anulabilidade dos actos dos menores – art.125º - regra especial de anulabilidade

Art.125º - fundamental nesta matéria: prazos; quem pode requerer, etc.

Art.126º - Dolo do menor – menor que engana o outro contraente fazendo-se passar por
maior. O menor tem de usar de artimanhas para agir com dolo.
Sanção: se o menor agir com dolo e estiver arrependido, não pode recorrer da anulação
daquele negócio.
Nota: anulação = acabar com os efeitos do negócio

Dolo – matéria que decorre do art.253º CC = intenção de induzir em erro; intenção de


enganar “má fé”

Dolo decorrente do art.253º ≠ Dolo - da responsabilidade civil como forma de culpa


(intenção de causar danos, aqui há a intenção de causar aquele efeito)

Art.126º - constitui uma excepção ao art.125º (aqui, o Direito pretende proteger o outro
contraente)

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

151
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A doutrina diz que o art.126º deve ter uma interpretação extensiva, o legislador não quer
apenas proibir o menor mas também proibir a possibilidade de recorrer a anulabilidade
aos pais ou representantes legais.

Art.127º - Constitui uma excepção à capacidade do menor – nestes casos, o menor tem
capacidade para celebrar negócios jurídicos válidos e sem necessidade da representação
legal, não se aplicando o art.125º.
Nota: Os casos práticos que dizem respeito às invalidades de menores, deverão começar
por ser resolvidos a partir deste artigo.

Art.129º - termo da incapacidade de menores, quando o menor adquirir a capacidade de


exercício: art.130º - 18 anos de idade; art.132º emancipado (art.133º).
Art.1649º- regime de emancipação
Notas:
Menores/casamento
Art.1601º - capacidade de casar
Art.133º - emancipação
Art.1649º - emancipação parcial

O regime de menoridade é aquele que se aplica subsidiariamente à interdição e


inabilitação.

INTERDIÇÃO (art.138º)
São todos aqueles que como tal sejam declarados pelo juiz;
Só se aplica a maiores depois de uma acção jurídica
Art.141º - quem pode interpor a acção

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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São então todos aqueles que o juiz declara como não tendo capacidade de exercício de
direitos  suprimento – representação legal, por regra é a tutela, Tutor.

A ideia é proteger o interdito ao declara-lo incapaz, pois se não tem capacidade para
celebrar negócios jurídicos, terá que ser o seu representante legal capaz, para em nome
daquele, celebrar os negócios jurídicos que lhe sejam convenientes.
Consequência para os actos praticados pelos interditos: anulabilidade
Art.125º - quem e que prazos?
Quando cessa a interdição? Art.151º cessando a causa de interdição

INABILITAÇÃO (art.152º)
Art.152º- resultam 6 “pessoas” que possam ser considerados inabilitados:
Anomalia psíquica; cegueira; surdez/mudez; abuso de bebidas alcoólicas: abuso de
estupefacientes e prodigalidade.
Esta medida pode ser intentada pelas pessoas que podem intentar a interdição.
Suprimento: nomeação de um curador – art.153º
Os inabilitados podem celebrar negócios jurídicos desde que autorizados pelo curador
para a celebração daquele negócio
O inabilitado - actua com autorização de outro, com o consentimento de outro;
O menor e interditado – não pode celebrar negócio jurídico, é o representante legal que
actua em nome do incapaz.

Art.155º - levantamento da inabilitação. Tem de ser através de uma acção judicial tal
como com a interdição. Diferença – a sentença só produz efeitos passados 5 anos. Mas
apenas em casos de dependência de álcool, droga ou habitual prodigalidade.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Ilegitimidades conjugais – art.1682º a 1687º

Conjunto de normas que dizem respeito às ilegitimidades conjugais.


Diz-se ilegitimidade e não incapacidade porque os cônjuges não têm legitimidade para
celebrar certos negócios jurídicos sem o consentimento um do outro. Assim, não são
incapacidades mas ilegitimidades para agir sem o consentimento do cônjuge.
Consequências para a actuação de um cônjuge sem o consentimento do outro quando tal é
exigido. Art.1687: anulabilidade, a pedido do cônjuge no prazo de 6 meses após o
conhecimento mas antes do decurso de 3 anos.

Ainda sobre as pessoas singulares:

DOMICILIO – ligação entre a pessoa e um determinado lugar; a conexão que se faz está
disciplinada nos arts.82º e seguintes.
Em termos jurídicos, o domicílio é muito importante, é através dele que se fixa, por
exemplo a competência dos tribunais, o lugar de prestação
Art.82º- Domicílio voluntário geral – depende da vontade da pessoa e, é esse que se
aplica na generalidade dos casos.
Art.83º - a pessoa pode escolher um domicílio profissional, para efeitos da sua profissão
Art.84º - domicílio electivo – vale para certos negócios
Domicílio legal:
Art.85º - menores e interditos
Art.87º - empregados públicos
Art.88º - agentes diplomáticos portugueses

O domicílio das pessoas

O conceito de Domicílio voluntário geral, é nos fornecido pelo art. 82º CC, e coincide
com o lugar da residência habitual.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Não se trata do local onde a pessoa se encontra em cada momento, isto é, não coincide
com o paradeiro, cuja noção se pode descortinar no art. 82º/2 CC.
Mas, uma pessoa pode ter mais que uma residência habitual?
O prof. Castro Mendes, discorda. Diz que se houver mais do que um domicílio habitual e
voluntário, ambos contam como um.
No entanto, no art. 82º/1 CC, diz que a pessoa que residir alternadamente em diversos
lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles. Assim uma pessoa pode ter mais de
um domicílio, se tem duas ou mais residências habituais.
A residência pode ser ocasional se a pessoa vive com alguma permanência, mas
temporária, ou ocasionalmente, num certo local. A residência ocasional, não faz surgir
um domicílio, embora na falta de domicílio de uma pessoa, funcione como seu
equivalente (art. 82º/2 CC).

Em regra, o estabelecimento do domicílio, bem como o seu termo, resultam de um acto


voluntário. Este acto voluntário não é, porém, um negócio jurídico, mas sim um simples
acto jurídico, verificando-se a produção, por força da lei, dos efeitos jurídicos
respectivos, mesmo que a pessoa em causa não os tivesse em mente ou até os quisesse
impedir.
Ao lado do domicílio voluntário geral, a lei reconhece um domicílio profissional e um
domicílio electivo.

Domicílio profissional, domicílio electivo e domicílio legal


O domicílio profissional (art. 83º CC), verifica-se para as pessoas que exercem uma
profissão e é relevante para as relações que esta se referem, localizando-se no lugar onde
a profissão é exercida.
O domicílio electivo (art. 84º CC), é um domicílio particular, estipulado, por escrito, para
determinados negócios jurídicos. As partes convencionam que, para todos os efeitos
jurídicos, se têm por domiciliadas ou em certo local, diferente do seu domicílio geral ou
profissional.
O domicílio legal ou necessário, é um domicílio fixado por lei, portanto
independentemente da vontade da pessoa.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Os critérios de distinção entre domicílio voluntário e o legal ou necessário, são: (1) a
vontade do indivíduo; (2) quando ele escolhe é voluntário, quando não escolhe é legal ou
necessário.

Domicílio legal dos menores e inabilitados


É regido pelo art. 85º CC.:
· Caso os pais sejam casados, o menor tem domicílio no lugar de residência da
família (art. 85º/1 - art. 1673º CC, residência de família);
· Caso os pais não sejam casados (juntos), o menor tem domicílio na residência
comum dos pais;
· Caso não exista residência de família, o menor tem domicílio, o do progenitor a
cuja a guarda estiver (art. 85º/1 CC);
· Caso o menor esteja entregue a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação
ou assistência, o menor tem como domicílio o do progenitor que exerce o poder paternal
(art. 85/2 CC);
· Caso de tutela, o menor tem como domicílio o do tutor (art. 85º/3 CC);
· No caso de interdito, o domicílio é o do tutor (art. 85º/3).
No art. 85º/5 CC, há uma lacuna, pois diz que estas disposições acima expostas só valem
para o domicílio no território nacional. No entanto não se refere qual o regime para o
domicílio no estrangeiro. Por analogia aplica-se o art. 82º CC, Domicílio Geral
Voluntário.

Importância do domicílio
- Funciona como critério geral de competência para a prática de actos jurídicos;
- Funciona como ponto legal de contacto não pessoal:
Ex. conservatória competente para a prática de certos actos jurídicos;
Ex. cumprimento de obrigações, arts 772º e 774º CC.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
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Coimbra,

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- Fixação do Tribunal competente para a propositura da acção local para a abertura
da sucessão, art. 2031º CC.

Instituto da ausência
Utiliza-se o termo ausência para significar o facto de certa pessoa se não encontrar na
sua residência habitual. O sentido técnico, rigoroso, de “ausência”, traduzido num
desaparecimento sem notícias, ou nos termos da lei, do desaparecimento de alguém “sem
que dele de saiba parte” (art. 89º/1 CC), que o termo ausência é tomado, para o efeito de
providenciar pelos bens da pessoa ausente, carecidos de Administração, em virtude de
não ter deixado representante legal ou voluntário (procurador).
Para o Direito este facto só é preocupante quando ele determina a impossibilidade ou a
dificuldade de actuação jurídica do ausente no seu relacionamento com matérias que
exigem a intervenção dessa pessoa. Nomeadamente quando essa ausência determina a
impossibilidade do ausente gerir o seu próprio património, fala-se em ausência simples
ou ausência qualificada.

Consequências da ausência
· A ausência de um cônjuge, por um período não inferior a três anos, dá direito ao
outro cônjuge pedir o divórcio litigioso (art. 1781º CC, alterado pelo DL 47/98).
· A ausência de um cônjuge, admite ao outro o poder administrar os bens próprios
do ausente.
· A ausência de um dos progenitores, é causa de concentração do exercício paternal
no outro cônjuge.
· A ausência de ambos os cônjuges, pode determinar a aplicação do regime da
tutela, se essa ausência for superior a seis meses.
· A ausência de uma pessoa, pode dar lugar a aplicação de medidas cautelares ou
conservatoriais dos seus bens.
· A ausência dos membros, do órgão de gestão de uma sociedade, pode constituir
fundamento para ser requerida falência de uma empresa.
Para que se verifique a ausência é necessária uma decisão judicial.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Elementos que integram o conceito de ausência qualificada
1. Não presença da pessoa;
2. Em determinado lugar, lugar este de residência habitual;
3. Ignorância geral do seu paradeiro por parte das pessoas com quem o ausente
mantém contactos sociais mais próximos.
Esta ignorância tem como consequência a impossibilidade de contactar essa pessoa, para
obter certas providências no sentido da gestão dos seus bens.
A ideia chave do regime da ausência, é a de estabelecer meios destinados a assegurar a
Administração do ausente, dado que não é possível contactar com ele para providenciar
tal respeito.

Ausência presumida ou curadoria provisória


Os pressupostos de que a lei faz depender a nomeação de um curador provisório, são o
desaparecimento de alguém sem notícia, a necessidade de prover acerca da
Administração dos seus bens e a falta de representante legal ou de procurador (art. 89º
CC).
A presunção da lei, nesta fase, é de um possível regresso do ausente; tanto o Ministério
Público como qualquer interessado, têm legitimidade para requerer a curadoria provisória
e as providências cautelares indispensáveis (art. 91º CC), a qual deve ser definida a uma
das seguintes pessoas: (1) cônjuge; (2) algum ou alguns dos herdeiros presumidos; (3) ou
alguns dos interessados na conservação dos bens (art. 92º CC). O curador funciona como
um simples administrador (art. 94º CC), devendo prestar caução (art. 93º CC) e
apresentar anualmente ou quando o Tribunal o exigir (art. 95º CC).
A curadoria provisória termina quando, nos termos da lei (art. 98º CC):
a) Pelo regresso do ausente;
b) Se o ausente providenciar acerca da Administração dos bens;
c) Pela comparência da pessoa que legalmente represente o ausente ou de procurador
bastante;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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d) Pela entrega dos bens aos curadores definitivos ou ao cabeça-de-casal, nos termos
do art. 103º CC.
e) Pela certeza do ausente.
Para a ausência presumida a lei prevê como forma de suprimento a curadoria provisória.

Ausência justificada ou declarada, ou curadoria definitiva


A probabilidade de a pessoa ausente não regressar é nessa fase maior, visto que a lei a
possibilita o recurso à justificação da ausência no caso de ele ter deixado representante
legal ou procurador bastante art. 99º CC).
Como requisitos é necessário:
a) Ausência qualificada
b) Existência de bens carecidos de Administração;
c) Certo período da ausência.
A legitimidade para o pedido de instauração da curadoria definitiva pertence também
aqui ao Ministério Público ou a algum dos interessados, sendo estes, contudo, além do
cônjuge, os herdeiros do ausente e todos os que tiverem sobre os seus bens qualquer
direito dependente da sua morte.
A curadoria definitiva termina (art. 112º CC).
a) Pelo regresso do ausente;
b) Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside;
c) Pela certeza da sua morte;
Para a ausência justificada. A lei prevê como forma de suprimento a curadoria definitiva.

Morte presumida
Assenta no prolongamento anormal do regime da ausência. Há uma inversão da
probabilidade de o ausente estar vivo.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

159
159
159
Decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se
entretanto o ausente completar oitenta anos de idade, os interessados para o efeito do
requerimento da curadoria definitiva, têm legitimidade para pedirem a declaração de
morte presumida do ausente (art. 114º/1 CC). Contudo, se a pessoa ausente for menor, é
necessário que decorram cinco anos sobre a data declarada a morte presumida (art. 114º/2
CC).
Com fundamento numa alta probabilidade prática da morte física do ausente, o art. 115º
CC, prescreve que a declaração da morte presumida produz os mesmos efeitos que a
morte.
Mas, por exemplo o casamento não cessa ipso facto (art. 115º CC), embora o art. 116º
CC dê ao cônjuge do ausente a possibilidade de contrair novo casamento sem
necessidade de recorrer ao divórcio.
Na esfera patrimonial, em caso de regresso, verifica-se um fenómeno de sub-rogação
geral, isto é, tem o ausente direito:
a) Aos bens directamente adquiridos por troca com os bens próprios do seu património
(sub-rogação directa);
b) Aos bens adquiridos com o preço dos alienados, se no documento de aquisição se
fez menção da providência do dinheiro (sub-rogação indirecta);
c) Ao preço dos bens alienados (sub-rogação directas).
E, obviamente, ser-lhe-á devolvido o património que era seu, no estado em que se
encontrar. Havendo, porém, má-fé dos sucessores, o ausente tem direito também à
indemnização do prejuízo sofrido (art. 119º CC).

AUSENCIA – art.89º e seguintes - Instituto que quer dizer falta de noticias acompanhada
de não presença/desaparecimento.

Em caso de ausência, os bens ficam sem administrador. A lei apresenta 3 medidas legais
para resolver essa ausência e são instauradas por processo judicial.
Medidas legais:
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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160
 Curadoria provisória – art.89º e seguintes

 Curadoria definitiva – art.99º e seguintes (desaparecimento com mais de 2 anos)

 Morte presumida – art.114º e seguintes (desaparecimento Há mais de 10 anos)

Nos termos do art.15º do CC, os efeitos da morte presumida são os mesmos que os
efeitos da morte efectiva com a excepção do casamento que se mantém (se a pessoa
aparecer mais tarde, ela continua casada. Se o cônjuge que sobreviveu entretanto tiver
casado com outra pessoa, considera-se dissolvido o primeiro casamento.

PESSOAS COLECTIVAS
Organizações de pessoas e bens que visam prosseguir interesses/fins comuns colectivos.
3 Classificações legais – art.157º e seguintes:

 Fundações de interesse social

 Associações sem fins lucrativos

 Sociedades civis (pratica actos civis – art.980º CC) e sociedades comerciais


(pratica actos comerciais – Código das sociedades comerciais)

Pessoas colectivas
São organizações constituídas por uma colectividade de pessoas ou por uma massa de
bens, dirigidos à realização de interesses comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica
atribui a Personalidade Jurídica.
É um organismo social destinado a um fim lícito que o Direito atribui a susceptibilidade
de direitos e vinculações.
Trata-se de organizações integradas essencialmente por pessoas ou essencialmente por
bens, que constituem centros autónomos de relações jurídicas.
Há, duas espécies fundamentais de Pessoas Colectivas: as Corporações e as Fundações.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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161
161
As Corporações, têm um substracto integrado por um agrupamento de pessoas singulares
que visam um interesse comum, egoístico ou altruístico. Essas pessoas ou associados
organizam a corporação, dão-lhe assistência e cabe-lhe a sua vida e destino.
As Fundações, têm um substracto integrado por um conjunto de bens adstrito pelo
fundador a um escopo ou interesse de natureza social. O fundador pode fixar, com a
atribuição patrimonial a favor da nova Fundação, as directivas ou normas de
regulamentação do ente fundacional da sua existência, funcionamento e destino.
A função economico-social do instituto da personalidade colectiva liga-se à realização de
interesses comuns ou colectivos, de carácter duradouro.
Os interesses respeitantes a uma pluralidade de pessoas, eventualmente a uma
comunidade regional, nacional ou a género humano, são uma realidade inegável: são os
referidos interesses colectivos ou comuns. Alguns desses interesses são duradouros,
excedendo a vida dos homens ou, em todo o caso, justificando a criação de uma
organização estável.

Sociedades Comerciais:
Sociedades em nome individual; Sociedades anónimas; Sociedades por cotas e
sociedades em comandita.

Elementos constitutivos das pessoas colectivas:

 Elemento material, também chamado de facto = substrato


Substrato:
Elemento pessoal – pessoas físicas, singulares, são membros de órgãos das PC
Elemento patrimonial – Bens de natureza patrimonial que pertencem à fundação, ou
associação, ou mesmo sociedade.
Elemento teleológico - Finalidade das organizações. Escopo ou fim / objecto. Objectivo –
princípio da especialidade do fim
Elemento intencional - Intenção / vontade do fundador / sócio de construir as pessoas
colectivas.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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162
Elemento organizatório – Órgãos e regras que disciplinam a pessoa colectivamente. Tudo
aquilo que é necessário para o nascimento de uma pessoa colectiva.

 Elemento formal ou de Direito = reconhecimento


A soma daqueles dois elementos, material e formal, dá a Pessoa colectiva

Noção jurídica de coisa


Num sentido corrente e amplo, coisa é tudo o que pode ser pensado, ainda que não tenha
existência real e presente. Num sentido físico, coisa é tudo o que tem existência corpórea,
“quod tangi potest”, ou pelo menos, é susceptível de ser captado pelos sentidos.
Quanto ao sentido jurídico de coisa, há que considerar o art. 202º CC, onde se contém a
seguinte definição: “diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.”
Podemos definir as coisas em sentido jurídico como os bens (ou entes) de carácter
estático, desprovidos de personalidade e não integradores de conteúdo necessário desta,
susceptíveis de constituírem objecto de relações jurídicas, ou, toda a realidade autónoma
que não sendo pessoa em sentido jurídico, é dotada de utilidade e susceptibilidade de
denominação pelo homem.
Os bens de carácter estático, carecidos de personalidade, só são coisas em sentido
jurídico quando puderem ser objecto de relações jurídicas. Para esses efeito devem
apresentar as seguintes características:
a) Existência autónoma ou separada;
b) Possibilidade de apropriação exclusivas por alguém;
c) Aptidão para satisfazer interesses ou necessidades humanas.
Inversamente não é necessário:
a) Que se trate de bens de natureza corpórea;
b) Que se trate de bens permutáveis, isto é, com valor de troca;
c) Que se trate de bens efectivamente apropriados.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O Código Civil define no art. 204º e seguintes os tipos de coisas. Dá também o conceito
de frutos (art. 212º). Define igualmente as benfeitorias (art. 216º).

Reconhecimento = aquisição de personalidade – é o elemento que permite atribuir às


pessoas colectivas a personalidade jurídica.
Primeiro, é necessário que estejam reunidos todos os elementos do substrato e então é-lhe
atribuída a personalidade jurídica.

2 Modalidades de reconhecimento:

 Normativo – incondicionado ou condicionado

 Individual ou por concessão.

Normativo – decorre automaticamente da lei, de uma norma jurídica.


Se for incondicionado, é um reconhecimento que não exige condições, a lei reconhece a
PC sem quaisquer exigências (não existe na nossa lei), em Portugal, a lei nunca
reconhece uma PC sem exigências;
Condicionado – a nossa lei reconhece as PC mediante condições/exigências. Em
Portugal, as associações e as sociedades são as pessoas Colectivas reconhecidas por lei
(art.158ºCC)
Reconhecimento individual ou por concessão – é atribuído por uma autoridade
administrativa que caso a caso atribui a personalidade jurídica às PC. É aplicada apenas
às Fundações.
Capacidade de gozo das Pessoas Colectivas = Pessoas singulares
Capacidade de gozo – aptidão para se ser titular de um circulo maior ou menor de direitos
e obrigações.
A capacidade de gozo é inerente à personalidade jurídica.
Não sendo as PC seres humanos, existem certos direitos que pertencem aos seres
humanos e que não podem pertencer às PC.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Ex. Direito à vida; direito à integridade física, etc. isto porque são direitos inseparáveis da
personalidade singular.
As PC têm limitações quanto à capacidade de gozo decorrentes da sua natureza não
humana.
Art.160º CC – Limitações:
- Direitos inseparáveis da personalidade singular (nº2, in fine)
- Direitos vedados por lei – direitos que a lei entende que não devem ser atribuídos às
pessoas colectivas (nº2, inicio) Ex. Testar (apenas porque a lei o define); perfilhar
.
Nº1 – Principio da especialidade do fim (escopo da PC). A finalidade de uma PC é
específica, aquela que está no pacto social. Se a sociedade é constituída para por exemplo
vender carros, não pode vender uma qualquer coisa, o fim para que foi criada tem que ser
especial.
Estas limitações limitam a capacidade de gozo das PC já que apenas têm na sua esfera
jurídica direitos e deveres específicos (objecto específico). Os actos praticados por uma
sociedade são validos se couberem no seu objecto, se forem contrários ao seu fim, são
nulos.
O objecto social é fundamental para percebermos se uma sociedade está ou não a actuar
de acordo com a lei.

Responsabilidade civil das Pessoas Colectivas


Art.165º - nos mesmos termos das pessoas singulares .

As PC não têm responsabilidade criminal (que comete o crime é o gerente ou alguém que
pertence à sociedade e que criminalmente vai responder por ele ainda que civilmente seja
a sociedade a responder por ele)

Esta matéria deve apenas ser avaliada a nível teórico

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Objecto da relação jurídica


É o objecto do direito subjectivo que constitui o lado activo da relação jurídica

Apropriamento dito------------ Dever jurídico


Direito subjectivo

Potestativo----------------------Sujeição

Objecto das relações jurídicas = objecto do direito subjectivo.


O objecto do direito subjectivo é aquilo, “o quid” sobre que incidem os poderes do titular
activo da relação jurídica.
Nota: Os direitos potestativos não têm objecto

Objecto do direito:
-Prestação de facto - ex. Uma obra; um recital de piano
- Prestação de entrega de coisa certa e determinada – ex. 500€; um relógio
Neste caso, o objecto é desdobrado em objecto imediato (comportamento do devedor –o
acto de entregar) e objecto mediato (a entrega da coisa)

O que é que pode ser objecto de relações jurídicas: art.202º a 216º CC

 Coisas:
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Corpóreas ou materiais – São talvez o principal objecto das relações jurídicas. Podem
ser móveis ou imóveis.
Incorpóreas ou imateriais – ex. Objecto da propriedade intelectual – direitos de autor,
criação literária, invenções, etc.
Os animais – não são coisas mas são tratadas como coisas “suigeneris”. Os animais não
têm direitos nem obrigações porque não têm personalidade jurídica, são as pessoas que os
detêm que têm obrigações para com eles e direitos sobre eles.

 Prestações – comportamento do devedor

 Pessoas – no caso do poder paternal (poder/dever). Quando se exerce o poder


paternal o objecto do direito do pai é o filho e o seu património. Trata-se de uma
pessoa que é objecto mas que não está completamente subjugada ao sujeito
porque o pai tem também um dever e nessa medida não choca que uma pessoa
tenha tantos direitos sobre outra porque tem de igual forma e simultaneamente
deveres.

 A própria pessoa – somos cada um de nós. Nós somos objectos dos nossos
direitos: os modos de ser físicos e psíquicos da pessoa (direitos de personalidade)

 Direitos – ex. Art.1439º; art.688ºnº1 c)

19. Teoria Geral do Direito Civil II

Relação jurídica

O Direito visa regular a vida do Homem em sociedade, porem, essa vida em sociedade
realiza-se através de multiplicidade de relações sociais determinadas pela necessidade da
vida em comum.
Quando o direito intervém para regular, elas transformam-se em relação jurídica.
A ordem jurídica desenvolve-se, assim, numa complexa teia de relações intersubjectivas,
tuteladas pelo Direito.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Relações jurídicas complexas – os sujeitos têm vários direitos e varias obrigações na
mesma relação. A maioria das relações jurídicas são deste tipo. Ex. Contrato de
arrendamento.

A relação jurídica pode ainda ser:

1. Abstracta – composta pelo conjunto das normas legais que regulam o conjunto
dos direitos e obrigações das partes
2. Concreta – que se estabelece entre sujeitos individualizados, que surge através de
um certo contrato. È concretizada em pessoas e factos concretos.

Instituto jurídico ≠ Relação jurídica

Instituto jurídico – é formado por um conjunto de relações jurídicas que têm uma
afinidade entre si, têm uma ligação porque estão ao serviço do mesmo fim ou da mesma
função.
Conjunto de normas, conjunto de relações jurídicas em abstracto. Este conjunto de
normas não é desorganizado.
Ex. Filiação – matéria do direito da família que decorre do casamento e do grau de
parentesco que liga duas pessoas
Assim,
Filiação – Instituto jurídico da filiação
Adopção - Instituto jurídico da adopção
Compropriedade - Instituto jurídico da compropriedade

A relação jurídica tem 4 elementos:

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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1. Sujeitos – pessoas que intervêm na relação jurídica
2. Objecto – o bem sobre que incidem os poderes do titular activo da relação
jurídica (direito subjectivo)
3. Facto – evento que dá origem à relação jurídica
4. Garantia – formada pelo conjunto das medidas coercivas previstas na lei para
tutelar o direito do titular activo; garantir que o sujeito passivo cumpra o seu
dever jurídico (está relacionado com o acesso aos tribunais)

Conceitos:

Direito subjectivo propriamente dito – poder reconhecida aos particulares de livremente


exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo ou negativo.

Livremente – Característica dos direitos subjectivos, o seu exercício é livre; o seu titular
pode ou não exerce-lo.

Exigir – obrigação civil do sujeito passivo; obrigação cujo cumprimento é juridicamente


exigível

Pretender – Obrigação natural do sujeito passivo; obrigação cujo cumprimento não é


juridicamente exigível – art. 402º CC Ex. Divida que prescreve.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Nota: Poderes/deveres ou poderes funcionais. Estes poderes/deveres não são
verdadeiramente livres.

Ex. Poderes que os pais têm em relação aos filhos, não se trata de um verdadeiro direito
subjectivo, é antes um direito que é simultaneamente um dever. O Instituto do poder
paternal regula a relação entre os pais e os filhos até à maioridade.

Direitos potestativos – é o poder reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa de


livremente, só de persi ou coadjuvado por uma decisão de uma autoridade pública,
produzir efeitos que inelutavelmente se impõe à contraparte.

Produção de efeitos – o sujeito passivo está num estado de sujeição – “é um sofrer”


Ex. Exercício do divórcio.

Constitutivos …
Direitos potestativos Modificativos …
Extintivos …
…de relações que se impõe inelutavelmente na
esfera jurídica da contraparte

Ónus jurídico – necessidade de adoptar um comportamento para a realização de um


interesse próprio. Não é um dever jurídico.

Ónus jurídico ≠ Dever jurídico


Palavra-chave: necessidade
Ex. Submeter os imóveis a registo
O registo não é um dever jurídico mas é um ónus.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Ónus da prova – art. 342ºCC - todo aquele que invocar um direito, tem que fazer prova
do mesmo, tem o ónus, a necessidade

Expectativa jurídica – estádio ou fase de um processo complexo de formação sucessiva


de um direito. Esta é uma situação activa, juridicamente tutelada, isto é, existe a
possibilidade de aquisição futura de um direito encontrando-se já parcialmente verificada
a situação jurídica constitutiva desse direito.

Breve classificação dos negócios jurídicos


Um dos critérios clássicos é o que atende ao número de pessoas que intervêm nesses
negócios. O negócio diz-se singular, se apenas intervém uma pessoa, se intervierem mais
de que uma pessoa, o negócio diz-se plural.
Na Ordem Jurídica portuguesa, há negócios que são obrigatória e necessariamente
singulares: é o caso do testamento, só uma pessoa pode testar o acto.
Por outro lado, há negócios que são necessariamente plurais, e nalguns casos, os negócios
além de serem plurais, envolvem contraposição de interesses entre as várias partes
intervenientes. O negócio plural será bilateral ou plurilateral, sendo que o contrato é a
figura paradigmática deste tipo de negócios. Não se deve confundir nunca parte com
pessoas: podem intervir várias pessoas constituindo uma só parte.
O negócio unilateral, pode ser singular ou plural, mas o negócio singular é
necessariamente unilateral.
A doutrina nem sempre está de acordo com isto, sendo que uma das soluções possíveis
envolve o atender-se às declarações emitidas, não apenas ao seu número, mas à forma
como elas se articulam no negócio.
Mais importante ainda é o modo como elas se articulam entre si: casos há em que as
diversas declarações são paralelas e formam um só grupo, havendo igualmente casos em
que o conteúdo de uma declaração é o oposto ao conteúdo da outra, embora convirjam
num certo sentido, tendo em vista um resultado comum unitário.
Se a divergência de vontades interfere com o regime dos efeitos do negócio, justificando
um tratamento distinto entre os seus autores, estamos perante um negócio bilateral ou
plurilateral.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Num contrato de sociedade há posições comuns dos autores do negócio e então este
mantém-se como negócio unilateral. O critério jurídico de distinção entre negócios
unilaterais e bilaterais reside na diferente posição que, perante os interesses que são
regulados pelo negócio, os autores do mesmo ocupam. Se os interesses forem
divergentes, para que haja negócio, as vontades dos diversos intervenientes têm de se
encontrar num ponto comum, sendo este o acordo de vontades ou livre consenso.

Classificação dos Negócios Jurídicos

Negócios A  Exemplos:
jurídicos
B 1. Declaração de dívida
Unilaterais
Classificação dos 2. Declaração pública de
Negócios promessa
Jurídicos
3. Testamento
(Dispensa a
4. Revogação de mandato
aceitação)
(já o mandato não é
unilateral)

Negócios A←B
Jurídicos
A – compra
Bilaterais ou
Contratos B – Venda

 - Objecto

Negócios jurídicos Unilaterais - São formados por 1 ou + declarações de vontade,


formando 1 só lado ou 1 só parte. Mas se for + do que 1 declaração, são paralelas, mas
continua a ser 1 negócio jurídico unilateral.
Apenas existe 1 só declaração.
Princípio da tipicidade ou numerus clausus – artigo 457º do Código Civil

Receptícios São aqueles em que a declaração negocial só é


eficiente ou eficaz se for levada ao conhecimento do
destinatário.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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172
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Princípio da Exemplo: o herdeiro aceitar a herança – ou o repúdio
Tipicidade da herança

Não Não é preciso que o destinatário tenha conhecimento.


Receptícios
Exemplo: testamento (Não é preciso saber para ser
Estou vinculado herdeiro, mas para tomar posse da herança já é
à promessa preciso saber que é herdeiro)

- 1. declaração de dívida. Eu Fulano de tal, declaro que devo ao Sr. X a quantia de


X€.
O credor nada tem de fazer, ou seja aceitar, apenas tem o dever de exigir o pagamento da
quantia declarada, é o devedor que tem a obrigação de pagar.
Reconhecimento de dívida – artigo 458 do Código Civil
2. declaração pública de promessa (declaração de alvíssaras). Eu fulano de tal,
declaro que darei Y€ a quem encontrar e me entregar o meu cão de raça caniche. O
promitente tem a obrigação de pagar a quantia prometida a quem lhe entregar o cão,
mesmo que a pessoa que lho entregue não saiba da promessa.
Promessa pública– artigo 459 do Código Civil
3. testamento. É uma declaração de vontade, que determinada pessoa, na posse de
todas as suas faculdades, declara que à sua morte deixa os seus bens, ou parte deles, a
outras pessoas. Só aceita quem quiser. O testamento não transfere nada, apenas aponta
pessoas.
4. Revogação de mandato. Declaração, que tem de ter o conhecimento do
destinatário, de que não quer que o destinatário continue a representá-lo. É necessário que
haja conhecimento. É 1 negócio jurídico unilateral receptício.

Conhecimento do negócio unilateral é  (diferente) da aceitação.


Negócios Jurídicos Bilaterais ou Contratos. São 2 ou + declarações negociais de
sentidos opostos, mas convergentes, para a produção de 1 resultado jurídico unitário.
Temos 1 lado, 1 pessoa ou mais e do outro lado temos também 1 pessoa ou mais.
Exemplos: Compra e Venda; Doação e Aceitação

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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Existe 1 testamento (atenção. Não é 1 contrato). Após a morte da pessoa, extingue-se a
personalidade jurídica, herança jacente, isto é, massa de bens que não tem titular, já não
pertence ao de cujus (os mortos não são titulares de nada) e ainda não é dos herdeiros.
Tem que haver habilitação de herdeiros, e aceitação da herança ou têm 8 dias para
repudiar a herança.

Título II – dos Contratos em geral


Contratos previstos ou não previstos na lei
Mútuo – pode ser oneroso ou gratuito – empréstimo de dinheiro

 Unilaterais ou (tem que ver São aqueles que geram obrigações apenas
com obrigações) não para 1 das partes
Contratos
sinalagmáticos

 Bilaterais ou sinalagmáticos Geram obrigações para ambas as partes

A distinção entre os contratos unilaterais e bilaterais tem que ver com as obrigações e
direitos que geram.
 Depósito – artigo 1185º do Código Civil
 Doação (bilateral) – declaração de doação (é obrigado a dar) e daí advém a declaração
de aceitação. Existe a obrigação de entregar a coisa – é 1 contrato não sinalagmático.
 Comodato (empréstimo) – artigo 1129º do Código Civil (existe comodato quando
existe a entrega).
Artigo 408º do Código Civil – transferência (da coisa) contrato. A entrega é 1 elemento
do contrato, a obrigação é a devolução.

 Compra e venda
 Contrato de trabalho – diversas obrigações e direitos que recaem sobre ambas as
partes.

Nós termos o dever de trabalhar e o direito de receber o vencimento, por sua vez, a
empresa tem o direito ao nosso trabalho e o dever de nos pagar o vencimento.
Excepção de não cumprimento. Se a empresa não paga o trabalhador tem o direito de não
trabalhar.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Classificação dos “Inter vivos” Produzem efeito em vida, das partes
negócios jurídicos
“Mortis causa” Produzem efeitos após a morte (testamento)

Os pactos sucessórios, em princípio, não são permitidos no nosso Direito, com excepção
das convenções antenupciais.

Consensuais ou não A lei não exige observância de 1 formalismo


solenes ou não formais especial
Classificação dos
negócios jurídicos A lei exige 1 formalidade especial.
(documento escrito, que pode ser particular ou
Artigo 219º CC Formais ou solenes
público; autenticado ou por escritura pública)
(regra geral)

Ver artigos: – Doação - 875º CC e 947 CC


Arrendamento – 1069 CC
Consequência da inobservância forma – 220º CC
Forma do mútuo – 1143 CC
Para sabermos, relativamente aos contratos previstos na lei, se a forma do contrato
está prevista, temos de ir ao Código respectivo (por exemplo comercial, das sucessões,
etc.) e se a lei nada disser sobre a forma, é 1 contrato de forma livre.

Negócios onerosos e negócios gratuitos


Esta distinção tem como critério o conteúdo e finalidade do negócio. Os negócios
onerosos ou a título oneroso, pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes,
existindo, segundo a perspectiva destas, um nexo ou relação de correspectividade entre as
referidas atribuições patrimoniais.
As partes estão de acordo em considerar, as duas atribuições patrimoniais como
correspectivo uma da outra. Neste sentido pode dizer-se que no negócio oneroso as partes
estão de acordo em que a vantagem que cada um visa obter é contrabalançada por um
sacrifício que está numa relação de estrita casualidade com aquela vantagem. As partes
consideram as duas prestações ligadas reciprocamente pelo vínculo da casualidade
jurídica.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Os negócios gratuitos ou a título gratuito, caracterizam-se ao invés, pela intervenção de
uma intenção liberal (“animus domandi, animus beneficiandi”). Uma parte tem a
intenção devidamente manifestada, de efectuar uma atribuição patrimonial a favor de
outra, sem contrapartida ou correspectivo. A outra parte procede com a consequência e
vontade de receber essa vantagem sem um sacrifício correspondente.

Negócios parciários
São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma pessoa
prometer certa prestação em troca, de uma qualquer participação nos proventos que a
contraparte obtenha por força daquela prestação (ex. art. 1121º CC).

Negócios de mera administração e negócios de disposição


A utilidade da distinção, está relacionada com a restrição por força da lei ou sentença, dos
seus poderes de gestão patrimonial dos administradores de bens alheios, ou de bens
próprios e alheios, ou até nalguns casos (inabilitação), de bens próprios, aos actos de
mera administração ou de ordinário administração.
Os actos de mera administração ou de ordinária administração, são os correspondentes
a uma gestão comedida e limitada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis
de proporcionar grandes lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos
correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a manter o património e aproveitar as
sua virtualidades normais de desenvolvimento, “mas alheia à tentação dos grandes voos
que comportam risco de grandes quedas”.
Ao invés, actos de disposição são os que, dizendo respeito à gestão do património
administrado, afectam a sua substância, alteram a forma ou a composição do capital
administrados, atingem o fundo, a raiz, o casco dos bens. São actos que ultrapassam
aqueles parâmetros de actuação correspondente a uma gestão de prudência e
comedimento sem riscos.

Declaração negocial – é um comportamento que exteriormente observado, cria a


aparência que se traduz num conteúdo de vontade negocial. É a intenção de realizar
certos efeitos jurídicos, em suma, o comportamento declarativo.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Estrutura do negócio jurídico
São elementos essenciais da estrutura do negócio jurídico:
· A Vontade;
· A Declaração;
· A Causa.
A vontade, é nesta estrutura o elemento interno do negócio jurídico, sendo que é um
elemento (interno) psicológico e por isso subjectivo.
A declaração, é um elemento externo, pelo que configura uma situação objectiva. O facto
de se dar primazia à vontade ou à declaração, no regime do negócio está relacionada com
a relevância que cada um deles tem no negócio. Não se traduz numa opção inocente, uma
vez que é daqui que resulta uma maior ou menor relevância dos interesses nos negócios
jurídicos.

Declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico


O Código Civil regula a declaração negocial nos arts. 217º e segs. trata-se de um
verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura
do negócio.
A capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade são apenas pressupostos ou
requisitos de validade, importando a sua falta uma invalidade. A idoneidade do objecto
negocial é, igualmente, um pressuposto ou requisito de validade, pois a sua falta implica
a nulidade do negócio. Diversamente, a declaração negocial é um elemento
verdadeiramente integrante do negócio jurídico, conduzindo a sua falta à inexistência
material do negócio.

Conceito de declaração negocial


Pode definir-se, como a declaração da vontade negocial como o comportamento que,
exteriormente observado cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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vontade negocial, caracterizando, depois a vontade negocial como a intenção de realizar
certos efeitos práticos como ânimo de que sejam juridicamente tutelados ou vinculantes.
A declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade psicológica do
declarante.
A essência do negócio, expressa no Código Civil (arts. 257º, 147º, 136º…), não está
numa intenção psicológica, nem num meio de a exteriorizar, mas num comportamento
objectivo, exterior, social, algo que todavia, não se confunde com um formalismo ritual,
como é próprio das fases mais primitivas de evolução jurídica e que normalmente, tem ou
teve subjacente um elemento subjectivo, uma vontade, por parte do seu autor, coincidente
com o significado que assume na vida da relação.

Negócios jurídicos – formados por uma ou mais declarações negociais.


Declaração negocial:
Venda → declaração de venda
Compra → declaração de compra
Doação → declaração de doação
Aceitação → declaração de aceitação
Cedência → declaração de cedência, etc.
Elemento externo – declaração propriamente dita
Declaração negocial
Elemento interno – vontade

Modalidades da declaração negocial (art.217º)


→ Expressa
→ Tácita
→ Silêncio – art.218º - quando atribuído pela lei , uso ou convenção.
Este silêncio não significa que quem cala consente.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Declaração negocial expressa e declaração negocial tácita
Os negócios jurídicos, realizam uma ampla autonomia privada, na mediada em que,
quanto ao seu conteúdo, vigora o princípio da liberdade negocial (art. 405º CC). Quanto à
forma (“lato sensu”) é igualmente reconhecido pelo ordenamento jurídico um critério de
liberdade: o princípio da liberdade declarativa (arts. 217º e 219º CC).
O critério da distinção entre declaração tácita e expressa consagrada pela lei (art. 217º
CC) é o proposto pela teoria subjectiva: a declaração expressa, quando feita por
palavras, escrito ou quaisquer outros meios directos, frontais, imediatos de expressão da
vontade e é tácita, quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se
destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, “a latere”, um autoregulamento
sobre outro ponto (“quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a
revelem”).

Em conformidade com o critério de interpretação dos negócios jurídicos consagrado no


Código Civil (art. 236º), deve entender-se que a concludência dum comportamento, no
sentido de permitir concluir “a latere” um certo sentido negocial, não existe a
consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que,
objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do
comportamento do declarante. A possibilidade de um negócio formal ser realizado
através de declaração tácita está expressamente reconhecida pelo art. 217º/2 CC.

O valor do silêncio como meio declarativo


Trata-se, principalmente de saber se o silêncio pode considerar-se um facto concludente
(declaração tácita) no sentido da aceitação de propostas negociais.
O Código Civil, resolve o problema no art. 218º, estabelecendo que o silêncio não vale
como declaração negocial, a não ser que esse valor lhe seja atribuído por lei, convenção
ou uso.
O silêncio é, em si mesmo, insignificativo e quem cala pode comportar-se desse modo
pelas mais diversas causas, pelo que deve considerar-se irrelevante – sem dizer sim, nem
não – um comportamento omissivo. De outro modo, ao enviar a outrem uma proposta de
contrato estaria a criar-se-lhe o ónus de responder, a fim de evitar a conclusão do
negócio, o que viola a ideia de autonomia das pessoas.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Afasta-se igualmente a ideia de que o silêncio vale declaração quando o silenciante podia
e devia falar (“qui tacet con sentire videtur loqui potuit ac debuit”). Não seria isento de
dúvidas quando é que alguém podia e devia falar.
O silêncio não tem qualquer valor como declaração negocial, em princípio – não é
eloquente. Só deixará de ser assim quando a lei, uma convenção negocial ou o uso lho
atribuam. Não basta ter-se estabelecido um dever de responder. É necessário que resulte
da lei, de convenção ou de uso que a ausência de resposta tem um certo sentido.

Nota: Matéria muito importante – formação da declaração negocial (art.219º e ss)

Declaração negocial = declaração propriamente dita + vontade


Esta declaração negocial será a ideal, contudo nem sempre assim é. Por vezes existe uma
divergência entre e a declaração propriamente dita e a vontade:

Intencional:

 Simulação (art240º e ss)

 Reserva mental (art.244º)

 Declaração não séria (art245º e ss)


Nota: A pessoa intencionalmente diz, faz ou escreve algo no contrato que não condiz
com a sua vontade. As mais complexas são a simulação.

Não intencionais:

 Coacção física (art.246º)

 Falta de consciência (art.246º)

 Erro na declaração (art.247º e ss)

Simulação: conceito e elementos

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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As partes acordam em emitir declarações não correspondentes à sua vontade real, com
intuito de enganar terceiros (art. 240º/1 CC). Esta operação, é uma operação complexa
que postula três acordos:
1. Um acordo simulatório: visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de
enganar terceiros.
2. Um acordo dissimulado: exprime a vontade real de ambas as partes, visando o
negócio verdadeiramente pretendido por elas, ou um puro e simples retirar de efeitos ao
negócio simulado.
3. O acordo simulado, traduz uma aparência de contrato destinado a enganar a
comunidade jurídica.
Na simulação as partes tem uma única vontade, a vontade simulada, que por definição
implica a dissimulada e implica a simulatória. No art. 240º, pede-se três requisitos:
1. Acordo entre declarante e declaratário;
2. No sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
3. Com o intuito de enganar terceiros.
Todos estes requisitos têm de ser invocados e provocados por quem pretender prevalecer-
se do regime da simulação. Este acordo entre declarante e declaratário, é muito
importante, até para que se fique prevenido contra uma certa confusão que possa haver do
erro e a simulação, ou da reserva mental e da simulação. A divergência entre a vontade e
a declaração também surge nesta figura como um dado essencial da existência da
simulação. O intuito de enganar terceiros (não confundir com intenção de prejudicar
terceiros, porque o que se passa é que haja criação de uma aparência).

Modalidades de simulação
Uma primeira distinção é a que se estabelece entre simulação inocente, se houve o mero
intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar (“animus decipiendi”); e simulação
fraudulenta, se houver o intuito de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar
qualquer norma da lei (“animus nocendi”). Esta distinção é aludida no art. 242º/1, in fine,
revelando a mesma disposição legal a ausência de interesses civilísticos da referida
dicotomia.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Outra distinção e a que se faz entre simulação absoluta, as partes fingem celebrar um
negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico, há apenas o
negócio simulado e, por detrás dele, nada mais (“colorem habet substantian vero
nullam”); e simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na
realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso.
Pelo art. 241º/2 CC, enquanto o negócio simulado é nulo, e na simulação se não põe mais
nenhum problema, na simulação relativa surge o problema do tratamento a dar ao
negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.

Efeitos da simulação absoluta


A simulação importa a nulidade do negócio simulado (art. 240º/2 CC).
De acordo com o respectivo regime negocial, pode qualquer interessado invocar a
nulidade e o Tribunal declará-la oficiosamente (art. 286º - 242º CC).
A simulação pode ser deduzida tanto por via de acção como por via de excepção. A lei
não o diz expressamente a propósito da simulação, mas é óbvio que qualquer nulidade ou
anulabilidade podem ser deduzidas por ambas as vias (art. 287º/2 CC).
Como todas as nulidade, a invalidade dos negócio simulados pode ser arguida a todo o
tempo (art. 286º CC), quer o negócio não esteja cumprido quer tenha tido lugar o
cumprimento.

Modalidade de simulação relativa


A simulação relativa manifesta-se em, espécies diversas consoante o elemento do negócio
dissimulado a que se refere.
Podem ser, desde logo, simulados os sujeitos do negócio jurídico, mais frequentemente
um apenas. É o que se verifica com a chamada interposição fictícia de pessoas.
Pode igualmente a simulação consistir, não na intervenção de um sujeito aparente, mas na
supressão de um sujeito real.
A interposição fictícia de pessoas não se deve confundir com a interposição real. Na
interposição fictícia há um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e interposto.
Este é um simples testa de ferro.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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A simulação objectiva ou sobre o conteúdo do negócio pode ser:
a) Simulação sobre a natureza do objecto: se o negócio ostentivo ou simulado resulta
de uma alteração do tipo negocial corresponde ao negócio dissimulado ou oculto.
b) Simulação de valor: incide sobre o “quantum” de prestações estipuladas entre as
partes

Efeitos da simulação quanto aos negócios formais


Os problemas suscitados pela aplicação aos negócios formais da doutrina geral da
simulação relativa (o negócio fictício ou simulado está ferido de nulidade, tal como a
simulação absoluta), encontram sua resposta no art. 241º/2 CC.
Resulta do teor desta disposição que, se não se cumpriram, no negócio simulado, os
requisitos de forma exigidos para o dissimulado, este será nulo por vício de forma,
mesmo que se tenham observado as formalidades exigidas para o negócio aparente. O
negócio simulado é nulo por simulação, o negócio dissimulado é nulo por vício de forma.
Os interessados no negócio dissimulado devem invoca-lo e devem prová-lo segundo o
regime do Código Civil; e também não pode o Tribunal se for uma declaração de
simulação absoluta, não pode este declarar uma simulação relativa (art. 238º CC)
O art. 242º/1 CC, dá legitimidade aos próprios simuladores, mesmo na simulação
fraudulenta, faculdade de arguir a simulação. Se o contrato for nulo, a nulidade pode ser
invocada por qualquer terceiro interessado (art. 286º CC).
A invocação da simulação pelos próprios simuladores ou terceiros (art. 243º/1 CC), diz
que a anulabilidade proveniente da simulação não pode ser invocada perante terceiros de
boa fé.

Inoponibilidade de simulação a terceiros de boa fé (art. 243º)


Tem sido suscitado um problema de Justiça principalmente no confronto das preferências
legais.
Se houver violação do direito de preferência, o preferente pode através de uma acção
própria (acção de preferência - art. 1410º CC), pode fazer se o negócio preferível.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
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Coimbra,

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Uma das simulações mais frequentes é a venda por um preço declarado por um valor
mais baixo que o real para fuga ao fisco.
Os terceiros preferentes não podem evocar boa fé para optarem por um preço inferior ao
real, porque isso equivaleria a enriquecimento estranho ao espírito do legislador.

Prova de simulação
A prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado por terceiros é livre, podendo
ser feita por qualquer dos meios admitidos por lei: confissão, documentos, testemunhas,
presunções etc., dado que lei não estabelece qualquer restrições.
Quanto à prova da simulação pelos princípios simuladores, a lei estabelece, quando o
negócio simulado conste de documento autêntico ou particular, a importante restrição
constante do art. 394º/2: não é admissível o recurso à prova testemunhal e,
consequentemente, estão também excluídas as presunções judiciais (art. 351º CC).

Reserva Mental
O art. 244º/1 CC, define reserva mental: (1) emissão de uma declaração contrária à
vontade real; (2) intuito de enganar o declaratário. Os efeitos desta figura são
determinados pelo art. 244º/2 CC, onde se estatui a irrelevância da reserva mental,
excepto se for conhecida do declaratário. Por consequência, a declaração negocial
emitida pelo declarante, com a reserva, ocultada ao declaratário, de não querer o que
declara, não é em princípio nula. Deixará, todavia de ser assim, sendo o negócio nulo,
como na simulação, se o declaratário teve conhecimento da reserva, por desaparecerem
então as razões que justificam aquele princípio geral. Se o declaratário conheceu a
reserva, não há confiança que mereça tutela.
Não bastará para a relevância da reserva, a sua cognoscibilidade, sendo necessário o seu
efectivo conhecimento.

A doutrina estabelecida vale mesmo que só por sua culpa o declaratário desconheça a
reserva, por se entender que o dolo do declarante apaga a culpa da outra parte, e vale
tanto para a chamada reserva inocente como para a reserva fraudulenta.
Mandando aplicar o regime da simulação à reserva conhecida do declaratário, a lei
considerar nula a declaração (art. 240º/2 CC), permite que a nulidade seja arguida pelo
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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próprio declarante em face do declaratário (art. 242º/1 CC), mas já não admite a sua
oponibilidade pelo declarante a terceiros de boa fé (art. 243º/1 CC).

Declarações não sérias (art. 245º CC)


São declarações não sérias a jocosas (“causa ludendi”), cénicas ou didácticas. Nelas não
há o intuito de enganar e há mesmo a expectativa do declarante de que não sejam
tomadas a sério. Se faltam nestes requisitos, como no gracejo jocoso feitos para enganar,
com a convicção de que o destinatário se convencerá da seriedade da declaração, a figura
é a da reserva mental.
O disposto no art. 245º/2 CC, é somente aplicável quando, não obstante a expectativa do
declarante, o declaratário acreditou na declaração e essa crença é justificável, dadas as
circunstâncias em que o caso ocorreu. Três condições são portanto, necessárias para que
o declarante seja obrigado a indemnizar a contraparte:
a) Que o declaratário tenha tomado a sério a declaração;
b) Que a convicção do declaratário tenha sido provocada pelas circunstâncias em que
a declaração foi emitida;
c) Que seja justificado, compreensível, aceitável o erro em que o declaratário caiu.

Coacção física ou coacção absoluta ou ablativa


Na coacção física ou absoluta o coagido tem a liberdade de acção totalmente excluída,
enquanto na coacção moral ou relativa está cerceada, mas não excluída.
O Código Civil prevê, sob a epígrafe “coacção física” (art. 246º), a hipótese de o
declarante ser “coagido pela força física a emitir” a declaração (“agitur sed non agit”).
Têm-se em vista as hipóteses em que o declarante é reduzido à condição de puro
autómato (coacção absoluta) e não aquelas em que o emprego da força física não chega
aos extremos da “vis absoluta”. A coacção física ou absoluta importa, nos termos do art.
246º, a ineficácia da declaração negocial.

Falta de consciência da declaração

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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A hipótese está referida no art. 246º: “se o declarante não tiver consciência de fazer uma
declaração negocial”. Estatui-se que o negócio não produz qualquer efeitos, mesmo que
a falta de consciência da declaração não seja conhecida ou cognoscível da declaratário.
Trata-se dum caso de nulidade, salvo no hipótese de falta de vontade de acção em que
parece estar-se, antes, perante um caso de verdadeira inexistência da declaração. Com
efeito, quando falta a vontade de acção não há um comportamento consciente, voluntário,
reflexo ou, na hipótese de coacção física, absolutamente forçado, embora exteriormente
pareça estar-se perante uma declaração.

Erro
O legislador parte do erro da declaração (art. 247º), regime geral. Admite a validade do
negócio no art. 248º, regula o erro de escrita ou de cálculo no art. 249º e o erro de
transmissão na declaração no art. 250º. Depois o erro vício sobre a pessoa ou objecto (art.
251º), passa a erros sobre os motivos determinantes (art. 252º/1) e conclui com erro de
base do negócio (art. 252º/2).

Erro na declaração ou erro-obstáculo


No erro-obstáculo, havendo embora uma divergência inconsciente entre a vontade e a
declaração, há um comportamento declarativo do errante, nas declarações, sob o nome de
outrem não há qualquer comportamento por parte do sujeito a quem a declaração é
atribuída.
Da declaração sob o nome de outrem pode pretender que o negócio vincule o sujeito ao
qual, aparentemente, diz respeito, mesmo que outra parte se não tenha apercebido da
falsificação (art. 247º CC).
O negócio será, porém eficaz relativamente ao declarante aparente (“dominus negotti”)
se este o quer aprovar, pois, se as vontades se encontram efectivamente “falsa
demonstratio non nocet”.
A vontade formou-se correctamente, porém aquando da exteriorização houve uma falta
de tal modo que a declaração não retracta a vontade. Para que haja relevância neste erro,
a lei apenas exige:
· Essencialidade para o declarante do elemento sobre o elemento que recai o erro;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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· Exige o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário ou o dever de o
declaratário a conhecer.
Quando há desvio na vontade de acção (“lapsus linguae” ou “lapsus calami”; erro
mecânico) ou desvio na vontade negocial (erro juiz). Nestas hipóteses o declarante tem a
consciência de emitir uma declaração negocial, mas, por lapso da actividade ou por
“error in judicando”, não se apercebe de que a declaração tem um conteúdo divergente
da sua vontade real. Por esse motivo fala-se, para estes casos de “erro sobre o conteúdo
da declaração”.
O princípio geral regulador destas hipóteses consta do art. 247º, exigindo-se para a
anulação do negócio que “o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
A lei não exige, porém, o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, admitindo a
anulabilidade em termos excessivamente fáceis e gravosos para a confiança do
declaratário e para a segurança do tráfico jurídico. Contenta-se com o conhecimento ou a
cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, embora este
conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca
da correspondência entre vontade real e a declarada.
Certas hipóteses merecem tratamento especial, assim:
1. Se o declaratário se apercebeu do dissídio entre a vontade real e a declarada e
conheceu a vontade real (art. 236º/2 CC). As razões que estão na base da doutrina da
declaração – tutela da boa fé do declaratário – não colhem nesta hipótese;
2. Se o declaratário conheceu ou devia ter conhecido o erro, o regime aplicável
continua a ser a anulabilidade e não a nulidade verdadeira e própria.

3. Se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria, a anulabilidade


fundada em erro não procede (art. 248º CC). A validação do negócio, nesta hipótese, tem
uma explicação análoga à da solução indicada em 1).
4. O erro de cálculo e o erro de escrita, ostensivamente relevados no contexto da
declaração ou nas circunstâncias que a acompanham, não dão lugar à anulabilidade do
negócio mas apenas à sua rectificação (art. 249º CC).

Erro na transmissão da declaração


4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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Esta hipótese está prevista no art. 250º, que a regulamenta nos mesmos termos do erro-
obstáculo. O erro na transmissão da declaração não tem portanto relevância autónoma
desencadeará o efeito anulatório, apenas nos termos do art. 247º CC.
Estabelece-se uma excepção a este regime geral, no art. 250º/2, admitindo-se a anulação,
sempre que o intermediário emita intencionalmente (com dolo) uma declaração diversa
da vontade do “dominus negotti”. Compreende-se que o declarante suporte o risco de
transmissão defeituosa, de uma deturpação ocorrida enquanto a declaração não chega à
esfera de declaratário, uma adulteração dolosa deve, porém, considerar-se como
extravasando o cálculo normal de risco a cargo do declarante.
Para que o erro seja relevante, exija-se sempre que o declaratário assuma a essência do
motivo:
· Ou porque conhecia o motivo (art. 251º, 252º/2 CC);
· Ou porque havia de o conhecer (art. 251º, 252º/2 CC);
· Ou porque o declaratário reconheceu por acordo como declarante a essencialidade
do motivo (art. 252º/1 CC).
Os requisitos, do erro relativo ao destinatário da declaração seja qual for a modalidade,
tem sempre a intenção de acautelar o interesse do declaratário (na subsistência do
negócio). Traduzem-se numa limitação da relevância invalidaste do erro protegendo
essencialmente a confiança que ao declaratário razoavelmente podia merecer a
declaração.
A declaração vale por si mesma sem ser dirigida ou levada por alguém, a razão de ser
destes requisitos não se leva aos negócios jurídicos recepiendos. Só se põe aos negócios
formais.

Erro sobre a base do negócio


Abrange o erro que incida sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio
(quando se celebra certo negócio jurídico existem várias circunstâncias que determinam
as partes a praticar ou a não praticar aquele acto concreto e ou a faze-lo com certo
conteúdo), a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias (de facto e de
direito) que sendo conhecidas de ambas as partes foram tomadas em consideração por

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elas na celebração do acto, também determinam os termos concretos do conteúdo do
negócio (art. 437º/1 CC).
Estas circunstâncias têm que ser contemporâneas do negócio ou são passadas, mas não
podem ser futuras.
Este requisito do erro na fase do negócio como erro de vício de marca-o da sua posição.
O erro da base do negócio pode ainda referir-se a quaisquer outras circunstâncias do acto
que ainda sejam relevantes.
Da remissão do art. 252º/2 CC, resulta que o erro sobre a base do negócio é relevante
desde que: (1) incida sobre circunstâncias (patentemente fundamentais) em que as partes
fundaram a decisão de contratar; (2) desde que essas circunstâncias sejam comuns a
ambas as partes; (3) desde que a manutenção do negócio tal como foi celebrado seja
contrária à boa fé.
Se se considerar que o erro sobre a base do negócio é relevante no valor do negócio (há
várias dificuldades de interpretação do art. 252º/2 CC); não se pode sustentar a aplicação
imediata e directa dos arts. 437º e 439º CC. No erro sobre a base porque essa aplicação
directa implicava a imediata razoabilidade do negócio, duas razões:
· Hipótese contemplada no art. 252º/2, é uma hipótese de um verdadeiro erro (vicio
contemporâneo da vontade na formação do acto), a resolução é um instituo adequado à
regulação ou regulamentação de problemas de vicissitudes, contrariedades surgidas
durante a vida do acto – vício genérico do negócio, gera a invalidade.
· O erro sobre a base do negócio, é também um vício na formação da vontade, na
falta de razões que sejam justificativas é razoável admitir uma solução que seja mais
ajustada ao tratamento comum, aos vícios da formação da vontade, impõe a anulabilidade
do negócio.
Deixam em aberto, tudo o mais que é remissão para os arts. 437º e 439º CC.
Se o erro for relevante na base do negócio ou é anulável ou é modificável (se as partes
estiverem de acordo e pode ser pedido por qualquer das partes) devendo essa modificação
ser feita sobre juízos de equidade.
Todo o negócio jurídico tem um conteúdo e um objecto. Conteúdo, é o conjunto de
regras que pode ter celebrado um negócio têm aplicação sobre aquilo que as partes
entenderam dispor. Do conteúdo deve-se distinguir o objecto, isto porque este não tem a
ver com a regulação em si, tem a ver com o “quid” sobre que vai recair essa relação
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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negocial propriamente dita (contrato de compra e venda). O conteúdo de qualquer
negócio analisa-se em dois tipos de elementos:
· Elementos normativos: são aqueles que correspondem às regras que são aplicáveis
para efeitos da lei. Dentro destes tem-se os injuntivos, fixados na lei; os supletivos,
fixados na lei caso as partes não se pronunciarem sobre eles, mas que as partes tem
liberdade de alterar.
· Elementos voluntários: tem a ver com as regras combinadas entre as partes. Aqui
ainda se tem, os necessários, são aqueles factores que embora estejam da disponibilidade
das partes têm de estar fixados no contrato; os eventuais, as partes só os incluem se as
partes assim o quiserem.

Forma da declaração negocial


O formalismo negocial tem as seguintes vantagens:
a) Assegura uma mais elevada dose de reflexão das partes. Nos negócios formais, o
tempo, que medeia entre a decisão de concluir o negócio e a sua celebração, permite
repensar o negócio e defende as partes contra a sua ligeireza ou precipitação. No mesmo
sentido concorre a própria solenidade do formalismo.
b) Separa os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual (negociação).
c) Permite uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes.
d) Proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio e por
seu turno, evitando-se os perigos ligados à falível prova por testemunhas.
e) Possibilita uma certa publicidade do acto, o que interessa ao esclarecimento de
terceiros.
Estas vantagens pagam-se porém, pelo preço de dois inconvenientes principais:
a) Redução da fluência e celeridade do comércio jurídico;

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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b) Eventuais injustiça, derivadas de uma desvinculação posterior de uma parte do
negócio, com fundamento em nulidade por vício de forma, apesar de essa parte ter
querido efectivamente o acto jurídico negociável.
Ponderando as vantagens e inconvenientes do formalismo negocial, sancionou o Código
Civil (art. 219º) o princípio da liberdade de forma ou da consensualidade. Considerando,
quanto a certos negócios, prevalecerem as vantagens sobre os inconvenientes, admitiu,
porém, numerosas e importantes excepções a esse princípio.
O formalismo exigível para um certo negócio pode ser imposto por lei (forma legal) ou
resultar de uma estipulação ou negócio jurídico das partes (forma convencional).
O reconhecimento das estipulações das partes sobre forma do negócio não significa que
os particulares possam afastar, por acordo, as normas legais que exigem requisitos
formais para certos actos, pois trata-se de normas imperativas. O reconhecimento da
forma convencional significa apenas, poderem as partes exigir determinados requisitos
para um acto, pertencente a um tipo negocial que a lei regula como não formal ou sujeita
a um formalismo menos solene.
O negócio dirigido à fixação de uma forma especial para um ulterior negócio não está
sujeito a formalidades (art. 223º CC). O Código Civil consagrou a regra dos pactos
abolitivos ou extintivos, na medida em que estatui, em princípio, que as estipulações
acessórias anteriores ao negócio ou contemporâneas dele devem revestir a forma exigida
pela lei para o acto, sob pena de nulidade (art. 221º). Admite-se contudo, na mesma
disposição, restrições a este princípio. Reconhece-se a validade de estipulações verbais
anteriores ao documento exigido para a declaração negocial ou contemporâneas dele,
desde que se se verifiquem, cumulativamente, as condições:
a) Que se trate de cláusulas acessórias;
b) Que não sejam abrangidas pela razão de ser da exigência do documento;
c) Que se prove que correspondem à vontade das partes.
A possibilidade de as estipulações acessórias não formalizadas, a que se refere o art. 221º,
produzirem efeitos é bem menos do que “prima facie” pode parecer. Isto dado disposto
no art. 394º que declara inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto
convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou
particulares.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Quanto aos pactos modificativos e aos pactos extintivos ou abolitivos o art. 221º/2,
dispensa-os de forma legal prescrita para a declaração, se as razões da exigência especial
da lei não lhes forem aplicáveis.

Consequências da inobservância da forma


a) Distinção doutrinal entre formalidades “ad substatian”, são insubstituíveis por
outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das
formalidades simplesmente “ad probationem”, pode ser suprida por outros meios de
prova mais difíceis de conseguir.
b) Consequências da inobservância da forma no nosso direito:
· Inobservância da forma legal: em conformidade com a orientação da generalidade
das legislações e com os motivos de interesse público que determinam as exigências
legais de forma, o Código Civil liga à inobservância da forma legal a nulidade, e não a
mera anulabilidade (arts. 289º, 473º, 482º…). A nulidade deixará de ser a sanção para a
inobservância da forma legal, sempre que, em casos particulares, a lei define outra
consequência (art. 220º CC).
· Inobservância da forma convencional: rege a este respeito o art. 223º. É obvio
que, tratando-se de averiguar quais as consequências da falta de requisitos formais que a
lei não exige, mas as partes convencionaram, a resposta ao problema posto deve ser
pedida, em primeiro lugar, à vontade das partes. O art. 223º limita-se a estabelecer
presunções que, como todas as presunções legais, são em princípio meramente relativas
ou “tantum iuris” (art. 350º CC). Essas presunções são duas, variando com o facto que é
da presunção, assim:

1. Se a forma especial foi estipulada antes da conclusão do negócio, consagra-se uma


presunção de essencialidade, isto é, presume-se que, sem a observância da forma, o
negócio é ineficaz, a forma tem, pois, carácter constitutivo;
2. Se a forma foi convencionada após o negócio ou simultaneamente com ele,
havendo, nesta última hipótese, fundamento para admitir que as partes e quiseram
substituir o negócio, suprimindo-o e concluindo-o de novo, mas apenas visaram
consolidá-lo por qualquer outro efeito.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Para além daquelas divergências, existem ainda os vícios da vontade.
Estes situam-se no elemento interno da declaração e são 5:

 Erro vício – 251º e 252º

 Dolo – 253º e 254º

 Coação moral – 255º e 250º

 Incapacidade acidental – 251º

 Estado de necessidade – 282º


Todas estas situações são anormalidades, patologias jurídicas.

Vícios da vontade
Trata-se de perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que
esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e
valorados, pelo Direito, como ilegítimos. A vontade não se formulou de um “modo
julgado normal e são”. São vícios da vontade:
- Erro;
- Dolo;
- Coacção
- Medo;
- Incapacidade acidental.
A consequência destes vícios traduz-se na invalidação do negócio, tendo para isso os
vícios de revestir-se de certos requisitos. Quando esses vícios são relevantes, geram a
anulabilidade do respectivo negócio.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Erro com o vício da vontade: noção
O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer
circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o
negócio.
Tem as seguintes categorias:
a) Erro sobre a pessoa do declaratário: resulta do texto da lei respeitando ao facto de
estar apenas em causa a pessoas do declaratário. Se se referir a outras pessoas declarantes
já se aplica o art. 252º/1 CC. O erro pode referir-se à sua entidade, a qualquer qualidade
jurídica ou que não concorra na pessoa do declaratário, quaisquer outras circunstâncias.
b) Erro sobre o objecto do negócio: deve aceitar-se que ele abrange o objecto material
como jurídico (conteúdo), o erro aqui relevante quando relativo ao erro material reporta-
se à entidade ou às qualidades objectivas (art. 251º -247º);

c) Erro sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do


negócio (art. 252º CC).

Condições gerais do erro-vício como motivo de anulabilidade


É corrente na doutrina a afirmação de que só é relevante o erro essencial, isto é, aquele
que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que
foi concluído. O erro si causa da celebração do negócio e não apenas dos seus termos. O
erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um
negócio com outro objecto ou outro tipo ou com outra pessoa.
Já não relevaria o erro incidental isto é, aquele que influiu apenas nos termos do negócio,
pois o errante sempre contraria embora noutras condições. O erro, para revelar, deve
atingir os motivos determinantes da vontade (art. 251º e 252º CC).
O erro só é próprio quando incide sobre uma circunstância que não seja a verificação de
qualquer elemento legal da validade do negócio.

Dolo: conceito
O dolo tem uma dupla concepção completamente distinta, pode ser:

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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- Uma sugestão ou artifício usados com o fim de enganar o autor da declaração (art.
253º/1 CC);
- A modalidade mais grave de culpa é a contraposta à mera culpa ou também
negligência (art. 483º/1 CC).
Em Direito Civil, o que está em causa é a primeira acepção. O dolo dá lugar a uma
espécie agravada de erro, porque o dolo é erro provocado.
A noção de dolo consta do art. 253º/1. Trata-se dum erro determinado por um certo
comportamento da outra parte. Só existirá dolo, quando se verifique o emprego de
qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em
erro o autor da declaração (dolo positivo ou comissivo), ou quando tenha lugar a
dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo,
omissivo ou de consciência).
A relevância do dolo depende da sistematização colhida pela doutrina e jurisprudência,
depende de três factores:
1. Que o declarante esteja em erro;
2. Que o erro tenha sido causado ou tenha sido dissimulado pelo declaratário ou
terceiros;
3. Que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou
embuste.
Para Castro Mendes, “a relevância do dolo depende de uma dupla causalidade, é preciso
que, primeiro, o dolo seja determinante do erro, e que esse erro (segundo) seja
determinante do negócio”.

Modalidades
a) Dolo positivo e dolo negativo (art. 253º/1 CC);
b) “Dolus bonus” e “dolus malus”: só é relevante, como fundamento da
anulabilidade, o “dolus malus”. A lei tolera a simples astucia, reputada legítima pelas
concepções imperantes num certo sector negocial. A lei declara não constituírem dolo
ilícito sendo, portanto, “dolus bonus”, as sugestões ou artifícios usuais, considerandos
legítimos, segundo as concepções dominantes no comércio jurídico (art. 253º/2 CC);
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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c) Dolo inocente, há mero intuito enganatório, dolo fraudulento, há o intuito ou a
consciência de prejudicar.
d) Dolo proveniente do declaratário e dolo proveniente de terceiro: para a relevância
do dolo de terceiro, são exigidas certas condições suplementares que devem acrescer às
do dolo de declaratário e o seu efeito é mais restrito. Existirá, não apenas dolo de terceiro,
mas também dolo do declaratário, se este for cúmplice daquele, conhecer ou dever
conhecer a actuação de terceiros (art. 254º/2 CC).
e) Dolo essencial ou determinante, o enganado (“deceptus”) foi induzido pelo dolo a
concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído, sem dolo
não se teria concluído qualquer negócio; dolo incidental, “deceptus” apenas foi
influenciado, quanto aos termos do negócio, pois sempre, contrataria, embora noutras
condições.

Condições de relevância do dolo como motivo de anulação


O principal efeito do dolo é a anulabilidade do negócio (art. 254º/1 CC), mas acresce a
responsabilidade pré-negocial do autor do dolo (decpetor), por ter dado origem à
invalidade, com o seu comportamento contrário às regras da boa fé, durante os
preliminares e a formação do negócio (art. 277º). A responsabilidade do autor do dolo é
uma responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negativo. Em suma:
o “deceptus” tem o direito de repristinação da situação anterior ao negócio e à cobertura
dos danos que sofreu por ter confiado no negócio e não teria sofrido sem essa confiança.
Ao invés, não pode pretender ser colocado na situação em que estaria se fossem
verdadeiros os factos fingidos perante ele.

Erro qualificado (por dolo)


Se o erro for simples, o negócio só é anulável, se o erro recair sobre um elemento
essencial do negócio, e também é anulável se o declaratário conhecer ou dever conhecer
essa essencialidade. Erro qualificado por dolo, a anulabilidade pode surgir se ela for
determinante da vontade.
Se se tratar um quadro comparativo do caso do erro simples e do erro qualificado pode-se
dizer que há uma maior anulação do negócio quando á dolo. Os requisitos de relevância
do erro qualificado (dolo) são menos exigentes que o erro simples.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Diz-se quando é provocado por dolo relevante (art. 253º/1 CC):
· A conduta dolosa deve provir de declaratário ou de terceiro (art. 253º/1 CC),
embora o regime do dolo não é diferente da pessoa do autor do dolo;
· O autor do dolo é o decpetor, o contraente – enganado – o decepto.
A noção de dolo contida no art. 253º, é muito ampla, mas à a destacar as diversas formas
em que o dolo se apresenta. Compreende:
1. Condutas positivas intencionais, que sobre qualquer forma de artifício ou sugestão
visem um dos seguintes fins:
a) Fazer cair alguém em erro;
b) Manter o erro em alguém que se encontre;
c) O encobrir o erro em que alguém se encontre.
2. Condutas positivas não intencionais, com as características e os fins mencionados
atrás, desde que o decpetor tenha a consciência que através delas está a prosseguir esses
fins.
3. Condutas omissivas que constituam em não esclarecer o declarante do seu erro.

A coacção: conceito
Consta do art. 255º/1, e consiste no “receio de um mal de que o declarante foi
ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração”. É, portanto, a perturbação
da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal),
cominada com o intuito de extorquir a declaração negocial.
Só há vício da vontade, quando a liberdade do coacto não foi totalmente excluída, quando
lhe foram deixadas possibilidade de escolha, embora a submissão á ameaça fosse a única
escolha normal.
Só se cairá no âmbito da coacção física (absoluta ou ablativa), quando a liberdade
exterior do coacto é totalmente excluída e este é utilizado como puro autómato ou
instrumento.
A coacção moral origina a anulabilidade do negócio (art. 256º CC) e dá lugar igualmente
á responsabilidade pré-negocial do coactor (art. 227º CC). Verifica-se a anulabilidade, e
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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não a nulidade, mesmo que o coacto tenha procedido com reserva mental, ao emitir a
declaração.
São necessários três elementos, cumulativamente, para que exista coacção moral:
1. Ameaça de um mal, todo o comando do coactor que consta em desencadear o mal
ou consiste no mal já iniciado. Este mal pode respeitar á pessoa do coagido (há sua
honra) e ao seu património, pode ainda haver ameaça relevante se respeitar à pessoa,
património deste ou de terceiro.
2. Ilicitude da ameaça, a existência deste requisito vem duplamente estabelecida na
lei (art. 255º/1 e 255º/3 CC), se a ameaça se traduz na prática de um acto ilícito, está-se
perante coacção, constitui coacção, o exercício normal do direito (n.º 3).
3. Intencionalidade da ameaça, consiste em o coactor com a ameaça tem em vista
obter do coagido a declaração negocial (art. 255º/1 CC), esta ameaça deve ser
cominatória, este requisito da intencionalidade falta de o coagido emitir outra declaração
que não aquela que a ameaça se dirigia.
Para que exista moral relevante (coacção anulatória do negócio) é necessário dos
elementos referidos:
- Requisitos da casualidade ou essencialidade, dupla casualidade, medo, este
provocado por coacção moral e esta casualidade apresenta-se num duplo plano, é
necessário que o medo resulte da ameaça do mal e por outro lado, o medo causado pela
ameaça há-de ser a causa da declaração.
- Não é requisito de relevância da coacção a existência de prejuízo para o coagido.
- No regime de relevância deste vício há que distinguir se a coacção vem do
declaratário ou de terceiro (art. 256º CC, à contrario).
A coacção constitui um acto ilícito, geral tal como o dolo.

Temor reverencial (art. 255º/3 CC)


Consiste no receito de desagradar a certa pessoa de quem se é psicológica, social ou
economicamente dependente.
Pretende afastá-lo como causa relevante do medo, tendo como consequência que o acto
praticado por temor reverencial, tem por fonte um dever, que é a contrapartida de um
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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poder funcional. O temor reverencial é irrelevante porque não haveria nunca ameaça
ilícita, porque a conduta do pertenço coactor, mais não é o exercício normal desse poder.
Deixará de haver simples temor reverencial se exceder no exercício do poder que lhe é
atribuído.

Medo
O que está em causa é a própria liberdade de libertação do declarante que fica afectada.
Consiste na intervenção, no processo de formação da vontade de um factor (que é uma
precisão), faz com que o declarante queira algo que de outro modo não queria.
Não há uma exclusão da vontade, mas há uma vontade formada de modo viciado. Em
sentido jurídico do termo, pode-se dizer que quem age condicionado por medo, quer ter
aquela conduta que adoptou, mas que essa pessoa não queria esse tipo de conduta se não
fosse o receio de que contra o declarante viesse a surgir um mal se ele não agisse daquela
maneira.
“Coactus tamén voluit” (o coagir também quer). Esta construção jurídica do medo é
menos nítida que no erro, porque há situações em que não se pode excluir que com essa
situação de medo não estar também uma certa reserva mental.
No caso do medo. Só faz sentido se ele resultar de coacção moral, o declarante finge
querer o negócio para fazer cessar a violência ou para impedir ou cessar a ameaça de algo
que ele realmente não quer.
No medo, há sempre a previsão de um dano que provém da consequência de um mal que
ameaça o declarante emitindo uma declaração para impedir que o dano se concretize.
Como consequência, a sua vontade está viciada, porque ele não agiu livremente, mas
dominado por aquela previsão de dano. Este medo não é uma emoção psicológica, mas
verifica-se o medo quando o agente pondera o risco da ameaça do mal.

O medo consiste na previsão de danos emergentes de um mal que impende sobre o


declarante por virtude da qual ele emite certa declaração negocial que noutras
circunstâncias não queria, causas:
· Pode advir de uma situação criada por acto humano;
· Causas que têm origem pela própria força da natureza.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Incapacidade Acidental
A hipótese está prevista no art. 257º CC, onde se prescreve a anulabilidade, desde que se
verifique o requisito (além da incapacidade acidental) destinado à tutela da confiança do
declaratário a notoriedade ou o conhecimento da perturbação psíquica.
Para se conseguir a anulação de uma declaração negocial, com base neste preceito é
necessário:
a) Que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por
anomalia psíquica, ou por qualquer outra causa em condições psíquicas tais que não lhe
permitiam o entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade.
b) Que esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.

Estado de Necessidade
Situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que determinará o necessitado a
celebrar um negócio para superar o perigo em que se encontra.
A hipótese dos negócios em estado de necessitado deve subsumir-se na previsão do art.
282º, onde se estatui a anulabilidade dos chamados negócios usurários. Devem verificar-
se os requisitos objectivos: benefícios excessivos ou injustificativos, tem de haver uma
desproporção manifesta entre as prestações.
Devem igualmente, verificar-se requisitos subjectivos, a saber:
1. Exploração de situações tipificadas, que não é excluída pelo facto de a iniciativa do
negócio provir do lesado;
2. Uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental
ou fraqueza de carácter.
A anulabilidade, prescrita no art. 282º, pode porém, a requerimento do necessitado ou na
parte contrária, ser substituída (art. 283º CC) pela notificação do negócio, segundo juízos
de equidade (redutibilidade).

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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A. Vícios na Formação da Vontade

a) Ausência de vontade:
- Coacção física (art. 246º CC);
- Falta de consciência da declaração (art. 246º CC);
- Incapacidade acidental (art. 257º CC).

b) Vontade deficiente:
- Por falta de liberdade (coacção moral - arts. 255º e segs. CC);
- Por falta de conhecimento (erro-vício, arts. 251º, 252º, 253º CC);
- Por ambos (incapacidade acidental - art. 257º CC em parte)

B. Divergências Entre a Vontade e a Declaração

a) Divergências intencionais:
- Simulação (art. 240º e segs. CC);
- Reserva mental (art. 244º e segs. CC);
- Declarações não sérias (art. 245º CC).

b) Divergências não intencionais:


- Erro-obstáculo (art. 247º CC);
- Erro de cálculo ou de escrita (art. 249º CC);
- Erro na transmissão (art. 250º CC).

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

201
201
201
Figuras Jurídicas
Divergências entre a vontade e a declaração

Divergências Intencionais
Falta e vício da vontade
Artigo 240 CC

Simulação  com conluio (acordo secreto)


Terceiros – São todos aqueles que não são parte (não são declarante nem declaratário)
Elementos da simulação, têm de ser cumulativos, requisitos

1º. Acordo simulatório


2º. Intenção de enganar terceiros
3º. Divergência entre a vontade real e vontade declarada
Exemplo 1:
O Sr. A tem 1 casa arrendada ao Sr. C. Mas o Sr. A quer vender a casa ao Sr. B que a
quer comprar, e entre os 2 simulam 1 doação do Sr. A para o Sr. B que este último
aceita, para que o Sr. C não posso usufruir do preferência na aquisição. O Sr. A. Fez
escritura pública da casa que doou ao Sr. B e este aceitou a doação.
Vejamos:

 O Sr. A não doou a casa que possui. Vendeu a casa ao Sr. B. (existe aqui 1 acordo
simulatório entre o Sr. A e o Sr. C)
 O Sr. B comprou a casa ao Sr. A. (Há vontade de enganar o Sr. B)
 Declararam uma doação, por escritura pública, e o que houve foi uma compra e
venda verbal. (Existe divergência entre a vontade real – doação – e a vontade declara –
compra e venda)
Concluindo:
Este negócio jurídico está ferido por SIMULAÇÃO RELATIVA e é portanto NULO, de
acordo com o artigo 241º do CC e ainda de acordo com o artigo 220º também do CC não
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

202
202
202
obedeceu à forma legal, ou seja foi feita uma escritura de doação quando devia ter sido
feita compra e venda.

Exemplo 2:
O Sr. A está cheio de dívidas, e os credores não o largam.
O Sr. A possui 1 terreno e receia que os credores o penhorem.
Para tentar retirar o dito terreno da sua esfera jurídica, o Sr. A fala com 1 amigo de longa
data, em quem tem uma confiança ilimitada, e combinam fazer 1 escritura em que o Sr.
A vende o terreno em causa ao amigo que o compra (fazem isto para enganar os
credores, é a chamada venda fantástica). O terreno agora “vendido” ao amigo, de que o
Sr. A não recebe qualquer valor, será, passados alguns anos “vendido” novamente ao Sr.
A pelo amigo, conforme fora combinado.
 O Sr. A não vendeu o terreno que possui ao amigo. (existe aqui 1 acordo simulatório
entre o Sr. A e o amigo)
 O amigo não comprou o terreno ao Sr. A. (Há vontade de enganar terceiros, os
Credores)
 Declararam uma compra e venda, por escritura pública, e não houve compra e
venda verbal. (Existe aqui uma simulação absoluta - 1 só negócio – artigo 240º CC)
Concluindo:
Este negócio jurídico está ferido por SIMULAÇÃO ABSOLUTA e é portanto NULO, de
acordo com o artigo 240º do CC.

Absoluta – Artigo 240º CC –


NULO (Por trás do negócio,
nada está escondido

Por supressão do sujeito


real 
Subjectiva ou
Simulação dos sujeitos

Interposição fictícia do
sujeito 

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

203
203
203
Relativa – Artigo 241º CC Sob a natureza do negócio 
Objectiva

Sob o valor 

  Fingimos fazer 1 doação e fazemos 1 venda.

  Declaramos a venda por um preço inferior ao real. O negócio é valido, só o preço


é que é nulo.

  1 Construtor civil celebra 1 venda 10 apartamentos a 1 investidor, sob a condição


de a escritura de compra e venda ser feita a pessoas que o investidor indicar e que ainda
vai arranjar.
Trata-se de 1 negócio simulado relativo, subjectiva de sujeitos, e existe aqui 1 supressão
do sujeito real. Assim o investidor não paga impostos nem pela propriedade nem pela
venda.

  A é casado com B e é proprietário de 1 automóvel que não é utilizado em conjunto


pelo casal.
A quer dar o automóvel a C que é 1 senhora muito sua amiga – artigo 953º CC -e se C for
amante de A – artigo 2196º CC – a doação é nula.
Para contornar a impossibilidade legal de doar o automóvel, A combina com D (que é
amigo de A e C) a venda do automóvel, desde que D de seguida doe a C.
Temos aqui 1 interposição fictícia de sujeito – artigo 242º CC. O negócio é nulo por
violar o artigo 2196º, e ainda porque simulou 1 doação a D para que este doasse a C o
automóvel – artigos 240º, 241º e 242º CC.

Simulação inocente  visa enganar, mas não prejudicar.

Simulação fraudulenta  visa enganar e prejudicar.

Reserva mental
Exemplo:
A doa 1 quinta a B. C é sobrinho de A e vive com a de que cuida.
A não quer morrer sem doar a quinta a B, por quem o primeiro tem muita estima, mas
receia que o sobrinho, C, possa ficar ofendido.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

204
204
204
Para melindrar o sobrinho, C, o A faz 1 venda fictícia a B (venda dissimulada) a (doação
é real). Temos aqui 1 simulação inocente.
Neste caso a venda é nula porque é simulada, mas a doação é valida – existe 1 vício de
forma, porque não houve escritura de doação mas sim de venda.
No dia seguinte à anulação do negócio simulado, o A faz 1 escritura de doação a favor de
B.
1º. Declaração contrária à vontade
2º. Intuito de enganar o declaratário
Alguém emitir 1 declaração que não corresponde à sua vontade, com intuito de enganar o
declaratário.

Efeitos – Artigo 244º CC


O contrato seria válido, nem que fosse só pela reserva mental. A reserva em si, não
prejudica a declaração, nº 2 do artigo 244º CC.
O negócio jurídico é válido, a não ser que o declaratário soubesse que estava a ser
enganado, aqui o negócio é nulo.

Declarações não sérias


Artigo 245º CC – feita na expectativa de que a declaração não seja levada a sério.
As declarações não sérias podem ser: cínicas, didácticas ou pedagógicas, publicitárias,
jocosas, etc. Não produzem efeitos, a não ser que o declaratário aceite justificadamente, e
neste último caso tem direito a indemnização pelo prejuízo sofrido

A Divergência Entre a Vontade e a Declaração


Formas possíveis de divergência
Normalmente o elemento interno (vontade) e o elemento externo da declaração negocial
(declaração propriamente dita) coincidirão.
Pode, contudo, verificar-se por causas diversas, uma divergência entre esses dois
elementos da declaração negocial. A normal relação de concordância entre a vontade e a
declaração (sentido objectivo) é afastada, por razões diversas, em certos casos anómalos.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

205
205
205
À relação normal de concordância substitui-se uma relação patológica. Está-se perante
um vício da formulação da vontade.
Esse dissídio ou divergência entre vontade real e a declaração, entre “querido” e o
“declarado”, pode ser uma divergência intencional, quando o declarante emite,
consciente e livremente uma declaração com um sentido objectivo diverso da sua vontade
real. Está-se perante uma divergência não intencional, quando o dissídio em apreço é
involuntária (porque o declarante se não apercebe da divergência ou porque é forçado
irresistivelmente a emitir uma declaração divergente do seu real intento).
A divergência intencional pode apresentar-se sob uma de três formas principais:
a) Simulação: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade
real, por força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros.
b) Reserva mental: o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua
vontade real, sem qualquer conluio com o declaratário, visando precisamente enganar
este.
c) Declarações não sérias: o declarante emite uma declaração não coincidente com a
sua vontade real, mas sem intuito de enganar qualquer pessoa (declaratário ou terceiro).
O autor da declaração está convencido que o declaratário se apercebe do carácter não
sério da declaração. Pode tratar-se de declarações jocosas, didácticas, cénicas,
publicitárias, etc.…
A divergência não intencional pode consistir:
· Erro-obstáculo ou na declaração: o declarante emite a declaração divergente da
vontade, sem ter consciência dessa falta de coincidência.
· Na falta de consciência da declaração: o declarante emite uma declaração sem
sequer ter consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar
completamente a vontade de agir.
· Coacção física ou violência absoluta: o declarante é transformado num autómato,
sendo forçado a dizer ou escrever o que não quer, não através de uma mera ameaça mas
por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e leva a
adoptar o comportamento.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

206
206
206
Teorias que visam resolver o problema da divergência entre a vontade e a
declaração
a) Teoria da vontade: propugna a invalidade do negócio (não vale nem a vontade real
nem a declarada), desde que se verifique uma divergência entre a vontade e a declaração
e sem necessidade de mais requisitos.
b) Teoria da culpa “in cotrahendo”: parte da teoria da vontade, mas acrescenta-lhe a
obrigação de indemnizar a cargo do declarante, uma vez anulado o negócio com
fundamento na divergência, se houve dolo ou culpa deste no dissídio entre a vontade e a
declaração e houve boa fé por parte do declaratário; a indemnização visa cobrar o
chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, isto é, visa repor o
declaratário, lesado com a invalidade, na situação em que estaria se não tivesse chegado a
concluir o negócio.
c) Teoria da responsabilidade: enquanto a teoria da vontade arranca da consideração
de que a essência do negócio está apenas na vontade do declarante (dogma da vontade), a
teoria da declaração, embora de modo diverso, em conformidade com as suas
modalidades, dá relevo fundamental à declaração, ou seja, ao que foi exteriormente
manifestado. Comporta diversas modalidades:
1) Modalidade primitiva e externa, características dos direitos formalistas onde se
consagra uma adesão rígida à expressão literal – se a forma ritual foi observada,
produzem-se certos efeitos, mesmo que não tenham sido queridos.
2) As modalidades modernas e atenuadas, em particular a doutrina da confiança, a
divergência entre a vontade real e o sentido objectivo da declaração, isto é, o que um
declaratário razoável lhe atribuíra, só produz a invalidade do negócio se for conhecida ou
cognoscível do declaratário.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

207
207
207
Outra modalidade de erro – erro na declaração

Diz-se Erro na declaração apenas para o distinguir de erro vício

Art.250º - erro na declaração, erro na transmissão da declaração, na formulação

Divergência não intencional, decorre de um lapso, também chamado de erro na formulação


da vontade

O regime que aqui se aplica é o do 247º - são negócios anuláveis desde que….

Este erro não é portanto erro de vicio.

1. Erro vício
O erro que pode incidir sobre a pessoa do declaratório ou sobre o objecto de negócio –
251º
Erro residual – erro sobre os motivos – 252º
Erro vício – erro na formação da vontade, a decisão é viciada, normalmente por
ignorância. A pessoa convence-se de algo que não é assim.

A formulação é diferente da formação

Nota: distinga erro vício de erro na vontade


Consequências:
Erro vício – anulabilidade
Erro na declaração – anulabilidade
Em ambas, o declarante engana-se

2. Dolo – 253º
O declarante é enganado

Pode ser:

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

208
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208
Positivo – quando exista sugestão ou artifício com intenção de induzir ou manter uma
pessoa em erro;
Negativo – Dissimulação do erro do declarante. O declarante não é esclarecido, o
declaratário mantém-se em silêncio.

O Dolo pode ainda ser:


Lícito – qualidades subjectivas do objecto. Este tipo de dolo é muito frequente, usual.
Ilícito – qualidades objectivas do objecto

O dolo negativo pode também ser lícito, isto acontece quando o declaratário não tem
obrigação de esclarecer o declarante.

3. Coacção moral – 255º


O meio ou o fim é ilícito.
Nota: temor reverencial não é coacção

Consequência: anulabilidade. Tem um ano, após a cessação da coacção para ser


interposto.

4. Capacidade acidental – 257º


Inabilitados

5. Estado de necessidade (fora desta ordem na lei) – 282º


Diferente do estado de necessidade do art.339º, juridicamente só tem de igual o nome.
Art.282º - negócios usurários.
“…Quando alguém, explorando a situação de necessidade….excessivos ou
injustificados”
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

209
209
209
Este tipo de exploração é muito próxima da coacção moral.
Não decorre da coacção (não foi “obrigado” a….) mas da exploração do estado de
necessidade, aflição de alguém.

Representação – 258º e seguintes


Actuação em nome de outrem

 Legal – menor e interditos

 Voluntária – pressupõe uma procuração. Quando o próprio indivíduo, maior de


18 anos e com capacidade dá poderes a outra pessoa para que actue em seu nome

 Estatutária ou orgânica – aquela que decorre dos estatutos das Pessoas


colectivas

Nota: ineficácia relativa – o negócio é valido, mas vale para o representante e não para
o representado. A ratificação sana a não representação à priori.

Objecto negocial – bem, sobre que incide os poderes do titular activo da relação
jurídica. O “quid”

Vale para o direito civil e todo o direito em geral

Requisitos do objecto negocial – art.280º, expressamente consagrados:

 Determinabilidade

 Possibilidade física

 Possibilidade legal

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

210
210
210
 Não contrariedade à ordem pública – princípios fundamentais da ordem
jurídica que devem prevalecer em todos os negócios jurídicos e que estão
plasmados na CRP

 Ausência de ofensa aos bons costumes – conjunto de regras éticas ou morais,


aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé num dado ambiente e num
certo momento.

Nota: Cláusulas acessórias do negócio jurídico e cláusulas de termo – não vão ser
estudadas.

Ineficácia e invalidade dos negócios jurídicos (muito importante)


Ineficácia em sentido amplo:

 Inexistência jurídica – falta de corpus negocial (são muito raros). São


negócios jurídicos que para o direito nunca existiram. Ex. Coacção física e
falta de consciência da declaração – art.246º

 Invalidade – art.258º e ss – falta de observância dos elementos essenciais do


negócio. O negócio é inválido quando não apresenta os elementos essenciais
ou há vícios nesses elementos, elementos sem os quais os negócios jurídicos
são inválidos. Estes negócios podem ser: nulos (art.286º) quando não
respeitem os requisitos legais; ou anuláveis (art.art.287º) e para isso tem de
ser a norma a dize-lo – art.294º

 Ineficácia em sentido estrito ou relativa – quando o negócio existe, é válido


mas não produz todos os seus efeitos porque, não lhe faltando os seus
elementos essenciais, intrínsecos ao negócio mas apenas um elemento
extrínseco ao negócio. Ex. Art.268º - representação sem poderes (válido e
eficaz em relação ao representante mas inválido em relação ao
representado); art.1649 – emancipação parcial.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

211
211
211
Nota: requisitos essenciais dos negócios jurídicos:

Capacidade das partes de gozo e de exercício; legitimidade das partes (ligação entre sujeito e
acto), ex. Ilegitimidades conjugais e venda de coisa alheia; idoneidade do objecto (art.280º);
declarações negociais sem anomalias, sem vícios e sem divergências.

Outras formas de cessação dos efeitos negociais (de negócios existentes, válidos e
eficazes):

 Resolução – pode decorrer da lei ou da convenção das partes e consiste na


cessação dos efeitos do negócio, em regra por incumprimento das obrigações
contratuais.

 Revogação – extingue os efeitos do negócio por mutuo consentimento.


Regime geral (por acordo) apesar de também poder decorrer da lei. Opera
para o futuro

 Caducidade – cessação dos efeitos do contrato por decurso do prazo ou pela


ocorrência de determinada circunstancia. Não caduca se as partes o
quiserem renovar.

 Denuncia – declaração unilateral que faz cessar uma relação contratual a


partir de certo momento (é obrigatório o aviso prévio)

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

212
212
212
Nota:

Divergências – simulação; reserva mental; declaração não séria intencional; coacção física;
falta de consciência e erro na declaração.

Vícios de vontade – erro; dolo; coacção moral; incapacidade e estado de necessidade.

1. Principio da autonomia da vontade


2. Principio da boa fé
3. Principio da propriedade privada
4. Principio relativo à família (direito da família e das sucessões)

1. Principio da autonomia da vontade

Autonomia privada – é o princípio segundo o qual os particulares têm o poder de


auto-governo ou auto-regulação da sua esfera jurídica. A sua esfera jurídica é
composta pelo conjunto de relações jurídicas activas (direitos) e passivas
(obrigações), pessoais e patrimoniais de que uma pessoa é susceptível de ser titular.

A autonomia da vontade manifesta-se por:


1. Livre exercício dos direitos subjectivos
2. Celebração de negócios jurídicos. Estes podem ser unilaterais ou bilaterais –
princípio da liberdade contratual (art.405º CC)
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

213
213
213
Princípio da liberdade de contratar:

1. Liberdade de celebração de contratos – diz respeito à faculdade que temos de


celebrar ou não um contrato (art.405º do CC implícito). Existem excepções,
isto é, existem determinados contratos que em determinadas situações não se
podem realizar. Ex. Um casal que, casado em comunhão de bens, o marido
quer fazer uma venda, só o poderá fazer em concordância com a esposa.
2. Liberdade de modelação ou fixação do conteúdo dos contratos - Diz respeito
às clausulas que queremos colocar no contrato (art.405º CC expresso).
Existem também excepções, pois existem clausulas que podem ser nulas
(art.288º CC). Existem determinadas normas imperativas que impedem que
determinadas cláusulas sejam colocadas nos contratos. Ex. A lei não permite
que o trabalhador aceite uma cláusula que lhe retire o direito a férias. Nesta
liberdade há que respeitar as normas imperativas, o princípio da boa fé e as
situações previstas no art.280º e 282º CC (ter em atenção este último)
3. Contratos de adesão – o contrato está feito e, ou é aceite como um todo ou
simplesmente não é aceite. Não pode ser alterado em nenhuma cláusula, é um
contrato em que não existe a liberdade de modelação ou fixação do seu
conteúdo.

2 . Principio da boa fé

É um comportamento de lealdade, de honestidade, que impede que as partes, ao


actuar de se enganarem mutuamente ou outros.
Se existirem duas normas imperativas, essa norma não pode ser colocada “à parte”
do negócio/contrato.
Tanto nos preliminares como no pós contratual tem que se verificar a boa fé.
Tanto no exercício do Direito como no cumprimento das obrigações, a lealdade,
honestidade são princípios orientadores do direito nos contratos.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

214
214
214
3. Principio da propriedade privada

Consagrado constitucionalmente, a lei reconhece aos proprietários poderes de usar,


usufruir e dispor da sua propriedade.

Características e outros direitos de propriedade


Os direitos reais ou das coisas, conferem ao seu titular o poder directo e imediato
sobre uma coisa. Os direitos reais que existem são os previstos na lei.
Tudo aquilo que vamos adquirindo ao longo da vida (bens móveis e imóveis) é
propriedade nossa. Todos os bens que nos pertencem, possuímos sobre eles o direito
de propriedade.

Direitos Reais:
1. Direito de propriedade – poderes indeterminados com excepção dos poderes
que a lei expressamente proíbe. Incide sobre os nossos bens, adquiridos
porque compramos, por doação ou sucessão. É um poder amplo com
algumas limitações. É um direito perpétuo ainda que os proprietários não
façam uso dele.
2. Direitos reais limitados – de gozo (usufruto, uso e habitação, direito de
superfície, servidão predial, time-sharing – direito real e habitação
periódica); de garantia (consignação de rendimentos, penhora, hipoteca,
privilégios executórios especiais, direito de retenção); de aquisição (contrato
de promessa com eficácia real – art.413º e direito de preferência com eficácia
real – art421º)

Os direitos reais conferem ao seu titular um poder directo ou imediato sobre uma
coisa.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

215
215
215
Direitos Reais (direito real máximo)

Direito de Propriedade Poderes limitados


Poderes perpétuos

Direito de superfície
Direitos Limitados de gozo Usufruto
reais
Direitos reais Uso e habitação
Limitados
Direito de servidão
Limitados de garantia
Limitados de aquisição

O direito de Propriedade é 1 Direito Real máximo


O Direito de Propriedade concede ao seu titular poderes indeterminados, excepto os
poderes que a lei expressamente proíbe (por exemplo, a Câmara não permite que eu
construa no meu terreno 1 prédio com mais do X andares, ou tenho que o construir
afastado da via pública X metros), tendo em vista salvaguardar os direitos dos
outros.
Poderes limitados – quando os meus direitos colidem com os direitos dos outros.
Usucapião. Recai sobre prédios, que só podem ser legalizados se estiverem
verificados os pressupostos dos artigos 1316, 1287º e segs. do C.C.. Só pode ser
alegado o usucapião quando o proprietário há muitos anos, mais de 10, 20 não quer
saber ou se desinteressa daquela sua propriedade.
Direito de propriedade: poderes indeterminados e direito perpétuo (não se extingue
pelo não uso, mas extingue-se pelo abandono). Não são direito de propriedade, mas
incidem sobre propriedade alheia.
As coisas do domínio público não são apropriáveis (artigo 202º do C.C.).
A posse não quer dizer propriedade, mas pode ocasionar a propriedade por
usucapião.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

216
216
216
Ver no Código Civil – Livro III – Direito das Coisas - da página 341 a 352
Direito de Usufruto

 Usufruto, usar e fruir (total)


Direitos  Uso e habitação (só o direito de
reais “habitar”. Usar na medida da
Limitados de gozo
Limitados necessidade da pessoa.

 Direito de superfície (direitos que


oneram o prédio)

 Direito de servidão predial, de


passagem (direitos que oneram os
prédios)

 Timeshering (direito de habitação


periódica / férias), está em legislação
avulsa

Limitados de garantia  Consignação de rendimento


Capítulo VI – Livro II  Penhor (bens móveis)

 Hipoteca (bens imóveis)

 Privilégios creditórios

 Direito de Retenção

 Contrato promessa com eficácia real


(artigo 413º CC)
Limitados de aquisição
 Direito de preferência com eficácia
Título I – Livro II
real (artigo 421 CC)

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

217
217
217
Direitos Reais:

 Direito de propriedade – poderes indeterminados com excepção dos poderes


que a lei expressamente proíbe. Incide sobre os nossos bens, adquiridos
porque compramos, por doação ou sucessão. É um poder amplo com
algumas limitações. É um direito perpétuo ainda que os proprietários não
façam uso dele.

 Direitos reais limitados – de gozo (usufruto, uso e habitação, direito de


superfície, servidão predial, time-sharing – direito real e habitação
periódica); de garantia (consignação de rendimentos, penhora, hipoteca,
privilégios executórios especiais, direito de retenção); de aquisição (contrato
de promessa com eficácia real – art.413º e direito de preferência com eficácia
real – art421º)

Os direitos reais conferem ao seu titular um poder directo ou imediato sobre uma
coisa.

 Usufruto, usar e fruir (total)


Direitos  Uso e habitação (só o direito de
reais “habitar”. Usar na medida da
Limitados de gozo
Limitados necessidade da pessoa.

 Direito de superfície (direitos que


oneram o prédio)

 Direito de servidão predial, de


passagem (direitos que oneram os
prédios)

 Timeshering (direito de habitação


periódica / férias), está em legislação
avulsa

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

218
218
218
Limitados de garantia  Consignação de rendimento
Capítulo VI – Livro II  Penhor (bens móveis)

 Hipoteca (bens imóveis)

 Privilégios creditórios

 Direito de Retenção

 Contrato promessa com eficácia real


(artigo 413º CC)
Limitados de aquisição
 Direito de preferência com eficácia
Título I – Livro II
real (artigo 421 CC)

a. Sanções jurídicas

Quando a violação se destina a projectar os seus efeitos antes de mais na ordem jurídica,
a norma tem um processo simples de reagir: nega estes efeitos, total ou parcialmente.
Assim, A quer celebrar um acordo com B pelo este comete um crime. Pretende que, com
esse acordo, B fique vinculado á prestação em que se comprometeu. A reacção da ordem
jurídica é simples: não considera o referido acordo vinculativo (artigo 280º, nº 1 do
código Civil).
Estas sanções que se projectam fundamentalmente no plano jurídico, chamam-se
sanções jurídicas.
2. As sanções matérias têm o seu aspecto jurídico – se A partir um vidro a B,
culposamente, antes do mais verifica-se que na esfera jurídica de A surge o dever de o
pagar. Mas claro que este dever é instrumental – a reintegração dar – se – á quando o
vidro estiver posto ou for pago a B.
As sanções jurídicas destinam-se (como todo o jurídico) a produzir efeito práticos,
porem aqui o plano relevante é o jurídico. Se A acordar com B cometer um crime contra
50000S00, este acordo nada vale, e com isto provavelmente virá a suceder que

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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efectivamen1te os 50000S00 não mudem de mãos. Mas agora a sanção é: o acordo nada
vale.
3. Com as sanções jurídicas, verifica – se um fenómeno que já atras salientamos: é que o
termo sanção se alarga ate um sentido lato (em rigor, improprio), no qual abrange as
desvantagens resultantes de não dar seguimento a normais técnicas. É neste sentido que
passaremos a explorar o conteúdo do conceito de sanção jurídica.
4. A sanção jurídica surge-nos quando com a violação se pretendiam efeitos jurídicos.
Ora bem, estamos no domínio dos actos com os quais se pretendem efeitos jurídicos, e
estes tem na linguagem do direito o nome de negócios jurídicos.
A principal sanção dos negócios jurídicos ilícitos ou ilegais é a invalidade – não
produção de efeitos jurídicos, pelo menos daqueles que as partes queriam que o negócio
produzisse.
A invalidade apresenta duas formas principais, que antigamente se chamavam nulidade
absoluta e nulidade relativa e que hoje, no nosso código civil actual, se denominam
nulidade e anualidade (cfr. No código civil, Seccao III, “Nulidade e anulabilidade do
negocio jurídico” artigo 285ºe seguintes).
A nulidade verifica-se quando o acto não produz efeitos jurídicos, pelo menos aqueles
que as partes quereriam que produzisse.
A anualidade ópera de maneira diferente: os efeitos jurídicos produzem-se mas ficam á
merce de uma das partes, que tem o direito de anular o negócio, seja, de destruir esses
efeitos retroactivamente.
A nulidade resulta fundamentalmente dos seguintes vícios do acto:
- Vícios de forma – código civil, artigo 220.º; ”A declaração negocial que careca da
forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sancao especialmente prevista
na lei”.
- Vícios de objecto – código Civil, artigo 280.º nº1. É nulo o negócio jurídico cujo
objecto seja física ou legalmente impossível, contrario á lei ou indeterminável. nº 2 é nulo
o negócio contrário á ordem público, ou ofensivo dos bons costumes;
- Falta de vontade – código civil, artigos 240º. nº 2, 245º e 246º.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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220
- Contrariedade á lei – código Civil, 294º. “ Os negócios Juridicos celebrados contra
disposição legal de caracter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução
resulte da lei”.
A anulabilidade decorre principalmente dos seguintes factores:
- Incapacidade do agente – Código Civil, artigo 125º;
- Vícios da vontade, dos quais se distingue:
Erro (artigos 249º, 251ºe 252º do Código Civil);
Dolo (artigo 253º. Do código Civil);
Coação (artigo 255º do Código);
Incapacidade acidental (artigo 257º do Código Civil).

Assim, se duas pessoas compram e vendem entre si verbalmente um imóvel, este acto não
produz efeitos nenhuns.
Suponhamos agora que A compra x a B, mas este o enganou (dolo – por exemplo,
convenceu-o de que x é ouro quando é latão) ou ameaçou de morte se não comprasse
(coacção moral). Neste caso a lei não estatui a nulidade do acto (que colocaria A e B no
mesmo plano). Estabelece uma nulidade condicionada pela vontade de A. A faz o que
quiser do Acto:
Mantem-no ou destrói-o retroactivamente. B tem de se submeter num caso ou outro.
O primeiro caso é de nulidade (Código Civil, artigo 285º e 286º.), o segundo de
anulabilidade (artigos 287º e 288ºdo mesmo Código).

20. Direito Administrativo

Direito constitucional e direito administrativo são por vezes considerados incluídos na


categoria comum direito do Estado (em alemão Staatsrecht).70

70
Consideram-se incluídas na orgânica do Estado todas as restantes pessoas colectivas que exercem
prerrogativas de autoridade, como as autarquias locais (Constituição, art. 237 e seguintes) ou os institutos
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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221
Houve autores para quem a distinção entre direito constitucional e direito administrativo
se faria do seguinte modo: o direito constitucional regula a estática da organização
estadual, o administrativo a dinâmica. A tendência não frutificou.
A distinção entre o direito constitucional e o direito administrativo reside na distinção
entre órgãos superiores do Estado e órgãos de mera execução ou aplicação. O direito
administrativo regula a prossecução de interesses públicos, através do exercício de
prorrogativas de autoridade (visto que se trata de direito publico), por estes órgãos
execução direito administrativo.71

27.1. Distinguem-se entre a administração central e a administração local.


O nosso Código Administrativo de 1940, é um código de administração local, hoje muito
alterado por vario legislação avulsa. As normas referentes à administração central, muito
mais variadas, não se encontram codificadas.

27.2. Caracteres do Direito Administrativo


O direito Administrativo é, ao mesmo tempo, um meio de afirmação do poder, conferindo
prerrogativas de autoridade á Administração Publica e meio de afirmação dos direitos
subjectivos e interesses legítimos dos administrados.
O direito Administrativo estabelece um verdadeiro regime jurídico
O Direito Administrativo estabelece, através da lei, um verdadeiro regime jurídico nas
suas relações com outros sujeitos de direito, quer conferindo direitos subjectivos e
interesses legítimos aos particulares, quer conferindo poderes de autoridades á
Administração Publica numa relação jurídico-administrativo concreta: bem como
estabelece meios eficazes de controlo da actividade administrativa (meios graciosas e
contenciosos).
É neste sentido que Prosper Well refere que o Direito administrativo emergiu lentamente
do nada e que se esboçou nos impulsos mais tarde conhecidos como do regime

públicos; e ainda as categorias pessoas com relevância constitucional, embora não personificadas, como
as Forcas Armadas (Constituição, art 273 e seguintes)
71
O Prof. Marcello Caetano define direito administrativo como:” o sistema das normas jurídicas que
regulam a organização e o processo próprio de agir da Administração Publica e disciplinam as relações
pelas quais ela prossiga interesses colectivos podendo usar de iniciativas e do privilégio da execução
previa, Manual de Direito Administrativo”, 1,10.ª ed., p. 43.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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222
administrativo, ou seja, a existência de uma jurisdição administrativa especializada e a
submissão da administração a umas regras diferentes daqueles do direito privado72.

O Direito Administrativo é um direito de desequilíbrio


O Direito Administrativo, como escreve o Professor GILLES CISTAC, é um direito que
que organiza um regime de dificuldades entre as pessoas envolvidas numa relação
jurídica especifica73. Porem, o desequilibrio em causa há-de constituir um verdadeiro
regime jurídico, porque os poderes funcionais e as obrigações da Administracao Publica
são exercidas e executadas conforme o bloco de legalidade.

O Direito Administrativo é recente ou jovem em relação Direito Civil


A juventude do Direito Administrativo só é possível, comparando-o, ao Direito Civil que
é milenar. Assim, o Direito Administrativo conhece sua elaboração dogmática a partir do
Seculo XIX, sendo dai que os seus conceitos privados são ainda recentes.
Como sintetiza ESTORNINHO, existe um «(…) arreigado «sentimento de inferioridade»
(SANTI PASTOR) dos administrativo em face dos cultores do Direito Civil74.

O Direito Administrativo é um direito autónomo


Com ROCCO, existem três requisitos para que um ramo de direito possa considerar-se
autónomo mormente: i) extensão bastante para merecer estudo adequando e participar; ii)
doutrinas homogéneas, dominadas por conceitos gerais comuns e distintos dos
informadores de outras disciplinas e iii) método próprio, ou seja, utilização de processos
especiais param o conhecimento da verdade que constitui o objecto da pesquisa75. O que

72
WELL, Prosper, O Direito Administrativo , op, cit., pp.4 e ss.
73
CISTAC, Gilles, Curso de Direito…, op. Cit., p. 13.
74
MACIE, Albano, licoes de Direito…, op. Cit., p. 49.
75
Alfredo, Principi di diritto commerciale, apud CRETELIA JUNIOR, José, Direito Administrativo…, op. Cit.,
p.8.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

223
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223
importa para a autonomia de um ramo de conhecimento é objecto, institutos, método é
princípios próprios76, para além de uma elaboração legislativa própria.
A autonomia do Direito Administrativo é marcada decisivamente no ano de 1873, pelo
Tribunal de Conflitos de Paris, no famoso caso Agnés «BLANCO», com o voto do
Conselheiro DAVID. O caso deu-se, no dia 8 de Fevereiro de 1873, da seguinte maneira:
a menina Agnés BLANCO foi atropelada por comboio público (trem), pertencente a uma
companhia de manufactura de fumo (tabaco), que tem grande semelhança com uma
indústria privada, mas de natureza pública. A família solicitou a responsabilidade do
Estado pelos danos causados (amputação dos dois membros inferiores).

Houve, em primeiro lugar, antes de se conhecer do fundo da causa, necessidade de


resolver o problema de conflito de jurisdições, se o fórum competente era
administrativo u comum?
O caso foi entregue ao Tribunal de Conflitos de Paris. Como refere Odete MEDAUAR,
citando BENOIT, á «luta havida em meados do Seculo XIX, nos meios judiciários, contra
a Direito Administrativo e, por trás dele, contra a jurisdição administrativo», tendo sido o
Caso BLANCO uma tábua de salvação77.
O voto de Conselheiro DAVID, neste caso, foi fulminante na autonomização do Direito
Administrativo. Ele utilizou método próprio para julgar, e, deixou de lado o Código Civil
e colocou o feito em termos de direito público, derrogatório e exorbitante do direito
comum78. Este foi o começo da elaboração do regime jurídico-administrativo, e
consequente autonomização do Direito Administrativo.

Da autonomia do Direito Administrativo resulta que, em casos de lacunas na


legislação administrativa, a sua integração processar-se-á através dos seguintes
passos:

 Analogia gerais do Direito Administrativo, não sendo possível resolver;

 Princípios gerais do Direito Administrativo;

 Analogia nos outros ramos do Direito Publico;

76
Nestes termos, Idem.
77
MOREIRA, Joao Batista Gomes, Direito Administrativo…, op. Cit., p. 125.
78

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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 Princípio geral do Direito, persistindo a omissão, aplica-se a fundação de
substituição prevista no artigo 3 do Código Civil, criando, desta feita, o intérprete
a norma dentro do espirito do sistema, se houvesse de legislar e nunca o recurso
ao Direito privado, como tal.

O Direito Administrativo é um direito não codificado


Em Moçambique, o Direito Administrativo não este codificado. A legislação
administrativa está dispersa em vários diplomas normativos. Isto é, não existe um tal
instrumento que se pretende sintético, científico e sistemático. Sendo o Direito
Administrativo de criação recente em Moçambique, em particular, porque o Estado é
recém-nascido (1975), não seria de aconselhar, por ora a codificação deste ramo de
direito, por não haver, ainda, doutrina suficiente para a sustentação de um código79.

Fontes do direito administrativo


São fontes do Direito administrativo todas as manifestações escritas ou não escritas ou
não que tenham implicação nas situações jurídico-administrativas.
Fontes: a constituição, a Lei, as convenções internacionais ratificadas e o Regulamento.

 A constituição é a Lei fundamental do Estado moçambicano, prevalecendo sobre


todas as restantes normas do ordenamento juridico. Portanto, ela é a fonte directa
e indirecta de todas as competências que se exercem na ordem jurídica
administrativa.

 A lei pode ser definida em vários sentidos. Porem, no seu sentido formal, são
todas as disposições geras e abstractas, com características de obrigatoriedade,
impossealidade, precisão, certeza, fixidez, coercibilidade, permanência, unidade e
novidade, provindas da Assembleia da Republica ou do poder legislativo.
No sentido material, tas disposições, viram de todos os órgãos com poder de
editar normas gerais e abstractas. Assim, inclui-se a própria lei em sentido formal,
as normas provindas do poder executivo, das autarquias locais, etc. em conclusão,
inclui a lei constitucional,ordinária, decretos- lei e os regulamentos no seu sentido
amplo.

79
MACIE, Albano, lições de Direito…, op. Cit., p. 51.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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225
Assim, a lei administrativa não é qualquer lei aplicável as relações travadas por
órgãos da Administração, apenas aquela que confere poderes de autoridade para
ao prosseguimento do interesse publico, disciplina o seu exercício ou organiza os
meios necessários para esse efeito.

 As convenções internacionais
Comecemos com o artigo 18 da Constituição, que conclusões tirar deste artigo?
Primeiro, são dois os grupos de normas internacionais, nomeadamente, os tratados
que são ratificados pela Assembleia da Republica (alíneas t), do n° 2 artigo 179),
e os acordos internacionais que são ratificados pelo Governo (alíneas g) do n° 1
do artigo 204).
Segundo, os tratados tem, na ordem jurídica, o mesmo valor que as leis ordinárias
e os acordos o mesmo valor que o regulamento ou decretos do conselho de
Ministros,
Assim, desde que devidamente ratificadas e publicadas e conterem preceitos para
cuja aplicação sejam competentes os órgão administrativos, as convenções
internacionais impõe-se á Administracao Publica.

 O regulamento diz-se regulamento admisnitrativo ao conjunto de disposição


escritas gerais e abstractas, subordinadas á lei e/ ou á Constituicao, emanadas por
órgãos incumbidos de exercer a função administrativas, sobre matérias próprias
da sua competência.

 Em mocambique, o Direito Administrativo, como ciência nasce do legado


histórico, porem, pode encontrar-se normas admistrativas nos impérios de
Mwenomutapa e de Gaza relativas á cobrança de impostos. é prova evidente que o
Direito administrativo moçambicano resulta da recepção do direito colonial
português, feitas através da Constituição da Republica Popular de Mocambique,
no seu artigo 71, “ toda a legislação no que for contraria a Constituicao fica
automaticante revogada”. A legislação anterior no que não for contraria á
Constituicao mantém-se em vigor até que seja revogada.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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Caracteres do Direito Administrativo
O Direito Administrativo é ao mesmo tempo, um meio de afirmação do poder, conferindo
prerrogativas de autoridades á Administração Publica e um meio de afirmação dos
direitos subjectivos e interesses legítimos dos administrados. Esta afirmação dos direitos
dos cidadãos ocorre quando a Administração Publica é sujeita a um conjunto de
restrições e limitações na sua actuação. É assim que a Administracao Publica, na sua
actuação, deve procurar harmonizar as exigências da acção administrativa com os direitos
subjacentes e interesses legítimos dos particulares 80. Não é por acaso que a Lei n.ᵒ
9/2001, de 7 de 7 de Julho, no seu publico e o direito dos administrados, quando esteja
em jogo a decretação da suspensão de eficácia de actos administrativos, nomeadamente,
que: «(…) a) a execução do acto seja susceptível de causar prejuízo irreparável ou de
difícil reparação para o requerente (…); b) a suspensão não representa grave lesão do
interesse pública concretamente prosseguido (…);
Feita esta caracterização geral, podemos dizer que os traços essenciais do Direito,
Administrativo, pátrio são os seguintes regime jurídico, desequilíbrio, jurisprudencial e
difícil de estudo81.

O Direito Administrativo é um direito que oferece dificuldades no seu estudo


A doutrina moçambicana é, ainda bastante embrionária; a legislação administrativa não
esta codificada; a Administração Publica, ainda, esta a ser reformada, encontrando-se na
sua terceira fase; o Estado é recente; o Tribunal Administrativo, como tal, só começou a
funcionar efectivamente, em 1993, porque hibernado desde 1975; a própria Faculdade de
Direito manteve-se encerrada ate 1987; a legislação que ainda hoje é aplicada è antiga,
remontado desde o tempo colonial, sendo a sua reforma lenta, o que leva á sua
inadaptação á realidade actual.

A Administração Publica “ é um verdadeiro poder porque define, de acordo com a lei,


a sua própria conduta e dispõe dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta
e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha relação82.

80
Cfr. FREITAS DO AMORAL, Diogo, Curso…, Vol I, op. Cit., p. 161.
81
Cfr. FREITAS DO AMORAL, Diogo, Curso…, Vol I, op. Cit., p. 161
82
CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, p.15.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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28. O direito administrativo como ramo de direito
A Administração Pública está subordinada à lei. E está também, por outro lado
subordinada à justiça, aos Tribunais. Isso coloca o problema de saber como se relacionam
estes conceitos de Administração Pública e directa.
Para haver Direito Administrativo, é necessário que se verifiquem duas condições: em
primeiro lugar, que a Administração Pública e actividade administrativa sejam reguladas
por normas jurídicas propriamente ditas, isto é, por normas de carácter obrigatório; em
segundo lugar, que essas normas jurídicas sejam distintas daquelas que regulam as
relações privadas dos cidadãos entre si.

28.1. Subordinação da Administração Pública ao Direito


A Administração está subordinada ao Direito. É assim em todo o mundo democrático: a
Administração aparece vinculada pelo Direito, sujeita a normas jurídicas obrigatórias e
públicas, que têm como destinatários tanto os próprios órgãos e agentes da Administração
como os particulares, os cidadãos em geral. É o regime da legalidade democrática.
Tal regime, na sua configuração actual, resulta historicamente dos princípios da
Revolução Francesa, numa dupla perspectiva: por um lado, ele é um corolário do
princípio da separação de poderes; por outro lado, é uma consequência da concepção na
altura nova, da lei como expressão da vontade geral, donde decorre o carácter
subordinado à lei da Administração Pública.

28.2. Noção de Direito Administrativo

O Direito Administrativo é o ramo de Direito Público constituído pelo sistema de normas


jurídicas que regulam a organização, o funcionamento e o controle da Administração
Pública e as relações que esta, no exercício da actividade administrativa de gestão
pública, estabelece com outros sujeitos de Direito.
A característica mais peculiar do Direito Administrativo é a procura de permanente
harmonização entre as exigências da acção administrativa e as exigências de garantia dos
particulares.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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28.3. O Direito Administrativo como Direito Público
O Direito Administrativo é, na ordem jurídica portuguesa, um ramo de Direito Público. E
é um ramo de Direito Público, qualquer que seja o critério adoptado para distinguir o
Direito Público de Direito Privado.
Se se adoptar o critério do interesse, o Direito Administrativo é Direito Público, porque
as normas de Direito Administrativo são estabelecidas tendo em vista a prossecução do
interesse colectivo, e destinam-se justamente a permitir que esse interesse colectivo seja
realizado.
Se se adoptar o critério dos sujeitos, o Direito Administrativo é Direito Público, porque
os sujeitos de Direito que compõem a administração são todos eles, sujeitos de Direito
Público, entidades públicas ou como também se diz, pessoas colectivas públicas.
Se, enfim, se adoptar o critério dos poderes de autoridade, também o Direito
Administrativo é o Direito Público porque a actuação da administração surge investida de
poderes de autoridade.

28.4. O poder administrativo e os direitos dos particulares, Conceitos


fundamentais: o poder administrativo

O Princípio da Separação dos Poderes


Este princípio consiste numa dupla distinção: a distinção intelectual das funções do
Estado, e a política dos órgãos que devem desempenhar tais funções – entendendo-se que
para cada função deve existir um órgão próprio, diferente dos demais, ou um conjunto de
órgãos próprios83.
No campo do Direito Administrativo, o princípio da separação de poderes visou retirar
aos Tribunais a função administrativa, uma vez que até aí, havia confusão entre as duas
funções e os respectivos órgãos. Foi a separação entre a Administração e a Justiça.
São três os corolários do princípio da separação dos poderes:
1) A separação dos órgãos administrativos e judiciais: Isto significa que têm de existir
órgãos administrativos dedicados ao exercício da função administrativa, e órgãos

83
MACIE, Albano, licoes de Direito…, op. Cit., p. 47.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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dedicados ao exercício da função jurisdicional. A separação das funções tem de traduzir-
se numa separação de órgãos.
2) A incompatibilidade das magistraturas: não basta porém, que haja órgãos diferentes: é
necessário estabelecer, além disso, que nenhuma pessoa possa simultaneamente
desempenhar funções em órgãos administrativos e judiciais.
3) A independência recíproca da Administração e da Justiça: a autoridade administrativa
é independente da judiciária: uma delas não pode sobrestar na acção da outra, nem pode
pôr-lhe embaraço ou limite. Este princípio, desdobra-se por sua vez, em dois aspectos: (a)
independência da Justiça perante a Administração, significa ele que a autoridade
administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciária, nem pode invadir a sua esfera
de jurisdição: a Administração Pública não pode dar ordens aos Tribunais, nem pode
decidir questões de competência dos Tribunais. Para assegurar este princípio, existem
dois mecanismos jurídicos: o sistema de garantias da independência da magistratura, e a
regra legal de que todos os actos praticados pela Administração Pública em matéria da
competência dos Tribunais Judiciais, são actos nulos e de nenhum efeito, por estarem
viciados por usurpação de poder (art. 133º/2 CPA). (b) independência da Administração
perante a Justiça, que significa que o poder judicial não pode dar ordens ao poder
administrativo, salvo num caso excepcional, que é o do habeas corpus (art. 31º CRP).

28.5. O Poder Administrativo

A Administração Pública é um poder, fazendo parte daquilo a que se costuma chamar os


poderes públicos. A Administração Pública do Estado corresponde ao poder executivo: o
poder legislativo e o poder judicial não coincidem com a Administração Pública.
Falar em poder executivo, de modo a englobar nele também as autarquias locais e outras
entidades, não é adequado. Assim, preferível usar a expressão poder administrativo, que
compreende de um lado o poder executivo do Estado e do outro as entidades públicas
administrativas não estaduais.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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A Administração Pública é, efectivamente, uma autoridade, um poder público – é o Poder
Administrativo.

28.6. Manifestações do Poder Administrativo

As principais manifestações do poder administrativo são quatro:


a) O Poder Regulamentar:
A Administração Pública, tem o poder de fazer regulamentos, a que chamamos “poder
regulamentar” e outros autores denominam de faculdade regulamentaria.
Estes regulamentos que a Administração Pública tem o Direito de elaborar são
considerados como uma fonte de Direito (autónoma).
A Administração Pública goza de um poder regulamentar, porque é poder, e com tal, ela
tem o direito de definir genericamente em que sentido vai aplicar a lei. A Administração
Pública tem de respeitar as leis, tem de as executar: por isso ao poder administrativo do
Estado se chama tradicionalmente poder executivo. Mas porque é poder, tem a faculdade
de definir previamente, em termos genéricos e abstractos, em que sentido é que vai
interpretar e aplicar as leis em vigor: e isso, fá-lo justamente elaborando regulamentos.
b) O Poder de Decisão Unilateral, art. 100º CPA:
Enquanto no regulamento a Administração Pública nos aparece a fazer normas gerais e
abstractas, embora inferiores à lei, aqui a Administração Pública aparece-nos a resolver
casos concretos.
Este poder é um poder unilateral, quer dizer, a Administração Pública pode exercê-lo por
exclusiva autoridade sua, e sem necessidade de obter acordo (prévio ou à posteriori) do
interessado.
A Administração, perante um caso concreto, em que é preciso definir a situação, a
Administração Pública tem por lei o poder de definir unilateralmente o Direito aplicável.
E esta definição unilateral das Administração Pública é obrigatória para os particulares.
Por isso, a Administração é um poder.
Por exemplo: é a Administração que determina o montante do imposto devido por cada
contribuinte.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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A Administração declara o Direito no caso concreto, e essa declaração tem valor jurídico
e é obrigatória, não só para os serviços públicos e para os funcionários subalternos, mas
também para todos os particulares.
Pode a lei exigir, e muitas vezes exige, que os interessados sejam ouvidos pela
Administração antes desta tomar a sua decisão final.
Pode também a lei facultar, e na realidade faculta, aos particulares a possibilidade de
apresentarem reclamações ou recursos graciosos, designadamente recursos hierárquicos,
contra as decisões da Administração Pública.
Pode a lei, e permite, que os interessados recorram das decisões unilaterais da
Administração Pública para os Tribunais Administrativos, a fim de obterem a anulação
dessas decisões no caso de serem ilegais. A Administração decide, e só depois é que o
particular pode recorrer da decisão. E não é a Administração que tem de ir a Tribunal
para legitimar a decisão que tomou: é o particular que tem de ir a Tribunal para impugnar
a decisão tomada pela Administração.
c) O Privilégio da Execução Prévia (art. 149º/2 CPA):
Consiste este outro poder, na faculdade que a lei dá à Administração Pública de impor
coactivamente aos particulares as decisões unilaterais que tiver tomado.
O recurso contencioso de anulação não tem em regra efeito suspensivo, o que significa
que enquanto vai decorrendo o processo contencioso em que se discute se o acto
administrativo é legal ou ilegal, o particular tem de cumprir o acto, se não o cumprir, a
Administração Pública pode impor coactivamente o seu acatamento.
Isto quer dizer, portanto, que a Administração dispõe de dois privilégios:

 Na fase declaratória, o privilégio de definir unilateralmente o Direito no caso


concreto, sem necessidade duma declaração judicial;

 Na fase executória, o privilégio de executar o Direito por via administrativa, sem


qualquer intervenção do Tribunal. É o poder administrativo na sua máxima
pujança: é a plenitudepotestatis.
d) Regime Especial dos Contractos Administrativos:
Um contracto administrativo, é um acordo de vontades em que a Administração Pública
fica sujeita a um regime jurídico especial, diferente daquele que existe no Direito Civil.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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E de novo, nesta matéria, como é próprio do Direito Administrativo, esse regime é
diferente para mais, e para menos. Para mais, porque a Administração Pública fica a
dispor de prerrogativas ou privilégios de que as partes nos contractos civis não dispõem;
e para menos, no sentido de que a Administração Pública também fica sujeita a restrições
e a deveres especiais, que não existem em regra nos contractos civis.

28.7. Corolários do Poder Administrativo

a) Independência da Administração perante a Justiça: existem vários mecanismos


jurídicos para o assegurar.
Em primeiro lugar, os Tribunais Comuns são incompetentes para se pronunciarem sobre
questões administrativas.
Em segundo lugar, o regime dos conflitos de jurisdição permite retirar a um Tribunal
Judicial, uma questão administrativa que erradamente nele esteja a decorrer.
Em terceiro lugar, devemos mencionar aqui a chamada garantia administrativa, consiste
no privilégio conferido por lei às autoridades administrativas de não poderem ser
demandadas criminalmente nos Tribunais Judiciais, sem prévia autorização do Governo.
b) Foro Administrativo: ou seja, a entrega de competência contenciosa para julgar os
litígios administrativos não já aos Tribunais Judiciais mas aos Tribunais Administrativos.
c) Tribunal de Conflitos: é um Tribunal Superior, de existência aliás intermitente (só
funciona quando surge um conflito), que tem uma composição mista, normalmente
paritária, dos juízes dos Tribunais Judiciais e de juízes de Tribunais Administrativos, e
que se destina a decidir em última instância os conflitos de jurisdição que sejam entre as
autoridades administrativas e o poder judicial.

28.8. Princípios constitucionais sobre o poder administrativo


O primeiro de entre eles é o Princípio da Prossecução do Interesse Público: este é um
princípio motor da Administração Pública. A Administração actua, move-se, funciona
para prosseguir o interesse público. O interesse público é o seu único fim.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Surgem mais dois princípios: o princípio da legalidade, que manda à Administração
obedecer à lei, e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos
particulares, que obriga a Administração a não violar as situações juridicamente
protegidas dos administrados
A Administração Pública é muitas vezes investida pela lei de uma liberdade de decisão,
que se denomina tradicionalmente de poder discricionário da Administração.

28.9 O Princípio da Prossecução do Interesse Público


Dele se faz eco o art. 266º/1 CRP, e o art. 5º CPA.
O “interesse público” é o interesse colectivo, é o interesse geral de uma determinada
comunidade, é o bem-comum.
A noção interesse público traduz uma exigência – a exigência de satisfação das
necessidades colectivas. Pode-se distinguir o interesse público primário dos interesses
públicos secundários: O interesse público primário, é aquele cuja definição compete aos
órgãos governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa; os
interesses públicos secundários, são aqueles cuja definição é feita pelo legislador, mas
cuja a satisfação cabe à Administração Pública no desempenho da função administrativa.
Este princípio tem numerosas consequências práticas, das quais importa citar as mais
importantes:
1) Só a lei pode definir os interesses públicos a cargo da Administração: não pode ser a
administração a defini-los.
2) Em todos os casos em que a lei não define de forma complexa e exaustiva o interesse
público, compete à Administração interpretá-lo, dentro dos limites em que o tenha
definido.
3) A noção de interesse público é uma noção de conteúdo variável. Não é possível definir
o interesse público de uma forma rígida e inflexível

4) Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é


obrigatória.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

234
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5) O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a
competência dos respectivos órgãos: é o chamado princípio da especialidade, também
aplicável a pessoas colectivas públicas.
6) Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente
determinado de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da administração
praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante, o
interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e
por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente.
7) A prossecução de interesses privados em vez de interesse público, por parte de
qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções, constitui
corrupção e como tal acarreta todo um conjunto de sanções, quer administrativas, quer
penais, para quem assim proceder.
8) A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração Pública que
adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista
administrativo (técnico e financeiro): é o chamado dever de boa administração.

O “Dever de Boa Administração”


O princípio da prossecução do interesse público, constitucionalmente consagrado,
implica além do mais a exigência de um dever de boa administração.
O dever de boa administração é, pois, um dever imperfeito. Mas existe, apesar disso,
como dever jurídico. Na verdade:
1) Há vários aspectos em que esse dever assume uma certa expressão jurídica: existem
recursos graciosos, que são garantias dos particulares, os quais podem ter como
fundamento vícios de mérito do acto administrativo.
2) A violação, por qualquer funcionário público, dos chamados deveres de zelo e
aplicação constitui infracção disciplinar, e leva à imposição de sanções disciplinares ao
funcionário responsável.
3) Responsabilidade civil da Administração, no caso de um órgão ou agente
administrativo praticar um acto ilícito e culposo de que resultam prejuízos para terceiros.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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O Princípio da Legalidade
Este princípio é sem dúvida, um dos mais importantes Princípios Gerais de Direito
aplicáveis à Administração Pública, e que aliás, se encontra consagrado como princípio
geral de Direito Administrativo antes mesmo que a Constituição, o mencionasse
explicitamente (art. 266º/2 CRP e art. 124º/1-d CPA).
Os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir no exercício das suas
funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.
O princípio da legalidade aparece definido de uma forma positiva. Diz-se que a
Administração Pública deve ou não deve fazer, e não apenas aquilo que ela está proibida
de fazer.
O princípio da legalidade, cobre e abarca todos os aspectos da actividade administrativa,
e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos
particulares.
A lei não é apenas um limite à actuação da Administração é também o fundamento da
acção administrativa.
A regra geral, não é o princípio da liberdade, é o princípio da competência. Segundo o
princípio da liberdade, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíbe; segundo o
princípio da competência, pode fazer-se apenas aquilo que a lei permite.

O Princípio da Igualdade
Vem consagrado no art. 13º e 266º/2 CRP, obriga a Administração Pública a tratar
igualmente os cidadãos que se encontram em situação objectivamente idêntica e
desigualmente aqueles cuja situação for objectivamente diversa. O art. 124º/1-d do CPA,
tem o objectivo de possibilitar a verificação do respeito por essa obrigação.

O Princípio da Boa-fé
Consagrado no art. 6º-A do CPA, não apresenta especificidade no que respeita à sua
aplicação à Administração Pública. Sobressaem, porém, os dois limites negativos que ele
coloca à actividade administrativa pública:

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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a) A Administração Pública não deve atraiçoar a confiança que os particulares
interessados puseram num certo comportamento seu;
b) A Administração Pública também não deve iniciar o procedimento legalmente previsto
para alcançar um certo objectivo com o propósito de atingir um objectivo diverso, ainda
que de interesse público.

Evolução Histórica
Na actualidade e no Direito português, são duas as funções do princípio da legalidade.
a) Por um lado, ele tem a função de assegurar o primado do poder legislativo sobre o
poder administrativo;
b) Por outro lado, desempenha também a função de garantir os direitos e interesses
legítimos dos particulares.

Conteúdo, objecto, modalidades e efeitos do princípio da legalidade


a) Conteúdo: no âmbito do Estado Social de Direito, o conteúdo do princípio da
legalidade abrange não apenas o respeito da lei, em sentido formal ou em sentido
material, mas a subordinação de Administração Pública, a todo o bloco geral.
b) Objecto: todos os tipos de comportamento da Administração Pública, a saber: o
regulamento, o acto administrativo, o contrato administrativo, os simples factos jurídicos.
A violação da legalidade por qualquer desses tipos de actuação gera ilegalidade.

c) Modalidades: o princípio da legalidade comporta duas modalidades:


(i) Aparência de lei, consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode
contrariar a lei, sob pena de ilegalidade;
(ii) Reserva de lei, consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser
praticado sem fundamento na lei;
d) Efeitos: distingue-se, (1) efeitos negativos, são dois: nenhum órgão da Administração,
mesmo que tenha sido ele o autor da norma jurídica aplicável, pode deixar de respeitar e
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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237
aplicar normas em vigor; qualquer acto da administração que num caso concreto viole a
legalidade vigente é um acto ilegal, e portanto inválido (nulo ou anulável, conforme os
casos). (2) Efeitos positivos, é a presunção de legalidade dos actos da Administração.
Isto é, presume-se em princípio, que todo o acto jurídico praticado por um órgão da
administração é conforme à lei até que se venha porventura a decidir que o acto é ilegal.
Só quando o Tribunal Administrativo declarar o acto ilegal e o anular é que ele considera
efectivamente ilegal.

Excepções ao Princípio da Legalidade


Comporta três excepções: a teoria do estado de necessidade, teoria dos actos políticos, o
poder discricionário da Administração.
A Teoria do Estado de Necessidade, diz que em circunstâncias excepcionais, em
verdadeira situação de necessidade pública, a Administração Pública, se tanto for exigido
pela situação, fica dispensada de seguir o processo legal estabelecido para circunstâncias
normais e pode agir sem forma de processo, mesmo que isso implique o sacrifício de
direitos ou interesses dos particulares.
Quanto à Teoria dos Actos Políticos, ela não é em rigor uma excepção ao princípio da
legalidade. Segundo ela, os actos de conteúdo essencialmente político, os actos
materialmente correspondentes ao exercício da função política – chamados actos políticos
ou actos do governo –, não são susceptíveis de recurso contencioso perante os Tribunais
Administrativos.
O Poder Discricionário da Administração, não constitui, de modo nenhum, uma excepção
ao princípio da legalidade, mas um modo especial de configuração da legalidade
administrativa. Com efeito, só há poderes discricionários aí onde a lei os confere como
tais. E, neles, há sempre pelo menos dois elementos vinculativos por lei – a competência
e o fim.

O Princípio do Respeito Pelos Direitos e Interesses Legítimos dos Particular


Estão em causa os direitos e interesses legítimos de todos os sujeitos de direito.Qual o
sentido do art. 266º/1 (a Administração Pública visa a prossecução do interesse público,

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos) da
Constituição?
Ele significa fundamentalmente, que a prossecução do interesse público não é o único
critério da acção administrativa, nem tem um valor ou alcance ilimitados. Há que
prosseguir, sem dúvida, o interesse público, mas respeitando simultaneamente os direitos
dos particulares.
O princípio da legalidade nasceu como limite à acção da Administração Pública; a sua
função era a de proteger os direitos e interesses dos particulares.
Embora o princípio da legalidade continue a desempenhar essa função, o certo é que se
conclui entretanto que não basta o escrupuloso cumprimento da lei por parte da
Administração Pública para que simultaneamente se verifique o respeito integral dos
direitos subjectivos e dos direitos legítimos dos particulares.
Essas outras formas de protecção que existem para além do princípio da legalidade, são
muito numerosas. Destacamos as mais relevantes:

 Estabelecimento da possibilidade de suspensão jurisdicional da eficácia do acto


administrativo (isto é, paralisação de execução prévia);

 Extensão do âmbito da responsabilidade da Administração por acto ilícito


culposo, não apenas aos casos em que o dano resulte de acto jurídico ilegal, mas
também aos casos em que o dano resulte de factos materiais que violem as regras
de ordem técnica e de prudência comum que devem ser sentidas em consideração
pela Administração Pública;

 Extensão da responsabilidade da Administração aos danos causados por factos


casuais, bem como por actos ilícitos que imponham encargos ou prejuízos
especiais e anormais aos particulares.

 Concessão aos particulares de direitos e participação e informação, no processo


administrativo gracioso, antes de tomada de decisão final (art. 61º/1 - Direito dos
interessados à informação - os particulares têm o direito de ser informados pela
Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos
em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as
resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas).

 Imposição do dever de fundamentar em relação aos actos administrativos que


afectem directamente aos interesses legítimos dos particulares.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Natureza e significado da discricionariedade
Quando á natureza, o poder discricionário só existe, por definição, unicamente e tão-
somente parapara para proporcionar em cada caso a escolha da providencia óptima, isto
é, daquela que reaiza superiormente o interesse publico almejado pela lei aplicanda. Não
se trata, portanto, de uma liberdade para a Administracao decider a seu talente, mas para
decider-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo.
Para freitas do Amaral na discricionariedade, a lei não da ao órgão administrativo
acompetente liberdade para escolher qualquer solução que repeite o fim da norma, antes o
obriga a procurar a melhor solução para a satisfação do interesse publico de acordo com
princípios jurídicos de actuação. A discricionariedade não é uma liberdade mas um
poder-dever juridico.84

Âmbito e abrangência ou como sí manifesta a discricionariedade


Em que momento o órgão administrativo pode recorrer ao poder discricionário?
São várias as situações:

 A escolha do momento ou oportunidade para a emanação de um acto. Por


exemplo: a cessação de funções do pessoal do Gabinete do Presidente da
Assembleia da Republica, nos termos no n° 1 do artigo 14 da lei n° 31/2009, de
29 de Setembro, esta a disponibilidade do Presidente, literis, cessando as funções
a qualquer tempo. Assim, nomeado um funcionário para integrar o Gabinete do
Presidente, a faculdade de o fazer cessar está á disponibilidade do presidente,
podendo o fazer cessar antes do mandato ou no fim deste por imperativo legal.

 A decisão de praticar ou não um certo acto administrativo85. Só faz sentido falar


neste sentido se o acto a praticar não for vinculado. Por exemplo, a decisão de
preenchimento de todas as vagas existentes do Gabinete do Presidente da
Assembleia depende do titular do cargo, não havendo obrigatoriedade neste
sentido.

84
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso…, Vol. II, op. Cit., p. 82.
85
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso…, Vol. II, op. Cit., p. 93.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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 A exposição dos motivos de direito e de facto que levaram o autor a emanar um
determinado acto, desde que a lei não imponha o dever de fundamentar. Exemplo,
imaginemos que o novo Presidente da República, depois da posse, decide
reconduzir todo o pessoal do Gabinete anterior. Aqui não se impõe a fundamen
tacão.

 A aposição nos actos discricionários dos elementos acessórias, designadamente, o


termo, a condição e o modo.

 Os passos a seguir na formulação da decisão.

Limites da discricionariedade
A discricionariedade administrativa conhece os seguintes limites:

 Os próprios pressupostos legais justificadores do acto, nas palavras do Professor


BANDEIRA DE MELO, “a finalidade normativa”86.
A lei é que vai conferir e determinar o fim do poder discricionário, porque nunca
existe uma margem de liberdade absoluta.

 O segundo limite diz respeito á possibilidade de apropria Administração Publica


elaborar um conjunto de normas aplicáveis a situações em que os seus órgãos
poderiam ter uma margem de liberdade de actuação. Neste caso, estaremos
perante situações de Auto-vinculação da Administração Publica, sendo que
qualquer acto emanado fora dos limites estabelecidos por aqueles normas é ilegal.

Controlo do acto discricionário


Da leitura do artigo 28 da Lei n° 9/2001, de 7 de Julho, relativo ao processo
administrativo contencioso, pode gizar-se uma conclusão segundo a qual, o acto
discricionário é controlável contenciosamente, no que diz respeito ao exame da
finalidade, fiscalizando-se a legitimidade da actuação da administração publica. Ora. Este
controlo só existe quando ocorra o desvio de poder.

86
BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio, Curso…, op. Cit,. p. 963.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Como tal, o recurso contencioso terá como fundamento o desvio de poder (alínea e) do
artigo 28 da Lei n° 9/2001, de 7 de Julho). Na verdade, o desvio de poder como motivo
relevante constitui somente regra, na medida em que pode o acto ser atacável alegando-se
os outros motivos referidos no artigo 28, já que o poder discricionário é uma margem de
liberdade de actuação dentro dos limites traçados pela lei. Portanto, para alem do desvio
de poder, o particular pode fundamentar o seu recurso com base na usurpação do poder,
vicio de forma, incompetência ou violação da lei.

Elementos da administração publica


A administração publica é integrada por pessoas colectivas de direito publico e serviços
públicos.

Diz-se Pessoas Colectivas de direito publico os entes colectivos por iniciativa públicos para
assegurar, em nome colectivo, a prossecução necessária de interesse públicos, dispondo para
tal, de poderes públicos e submetidas a deveres públicos. Portanto, a pessoa colectiva publica é
um dos sujeitos na relação juridico-administrativa.87

As pessoas colectivas participarem, de forma imediata e necessária, por direito próprio, no


exercício da função administrativa do Estado-colectividade.88

Classificação das pessoas colectivas


As pessoas colectivas de direito publico classificam-se em:89

 Estado-Administracao, que é uma pessoa colectiva de tipo territorial e


populacional;

 Pessoas colectivas de natureza institucional (institutos públicos);

 Pessoas colectivas de natureza empresarial (empresas publicas);

 Pessoas colectivas publicas do tipo associativo (corporações e associações


públicos);

87
FREITAS DO AMARAL., Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, op. Cit. p. 584.
88
REBELO DE SOUSA, Marcelo, Licoes de Direito Administrativo, Vol. I, op. Cit, pp.148.
89
ALBANO MACIE, Licoes de Direito Administrativo, Vol. I, op. Cit., p. 192.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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243
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 Pessoas colectivas publicas de população e território, nomeadamente, as
autarquias locais, no caso moçambicano, e regiões autónomas, no caso português
(Madeira e Açores, ate então).

Regime jurídico
O regime jurídico das pessoas colectivas publicas varia conforme o tipo de pessoas
colectivas (isto é, é multiforme-não sendo igual para todas as pessoas colectivas),
cabendo a sua formulação ao legislador de cada país ao criar a pessoa.

Desta forma, o regime jurídico pessoas colectivas compreende o que a seguir se


segue:

Criação e extinção das pessoas colectivas publicas


As pessoas colectivas de direito publico são criadas por lei, ou iniciativa publica local, nunca por
acto administrativo, e ingressa no campo do direito, sem se confundir com a pessoa jurídica de
direito privado.
A criação de pessoa colectiva pelo Estado-Administracao resulta do facto de este não conseguir
atingir com as suas actividades os fins a que se propõe na plenitude. O Estado constitui ou
reconhece as pessoas jurídicas menores, como suficientes, por si, para a missão que se destinam,
visto que é o próprio Estado quem cria e estrutura os entes a quem atribui a qualidade de sujeitos
de direito, ou então, acolhe a estrutura de entidades já constituídas de fato, espontaneamente, com
formação histórica, reconhecendo-os como sujeitos de direito.
Quanto á extinção, as pessoas colectivas são extintas por lei ou decisão publica local, não se
sujeitando ao regime aplicável as pessoas colectivas privadas, nomeadamente, a dissolução, a
falência ou a insolvência.

Capacidade jurídica de direito publico e priavado


Capacidade jurídica para exprimir a aptidão para ser titular de um acervo de direitos e
obrigações. Logo, a capacidade jurídica é gémea da personalidade jurídica. Neste contexto, toda
pessoa colectiva pode ter capacidade de direito publico ou privado e património próprio.
A capacidade jurídica e direito publico. A pessoa colectiva publica tem poderes publicas,
nomeadamente, podores de autoridade sobre os particulares, poderes de lançar taxas, de
fazer regulamentos, confiscar, de autonomia administrativa e financeira, celebração de
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
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5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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contratos administrativos, como também, pode assinalar-se um conjunto de deveres, como o
de responsabilidade civil.
É preciso sublinhar que á pessoa colectiva publica é atribuído um leque de poderes para o
exercício cabal das suas atribuições, porem, tal capacidade conhece limites, nomeadamente, o de
exercer tais poderes com vista ao alcance daqueles fins institucionais, sem que deles se desvie,
sob pena de os órgãos procederem ultra vires.

Autonomia administrativa e financeira


As pessoas colectivas detem autonomia administrativa e financeira. Diz-se autonomia
administrativa poder conferido aos órgãos de uma pessoa colectiva de direito publico de
praticar actos administrativos definitivos, que serão executórios desde que obedeçam a todos
os requisitos para tal efeito exigidos por lei. Há autonomia financeira quando os rendimentos do
património da pessoa colectiva e os outros que a lei lhe permite cobrar sejam considerados
receitas própria, aplicável livremente, segundo o orçamento privativo, as despesas por exclusiva
autoridade dos seus órgãos.90

É preciso notar que a criação de uma pessoa colectiva publica está ligada a satisfação das
necessidades colectivas. Portanto, decorre desta regra que a autonomia financeira não é
condição essencial para a criação de pessoas colectivas públicas.

Direito de celebrar contratos administrativos


As pessoas colectivas tem capacidade de celebrar os contratos administrativos, submetidos ao
regime do direito administrativo, excepto as empresas públicas.

Bens do domínio publica


Os litígios surgidos no âmbito das suas actividades, as pessoas colectivas respondem perante o
Tribunal Administrativo e os tribunais administrativos, excepto quanto as empresas publicas.

90

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6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
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Pessoal
O pessoal que precisa a actividade para as pessoas colectivas publicas esta submetido ao regime
da função pública, excepto os trabalhadores das empresas publicas que se regem pela lei geral
(Lei do trabalho), não obstante o facto de esta lei funcionar como lei geral, e, portanto, capaz de
preencher as lacunas do regime da função publica.

Sujeição ao regime administrativo de responsabilidade civil


As pessoas colectivas publicas que causarem danos a terceiros, no âmbito da prossecução do
interesse publico, respondem, respondem, civilmente, nos termos do regime administrativo
aplicável, excepto as empresas publicas, pois, respondem nos termos gerais.

Sujeito á tutela administrativa


A lei permite que uma certa pessoa colectiva publica possa intervir na gestão de outra pessoa
colectiva, com vista a assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação.

Sujeição á fiscalização e controlo externo dos tribunais


administrativos
As contas das pessoas colectivas publicas estão sujeitas á fiscalização da Terceira Secção do
Tribunal Administrativos, incluindo as empresas publicas e sociedade com capitais
maioritariamente publicas (alínea e) do artigo 3 da Lei da n° 26/2009, de Setembro).

Fórum administrativo
Os litígios surgidos no âmbito das suas actividades, as pessoas colectivas respondem perante o
Tribunal Administrativo e os Tribunais administrativos, excepto quanto ás empresas publicas.

Chama-se atenção ao facto de que a excepção, quanto ás empresas públicas, não vale, quando
se tratar de controlo financeiro, pois, nos termos do artigo 3 da Lei n° 26/2009, de 29 Setembro,
atinente ao regime relativo á organização, funcionamento e processo da 3ª Secção do Tribunal
Administrativo, alínea e) “as empresas publicas e as sociedade de capitais, exclusiva ou
maioritariamente, públicos.”

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Atribuições e missões das pessoas colectivas publicas: fins
As atribuições ou fins da pessoa colectiva publica corresponde a certa necessidade colectiva ou
certa zona da vida social91, e o Estado-Administração há-de criar as pessoas colectivas publicas
especialmente para aqueles fins em razão dos quais a personalidade lhes foi reconhecida: tal é o
princípio da especialidade das pessoas colectivas92.

O princípio da especialidade implica, pois, por um lado, a determinação precisa dos fins
justificativos do reconhecimento da personalidade jurídica, por outro, um ajustamento funcional
do exercício da capacidade aos fins a atingir.

O principio da especialidade não impede, porém, que a pessoa colectiva pratique actos sejam
acessórios da gestão, ou instrumentais dela, ou reputem, por uso ou consenso comum,
compreendidos na esfera jurídica das pessoas colectivas em geral.

29. Direito Fundamentais

Conceito dos Direitos Fundamentais


O conceito dos direitos fundamentais é uma definição que se mostra não ser fácil de
apresentar, pois tem variado de país para país e de autor para autor, por razões que se
prendem com a concepção filosófica de cada regime político e de cada autor que estuda e
discute o assunto.
As definições que se apresentam raras vezes são coincidentes devido a concepção
filosófica, cultural, política, económica e social da natureza do Homem e dos seus
direitos e liberdades.

A Constituição da República prescreve nas suas normas um conjunto de direitos,


liberdades e deveres fundamentais que se destinam ao Homem, ao cidadão destinatário
do Direito positivo.
Os direitos e liberdades consagrados na Constituição e os demais não formalmente
prescritos na Constituição, mas sim nas demais leis da República são direitos do cidadão,
pessoa humana que serve de fundamento do Direito expresso, sob forma de Constituição,
91
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Actividade Constitucional do Estado, Tomo V.3ª
edição, Coimbra editora, 2004, pp.7 e ss.
92
CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I op cit., p. 202.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

247
247
247
que tem a finalidade de proteger a pessoa física, em todas as suas dimensões e com todas
as garantias que resultam da força jurídica da lei fundamental, sem prejuízo dos direitos e
liberdades reservadas à pessoa colectiva.
A principal função política dos direitos, liberdades e garantias fundamentais é servir de
travão, de limitação ao poder político investido aos titulares dos órgãos do Estado em
relação a pessoa humana. A sua consagração em texto constitucional visa a protecção
jurídica dos direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão perante o Estado e
constituem um meio para evitar a ingerência e expansão do poder do Estado sobre a vida
privada do cidadão, em todos os seus domínios.
O Estado é assim uma organização política suprema de que o Homem se serve para a
materialização racional e com justiça o gozo pleno dos Direitos de que seja titular e, para
o efeito, o Direito por meio de vários ramos de Direito garante a defesa dos seus direitos,
tal como se pode constatar dos seguintes sectores jurídicos:

a) Direito Civil – incorpora o regime jurídico dos direitos de personalidade, artigov66 a


88 do Código Civil de 1966;
b) Direito penal – penaliza as condutas criminais contra a vida, integridade física, moral e
honra;
c) Direito Internacional Público – que protege a pessoa humana através do sistema dos
direitos humanos.
Os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana, consagradas em textos
jurídicos passaram depois para uma consagração constitucional, positivando as
posições de garantia do indivíduo em relação ao Estado.
Entre os cidadãos, prevalece a igualdade de direitos, a liberdade e a autonomia
individual. Os direitos e liberdades só existem no Estado e dentro da esfera de
jurisdição do Estado nacional o u e s t r a n g e i r o , d a í a i d e n t i f i c a ç ã o d o s “direitos
c i v i s ” c o m o s “direitos Políticos” no quadro dos direitos individuais particulares que
pelo seu estatuto merece da autoridade pública um reconhecimento e protecção, não
podendo por isso, serem limitados senão nos termos da lei, conforme os n.˚s 2 e 3, do
artigo 56 da CRM.
Desta feita, surge a relação biunívoca: pessoa jurídica e Estado em que a pessoa jurídica
ocupa a posição activa que o habilita a exigir a devida prestação incondicional e o
Estado a posição passiva que o torna servidor, ou seja, o prestador de serviços
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

248
248
248
públicos ao cidadão, cabendo-lhe proporcionar o que a este o gozo pleno dos seus
direitos e liberdades.
Os direitos e liberdades fundamentais são definidos pelo próprio povo, entidade suprema
com capacidade e poderes para fixar os direitos e liberdades fundamentais de todo os
cidadãos e do próprio Estado que emerge do povo, do território e do poder política É o
povo que identifica os direitos e as liberdades fundamentais, os arrola e prescreve-os sob
forma de Constituição, cabendo ao Governo do dia proporcionar o gozo pleno dos
direitos e liberdades consagradas, conforme se pode constatar do artigo 204, alínea a) da
CRM.
Os direitos fundamentais são por conseguinte, direitos constitucionais porque constam
da Constituição e das demais leis da República que se subordinam à Constituição
como lei mãe e fundamental da sociedade e são intangíveis e irrenunciáveis.
A visão sobre o constitucional e o inconstitucional, bem com o lícito e o ilícito decorre
da conformidade do direito com a conduta do cidadão, termo de referência a partir do
qual se afere o desvio ou a constitucionalidade.
Os direitos fundamentais são os que justificam a elaboração da Constituição (CARTA)
e por isso, são anteriores à própria Constituição e ao Estado. Neste contexto os direitos
fundamentais não devem ser visto numa dimensão “técnica” de limitação do poder do
Estado, mas sobretudo entendidos como elementos definidores e legitimadores da ordem
jurídica estabelecida e impõem a todos os cidadãos e ao próprio Estado a adopção de
uma cultura jurídica e política de convivência num ambiente de vida em comum onde
prevalece a solidariedade, a fraternidade, o respeito mútuo, a tolerância e o diálogo
constante entre as pessoas que partilham o mesmo espaço e os mesmos recursos
disponíveis e uma interpretação valorativa, tal como se determina no artigo 43, da
CRM que representa um desvio as regras de interpretação das normas jurídicas
prevista no artigo 9 e seguintes do Código Civil de 1966.
A expressão Direita fundamental tem a sua origem na Constituição alemã aprovada
na Igreja de S. Paulo em Frankfurt, em 1848 e constou do artigo IV/§25, dos
seguintes termos ˝ proceder-se-á ao estabelecimento de um catálogo dos ˝direitos
fundamentais˝ do povo alemão.˝
Hoje em dia, os direitos e liberdades dos cidadãos constituem fundamentos das
Constituições modernas e constam das ordens jurídicas dos respectivos Estados em
reconhecimento e respeito da célebre Declaração dos Direitos do Homem e do
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

249
249
249
Cidadão, de 26 de Agosto de 1789 que assim se prescreveu no seu artigo 16.˚: ˝Toda a
sociedade na qual a garantia dos direitos na resulta assegurada (….) não tem
Constituição˝.
São por c o n s e g u i n t e , direitos, liberdades e g a r a n t i a s com c a r á c t e r
individual e constituem-se como direitos de defesa ˝ do cidadão face ao Estado de que é
nacional.”
Nesta perspectiva os direitos fundamentais são “direitos subjectivos” que deixam
deliberadamente na penumbra a sua contra-parte “objectiva” aquela que define os
direitos fundamentais como “princípio de direito objectivo”, de limitação dos direitos
públicos, ou seja, do legislador.
Nós, tal como o Montesquieu no século XVIII, com o qual concordamos nesse sentido,
as ˝Constituições da Liberdade˝ são pensadas como reflexão em termos de direito
natural racionalista, nos termos consagrado no artigo 2.˚ Da Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão de que temos vindo a citar que diz claramente o seguinte: ˝A
finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança
e a resistência `a pressão˝.

O Professor Gomes Canotilho4 defende a positivação dos direitos fundamentais, no


sentido da sua constitucionalização, isto é, só pelo facto de beneficiarem da positivação
constitucional merecerem a classificação de constitucionais (e fundamentais), …
Para este Professor, Direitos Fundamentais são os direitos do Homem, jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporal5.
Para o professor Jorge Miranda, Direitos fundamentais – São os direitos ou as posições
jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente
consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição
material - donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em
sentido material6. Vide artigo 42, da CRM. Artigo 42 (Âmbito e sentido dos direitos
fundamentais)
Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros
constantes das leis.

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

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Resumindo, para o Prof. Jorge Miranda, os direitos fundamentais são valores que
exprimem a dignidade do Homem e para a sua validade não carece da consagração em
nenhum instrumento jurídico.
1998, pág. Os direitos fundamentais existem independentemente da vontade e
consciência do seu titular. São direitos que resultam da natureza humana do
Homem; são valores que se situam acima da vontade de qualquer ente jurídico. São
valores que decorrem dos direitos naturais do Homem.
Sobre o conceito dos direitos Fundamentais, a doutrina portuguesa que temos vindo
a seguir nas nossas aulas, divide-se tal como já podemos notar: o Prof. Gomes
Canotilho7 não comunga da mesma opinião. Para ele e sustentando a sua tese cita o
Prof. Cruz Villalon: “onde não existir constituição não haverá direitos
fundamentais. Existirão
Outras coisas, seguramente mais importantes, direitos humanos, dignidade da pessoa;
existirão coisas p a r e c i d a s , i g u a l m e n t e importantes, como a s l i b e r d a d e s
públicas francesas, os direitos subjectivos públicos dos alemães; haverá, enfim, coisas
distintas como foros ou privilégios. Daí a conclusão do autor em referência: os direitos
fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que encontram reconhecimento nas
constituições e deste reconhecimento se derivem consequências jurídicas.”
Para o Prof. Gomes Canotilho, os direitos fundamentais são direitos cujos titulares são
pessoas jurídicas que para o gozo pleno requerem a tutela do direito. O que significa
que o direito tem de ser positivado. Tem de constar da lei fundamental, a Constituição.
A positivação de direitos fundamentais significa para este autor a incorporação na
ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do
indivíduo. E acrescenta o seguinte: ˝não basta uma qualquer positivação. ‘E
necessário assinalar- lhes a dimensão de fundamental Rights colocados no lugar cimeiro
das fontes de direito – as normas constitucionais.˝
O direito fundamental para que judicialmente sejam exigidos é necessário que sejam
direitos positivos, consagrados na lei fundamental;
Os cidadãos quando se dirigem aos tribunais interpõem as suas acções invocando
um direito positivo violado, artigo 69, 70 e 79, da CRM.
Os tribunais julgam os casos em obediência à Constituição e a Lei, artigo 214 e
217, ambos da CRM;
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

251
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O juiz para dirimir os conflitos tem de aplicar a lei que esteja em conformidade com os
princípios constitucionais. Vide os artigos 214, 2, n.o 4, art. 4, 212, n.o 2, 253, n.o 2 e
3,
256 E 257;

Quanto ao objecto e conteúdo


No objecto dos Direitos Fundamentais temos que considerar a classificação dos direitos
fundamentais, tendo em conta o critério do objectivo, com recurso a língua latina, criada
por Jellinek, pela qual vamos apresentar a classificação.
Os direitos fundamentais estão globalizados por preferência a posições jurídicas
diferenciadas, perante o Estado, em sucessivos estatutos jurídicos – públicos.
O Status libertatis, o Status civitatis
O Status activae civitatis

Status libertatis
Status libertatis significa que a pessoa, perante o Estado começa por procurar uma
defesa em face do abuso do poder.
Sobre esta classificação Jellinek no estudo que efectuou procurou demonstrar com
algum êxito que os direitos fundamentais, porém, sendo gradualmente reconhecidos
pelo Estado, em que foram atribuídos ao cidadão, direitos da personalidade
individual foi limitando cada vez mais, o seu poder “a soberania do Estado” que é um
poder objectivamente limitado, sendo exercido no interesse geral do cidadão. E é uma
autoridade exercida sobre pessoas, que não estão em tudo e por tudo subordinado é uma
autoridade exercida sobre Homens livres.
Ao membro do Estado, o cidadão pertence, por isso, um status, em que é Senhor
absoluto, uma esfera livre do Estado, uma esfera que exclui o “ ius imperium” e
que coloca o Estado numa posição passiva e o cidadão na posição jurídica activa. Tal
vem a

4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 37.ª edição, Coimbra, 1999, pagina 382 e
seguintes
5 Idem, JJ.Gomes Canotilho, pagina 369.
6 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos fundamentais, 2.ª edic.,
Coimbra,

252
252
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Ser a esfera da liberdade individual, do “status” negativo, do “status liberatatis”, dentro
da qual são prosseguidos os fins estritamente individuais mediante a livre actividade
do indivíduo perante o Estado.

Status civitatis

Toda a actividade do Estado desenvolve-se no interesse dos súbditos. Quando o


Estado na realização das suas finalidades, reconhece ao indivíduo a capacidade jurídica
de pretender que o poder público actue em seu favor; quando lhe dá a faculdade de
servir-se das suas instituições estaduais, quando, numa palavra, o Estado concede ao
individuo pretensões jurídicas positivas, está-se a aprofundar a liberdade do cidadão,
está-se a reconhecer o status positivo, o status civitatis ao cidadão o qual se apresenta
como pessoa livre com vontade própria e capacidade de prestar o seu contributo para
o bem da comunidade, pois, como o fundamento do complexo das pretensões estaduais
no interesse individual.
Assim, o status civitatis é a participação do Homem na vida pública numa sociedade
organizada. É a passagem da liberdade individual para a cidadania, que implica a
tutela de direitos civis, através de prestações positivas do súbito ou do cidadão por
parte do poder.

Status activae civitatis

A actividade do Estado – pessoa colectiva de direito público só se torna possível


através de acções de indivíduos, tal como sucede com todas as pessoas colectivas.
Quando o Estado reconhece ao indivíduo a capacidade de agir por conta do Estado
promove-o a uma condição mais elevada, mais qualificada, promove-o à cidadania
activa. Esta corresponde ao status activae civitatis, com o qual o indivíduo fica
autorizado a exercer os chamados direitos políticos em sentido restrito.
Desta feita, o Estado abre espaço para que o cidadão livremente possa participar
activamente nas actividades políticas, ficando assim sujeito da vida política do Estado,
decorrendo dai, um conjunto de direitos políticos do cidadão, tal como os consagrados
na CRM nos artigos 48, 49, 51, 52, 53, 55, 61, 68, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80 e 81.

A Constituição é o primeiro instrumento j urí di co -norm at i vo de ordem nacional


que regula as relações entre os governados e os governantes, as relações entre os

253
253
253
governados entre s i , a s r e l a ç õ e s institucionais entre o s ó r g ã o s d o E s t a d o ,
a s a t r i b u i ç õ e s e competências dos órgãos do Estado e onde encontramos ainda o
estatuto jurídico político do Estado, as liberdades, direitos, deveres e garantias
fundamentais dos cidadãos.
A Constituição é assim, o código constitucional que estabelece as condutas para o
Estado, Sociedade e para o Homem.
A Constituição consagra um conjunto de liberdades, direitos e garantias fundamentais
no seu texto normativo, formalmente aprovado pelo poder constituinte formal. Os
direitos, liberdades e garantias que se acham fora do texto constitucional nem por isso
deixam de fazer parte do elenco dos direitos formalmente prescritos na Constituição,
desde que sejam direitos fundamentais naturais por possuírem valor, natureza e
dignidade humana, tal como tivemos ocasião de abordar nesta perspectiva
A sede constitucional dos direitos, liberdades e garantias não está limitado a
positivação do Direito e muito menos a sua aprovação ou reconhecimento pelo poder do
Estado. Os Direitos fundamentais são constitucionais, desde que sejam direitos que têm
a ver com a pessoa humana.
A não consagração dos direitos ou de um dos direitos no texto constitucional não se
deve entender como sendo inexistência do direito, liberdade ou garantia, mas sim défice
do regime político, pois tais direitos encontram-se na esfera dos direitos fundamentais do
Homem, sob forma de direito natural e assim, em sentido material.
Nestes casos, os direitos, liberdades e garantias devem ser identificados em sede do
direito civil, através das leis avulsas, da jurisprudência, do costume e dos instrumentos
internacionais e regionais.

O direito de que temos vindo a falar é o Direito interno infra-constitucional, que por ser
nacional, importa rever a matéria sobre os antecedentes jurídico-constitucionais do
Estado Moçambicano.
Já nos referimos atrás que o território de Moçambique foi província ultramarina e parte
integrante da Nação Portuguesa, situado na África Oriental, do território do Reino
Unido de Portugal consagrado na Constituição Portuguesa de 23 de Setembro de
1822, conforme o disposto no artigo 20.º, §III e continuou sendo território sob domínio
colonial português ao abrigo da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e do
respectivo Acto Colonial, aprovado nos termos do artigo 132.º da Constituição.O
território de Moçambique, província ultramarina, ora dominado por Portugal
Colonial, a partir de 1972 foi considerado uma região autónoma da República
Portuguesa, dotada de personalidade jurídica de direito público interno e usando a
designação honorífica de Estado, por força do Decreto1 n . º 545/72, de 22 de
Dezembro, que definia o Estatuto
254
254
254
Político-Administrativo da Província de Moçambique.
No dia 25 de Junho de 1975, no fim de uma guerra sangrenta de libertação nacional,
desencadeada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), organização
política constituída por moçambicanos, sem distinção de sexo, de origem étnica, de
crença religiosa ou de lugar de domicílio.
Os objectivos definidos pela Frelimo na sua luta visavam a conquista do poder político,
a restauração da soberania nacional, a independência total e completa do território de
Moçambique, a liberdade dos moçambicanos e o reconhecimento da dignidade e
valor
Humano.

1 Publicado no Boletim Oficial de Moçambique, Suplemento, I Série, de 30 de


Dezembro de 1972.
A conquista do poder político ocorreu com a proclamação solene da sua independência
e entrada em vigor de uma nova Lei Fundamental, a Constituição da República Popular
de Moçambique, com fundamento na cláusula n.º 18 do Acordo de Lusaka2 celebrado
em 7 de Setembro de 1974, com o seguinte teor:
"18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena e
completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e escolhendo
livremente o regime político e social que considerar adequado aos interesses do seu
povo."
O Acordo de Lusaka foi celebrado pelo Estado Português em cumprimento da Lei
n.º
7/74, de 27 de Julho, aprovado pelo Conselho de Estado e assinado pelo Presidente da
República Portuguesa, General António de Spínola, pela qual Portugal reconhece o
direito à autodeterminação, com todas as suas consequências jurídicas, incluindo o
reconhecimento da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte
correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de 11 de Abril de 1933.

As disposições da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e o respectivo Acto


Colonial3, então em vigor foram revogadas pelas leis constitucionais emanadas pelo
Conselho de Estado no quadro da Revolução de 25 de Abril de 1974, desencadeada pelo
Movimento das Forças Armadas Portuguesas, designadamente o Programa do
Movimento das Forças Armadas e a Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.

255
255
255
A República de Moçambique de 1975 até a presente data, em sua história, conheceu
três
Constituições, sucessivas, designadamente:

 A Constituição de 25 de Junho de 1975, aprovada em 20 de Junho de 1975 –


é uma constituição semi-flexível, nacionalista que se traduziu na apropriação
da 1terra e de todos os recursos naturais, institui um regime político
monopartidário, no quadro das classificações pode ser considerado de classista
por estar a privilegiar uma determinada classe no exercício do poder político,
visando a intervenção na vida política de novas camadas sociais,
designadamente operários e camponeses, de matriz socialista, e com carácter
popular, com uma política económica intervencionista e uma política social
orientada para a realização efectiva dos direitos sociais, isto é, à inserção das
pessoas na vida social, visando o acesso directo aos bens que satisfaçam as
necessidades básicas – bem-estar da pessoa humana;

2 Publicado no Boletim Oficial n.º 117, de 10 de Outubro de 1974, I Série.

3 Publicado no Diário de Governo de 11 de Abril de 1933, nos termos do Decreto-Lei


n.º 22.465 desta data

 A Constituição de 30 de Novembro de 1990, aprovada em 2 de Novembro


de 1990 – é uma Constituição rígida quanto à sua modificação por
vicissitudes constitucionais, adoptou o princípio da soberania popular, introduziu
novo regime politico com um processo da redemocracia participativa e
semidirecta num sistema político multipartidário, tornou Moçambique um Estado
de Direito, democrático e social, ampliou de forma significativa o conjunto dos
direitos fundamentais, com um título específico, consolidou o principio da
separação de poderes, entre o legislativo, executivo e judiciário, valorizou o
poder local com a criação das autarquias, numa emenda constitucional
ocorrida em 1996, no domínio económico, introduziu um regime de mercado
livre, reconheceu a propriedade privada e mista e limitou a acção do Estado à
regulação e promoção do crescimento e desenvolvimento económico e social
do País e disciplinou a acção da administração pública, com a consagração do
princípio do controlo da legalidade dos actos administrativos e a fiscalização da
legalidade das despesas públicas através do Tribunal Administrativo;

256
256
256
 A Constituição de 16 de Novembro de 2004, que entrou em vigor no dia 20 de
Janeiro de 2005 – Manteve os princípios políticos, jurídicos e filosóficos
consagrados na Constituição de 1990 e desenvolveu alguns conteúdos
normativos, reorganizou o texto constitucional numa outra sistemática e elevou
para dignidade e valor constitucional os direitos das pessoas que se encontravam
nas leis ordinárias, ampliou o rol dos direitos fundamentais, criou ainda a
figura de provedor de justiça e outras que ao longo da exposição teremos a
oportunidade de apreciar.

As três Constituições consagram o princípio da igualdade, as garantias de Direito e de


processos penais, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, a liberdade de
expressão, o direito de acesso aos cargos públicos por parte dos moçambicanos, o
direito de propriedade e o direito de petição.

Das revisões constitucionais ocorridas de 1975 até a presente data, verificamos o


progressivo alargamento do conjunto dos direitos fundamentais formalmente
consagrados na Constituição e a sua extensão aos direitos elencados na lei ordinária.
Sobre a Constituição de 2004, que se encontra em vigor desde 20 de Janeiro de
2005, antes de fazermos qualquer juízo de valor sobre a eficácia da aplicação dos
direitos, liberdades e garantias fundamentais consagrados no texto constitucional,
importa referir que a evolução que os direitos, liberdades e garantias consagradas
conheceram tiveram como fonte, a vontade politica do povo moçambicano que com
base na sua realidade sociopolítico, na experiência e evolução histórica dos direitos do
Homem no plano interno, internacional e regional, o Direito Constitucional
Moçambicano, veio então a conhecer uma evolução qual i t at i v a no domínio d o s
direitos, liberdades e garantias

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257
257
Fundamentais dando-nos o actual figurino destes direitos, liberdades e garantias
constitucionais.
Ao longo do debate faremos a comparação destes direitos, liberdades e garantias entre as
duas últimas Constituições, além de indicar sumariamente o que de novo se introduziu
no seu texto constitucional.
O Programa Quinquenal do Governo para 2005 – 2009, elaborado à luz da CRM de
2004 que entrou em vigor no mesmo ano da entrada em vigor da CRM, para
materializar as promessas eleitorais em acto governativo, foi apresentado na II sessão
ordinária da Assembleia da República, ocorrida no início do ano e depois de acesos
debates foi aprovado e consta da Resolução n.º 16/2005, de 11 de Maio, e, de imediato
começou a produzir os devidos efeitos, no plano interno e internacional, uma vez
aprovado pelo órgão competente.
Para o quinquénio 2010 a 2014, novamente, a Assembleia da República aprovou a
Resolução n.˚4/2010, de 13 de Abril que aprova o programa quinquenal do Governo
para o período em referência.
Portanto, com estas lições sumárias não pretendemos tecer comentários, críticas ou
qualquer tido de reparo à Constituição da República de 2004 que ainda se encontra
numa fase de aplicação e consolidação tendo em conta que apenas tem rigorosamente
sete anos de vigência, nem tão pouco nos pronunciar sobre a sua sistemática ou
constitucionalidade das suas normas e muito menos discutirmos o enquadramento
constitucional dos factos ocorridos neste lapso de tempo da sua vigência ou a
regulamentação das normas-jurídico constitucional, em forma de lei ordinária.

O Carácter aberto dos direitos fundamentais


O disposto no artigo 42 da Constituição de 2004, nos termos do qual, os direitos
fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das
leis, representa uma extensão e sentido dos direitos fundamentais.

Porquanto, tal como nos ensina o Professor Jorge Miranda4 a Constituição adoptou um
princípio de “não tipicidade” dos direitos fundamentais, ou uma “cláusula aberta” de
Direitos Fundamentais, ou seja, a Constituição “...aponta para um sentido material de
direitos fundamentais: estes não são apenas os que as normas formalmente
constitucionais enunciam; são ou podem ser também direitos provenientes de outras
fontes, na perspectiva mais ampla da Constituição material.
4 Manual de Direito Constitucional Tomo IV, 3.º edic. Coimbra, 2000, pag. 162 E ss.,
Vital Moreira e
Gomes Canotilho, “Constituição da República Portuguesa Anotada” cit., pag. 159.
134
134
134
O artigo 3 da CRM, dispõe o seguinte: “A República de Moçambique é um Estado de
Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no
respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.”
Neste preceito constitucional é importante sublinhar o seguinte: “A República de
Moçambique é um Estado de Direito, baseado …………. no respeito e garantia dos
direitos e liberdades fundamentais do Homem.”
O artigo 4 da CRM dispõe o seguinte: “O Estado reconhece os vários sistemas
normativos e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na
medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição.
Quanto aos valores prosseguidos pelo Estado Moçambicano, a CRM determina o
seguinte nos seus objectivos fundamentais plasmados no artigo 11:

“O Estado moçambicano tem como objectivos fundamentais:


e) A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a
lei;
f) O reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e
individual;
g) A promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz;
h) ………….
i) A afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores
socioculturais;
j) ……………”

Prosseguindo, ainda com as lições do Prof. Jorge Miranda, “Não se depara, pois, no
texto constitucional um elenco taxativo de direitos fundamentais. Pelo contrário, a
enumeração (embora sem ser, em rigor, exemplificativa) é uma enumeração aberta,
sempre pronta a ser preenchida ou completada através de novas faculdades para lá
daquelas que se encontrem definidas ou especificadas em cada momento.”
A conjugação do artigo 42 com o artigo 43, sobre a interpretação, constitui um
significativo avanço nas técnicas de interpretação e da integração dos preceitos sobre
direitos fundamentais de harmonia com a Declaração Universal, conforme a
prescrição do legislador constituinte, quando dispõe que “os preceitos constitucionais
relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a

135
135
135
Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem5 a que se refere é adoptada e


proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 217-A (III)
de 10 de Dezembro de 1948 e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos é a
aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em
Banjul, Gâmbia em Janeiro de 1981, e adoptada pela XVIII Assembleia dos Chefes de
Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairobi, Quénia,
em 27 de Julho de 1981.

29.7. Principais diferenças entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais


nas duas

Constituições de Moçambique (1990 e 2004)


Em seguida, vamos apresentar as principais diferenças entre os direitos, liberdades e
garantias fundamentais nas duas Constituições de Moçambique (1990 e 2004).
O levantamento que se segue não é exaustivo é apenas exemplificativo, pois o presente
trabalho não pretende limitar nem tão pouco revelar-se completo. É apenas um exercício
académico inicial que deve ser prosseguido e revestido dos devidos comentários e
análise jurídica.
Desde logo, a consagração dos seguintes órgãos, na CRM de 2004:
1. Provedor de Justiça, artigo 256 e ss., órgão que tem como função a garantia
dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da
Administração Pública, é eleito pela Assembleia da República, por maioria
de dois terços dos deputados, pelo tempo que a lei vai determinar.
O Provedor de Justiça é independente e imparcial no exercício das suas funções,
devendo observância apenas à Constituição e às leis.
O Provedor de Justiça irá submeter uma informação anual à Assembleia da
República sobre a sua actividade.
No quadro das suas competências irá apreciar os casos que lhe são submetidos,
sem poder decisório, e produz recomendações aos órgãos competentes para reparar
ou prevenir ilegalidades ou injustiças.
Se as investigações do Provedor de Justiça levarem à presunção de que a Administração
Pública cometeu erros, irregularidades ou violações graves, informa à Assembleia da

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República, o Procurador-Geral da República e a Autoridade Central ou Local com a
recomendação das medidas pertinentes.
Mais ainda, o Provedor de Justiça pode solicitar ao Constitucional a declaração de
inconstitucionalidade das leis ou de ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do
Estado, artigo 245, n.º 1, al. f), da CRM de 2004.
Na Constituição da República de 1990 constava para efeitos de fiscalização e controlo da
legalidade, a Procuradoria da República, artigo 176.
Porém, entre as duas figuras há diferença quanto à natureza, criação e funções que
desempenha na ordem jurídica.

O Provedor de Justiça é mais uma das garantias graciosas19 que o Direito


moçambicano passou a oferecer ao cidadão, tendo em conta que o nosso ordenamento
jurídico possui vários outros mecanismos de garantia dos direitos particulares, previstos
na Constituição e nas leis ordinárias, nomeadamente, as garantias petitórias e as
garantias impugnatórias.
Com a introdução desta figura de Provedor de Justiça, também conhecido por
“ombudsman”, o “defensor do povo” ou o “defensor do cidadão” pela primeira vez no
nosso país, os moçambicanos já poderão ter uma figura para quem irão dirigir as suas
queixas contra administração pública, sempre que não se conformarem com os actos
praticados pelos seus agentes.
O Provedor de Justiça é uma alta autoridade administrativa, imparcial, independente
do Poder Político e da Administração.
A sua eleição na Assembleia da República, por uma maioria de dois terços dos
deputados, tem a ver com as suas qualidades pessoais, de Homem de todos, de
prestígio, de respeito, de grande consideração e, por isso, de pessoa de consenso dos
titulares dos órgãos que detém o poder político e da oposição representada na
Assembleia da República.

A sua função essencial é receber queixas dos particulares contra a actuação da


Administração Pública e usar a sua influência, prestígio e poder de persuasão para
levar as autoridades Administrativas a reparar as injustiças, irregularidades e ilegalidades
que tiver cometido, alterando assim, a decisão que havia proferida sobre um caso em
concreto de um certo cidadão.
A Administração Pública vê-se na contingência de acatar as recomendações do
Provedor da Justiça, pois tem uma sanção política do eleitorado.

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A experiência do funcionamento desta figura em outros países do mundo moderno,
indica-nos que não é do interesse dos titulares do poder político que o Provedor dirija-
se ao Parlamento ou aos órgãos de comunicação social para apresentar uma questão
em relação a qual a Administração Pública foi notificada pela Provedoria para
reparar e manteve a decisão não obstante ser injusto e ilegal nos termos da Lei.
2. Assembleias Provinciais, artigo 142, são órgãos de representação democrática,
eleitas por sufrágio universal, com competências de fiscalização e observância de
princípios e normas constitucionais e legais, bem como das decisões do Conselho de
Ministros, referentes à respectiva província; aprovação, fiscalização e controlo
Do programa do Governo Provincial.
19 São as garantias que se efectivam através da actuação dos próprios órgãos da
Administração activa
A CRM fixa o prazo de 3 anos, a contar da data de entrada em vigor da Constituição,
para a realização de eleições, artigo 304, certamente para evitar a situação da
Constituição da República de Moçambique de 1990, em que no artigo 115 estava
previsto o seguinte: “1. Podem ser criados, a nível provincial, órgãos de representação
democrática.
2. A lei regula a organização, a composição, as competências e o funcionamento dos
órgãos referidos no número anterior.”
Até ao fim da vigência da CRM de 1990, a Lei que define a organização, a
composição, as competências e o funcionamento dos órgãos referidos no artigo 115,
não foi aprovada e promulgada, tornando o facto de inconstitucionalidade por omissão.
O mesmo se pode dizer em relação ao Conselho Constitucional, artigo 180 e seguintes,
até a aprovação da Lei n . º 9 /2003, d e 2 2 d e O u t u b r o , q u e aprovou a L e i
o r g â n i c a d o Conselho Constitucional.

3. Conselho de Estado, artigo 164, é o órgão político de consulta do Presidente da


República. Compete-lhe em geral aconselhar o Presidente da República no exercício
das suas funções sempre que este o solicite e ainda pronunciar-se obrigatoriamente sobre
a:
a) Dissolução da Assembleia da República;
b) D e c l a r a ç ã o de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência;
c) R e a l i z a ç ã o do referendo, nos termos da alínea c) do artigo 159;
d) C o n v o c a ç ã o de eleições gerais.

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4. Comissão N a c i o n a l d e E l e i ç õ e s , a r t i g o 1 3 5 , n . º 3 , ó r g ã o
i n d e p e n d e n t e e imparcial ao qual cabe a supervisão do recenseamento, referenda
e dos actos eleitorais, no quadro da aplicação do princípio de sufrágio universal,
directo, igual, secreto, pessoal e periódico, regra geral de designação dos titulares
dos órgãos electivos de soberania, das províncias e do poder local.

5. Conselho Superior da Comunicação Social, artigo 50 e ss., é um órgão de


disciplina e de consulta, que assegura à independência dos meios de comunicação social,
no exercício dos direitos à informação, à liberdade de imprensa, bem como dos direitos
de antena e de resposta.
No exercício das suas competências, emite parecer prévio à decisão de
licenciamento pelo Governo de canais privados de televisão e rádio e intervém na
nomeação e exoneração dos directores gerais dos órgãos de Comunicação Social do
sector público, nos termos da lei.

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Alcídio Leão

Tribunal Supremo, artigo 225, este órgão jurisdicional perdeu a sua supremacia
na ordem jurídica, tendo lhe sido reservado a função de órgão superior da hierarquia
dos tribunais judiciais, nomeadamente a matéria cível e criminal e a uniformização
da Lei nesta esfera de jurisdição.

Tribunal Administrativo, artigo 228, este tribunal com a revisão constitucional


ganhou uma fatia considerável da esfera jurisdicional ao lhe ser conferido o estatuto de
órgão superior da hierarquia dos Tribunais Administrativos, Fiscais e Aduaneiros,
tornando-se desta forma num Tribunal Supremo administrativo e no mesmo nível que
o tradicional Tribunal Supremo. Com esta modificação constitucional profunda na
área judicial, o Estado Moçambicano passa a contar com dois tribunais supremos,
sendo um para a matéria comum e outro para Administrativo, Fiscal e Aduaneiro.

Tribunais Militares, quando haja sido decretado estado de guerra, o artigo 224
permite a constituição de tribunais militares para julgar os crimes de natureza
estritamente militar.

Tribunais Comunitários. A ordem jurídica interna efectuou uma grande revolução ao


introduzir na Constituição da Republica o disposto no artigo 4 – Pluralismo Jurídico e
o artigo 223 n.° 2 Que se refere aos Tribunais Comunitários, reconhecidos em 1992
através da Lei n.° 4/92, de 6 de Maio.

O Conselho Constitucional, artigo 241 e ss. É o órgão de soberania desde a CRM


de 1990, surge nesta nova lei fundamental com poderes reforçados, porquanto, no
novo texto constitucional é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente
administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional, verifica
previamente a constitucionalidade dos referendos, a morte e a perda de mandato
do Presidente da República

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Alcídio Leão

Aprecia em ultima instância a decisão da constituição de partidos políticos e


coligações, bem como a legalidade das suas denominações, siglas, símbolos, bem
ainda a ordenação da sua extinção nos termos da Constituição e da lei.
Julga as acções de impugnação de eleições e de deliberação dos órgãos dos
partidos políticos.
Finalmente, julga as acções que tenham por objecto o contencioso relativo ao
mandato dos Deputados e as acções que tenham por objecto as incompatibilidades
previstas na Constituição e na lei.

30. Introdução á Psicologia

O que é a psicologia?
É o estudo do homem, dos seus estados de espírito…
O que é que acha que é a Psicologia?
- Visa, creio, um estudo concreto do que nos somos, do que é a nossa alma…
- Bem, no fundo, trata do Homem.
- Eu acho que, portanto… não sei explicar.

28.1. Correntes que confluem em uma outra mentalidade – Secs. XIX E XX

Abertura ao futuro daquele passado


Das correntes que mais marcaram o ambiente cultural e de pensamento do sec. XIX.
Correntes que vem a determinar toda a temática cientifica e/ou filosófica do sec. XX.
Pela sua importância e impacto, destacamos:
 O EVOLUCIONISMO de Charles Darwin
 O POSITIVISMO de A. Comte
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Alcídio Leão

 O BEHAVIOURISMO de John Watson


 A REFLEXOLOGIA de Pavlow
 A PSICANALISE de Freud
Correntes nascidas do sec. XIX, elas são o produto de um contexto social, politico e
económico onde o homem é centro do mundo, enquanto autor e, agora, controlador,
porque conhecedor do mecanismo desse mesmo mundo.
Vejamos a técnica, a máquina faz mundo. Produz. Foi/é a Revolução Industrial. Será
agora também a Revolução Humana: o Homem, um animal que, também ele, se pode
controlar; de quem se conhece o seu funcionamento.93
O EVOLUCIONISMO. Porque apresenta o homem como produto de uma evolução, e
não mais, Obra de criação.
O POSITIVISMO. Porque dá a justificação filosófica da importância e valor da ciência
hoje, por oposição á “ignorância” de ontem.
O BEHAVIOURISMO. Porque apresenta o homem como produto de uma situação.
Um produto que se faz no mundo. Que é feito pela educação.
A REFLEXOLOGIA. Porque apresenta o homem como possuído de uma estrutura “de
nervos” que permite que o seu funcionamento possa ser compreendido, assim, como o
de uma “máquina”.
A PSICANALISE. Porque apresenta o homem como produto também de forcas, mas
agora já forças que não são facilmente verificadas. Forças fortes: tão fortes que ate
difíceis de isolar, localizar. Forças que são desejos, mas desejos que são impulsos, que
são o motor da vida.

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Alcídio Leão

31. Direito Criminal Geral II

Diz-se Direito Criminal o conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos de


aplicação de determinadas reacções legais: as reacções criminais, que englobam as
penas e ainda medidas de outro tipo, entre as quais avultam as chamadas medidas de
segurança.
Desde que ao lado das penas surgem reacções criminais de outro tipo (medidas de
segurança, correcção, tratamento, etc.), a expressão “Direito Penal” com que a nossa
disciplina continua a ser designada, torna-se demasiado estreita para abarcar totalmente
o objecto deste ramo de direito.

Por isso se prefere a designação “ Direito Criminal” que é mais exacta e abrangente,
para alem de que sendo o Crime o elemento central desta disciplina. Há dai
conveniência em assim ser designada.
Segundo a professora Tereza beleza, o direito criminal e o conjunto de normas
jurídicas que faz corresponder o facto humano a uma determinada sanção, pena.
O Direito Criminal tipifica factos humanos e voluntários como crimes e diz que a
consequência destes comportamentos é a aplicação de pena.
O Direito Criminal estabelece, por forma geral e abstracta, quais os factos que devem
ser considerados crimes e quais as penas que lhes correspondem.
O Direito Processual Penal é o conjunto de regras que fixam os termos e o processo de
averiguar se num dado caso, se verificou a facto previsto na lei criminal e qual a pena
que lhe compete.
O Direito Processual Penal implica assim, em geral, o estudo das condições e dos
termos do movimento processual destinados a averiguar se um certo agente praticou um
certo facto e qual a reacção que lhe deve corresponder.

Conceito de Direito Criminal especial – o código Penal, aprovado pela Lei nᵒ


35\2014, de 31 de Dezembro comporta na sua sistematização duas partes
fundamentais: a parte geral artigos 1 a 154 e a parte Especial – artigos 155 e
seguintes

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Alcídio Leão

Na Parte Geral encontramos fixados os alicerces sobre os quais reporta-se o conceito de


crime como conduta típica e antijurídica a que sucede uma pena; as condições da sua
aplicação e o princípio que informa (dar a forma) todo o sistema, ou seja compreendem
o conjunto de conceitos gerais relativos ao crime e as suas consequências jurídicas
aplicáveis aos factos puníveis.
A Parte Especial descreve os factos especiais indicando a pena cominada, ou seja será a
descrição de todos os comportamentos humanos que ofendem e expõem a perigos
valores jurídicas tutelados pela comunidade como essenciais a sua existência e por
causa disso os prevê como puníveis determinado em abstracto a qualidade e a
quantidade da pena aplicada a cada um deles.

Direito Criminal Especial é o código dos tipos legais de crimes acompanhado das
respectivas sanções através das quais se protegem as liberdades dos cidadãos pela
limitação dessas liberdades, ou seja é o conjunto de normas jurídicas que fixam os
pressupostos de aplicação de determinadas reacções legais, as reacções criminais, que
englobam as penas (artigos 61, 62, 63, 89 do CP) e ainda medidas de outro tipo (de
segurança; alternativos de segurança – artigos 76 e 88 do CP).

29.1. O princípio da Legalidade

Nenhum facto, consista em acção ou omissão, pode julgar-se criminoso, sem que uma
lei anterior o qualifique como tal nᵒ 1 do artigo 7 da CP.
Este principio arrasto consigo todo um conjunto de princípios corolários como:
 Nullum crimen, nulla poena sine lege prévia, quer disser a norma penal
incriminadora é irretroactiva. Esta garantia significa que nenhum facto pode ser
considerado criminoso, nenhuma pena pode ser aplicada sem que nenhuma lei
anterior qualifique o comportamento como crime e fixar a natureza e o quantum.
Daqui deriva a proibição da analogia na qualificação do comportamento criminal
artigo 9 do CP;

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Alcídio Leão

 Nullum crimie, sine lege scripta, é a proibicao da retractividade da lei penal


prejudicial do infractor nᵒ 1 do artigo 8 da CP. Este princípio abrange também os
pressupostos dos estados de perigosidade e as medidas de segurança.
 Nullum crime, nulla poena sine lege certa a norma penal tem de ser certa, e
deve determinar com suficiente precisão o facto criminoso, acção ou omissão.
Assim, o crime não pode consistir numa situação, numa qualificação ou atitude
pessoal, outros sim, o facto que pode consistir em acção ou omissão não pode
ser inferido da lei, tem de ser definido na lei, para que a descrição da conduta
reprovável seja suficiente clara e unívoca;
Intrinsecamente ligado ao princípio da certeza está a proibição das leis penais
em branco, que são leis incompletas, necessitando para a definição da lei penal
de ser completada sem que falta a definição do comportamento proibido ou
imposto, isto ocorre quando a elementos constitutivos do tipo legal de crime
dependem de condicionalismo não da proibição da analogia em direito penal.
 Nullum crime, nulla poena sine lege scripta a lei tem de estar positivada ou
escrita. A lei formal é a fonte primária da incriminação e decorre também a
exclusão do costume como facto normativo do direito penal. O Quid júris
resisde no costume internacional e as normas do direito interno geral ou como.
São exemplos os crimes contra a humanidade.
 Nullum crime, nulla poena sine lege jurídico é o princípio da
jurisdicionalidade em matéria penal. Uma das garantias das liberdades do
cidadão é a aplicação do direito pelos órgãos apropriados, os tribunais.
Órgãos independentes e dos vários poderes, esta é uma das mais importantes
garantias de actuação do direito penal.
 Da interpretação restritiva, segundo o qual, tendo o legislador formulado o
quadro da via real que considera deverem ser incriminados, o julgador manter-
se-á dentro deste quadro sem possibilidade de interpretação analógica ou mesmo
extensiva mo domínio da incriminação.

29.2. Qualificação jurídica

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Alcídio Leão

Tarefa melindrosa é traçar com precisão as condutas censuradas pelo Direito Penal sem
sacrificar o princípio de justiça (Justiça e Certeza do Direito) que o mesmo direito
pretende tutelar. Para tanto o intérprete tende lançar mão da obra-prima de modo a
descrever tais condutas censuradas de maneira precisa e inequívoca, isto é, o tipo penal
que é paradigma do facto incriminado, deve estar minuciosamente descrito em todos os
seus elementos constitutivos pela norma penal. A esta actividade hermenêutica ou
interpretativa se chama de qualificação jurídica.
Para isso o interprete ou o julgador faz vincar o postulado “nullem crime sine lege”
conquista da Revolução Francesa de 1789 artigo 7 da CP neste contexto, o termo
qualificação jurídica pose assumir varias significações:
a) Pode significar a adequação de um determinado comportamento a um ou varias
tipos legais de crime.
b) Mas pode também significar a aplicação de pena correspondente ao caso
concreto;
c) A qualificação jurídica poderia significar o regime de procedimento. Deste modo
em face da pluralidade de infracções cometidas no mesmo território nacional ou
não, com conexões objectivas ou subjectivas, ela poderá indicar o modo de
aplicação da lei e o tribunal territorial competente artigos 45 e SS do CPP;
d) Também poderá indicar a natureza ou espécie do tribunal competente em razão
da matéria, artigo 167 da CRM;
e) O termo qualificação determina a competência não só em razão da matéria mas
também da hierarquia ou escalão do tribunal a julgar conforme o disposto na lei
numero o termo qualificação determina a competência não só em razão da
matéria mas também da hierarquia ou escalão do tribunal a julgar conforme o
disposto na Lei nᵒ. 23/2004, de LOTJ. Significa deste modo que a qualificação
visa uma pluralidade de fins dentro quais a determinação da pena aplicável e a
forma processual respectiva.
Todavia, nunca se perca de vista que qualificar é antes de mais um procedimento
aleatório ou ocasional mas com determinação exacta dos elementos constituídos
do crime cerne do direito criminal, isto significa que, independentemente do
conceito que possa ser adoptado (interpretação jurídica subsunção) ela implica
necessariamente o conhecimento profundo de cada tipo legal de crime.

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Alcídio Leão

29.3. Análise estrutural dos Elementos do tipo legal de crime

Quando estamos perante uma conduta criminal há a considerar o elemento tipo:


O termo tipo é polissémico, no entanto é comum a todos seus sentidos a
correspondência a uma descrição.
Num sentido restrito, tipo (tipo incriminador) é a descrição da conduta proibida.
Num sentido mais amplo, em que abrange o juízo de ilicitude e, nessa medida, as causas
de justificação como elemento negativos, fala-se tipo de ilícito.
Num sentido mais abrangente, que corresponde todos os pressupostos da punição, é
utlizada a fórmula tipo total ou tipo de garantia.
Os elementos do tipo compreendem os elementos objectivos e subjectivo do facto
punível. O comportamento punível há-se se expressar por um verbo. “Matar, roubar,
furtar, envenenar…”
Elementos subjectivos são as realidades referidas no tipo que consubstanciam a
materialização exterior do facto punível.
São elementos objectivos do tipo incriminador, nomeadamente:
a) O agente (sujeito activo ou passivo), que, na generalidade dos casos, pode ser
qualquer pessoa (nos crimes especiais, o agente detem uma determinada
qualidade ou relação com a vitima ou exerce uma especifica função, como por
exemplo, o funcionário publico, agente de autoridade, o juiz, a autoridade
administrativa);
b) A conduta, que se reconduz necessariamente a um comportamento humano e
voluntario – o que exclui da acção os puros actos reflexos ou cometidos em
estado de inconsciência ou sob o impulso de forças irresistíveis;
c) O bem jurídico, que é o valor tutelado pela norma incriminadora.
Pode-se incluir ainda, o meio e modo de execução, evento (efeito, incidente), tempo,
lugar, instrumentos. Estes são elementos constitutivas que distinguem um crime do
outro, por isso alguns agrava e outros atenuam dependendo das situações.

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Alcídio Leão

Elementos subjectivos do tipo são elementos que caracterizam a dimensão subjectiva do


facto típico, isto é, que se referem a atitude psicológica do agente, aquilo que ele
pretendia no momento em que realizou a acção típica.
De acordo com a doutrina maioritária, integram a dimensão subjectivas do facto do
dolo, a negligência e outros elementos subjectivos especiais (especiais intenções).
Há, porem, doutrina que considera que os elementos subjectivos do tipo apenas
elementos referentes a tendências, intenções e atitudes pessoais que interessam, apenas
ou primariamente, a valoração da ilicitude. Para quem assim entende, o dolo e a
negligência são tipos de culpa insusceptíveis de ser reconduzidos a elementos do
tipo, sendo antes exigência do próprio princípio da culpa.

32. Direito Constitucional Moçambicano


O Direito Constitucional de um País, como conformador do político, é sem sombra de
dúvidas, um direito que exprime, ou seja, que traduz, uma realidade política, social e
historicamente determinada, concebendo-se, por isso, que a história da Constituição de
cada Estado é também a História da Administração daquele país, por traduzir um
fenómeno social e coincidente.
O território de Moçambique foi Província ultramarina e parte integrante da Nação
Portuguesa, situado na África Oriental, do território do Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarve, consagrado na Constituição Portuguesa de 23 de Setembro de 1822,
conforme o disposto no artigo 20.º, §III.
Ao abrigo da Constituição Portuguesa de 21 de Agosto de 1911, o Governo colonial
Português, em conformidade com o Título V, da Administração das Províncias
Ultramarinas, artigo 67.º promulgou o Decreto n.º 18.570, de 8 de Julho de 1930, por
meio do qual aprova o Acto Colonial.
O conteúdo dessa actividade. Vide artigo 27 da Lei n.º7/2004, de 17 de Junho, BR n.º
24, I Série, Suplemento O acto colonial é a lei-padrão da colonização portuguesa a partir
de 1930, proclamando o seguinte no seu artigo 2.º “é da essência orgânica da Nação
Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios
ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam,
exercendo também a influencia moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.”
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Alcídio Leão

A população moçambicana foi sujeito aos maus tratados, humilhação, repressão e


exploração continua.
Todo o povo negro de Moçambique foi lhe negado o direito civis e políticos, por
aplicação do Estatuto Politico e Civil dos Indígenas de 1926, com excepção de uma
minoria que se tornou assimilado e de mulatos, que podiam gozar de certos privilégios
do sistema colonial português. Em 28 de Maio de 1926, em Portugal, é desencadeado
uma revolução encabeçada por militares, através de um golpe de Estado, derrubando o
governo instituído e em seguida proclamado o Estado Novo.
O governo derrubado pela revolução de 28 de Maio de 1926 era, por natureza,
autoritária e o Estado Novo de partido único, que a substituiu, manteve certo
autoritarismo - embora limitado pelo Direito e pela Moral cristã, por influência da Santa
Sé o que lhe conferiu certos condimentos que o distinguia dos sistemas, que pelo menos
em parte lhe foram contemporâneos, designadamente de Franco, de Mussolini, de Hitler
e de Estaline.
O novo poder politica ganha impacto no plano nacional e internacional e entre1928 a
1932, o Ministro das Finanças, Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, é designado
Presidente do Conselho de Estado e tendo exercido este cargo até 1968, momento em
que por doença, motivada ou acelerada por uma queda, teve de abandonar o poder.
Nos trinta e cinco anos, de governo de Salazar em frente do Estado Novo, este político
financeiro, académico da Universidade de Coimbra onde era Professor de Finanças,
cedo se revelou de génio e excepção, prioritariamente empenhado na reconstrução
financeira do seu País, além de continuar e terminar a missão iniciada pela ditadura
derrubada pela revolução de 1926, que era de reorganização geral do País, e
particularmente de sua reconstrução financeira, teve de enfrentar e Resolver quatro
conjuntos de Grandes Problemas do estrangeiro, com impacto sobre Portugal: os
problemas decorrentes da Guerra de Espanha, ocorrida de 1936 a 1939; os problemas
consequentes da Segunda Grande Guerra, que teve lugar de 1939 a 1945; os problemas
devidos à expansão dos regimes democráticos pluralistas, após a referida Segunda
Grande Guerra; os problemas relativos ao Ultramar Português, intensificados na década
de 50 e, sobretudo, na década de 60, por intervenção das Nações Unidas no quadro da
implementação da Carta das Nações Unidas e daDeclaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948.
149
Alcídio Leão

Ao nível de ensino, o Estado português assumiu a intervenção directa, criando um


sistema capaz de habilitar o “indígena” para o seu papel específico de trabalhador barato
na economia colonial moçambicano.
Em 11 de Abril de 1933 entrou em vigor a Constituição Politica Portuguesa aprovada
pelo Congresso da República, (Órgão legislativo) investido de poderes constituintes,
revogando a Constituição de 21 de Agosto de 1911.
Na Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e no respectivo Acto Colonial,
aprovado nos termos do artigo 132.º da Constituição, que considera matéria
constitucional as disposições do Acto Colonial5 a ser aprovado pelo Governo, o
território de Moçambique continuou6, conforme se estabelece no artigo 1.º, sendo
considerado província de Moçambique uma região autónoma da República Portuguesa,
dotada de personalidade jurídica de direito público interno e usando a designação
honorífica de Estado, por força do Decreto7 n.º 545/72, de 22 de Dezembro, que definia
o Estatuto Político-Administrativo da Província de Moçambique.
A negação aos direitos civis e políticos aos cidadãos de raça negra, a exploração do
cidadão moçambicano como testemunha o artigo 20.º do Acto Colonial, cujas normas
são consideradas matéria constitucional, aprovado em conformidade com o artigo 132.º
da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933, determina que “O Estado somente
pode compelir os indígenas ao trabalho em obras públicas de interesse geral da
colectividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam, em execução de decisões
judiciárias de carácter penal, ou para cumprimento de obrigações fiscais”.
À luz da legislação colonial decorrente do acto colonial as empresas agrárias
funcionavam na base de uma mão-de-obra barata recrutada coercivamente para realizar
trabalho forçado, o chamado chibalo;

32.7. Consciência nacionalista no exterior


Em 1957, Marcelino dos Santos na cidade de Paris, capital da França para onde se
deslocou para continuar os seus estudos reúne-se com alguns nacionalistas africanos das
colónias portuguesas, nomeadamente Amílcar Cabral e Guilherme Espírito Santos,
analisam a situação da actuação brutal nos seus respectivos países do colonialismo, a
experiência de luta anti-colonial na década de 50 e no fim elaboram um manifesto
150
Alcídio Leão

politico que apela pela luta patriótica dos povos das colónias portuguesas de forma
cientifica e organizada, baseada na unidade politica, nacional e internacional e na força
fundamental dos trabalhadores.
A partir de 1957, surgem no plano interno e externo um movimento de criação de
organizações políticas visando a libertação do continente africano do domínio colonial.
Em Moçambique, as actividades políticas partidárias com fins políticos são
consideradas ilegais e por isso, reprimidas pelo sistema colonial português, levando os
moçambicanos a terem que se agruparem em forma de associações partidárias e
forçados a desenvolverem as suas actividades políticas de modo clandestino, e restringir
a sua acção as zonas de origem e com alguns contactos no exterior.
No exterior a luta nacionalista foi cada vez mais intensa na Africa de Sul, Rodésia
de Sul (Zimbabwe), Niassalândia (Malawi) e Tanganyka (Tanzânia), facto que em parte
deu coragem aos moçambicanos nesses países.
A PIDE/DGS estabeleceu uma relação de colaboração com a polícia secreta da Africa
de Sul, o que dificultou todo o movimento de luta por Moçambique, devido a forte
vigilância desenvolvida pela polícia sul-africana naquele país e na Suazilândia.
Em 16 de Junho de 1960, em Cabo Delgado no planalto de Mueda, ocorre o massacre
de Mueda por ordem do Governador colonial da Província, onde muitos dos cidadãos
moçambicanos são barbaramente assassinados, com recurso a tiros e baioneta,
culminando a reunião convocada pelo Administrador local.
A actuação brutal das autoridades coloniais criou na população de Cabo Delgado e em
todas as partes onde a notícia chegou um repúdio e consciência de que não havia outra
alternativa que desencadear uma luta contra o sistema colonial, pois o diálogo que se
pretendeu desenvolver teve como resposta a prisão da porta- vozes e o massacre as
populações indefesas.

Ao nível do continente africano, em 1960, um total de 17 países tornam-se


independentes das suas potências coloniais e na Africa de sul o ANC é banido e em 12
de Março ocorre o massacre de Sharpeville.

151
Alcídio Leão

Todos estes acontecimentos criam nos moçambicanos a consciência cada vez mais de se
envolverem na luta contra o regime colonial e fascista português.
A NESAM uma organização construída por jovens estudantes da colónia de
Moçambique tendo como membros entre outros, Joaquim Chissano, Armando Guebuza,
Luís Bernardo Honwana, Augusto Hunguana, Filipe Samuel Magaia, Mariano
Matsinhe, Josina Muthemba, Pascoal Mocumbi, Jorge Tembe e outros é o lugar
privilegiado para o desenvolvimento das actividades políticas anti- colonial e o acto
ganha mais força quando em 1961, Eduardo Mondlane, então alto funcionário das
Nações Unidas passa por Moçambique e é recebido por estes jovens instruídos, além de
estabelecer contactos de foro político com nacionalistas moçambicanos.

A NESAM desenvolveu um papel importante na luta e elevação da consciência dos


moçambicanos na cidade de Lourenço Marques (Maputo cidade) em particular,
nomeadamente na:

 Transmissão das ideias revolucionárias a camada juvenil;

 Consciencialização da juventude para a valorização da sua cultura e a sua


moçambicanidade;

 Promoção de debates sobre Moçambique, fora do império português.

32.8. Formação e fundação da FRELIMO


Nos fins de 1960, um grupo de três trabalhadores moçambicanos residentes em
Bulawaio, segunda capital da República do Zimbabwe, sob a orientação de Adelino
Gwambe, junta-se a outros sete trabalhadores, na cidade de Salisbúria, hoje Harare,
chefiados por Lopes Tembe, fundam no dia 2 de Outubro de 1960, um movimento
politico com objectivo de promover a luta pela independência de Moçambique, a
UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique, sob a direcção de Adelino
Gwambe, Fanuel Mahluza e Calvin Machaieie. É um movimento político que
integravam cidadãos moçambicanos provenientes de várias províncias de Moçambique,
nomeadamente Tete, Gaza e Maputo, com uma visão mais ampla da situação dos
moçambicanos camponeses e outros trabalhadores na Africa de Sul e nas companhias;

152
Alcídio Leão

Em consequência da repressão da consciência nacional moçambicana pelos seus direitos


civis e políticos face a dominação colonial, surge um segundo movimento, denominado
UNAMI – União Nacional Africana de Moçambique Independente, que se forma no
Malawi em 17 de Janeiro de 1961 e tem como líder, o Baltazar da Costa Chagonga.
Integrava moçambicanos de Tete e parte da província da Zambézia.
No norte de Moçambique, os Macondes e Macuas moçambicanos emigrantes que se
refugiaram na Tanganyka, hoje Tanzânia e no Quénia prestando o seu trabalho nas
plantações fundam em fevereiro de 1961, na cidade de Mombaça em Quénia, a MANU
– (Mozambique African National Union), União Africana Nacional de Moçambique.
Este movimento tem como fundador Mateus Mole que assume as funções de Presidente
do movimento e Malinga Malingue as funções de Secretário-geral e tinha como visão
política o melhoramento das condições de vida dos moçambicanos residentes em Cabo
Delgado;
Todos estes movimentos preconizavam a liquidação do colonialismo e da conquista da
independência nacional, embora nenhum deles tivesse um projecto político devidamente
elaborado com objectos, métodos e organização definida e a forma como se propunha
desencadear a luta.
Em contra partida os movimentos políticos da época, dos territórios britânicos com a
TANU de Julius Nherere na Tanganyika e KANU de Jomo Kenyata no Quénia,
apresentam-se com uma melhor organização, bem estruturados e com um projecto de
luta mais consistente.
Entre os Moçambicanos que abandonaram o país para continuar os estudos figura o Dr.
Eduardo Mondlane, que vivendo nos Estados Unidos onde era alto funcionário das
Nações Unidas no Departamento da descolonização, decide interromper o seu vínculo
jurídico-laboral com aquela organização internacional e lança-se na luta pela
descolonização do seu país, do colonialismo português.
Os dirigentes das três organizações moçambicanas (União Democrática Nacional de
Moçambique - UDENAMO; União Nacional Africana de Moçambique -MANU e
União Nacional Africana de Moçambique Independente -- UNAMI), exprimindo o
sentimento mais profundo e de patriotismo souberam felizmente compreender a
necessidade de satisfazer esta exigência popular, e em 25 de Junho de 1962, numa
conferência constitutiva realizada em Dar-es-Salaam tomaram a decisão de se unirem,
153
Alcídio Leão

fundindo-se numa só FRENTE de Luta unida, denominada Frente de Libertação de


Moçambique FRE – LI – MO abreviadamente designado por FRELIMO, com sede em
Lourenço Marques, capital de Moçambique e provisoriamente em Dar-es-salaam,
capital da Tanganyika.
Em 1962, de 23 a 28 de Setembro, realiza-se em Dar-es-Salaam, Tanganyika, o
Primeiro Congresso da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), movimento
político nacionalista, após a decisão tomada em 25 de Junho de 1962 de criar a
FRENTE unida, a partir da fusão dos três movimentos nacionalistas, criados em 1960 e
1961.
O Congresso da Frente de Libertação de Moçambique teve como objectivo essencial:

 A legalização da nova situação politica criada com a fusão dos três movimentos;

 A definição da estrutura e do programa da FRELIMO;

 A definição dos objectivos do movimento político;

 A definição dos métodos de acção a utilizar para atingir os objectivos almejados;

 A definição do estatuto político do movimento;

 A definição da linha geral da política da FRELIMO, no plano interno e


internacional;

 A definição da estratégia da Luta de libertação;

 A identificação do inimigo contra o qual seria desencadeado a luta.

32.9. Nos Estatutos e programa que então se aprova, cuja cópia se junta em
anexo, fixa-se o seguinte:

Definição: A FRELIMO é uma organização política constituída por moçambicanos, sem


distinção de sexo, de origem étnica, de crença religiosa ou de lugar de domicílio.

154
Alcídio Leão

32.10. Os Objectivos da FRELIMO são:

A - A liquidação total em Moçambique da dominação colonial portuguesa e de todos os


vestígios do colonialismo e imperialismo;
B - A conquista da Independência imediata e completa de Moçambique;
C - A defesa e realização das reivindicações de todos os moçambicanos explorados e
oprimidos pelo regime português.

32.11. Para atingir os seus objectivos a FRELIMO:

a) A - Proclama a necessidade de união de todo o povo moçambicano. b) B - Organiza,


une e mobiliza todos os moçambicanos.
A FRENTE reserva-se o direito de formar com outras organizações de luta anti-
colonialista dos outros países sob dominação portuguesa, uma frente unida de luta
contra o colonialismo português, a fim de abreviar a sua liquidação total; de aderir a
organizações africanas, a organizações Pan-Africanas, Afro-Asiáticas, e outras ainda
que tenham como objectivo a luta anti-colonialista, em vista da emancipação social dos
povos.
Em resumo podemos afirmar que os Estatutos definem os objectivos da luta, os órgãos
do movimento, os direitos e deveres dos moçambicanos na luta, o estatuto político do
moçambicano, as atribuições e competências dos órgãos e sua articulação.

32.12. Quanto à estrutura e organização acha-se consagrado o seguinte:

X - A estrutura da FRELIMO é a seguinte:


NAÇÃO - PROVÍNCIA - DISTRITO - LOCALIDADE - CÍRCULO.
XI - No plano da Nação há um Conselho Nacional e um Comité Central. A Província, o
Distrito e a Localidade têm cada um, um Comité.

155
Alcídio Leão

XII - O círculo é a organização de base da FRELIMO, e existe nos lugares de trabalho e


de residência. O Círculo tem um SECRETARIADO.
XIII - Os Comités de Província, Distrito e Localidade são eleitos respectivamente, pela
Assembleia de Delegados de Província, Distrito e Localidade. XIV - O Congresso é o
órgão supremo da FRELIMO.
XV - O Conselho Nacional é eleito pelo Congresso e o Comité Central é eleito pelo
Conselho Nacional.
XVI - O Conselho Nacional, o Comité Central, os Comités de Província, de Distrito e
de Localidade, e o Secretariado de Círculo, são responsáveis perante os órgãos
superiores respectivos pela execução, no seu âmbito de acção, das resoluções dos órgãos
superiores e pela aplicação prática das directrizes políticas da FRELIMO.
XVII - A FRELIMO organiza e mobiliza os moçambicanos dentro dos pais e os
emigrados em países africanos e outros, em grupos que funcionam como secções da
FRELIMO no exterior.
XVIII - A estrutura da Frelimo é baseada no centralismo democrático e o método de
trabalho dos seus órgãos é orientado pelos princípios seguintes;
a) - Espírito democrático b) - espírito colectivo
c) - Unidade de acção
d) - Espírito de responsabilidade e) - crítica e auto-crítica
f) - Ajuda mútua

Partindo da percepção de que o poder constituinte é o poder de elaborar as normas


constitucionais. É o poder conferido ao povo de definir as grandes linhas de orientação
política, económica, social e cultural do seu futuro, tal como podemos aferir dos artigos
2, n.º 1 e 2, artigos 73, 293 e 292, todos da CRM.
Podemos concluir ainda que é o poder mais elevado que um povo tem de por si só
decidir sem qualquer impedimento de ordem interna, exercer o poder político. É a
expressão mais alta da soberania de um povo, por meio do qual determina a sua opção
156
Alcídio Leão

global quanto ao futuro. Qualquer sociedade humana necessita de instituições políticas


que agindo como árbitro asseguram a manutenção da ordem, evitam ou previnem a
conflitualidade social e definem rumos colectivos, garantindo ainda uma distribuição
equitativa ou razoável das riquezas disponíveis, segundo as regras e critérios
validamente aceitem em cada época.
As instituições políticas de qualquer sociedade necessitam de estar investidos de um
poder para que possam eficazmente realizar o fim almejado e o poder requerido tem a
designação de poder político que se define como seja a “possibilidade de eficazmente
impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia”10 Outros
autores ainda como seja o Prof. Adriano Moreira11, escreve que poder político é “a
capacidade de obrigar os outros a adoptar certo comportamento”
Por conseguinte, o poder de elaborar o instrumento jurídico de que estamos a falar visa
constituir, criar e positivar, normas jurídicas de valor constitucional, ou seja, normas
jurídicas superiores a todas as outras normas de ordenamento jurídico.
Os estatutos e programa aprovado pela FRELIMO no seu primeiro congresso, constitui
um acto de soberania plena, quando o Primeiro Congresso definir para o povo
moçambicano manifestando a expressão mais alta da liberdade, da autodeterminação de
um povo, um estatuto político do movimento onde se acham consagrados:
Em sentido material, um conjunto de normas que define e regula o estatuto jurídico do
movimento ou, doutro prisma, o estatuto jurídico do político, nos seus aspectos
fundamentais; estrutura o movimento em termos de definir quais são os órgãos que
dirigem a organização, suas competências, mandato, o relacionamento institucional
entre os órgãos, o direito que rege o referido movimento e finalmente, define os direitos,
deveres e garantias fundamentais dos militantes juridicamente vinculados ao movimento
e ao Território Moçambicano, sob jurisdição da FRELIMO;
A consciência politica que os moçambicanos tiveram em 1962 de sob os ideais e
direcção da FRELIMO realizar o Primeiro Congresso do movimento e sagrar os
objectivos fixados, em nosso entender, representa um acto politico de dimensão politica
elevada que se consubstancia num poder constituinte material do movimento de
libertação nacional, por meio do qual, a FRELIMO revelou diante do povo
moçambicano e da comunidade internacional possuir um poder ou a capacidade de auto-
organização e auto-regulação que só pode ser um poder constituinte.
157
Alcídio Leão

Foi um poder original e próprio do movimento, na medida em que se propõe que antes
dele não existe nem de facto, nem de direito, qualquer outro direito, com igual
capacidade, daí que se afirma que é um poder inicial.
10 Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I,
Reimp., Coimbra, 1996, pág. 5.
11Ciência Política, Coimbra, 1995, página 72.
O poder constituinte material do movimento exprime a soberania do povo moçambicano
na ordem interna e externa, acto confirmado pela comunidade internacional quando em
1965, a Frelimo merece o reconhecimento internacional das Nações Unidas.

Através do poder constituinte, manifestado pela FRELIMO em 1962, pretende-se a


revelação internacional de valores jurídicos que visam a fundamentação da estrutura da
organização e funcionamento da FRELIMO na luta pela conquista da independência
nacional do território de Moçambique.
Na base do mesmo raciocínio e na busca da génese do constitucionalismo moçambicano
chega-se ao sentido formal dos Estatutos, que é o complexo de normas formalmente
qualificadas de estatutárias e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras
normas editadas pelo movimento, atribuída pelo Congresso, definido como “órgão
supremo da FRELIMO”, única entidade do movimento com a faculdade de atribuir tal
forma e tal força jurídica a certas normas pelo seu valor e dignidade.
O sentido formal das normas, pressupõe a existência do poder constituinte formal,
procedimentos definidos para a emanação das normas com valor e dignidade de um
estatuto do movimento, hierarquia superior as demais normas;

Do que constatamos dos estatutos e programa da Frelimo em 1962, não são mais do que
as linhas fundamentais de organização do povo moçambicano, em torno do seu
movimento, matéria que é consagrada numa Constituição.
O Congresso ao traçar os objectivos, definir os órgãos de decisão, as suas atribuições e
articulação, os direitos, os deveres dos membros do movimento e o estatuto da
FRELIMO no plano interno e externo está a traçar o modo de vida dos moçambicanos

158
Alcídio Leão

no presente e no futuro fora da dominação e do sistema politico instituído pelo regime


colonial português.
Os moçambicanos através dos Estatutos e Programa do Movimento de libertação
definem o regime pelo qual se propõe guiar os seus ideais e consequentemente negam a
subordinação política à Constituição da República Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e
estabelecem a sua própria Constituição politica que doravante regerá o seu modo de
vida.
A Constituição Portuguesa, no território moçambicano, qualquer que seja é ilegítima e a
sua validade jurídica foi sempre assegurada pelo uso da força das armas, instituídas pelo
sistema político então vigente.
O povo de Moçambique em nenhum momento da sua história política reconheceu a
Administração colonial português e muito menos a sua Constituição politica.
A história revela-nos que o sistema colonial de dominação subsistiu no território
moçambicano mercê do uso ilegítimo da força e desde sempre encontrou resistência,
desobediência e condenação no plano interno e internacional.
Nesta perspectiva, os Estatutos e Programa da FRELIMO aprovados em 1962 surgem
como primeiro instrumento politica que são adoptados pelo povo moçambicano, após
longos anos de luta de resistência sem uma forma de organização politica, coesa, com
objectivos bem claros e devidamente elaborados, a serem alcançados a curto, médio e
longo prazo.
Em reconhecimento deste crescimento político do povo, são as instituições e a
organização politica adoptada pela FRELIMO que passa a regular os moçambicanos a
partir da aprovação dos seus Estatutos e do seu programa.
O cidadão moçambicano, não obstante, juridicamente e por força da lei constitucional
ser cidadão português, artigo 1., § 3.Conjugado com o artigo 3., Ambos da
Constituição portuguesa, na área da jurisdição da FRELIMO, subordinam- se as regras
estabelecidas pelo movimento nos seus Estatutos e realiza as actividades fixadas no seu
programa e não o que consta da Constituição portuguesa de 1933 e das leis decorrentes,
nomeadamente do Acto Colonial, aprovado pelo Decreto-Lei n. 22465, de 11 de Abril
de 1933.

159
Alcídio Leão

As autoridades obedecidas pelos membros filiados na FRELIMO, seus simpatizantes e


pelo povo em geral que reconhece a FRELIMO como a força politica organizada criada
para dirigir politicamente o povo moçambicano na luta contra o sistema colonial são as
que foram designadas segundo as regras procedimentais fixadas nos Estatutos do
movimento de libertação.
Ao criar-se o movimento de libertação denominado FRELIMO, o povo moçambicano
adquire desse modo os direitos cívicos e políticos, a livre adesão a uma organização
politica e assume os valores consagrados nos estatutos da FRELIMO como o seu modo
de vida.
Os Estatutos e programa da FRELIMO constituem assim a primeira grande conquista
do povo moçambicano ao consagrar pela primeira vez na história, num instrumento
político, os direitos civis e políticos do cidadão moçambicano em conformidade com os
direitos do Homem plasmados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Esta conquista histórica que simbolizou o primeiro acto de exercício da democracia em
Moçambique, da aprovação de um instrumento politico que consagra os direitos e
deveres dos militantes da FRELIMO, numa assembleia nacional, tipo Parlamento,
denominada Congresso, participada por representantes eleitos pelo povo nas zonas de
dominação da FRELIMO e outros vindos de toda a parte do território de Moçambique
colonial, representou um duro golpe para o regime de Salazar que negava os direitos
civis e políticos dos cidadãos e a constituição de facto de um poder constituinte
material, com a legitimidade popular.
A luta de libertação nacional é desencadeada em 25 de Setembro de 1964 e durante o
seu percurso, as forças populares de libertação de Moçambique (FPLM), em várias
zonas do território nacional, as autoridades politicas e administrativas coloniais foram
sendo expulsas pelo avanço da luta feroz dos guerrilheiros e tais zonas12 eram
imediatamente ocupadas e administradas pelas FPLM que implementavam uma política
estabelecida pela FRELIMO aprovada pelo Congresso e formalmente consagrada no seu
Estatuto.
Nas zonas libertadas a FRELIMO estabelecia as autoridades políticas do movimento
que se regiam segundo as normas fixadas no Estatuto da FRELIMO e as actividades
politicas, administrativas, económicas, sociais e culturais que se desenvolviam são as
que constam do Programa da FRELIMO, segundo a visão política do movimento.
160
Alcídio Leão

A FRELIMO, nas zonas sob sua administração cria tribunais populares, constrói e põe
em funcionamento as escolas e hospitais, fomenta a criação e funcionamento de centros
e unidades de produção colectiva, serviços administrativos, de registos e identificação
civil, transportes e comercialização dos produtos excedentários, Portanto, nas zonas
libertadas a FRELIMO tem os Estatutos e Programa como uma Lei fundamental, neste
sentido, como Constituição, o território sob sua administração como sua área de
jurisdição onde cria implanta um poder politico que se exerce através dos seus órgãos
políticos, administrativos e judiciários, como se de Estado soberano se trata-se,
nomeadamente, o Comité central da FRELIMO que age como se de órgão legislativo
fosse, pois compete a este órgão, no intervalo das sessões do Congresso, deliberar sobre
as questões básicas da politica interna e externa do movimento. Os cidadãos residentes
nas zonas ocupadas pela FRELIMO e seus membros e militantes são o substrato
humano que representa o povo que justifica a existência de qualquer Estado.
A FRELIMO, tem na sua área de dominação política, os seus símbolos e a entidade
suprema que representa a Organização no plano interno e internacional, o Presidente da
Frente de Libertação de Moçambique, que gozava de reconhecimento no plano interno e
internacional como legítimo representante de um povo em luta pela conquista da sua
dignidade e auto determinação.
Nesta perspectiva os Estatutos e Programa da FRELIMO é sem dúvida a Constituição
dos territórios ocupados pelo movimento de Libertação, porquanto naquelas zonas não
havia outra autoridade politica administrativa que não fosse a estabelecida pela
FRELIMO e neste sentido são o ordenamento político do movimento de libertação.

12 Tornando-se zonas libertadas do sistema politico administrtivo colonial. As zonas


libertadas surgem no início do ano de 1966.
Os Estatutos e Programa da FRELIMO diante dos cidadãos de Moçambique que
reconhecem a legitimidade e os propósitos do movimento de libertação são a sua lei
fundamental.

Estes cidadãos observam no seu modo de vida as regras de conduta estabelecidas nos
Estatutos e Programa do movimento.

161
Alcídio Leão

Assim, os Estatutos e Programa do movimento de libertação de Moçambique são em


relação a estes cidadãos a sua Constituição. E porque o cidadão não se pode reger por
duas Constituições, simultaneamente num Estado unitário, a Constituição Portuguesa de
1933 é automaticamente rejeitada. O que justifica a reacção repreensiva do sistema
colonial português, tal como faria qualquer sistema politica, vide artigo 77 da
Constituição Moçambicana de 2004, em relação ao cidadão que não acatasse a Ordem
Constitucional, cujo cumprimento é um dever jurídico, artigo 38 da Constituição da
República. Diante das autoridades portuguesas os membros da Frelimo eram vistos
como “terrorista” ou simplesmente, “turas”.
O Estatuto e Programa da FRELIMO exerce também uma segunda função a de
regular e dirigir o movimento político na luta de libertação nacional e de orientar e
dirigir politicamente os seus membros na conduta que lhes deve caracterizar na luta que
se propõem travar até a vitória final.
Nesta conformidade, identificamos nos Estatutos e Programa do movimento de
libertação duas funções principais:

 Constituição politica;

 Estatuto da organização politica.


Por conseguinte, os cidadãos que se identificavam com a luta do povo moçambicano
sob a direcção do movimento de libertação nacional, a FRELIMO, desde 1962 até a
aprovação da lei que desintegrou o território de Moçambique do Estado Português em
1974 não seguiam a Constituição portuguesa de 1933, em muitos os seus aspectos
reguladores e nem sequer reconheciam a sua existência politica.
Todos os membros e guerrilheiros da FRELIMO nada tinham a ver com a Constituição
Portuguesa de 1933, mas sim com os Estatutos e Programa da FRELIMO.
As normas de conduta que vigoravam eram as estabelecidas pelos órgãos competentes
do movimento e assegurada a sua implementação pelos diferentes órgãos do movimento
de libertação.

32.13. Legitimidade da FRELIMO no plano internacional

162
Alcídio Leão

A ONU em relação aos artigos 1.º, n.º 2 e 55.º da Carta das Nações Unidas
relativamente aos Direitos Humanos, o colonialismo e a autodeterminação dos povos e
sobretudo a consciência internacional cada vez mais de que a luta de libertação nacional
é um conflito armado de âmbito internacional, a Assembleia Geral das Nações Unidas
em conformidade com o artigo 73.º da Carta, aprovou a Resolução n.º 1514 (XV), de 14
de Dezembro de 1960 – Declaração sobre a concessão da independência aos países e
povos coloniais.
A Declaração sobre a concessão da independência constitui a verdadeira Carta ou
declaração universal da descolonização dos povos colonizados para as Nações Unidas e
insere-se no cumprimento dos Direitos Fundamentais do Homem, ao abrigo da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.
A Declaração sobre a concessão da independência visou o “fim do colonialismo
… Sob todas as suas formas e em todas as suas manifestações”;
O espírito da Declaração sobre a concessão da independência entende que “a sujeição
dos povos à subjugação, ao domínio e à exploração estrangeiras constitui uma negação
dos direitos fundamentais do Homem, é contrária à Carta das Nações Unidas e
compromete a causa da paz e cooperação mundiais” e a própria segurança
internacionais;
A Declaração sobre a concessão da independência pretende a “liberdade” para “todos os
povos dependentes”. A liberdade aludida na Declaração presta-se a obtenção da
independência “absoluta) total e completa do território sob domínio estrangeiro;
Mais adiante a Declaração que temos vindo a citar afirma que “todos os povos têm o
direito de autodeterminação” e devem escolher “livremente a sua Constituição politica”;
Foi esta Declaração que doravante orientou a actuação das Nações Unidas em relação a
descolonização resultando da sua aplicação a independência de vários países africanos
na década de 60 e mais tarde de Moçambique em 1975.
Para dar corpo a declaração sobre a concessão da independência aos países e povos
coloniais, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou pela Resolução 1542 (XV),
de 15 de Dezembro de 1960, a lista de povos que nos termos do artigo 73 da Carta das
Nações Unidas, são territórios não autónomos no sentido do capítulo XI da Carta, sob
163
Alcídio Leão

administração de Portugal, com a denominação de “províncias ultramarinas” do Estado


metropolitano. Fazendo parte o território de Moçambique. Por força desta resolução
Portugal ficou obrigada a prestar informações ao Secretário-Geral, de acordo com as
disposições do capítulo XI da Carta, particularmente o artigo 73, alínea e) sobre a
situação nos territórios colocados sob a sua administração.
No ano de 1965 a Assembleia Geral das Nações Unidas, pela Resolução n.2105 (XX)
reconheceu a legitimidade da luta dos povos sob dominação colonial.
Na esteira desta resolução, que ocorre sob influência do movimento anti- colonialista
posterior à II Guerra Mundial, as Nações Unidas reconheceram a luta de libertação
nacional desencadeada pela Frelimo em Moçambique, pela OLP na Palestina, ANC
(African National Congress of South Africa) na Africa de Sul, SWAPO (South War
African People’s Organization) na Namíbia, MPLA, em Angola, ZANU, na Rodésia do
Sul, PAIGC, na Guiné-Bissau, um estatuto especial pelo qual estes movimentos de
guerrilha passaram no plano internacional a gozarem de direito de participar, com
estatuto de observador, sem direito a voto, nas actividades dos órgãos das Nações
Unidas, particularmente na Assembleia Geral, podendo fazer-se representar e intervir
nas sessões da Assembleia Geral.
Os movimentos de libertação que se beneficiária do reconhecimento internacional são
aqueles que reuniam os seguintes requisitos:

 Enraizamento no território pelo qual luta;

 O movimento luta pela libertação do seu povo, do território e da independência


nacional;

 O movimento goza no plano interno de um consentimento pacifico do povo que


se propõe libertar e pelo qual luta.

A luta de libertação que desencadeia enquadra-se no princípio da autodeterminação dos


povos que corresponde ao direito de os povos escolherem por si mesmos uma forma de
organização política e o seu relacionamento com outros povos, no quadro da
materialização da Carta das Nações Unidas e da declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948.

164
Alcídio Leão

Compete a cada um dos povos de forma livre escolher um sistema de governo que
pressupõe a:

 Independência do Estado ou

 Associação com outros povos em Estados Federados ou

 Ainda a assimilação do seu Estado com outro.


O reconhecimento dos movimentos de libertação nacional de que estamos a falar foi
proferido pela ONU, organização internacional e não pelos Estados membros, cuja
acção é de natureza individual.

32.14. Rumo a vitória final sobre o colonialismo português


Em 1968, a FRELIMO realizou o seu segundo Congresso, consolidou e desenvolveu a
sua política, a sua estratégia de luta e os Estatutos e o programa de acção política foram
objecto de revisão, consagrando a experiência da implementação dos Estatutos e do
Programa aprovados antes do desencadeamento da luta armada.
O avanço da luta de libertação nacional foi reafirmado e declarado que só terminaria
com a vitória final sobre o colonialismo e recorrendo as palavras do Doutor Eduardo
Mondlane, então Presidente da FRELIMO, no final do segundo Congresso realizado de
20 a 25 de Julho de 1968, em Matchedje, na província de Niassa, “a luta continua!
Em 1974, após o Golpe de Estado em Portugal, ocorrido em 25 de Abril, promovido por
oficiais do Movimento das Forças Armadas portuguesas e em face da razão da luta de
libertação nacional pelo território colonizado, Moçambique, assiste a celebração de um
Acordo que ficou na história do país como sendo "Acordo entre o Estado Português e a
Frente de Libertação de Moçambique"13 celebrados na cidade de Lusaka em 7 de
Setembro de 1974, por meio do qual a Frelimo, adquiriu a legitimidade de elaborar a
Constituição da República de Moçambique, conforme se dispõe no referido Acordo de
Lusaka, sobretudo no seu ponto 18, onde se lê:
"18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena e
completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e

165
Alcídio Leão

escolhendo livremente o regime político e social que considerar adequado aos interesses
do seu povo."
Nesta cláusula 18, fica claro que Moçambique obteve do Estado Português, através do
Acordo de Lusaka a soberania plena e completa. É preciso notar que há Estados que são
soberanos como é o caso de Moçambique e há outros que o não é, apesar de terem a
categoria de Estado14.
O Acordo de Lusaka, traduzem uma solução jurídica de um conflito internacional em
que estiveram envolvidos interesses de um Estado e de outros Estados estrangeiros,
nomeadamente, os membros da NATO para além de outros.
Temos duas partes, nomeadamente, o Estado Português e um movimento de libertação
nacional, a Frelimo. Este documento que na prática é constituído por dois documentos,
está na base do exercício de poder constituinte em Moçambique pela FRELIMO.
13Publicado no Boletim Oficial n.º 117, de 10 de Outubro de 1974, I Série.
14 O território de Moçambique foi qualificado de Estado em 1972, pelo Governo
Português, tentando confundir a Comunidade Internacional.

28.9. Há dois aspectos fundamentais a reter nos Acordos de Lusaca que tem
relevância para o nosso tema:
1). Consagração jurídica do princípio da independência e da transferência do poder do
Governo Português para a Frelimo.
2). A natureza do regime transitório estabelecido para a constituição de um Governo
independente e soberano.
Quanto ao primeiro aspecto, importa referir que:
Uma vez que a Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, afirmou-se como único e
legítimo representante do povo moçambicano e sendo reconhecido pela comunidade
internacional, nos princípios da década de 60 a 70, a Frelimo, surgiu aos olhos da
comunidade moçambicana, como representante da nação.

166
Alcídio Leão

No dia 25 de Junho de 1975, no fim de uma guerra de libertação nacional


desencadeada por um movimento nacionalista – Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) contra o regime colonial e fascista português, com vista a conquistar o
poder político, restaurar a soberania, a independência total e completa, o território de
Moçambique tornou-se num Estado soberano com a proclamação solene da sua
independência e entrada em vigor de uma nova Lei Fundamental a Constituição da
República Popular de Moçambique, com fundamento na cláusula n.º 18 do Acordo de
Lusaka celebrado em 7 de Setembro de 1974.
O Acordo de Lusaka foi celebrado pelo Estado Português em cumprimento da Lei n.º
7/74, de 27 de Julho, aprovado pelo Conselho de Estado e assinado pelo Presidente da
República Portuguesa, General António de Spínola, pela qual, pela primeira vez,
Portugal reconhece o direito à autodeterminação, com todas as suas consequências,
incluindo o reconhecimento da independência dos territórios ultramarinos e a
derrogação da parte correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de 1933.

A Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, reconhece no quadro do Direito internacional, a


Resolução n.º 1514 (XV), de 14 de Dezembro de 1960 – Declaração sobre a concessão
da independência aos países e povos coloniais, aprovada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em conformidade com o artigo 73.º da Carta das Nações Unidas, que
apelava ao rápido fim do colonialismo em todas as suas formas.
Mais ainda a Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, culminou o processo em que Portugal era
obrigado a prestar informações sobre o território de Moçambique, ao abrigo da
Resolução 1542 (XV), de 15 de Dezembro de 1960, da Assembleia Geral das Nações
Unidas que aprovou a lista de povos que nos termos do artigo 73 da Carta das Nações
Unidas, são territórios não autónomos no sentido do capítulo XI da Carta, sob
administração de Portugal, com a denominação de “províncias ultramarinas” do Estado
metropolitano.
Em cumprimento das disposições da Constituição Portuguesa de 11 de Abril de 1933 e
o respectivo Acto Colonial15, então em vigor foram revogadas pelas leis constitucionais
emanadas pelo Conselho de Estado no quadro da Revolução de 25 de Abril de 1974,
desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas Portuguesas, designadamente o
Programa do Movimento das Forças Armadas e a Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.
167
Alcídio Leão

A Lei.º 7/74, de 27 de Julho, reveste de grande importância politica na medida em que


com a derrogação do artigo 1.º, §3.º da Constituição Política portuguesa de 1933, o
território de Moçambique ficou desintegrado do Estado Português e abriu-se o espaço
político para a ascensão a independência e proclamação do Estado Moçambicano. Da
entrada em vigor da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, a data da assinatura do Acordo de
Lusaka, em 7 de Setembro de 1974, decorreu um período de tempo que compreendeu
cerca de 10 (dez) dias em que o território de Moçambique formalmente não se rege pela
Constituição da República Portuguesa de 1933 nem por qualquer outra Lei emanada
pelo poder politico português. E, porque no ordenamento não há vazio político, o
território de Moçambique foi se regendo pelas normas e autoridades politicas
administrativas portuguesas que se acham presentes em situação residual, por um lado e
pela força política do movimento da luta de libertação a FRELIMO, inspirando no seu
Estatuto e Programa, por outro, que entretanto iniciava a sua entrada triunfal no
território nacional de forma aberta, pois antes era considerado movimento “terrorista”.
Porém, a derrogação do artigo 1.o, da Constituição Politica Portuguesa não abre espaço
para um vazio legal como se o território estivesse numa situação de tábua rasa. Na
vigência da Constituição Portuguesa muitas foram as leis emanadas que por Lei,
Decreto-Leis, Decretos e Portarias foram mandados publicar e vigorar no território
ultramarino denominado Moçambique.
A derrogação tem validade jurídica para o futuro, as leis, salvo excepção fixada pelo
legislador vigoram para o futuro não cobrindo as situações do passado, quer dizer, a lei
portuguesa não produz mais eficácia no território moçambicano a partir da entrada em
vigor da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho. Assim, as leis 15 Publicado no Diário de Governo
de 11 de Abril de 1933, nos termos do Decreto-Lei n.º 22.465 desta data. Emanadas
pelos órgãos competentes do poder politico colonial mantém se vigor até que sejam
revogadas ou modificadas. Com a derrogação do artigo 1.o da Constituição Portuguesa
de 1933, pela Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, o território de Moçambique já não é
português e logo os seus habitantes não podem assumir-se como cidadãos de
nacionalidade originária portuguesa. Neste sentido a questão que se coloca é a relativa a
nacionalidade dos cidadãos nascidos no território moçambicano sob domínio colonial
português e dos que nasceram fora do território moçambicano ainda sob domínio da
Constituição Portuguesa, sendo filhos de pai ou mãe nascido em Moçambique. Qual é a
nacionalidade destes cidadãos? Portuguesa ou Moçambicana.
168
Alcídio Leão

Não podem ser Portugueses, por força da Lei n.º 7/74, de 27 de Julho, que a partir da
sua entrada em vigou derrogou a integração do território moçambicano no Estado
Português. Não podem ser Moçambicanos porque a nacionalidade é o vínculo jurídico
que estabelece a ligação entre o cidadão e o Estado. Moçambique entre 27 de Julho a 25
de Junho de 1975 não é um Estado soberano, no conceito da definição do artigo 1.º da
Convenção16 de Montevideu sobre os Direitos e Deveres dos Estados de 26 de
Dezembro de 1933, que define como elementos essenciais para um ente público
qualificar-se de Estado, quando reúne os seguintes elementos:
I. Território definido ou determinado; II. População permanente;
III. Poder político;
IV. Governo constituído;
A Convenção refere-se ainda a capacidade de o Estado poder estabelecer relações com
outros Estados. Moçambique, nos termos desta Convenção não pode ser ainda
qualificado de Estado soberano.
Em nosso entender, a situação dos cidadãos com laços ius solis ou consanguíneos com o
território de Moçambique neste período de transição, tem de ser vista no plano do
costume internacional em relação a matéria de sucessão de Estados.
Assim e nesta conformidade, a regra geral é de que havendo uma mudança de soberania
sobre o território há perda automática da antiga nacionalidade por parte dos cidadãos
que habitam o território e a consequente aquisição da nacionalidade do Estado sucessor.
Cabe ao Estado que sucede, estabelecer por Lei de ordem interna, os procedimentos
para aquisição da nacionalidade originária e adquirida, a partir da data da proclamação
da independência nacional ou outra que for fixada pelo órgão legislativo competente.

32.15. Acordo de Lusaka


Com a celebração do Acordo de Lusaka em 7 de Setembro de 1974 na cidade de Lusaka
o território de Moçambique passa a reger-se pelo estipulado no referido Acordo que
estabeleceu:

169
Alcídio Leão

 Um Alto-comissário de nomeação do Presidente da República Portuguesa, que


agia em representação da soberania Portuguesa, do Presidente e do Governo
Português;

 Um Governo de Transição nomeado por acordo entre a Frente de Libertação de


Moçambique e o Estado Português, ao qual lhe cabia promover a transferência
progressiva de poderes a todos os níveis e a preparação da independência de
Moçambique.

Ao Governo de transição competia-lhe exercer entre outras as funções legislativas e


executivas relativas ao território de Moçambique. A função legislativa foi exercida por
meio de decretos-leis promulgados pelo Alto- comissário.
O Acordo de Lusaka teve o seu efeito jurídico até às zero horas do dia 25 de Junho de
1975, momento da proclamação solene da independência de Moçambique e entrada em
vigor da primeira Constituição Moçambicana.
Que efeito jurídico tem a proclamação solene da independência de Moçambique:
 Efeito declarativo
Ou
 Efeito constitutivo.
Sendo declarativo, o Acordo de Lusaka é uma pré-constituição, pois entende-se que o
território de Moçambique com este Acordo possui todas as características de um Estado,
nos termos definidos no artigo 1.º da Convenção17 de Montevideu sobre os Direitos e
Deveres dos Estados de 26 de Dezembro de 1933, reúne os elementos essenciais para a
formação do Estado no plano internacional, designadamente:
V. Território definido ou de terminado; VI. População permanente;
VII. Poder político;
VIII. Governo constituído;

170
Alcídio Leão

Se o efeito jurídico da proclamação solene da independência de Moçambique for


constitutivo, isto é, de criação de um Estado novo que antes nunca existiu surge pela
primeira vez com a proclamação da independência completa ao abrigo do Acordo, entre
a FRELIMO e o Estado Português e neste caso reconhece-se que Moçambique nunca
foi uma comunidade politica organizada, um Estado soberano, independentemente dos
moldes e critérios de classificação do conceito de Estado na óptica ocidental de Estado e
não se reconhece que o exercício da soberania pelos legítimos titulares do poder foi
obstruído pela ocupação colonial, então, o Acordo de Lusaka não é pré- Constituição.
O que a Constituição da República de Moçambique consagra dos Estatutos da Frelimo
de 1962 Em conformidade com os Estatutos da FRELIMO, as decisões fundamentais da
Organização são tomadas em Congresso, onde se acham presentes os representantes de
todo o povo de Moçambique.
No intervalo das sessões do Congresso que se realiza de cinco em cinco anos, o Comité
Central assume as funções deste órgão supremo.
A proclamação da independência de Moçambique ficou acordado que seria no dia 25 de
Junho de 1975, data de aniversário da criação da Frente de Libertação de Moçambique.
O acto da proclamação devia ser precedido pela aprovação da Primeira Constituição da
República.
Assim, a FRELIMO, reuniu o seu Comité Central e no dia 20 de Junho aprovou a
Constituição da República.
A Constituição da República aprovada comunga a experiência constitucional dos povos,
adopta os modelos constitucionais modernos e sobretudo a experiência de exercício do
poder político da FRELIMO desde a sua fundação em 1962, nas zonas libertadas e a
visão futura do País depois da conquista da Independência Nacional.
Os princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Moçambique
de 1975 e mais tarde acolhidas pelas revisões constitucionais de 1990 e 2004, são os
que constam dos Estatutos e Programa da FRELIMO de 1962 e 1968. A título de
exemplo, podemos verificar os artigos que se seguem comparados com os Estatutos e
Programa da FRELIMO.
Artigo 1 e 11, comparado com os objectivos da FRELIMO;
171
Alcídio Leão

Artigo 35, comparado com a definição da Frelimo e com a cláusula 8 do Programa;


Artigo 38 com a cláusula V, da FRELIMO;
Artigo 19, 20, 21 e 22, com a cláusula VI da FRELIMO;
Artigo 7, com a cláusula X da FRELIMO;
Artigo 135, com a cláusula XIII e XVIII, al. a) da FRELIMO;
Artigo 141 e 264, n.1, com a cláusula XVIII (centralismos democrático –
Subordinação);
Artigo 44 e 45, com a cláusula XVIII, al. b) e f); Artigo 56, com a cláusula XVIII, al.
d);
No Programa da FRELIMO, comparar:
Artigo 2, n.o 2, da CRM com as cláusulas 9; Artigo 11, com a cláusula 2, 3, 5, 6, 7;
Artigo 17, 20, 21 e 22, com as cláusulas 16, 20, 21, 22, 23 e 24. Artigo 265 e 267, com
a cláusula 10 e 19

32.16. ESTATUTOS

Constitucionalismo Moçambicano
Anexo
DENOMINAÇÃO - SEDE - DEFINIÇÃO - OBJECTIVOS

I - Denominação: Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) II - Sede:


Lourenço Marques
III – Definição: A FRELIMO é uma organização política constituída por
moçambicanos, sem distinção de sexo, de origem étnica, de crença religiosa ou de lugar
de domicilio.
172
Alcídio Leão

IV - Os Objectivos da FRELIMO são:


a - A liquidação total em Moçambique da dominação colonial portuguesa e de todos os
vestígios do colonialismo e imperialismo;
b - A conquista da Independência imediata e completa de Moçambique;
c - A defesa e realização das reivindicações de todos os moçambicanos explorados e
oprimidos pelo regime português.
V - Para atingir os seus objectivos a FRELIMO:
a - Proclama a necessidade de união de todo o povo moçambicano. b - Organiza, une e
mobiliza todos os moçambicanos.
VI - A FRENTE reserva-se o direito de formar com outras organizações de luta anti-
colonialista dos outros países sob dominação portuguesa, uma frente unida de luta
contra o colonialismo português, afim de abreviar a sua liquidação total; de aderir a
organizações africanas, a organizações Pan- Africanas, Afro-Asiáticas, e outras ainda
que tenham como objectivo a luta anti-colonialista, em vista da emancipação social dos
povos.
ADESÃO
VII - Podem ser membros da FRENTE, todos os moçambicanos que aprovem os
Estatutos e o programa da FRELIMO e se comprometam a executar quotidianamente a
política da FRELIMO.
VIII- Cada membro maior de 15 anos é obrigado a pagar regularmente a sua cotização.
Os inferiores a essa idade não são obrigados a possuir o cartão nem pagar as cotas
regulares.
IX - Cada membro adere a um círculo.

173
Alcídio Leão

32.17. ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO

X - A estrutura da FRELIMO é a seguinte: NAÇÃO - PROVÍNCIA - DISTRITO -


LOCALIDADE - CÍRCULO.
XI - No plano da Nação há um Conselho Nacional e um Comité Central. A Província, o
Distrito e a Localidade tem cada um, um Comité.
XII - O círculo é a organização de base da FRELIMO, e existe nos lugares de trabalho e
de residência. O Círculo tem um SECRETARIADO.
XIII - Os Comités de Província, Distrito e Localidade são eleitos respectivamente, pela
Assembleia de Delegados de Província, Distrito e Localidade. XIV - O Congresso é o
órgão supremo da FRELIMO.
XV - O Conselho Nacional é eleito pelo Congresso e o Comité Central é eleito pelo
Conselho Nacional.
XVI - O Conselho Nacional, o Comité Central, os Comités de Província, de Distrito e
de Localidade, e o Secretariado de Círculo, são responsáveis perante os órgãos
superiores respectivos pela execução, no seu âmbito de acção, das resoluções dos órgãos
superiores e pela aplicação pratica das directrizes políticas da FRELIMO.
XVII - A FRELIMO organiza e mobiliza os moçambicanos dentro do pais e os
emigrados em países africanos e outros, em grupos que funcionam como secções da
FRELIMO no exterior.
XVIII - A estrutura da Frelimo é baseada no centralismo democrático e o método de
trabalho dos seus órgãos é orientado pelos princípios seguintes;
g) - espírito democrático h) - espírito colectivo
i) - unidade de acção
j) - espírito de responsabilidade k) - crítica e auto-crítica
174
Alcídio Leão

l) - ajuda mútua

FINANÇAS
XIX - Os fundos da FRELIMO provêm das cotizações dos membros, de subscrições, de
donativos e de rendimentos próprios.

OMISSÕES
XX - Os casos de omissões nos presentes Estatutos serão resolvidos por ordem de
competência:
a) - Pelo Regulamento Geral Interno da FRELIMO
b) - Pelo Conselho Nacional c) - Pelo Comité Central
XXI - O Regulamento Geral Interno fixa em detalhe as normas de funcionamento da
FRELIMO. O Regulamento Geral Interno é elaborado pelo Comité Central, aprovado
pelo Conselho Nacional e submetido a ratificação do Congresso.

32.18. MODIFICAÇÕES E DISSOLUÇÃO


XXII - A modificação dos presentes Estatutos é da competência do Congresso da
FRELIMO.
XXIII - A dissolução da FRELIMO é da competência exclusiva do Congresso.
Esta dissolução só pode ser pronunciada com a aprovação de maioria de2/3 dos
membros delegados ao Congresso. Em nenhum caso a FRELIMO poderá ser dissolvida
antes da conquista da Independência Nacional do Povo de Moçambique.

175
Alcídio Leão

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
XXIV - Provisoriamente, a sede da Frelimo está em Dar es Salaam, Tanganyika.

PROGRAMA
1 União e mobilização de todos os moçambicanos de todas as camadas sociais,
residentes em Moçambique e no estrangeiro, sem discriminação de origem
étnica, de condição de fortuna, de confissão religiosa ou de sexo.
2 Liquidação geral do colonialismo português em todas as suas formas e
manifestações.
3 Lutar por todos os meios para a liquidação, em Moçambique, da dominação
colonial portuguesa e de todos os vestígios do colonialismo e imperialismo.
4 Luta em comum com todas as forças patrióticas moçambicanas.
5 Colaboração com todos os Povos Africanos que lutam pela sua Independência
completa, em particular com os Povos e as organizações das colónias
portuguesas.
6 Colaboração com todas as forças progressistas e amantes da paz do mundo
inteiro, e conquista da simpatia e apoio de todos os Povos à Causa da
Libertação do Povo de Moçambicano.
7 Conquista da Independência Nacional imediata e completa da pátria
Moçambicana.
8 Instauração de um Regime Democrático na base da Independência total, e no
qual todos os moçambicanos estarão no mesmo plano de igualdade perante a
lei, com os mesmos direitos e deveres.
9 Formação de um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania
da Nação seja fundamentada na vontade popular.
10 Manter a unidade e integridade territorial de Moçambique.

176
Alcídio Leão

11 Promover paz, ordem e prosperidade em Moçambique.

12 Direito inalienável da Nação moçambicana de dispor de si mesma no


plano político, diplomático, económico, social, cultural ou em qualquer outro plano.

13 Liquidação de todas as relações económicas de tipo colonialista e


Imperialista.
14 Reconstrução económica e desenvolvimento da produção a fim de transformar
Moçambique, de país colonial subdesenvolvido, num pais economicamente
independente, industrial, desenvolvido, moderno, próspero e forte.
15 Defesa dos interesses de todo o povo de Moçambique:
a) abolição do regime de trabalho;
b) abolição dos acordos que regem a emigração dos trabalhadores moçambicanos
para a África do Sul e outros países colonizados;
c) proibição da utilização dos soldados moçambicanos em guerras colonialistas contra
os povos das outras colónias portuguesas; assim como contra os povos doutros países;
d) abolição da prática do envio de prisioneiros para as plantações de S.
Tomé e outros países;
e) salário igual para trabalho igual, sem discriminação racial ou de sexo;
f) elevação progressiva do nível de vida económico;
g) salário mínimo necessário para ter uma vida decente.
16 Respeito da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

17 Liquidação da educação e cultura colonialistas e imperialistas. Reforma do ensino


em vigor; combate enérgico e rápido ao analfabetismo.
177
Alcídio Leão

18 Desenvolvimento da instrução, da educação e da cultura, ao serviço da


Libertação e do progresso pacifico do Povo Moçambicano.
19 Criação de forças de Defesa Nacional: Exército, Marinha, Aviação, constituídos
pelo Povo.
20 Interdição de bases militares estrangeiras no território Nacional.
21 Não adesão a blocos militares.
22 Colaboração na edificação da Unidade de todos os povos do continente Africano,
na base do respeito da liberdade, da dignidade e do direito ao progresso político,
económico e social desses povos.
23 Colaboração com todos os povos do mundo inteiro na base do respeito mutuo da
soberania nacional e da integridade territorial, não agressão, não ingerência nos
negócios interiores, igualdade e reciprocidade de vantagens e coexistência pacífica.
24 Respeito dos princípios da Carta da Organização das Nações.

28.13. O CONGRESSO
A matéria relevante a Acordos de Lusaka encontra-se inserido na disciplina de direito
constitucional I com os seguintes temas constituição de 1975.

33. Direitos das Obrigações I

Noção
Obrigações em sentido amplo e improprio
Em sentido amplo, desprovido de rigor técnico-jurídico, obrigações designa o lado
passivo de qualquer relação jurídica, ou seja, de qualquer relação da vida social
regulada e tutelada pelo Direito.
Abrange o dever jurídico, por forca do qual uma pessoa se encontra vinculada a
observar certas conduta no interesse de outra ou de outras, e o estado de sujeito, que se

178
Alcídio Leão

traduz na submissão aos efeitos jurídicos produzidos por iniciativa alheia (no exercício
de um direito potestativo).
Direito potestativo a faculdade que o sujeito tem de produzir efeitos jurídicos mediante
declaração de vontade sua, em certos casos integrada por decisão judicial.

Obrigações em sentido restrito e próprio


Em sentido restrito e próprio, obrigação é uma categoria específica, bem
individualizada, que se contrapõe a outras categorias: sujeição e o ónus.
Tem de característico achar-se determinada pessoa adstrita a fazer ou fazer algo no
interesse de outro, também determinada (ou determinável). Este algo designa-se
tecnicamente por prestação. Extem 3 tipos de obrigações: dar, fazer e não fazer
Dai definir a lei obrigações – o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com outra á realização de uma prestação artigo 397 do Código Civil.
A sujeição, que se distingue da obrigação propriamente dita, é o lado passivo do direito
potestativo.

Terminologia
Verdadeiramente, obrigações é a face passiva de uma relação jurídica de certas
conteúdo (como o são, do modo semelhante, a sujeição e o ónus). Mas o termo
obrigações usa-se também, correntemente, para designar a correspondente relação
jurídica no seu todo. Nessa acepcao a empregaremos frequentemente, seguindo a lição
dos autores e a lei (veja-se v.g a definição do citado art. 397).
As obrigações, neste sentido, também se chamam relações jurídicas de crédito. Mas não
tem necessariamente por objecto, ao contrário do que na linguagem comum
muitas vezes se pressupõe, o pagamento de dinheiro. Podem vincular a entrega de
outras coisas ou á realização de factos positivos (accoes) ou negativas (omissões).
O sujeito activo diz-se credor e o sujeito passivo devedor.

179
Alcídio Leão

A descrição feita corresponde á hipótese mais simples: existência de um só credor e de


um só devedor. É possível no entanto haver uma pluralidade de sujeito em qualquer os
lados do vinculo ou em ambos (pluralidade activa, pluralidade passiva, pluralidade
mista).

34. Direito de Trabalho

Direito Laboral ou de Trabalho

O direito do trabalho é o subsistema das normas jurídicas que regulam as relações


jurídicas provenientes do contrato de trabalho subordinado.
O artigo 1152° do código Civil dispõe:
”Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e
direcção desta.”
E o artigo 1153° do mesmo Código estatui que “ o contrato de trabalho esta sujeito a
legislação especial. Esta legislação forma a parte fundamental do direito do trabalho.
Discute-se qual a natureza do direito do trabalho – publico, privado ou sui generis.
Segundo cremos, trata-se de direito privado. Há um desnivelamento entre os contraentes
(cfr. Artigo 1152° do Código Civil, sob a autoridade e direcção….), mas não é de
natureza política, antes contratual.

Dever de lealdade
A alínea h) do art. 58 LT, consagra que o trabalhador, que o trabalhador tem em
especial o dever de «ser leal ao empregador, designadamente não negociado por conta
própria ou alheia, em concorrência com ele, bem como colaborando para a melhoria do
sistema de segurança, higiene e saúde no trabalho».
Este dever constitui manifestação do princípio de boa-fé, o qual impera em todos
contratos, esperando-se de que as partes contratantes actuem segundo este princípio.

180
Alcídio Leão

Na celebração de contrato, cada parte contratante cria expectativa esperando um


certo comportamento da contraparte, pelo que as mesmas não podem agir de uma
forma que possa contrariar as expectativas já criadas pela contraparte.
Este dever tem uma dimensão enorme, englobando situações em que o trabalhador é
obrigado a fazer e por outro lado a não fazer.
Dever de obediência
Estabelece a alínea d) do art.58 LT, que o trabalhador tem em especial tem em especial
o dever de “obedecer a ordens legais e instruções do empregador, dos seus
representantes ou dos superiores hierárquicos do trabalhador, e cumprir as demais
obrigações decorrentes do contrato de trabalho, excepto as ilegais ou as que sejam
contrárias aos seus direitos e garantias.
Dever de obediência, traduz-se na situação jurídica em que o trabalhador deve acatar as
ordens dadas pelo empregador, pelos seus representantes ou superiores hierárquicos.
Extensivamente, o trabalhador deve cumprir ainda as obrigações proveniente do
contrato de trabalho.
A obediência que o legislador se refere esta relacionada com ordens e instruções não
vedadas por lei, razão pelo qual a obediência não é devida pelo trabalhador quando a
ordem ou instrução dada pelo empregador, pelos seus representantes ou superiores
hierárquico do trabalhador não é permitido por lei au ainda ofenda direitos e garantias
do trabalhador.
Da infracção e sanção disciplinar
O empregador tem a faculdade de aplicar sanções disciplinar contra os trabalhadores
que violem os seus deveres profissionais, podendo aplicar as sanções disciplinares
constantes no nᵒ1 do art, 63 LT.
Para as chegar a conclusão de que o trabalhador cometeu efectivamente alguma
infracção disciplinar, é necessário que viole os deveres profissionais. Essa violação é
independente se trata de violação dolosa ou negligente, não sendo dependente da
intenção de causar ou não prejuízo ao empregador, nem o conhecimento
desconhecimento do acto praticado pelo trabalhar.
Prazo para instauração do processo disciplinar
181
Alcídio Leão

Ao referir-nos ao prazo para instauração do processo disciplinar, queremos tratar do


período dentro do qual se pode instaurar o processo disciplinar contra o trabalhador. E
este prazo traz a ideia de que, o processo disciplinar não pode ser instaurado a todo
tempo, e que extravasando este período, nada mais se pode fazer contra o trabalhador
sob pena de o processar disciplinar ser invalido e não produzir os efeitos que se
pretendem alcançar.
Assim estabelece a alínea a) nᵒ 67 LT que «após a data do conhecimento da infracção, o
empregador tem trinta dias, sem prejuízo do prazo da prescrição da infracção, para
remeter ao trabalhador e ao sindical existente na empresa uma nota de culpa por
inscrito, contendo a descrição detalhada dos factos e circunstâncias de tempo, lugar e
modo de cometimento da infracção que é imputada ao trabalhador».
Esta disposição enquadra-se não só nas fases do processo disciplinar, mas também nos
auxiliar a perceber o período dentro do qual o processo disciplinar pode ser instaurado.
Da prescrição ou caducidade da infracção disciplinar
O nᵒ2 do art. 65 LT. Estabelece que « A infracção disciplinar prescreve mo prazo de 6
meses, a contar da data da ocorrência da mesma, excepto se os factos constituírem
igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.
A faculdade que o empregador tem de exigir ao trabalhador responsabilidade
disciplinar, prescreve volvidos seis meses sobre a data em que o trabalhador cometeu a
infracção, só não será assim, se os mesmos factos constituírem crime uma vez que
nestes casos os prazos da prescrição da infracção disciplinar são os constantes na lei
criminal.
Para a contagem do prazo prescricional, a lei tem como base a data do conhecimento da
infracção e não a data do conhecimento da mesma. A lei distingue os prazos de
prescrição da infracção disciplinar quando em simultâneo é infracção criminal.
Esta destinação dos prazos da prescrição da infracção cometida pelo trabalhador, deve-
se ao facto da infracção disciplinar que conduz ao processo disciplinar ser autónomo de
processo criminal.
A caducidade da infracção disciplinar é de trinta dias apos o conhecimento da mesma. A
alínea a) do nᵒ.2, art.67 LT, estabelece que o empregador tem trinta dias após a data do
182
Alcídio Leão

conhecimento da infracção, para instaurar o processo disciplinar contra o trabalhador.


Extravasando este prazo, o empregador perde a faculdade de instaurar o processo
disciplinar.

Obrigatoriedade de processo disciplinar reduzido á escrito


Se anota de culpa deve ser reduzida a escrito, deve-se entender ainda que a sua resposta,
também deve-se reduzida a escrito, dai que o trabalhador, para sua própria segurança,
não pode nem deve oferecer a resposta a nota de culpa, verbalmente, mas sim de forma
escrita94. Alias, a redução de forma escrita da resposta da nota de culpa, constitui uma
garantia do próprio trabalhador, uma vez que o trabalhador, com a resposta da nota de
culpa. Na verdade, se se colocasse a hipótese de não redução a escrita da resposta
da nota de culpa, podia suceder que o empregador de ma fé viesse a dizer que o
trabalhador, depois de notificado para responder a nota de culpa, o mesmo não
respondeu. Coloca-se a questão de saber, como é que o trabalhador podia provar
que realmente respondeu a nota de culpa?
Como facilmente se pode ver, seria difícil o trabalhador provar se respondeu a nota de
culpa, dai que a resposta a nota de culpa, deve ser reduzida a escrito, e entregue ao
empregador com aviso de recepção.
Para além da obrigatoriedade da redução a escrito da nota de culpa, da resposta da nota
de culpa e das diligências feitas pelo empregador para apurar a verdade material, a
decisão proferida pelo empregador, também deve ser reduzida a escrito. Na verdade, a
decisão do empregador, deve ser fundamentada, e a fundamentação, só pode ser feita de
forma escrita, e entregue ao trabalhador.

94

183
Alcídio Leão

35. Ramos principais do direito público

Neste domínio, renunciamos à ideia de fazer uma verdadeira e própria classificação.


Não há nenhuma que, como a chamada classificação germânica. Divida o direito
público em ramos bem diferenciados. Na realidade, só poderemos enunciar os ramos
principais do direito público:

 Direito constitucional;

 Direito administrativo;

 Direito financeiro;

 Direito fiscal;

 Direito criminal ou penal;

 Direito processual.
Outros ramos se têm pretendido autonomizar, como a disciplina jurídica das relações
nos quadros do Estado – direito dos cultos. Os indicadores são, porem, os
fundamentais.

33.2. ramo de direito possa considerar-se autónomo

Com ROCCO, existem três requisitos para que um ramo de direito possa considerar-se
autónomo mormente: i) extensão bastante para merecer estudo adequando e participar;
ii) doutrinas homogéneas, dominadas por conceitos gerais comuns e distintos dos
informadores de outras disciplinas e iii) método próprio, ou seja, utilização de processos
especiais para o conhecimento da verdade que constitui o objecto da pesquisa. O que
importa para a autonomia de um ramo de conhecimento é objecto, institutos, método é
princípios próprios, para além de uma elaboração legislativa própria.

184
Alcídio Leão

36. Direito Reais

Direito das coisas É o direito das obrigações regula relações jurídicas em que o bem
garantido ao credor é uma prestação ou serviço de outrem. O direito das coisas
disciplina relações jurídicas em que o bem garantido é uma coisa.
Chama-se direito real a um poder directo e imediato sobre uma coisa. O direito real
permite à pessoa extrair da coisa utilidade que esta apresenta: e, como direito absoluto,
implica o poder geral de respeito por parte de todas as outras pessoas.
Pelo contrario, aquele a quem emprestam certa coisa, um livro por exemplo –
comodatário – disfruta do livro porque outrem o deixa. O seu poder sobre o livro não é
directo e imediato, deriva da autorização do proprietário.
Sendo o direito real um poder directo e imediato sobre uma coisa, a relação jurídica
real é aquela de que o direito real é lado activo. Esta relação é absoluta, isto é, trava-se
entre o titular do direito real e todas as outras pessoas; objecto imediato da relação é o
binómio direito real-dever jurídico; objecto mediato da relação é uma coisa. Este o
principal traço diferenciador da relação real (o objecto mediato da relação obrigacional
é uma prestação).
A nossa ordem jurídica só admite sobre as coisas incedam direitos (reais) pertencentes a
tipos rígidos que enumera. Não é lícito à vontade das partes fixar livremente o conteúdo
das obrigações, cfr. Artigo 398° do Código Civil). Os direitos reais estão tipificados na
lei – tipicidade dos direitos reais constituem numerus clausus.
Referindo-se as figuras mais importantes, os direitos reais surgem-nos no Codigo Civil
de duas maneiras: com valor autónomo, destinados a dar base jurídica ao gozo (uso e
fruição) das coisas – direitos reais de gozo; ou destinados a dar especial garantia a uma
obrigação, mediante a constituição de um vínculo especial entre o credor e certo bem do
devedor – direitos reais de garantia (garantias reais).
Direito reais regula a atribuição das coisas dos sujeitos, a sua instituição central é o
proprietário.
Assento

185
Alcídio Leão

Acendo legal dos direitos reais: Constituição da Republica de Moçambique, Código


Civil no livro III no meadamente 1252 e seguintes. O regime jurídico fundamental dos
direitos reais.
Decreto 17/2013 de 26 de Abril aprova o regime jurídico do condomínio.
A portaria 28 de Abril de Dezembro de 1967 que torna extensivo o código do registo
predial em antigas províncias ultramarinas.
17/97 de 1 Outubro Lei de Terra.

37.1. Parte geral e especial dos direitos reais


Contrariamente com outras ramos do direito Civil na sistematização do código civil, não
existe parte geral existe parte especial.
Assim sendo faremos o exercício de seguir a parte geral a nível doutrinaria.
Doutrina: Referencia Bibliográfica

 Direito Cível, – Reais José Oliveira Assenção;

 Direito Reais – Antonio Menezes Cordeiro;

 Lições de Direito Reais – Carvalho Fernández;

 Direito Reais – Álvaro Oliveira e Carlos Frada;

 Direito Reais Moçambicano – Rui Pinto;

 A ponho perspectiva dogmática actual Antonio Menezes Cordeiro;

 Do registo e Notariado Luís Morgado Ribeiro;

 Direito Reais - José Alberto Viera.


Direito Real é o direito funcionamento dito a afectar uma coisa a um sujeito para que
este retire da coisa determinadas vantagens.
Exemplo: Direito Real de Propriedade – Móvel/ Imóvel.

186
Alcídio Leão

Direito Real menor de usufruto. Uso e habitação, Direito da superfície, plantação/


construir, Direito de sobre elevação – construir encima dum prédio.
Direito Real como Direito Civil Patrimonial dentro do Direito Privado o Direito
Real pertence ao grupo patrimonial porque direitos reais são constituído por normas que
visam reguladores os fins económicos dos indivíduos.
Normas que visam regularem os interesses dos indivíduos avaliáveis em dinheiro.
Objecto: o objecto do Direito Real é a coisa, no artigo 202 nᵒ 1 do código civil.
Nem todas as coisas constituem objectos dos Direitos Reais mas só apenas constituem
as coisas corpóreas. As coisas incorpóreas não constituem objecto de direitos reais
porque nos termos do 1302 do código civil. Só podem constituir objecto que é o direito
de propriedade as coisas corporais.
Direitos Reais Menores: Uso, e habitação, uso e aproveitamento da terra, usufruto.
Os direito reais menores que é o direito de propriedade considera-se igualmente também
os direitos reais menores podem ter por objecto coisas corpóreas
Coisas corpóreas têm existência física e são compreensíveis a nível dos sentidos: algo
tangível.
Coisas incorpóreas são aquelas que constituem criações do espirito humano. Exemplo:
Direito do autor e propriedade industrial, bem como as marcas e patente (Firma).

37.2. Características do Direito Real

Natureza absoluta direito real projecta-se na inercia que por sua vez desenvolve na
sequela e na prevalência.
Direito Real excluem direitos incompatíveis constituídos sobre a mesma coisa,
Prevalência.
Característica

187
Alcídio Leão

Objecto real tem de ser uma coisa determinada e como tal existente que não feri os
bons costumes artigo 28 nᵒ1 do código Civil.

Inercia, Sequela, Prevalência, Tipicidade.


Inercia: Traduz uma ideia de íntima ligação do direito a coisa. O direito Real muda em
geral, se passar a recair sobre a coisa diversa em contrapartida da acompanha a coisa nas
suas vicissitudes.
Tem como corolário a impossibilidade do direito e da coisa.
Exemplo: Se A e B construíram um direito de superfície sobre o prédio X e agora o
pretendem transferir para o prédio Y isso significa a extensão do primeiro direito de
superfície e a constituição de um novo direito. Artigo 1545 nᵒ1 do código Civil.
A sequela não pode ser vista como um direito na faculdade autónoma em retenção ao
direito real. Sequela traduz a possibilidade de o direito real ser exercido sobre a coisa
que constitui o seu objecto, mesmo quando sua posse ou detenção de outrem,
acompanhando-a na suas vicissitudes onde quer que se encontre.
É uma característica específica do direito reais ligadas as relações existentes entre o seu
teor e o seu objecto. Artigo 1301 do código civil.
Tipicidade artigo 1306 do código civil
Prevalência artigo 407 do código civil.
Natureza: É privada porque os sujeitos dos direitos estão em situação de liberdade e
igualdade.
Caracteristicas:

 Absolutividade;

 Sequela;

 Prevalência;

 Angulatoriedade.

188
Alcídio Leão

A inerência é a conexão direito coisa que resulta de uma coisa corporia a um


determinado sujeito. Conexão esta que perdura enquanto o direito real não se extinguir.
Constitui consequência da inercia o inseparabilidade da coisa enquanto direito real não
se extinguir nos termos da característica da inercia não e juridicamente possível o
mesmo direito real de uma coisa para outra.
Exemplo: Abel constitui de Bento um direito de usufruto sobre prédio artigo 1439 do
código civil, passado determinado tempo Abel e Bento convencionaram retirar este
mesmo direito de usufruto e aplicar num outro prédio de Abel.
A pergunta que resulta questão é poderá dizer-se que o direito de uso fruto transferiu-se
para coisa diferente.

 Nunca se transmite um direito a uma outra coisa, se houver uma outra coisa.
Cria-se um novo direito a um da coisa. Existingue um cria outro.
Absolutividade: a bordagens da absolutividade como características dos direitos reais
parte da diferença entre os direitos obrigacionais e os direitos reais.
Os direitos obrigacionais e direitos de crédito tem as seguintes características
fundamentais:

 São direitos que afectam prestações;

 Produz efeito entre partes, isto é cada parte só pode extinguir a realização da
prestação a pessoa com quem celebrar o negocio jurídico.

E em caso de incumprimento e devido apenas o pagamento de uma indemnização


segundo Prof Oliveira Assenção ao contrario dos direitos obrigacionais os direitos
reais são direitos absolutos porque apresentam as seguintes características
fundamentais:

 São direitos através dos quais se afecta uma coisa corpórea a um determinado
sujeito não se afecta a realização de uma prestação como acontece nos direitos
de crédito.

 São direitos que produzem efeitos a todos e não apenas inter partes partes ou
seja são direitos oponíveis “erga omnes”.

189
Alcídio Leão

Exemplo: A é proprietário de uma viatura surge B que rouba a viatura de A


utilizando modos violentos e depois vende a C, C compra a viatura de boa fe
pois ignora que o seu vendedor roubou a viatura.
Pergunta-se A quiser requer a viatura, a sua viatura terra provar a invalidade deste acto
que ocorreu ate que C o adquire-se a viatura.
A resposta é Negativa: A não tem que provar os actos que ocorreram. A só tem de
provar que é titular do direito da viatura e exigir a entrega da viatura mesmo estando C é
caso C se recuse-se entregar a viatura argumentado que adquiri. C pode ser
responsabilizado pelo dano e pela lesão que provoca A nos termos do artigo 483 nᵒ1 do
código civil responsabilidade por factos ilícitos.
Por outro lado A pode exercer uma acção de sequela intentando segundo o artigo 1311 e
1313, C pode exercer o direito de regresso contra B. C pode exigir de B
responsabilidade por incumprimento do contrato nos termos do artigo 798 do Código
Civil. Responsabilidade do devedor.
O Prof Meneses Cordeiro advoga que os direitos reais são apenas tendencialmente
absolutos porque existem situações em que os direitos reais não são validos frente a
todos não são oponíveis ergam omnes e de um exemplo: caso da aquisição tabular.
Aquisição tabular: é aquisição de um direito reais em virtude de registo de um negócio
jurídico ferido de invalidade substancial e ou regista-lo. Artigo 892 e 291 registo de
boa-fé.
A vende a B – e este não regista e A vende de novo a C – regista e fica o dono.
Meneses este direitos são também parcialmente absolutos.
A Vendeu B não registou

Bem imóvel
C Boa-fé comprou a coisa e registou artigo 892 Código civil e 291.
Sequela: é o direito de perseguir a coisa e exercer o direito real mesmo quando a coisa
se encontra na posse ou detenção de outrem.

190
Alcídio Leão

1ᵒ Acção de revindicação artigo 1311 e 1313 do código cível.


Entre tanto em geral todos os regimes em defesa constituem uma manifestação da
sequela razão pela qual artigo 1311 do código civil o regime de defesa do direito de
propriedade é aplicável com as necessárias correcções adaptações a defesa de todo o
direito real.
Sequela razão pelo qual artigo 1311 o regime de defesa do direito de propriedade é
aplicável com as necessárias correcções, adaptações a defesa de todo a direito real.
João deslocou-se a um Standard de venda de viaturas para comprar uma viatura de
marca Opel, César proprietário do Standard informou a João que as tais viaturas
existiam mais eram todas da Iª Série de cor branca e que o processo de atribuir cor de
matrícula a cada viatura se iniciaria no dia seguinte num trabalho conjunto com o
Governo.
João pagou imediatamente o totalidade de preço de uma viatura de marca Opel e
retirou-se 3 semanas depois João recebeu de Cesar um anexo ao contrato de compra e
venda via email no qual Cesar informava que a viatura Opel da Serie I de cor Branca
relativamente a qual o João pagava a totalidade do preço havia recebido a matricula
AAF - 650 MC.
3 Dias depois quando João se apresentou no Stand para levantar a viatura constatou que
Cesar já havia vendido a Bernardo. O qual antes de comprar a viatura de Cesar obteve
da conservatória de automóvel a confirmação da que conservatória que a viatura estava
registada como propriedade de Cesar. Cesar tentou tranquilizar João dizendo que
poderia entregar-lhe outra viatura da marca Opel da Serie 200 Iª da cor branca mais com
matrícula diferente porque o direito é o mesmo.
João recusa-se receber a viatura diferente.
a) Características dos Direitos Reais envolvidos no respectivo caso e
fundamente resumidamente.
b) João pode dirigir-se a Bernado e exigir a entrega da viatura?

Resolução
Sujeito: Cesar – Vendedor
191
Alcídio Leão

Joao – Comprador
Bernado – Terceiro de Boa-fe

a) Inercia, Absolutividade, Sequela.


b) 408/2 do código civil.
Nos termos do princípio da especialidade dos direitos reias sobre bens indeterminados
apenas se constituem quando os bens se trancam determinados ou individualizados
408/2 do código civil no caso pratico em concreto o direito de propriedade sobre a
viatura da marca Opel não se constitui a favor de João no momento em que João pagou
a totalidade do preço. Na medida em que João pagou a totalidade do preço dum bem
indeterminado (a viatura ainda não tinha matricula que a individualiza-se o direito de
propriedade sobre a viatura apenas se transferiu para João no momento em que João
recebeu um email de Cesar comunicando a chapa de matricula atribuída a viatura.
A característica da absolutividade esta presente porque foi atribuída uma coisa corporia.
Se discute a questão de saber se tendo sido atribuído a Joao o direito real de propriedade
é apenas oponível inter partes / se é oponível erga omnes.
B. boa fé 291/3. 893 e 798 sequela. 483.

37.3. Princípio gerais dos direitos Reais

os princípios dos Direitos Reais correspondem as ideias gerais que subjazem as normas
deste ramo de Direito e que, embora não permitam a subsunção directa para a resolução
de casos concretos, como sucede com as normas, podem, enquanto critérios lógicos,
sistemáticos e teleológicos servir como auxiliar de interpretação dessas mesmas normas.

São os princípios dos direitos reais os seguintes:


a) O princípio da tipicidade
b) O princípio da especialidade
192
Alcídio Leão

c) O princípio da elasticidade
d) O princípio da transmissibilidade
e) O princípio da publicidade
f) O princípio da boa fe.

O princípio da especialidade
Um outro princípio dos direitos reais é o princípio da especialidade, o qual exige que se
possa individualizar concretamente a coisa que constitui objecto do direito real.
Efectivamente. Efectivamente, vimos já que os direitos reais têm necessariamente por
objecto coisas corpóreas. O princípio da especialidade refere-nos que, para se poder
constituir um direito real, as coisas corpóreas sobre que o mesmo incide tem que se
encontrar determinadas, ter existência presente, e ser autónomas de outras coisas. Se
tomarmos em consideração separadamente estas três exigências podemos dividir este
principio em três sub-principios: o sub-principio da determinação, o sub-principio da
actualidade, e o sub-principio da autonomização ou da totalidade.
O sub-principio da determinação exige que, para que possa ocorrer a constituição do
direito real, a coisa sobre que o mesmo incide se encontre determinada. Efectivamente,
se o titular tiver apenas direito de credito (cfr. Art. 539ᵒ), so se constituindo o direito
real a partir do momemto em que as coisas sejam determinadas (art. 408ᵒ, nᵒ2). Pelo
mesmo motivo, não existem direitos reais autónomos sobre universalidades, incidindo o
direito individualmente sobre cada uma das coisas que compõem a universalidade.
O sub-principio da actualidade exige que a coisa tenha existência presente para poder
ser objecto de direitos reais. Ao contrario da prestação que pode ser relativa a coisa
futuras (art. 399ᵒ) e constitui ela própria uma conduta futura do devedor, as coisas tem
que ter existência presente para poder ser objecto dos direitos reais. Assim, um direito a
coisas futuras não constitui um direito real, mas antes um direito de credito, apenas se
podendo transmitir o direito quando a coisa é adquirida pelo alienante (art. 408ᵒ, nᵒ2).
Da mesma forma, não existe um direito real sobre coisas passadas, implicado a perda da
coisa da extinção do direito que pode sobre ela incidiu.

193
Alcídio Leão

O sub-principio da autonomização ou da totalidade estabece que para existir um direito


real, o mesmo não poderá incidir apenas sobre partes de uma coisa, tendo que incidir
sobre coisas autónomas. Assim, não se poderá constituir um direito real relativamente a
coisas ligadas materialmente a outras, exigindo-se a sua previa separação (cfr. Art. 408ᵒ,
nᵒ 2, in fine). Da mesma forma, se coisa vier a ser unida e incorporada noutra coisa,
verifica-se-á a extinção do direito e a sua aquisição ex novo por acessão (arts 1325ᵒ e ss
do código civil) por esse motivo, nem sequer é possível manter a reserva de propriedade
(art. 409ᵒ nᵒ1), a partir do momento em que as coisas passem a constituir partes
integrantes dos prédios. O principio da totalidade sofre, no entanto, alguma atenuação
em matéria de servidões, em relação as quais se pode estabelecer a parte do prédio
sobre que podem ser exercidas.

Em consequência do princípio da especialidade os negócios sobre direitos reais são


considerados como negócios de disposição, e não negócios obrigacionais.

O princípio da tipicidade
um dos princípios característicos dos direitos reais é o principio da tipicidade, ou do
numerus clausus dos direitos reais. Este encontra-se previsto no art. 1306ᵒ do código
civil, que proíbe a constituição de restrições ao direito de propriedade ou de figuras
parcelares desse direito fora dos casos previstos na lei. Com uma formulação
manifestamente infeliz, esta norma visa simplesmente estabelecer a proibição da
existência de direitos reais que não se encontre previsto na lei. Efectivamente, o código
pretendeu limitar o elenco dos direitos reais aqueles que a lei reconhece e abolir todos
aqueles que não correspondem aos tipos legais, designadamente os constantes de
costumes. Se, as partes ao abrigo da sua autonomia privada quiserem criar novos
direitos reais, a lei nega-lhes a pretendida eficácia real, atribuindo-lhes apenas natureza
a obrigacionais.
A tipicidade implica assim limitação do numero de realidades que podem ser
qualificadas como direito reais, não podendo os mesmos resultar do costume ou da
autonomia privada, tendo que ser a lei a criar os direitos inseridos nessa categoria 95. A
tipicidade restrinde-se, no entanto, á criação de direitos reais, não abrangendo os

95
OLIVEIRA ASCENSAO, Reais, pp 161 e ss. E Carvalho Fernandes, Direitos Reais, p82.

194
Alcídio Leão

negócios reais. Efectivamente, nada impede as partes de criar direitos reais


reconhecidos pela lei através de contratos atípicos.
A tipicidade não implica igualmente que o interprete tenha que seguir as qualificações
legais, apenas reconhecendo caracter real aos direitos que a lei considere expressamente
como direitos reais.

O princípio da elasticidade
Um outro princípio relativo aos direitos reais consiste na elasticidade, o qual exprime a
admissibilidade da sua compressão, em virtude da constituição de um novo direito real
que onere a coisa, bem como da sua expansão, em caso de extinção posterior desse. O
conteúdo do direito real não é assim imutável, variando á medida que se vao
constituindo e extinguindo os direitos reais que incidem sobre a coisa.
A propósito desta solução, alguma doutrina tem feito referência a um principio de
compatibilidade (ou da exclusão), referindo que só pode existir um direito real sobre
determinada coisa que seja compatível com outro direito que a tenha por objecto96.

O princípio da transmissibilidade
O principio da transmissibilidade não é especifico dos direitos reais, na medida em que
a regra dos direitos patrimoniais é a de que eles são em principio transmissíveis, tanto
em vida como morte. É, no entanto, direitos reais que a transmissibilidade atinge maior
importância, sendo incluída mesma na garantia constitucional da propriedade privada
(art. Const.).
A transmissibilidade implica, em primeiro lugar, que os direitos reais possam ser
objecto de sucessão por morte (art. 2024). Há, no entanto, alguns direitos reais, em
relação aos quais se exclui a heritabilidade, como o usufruto e o uso e habitação, que
não podem exceder a vida do titular (cfr. Art. 1443ᵒ).

96
Cfr. A este propósito, ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, pp. 231 e ss., e SANTOS
JUSTO. Direitos Reais, p. 31.

195
Alcídio Leão

Em, segundo lugar, a transmissibilidade implica que o direito real possa ser transmitido
por acto inter vivo. Essa solução é, no entanto, exceptuada pela existência de direitos
reais inalienáveis, como o uso e habitação (art. 1488ᵒ cc). O regime da
transmissibilidade negocial dos direitos reais regulada no art. 408, sendo a transmissão
negocial dos direitos reais regulada entre nos pelos princípios da consensualidade e da
causalidade97.
O principio da consensualidade significa que para a constituição ou transmissão do
direito real basta normalmente o acordo das partes, pelo que a celebração do contrato
acarreta logo a transferência do direito real (arts. 408, nᵒ 1 e 1317ᵒ al.a)98. A
transferência ou constituição do direito real é consequentemente imediata e instantânea.
Logo no memento da celebração do contrato. Assim, ao contrario do que sucede com os
efeitos obrigacionais, que exigem o posterior cumprimento das respectivas obrigações,
o efeito real verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato, sendo,
por isso, a propriedade transmitida apenas com base no simples consenso das partes,
verificado nesse momento.
Ligado ao principio da consensualidade está o principio da causalidade, nos termos
do qual a existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o
direito real se constitua ou transmita. Como existência de titulo é necessária para a
constituição ou transmissão do direito real, a validade ou regularidade da causa de
aquisição é imprescindível para que essa constituição ou transmissão se opere, pelo que
qualquer vicio no negocio causal afectara igualmente a transmissão da propriedade.

O principio da publicidade
O principio da publicidade significa que os factos jurídicos relativos aos direitos reais
devem ser dados a conhecer ao publico em geral99. A publicidade pode realizar-se por
varias formas.

97
Cfr, MENEZES LEITAO, Obrigacoes, III, pp. 22 e ss.
98
Sobre o principio da consensualidade, cfr. Detalhamente MARTA CLARA SOTTOMAYORA, Invalidade e
registo. A protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 165 e ss.
99
Cfr. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, pp. 43 e ss.
196
Alcídio Leão

A forma mais comum de assegurar a publicidade dos direitos reais é a posse. A posse
desempenha uma função importante para assegurar a publicidade dos direitos reais,
principalmente no caso das coisas moveis naos sujeitas a registo. A lei atribui mesmo ao
possuidor a presunção da titularidade do direito (art. 1268ᵒ, nᵒ1), na medida em que
pressupõe, ate prova em contrario, que a realidade possessória coincide com a realidade
substantiva. Em certos casos, a transferência da posse é mesmo necessária para que o
direito real se constitua, como sucede no penhor (art. 669ᵒ, nᵒ1).
A forma mais perfeita de assegurar a publicidade dos direitos reais é, no entanto, através
do registo, a que estão sujeitos genericamente os bens imoveis (registo predial), assim
como certos moveis (automóveis, navios e aeronaves).

O princípio da boa-fé
A boa-fé constitui um principio geral do Direito Civil tendo, por isso igualmente
aplicação em Direitos Reais. No entanto, nesta disciplina a boa fe tem um campo de
aplicação bastante mais restrito do que o que sucede em Direitos das Obrigações. Tal
resulta de o nosso legislador não ter consagrado o princípio posse vale titulo, que
protege o possuidor de boa-fé contra a reivindicação de móveis.
Pode encontrar-se, no entanto, alguma aplicação da protecção do adquirente de boa fe
no caso de coisa comprada a comerciante (art.1301), bem como no regime da aquisição
tabular (arts. 5… e art. 291° do código civil).
A boa fe tem ainda relevo para efeito da posse (arts. 1260°, 1269° e ss), da usucapião
(arts. 1295° e 1298°) e da acessão industrial (arts. 1333° e ss. E 1340° e ss).
Em todos estes institutos, o legislador adopta uma concepção subjectiva da posse,
contrastando com a concepção objectiva primordialmente vigente em Direito das
Obrigações. Há, no entanto, certos institutos gerais relativos á boa fe objectiva que tem
igualmente aplicação no âmbito dos Direitos Reais, como sucede com o abuso de direito
(art. 334°), por outro lado,por vezes a lei estabelece deveres específicos de protecção,
informação e lealdade no âmbito das relações entre titulares de direitos reais, como
sucede com o usufruto (art. 1475°).

197
Alcídio Leão

A lei civil prevê hoje apenas, como direitos reais de gozo:


O direito de propriedade, propriedade plena, domínio ou simplesmente propriedade.
Assento legal dos direitos reais: A constituição, o código civil no livro III e no
meadamente 1252 e seguintes o regime juridico fundamental dos direitos reais.
O decreto 17/2013 de 26 Abril que aprova o regime jurídico do condomínio.
O usufruto;
O uso e habitação;
O direito de superfície;
A servidão predial. Como direitos reais de garantia (cujo carácter excepcional é
reforçado pelo artigo 604° do Código Civil) temos:
A consignação de rendimentos (rectius, o direito proveniente da consignação de
rendimentos);
O penhor;
A hipoteca;
Os privilégios creditórios;
O direito de retenção.
O livro III do Código Civil ocupa-se do ”Direito das Coisas” – artigos 1251° e
seguintes.

37. Direito da Família

O direito da família pode definir-se como o direito das relações provenientes de


casamento, procriação e adopção.

198
Alcídio Leão

Uma das bases da sociedade é a família. A família constitui-se pelo casamento – união
estável de homem e mulher cfr. Artigo 1577°. Do Código Civil), pela procriação ou
geração de filhos e pela adopção.
Destes três factos – casamento, procriação ou geração, adopção – derivam os vínculos
familiares básicos – matrimónio, parentesco, afinidade.
Matrimónio é o complexo de relações (relações matrimoniais) que se estabelecem entre
os cônjuges (marido e mulher) pelo casamento.
Parentesco é o vinculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender
de outra ou de ambas procederem de um progenitor comum (Codigo Civil, artigos
1578°).
Este o parentesco consanguíneo ou parentesco parentesco stricto sensu;
O termo parentesco, em sentido amplo, abrange porem igualmente o parentesco
adoptivo (Cfr. Artigo 1586° do Codigo Civil).
Afinidade é o vingulo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro (Codigo
Civil, artigo 1584°).
O artigo 1576° do código Civil arruma de outra modo, o que, em nossa opinião, é
bastante criticável. Com efeito, estatui:
São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, afinidade e a
adopção.
Fontes das relações jurídicas familiares – em correlação com fontes das obrigações
(cfr. Capitulo correspondente aos artigos 405° e seguintes) – deviam ser os factos de
que tais relações decorrem. Ora, entre as quatro realidades previstas no 1576°
encontramos:
Um facto: o casamento (contrato), artigo 1577°;
Dois vínculos (ligações familiares básicos): parentesco (artigos 1578°) e afinidade
(artigo 1584°);
Uma realidade que todos entendem como facto, mas que o artigo 1586°. Define como
vinculo: a adopção.
199
Alcídio Leão

Parece-nos que o quadro conceptual dos artigos 1576° e seguintes do Codigo Civil mais
perturba que esclarece.
Fontes das relações jurídicas familiares (factos constitutivos delas) são: casamento,
procriação ou geração e adopção.
Do casamento resulta o vínculo matrimónio;
Da procriação (ou de jogo de procriações) o vinculo parentesco (consanguíneo);
Do casamento, ligação à procriação e a adopção, o vinculo afinidade.

O parentesco determina por linha e graus (Código Civil, artigos 1579 e seguintes).
As linhas são duas: recta e colateral (por vezes, chamadas também directa e
transversal);
Linha directa: a linha diz-se recta quando um dos parentes descende do outro (código
civil, artigo 1580° n°1): avo ou avo, pai ou mãe, filho ou filha, neto ou neta são parentes
em linha recta.
A linha recta é descendente ou ascendente, descendente quando se considera como
partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente, quando se considera como
partindo deste para o progenitor (artigo 1580° n°2).
Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco,
excluído o progenitor (artigo 1581° n°1). Assim, avo e neto são parentes em linha recta
em 2°, grau (avo – pai – neto; três pessoas, excluindo uma, são duas - 2° grau).
Linha colateral: A linha diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do
outro, mas ambos procedem de um progenitor comum (artigo 1580° n°1). Irmaos, tios,
sobrinhos, primos são parentes na linha colateral.
Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e
descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum (1581° n°2). Assim os
chamados primos direitos são parentes em 4° grau:

200
Alcídio Leão

A
BC
DE
D e E (primos direitos) são parentes em 4° grau (D – B – A – C – E, 5 menos A – 4).
Irmãos são parentes em 2° grau (B – A – C, 3 pessoas, menos A – 2). Não pode haver
colaterais do 1° grau.
Duas observações finais:
Salvo disposições da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em
qualquer grau na linha recta e até ao sexto grau na colateral (artigo 1582°).
A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não
cessa pela dissolução do casamento (artigo 1585).
Uma distinção importante do direito antigo dividia os parentes e fins em legítimos e
ilegítimos (artigos 1583°, 1584° n°2 da versão originaria do Código Civil). Parentesco
legitimo era aquele que se verificava provindo todas as gerações de casamento;
parentesco ilegítimo o que se verificava quando alguma das gerações não provinha de
casamento.
A esta distinção nega hoje relevância jurídica o artigo 36° n°4 da Constituição:
Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de
qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações
discriminatórias relativas à filiação.
Os principais do parentesco são (com a limitação da linha colateral; não as há na
linha recta);
A atribuição, morrendo um dos parentes, dos bens aos outros - sucessão legitima
(artigo 2133°). E legitimaria (artigo 2157°): ate 4° grau;
A prestação reciproca de alimentos: até o 4° grau (artigo 2009°);
A existência de impedimentos ao casamento: 2° grau, impedimento dirimente absoluto,
3° grau, impedimento impediente (removível) (artigos 1602° alínea b) e 1604° alínea c);

201
Alcídio Leão

A legitimidade para actuar em benefício em benefício de parentes – artigos 71° n°2,


73°, 76° n°2, 141°, 1915°, 1957° n°1 etc.
O livro IV do Código Civil, artigos 1576° e seguintes, ocupa-se do Direito da Família,
tendo sido dos mais alterados pela reforma de 1977.

Casos Particular

38. Direito Internacional Privado

Há situações que deve ser reguladas pelo direito, mas oferecem a seguinte dificuldade:
é que estão em conexão, através dos seus elementos, com ordens jurídicas diversas, pelo
que se poe antes de mais o problema da identificação da ordem jurídica aplicável.
Assim, suponhamos que A, português, empresta em Madrid uma quantia a B francês,
para ser paga em Londres. Ou que se verifica um acidente de na Italia envolvendo um
suico e um alemão. Em todas estas situações, verificou-se um conflito de leis: a
possibilidade em principio da aplicação de mais de uma ordem jurídica.

Direito das sucessões


Por ultimo, o direito das sucessões é o que regula as sucessões por causa de morte –
mortis causa – ou seja a transmissão da esfera jurídica transmissível, por morte do
titular dela, a outra pessoas.
Com a morte extinguem-se os direitos e as obrigações intransmissíveis do defunto; mas
os restantes – que são a regra – transmitem-se. É o que diz o artigo 2025° do Codigo
civil. Ora, é esta transmissão ou sucessão que é regulada pelo ramo de direito que ora
nos ocupa.
Em rigor, o direito das sucessões regula, como os anteriores, relações jurídicas:
relações sucessórias. As relações jurídicas sucessórias não são aquelas em que se
sucede, que se transmitem – essas são regras geral reais ou obrigacionais. São relações
jurídicas instrumentais para o própria sucessão, como aquela (potestativa) que
202
Alcídio Leão

compreende o direito de aceitar ou repudiar a herança (artigos 2050° e 2062° do Codigo


Civil), ou a obrigação de os herdeiros cumprirem os legados (artigo 2265° do Codigo
Civil), etc.
À pessoa cujos bens se transmitem da-se o nome de autor da herança, autor da sucessão
ou de cujus (redução de is de cujus hereditate agitur, aquele de cuja herança se trate).
A sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato (artigo 2026°), sendo portanto
legal, testamentária ou contratual. Esta ultima é em regra proibida (artigo 2028°).
A Sucessão legal é legitima ou legitimaria, conforme possa ou não ser afastada pela
vontade do seu autor (artigo 2027°).

O ultimo livro do Código Civil, o Livro V, artigos 2024° - 2334° (ultimo artigo),
contem o Direito das Sucessões.

39. Direitos Privados Especiais

Vejamos agora os direitos privados especiais, que em minha opinião, são apenas dois;

 Direito Comercial ou mercantil

 Direito do trabalho ou laboral


Muitos outros ramos do direito privado tem procurado afirmarem a sua autonomia.

Três requisitos para que um ramo de direito possa considerar-se autónomo


Com ROCCO, existem três requisitos para que um ramo de direito possa considerar-se
autónomo mormente: i) extensão bastante para merecer estudo adequando e participar;
ii) doutrinas homogéneas, dominadas por conceitos gerais comuns e distintos dos
informadores de outras disciplinas e iii) método próprio, ou seja, utilização de processos
especiais para o conhecimento da verdade que constitui o objecto da pesquisa . O que
importa para a autonomia de um ramo de conhecimento é objecto, institutos, método é
princípios próprios , para além de uma elaboração legislativa própria.

203
Alcídio Leão

Diz-se por exemplo que, sendo o comercio uma das três categorias fundamentais da
actividade económica – agricultura, comercio, industria – as restantes categoria deviam
dar lugar também a ramos de direito privado: direito agrário e direito industrial. Ou
então, conglomeram-se direito agrário, direito comercial e direito industrial num ramo
de direito económico.
Em orientação de certo modo contraposta, por vezes critica-se a autonomia de certos
ramos do direito privado, designadamente o comercial.
Cremos que os dois ramos do direito privado que merecem, no actual direito português,
autonomia são os dois que deixamos referidos: Laboral e Comercial.

40. Direito constitucional

A noção de direito constitucional esta estreitamente relacionada com a de constituição.


Mas não se pode sem mais disser que o direito constitucional é o contido na
constituição, há que ponderar estes conceitos.
Quando falamos da constituição, há que ter presente a distinção entre:
Constituição em sentido formal;
Constituição em sentido Material.
Chama-se Constituição em sentido formal ao diploma, ou ao conjunto de normas, que
tem na hierarquia das leis o grau primeiro, reservado justamente as normas
constitucionais. Na ordem jurídica portuguesa é esse o lugar ocupado pela Constituição
da República Portuguesa, de 1976.

Na constituição encontramos normas sobre variados objectos: normas que estabelecem a


estrutura da organização política do Estado e regulam nos seus grandes princípios os
órgãos mais importantes do aparelho estadual, órgãos de soberania; normais que
regulam os direitos e deveres fundamentais dos portugueses e até quaisquer pessoas;
normas que estabelecem grandes princípios dos vários ramos da ordem jurídica
portuguesa.

204
Alcídio Leão

Neste complexo, encontramos normas sobre as mais variadas relações, algumas das
quais pertencem, pelo seu objecto, a ramos já estudados. Exemplo claro desta situação é
constituído pelo artigo 36° da Constituição (sob a epigrafe “Família, casamento e
filiação”). As normas ai previstas – estabelecimento do direito a constituir família,
igualdade dos cônjuges, proibido de discriminação dos filhos nascidos fora do
casamento – são normas constitucionais, no sentido de pertencerem ao grau mais levado
da hierarquia das leis (um decreto-lei do Governo ou uma lei da Assembleia da
República não podem estabelecer desigualdades os cônjuges, ou entre filhos nascidos
no ou fora do casamento); mas não deixam de ser normas de direito privado, direito
da família, e por isso estão fora do direito constitucional, direito público.
O direito constitucional esta em correlação com a constituição em sentido material.
Esta abrange apenas a estruturação da organização superior do Estado, e o
estabelecimento dos direitos e deveres fundamentais das pessoas perante o Estado e
outras pessoas revestidas de autoridade política.
Direito constitucional é, pois, aquele que regula a estruturação e funcionamento dos
órgãos superiores do Estado e os direitos e deveres fundamentais das pessoas.
Há inclusivamente direito constitucional fora da constituição (em sentido formal) – leis
eleitoral, regimento da Assembleia da República, leis de organização do Governo, lei do
tribunal Constitucional, etc.
O nosso diploma fundamental do direito constitucional é a constituição da república
portuguesa, de 1976, revista em 1982 e 1989.
Insolvência e Recuperação de Empresas
Direito Processual do Trabalho

41. Direito Processual Civil

Direito Processual Cível I

205
Alcídio Leão

Nas sociedades com certo grau de evolução, os conflitos de interesse (que o direito
regula) suscitados concretamente entre duas ou mais pessoas – litígios – são decididos
por um órgão imparcial, super parte, chamado tribunal.
O direito que regula a forma de resolução de litígios pelo tribunal chama-se direito
processual. A sequência de actos através dos quais resolve um litígio, diz-se processo.
Quando o litígio se trava entre particulares e é resolvido portanto, pelo direito privado, o
direito processual correspondente chama-se direito processual civil.
Quando se trava entre entidade patronal e trabalhador, nos domínios de um contrato
Individual de trabalho, ou matérias afins, diz-se direito processual do trabalho ou
laboral.
Quando se trata entre um particular e o Estado – Administração Publica, sendo
resolvido, portanto, pelo direito administrativo, diz-se direito processual
administrativo.
Quando se trava entre um particular e o Estado, acerca do exercício por este dum
possível direito de aplicar aquele penas criminais, diz-se direito processual criminal
ou penal.
há mas tipos possíveis, ou existentes no direito português, de processos ou direitos
processuais: processo tributário, processo de justiça militar, etc., mas os indicados são
os mais importantes.
As questões ou litígios civis ou civis (abrangendo as comerciais e as de trabalho) e as
criminais cabem aos tribunais comuns – tribunais de camarca, Relações e Supremo
Tribunal de Justiça ( estes dois últimos fundamentalmente tribunais de recurso).
As questões ou litígios administrativos acabem aos Tribunais administrativos –
tribunais administrativos de circulo e Supremo Tribunal Administrativo (1ª
Secção – a 2ª é de contencioso tributário).
Também merece referencia o Tribunal Constitucional, ao qual compete a fiscalização,
abstracta e concreta, da constitucionalidade das normas (artigos 277° e seguintes da
constituição).
Há outros tipos de tribunais, mas estes são os mais importantes.
206
Alcídio Leão

Os tribunais são órgãos de soberania e os pontos mais importantes desta matéria


constam dos artigos 205° e seguintes da constituição.
No direito processual, distinguem-se por outro critério duas zonas: o direito
processual em sentido restrito (que regula o processo) e o direito da organização
judiciaria.

Código de Processo Penal (de 1987);


Código de Processo Civil (de 1961).

41.7. Ramo do direito público

O direito processual civil regula a função jurisdicional do Estado, ao mesmo tempo que
serve o interesse público, ou seja, a justiça, impedindo que os particulares recorram à
justiça privada.8
Nos termos do art. 118º, nº 1, da Constituição, os tribunais são órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo. A função jurisdicional, ou
administração da justiça, constitui o exercício de uma autoridade soberana que
através do princípio da separação dos poderes foi investida nos tribunais – o poder
judicial – de que os juízes são titulares exclusivos.9 Conforme Castro Mendes, “A
natureza pública do direito processual civil, e assim também do processo civil, advém
da sua estreita ligação com a função jurisdicional”.10
Ou seja, o direito processual civil é direito público porque existe uma relação de
subordinação das partes ao juiz, que explica a força vinculativa das partes às decisões
judiciais.
“O direito público abrange as normas reguladoras das relações em que um dos sujeitos
exerce uma função de Segundo Antunes Varela, “Se na acção estão primariamente em
jogo os interesses (particulares) das partes, também é certo que no direito processual
civil, ao substituir-se a prática da justiça privada pelo sistema básico da justiça pública,
se destaca o interesse colectivo da paz social”.12

207
Alcídio Leão

Acrescenta Ferreira de Almeida, “no direito processual sobreleva o interesse colectivo


da paz social, o interesse público primordial da (justa) composição dos conflitos de
interesses jurídico- privados, mediante a aplicação das normas jurídicas adequadas”.13
Para José João Baptista, “É direito público porquanto: disciplina o exercício da
função jurisdicional, que é uma função do Estado, cometida aos órgãos de soberania
deste Estado, que são os Tribunais; o processo civil constitui-se e desenvolve-se como
relação jurídica entre as partes e o tribunal, revestido este das suas prerrogativas de
soberania e autoridade; o processo civil tem por fim último e primordial a realização do
interesse público, da ordem e paz social, através da justa composição dos litígios entre
as partes; as normas de direito processual civil são, em regra, imperativas (jus cogens) e
não dispositivas, ou seja, insuscetíveis de serem afastadas
pela vontade das partes.14

41.8. Direito instrumental ou adjectivo

O direito processual civil é um direito instrumental ou adjetivo, uma vez que as suas
1normas apenas indicam o caminho a ser seguido para solucionar o conflito entre as
partes processuais.15
O tribunal, ao proferir a sua decisão, realiza o direito substantivo.16 Por exemplo, se o
autor pede a condenação do réu no pagamento de dinheiro que alega ter emprestado ao
réu e o réu nega que tenha havido empréstimo, será o direito substantivo que vai definir
se o autor tem ou não esse direito. O direito processual limita-se a ordenar a forma
como o tribunal vai decidir a questão de direito substantivo.17
soberania e em que, por conseguinte, se estabelece entre os respectivos sujeitos uma
relação de subordinação”
15 Para Castro Mendes esta qualificação não é rigorosa, dado que, por vezes, o juiz fixa
ou determina ele próprio elementos da decisão, sem os receber do direito substantivo,
como, por exemplo, quando fixa a quantia relativa a danos não patrimoniais (Mendes,
Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 127). Importa referir, contudo, que mesmo
nestes casos existem normas ou princípio de direito substantivo que o juiz deve seguir.
208
Alcídio Leão

16 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 7.


17 “É o direito civil que fornece a substância normativa da decisão. O direito processual
civil regula apenas os meios
Ou seja, a função do processo civil consiste na tutela do direito material.18 É este que
regula as relações jurídicas.
Direito material, ou substantivo, é o conjunto de regras que diretamente regulam a
matéria da vida social que se pretende ordenar e dirigir. São as normas que basicamente
regulam a vida em sociedade e determinam a forma de resolução de conflitos entre as
pessoas, nos termos que se têm vindo a expor.

O direito processual, ou adjetivo, é constituído por regras que estabelecem, ou regulam


o modo como se pode obter o cumprimento das disposições de direito substantivo. São
regras meramente instrumentais relativamente à realização dos fins que as primeiras se
propõem19. O direito adjetivo é direito público.
Numa formulação mais simplista dir-se-á que o direito substantivo define ou atribui os
direitos subjetivos das pessoas, e o direito adjetivo regula a forma como esses direitos
podem ser exercidos através dos órgãos do Estado especialmente vocacionados para o
efeito, os Tribunais.

41.9. Aplicação imediata

O direito processual civil contém normas de aplicação imediata. Nos termos do art. 2º
do CPC20, salvo disposição em contrário, a lei processual civil é de aplicação imediata,
sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior.21
Este princípio teve igual consagração no art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de
Fevereiro, que aprovou o CPC.22 Contudo, no nº 2 do mesmo preceito veio-se permitir
ao juiz uma aplicação mais lata do novo Código, mesmo retroativamente, desde que tal
aplicação não quebrasse a harmonia processual e não colidissem com a celeridade
processual.23

209
Alcídio Leão

necessários para, a partir do direito privado, se alcançar a solução concreta do conflito”


(Varela, Bezerra e Nora,
A lei nova é aplicável, como regra, aos casos pendentes. Supõe-se que houve alteração
na norma processual; o caminho indicado pela norma nova é mais adequado a solução
do caso. Pressupõe-se que a norma nova seja mais perfeita que a anterior. Não há que se
respeitar a época do facto ou do ato, uma vez que não se trata de direito
substantivo. Contudo, é sempre salvaguarda a validade dos atos praticados no âmbito
da lei anterior, conformes com a mesma.24
Assim, relativamente a uma petição inicial apresentada antes da entrada em vigor do
novo CPC, a mesma é válida, ainda que não obedeça aos requisitos do art. 349º, desde
que respeitasse a norma prevista para a petição inicial no Código de Processo que
vigorava anteriormente.25
Porém, todo o restante processo, nomeadamente a obrigação de elaboração de
especificação e questionário, já será regulado pelo novo Código.
Segundo Ferreira de Almeida, “o princípio geral a aplicar neste domínio é sempre o da
aplicação imediata das leis de processo. De modo irrestrito, aos pleitos instaurados após
a sua entrada em vigor e, nas próprias acções já pendentes, a todos os termos
processuais subsequentes”. “O que significa que, na área do direito processual, a nova
lei é de aplicar às acções futuras e, outrossim, aos actos que se vierem futuramente
a praticar nas acções
pendentes”.26
Seguindo José João Baptista, temos que a aplicação da lei processual se desdobra em
dois aspetos:
1com aproveitamento do processado anteriormente, mediante as adaptações que ao juiz
se afigurem adequadas e que não colidam com a celeridade processual.
24 Sobre esta matéria assumem particular relevância as disposições sobre interpretação
da lei e integração de lacunas previstas nos arts. 8º a 12º do Código Civil, aprovado pela
Lei nº 10/2011, de 14 de Setembro, com entrad a em vigor a 12 de Março (art. 19º da
Lei), que se passará a referir apenas como Código Civil em contraposição com o Código

210
Alcídio Leão

Civil Indonésio que se designará por CCI. O Código Civil Indonésio recebido como
legislação nacional timorense
nos termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1,
do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, este com a interpretação
expressa pelo art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, iniciou a sua vigência no
território nacional como consequência natural da integração naquele país, iniciando-se a
sua vigência de facto com a invasão, ou, pelo menos a constituição do primeiro do
governo provisório de Timor-Leste em 17 de Dezembro de 1975, tendo sido
formalizada a integração do território de Timor-Leste na Indonésia através da
declaração do Presidente da República da Indonésia de 17 de Julho de 1976.

25 Antes da entrada em vigor do novo CPC vigorava a legislação processual indonésia


(Hukum Acara Perdata - Regulamento HIR S. 1941-24) e do RGB (Regulamento S.
1927-227), então vigente no território de Timor Leste, igualmente nos termos das
disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do
Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, deverá aplicar-se a legislação
indonésia vigente a 25 de Outubro de 1999 (veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal
de Recurso de 28-4-2010, processo nº 68/32003).
“Primeiro, diz respeito ao futuro; a lei nova deve aplicar-se a todos os actos processuais
posteriores à sua entrada em vigor. Segundo, diz respeito ao passado; a lei nova deve
respeitar a validade dos actos anteriores à sua vigência”.27

41.10. Fontes e integração de lacunas

Nos termos do seu art. 1º o CPC é a fonte do processo civil. Importa aqui referir que não
existe neste momento qualquer outra legislação relativa ao processo judicial ou
contencioso, salvo normas dispersas de contencioso administrativo, pelo que o CPC se
aplica a todas as situações de resolução de conflitos ou de contencioso.
Assim, verificando-se casos omissos recorre-se sucessivamente: a) À regulamentação
dos casos análogos previstos neste Código; b) Aos princípios gerais do direito
processual civil; c) À norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar
dentro do espírito do sistema (nº 2 do mesmo art. 1º do CPC.

211
Alcídio Leão

Importará sempre verificar se a lei oferece solução para o caso, ou seja, se a situação
pode ser regulada segundo o formalismo previsto no CPC, só depois se deve recorrer à
analogia ou aos princípios gerais do direito processual civil.28 A analogia não se
determina pala igualdade formal das situações, mas pela identidade substancial dos
fundamentos da norma jurídica aplicável.29
Verifica-se a existência de várias lacunas no CPC, nomeadamente respeitantes à
regulação do processo de jurisdição voluntária30 e aos processos executivos para
entrega de coisa certa ou para prestação de facto.
Relativamente ao contencioso administrativo tem-se colocado a mesma questão. Assim,
tem sido aplicado o CPC devidamente adaptado. Importa, contudo, ter em consideração
a Lei Indonésia nº 5/1986, que cria os tribunais administrativos da Indonésia e regula o
respectivo processo.

41.11. Autodefesa e jurisdição

Proibição da autodefesa
Nos termos do disposto no art. 4º do CPC a ninguém é lícito o recurso à força com o fim
de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites
declarados na lei.32
A autodefesa como forma de solução de conflitos corresponde à utilização de força pelo
particular para proteger direito próprio (corresponde também à ação direta). Nos casos
em que a lei o exige, como por exemplo no embargo extrajudicial de obra nova,
previstos no art. 334º, nº2, do CPC, a auto-defesa carece de ser homologada ou
ratificada por posterior decisão judicial.33
Antes da tutela das soluções para os conflitos e interesses jurídicos passarem para o
Estado, a autodefesa era uma forma de solução de conflitos. Atualmente, apenas se pode
exercer a autodefesa nos casos e dentro dos limites estabelecidos em lei.

41.12. Jurisdição

212
Alcídio Leão

A transferência da solução dos conflitos para o Estado processa-se através de um órgão


dotado de jurisdição: O Poder Judiciário ou Poder Judicial.
Assim, jurisdição é a função, o poder e o dever que o Estado tem de se substituir aos
titulares dos interesses em conflito para decidir com imparcialidade. É a prerrogativa
que tem o Poder Judiciário de aplicar o direito.
Como já se referiu, nos termos do art. 118º, nº 1, da Constituição, os tribunais são
órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Com
a finalidade de salvaguardar a paz social e a justiça, o Estado reservou para si, através
de órgão próprios e 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet
nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, na versão que vigorava a 25 de Outubro de 1999.
32 Nos termos do art. 28º, nº 2, a todos é garantido o direito de legítima defesa, nos
termos da lei. O Código Civil, nos arts. 327º e 328º define as situações excecionais em
que é legítimo o recurso à ação direta e à legítima defesa de direitos. Para além destes
temos ainda o estado de necessidade (art. 330º do Código Civil), o consentimento do
lesado (art. 331º do Código Civil), defesa da posse (art. 1197º do Código Civil), defesa
da propriedade (art. 1235º do Código Civil) e a defesa de outros direitos reais (art. 1236º
do Código Civil).
33 Veja-se Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 18-19.
independentes (os tribunais) a tarefa de resolução de conflitos entre particulares, ou
mesmo entre os particulares e o próprio Estado.34 Assim, a função jurisdicional é
exclusiva dos juízes, investidos nos termos da lei, os quais são independentes no
exercício das suas funções e apenas devem obediência à Constituição, à lei e à sua
consciência (art. 121º, nº 1 e 2, da Constituição).
A reserva de jurisdição face às demais funções do Estado é das decisivas garantias do
cumprimento do princípio da separação de poderes (art. 69º), na realização do Estado de
Direito democrático (art. 1º, nº 1).35
Na definição de Remédio Marques, “A jurisdição, o poder jurisdicional consiste assim
na fracção de poder estadual atribuída aos tribunais … para decidir um conflito de
interesses, de uma forma independente e imparcial”.36

213
Alcídio Leão

Face a esta reserva de jurisdição, o art. 26º da Constituição garante a todos os cidadãos
o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Daí que, nos termos do art. 6º do CPC nenhum juiz possa recusar-se a realizar
audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos tribunais.37 Trata-se de
manifestação da obrigação de julgar previsto no art. 7º, nº 1, do Código Civil (O
tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou
alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio).
Por outro lado, a todos é garantido o acesso à justiça, conforme previsto no art. 26º, nº
2, da Constituição (a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios
económicos).
O direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao patrocínio judiciário, o Estado
devendo promover a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais em caso
de carência de meios económicos. Em cumprimento desta exigência constitucional, a lei
vem instituir a Defensoria Pública e reconhecer o direito ao patrocínio judiciário
gratuito (arts. 3º e 4º do DL nº 38/2008 (Estatuto da Defensoria Pública) e, por outro
lado, prevê a isenção de custas para quem for patrocinado pela Defensoria (art. 5º).
Decreto-Lei nº 19/2009, de 8 de Abril.
O direito de acesso ao Direito e aos tribunais decorre imediatamente da ideia de Estado
de Direito e, independentemente da sua recondução a direito, liberdade ou garantia, este
direito fundamental carece de conformação legal e pressupõe, sem dúvida alguma, uma
dimensão prestacional a cargo do Estado.38

41.13. O direito de acção

O direito de acção surge como consequência do direito de acesso aos tribunais,


corolário, por sua vez, da exclusividade da jurisdição estatal.
Nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC, a todo o direito, exceto quando a lei determine o
contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou

214
Alcídio Leão

reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos


necessários para acautelar o efeito útil da ação.
O direito de ação é um verdadeiro “direito subjectivo público (ou poder jurídico) de
exigir que o Estado, através dos tribunais e do processo, examine a pretensão deduzida
em juízo pelo autor”.39 Trata-se, portanto, de um direito irrenunciável, totalmente
independente da decisão final, se vai ser ou não favorável ao autor.40
Por outro lado, o direito de ação implica o direito de o cidadão obter, em prazo razoável,
uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente
deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar (art. 5º, nº 1, do CPC).
No dizer de Ferreira de Almeida, “institucionaliza-se o direito de todos a que uma causa
em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante um processo
equitativo”.41
O princípio do processo equitativo, encontra-se enunciado no art. 8º da Declaração
Universal dos direitos do Homem e consagrado no art. 14° do Pacto Internacional sobre
os Direito Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque a 19 de Dezembro de 1966, e
ratificado pela RDTL através da Resolução nº 3/2003, de 22 de Julho, no qual se
determina: Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito
a que a sua causa seja ouvida equitativa e 38 Vasconcelos, Constituição Anotada da
República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 383.
publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela
lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida
contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil. O
direito de acesso aos tribunais, a que se refere o n° 1 do art. 26° da Lei Fundamental,
inclui imediatamente o direito de ação e de acesso a tribunais, impondo-se que estes
sejam órgãos independentes e imparciais, o direito a um processo, o direito a decisão
que verse sobre o mérito da causa e o direito à execução da decisão, sendo certo que tal
direito pressupõe a efetividade do resultado final do processo, postulando a consagração
de um sistema adequado de providências cautelares que acautele o efeito útil da ação.
De resto, o direito de acesso aos tribunais deve realizar-se em processo temporalmente
justo e equitativo. No que respeita especialmente ao processo equitativo, ele deve
integrar o direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no
processo, com proibição de tratamento discriminatório ou arbitrário. Ele
215
Alcídio Leão

corresponde igualmente ao direito de plena defesa e ao direito ao pleno contraditório, no


sentido de existir efetiva possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto
e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o
valor e resultado dessas provas. O direito ao processo equitativo pressupõe ainda o
direito a prazos razoáveis de ação e recurso, no sentido de que a prolação de sentença
deve acontecer em prazo razoável, atendendo a determinados parâmetros de medição,
como sejam, a complexidade/simplicidade do processo, o comportamento tido pelas
partes e pelas autoridades
ao longo do desenrolar do processo e à situação jurídica sobre que o mesmo versa.100

42. Tipos de jurisdição

42.7. Jurisdição contenciosa


Na jurisdição contenciosa o Estado atua com o objetivo de declarar o direito para
solucionar o conflito entre as partes, em razão de uma situação de incerteza.
Seguindo Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição contenciosa, que constituem a
regra, há um conflito de interesses entre as partes (credor e devedor; proprietário e
possuidor; locador e locatário; etc.) que ao tribunal incumbe dirimir, de acordo com os
critérios estabelecidos no direito substantivo”. Acrescentando “Nos processos de
jurisdição contenciosa, o tribunal é chamado a exercer a função (jurisdicional) própria
dos órgãos judiciários, elaborando e formulando a solução concreta que decorre do
direito substantivo aplicável (jus dicendum). Nos processos de jurisdição voluntária há
um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se
posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos
maisconvenientes”.43

100
Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, págs. 106-107.
Sobre o processo equitativo na vertente do princípio do contraditório pronunciou-se o Tribunal de
Recurso, entre outros, nos acórdãos de 13-7-2010, processo nº 07/Cível/2005/TR, 21-10-2010, processo
nº 12/Agravo/Cível/2010/TR, 31-3-2011, processo nº 02/Cível/Agravo/2011/TR, e 29-3-2012, Processo
nº 03/Cível/2012/TR

216
Alcídio Leão

Para Remédio Marques a jurisdição contenciosa exprime a atividade jurisdicional


dirigida à composição do conflito de interesses.44 No mesmo sentido Castro Mendes
refere a jurisdição contenciosa tem por fim a justa composição de litígios, a
voluntária tem por fim e regulamentação de situações anómalas de interesses mas que
não são litigiosos.45

42.8. Jurisdição voluntária

Na jurisdição voluntária, como se viu já, o Estado regula a administração pública dos
interesses privados, em razão da relevância desses interesses.46 Não há necessidade de
conflito.47
Nos processos de jurisdição voluntária pretende-se regular a administração
pública dos interesses privados, em razão da relevância desses interesses, e não da
existência de um qualquer conflito.48
Voltando à definição de Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição voluntária a
função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro
gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do
poder judicial”.
47 O que não significa que não exista, mas simplesmente que ele não é pressuposto do
processo, como acontece nos casos de jurisdição contenciosa. “A distinção entre
jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa resulta, assim, não propriamente da
existência ou não de controvérsia, mas da existência ou não de um litígio em sentido
técnico (Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23).
processos de adoção ou de regulação do poder paternal são processos de jurisdição
voluntária,50 e também o serão os processos especiais de interdição e inabilitação
(arts. 793º a 907º) e o processo especial de reforma de autos, documentos e livros (arts.
808º a 816º).51

217
Alcídio Leão

Daí que a aplicação do regime do processo comum de declaração a este tipo de


processos implica algumas adaptações importantes.52 Atenta a sua especial natureza,
tem a jurisdição voluntária que obedecer a regras próprias um pouco diferentes das
regras da jurisdição contenciosa. Nomeadamente:
a) Mais intervenção do princípio inquisitório. No campo da jurisdição voluntária
predomina o princípio do inquisitório sobre o do dispositivo, nomeadamente no que
respeita à averiguação dos factos, em que o juiz não está limitado, como regra, aos
factos articulados pelas partes, como sucede no âmbito da jurisdição contenciosa.53
Veja-se, por exemplo, o art. 803º, nº 4, do CPC.
b) Menor rigor no formalismo. No acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012,
decidiu-se que a falta de regulamentação do processo de jurisdição voluntária no CPC
constitui uma verdadeira lacuna que importa integrar, devendo-se adaptar o processo
comum de declaração a este tipo de processos. Nomeadamente, “num processo de
jurisdição voluntária, como é o presente, não há verdadeiramente uma discussão e
julgamento, mas apenas diligências de produção de prova, que podem incluir a
inquirição de testemunhas. Nomeadamente não haverá lugar à elaboração de
especificação e questionário e discussão prévia do litígio, ou seja, não há, ou não tem
que haver, uma audiência de discussão e julgamento, mas apenas
diligência de produção de prova.54 Ora, não havendo um litígio que imponha a
discussão e
julgamento da causa, também não tem aqui aplicação o disposto no art. 395º, nº 2, do
CPC.55
54 Por exemplo, nas providências cautelares a produção de prova também decorre
sempre perante juiz singular, independentemente do valor da causa, embora a lei nada
refira sobre o assunto. Isso acontece porque se entende que não se realiza uma audiência
de discussão, mas apenas uma diligência de produção de prova.
55 Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85º, Coimbra:
Coimbra Editora, págs. 3 e 17, e Alberto Baltazar Coelho, Atribuições do tribunal
colectivo no julgamento da matéria de facto nas acções cíveis, Colectânea de
Jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo 1º, Coimbra:
Casa do Juiz,
218
Alcídio Leão

1994, páginas 5 e seguintes, ambos citados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


de Portugal de 12 -3-1996, processo 088283, relator Machado Soares, in
www.dgsi.pt/jstj. De facto, o juiz não declara um direito do autor em face do réu (José
Maria Rosa Tesheiner, Procedimentos de jurisdição voluntária segundo o novo código
civil,
Em conclusão, nos processos de jurisdição voluntária, como sejam os processos de
adoção ou de regulação do poder paternal, não é obrigatória a intervenção do tribunal
coletivo, não se verificando a nulidade prevista no art. 395º, nº 2, nos casos em que tal
intervenção seja preterida”.56 Veja-se o disposto no art. 791º do CPC.
c) Menor exigência de legalidade estrita a favor da melhor solução para o caso.
Nos processos de jurisdição voluntária o juiz está menos sujeito aos critérios de
legalidade estrita, próprios da jurisdição contenciosa, assumindo maior relevância a
equidade.57 Não significa isto que o juiz não esteja vinculado à lei, mas que, perante a
possibilidade de decidir de diversas formas, é livre de escolher a que entender ser a mais
adequada à solução daquele caso concreto.58
d) Modificabilidade das decisões. As decisões podem ser modificadas se houver
uma alteração dos pressupostos ou as circunstâncias que as determinaram.59

43. Tipos e formas do processo

43.7. Tipos de ação


Estabelece o art. 3º, nº 1, do CPC, que as ações são declarativas ou executivas. Esta
distinção prende-se com o fim prosseguido pelo autor.
Conforme salienta Castro Mendes, “A composição de um litígio é o fim do processo; é
o conteúdo do pedido que o autor ou requerente dirige ao tribunal; e é, portanto, objecto
do direito que a parte exerce quando a ele recorre, exigindo a sua intervenção – direito
de acção judicial, ou somente acção. Os diferentes tipos de composição de litígio dão
assim origem a diferentes tipos de processos, a diferentes tipos de pedidos e a diferentes
tipos de acções”.60
Assim, como a própria designação sugere, as ações declarativas destinam-se a
obter a Por exemplo, António considera-se proprietário de um imóvel que se encontra
219
Alcídio Leão

ocupado por Bernardo, que igualmente se considera proprietário do mesmo imóvel.


Para solicitar que o tribunal declare que é ele o dono do imóvel deverá intentar uma
ação declarativa.

Nos termos do art. 3º, nº 3, do CPC, dizem-se ações executivas aquelas em que o autor
requer as providências adequadas à reparação efetiva do direito violado. Ou seja, as
ações executivas têm por finalidade a reintegração do direito violado, mediante a
realização coerciva de uma prestação, que pode ter por objeto uma coisa ou um facto.63
Pretende-se com a ação executiva forçar o obrigado a cumprir uma determinada
prestação já previamente determinada judicial ou extrajudicialmente, através dos meios
coercivos do Estado colocados à disposição do tribunal.64
Na definição de Antunes Varela, “As acções executivas são aquelas em que, invocando
a falta de cumprimento de uma obrigação constante de documento revestido de especial
força probatória (título executivo), o autor (exequente) requer a efetiva reintegração do
seu direito ou a aplicação das sanções correspondentes à sua violação.65
A ação executiva pressupõe, pois, a existência de um título executivo que certifique o
direito do exequente (art. 668º, nº 1, do CPC). Título que tanto pode ser judicial
(uma sentença transitada em julgado em que, mediante a ação declarativa se
reconheceu o direito do exequente), como extrajudicial (declaração de reconhecimento
de dívida feita mediante documento autêntico ou autenticado), nos termos do art. 669º,
nº 1, do CPC.66
Por exemplo, se António não paga a Bernardo uma determinada dívida cuja existência
não está em dúvida, por ter sido reconhecida pelo tribunal através de uma ação
declarativa, ou porque

António reconheceu a dívida mediante escritura pública,67 Bernardo pode solicitar ao


tribunal o pagamento forçado (a realização coativa da prestação), nomeadamente
mediante a penhora e venda de bens do António no valor necessário para obter tal
pagamento.68

220
Alcídio Leão

Segundo Lebre de Freitas, “Às acções que visam a declaração de direitos, pré-existentes
ou a constitui, ou de factos jurídicos, opõem-se aquelas que, não cuidando já de os
declarar, têm por fim a reparação material dos direitos violados”.69

43.8. As ações declarativas

As ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas,


tendo por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência
ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação
de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As
constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. Para Antunes Varela,
o que distingue os diversos tipos de ações declarativas é a natureza da decisão requerida
do órgão judiciário.70

a) Ações de simples apreciação:


Para José João Baptista, “As ações de simples apreciação não pressupõem qualquer
facto ilícito, mas apenas situações de dúvida ou incerteza que poderão vir a causar
prejuízos. Estas acções, pondo termo a estas situações, contribuem para prevenir litígios
e nessa medida tutelam bens jurídicos. Desempenham, assim, uma função preventiva
autónoma”.71
Esclarece Alberto dos Reis, “O que caracteriza a acção de simples apreciação e a
distingue da acção de condenação é a ausência de lesão ou violação do direito. A acção
de condenação pressupõe um facto ilícito, isto é, que o direito já foi violado; a acção de
simples apreciação é anterior à violação do direito ou tudo se passa como se o fosse. Na
acção de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe
imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação”.72
Não se pretende com a ação de simples apreciação a condenação do réu no
cumprimento de uma qualquer obrigação, mas apenas a verificação e declaração de que
um determinado facto juridicamente relevante ou um direito existem ou não existem.73
Daí que a sentença proferida em ação se simples apreciação não possa ser executada,

221
Alcídio Leão

nenhuma prestação se pode exigir ao réu uma vez que o tribunal se limita a considerar a
existência ou inexistência do direito.74
A ação de simples apreciação torna-se necessária perante uma situação que impeça uma
pessoa de beneficiar do pleno efeito útil normalmente proporcionado pela relação
material ou que lhe cause um dano patrimonial ou não patrimonial apreciável.75
O facto cuja existência ou inexistência se pretende ver declarada tem, porém, que ser
um facto jurídico e com relevância jurídica, não um facto neutral ou ajurídico (como a
declaração de ter ou não chovido em determinado dia do ano).76

As ações de simples apreciação podem ser positivas ou negativas:


I. Ação de simples apreciação positiva, é a que tem por fim a declaração de
existência de um direito. Por exemplo, no caso de um litígio relativamente à
titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel, que não se encontra
ocupado por nenhuma das partes, por exemplo por ter pertencido ao pai dos
contendores e o prédio estar arrendado, pode uma delas pedir que o tribunal
declare que é ele o proprietário de tal imóvel.
77 Como outros exemplos aponta José João Baptista a propositura de ação de
simples apreciação positiva para certificar que a mercadoria fornecida por um
comerciante está estragada ou que está em condições, para que se declare que um
documento é verdadeiro ou que é falso (Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 131).
Para Remédio Marquesm se, por exemplo, A., titular de um direito de usufruto, ou
de um direito de superfície, vê colocado em questão por B. o uso e fruição do
imóvel, por parte de A., embora sem que pratique quaisquer actos que o impeçam,
pode o mesmo intentar ação de simples apreciação positiva para que veja
reconhecido o seu direito e o consequente diteito de uso e fruição do imóvel
(Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 119). Vejam-se
ainda os vários exemplos apresentados por Ferreira de Almeida (Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 71-72).
II. Ação de simples apreciação negativa é a que tem por fim a declaração de inexistência
de um direito. Por exemplo, uma pessoa que pretende vender um prédio tem dificuldade
em fazê-lo porque um seu vizinho invoca que tem direito a servidão de passagem sobre
o mesmo prédio, o que obviamente desvaloriza o prédio. Aquele pode então solicitar
222
Alcídio Leão

que o tribunal declare que tal servidão não existe, uma vez que a afirmação do vizinho
lhe causa evidente prejuízo.78

Nos termos do art. 511º, nº 1, do CPC, nas ações de simples apreciação negativa
compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Assim, se o
vizinho da pessoa que pretende vender o prédio diz na vizinhança que tem um direito de
servidão de passagem sobre tal prédio, o dono do prédio apenas que tem que alegar que
tal direito não existe, e que a afirmação do vizinho lhe causa prejuízo. Já a existência do
direito de servidão de passagem terá que ser provada pelo vizinho que invoca a sua
existência.
Como já se referiu, a relevância da incerteza jurídica, nomeadamente o prejuízo que
dela resulta para o autor é elemento constitutivo do direito de ação, sendo inepta a ação
em que não se alegue tal prejuízo, ou a relevância da incerteza jurídica.79

b) Ações de condenação:
Segundo Antunes Varela, “Nas acções de condenação, o autor ou requerente,
arrogando-se a titularidade de um direito que afirma estar sendo violado pelo réu,
pretende que se declare a existência e a violação do direito e se determine ao réu a
realização da prestação (em regra, uma acção, mas podendo muito bem ser uma
abstenção ou omissão) destinada a reintegrar o direito violado ou a reparar de outro
modo a falta cometida”.80
As ações de condenação correspondem às chamadas ações de cumprimento previstas
nos arts. 751º e seguintes do Código Civil.81

Tal como acontece com as ações de simples apreciação, também aqui existe a
declaração de um direito do autor, mas a esse reconhecimento segue-se a condenação do
réu a reparar o direito violado ou a efetuar a prestação em dívida. Efetivamente, a ação
de condenação pressupõe que já foi praticado um facto ilícito (um incumprimento
contratual ou um ilícito extracontratual), pressupõe que o direito já foi violado,
constituindo uma reação contra essa violação, destinando- se a exigir a prestação que
deixou de ser prestada, ou a restauração da situação em função da violação do direito.82
223
Alcídio Leão

Ou seja, seguindo ainda Alberto dos Reis, “A acção de condenação é também uma
acção de apreciação; antes de condenar na prestação o juiz tem que apurar se o direito
do autor existe. Mas a apreciação aparece aqui como meio para se chegar a um fim
último: a condenação; ao passo que na acção de simples apreciação o fim único da
actividade jurisdicional é a apreciação”.83
A ação de condenação tem como finalidade obter do tribunal uma ordem, um comando
destinado ao réu para que este cumpra.84
A ação não pressupõe, porém, que já se tenha verificado a violação do direito, podendo
inclusivamente ser intentada apenas no pressuposto de posterior violação do direito.85
Ou seja, como explica Lebre de Freitas, “pressuposto lógico da condenação é a violação
dum direito, mas não é necessário que a violação esteja consumada à data do recurso a
juízo ou mesmo à data da sentença”.86
O melhor exemplo do que foi referido é constituído pela ação de reivindicação. Se uma
pessoa pretende obter a entrega de um imóvel que diz pertencer-lhe e que se encontra
ocupado por outra pessoa terá, antes de mais, que demonstrar que é o titular do direito
de propriedade sobre tal imóvel. Só depois de tal apreciação. Ou seja, só depois de o
tribunal constatar que o autor tem o direito de propriedade sobre o imóvel, poderá então
condenar o réu a entregar o aludido imóvel ao autor, que era o que efetivamente o autor
pretendia ao intentar a ação. Uma vez apreciado e confirmado o direito invocado pelo
autor e condenado o réu a proceder à entrega do imóvel ao autor, se aquele não cumprir
a ordem constante da sentença, pode o autor pedir a sua execução forçada, através do
processo executivo.
Segundo Remédio Marques, “As acções de condenação constituem, desta maneira, a
forma

c) Ações constitutivas:
Regressando à definição de Antunes Varela, “Nas acções constitutivas, o autor pretende
obter, com a coadjuvação da autoridade judicial, um efeito jurídico novo, que altera a
esfera jurídica do demandado, independentemente da vontade deste”.88

224
Alcídio Leão

O que se pretende aqui não é a condenação de ninguém em qualquer tipo de prestação.


Pretende-se apenas constituir uma nova relação jurídica, ou alterar ou extinguir uma
situação jurídica já existente. O autor não requer a condenação do réu, na medida em
que o efeito jurídico pretendido não depende da vontade do demandado. Porém, o
tribunal só pode conceder a providência requerida depois de verificar, se necessário
mediante julgamento, e sempre com audiência da parte contrária, se ocorrem os
requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento do direito invocado.89 Embora o
exercício dos direitos potestativos não esgote o campo das ações constitutivas, estas são
o meio de exercício judicial de tais direitos.90
Seguindo Lebre de Freitas, “perante o pedido de alteração das situações jurídicas das
partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas entre elas,
constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que, embora
fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença”.91
Enquanto nas ações de simples apreciação ou condenatórias se reconhece e aprecia uma
situação pré-existente, a ação constitutiva cria uma situação nova.92

44. As ações constitutivas podem dividir-se em ações constitutivas-


constitutivas, Ações

I. Ações constitutivas-constitutivas. Trata-se de casos em que se pretende obter a


criação de uma nova situação jurídica que não existia anteriormente. Por exemplo, se o
dono de um terreno não tem acesso ao mesmo, por o terreno não confrontar com
qualquer caminho público, não lhe sendo concedida passagem pelo dono do terreno
vizinho que confina com o caminho público, pode pedir ao tribunal que constitua uma
servidão de passagem sobre o terreno do vizinho por forma a poder aceder ao seu
terreno (arts. 1437º, nº 2, e 1440º, nº 1, do Código Civil).94 Neste caso, comprovada
pelo tribunal a necessidade de passagem pelo prédio vizinho,
independentemente da vontade do dono deste, pode o tribunal constituir uma situação
jurídica nova de servidão de passagem.

225
Alcídio Leão

II. Ações constitutivas-modificativas. Trata-se de casos em que se pretende obter a


modificação de uma situação jurídica já existente anteriormente. Por exemplo, o dono
de um terreno onerado com uma servidão de passagem a favor do terreno vizinho, pode
pedir ao tribunal que altere o lugar da servidão (o local por onde o beneficiário da
servidão passa), para outro lugar onde lhe cause menos prejuízo (art. 1458º, nº 1, do
Código Civil).95 Ou exemplo, ação de separação judicial de bens, nos termos do art.
1644º do Código Civil, caso em que se mantém a relação de casamento mas o regime de
bens do mesmo é modificado para a separação
absoluta de bens dos cônjuges. Mais uma vez, comprovados pelo tribunal os requisitos
legais (a má administração do outro cônjuge), independentemente da vontade do dono
deste, pode o tribunal alterar a relação jurídica do casamento.

III. Ações constitutivas-extintivas. Trata-se de causos em que se pretende obter a


extinção de uma situação jurídica existente. Por exemplo, o dono do prédio beneficiário
da servidão não usar a mesma durante o prazo de vinte anos, o dono do prédio serviente
(onerado com o direito de servidão do prédio vizinho), por pedir ao tribunal que declare
a extinção da servidão (art. 1459º, nº 1, al. b), do Código Civil).96 Numa ação de
divórcio também se extingue a relação de
casamento (art. 1664º do Código Civil).97 Para Alberto dos Reis e José João Baptista, a
ação de divórcio é simultaneamente extintiva do casamento e igualmente
constitutiva do estado de divorciado.98

45. Formas de processo declarativo

Nos termos do art. 347º, nº 1, do CPC, o processo de declaração pode assumir a forma
comum ou especial. Mais se acrescenta no nº 2 do mesmo artigo que o processo comum
é utilizado em todos os casos a que a lei não faça corresponder expressamente a forma
de processo especial. Ou seja, o processo comum aplica-se a todos os casos não
especificados na lei como correspondentes aos processos especiais. O processo comum

226
Alcídio Leão

constitui, pois, a regra, aplicando-se a todos os casos para os quais não está previsto
nenhum processo especial.99
Assim, para se determinar em certo caso se deve usar processo especial ou o processo
comum, deve utilizar-se, portanto, o seguinte método: vê-se, sobretudo no CPC, mas
também em leis avulsas, se algum tipo de processo se encontra especialmente previsto
para regular a situação em causa, caso não exista aplica-se o processo comum.100
Ou seja, o processo comum constitui a regra, enquanto o processo especial constitui a
exceção.101 Assim, os processos especiais são aplicáveis apenas aos casos
expressamente previstos em lei, são excecionais e taxativos (especificados na lei).102
São os seguintes os processos especiais previstos no CPC (art. 790º):
a) Interdição e inabilitação
b) Reforma de autos, documentos e livros;
c) Prestação de caução;
d) Divórcio e Separação de pessoas e bens;
e) Prestação de alimentos;
f) Revisão de sentença estrangeira;
g) Inventário;
h) Ação de indemnização contra magistrados.

A lei pode ainda criar expressamente outros processos especiais, para além dos
previstos no CPC.
Os processos especiais regulam-se por normas próprias e, subsidiariamente, pelas
normas do processo comum de declaração (art. 348º do CPC). Sendo omissas essas
normas, aplica-se o que dispõe o art. 1º, nº 2, do CPC).

227
Alcídio Leão

45.7. As ações executivas

Como já se referiu, a ação executiva visa a realização coerciva (forçada) do


direito já reconhecido ou declarado. Toda a execução tem por base um título (o título
executivo) que determina os seus fins e limites (art. 668º, nº 1, do CPC). Ou seja, a
execução não pode exceder o que consta do título, nem se pode executar coisa diversa
do que consta do título.
A ação executiva tem uma única forma de processo: o processo comum de execução
(art. 666º do CPC). Porém, de acordo com o seu fim, a ação executiva (execução) pode
destinar-se (art. 668º, nº 2, CPC):
a) ao pagamento de uma quantia certa (por exemplo, a execução decorrente de uma
sentença que condenou o réu no pagamento da quantia de $1000,00 USD);
b) a entrega de coisa certa (por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que
condenou o réu a entregar uma determinada casa); ou
c) a prestação de um facto positivo ou negativo:
Facto positivo: por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o
réu a realizar uma reparação numa casa:
Facto negativo: por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o
réu a demolir uma casa.
O elemento diferenciador, o que distingue os diversos tipos de ação executiva é, pois, o
fim da execução ou natureza da obrigação exequenda.103
Sem dúvida que o processo executivo para pagamento de quantia certa é o mais comum
e o mais importante, quer por ser a mais frequente, quer por nela se converterem com
frequência as execuções para entrega de coisa certa ou para prestação de facto.104
Porém, a falta de regulamentação específica para o processo executivo para entrega
de coisa certa ou para prestação de facto traz sérias dificuldades aos intervenientes
processuais, nomeadamente ao juiz, uma vez que, conforme alerta Castro Mendes, “a
classificação das execuções pelo fim tem profunda repercussão nas suas respectivas
formas, na marcha por que se desenvolvem”.105

228
Alcídio Leão

Efetivamente, o processo comum de execução foi forjado para a execução para


pagamento de quantia certa, pelo que não é possível encontrar no CPC, nas normas que
regulam o processo executivo, o procedimento a adotar para obter a entrega forçada de
uma coisa ou a prestação de um facto, seja positivo, seja negativo.
Assim, afigura-se adequado a adoção dos procedimentos previstos no Decreto-Lei
nº 32/2008, de 27 de Agosto, sobre Procedimento Administrativo, ao abrigo do disposto
no art. 1º, nº 2, als. b) e c), do CPC. Efetivamente, este diploma prevê expressamente
nos seus arts. 66º e
67º regras próprias para a execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto
que faz todo o sentido sejam seguidas nas execuções em processo civil, com as
necessárias adaptações.
Como processo executivo especial temos no ordenamento jurídico nacional o processo
de execução por custas e multa, previsto nos arts. 69º a 76º do Código das Custas
Judiciais.106

46. Princípios de processo civil

Conceito e relevância
Nos termos do art. 1º, nº 2, al. b), do CPC, uma das formas de integração das lacunas da
lei processual civil é o recurso aos princípios gerais da lei processual civil.
Os princípios de processo civil são resultantes das opções, ou as valorações
político-legislativas que em certo momento prevalecem no ordenamento jurídico.107
Como é óbvio, não existe uniformidade de opiniões na doutrina sobre quais são os
princípios mais relevantes do direito processual civil. Procurar-se-á, portanto fazer uma
síntese das várias posições doutrinais sobre a matéria.
Segundo Bento Herculano Neto, “os princípios jurídicos fundamentam todos os
compartimentos do direito, de modo a se tornarem alicerce das mais diversas
construções legislativas. Os princípios, também na ciência jurídica, funcionam como a
moldura que enquadra a obra, limitando-a e complementando-a, simultaneamente e com

229
Alcídio Leão

uma importância muitas vezes não enxergada”. Torna-se, por isso, imperioso estudar os
princípios que alicerçam o direito processual civil, “pois são eles que delineiam as
opções tomadas pelo legislador, tanto no plano constitucional como no
infraconstitucional.108

46.7. Princípio do dispositivo

A primeira regra do direito processual civil está contida no art. 7º do CPC (princípio do
pedido), nos termos do qual o tribunal não pode conhecer de qualquer litígio entre as
partes, sem que tal lhe tenha sido pedido por uma delas. Este pedido faz-se, como é
óbvio, através da petição inicial ou requerimento inicial.
Segundo Ferreira de Almeida, “O processo só se inicia sob o impulso ou iniciativa da
parte (autor, requerente, exequente), através do respetivo pedido (disponibilidade
do início do processo) e não sob o impulso do juiz.109
Trata-se de manifestação do princípio da livre disponibilidade dos direitos subjetivos.
Se o titular de um direito real, por exemplo, pode dele dispor livremente, pode
igualmente não se opor a que outra pessoa usufrua do seu bem, ainda que sem o seu
consentimento.110

O princípio do dispositivo tem consagração expressa no art. 220º, nº 1, do CPC, que


estatui 1que a iniciativa e o impulso processual incumbe às partes.111 Ou seja, as
partes devem não só pedir a resolução do litígio ao tribunal, como igualmente
ficam obrigada a impulsionar o processo, formulando os requerimentos necessários
ou legalmente exigidos para o decurso normal deste.112
Por outro lado, ainda nos termos do art. 7º do CPC, o tribunal só pode resolver os
litígios entre as partes dentro dos limites do pedido formulado.113 Assim, o juiz não
pode condenar em objeto diferente do pedido e para além do que foi pedido (art. 409º,
nº 1, do CPC), sob pena de nulidade da decisão (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC). Ou seja,
o pedido delimita o objeto da ação. No dizer de Bento Herculano Neto, “o princípio

230
Alcídio Leão

do dispositivo está consubstanciado, inicialmente, pela necessidade de provocação da


jurisdição e pela limitação do juiz à chamada litiscontestatio”.114
Daí que, se faltar ou for ininteligível o pedido a petição é inepta sendo nulo todo o
processo (arts. 155º, nº 2, al. a), e 349º, nº 1, al. e), do CPC). Para José João Baptista o
princípio do dispositivo comporta as seguintes consequências:
“- o processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a petição inicial
(autor)”,conforme o art. 7º do CPC;
“- as partes é que definem o objecto do processo, ou seja, a matéria da causa a decidir
pelo tribunal;
“- o desenvolvimento do processo tem de ser continuamente estimulado pelas partes;
“- as partes podem por termo ao processo (desistência da instância) e determinar o
conteúdo da sentença de mérito (confissão do pedido, transacção e desistência do
pedido) ”, conforme art.245º do CPC;
“- ao juiz não é consentido indagar, de modo autónomo, a verdade dos factos, pelo que
o processo se restringe aos factos alegados pelas partes”.115
Como manifestações deste princípio temos, assim, que o juiz não pode conhecer de
factos que não tenham sido alegados pelas partes (art. 412º do CPC), nem podendo
condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 409º do
CPC). Com o princípio do dispositivo liga-se o princípio da auto-responsabilidade das
partes, segundo o qual, na definição de José João Baptista, “as partes são as
responsáveis pela boa ou má condução do processo, visto que o processo nasce e
desenvolve-se por sua iniciativa e no seu interesse”.116
Conforme salienta Ferreira de Almeida, “Competindo às partes o accionamento dos
correspondentes meios de ataque e de defesa, serão também elas a suportar as
consequências negativas as suas eventuais omissões ou inércia, ou seja, uma decisão de
sentido desfavorável às suas pretensões ou posições”.117 Por exemplo, se a parte não
apresentar alegações do recurso que interpôs no prazo legal, o mesmo é considerado
deserto, dicando sem efeito (art. 243º, nº 2, do CPC).
Assim, temos o princípio da preclusão que impede a parte de exercer certo direito ou de
alegar certos factos ou direito se não o fizer nos prazos especialmente consignados para
231
Alcídio Leão

o efeito.118 Será o caso de o réu deixar decorrer o prazo perentório para a presentar a
contestação, que o impede de o fazer posteriormente.

46.8. Princípio do inquisitório

O princípio do inquisitório expressa a possibilidade do juiz intervir ativamente na


condução do processo por forma a alcançar a verdade material e, consequentemente, a
decisão mais justa para o caso. O princípio do dispositivo, embora assuma um caráter
preponderante no direito processual civil, tem importantes limitações, nomeadamente
consagradas no próprio art. 220º do CPC.
Assim, nos termos do nº 3 do referido art. 220º, o juiz tem o poder de realizar ou
ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da
verdade, quando aos factos que lhe é lícito conhecer.119
O princípio do inquisitório que tem particular relevância na instrução do processo. No
dizer de José João Baptista, “Segundo este princípio o processo não deve estar na total
disposição da vontade das partes, mas sim da vontade do juiz”.120
O juiz tem liberdade de instrução do processo, cabendo às partes o dever de colaborar
na descoberta da verdade material (art. 221º do CPC).121
Consagra-se, assim, o princípio da prevalência da verdade material sobre a verdade
formal.122 Como exemplos do princípio do inquisitório, entre muitos outros,
temos o art. 521º (inquirição oficiosa das partes), o art. 575º (inquirição oficiosa de
testemunhas), o art. 220º (produção oficiosa de provas), o art. 27º (regularização
oficiosa do processo).

Outra manifestação deste princípio encontra-se no art. 222º do CPC, nos termo do qual
cumpre ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa,
quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que se
mostrar necessário para o seguimento do processo.
Consagra-se aqui a direção formal do processo pelo juiz que o conduz da forma que
tecnicamente e de acordo com a sua estrutura interna se afigure mais correto.123

232
Alcídio Leão

O princípio do inquisitório tem, porém, como se vê, menor relevância, não sendo
frequente a intervenção oficiosa do juiz na marcha do processo, uma vez que são a
próprias parte quem tem 119 Relembre-se que o juiz só pode conhecer dos factos
alegados pelas partes, não podendo oficiosamente usar outros factos para fundamentar a
sua decisão (412º do CPC).1

46.9. Princípio do contraditório

O princípio do contraditório traduz a garantia de cada uma das partes de efetiva


participação em todos os atos do processo (art. 8º do CPC). Princípio estruturante do
processo civil, o princípio do contraditório consiste na possibilidade que é concedida a
ambas as partes de influenciarem a decisão judicial.125
Assim, a parte deve ser sempre ouvida antes de tomada qualquer decisão no processo
que a possa afetar. Deve ser sempre dada oportunidade à parte, contra quem é
formulado um pedido, invocado um argumento ou produzida uma prova, de se
pronunciar, não sendo proferida qualquer decisão antes de tal acontecer. Ou seja,
relembra-se, a possibilidade concedida às partes de influenciarem a decisão do tribunal.
O juiz não pode decidir quaisquer questões de facto ou de direito, sem as partes tenham
tido oportunidade de se pronunciarem sobre essas questões126 (exceto se tal for
expressamente consentido por lei, como pode ocorrer com algumas providências
cautelares).127
Para além da possibilidade de a parte poder responder aos argumentos da outra parte,
ela pode ainda pronunciar-se sobre a legalidade ou admissibilidade do pedido formulado
pela parte contrária (nomeadamente na produção de prova). Segundo Lebre de Freitas,
“Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido
como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da
participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em
plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de
direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em
qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a
decisão”.128
233
Alcídio Leão

46.10. O princípio do contraditório

enquadra-se no princípio do processo equitativo, 1enunciado no art. 14º do Pacto


Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque a 19
O princípio do contraditório funciona como essencial garante da ampla defesa (princípio
da ampla defesa) e até da igualdade processual, devendo o juiz zelar pela igualdade de
oportunidade de impugnação, pelos interessados, a tudo que ingresse nos autos.130
Daí que o princípio do contraditório enforme todo o processo civil e esteja presente em
todas as fases processuais.131
Manifestação deste princípio encontra-se na obrigatoriedade de a secretaria notificar
oficiosamente a parte contrária de todos os requerimentos apresentados pela outra, a
menos que o juiz entenda diferentemente e deva pronunciar-se previamente (como
acontece nas providências cautelares), bem como ambas as partes de todos os despachos
proferidos no processo, sempre com cópia dos requerimentos ou dos despachos, nos
termos dos arts. 190º, nº 2 e 3, e 191º, nº 2, e 3, do CPC.132
Outro exemplo, a parte tem o direito de contraditar a prova apresentada pela outra parte,
mas também pode opor-se à própria admissibilidade da prova requerida pela parte
contrária, pelo que os requerimentos de prova a produzir em julgamento devem ser
sempre notificados à parte contrária.133
Outra manifestação do princípio do contraditório é o princípio da audiência
contraditória, consagrado no art. 504º do CPC.

46.11. Princípio da igualdade das partes

O princípio da igualdade das partes encontra-se especialmente previsto no art. 9º do


CPC, o qual prescreve: O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um
estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades,
no uso de meios de defesa, na aplicação de cominações ou de sanções processuais, e
garantindo a assistência técnica pela Defensoria Pública nos termos da lei.134 Assim,
juiz tem o poder/dever de tomar todas as medidas necessárias a que efetivamente se
assegure este princípio. Trata-se de um reflexo do princípio da igualdade, consagrado no
234
Alcídio Leão

art. 16º da Constituição, e do princípio do processo equitativo consagrado no já


analisado art. 14° do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos.
Conforme salienta Remédio Marques, “Este princípio processual decorre naturalmente
da ideia de contraditório. E serve ele para exprimir a ideia de que, ao longo de todo o
processo, as partes devem ser tratadas à luz de um estatuto de igualdade substancial
(mesmo que haja uma desigualdade de meios económicos ou desigualdade de poder no
tráfego jurídico)”.135 A possibilidade de intervenção da Defensoria Pública visa
precisamente obviar a que a desigualdade económica possa afetar o princípio da
igualdade das partes. Segundo José João Baptista, através deste princípio
“procurou-se conceder uma certa protecção aos mais

desfavorecidos economicamente, pois a igualdade não deve ser apenas jurídica mas
também prática”.136
Contudo, o princípio da igualdade das partes não contende (nem pode contender) com o
dever de imparcialidade do tribunal.137
Tal como se sublinhou no Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal nº 358/98, “o
processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um
processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer
valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este
tome a sua decisão. É o direito
de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade”.138 E, por
isso, cada 134 A assistência das partes em processo civil pela Defensoria Pública
encontra-se regulamentada no Estatuto da Defensoria Pública Decreto-Lei nº 38/2008,
de 29 de Outubro.
135 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 199. Veja-se
ainda Freitas, Introdução ao
uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal (princípio do
contraditório). E deve poder fazê-lo em condições que a não desfavoreçam em
confronto com a parte contrária (princípio da igualdade de armas).139
A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, mais do que significar igualdade
de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre que
235
Alcídio Leão

as partes têm de dispor de idênticos meios processuais para litigar de idênticos direitos
processuais. O processo civil tem estrutura dialética ou polémica, pois que assume a
natureza de um debate ou discussão entre as partes. E estas (repete-se) devem ser
tratadas com igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre iniciativa e do
ditame da livre apreciação das provas pelo julgador constituem, assim, traves mestras do
processo o princípio do contraditório e o da igualdade das partes (igualdade de armas).
O princípio do contraditório (audiatur et altera pars), enquanto princípio reitor do
processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de deduzir as suas
razões (de facto e de direito), de oferecer as suas provas, de controlar as provas do
adversário» e de «discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.140
Os princípios da igualdade das partes e do contraditório assumem dignidade
constitucional por derivarem do princípio do Estado de direito.141

46.12. Princípio da legalidade

Segundo o princípio da legalidade a tramitação do processo deve obedecer ao que


consta do CPC, não podendo o juiz ou as partes decidir livremente quais os trâmites que
o processo deve seguir. Daí que a preterição de formalidades essenciais impostas pela
lei processual ou a prática de atos não admissíveis segundo a lei possa conduzir à
nulidade dos atos do processo.142

46.13. Princípio da celeridade processual

Segundo Lebre de Freitas, “O entendimento do direito de acesso à justiça como direito


efectivo à jurisdição implica ainda que a resposta judicial à pretensão deduzida tenha
lugar em prazo razoável, pois uma decisão ou uma providência executiva tardia
pode equivaler à denegação de justiça”.144 Nos termos do art. 6º do CPC, nenhum
juiz pode recusar-se a realizar audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos
tribunais em conformidade com as disposições deste Código.145

236
Alcídio Leão

Ou seja, constitui denegação de justiça a falta de resposta à pretensão. Embora se trate


essencialmente de atender ao interesse do autor (ou do réu reconvinte), o réu também
pode ter prejuízo com o prolongar indevido do processo, face à situação de indefinição
que acarreta.146
Contudo, o princípio da celeridade processual não pode por em causa a necessidade de
ponderação, que exige o tempo necessário à averiguação completa da verdade e à
análise da relação jurídica controvertida.147
A violação do princípio da prolação de decisão em prazo útil pode fazer incorrer o
Estado em obrigação de indemnizar a parte que sofra prejuízos com tal atraso, nos
termos do art. 435º do Código Civil.148 Efetivamente, a utilidade económica e a
consistência jurídica da decisão do tribunal podem ficar seriamente comprometidas com
a demora da decisão.149

46.14. Princípio da economia processual

Relacionado com o princípio da celeridade processual, impõe o art. 102º do CPC que
não é lícito realizar no processo atos inúteis, incorrendo em responsabilidade
disciplinar os funcionários que os pratiquem, acrescentando-se no art. 103º, nº 1, que os
atos processuais terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim
que visam atingir. Por outro lado, as partes tem, porém, o dever de, conscientemente,
não requerer diligências meramente dilatórias (art. 220º, nº 2, do CPC), devendo o juiz
remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando
o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que se mostrar
necessário para o seguimento do processo (art. 222º do CPC).
O princípio da economia processual exige que cada processo resolva o maior
número possível de litígios (economia de processos), daí a possibilidade de coligação
para a apreciação de diversos litígios (diversas relações jurídicas) conexos (art. 34º do
CPC), ou a possibilidade de dedução de reconvenção (uma pretensão do réu deduzida
contra o autor na mesma ação intentada por este contra aquele), prevista no art. 229º do
CPC, para além das diversas situações de suprimentos de irregularidades processuais
previstas na lei processual. Por outro lado, o princípio da economia processual impõe
237
Alcídio Leão

que o processo comporte apenas os atos e formalidades indispensáveis ou úteis para o


fim que se pretende, como se referiu supra (economia de atos e formalidades).150 Ou
seja, o princípio da simplificação, na expressão de Martins Leitão.151
O art. 224º do CPC consagra o princípio da estabilidade da instância estipulando que,
citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa
de pedir, salvas as possibilidades de modificação previstas na lei. Este princípio contém
inúmeras exceções, expressamente previstas no CPC, como a modificação quanto às
pessoas, mediante os incidentes de habilitação ou de intervenção de terceiros (arts. 225º
a 227º),152 quanto ao pedido e causa de pedir mediante alteração ou ampliação do
pedido ou da causa de pedir, ou mediante dedução de reconvenção (arts. 228º e 229º do
CPC).

46.15. Princípio do juiz natural

A competência do Tribunal fixa-se com a interposição e distribuição da ação, não


podendo ser criados Tribunais Especiais para a apreciação de uma ação em concreto. Se
a ação foi proposta em Tribunal competente, segundo a lei então em vigor, esse
Tribunal continuará a ser competente para julgar a ação até final.
A independência dos tribunais articula-se e complementa-se com a garantia da
independência dos juízes (art. 121º, nº 2, da Constituição) no exercício da função
jurisdicional de que são os únicos titulares (art. 121º, nº 1, da Constituição), a garantia
da inamovibilidade (art. 121º, nº 3, da Constituição) que reserva ao Conselho Superior
da Magistratura a nomeação, colocação, transferência, promoção e ação disciplinar (art.
128º da Constituição) e, por fim, a garantia da irresponsabilidade “pelos seus
julgamentos e decisões” (art. 121º, nº 4, da Constituição).153

Daqui não resulta que não possa haver a substituição do juiz titular do processo desde
que tal substituição resulte do normal funcionamento dos tribunais, como em resultado
de movimento de juízes no âmbito do movimento judicial, ou no caso de exoneração,
doença prolongada ou falecimento do juiz. O que não se pode é afastar o juiz para que
determinado processo seja entregue a outro juiz.

238
Alcídio Leão

Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “Este princípio também é inerente à jurisdição,
configurando uma garantia em prol do cidadão, de forma a que seja protegido em face
de eventual parcialidade judicial”.154
Nos termos do art. 123º, nº 2, da Constituição, são proibidos os tribunais de exceção e
os tribunais especiais para certo tipo de julgamentos.155 Manifestação deste princípio
encontra-se na forma de distribuição dos processos, por meio de sorteio, conforme
imposto pelos arts. 178º, nº1, e 179º, nº 1, do CPC.

46.16. Princípio do duplo grau de jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade de as decisões dos


tribunais poderem ser apreciadas, do ponto de vista da matéria de facto e da matéria de
direito, por um tribunal superior. Ou seja, a possibilidade de as decisões dos tribunais de
primeira instância serem objeto de recurso.
Este princípio encontra-se genericamente consagrado no art. 428º, nº 1, do CPC (é
permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade
não estiver prevista na lei). Porém, como acontece com a maioria dos princípios
processuais, também comporta exceções. Assim, só é admissível recurso ordinário nas
causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as
decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também
superior a metade da alçada desse tribunal (arts. 428º, nº 2, e 917º,nº 1, do CPC).156
Seguindo Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “O duplo grau de jurisdição consiste
numa garantia concedida ao jurisdicionado, destinada a lhe propiciar uma maior
segurança. … a competência recursal é exercida, por excelência, por órgãos colegiados,
o que implica em tese, em uma melhor apreciação da matéria”.157

239
Alcídio Leão

46.17. Princípio da cooperação

O princípio da cooperação, com expressão nos arts. 221º e 506º, nº 1, do CPC, impõe a
cooperação de todos os intervenientes no processo, incluindo aqueles que não são parte
(como testemunhas, peritos, etc.), de boa fé, para a descoberta da verdade material, sob
pena de serem condenados em multa (art. 506º, nº 2, do CPC).158 No dizer de Ferreira
de Almeida, “Trata-se, no fundo, de uma directriz ou, se se quiser, de uma ‘regra
programática’, orientadora da conduta processual, não apenas dos magistrados, como
também dos mandatários judiciais e das próprias partes”.159
Apontando os fins pretendidos com este princípio refere Lebre de Freitas: “O apelo à
realização da função processual aponta para a cooperação dos intervenientes no
processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base
nela, se obter a adequada decisão de direito. O apelo ao prazo razoável aponta para a sua
cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as condições para que
essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do
processo, ou, na acção executiva, para que
156 A alçada dos tribunais de primeira instância encontra-se fixada, neste momento, em
mil dólares americanos (art.917º, nº 1, do CPC).
tenham lugar com brevidade as providências executivas. No primeiro sentido, poder-se-
á falar
duma cooperação em sentido material; no segundo, duma cooperação em sentido
formal”.160
Contudo, como lembra Ferreira de Almeida, “O dever de cooperação tem, porém, como
limites fundamentadores de recusa legítima: por um lado, o limite absoluto do respeito
pelos direitos fundamentais, tais como o direito à integridade pessoal, o direito à reserva
da vida privada e familiar e o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência
e das telecomunicações” (art. 30º, nº 1, 36º e 37º, nº 1, da Constituição); “por outro, o
respeito pelo direito ou dever der sigilo (sigilo profissional e religioso, sigilo dos
funcionários públicos e segredo de Estado), salva a possibilidade de escusa em caso de
colisão de deveres”.161

240
Alcídio Leão

Consequência do princípio da cooperação é a proibição da má fé processual, prevista no


art.662º do CPC. Esclarece o nº 2 deste preceito: Diz-se litigante de má fé quem, com
dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de
fundamento não devia ignorar; b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos
relevantes para a decisão da causa; c)Tiver praticado omissão grave do dever de
cooperação; d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente
reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade,
entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da
decisão.

46.18. Princípios relativos à prova

46.18.1. Princípio da aquisição processual


O princípio da aquisição processual, consagrado no art. 502º do CPC, constitui
manifestação do princípio da verdade material, consagrando que no julgamento da
matéria de facto o tribunal deve considerar e atender a todas as provas produzidas nos
autos, ainda que estas aproveitem à parte contrária relativamente a quem as
apresentou.162 Ou seja, toda a prova apresentada fica adquirida no processo, sendo
validamente utilizável na decisão final, independentemente de
quem a tenha produzido.163 Concretizando, acrescenta Martins Leitão, “a parte
apresentante não pode renunciar às provas que juntou aos autos.164 Embora os factos
tenham que ser alegados pelas partes (art. 412º do CPC) o juiz pode ordenar quaisquer
diligências de prova que se afigurem necessárias ao apuramento de tais factos (art. 220º,
nº 3, do CPC), podendo, por maioria de razão, usar todas as provas que se encontrem no
processo, independentemente de quem as apresentou. No entanto, ainda que não tenham
sido alegados pelas partes, pode ainda o juiz considerar os factos notórios e
instrumentais, tal como previsto no art. 391º do CPC.

46.18.2. Princípio da livre apreciação


No direito processual civil timorense vigora o princípio da livre apreciação da prova.
Nos termos do art. 503º do CPC, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é
241
Alcídio Leão

apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal. No mesmo


sentido veja-se o art.403º, nº 1, do CPC.
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória
é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a
liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base
apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua
individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.165
Na definição de Lebre de Freitas, “o princípio da livre apreciação da prova significa que
o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua convicção,
formada no confronto dos vários meios de prova”.166
A livre apreciação da prova e o grau de discricionariedade implícito na formação do
juízo e valoração do julgador não se confunde, porém, com o mero arbítrio.167 A livre
ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjetiva ou emotiva, e,
por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objetivada e logicamente motivada,
de forma a susceptibilizar controlo.
Como exceções a este princípio pode-se invocar o valor probatório pleno dos
documentos autênticos e a limitação de prova à prova documental, previstos
respetivamente nos arts. 581º, nº1, e 578º, nº 1, do CPC.
Daí que, nos termos do art. 401º, nº 2 e 3, do CPC, a matéria de facto seja decidida por
meio de acórdão ou de despacho, consoante o julgamento incumbir a tribunal coletivo
ou a juiz singular, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos
que foram decisivos para a convicção do julgador.168
Ou seja, conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, “O tribunal deve indicar os
fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da
experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do
facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a
obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que
o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão, fundamentação, o juiz passa de
convencido a convincente”.169

242
Alcídio Leão

46.18.3. Princípios relativos à audiência e produção de prova

46.18.4. Princípio da imediação


Segundo o princípio da imediação, os atos de produção de prova devem ter lugar
perante o tribunal a que compete o julgamento da decisão de facto, nisto consistindo
o princípio da imediação.170 Veja-se neste sentido o disposto no art. 400º, nº 3, do
CPC.
Como já se referiu, nos termos do art. 401º, nº 2 e 3, do CPC, a matéria de facto seja
decidida por meio de acórdão ou de despacho, consoante o julgamento incumbir a
tribunal coletivo ou a juiz singular, analisando criticamente as provas e
especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Acrescenta-se no art. 555º, nº 1, do CPC, que as testemunhas depõem na audiência
final.
Segundo Martins Leitão, “o princípio da imediação consiste no contacto directo entre o
julgador (quem decide a acção), as partes e as testemunhas (quem fornece os
principais elementos de prova que interessam à decisão)”.171
Segundo Ferreira de Almeida, “O princípio da imediação decorre logicamente dos
princípios da prossecução da verdade material e da livre apreciação das provas, uma vez
que ambos reclamam um contacto directo (imediação) do tribunal com os diversos
intervenientes no processo e com a respectiva actividade alegatória/probatória, com
vista a proporcionar ao julgador uma melhor apreciação, ou seja, um juízo mais
correcto acerca da veracidade ou falsidade de uma dada afirmação ou alegação
fácticas”.172
Efetivamente, o contacto direto entre o juiz e as testemunhas permite ao juiz fazer
perguntas que entenda pertinentes e não formuladas pelas partes, nomeadamente para
aferir a própria credibilidade da testemunha, analisar a reação desta (por vezes
meramente facial ou gestual) às perguntas ou ao desenrolar do depoimento, o que não
seria possível perante por exemplo, prova escrita.173
Como exceção a este princípio temos as situações previstas no já referido art. 555º, nº 1,
do CPC.

243
Alcídio Leão

46.18.5. Princípio da concentração

Nos termos do art. 404º, nº 2, do CPC, a audiência é contínua, só podendo ser


interrompida por motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos
previstos no nº 4 do artigo 398º, no nº 2 do artigo 399º e no nº 2 do artigo 402º.
Em cumprimento dos princípios da economia processual e da imediação, o princípio da
concentração impõe que os atos processuais de produção de prova se realizem
seguidamente e com o menor intervalo de tempo possível entre eles.174
O princípio da continuidade da audiência implica que todos os atos de produção de
prova se realizam durante uma única audiência de discussão e julgamento e que esta
deve ser contínua, ou seja, não se devendo iniciar-se outro julgamento sem se concluir o
já iniciado.175 Assim, se não for possível concluir a audiência no mesmo dia em que se
iniciou, o presidente marcará a continuação para o dia imediato, se não for domingo ou
feriado, mas ainda que compreendido em férias, e assim sucessivamente, sendo os
julgamentos já marcados para os dias em que a audiência houver de continuar são
transferidos de modo que o tribunal, salvo motivo ponderoso, não inicie outra sem
terminar a audiência iniciada (art. 404º, nº 2 e 3, do CPC).
Acrescenta Remédio Marques, “O apuramento dos factos e o valor a conceder à prova
produzida exigem uma concentração temporal e uma concentração espacial”.176
Porém, conforme salienta Martins Leitão, face ao elevado volume de serviço e
imprevisibilidade da demora na realização dos julgamentos, no caso de não se conseguir
concluir a audiência de julgamento no mesmo dia, dificilmente se consegue cumprir
esta obrigação.177

46.18.6. Princípio da oralidade

Ainda relacionado com a produção da prova, determina o art. 400º, nº 3, do CPC, que as
provas devem ser produzidas em sessão de atos orais (essencialmente durante a
audiência de julgamento).

244
Alcídio Leão

Segundo Ferreira de Almeida, “o princípio da oralidade significa que os actos de


instrução, discussão e julgamento da matéria de facto se devem fazer de seguida e
oralmente (de viva voz)”.178
O princípio da oralidade significa uma prevalência da palavra como meio de expressão,
em detrimento da escrita. Ou seja, embora exista prova escrita, prevalece a oralidade da
discussão da causa.
Porém, conforme acentua Remédio Marques, “Ele significa, igualmente, a
proibição de reduzir a escrito os actos que tenham lugar oralmente”.179 Assim, fora
dos casos previstos no art.570º, nº 1, do CPC, não são admitidos depoimentos
testemunhais por escrito.
Devido à imediação e oralidade na produção da prova, só podem intervir na decisão da
matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e
discussão praticados na audiência final (art. 402º, nº 1, do CPC).
Assim, se algum dos juízes falecer ou ficar definitivamente impossibilitado de
prosseguir o julgamento, terão que se repetir todos os atos já praticados (art. 402º, nº 2,
do CPC).
A violação deste princípio gera nulidade processual, nos termos dos arts. 163º, nº 1,
167º e 168º, nº 3, do CPC.180

46.18.7. Princípio da publicidade


Nos termos do art. 404º, nº 1, do CPC, a audiência é pública, salvo quando o tribunal
decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das
pessoas e da moral pública, ou para garantir o seu normal funcionamento. O princípio
da publicidade tem dignidade constitucional, conforme o art. 131º da Constituição. A
exigência consta igualmente do art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do
Homem.181
O princípio da publicidade pretende garantir a transparência da função judicial, “a fim
de evitar o arbítrio do secretismo e permitir o controlo público da boa administração da
justiça.182

245
Alcídio Leão

Segundo Remédio Marques, “Este princípio processual assenta na ideia de controlo


popular dos tribunais, que são, como se sabe, órgãos de soberania; permite combater a
desconfiança na (independência e na imparcialidade) administração da justiça; e permite
reforçar a legitimidade democrática de que se revestem as decisões dos tribunais,
embora os juízes não sejam eleitos por sufrágio directo e universal”.183
Quanto mais se tornar público o serviço prestado, maior será o seu acompanhamento e
181 Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e
publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus
direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra
ela seja deduzida.

46.19. fiscalização.
Como exceção ao princípio da publicidade temos as situações em que a publicidade
possa ofender a dignidade das pessoas, a intimidade da vida privada ou familiar,
como poderá acontecer nas ações relativas ao estado das pessoas, nomeadamente em
ações de divórcio, de investigação de maternidade ou de paternidade, de regulação do
poder paternal, etc.; ou as situações em que a publicidade possa por em causa a eficácia
da decisão, como pode ocorrer em algumas providências cautelares, nomeadamente o
arresto.185
Porém, a restrição à publicidade refere-se apenas à discussão e instrução da causa, mas
não à audiência em que se decide a matéria de facto, revestindo aqui o princípio caráter
absoluto.186
O princípio da publicidade manifesta-se ainda na no direito de acesso ao
processo, consagrado no art. 132º do CPC, bem como à possibilidade de divulgação
pública, através dos meios de comunicação social do teor dos atos processuais e do que
ocorreu no decurso da audiência.187

46.20. Princípio da submissão ao direito substantivo

Segundo o princípio da submissão ao direito substantivo, o processo não pode conduzir


a resultados que a lei substantiva proíba. Trata-se de consequência da natureza
246
Alcídio Leão

instrumental do processo, que o sujeita a limitações decorrentes do direito


substantivo.188
Segundo Castro Mendes, “se a vontade das partes não pode conseguir certo efeito
jurídico fora do processo, não deve ser lícito à pura vontade das partes conseguir tal
efeito através de actuações processuais: não o deve ser nem directamente, nem
indirectamente, nem eventualmente”.189
Manifestação deste princípio encontra-se na impossibilidade de confissão, transação, ou
desistência relativamente a direitos indisponíveis, como o direito de alimentos (arts.
251º, nº 1.

47. Capítulo II – Pressupostos Processuais

47.7. Conceito
Pressupostos processuais são os requisitos de cuja verificação depende o dever de o juiz
proferir decisão de fundo, sobre o pedido, concedendo ou negando a providência
requerida.
Parte é a pessoa pela qual e contra a qual é requerida a providência judiciária, através da
ação. Embora a parte seja determinada com relação ao direito substantivo, não se
confunde com a titularidade do direito (a ação pode precisamente visar a determinação
da titularidade de um direito).
Parte é a pessoa, singular ou coletiva, que, na petição inicial ou no requerimento inicial,
aparece indicada como demandante ou demandada.

47.8. Personalidade judiciária ou processual

Conceito e medida da personalidade judiciária


Nos termos do disposto no art. 10º, nº 1, do CPC, a personalidade judiciária consiste na
suscetibilidade de ser parte. A personalidade judiciária consiste na possibilidade de

247
Alcídio Leão

requerer ou contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das providências de


tutela jurisdicional reconhecidas na lei.
O critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da
correspondência (princípio da coincidência ou equiparação) entre a personalidade
jurídica (ou capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária. Esse princípio
está consagrado no art. 10º, nº 2, do CPC. Nos termos do art. 63º, nº 1, do Código
Civil, a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e
com vida.190
A personalidade jurídica só cessa com a morte e a ninguém pode ser retirada a
personalidade jurídica (arts. 65º, nº 1, e 64º do Código Civil).191
Relativamente às pessoas coletivas:

 Para as sociedades comerciais a personalidade jurídica adquire-se com o registo


do seu ato constitutivo (art. 4º da Lei sobre Sociedades Comerciais).192

 As associações civis gozam de personalidade jurídica após a sua constituição por


escritura pública (arts. 150º, nº 1, e 159º do Código Civil).193

 As fundações carecem de reconhecimento da autoridade administrativa (arts.


150º, nº 2, do Código Civil).194

47.9. Extensão da personalidade judiciária

Por razões de ordem prática, há, todavia, exceções ao referido princípio da coincidência,
todas elas orientadas no sentido estender a personalidade judiciária a quem não goza de
personalidade jurídica. É aquilo a que se chama extensão da personalidade judiciária.
São os casos previstos nos arts. 11º, 12º e 13º do CPC. Assim:
A herança jacente (herança aberta mas cujos titulares ainda não estão determinados ou
porque não se sabe se há sucessíveis ou porque os sucessíveis, embora conhecidos, anda
não a aceitaram) embora carecida de personalidade judiciária, pode propor ações em
juízo (de reivindicação, confessórias de servidão, de cobrança de dívidas, etc.)
sendo a herança a verdadeira parte na ação e não o sucessível (herdeiro), o curador ad
248
Alcídio Leão

hoc ou o Ministério Público1 Os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não


estiver determinado, que gozam de igual tratamento, são constituídos por aqueles bens
ou massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas
testamentárias a nascituros).195
O mesmo tratamento têm também as associações sem personalidade jurídica, e as
comissões especiais; as sociedades civis (conjunto de pessoas, ao qual não seja
reconhecida personalidade jurídica); as sociedades comerciais, até à data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem; os navios, nos casos previstos em
legislação especial.
As sucursais, agências, filiais ou representações podem também demandar
ou ser demandadas, quando a ação proceda de facto por elas praticado.
Estas entidades, como meros órgãos de gestão local dentro da estrutura da sociedade ou
pessoa coletiva, não gozam de personalidade jurídica porque não constituem sujeitos
autónomos de direitos e obrigações. Apesar disso, no art. 12º, nº 1, a lei reconhece-lhes
personalidade judiciária sempre que, como se disse, a ação proceda de facto por elas
praticado.
Trata-se, por exemplo, de uma ação destinada a obter o pagamento (amortização de
capital e juros) de um empréstimo concedido a um cliente do BNU Caixa Geral de
Depósitos, pela filial de Baucau. Apesar de o mutuante ser o BNU, cuja representação
cabe ao conselho de administração da sede (que é em Díli), a filial de Baucau goza de
personalidade judiciária para propor a ação (ou para ser demandada), porque a ação
nasce de um ato praticado pela referida filial (a concessão do empréstimo). A decisão
que vier a ser proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial
diretamente demandada, mas também contra o próprio BNU.
Mais ainda, no caso de a pessoa coletiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país
estrangeiro, a lei, no art. 12º, nº 2, do CPC, amplia a esfera da personalidade judiciária
das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Timor-
Leste. Nesse caso, mesmo que a ação proceda de facto praticado pela administração
principal, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em
Timor-Leste, terão personalidade judiciária quer para demandar quer para ser
demandadas, se a obrigação a que se refere a ação195 Art. 63º, nº 2, do Código Civil.
Veja-se no mesmo sentido o art. 2º do CCI.
249
Alcídio Leão

tiver sido contraída com um timorense ou com um estrangeiro domiciliado em Timor-


Leste.
De acordo com o preceituado no art. 13º, nº 1, do CPC, a pessoa coletiva ou sociedade
que não se ache legalmente constituída, mas que proceda de facto como se o estivesse,
não pode opor, quando demandada, a irregularidade da sua constituição; mas a ação
pode ser proposta só contra ela, ou só contra as pessoas que, segundo a lei, tenham
responsabilidade pelo facto que serve de fundamento à demanda, ou simultaneamente
contra a pessoa coletiva ou sociedade e as pessoas responsáveis.
Ou seja, a pessoa coletiva ou sociedade nas referidas condições não pode propor ações
mas pode ser demandada (isto é, as sociedades irregulares têm personalidade judiciária
passiva mas não têm personalidade judiciária ativa, exceto no caso da dedução de
reconvenção). De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, sendo demandada a pessoa
coletiva ou sociedade, é- lhe lícito deduzir reconvenção (art. 379º do CPC).

47.10. Consequências da falta de personalidade judiciária

A falta de personalidade judiciária, em princípio, não é sanável ou removível e constitui


uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 372º, nºs 1 e 2, 373º, nº 1, al. c), e
374º do CPC).
Há todavia, alguns casos em que a sua falta pode ser suprida, embora não
expressamente previsto na lei. Será, nomeadamente, o caso de a ação ter sido proposta
por uma sucursal, agência, filial, delegação ou representação fora do condicionalismo
do citado art. 12º. Quando tal suceda, deve o juiz fixar o prazo dentro do qual a
administração principal poderá sanar o vício, intervindo ela na ação e ratificando os atos
anteriormente praticados, sob pena de o réu ser absolvido da instância (art. 222º do
CPC).
Fora desses casos, deve ser fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, se,
sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no primeiro despacho a proferir no processo
(art.355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no despacho saneador, deve dar lugar à
absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a) e 240º, nº 1, al. c), do CPC).

250
Alcídio Leão

48. Capacidade judiciária ou processual

48.7. Conceito e medida


Para que o juiz possa apreciar o pedido, concedendo ou negando a providência
requerida, não basta que as partes tenham personalidade judiciária; é também preciso
que tenham capacidade judiciária ou, não a tendo que se encontrem devidamente
representadas ou autorizadas.
A capacidade judiciária, prevista no art. 14º, nº 1, do CPC, consiste na possibilidade de
estar, por si mesmo, em juízo.
Tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos (art. 14º, nº 2, do CPC
e art.64º do Código Civil).Verifica-se em relação aos cidadãos maiores, homens ou
mulheres, nacionais ou estrangeiros, que não só podem ser partes na ação como podem
estar diretamente em juízo, por si mesmo ou através de representantes por eles
escolhidos.
Já o mesmo não sucede com os menores ou os interditos que, tendo embora
personalidade judiciária, não podem estar por si mesmos em juízo.
Assim, gozando embora de personalidade judiciária, não podendo estar por si em juízo,
as pessoas (interditos, menores, inabilitados) destituídas de capacidade judiciária,
necessitam que seja suprida essa sua incapacidade.
O suprimento é garantido através do representante legal ou do curador, de acordo com
as prescrições do direito civil.
Tratando-se de menor ou interdito, o incapaz é substituído, quer como autor (desde
a propositura da ação), quer como réu (desde a citação), pelo seu representante legal.
Tratando- se de simples inabilitado, o incapaz é assistido pelo respetivo curador, exceto
quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente (vejam-se os artes. 15º a 18º,
inclusive, do CP).
O representante legal (quer se trate dos pais quer do tutor) age em lugar do incapaz. O
curador atua ao lado do inabilitado, dando a autorização necessária à validade dos atos
por este praticados. Sendo a ação proposta contra o inabilitado, terá o incapaz de ser
citado, tal como o curador, visto ser ele quem fundamentalmente está em juízo (arte.
18º, nº 1, do CP). Porém, como os seus atos necessitam de autorização ou de
251
Alcídio Leão

ratificação do curador, concede-se prevalência à orientação deste, no caso de


divergência com o incapaz (arte. 18º, nº 2, do CP).
Pode no entanto suceder que o incapaz não tenha representante ou curador, na altura em
que há necessidade de propor ação em nome dele ou contra ele.
Haverá que promover então a nomeação desse representante geral ou do curador, junto
do tribunal competente, tendo legitimidade para a requerer as pessoas indicadas no art.
16º, nº 4, e devendo o Ministério Público ser ouvido, sempre que não seja o requerente
da nomeação (nº 5 do arte. 16º).
Se, porém, houver urgência na nomeação, que se não compadeça com a demora
inevitável do processo normal de escolha do representante geral ou do curador, pode
promover-se, no próprio tribunal da causa, à nomeação de um curador provisório, que
fica incumbido de representar o incapaz provisória ou temporariamente, apenas e
enquanto não é designado e investido o representante geral, cuja nomeação deve ser
requerida no tribunal competente, logo que a ação seja proposta (art. 16º, nº 1).

48.8. Anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária

As anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária podem


traduzir-se na incapacidade judiciária ou na irregularidade de representação.
A incapacidade judiciária, se não for suprida, provoca a absolvição da instância,
devendo o juiz abster-se de conhecer do pedido (arts. 386º, nº 1, al. a) e 240º, nº 1, al. c),
do CPC).
A incapacidade judiciária pode ser fundamento de indeferimento liminar da petição
inicial, se, sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no primeiro despacho a proferir
no processo (art.355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no despacho saneador,
deve dar lugar à absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a), e 240º, nº 1, al. c),
do CPC).

252
Alcídio Leão

Ou seja, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, em


obediência ao disposto no art. 240º, nº 1, al. c), quando entenda que alguma das partes,
sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada.
Assim poderá ocorrer quando, por exemplo, sendo o autor um menor, a ação tiver sido
diretamente proposta por ele, ou pelo pai ou apenas pela mãe, sendo ambos os
progenitores vivos e não se tendo procurado obter o consentimento do outro cônjuge. E
assim poderá ocorrer também quando, sendo o réu um interdito, a ação tiver sido
instaurada diretamente contra ele.
Se, não sendo a falta ou irregularidade de representação transparente no texto da petição
inicial e esta não tiver sido liminarmente indeferida, pode a falta ou irregularidade ser
sanada posteriormente (arts. 26º, 27º e 28º do CPC).
O juiz deve mesmo, de acordo com o art. 27º, nº 1, oficiosamente (isto é, por sua
iniciativa) providenciar pela sanação do vício e fixar o prazo dentro do qual deve ser
sanado.Se o vício não for sanado dentro do prazo fixado e a falta ou irregularidade
respeitar ao autor, o réu será absolvido da instância. Respeitando a falta ou
irregularidade ao réu, o processo prosseguirá à revelia dele. O vício existente ficou
devidamente sanado (corrigido), desde que se deu ao representante legítimo do
incapaz a possibilidade de deduzir defesa. Se este a não aproveitou, a culpa é do
representante do réu e não do autor.

Para que a falta ou irregularidade de representação se considerem sanadas, não basta, no


entanto, a intervenção na ação do representante legítimo do incapaz. A ação só
prosseguirá, como se o vício não tivesse existido, se o representante legítimo ratificar os
atos anteriormente praticados; de contrário, ficará sem efeito todo o processado
posterior ao momento em que a falta ocorreu (art. 26º, nº 2 do CPC).

Têm-se levantado dúvidas na doutrina acerca do alcance preciso da sanção aplicável à


falta de ratificação, por parte do representante legítimo, dos atos anteriormente
praticados.
No entanto, tem-se vindo a considerar que, se a falta ou irregularidade se referem ao
autor (que, sendo incapaz, litigou por si próprio ou por tutor já removido da tutela) e o
seu legítimo representante, chamado a intervir, não ratifica a petição inicial por ele
253
Alcídio Leão

apresentada, a solução aplicável não pode deixar de ser a da absolvição do réu da


instância.
Note-se que a lei prevê, antes da concretização desta solução drástica, a possibilidade de
renovação do ato (art. 26º, nº 2, do CPC).
Se a incapacidade ou a irregularidade da representação respeitam ao réu e o
representante legítimo não ratifica a contestação apresentada (pelo próprio réu ou por
quem não era o seu legítimo representante), dá-se ao legítimo representante do réu a
possibilidade de oferecer nova defesa em nome do incapaz. E, só na hipótese de o
representante não apresentar contestação é que o Ministério Público deverá ser citado,
nos termos do art. 20º do CPC.

48.9. Legitimidade

Legitimidade processual singular


Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da questão, julgando a ação
procedente ou improcedente, não basta que as partes tenham personalidade judiciária e
gozem de capacidade judiciária. É preciso, além disso, que gozem de legitimidade para
a ação.
A legitimidade processual consiste na suscetibilidade de, numa instância (ação)
concreta, ser a parte certa do lado ativo ou passivo da relação processual.
Ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a
defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem
juridicamente pode fazer valer a pretensão perante o demandado, admitindo que a
pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa cuja esfera jurídica
é diretamente atingida pela providência requerida.
Se assim não fosse, a decisão que o tribunal viesse a proferir sobre o mérito da ação não
poderia surtir efeito útil, visto não poder vincular os verdadeiros sujeitos da
relação controvertida, que não estariam no processo.
O vendedor a quem não seja pago o preço, terá legitimidade para exigir judicialmente
do comprador em mora o seu pagamento, por ser o demandante, em face do direito
254
Alcídio Leão

substantivo, o titular da relação contratual que serve de fundamento à pretensão e por


ser o demandado (comprador) o outro titular da mesma relação, sujeito ao dever
correspondente de prestar.
Se for, porém, o sócio da sociedade comercial, sem poderes de administração, quem
vem a juízo reclamar o preço que o comprador da mercadoria ficou a dever à sociedade,
a pretexto de ter interesse económico no cumprimento, o juiz deverá pura e
simplesmente absolver o réu da instância, abstendo-se de conhecer do mérito da causa,
por ilegitimidade do autor. A pessoa que figura na ação como autor não é, perante o
direito substantivo aplicável, o titular da relação contratual que serve de fundamento à
pretensão por ela trazida a juízo. Titular dessa relação é a sociedade comercial, a quem
não pode vincular a decisão que viesse a ser proferida num processo em que não
participou.
Aqui já não se trata de saber quem pode propor a ação ou contra quem pode a ação ser
proposta. Desde que tenha personalidade e capacidade judiciária, qualquer pessoa pode
propor a ação em juízo ou nela ser demandada. O que se pretende saber, através do
requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão
deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa,
julgando a ação procedente ou improcedente.
Enquanto a personalidade e a capacidade judiciárias são qualidades pessoais das partes a
legitimidade, pelo contrário, consiste numa posição da parte perante determinada ação;
a posição que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta
possa ser oposta.

49. Critérios estabelecidos na lei para se aferir a legitimidade singular das


partes:
A. Critério do interesse direto em demandar e do interesse direto em contradizer
(art.29º, nº 1, do CPC) A lei define a legitimidade através da titularidade do interesse
em litígio.
É parte legítima como autor, segundo o referido critério, quem tiver interesse direto em
demandar. Será parte legítima como réu quem tiver interesse direto em contradizer.
Assim, o credor terá legitimidade para requerer a condenação judicial do devedor no
255
Alcídio Leão

cumprimento, por ser ele o portador do interesse que a lei substantiva protege através do
direito de crédito. O devedor terá legitimidade para intervir como réu, por ser o portador
do interesse oposto, dentro da mesma relação.
Pelo mesmo raciocínio, o proprietário (não possuidor) da coisa será parte legítima como
autor na ação de reivindicação, sendo parte legítima como réu o possuidor ou detentor
da coisa, que se recusa a abrir mão dela.
A mulher não terá legitimidade para reivindicar de terceiro os bens próprios do marido,
tal como o pai não tem legitimidade para cobrar judicialmente os créditos do filho
maior, porque nem um nem outro são os portadores do interesse protegido pelo direito
invocado.
A legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico, na
procedência ou na improcedência da ação. Exige-se que as partes tenham um interesse
direto, seja em demandar, seja em contradizer; não basta ter um interesse indireto,
reflexo ou derivado.
Assim, por exemplo, o promitente comprador não tem legitimidade para requerer
a declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a
coisa (de terceiro), embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O
sublocatário, pela mesma razão, carece de legitimidade para intervir como réu na ação
de despejo, apesar de ser indiretamente prejudicado com a resolução do contrato de
arrendamento.
B. Critério formal constante do nº 3 do art. 29º: a relação material controvertida
configurada unilateralmente pelo autor Sempre que a lei não disponha de outro modo,
considerar-se-ão como titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os
sujeitos da relação material controvertida.

Mas, qual é a relação controvertida que serve de base a tal determinação: a relação com
a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá ou a relação tal como se
apresenta ao tribunal, depois de ouvidas ambas as partes e de examinadas as razões de
uma e outra?
O art. 29º, nº 3, do CPC estabelece que, na falta de indicação da lei em contrário, são
considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da
relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
256
Alcídio Leão

Ou seja, na determinação da legitimidade deve atender-se apenas à configuração que o


autor, unilateralmente, dá à relação material controvertida.
É ao autor que cabe “desenhar” a relação controvertida e indicar os pólos dessa relação.
Se o réu traz ao processo factos que prejudiquem a versão que o autor apresenta, tais
factos não serão atendidos em sede de legitimidade processual mas, ao invés, em sede
de apreciação do fundo ou mérito da causa.
Ou seja, uma coisa é a legitimidade como pressuposto processual, outra a do mérito da
ação, tendo aquela precedência sobre esta na ordem de decisão do juiz, que não pode, ao
apreciar a legitimidade, fazer um julgamento por antecipação do mérito da causa.
Deste modo, saber se, verdadeiramente, a relação jurídica invocada pelo autor existe ou
não e em que medida, respeita ao mérito da ação e não à legitimidade.
Portanto, se as partes são legítimas, mas posteriormente se demonstra que nada têm a
ver com a questão de mérito em discussão, a ação tem de improceder, por o autor não
ser titular do direito de que se arroga.
Exemplo:
Na petição inicial, A pede uma indemnização a B alegando que foi por ele atropelado,
tendo sofrido várias lesões. Na contestação, B vem dizer o seguinte: A diz que foi
atropelado mas não fui eu que o atropelei; foi o motociclista C que lhe provocou aqueles
danos.
À luz do art. 29º, nº 3, quem é que tem legitimidade processual?
Como vimos, na determinação da legitimidade processual deve atender-se à fisionomia
da relação material hipotética dada pelo autor. O autor diz que foi atropelado por B,
pelo que quem tem legitimidade processual ativa (para demandar) é A e legitimidade
processual passiva (para contradizer) é B.
Saber se foi B que provocou o atropelamento, isso já não é uma questão formal, de
legitimidade, mas um problema de mérito da ação.
Se se chegar à conclusão de que B não atropelou A, aquele não será absolvido da
instância, porque tem legitimidade processual. Ele vai ser absolvido do pedido.

257
Alcídio Leão

49.7. Legitimidade nas relações com pluralidade de interessados

Na maioria dos casos são apenas duas as partes que se defrontam em tribunal. Ou seja, a
regra é a da dualidade das partes.
Ex: O proprietário como autor numa ação de reivindicação demanda o detentor como
réu. O mutuante demanda o mutuário.
Por vezes, porém, verificam-se casos de pluralidade de partes: pluralidade ativa se a
ação é proposta por dois ou mais autores contra o mesmo réu; pluralidade passiva
quando a ação é proposta por um autor contra vários réus; pluralidade mista quando a
ação é intentada por mais de um autor contra vários réus.
Litisconsórcio verifica-se quando a relação material subjacente respeitar a várias
pessoas, quando se trata de uma obrigação plural, seja ela solidária ou conjunta. No
litisconsórcio há pluralidade de partes mas unicidade da relação material controvertida
(art. 33º do CPC).
Ex: contrato de mútuo com empréstimo pela mesma pessoa a várias outras (com
possibilidade de poder pedir a totalidade a qualquer um ou mesmo apenas a quota parte
de cada um).
Litisconsórcio voluntário quando a cumulação depende exclusivamente da vontade
das partes. Há uma acumulação de ações e cada um dos consortes atua com
independência em relação aos outros (art. 30º do CPC).
Há litisconsórcio voluntário no caso das obrigações conjuntas (nº 1 do art. 30º) e no
caso das obrigações solidárias (nº 2 do art. 30º).196
Litisconsórcio necessário quando a cumulação resulta de determinação de lei, de prévia
estipulação dos interessados ou da natureza da relação jurídica (art. 31º do CPC). Há
uma só ação com pluralidade de sujeitos (art. 33º do CPC).
O art. 32º do CPC prevê casos especiais de litisconsórcio necessário. Apenas o
litisconsórcio necessário gera ilegitimidade da parte (art. 31º, nº 1, do CPC). 196 No
mesmo sentido pode ver-se o art. 451º do Código Civil.

258
Alcídio Leão

Há coligação quando os pedidos formulados por ou contra várias pessoas


resultam de relações materiais distintas. Ou seja, à pluralidade de partes
corresponde a pluralidade de relações materiais litigadas.
A coligação pode resultar da unicidade da fonte das relações. Ex: acidente de viação
com vários lesados, que demando o responsável em conjunto.
Pode resultar da dependência entre os pedidos formulados pelos vários intervenientes.
Ex: o autor pede a resolução do contrato de arrendamento por o subarrendatário ter feito
obras na casa (com o consentimento do arrendatário) e pede a condenação do
subarrendatário a repor a casa no estado em que se encontrava.
Pode resultar de conexão de substancial entre os fundamentos destes. Ex: duas pessoas
que celebraram dois contratos semelhantes com o réu demandam este com o
fundamento na nulidade de tais contratos.
A intervenção de terceiros pode conduzir igualmente a casos de litisconsórcio ou
de coligação.

49.8. Falhas ao nível dos pressupostos processuais e exceções dilatórias

Não se verificando algum destes requisitos, tais como a legitimidade das partes, a
capacidade judiciária de uma delas o de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se
de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto
essencial para o efeito.
A falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas de proferir sentença sobre
o mérito da ação, mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que
interessa à decisão de fundo.
A decisão de absolvição da instância, para que aponta o art. 240º, nº 1, do CPC como
consequência geral da falta de qualquer pressuposto processual, constitui um verdadeiro
ato processual, integrador da relação jurídica criada entre as partes e o tribunal.
A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto
(art. 241º, nº 1, do CPC).
259
Alcídio Leão

Segundo o art. 372, nº 2, do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal


conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do
processo para outro tribunal (isto ocorre em caso de incompetência relativa, conforme o
art. 78º, nº 3, do CPC).
A enumeração das exceções dilatórias, que consta do art. 373º, nº 1, do CPC, reveste
carácter meramente exemplificativo.

49.9. Patrocínio judiciário

O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por


profissionais forenses (advogados ou defensores públicos), na condução do processo ou
para a realização de certos atos processuais em concreto.
O patrocínio judiciário justifica-se pela própria complexidade técnica do processo.
Casos de constituição obrigatória de advogado (art. 36º). Nas causas em que seja
admissível recurso, nos recursos e nas causas propostas no Supremo Tribunal de Justiça.
Só é admissível recurso ordinário nas ações de valor superior à alçada do tribunal de
que se recorre (arts. 428º, nº 2, e 917º, nº 2, do CPC).
A alçada do tribunal distrital é de mil dólares americanos (art. 917º, nº 1, do CPC).
Também é obrigatória a constituição de advogado nos casos em que seja admissível
recurso independentemente do valor da causa, como, por exemplo, nas ações em que
se aprecie a validade ou subsistência de arrendamento para fim habitacional (art. 428º,
nº 6, do CPC).
Cessa a obrigatoriedade de constituição de advogado nos casos em que a lei atribua
a representação da parte ao M. Público ou admita a representação por defensor público.
O mandato judicial é conferido por instrumento público ou particular, ou por declaração
verbal da parte durante qualquer diligência do processo (art. 38º do CPC).
Conteúdo e alcance do mandato (art. 39º do CPC). Confere poderes de representação da
parte em toda e qualquer fase processual. Presume-se que inclui poderes para
substabelecer. Para ser válida a confissão do pedido ou transação feita por mandatário
260
Alcídio Leão

judicial, a procuração deve conter a menção de poderes especiais para o efeito (art. 40º
do CPC).
Porém, a procuração com poderes gerais vincula a parte relativamente às afirmações do
mandatário e à confissão expressa de factos (art. 41º do CPC). Revogação e renúncia do
mandato (art. 42º do CPC).
No caso de renúncia, se a parte não constituir novo mandatário, suspende-se a instância
se a falta for do autor, e a ação segue se a falta for do réu, aproveitando-se os atos
praticados.
Não se conseguindo notificar o réu, ou reconvindo, se a constituição de
advogado for obrigatória, será nomeado defensor público. Nomeação de defensor
público (art. 44º do CPC).
No caso de pedido de nomeação pelo réu, o prazo para contestação interrompe-se.

49.10. Falta insuficiência e irregularidade do mandato:

A falta de patrocínio judiciário nos casos em que a constituição de advogado é


obrigatória provoca os efeitos próprios da falta de um pressuposto processual. Assim, a
falta gera absolvição do réu da instância ou não ter seguimento o recurso, se a falta for
do autor ou do recorrente, ou ficar sem efeito a defesa, se a falta for do réu (art. 37º do
CPC).
Antes de cominar qualquer sanção o juiz deve notificar a parte para suprir a falta dentro
de certo prazo, que o mesmo estipulará.
O art. 37º do CPC refere-se às situações em que é a própria parte que intervém, sem
constituir mandatário, nos casos em que esta constituição é obrigatória.
Nos casos em que em que um advogado intervém sem apresentar procuração da parte,
ou apresentando procuração irregular ou insuficiente, rege o art. 43º do CPC.
Falta, insuficiência ou irregularidade do mandato podem ser suscitadas oficiosamente
pelo tribunal ou serem suscitadas pela parte contrária.

261
Alcídio Leão

Mais uma vez, antes de cominar qualquer sanção o juiz deve notificar neste
caso o mandatário em questão para suprir a falta dentro de certo prazo (art. 43º, nº 2, do
CPC).
Findo o prazo, sem que tenha sido suprida a falta, insuficiência e irregularidade do
mandato, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo advogado, sendo
condenado nas custas.
Se tiver agido com culpa, pode ser condenado a indemnizar os prejuízos a que tenha
dado causa.

50. Direito Comercial

Direito Comercial
O direito Comercial é sem duvidas um ramo do direito Privado. É no entanto um direito
privado especial na medida em que trata uma área especifica do direito privado ” a
actividade comercial” respondendo deste modo as condições especificas e particulares
do comercio.
Assim define-se o direito comercial como um ramo do direito privado composto por um
sistema de normas jurídicas com a função de disciplinar os actos do comercio e os
empresários comercias.
O campo de aplicação do direito comercial é, pois, fixado objectivamente (não é o
direito dos comerciantes). Objecto da lei comercial são os actos de comercio –
definidos no artigo 2º. – em si mesmo e nos seus efeitos, designadamente relações
jurídicas que por ela se constituem, modificam ou extinguem (relações jurídicas
mercantis). E são os actos de comercio, não em todos os seus aspectos, mas apenas em
certos aspectos específicos que a lei comercial regula. Fora deste domínio ou objecto, as
realidades de natureza privada são reguladas pela código civil.
Acto de comercio
O artigo 2 do código Comercial define:

262
Alcídio Leão

Serão considerados actos de comercio todos aqueles que se acharem especialmente


regulados neste Codigo e, alem deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes,
que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrato do próprio acto não
resultar.
A lei aponta, por conseguinte, dois tipos de actos de comercio:
Actos de comercio objectivos - aqueles que se acham especialmente regulados no
Codigo Comercial. O facto de certos actos estarem no Codigo Comercial ou leis
comerciais faz com esses actos sejam tidos como sendo, por sua natureza, actos de
comercio, sendo, alias, então indiferente que sejam ou não comerciantes as pessoas que
os praticam (artigo 1ºdo Código Comercial).
Actos de comercio subjectivos – todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que
não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrario acto não resultar.
Quanto a esta categoria de actos de comercio, interessa saber se quem os pratica é
comerciante ou não. Devendo esclarecer-se que, nos termos do artigo 13º do código
comercial, são comerciantes as pessoas que, capacidade para praticar actos de comercio,
fazem desta profissão, e ainda as sociedades comercias.
O direito comercial é um ramo autónomo da ciência do Direito. Apesar
de alguns ordenamentos integrarem a matéria comercia no código Civil, este não perde
a sua autonomia.

Características do Direito Comercial


O direito comercial tem um conjunto de características peculiares que o fazem especial.
São algumas destas características:
Cosmopolitismo, é um ramo tendencialmente universal se assumirmos a funcionalidade
do exercício do comércio. No entanto, tem-se actualmente a ideia de considera-lo um
regime do comércio interno uma vez que surge ao lado dele um regime internacional
aplicável ao comércio internacional. Por exemplo, aos contratos comerciais
internacionais que não raras vezes diferem bastante no regime com os contratos do
direito do direito interno. Contudo, o internacionalismo do Direito Comercial prevalece
como sua característica tendencial;
263
Alcídio Leão

Dinamismo, é um direito da rápida evolução. Esta característica é de facto intrínseca á


natureza da actividade que lei comercial regula. O exercício do comercio de per si, não
se compadece com a estatecismo. Os mecanismo de exercício do comercio, tem
tendências a modernizarem-se com muita frequência e rapidez. Prova disso, é o
surgimento de novas formas de contratação comercial, ou seja, novos contratos
comercias que muitas vezes o legislador não os acompanha com a devida
regulamentação;
Flexibilidade. Esta característica esta associada a anterior. É um flexível, um direito
que admite margens de manobra dos seus actores;
Informalismo, que equivale disser que o direito comercial é tendencialmente um direito
informal, no sentido de que não obedece no processo da sua aplicação requisitos
rigorosos tal como acontece no Direito Civil. Por exemplo, os mecanismos de prova dos
actos comerciais são mais simples se comparados com os do Direito Civil;
Presunção de solidariedade, em direito comercial vigora a presunção de solidariedade
entre os sócios. Tem em vista dar maior segurança no no fluxo comercial.
Onerosidade, o direito comercial envolve em regra actos não gratuito, a gratuitidade
não é norma em Direito Comercial. Por exemplo, o mandato civil pode ser gratuito ou
oneroso nos termos do art. 1158° código civil. O mandato comercial é sempre oneroso.
Liberdade de concorrência, é uma característica associada ao modelo económico em
vigor do qual resulta a liberdade de exercício do comércio;
Protecção do crédito e da boa-fé, exactamente pelo facto de ser um ramo
tendencialmente informal e flexível, preocupa-se com a protecção do crédito e a boa fé
entre os operadores comerciais permitem que as negociações e a contratação corra com
maior fluidez.
Facilidade da prova, a matéria da prova em direito comercial não é tão forte tanto
quanto o direito civil. O simples recibo de compra de certos mercadoria constante da
escritura mercantil do empresário comercial prova a existência do contrato de compra e
venda mercantil.

51. Direito de insolvência e recuperação de empresas

264
Alcídio Leão

Insolvência consiste na impossibilidade de pagar uma dívida1, na falta de solvência.


Esta última expressão deriva do verbo latino solvere que significa desatar, livrar, pagar,
resolver2.
Assim, insolvência é a condição daquele que não consegue pagar as suas obrigações,
habitualmente por falta de liquidez e, em certos casos, pelo total do seu passivo exceder
o seu ativo.
Em Portugal, a insolvência é uma crescente preocupação, quer para as pessoas
singulares como para as empresas. Da consulta ao Estudo das Insolvências e
Constituições de Empresas, da empresa IGNIOS, verifica-se um aumento, ao longo dos
anos, do número de empresas que foram declaradas insolventes. O número de processos
de falência, insolvência e recuperação de empresas que deram entrada nos tribunais
portugueses teve a mesma evolução, tal como se pode observar nos dados da Direção
Geral da Política de Justiça

51.7. O Processo de insolvência

Atualmente, previsto e regulado no CIRE, o processo de insolvência, tal como definido


no artigo 1º, é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação
dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na
recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se
afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do
produto obtido pelos credores.
Este é um processo de natureza mista, pois conjuga os dois tipos de ações previstas no
artigo 4º do Código do Processo Civil (CPC): ações declarativas e ações
executivas. Diz-se que é um processo declarativo na medida em que visa declarar a
situação de insolvência e verificar e graduar os créditos do devedor27. Por outro lado,
classifica-se como processo executivo “uma vez que a sua finalidade última
corresponde à obtenção de providências relativas à 27 cf. artigo 4º, nº 2, a) do CPC.
satisfação efetiva do direito violado28 […]” (Leitão, 2012a: 19), através da
apreensão e liquidação do ativo para satisfação dos créditos.

265
Alcídio Leão

Caracteriza-se também por ser um procedimento de execução coletiva, na medida em


que envolve todos os credores do devedor e pretende compensá- los em proporção dos
seus créditos, caso o património do devedor seja insuficiente para pagar todos os
créditos29 (Epifânio, 2012: 12).
O processo de insolvência é universal, porque abrange todo o património do devedor.
Ou seja, é possível que se venha a apreender todos os bens do insolvente para
liquidação e satisfação dos credores. No entanto, esta norma só se aplica aos bens
penhoráveis, ou relativamente impenhoráveis30 desde que voluntariamente
apresentados pelo devedor31 (Epifânio, 2012: 12).
Este processo caracteriza-se ainda por ser especial, na medida em que está regulado
autonomamente em diploma próprio – o CIRE (Epifânio, 2012: 15). Leitão (2012a: 20)
acrescenta que o procedimento referido afasta-se de determinados princípios do
processo civil. No entanto, trata-se de um processo multidisciplinar pois articula-se com
o Direito Civil, o Direito Comercial, o Direito do Trabalho, o Direito Penal, o Direito
Processual Civil e Penal, entre outros. (Epifânio, 2012: 15).
Finalmente, o regime do processo de insolvência “tem carácter urgente e goza de
precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”32. Quer isto dizer que o processo não
suspende durante as férias judiciais (Leitão, 2012b: 54).
Em suma, o processo de insolvência instituído pelo CIRE, caracteriza-se por ser de
natureza mista (engloba ações de natureza executiva e declarativa), é de execução
coletiva e universal, está regulado autonomamente, é multidisciplinar e goza de caráter
urgente.

51.8. Pressupostos de declaração de insolvência

Para que este regime de insolvência possa ser utilizado, é necessário a verificação de
dois pressupostos:
um pressuposto subjetivo e um pressuposto objetivo.
O artigo 2º, nº 1 do CIRE estabelece que podem ser sujeitos a processo de insolvência:

266
Alcídio Leão

a) quaisquer pessoas singulares ou coletivas;


b) a herança jacente – de acordo com o artigo 2046º do CCivil, a herança jacente é a
herança aberta33, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado;
c) as associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
d) as sociedades civis;
e) as sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial até à data do
registo definitivo do contrato pelo qual se constituem;
f) as cooperativas, antes do registo da sua constituição;
g) o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL);
h) quaisquer outros patrimónios autónomos.

Desta enumeração entende-se que o elenco de sujeitos passivos de insolvência


compreende “quaisquer entidades singulares ou coletivas, empresariais ou não, com
personalidade jurídica ou sem ela” (Leitão, 2012b: 47).
De fora do regime instituído pelo CIRE ficam as pessoas coletivas públicas e as
entidades públicas empresariais34. Quando este regime de insolvência se torna
incompatível com os regimes especiais regulados para as empresas de seguros, as
instituições de crédito, as sociedades financeiras, asempresas de investimento que
prestem serviços que impliquem a detenção de
33 Segundo o artigo 2031º CCivil, cujo autor já faleceu.
34 cf. artigo 2º, nº 2, a). Por pessoas coletivas públicas entende-se o Estado, regiões
autónomas e autarquias locais, bem como as associações e os institutos públicos
(Leitão, 2012a: 87).
fundos ou de valores mobiliários de terceiros e os organismos de investimento coletivo,
estes também ficam excluídos do âmbito do CIRE35.

267
Alcídio Leão

Nas palavras de Leitão (2012b: 47), as entidades referidas no parágrafo anterior não são
sujeitos passivos da declaração de insolvência por forma a evitar crises no sistema
financeiro.
Quanto ao pressuposto objetivo da declaração de insolvência, este consiste na
insolvência do devedor (Epifânio, 2012: 19).
De acordo com o nº 1 do artigo 3º do CIRE, está “em situação de insolvência o devedor
que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Nas palavas
de Leitão (2012b: 48), esta definição de insolvência “não parece correta”. Inspirado na
lei alemã de Insolvência, o conceito de insolvência apresentado parece “vago e
indeterminado”, ou seja, pouco claro e de difícil concretização. Leitão (2012b: 48) é,
então, da opinião de que se devia ter mantido a definição anterior de insolvência, que
declara insolvente a empresa que “por carência de meios próprios e por falta de
crédito, se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações36”.
Epifânio (2012: 20) refere que “a impossibilidade de cumprimento relevante para
efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do
devedor”. Ou seja, basta existir apenas uma dívida que, pelo seu montante e relevância
no conjunto de todas as dívidas, traduza a impossibilidade referida. Acrescenta ainda
que é irrelevante para este conceito de insolvência, o não cumprimento de uma
determinada dívida resultante da vontade do devedor.
Já o nº 2 do artigo 3º concretiza a situação de insolvência para “as pessoas
coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular
responda pessoal e ilimitadamente”. Enquadram-se nesta disposição a herança jacente, o
EIRL, as sociedades por quotas e as sociedades anónimas. Neste caso, as referidas
encontram-se insolventes “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo,
avaliados segundo as normas contabilísticas35 cf. artigo 2º, nº 2, b). 36 Artigo 3º do
CPEREF, aprovado pelo DL 132/93, de 23 de Abril (1ª versão).
aplicáveis”. No entanto, este critério deixa de produzir efeitos quando o ativo é superior
ao passivo, de acordo com as regras enunciadas no nº 3 do artigo 3º, aplicando-se o
critério do nº1 do artigo referido para a avaliação da insolvência (Leitão, 2012b: 48).
Na opinião de Epifânio (2012: 21), o passivo até pode ser superior ao ativo mas não
existir situação de insolvência, por haver facilidade de recurso a crédito para solver as
268
Alcídio Leão

obrigações. Por outro lado, pode suceder-se o inverso, em que o ativo seja superior ao
passivo, mas o devedor estar em situação de insolvência, por falta de liquidez do seu
ativo37.
Por último, o nº 4 do artigo 3º refere que a situação de insolvência iminente
equipara-se à situação de insolvência atual, quando o devedor se apresenta à
insolvência. Possibilita-se assim que a apresentação a insolvência aconteça antes de
verificado o pressuposto do nº 1 do mesmo artigo, quando se possa supor que no futuro
haverá a impossibilidade de cumprimento das obrigações (Leitão, 2012a: 82). De
acordo com Epifânio (2012: 24), esta suposição deverá basear-se numa previsão de
entradas e saídas de meios líquidos.

51.9. A fase declarativa do Processo de Insolvência

O processo de insolvência arranca com o pedido de declaração de insolvência, tal como


previsto nos artigos 18º e seguintes (ss) do CIRE. Assim, quem pode apresentar o
pedido é o próprio devedor38, quem for legalmente responsável pelas suas dívidas,
qualquer credor ou o Ministério Público, em representação das entidades cujos
interesses lhe estão legalmente confiados39.
No caso de o devedor não ser uma pessoa singular capaz, estabelece o artigo 19º que a
iniciativa da apresentação à insolvência recai sobre o órgão social incumbido da sua
administração ou qualquer um dos administradores. Por forma a clarificar o conceito de
administrador, o artigo 6º, nº 1 institui que:
37 O ativo é dificilmente convertido em dinheiro.
38 cf. artigo 18º.
39 cf. artigo 20º.
a) não sendo o devedor uma pessoa singular, administrador é aquele a quem incumba a
administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os
titulares do órgão social que para o efeito for competente;
b) sendo o devedor uma pessoa singular, os seus representantes legais e mandatários
com poderes gerais de administração.

269
Alcídio Leão

Costeira (2010: 58) refere que o artigo 19º tem motivado desacordo nos casos em que a
administração de uma entidade é composta por mais do que uma pessoa, pois há quem
defenda que nestes casos qualquer elemento da administração pode tomar a iniciativa da
apresentação à insolvência. No entanto, a autora é da opinião que a decisão de
apresentar a empresa à insolvência deve ser deliberada por maioria dos membros do
órgão de administração, em conformidade com os artigos 261º e 410º do Código das
Sociedades Comerciais.
Ainda em relação à apresentação à insolvência por parte do devedor, prevista no artigo
18º, esta constitui mesmo uma obrigação, que deve ser cumprida dentro dos trinta
dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, ou à data em que
devesse conhecê-la. As pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa à
data da situação de insolvência não estão sujeitas ao preceito enunciado
anteriormente40. A falha de cumprimento deste prazo não extingue o direito de o
devedor se apresentar posteriormente à insolvência, “apenas o sujeita às
consequências legais” (Leitão, 2012b: 67).
O legislador estabelece que se conhece a situação de insolvência quando decorrem pelo
menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações, no caso de o
devedor ser titular de uma empresa41. Nas palavras de Serra (2010: 31), esta norma
serve para diminuir as possibilidades de fuga à obrigação referida no parágrafo
anterior, alegando o desconhecimento da insolvência.
40 cf. artigo 18º, nºs 1 e 2.
41 cf. artigo 18º, nº 3.
Caso o pedido de declaração de insolvência seja feito pelos responsáveis legais das
dívidas do devedor, pelos credores ou pelo Ministério Público, estes terão que
apresentar provas em relação à verificação de algum dos fatos-índice enunciados no
artigo 20º (Leitão, 2012a: 139).
O artigo 6º, nº 2 define responsáveis legais como as pessoas que, nos termos da lei,
respondem pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente. São,
essencialmente, os sócios de responsabilidade ilimitada (Leitão, 2012b: 50). A autora
Costeira (2010: 59) constata que esta possibilidade é, na prática, bastante remota, na
medida em que o tecido empresarial português é maioritariamente constituído por
270
Alcídio Leão

Sociedades por Quotas e Sociedades Anónimas, e que nestas sociedades os sócios não
têm responsabilidade pessoal e ilimitada.
No âmbito do artigo 23º, a apresentação à insolvência ou o pedido de declaração de
insolvência fazem-se através de petição escrita, expondo-se os fatos que integram os
pressupostos da declaração requerida e formulando o respetivo pedido. Como
requisitos de conteúdo, o legislador elenca que o requerente deve identificar os
administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, excluindo-se a si
próprio, identificar o cônjuge e o regime de bens de casamento, se aplicável, e juntar
certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o
devedor esteja eventualmente sujeito. Caso seja o próprio devedor a submeter a petição,
este deve ainda indicar a situação da sua insolvência (atual ou iminente) e anexar
os documentos referidos no artigo 24º.
Quando o pedido é efetuado por algum credor ou por algum responsável legal, este
deverá referir na petição a origem, natureza e montante do seu crédito 42 Será
desenvolvido mais à frente.
ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, respetivamente, e
apresentar os elementos do ativo e do passivo do devedor que possua43.
Após a entrega da petição, o juiz aprecia preliminarmente a mesma. A apreciação
resultará num despacho, que poderá assumir uma das seguintes formas: despacho de
indeferimento liminar, despacho de correção, declaração imediata de insolvência ou
despacho de citação (Epifânio, 2012: 38).
De acordo com o artigo 27º, nº1, a), o despacho de indeferimento surge quando o
pedido de declaração de insolvência é manifestamente improcedente, isto é, que não se
justifica, ou “ocorram exceções dilatórias insupríveis”. Estando a petição em
incumprimento com os requisitos legais, ou na falta injustificada dos documentos que
devam acompanhá-la, o juiz autoriza o requerente a corrigir estes erros no prazo de
cinco dias. Não se verificando a correção das falhas, o pedido é indeferido44.
O juiz declara imediatamente a insolvência do devedor quando a apresentação à
insolvência surge por parte do próprio devedor45. Tal só não sucederá quando se
verificam as condições do artigo 27º, nº1, a) ou quando, concedido prazo para correção
dos erros previstos no artigo 27, nº1, b), a mesma não seja realizada (Leitão, 2012b: 77).
271
Alcídio Leão

Finalmente, caso o pedido de declaração de insolvência não tenha sido apresentado pelo
próprio devedor, e não havendo razões para indeferimento liminar, o juiz manda citar46
o devedor47. Da citação deve constar o disposto no artigo 30º, nº 5 que estabelece que a
falta de oposição do devedor implica a confissão dos fatos alegados na petição inicial e
a imediata declaração de insolvência, e o aviso ao devedor de que deve entregar ao
administrador da insolvência os documentos referidos no artigo 24º, na
eventualidade de a 46 “Chamar solenemente para comparecer em juízo ou perante a
autoridade em determinada ocasião” in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
47 cf. artigo 29º, nº1.
insolvência ser declarada48. O ato de citação pode, no entanto, ser dispensado nos
termos do artigo 12º (Leitão, 2012b: 77). Caso o juiz sentencie o indeferimento do
pedido de declaração de insolvência, apenas o requerente e o devedor são notificados51.
Com a ausência de publicidade da sentença referida pretende-se proteger a reputação
daquele a quem foi erradamente proposto a declaração de insolvência (Epifânio, 2012:
54). O disposto anterior não se aplica caso tenha sido nomeado um administrador
judicial provisório, como medida cautelar, e, por isso, a sentença é objeto de publicação
e registo52.
51 cf. artigo 44º, nº 1.
52 cf. artigo 44º, nº 2.
O artigo 45º estabelece que apenas o requerente pode interpor recurso contra a sentença
de indeferimento do pedido de declaração de insolvência. Isto é, caso o requerente não
se conforme com sentença decretada pelo juiz, poderá pedir a reavaliação da decisão.
Na sentença que decreta a insolvência do devedor53, o juiz deve obedecer ao conteúdo
referido no artigo 36º. Devem então constar, a título de exemplo,

 o momento (data e hora) em que a sentença foi proferida,

 a identificação do devedor insolvente (incluindo a sua sede ou residência),

 a fixação da residência dos administradores do devedor bem como do devedor


pessoa singular,

 a identificação do administrador de insolvência e seu domicílio profissional,


272
Alcídio Leão

 a indicação de que a massa insolvente será administrada pelo devedor, se este


assim o pedir e se encontrem preenchidos os restantes requisitos do nº 2 do
artigo 224º,

 a indicação de que deve ser entregue ao administrador de insolvência os


elementos de contabilidade do devedor e todos os seus bens, e ao Ministério
Público os elementos que indiciem a prática de infração penal.

Contrariamente ao que acontece com a sentença de indeferimento do pedido de


declaração de insolvência, a sentença de declaração de insolvência pode ser contestada,
ainda que condicionalmente, pelo devedor, pelo cônjuge, ascendentes ou descendentes,
por qualquer credor, pelos responsáveis legais pelas dívidas do insolvente e pelos
sócios, associados ou membros do devedor54.
53 Na sequência da apresentação do devedor à insolvência (artigo 28º) ou requerimento
da insolvência pelo administrador judicial provisório (artigo 17º-G, nº 4); na falta de
oposição do devedor após a sua citação (artigo 30º, nº 5); na falta de comparência do
devedor à audiência
(artigo 35º, nº 4) ou na sequência da audiência de julgamento (artigo 35º, nºs 7 e 9).
54 cf. artigo 40º, nº 1 e artigo 42º, nº 1.
Os meios possíveis de impugnação da sentença são, alternativa ou
cumulativamente, a oposição de embargos e o recurso.
A oposição de embargos resulta da alegação de fatos ou indicação de novas provas que
não foram tidos em conta pelo tribunal e que podem alterar os fundamentos da
declaração de insolvência55. O recurso será utilizado quando se pretenda demonstrar
que a declaração de insolvência foi erradamente proferida, com base nos elementos
apurados56.
Em ambas as situações, a liquidação e partilha do ativo, reguladas nos artigos 156º e ss,
é suspensa, salvo na situação prevista no nº 2 do artigo 158º, que estabelece a venda
imediata de bens depreciáveis ou deterioráveis57

273
Alcídio Leão

51.10. Os órgãos do Processo de Insolvência

Os órgãos do processo de insolvência encontram-se especificamente regulados no


CIRE, entre os artigos 52º a 80º, e podem ser classificados em duas categorias: os
órgãos obrigatórios, que são o administrador de insolvência e a assembleia de credores;
e o órgão eventual, que é a comissão de credores (Epifânio, 2012: 57). Na opinião de
Leitão (2012a: 111) o Tribunal também é um órgão da insolvência, dado que as
funções do Tribunal no processo de insolvência justificam a sua nomeação como
órgão.
Começando pelo administrador de insolvência, o seu estatuto encontra-se legislado na
Lei nº 32/2004, de 22 de Julho e nos artigos 52º e ss do CIRE. Este órgão é escolhido
pelo juiz de entre a lista oficial de administradores de insolvência, ou atendendo às
indicações feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, caso exista. No
entanto, a sua preferência deverá ser o administrador judicial provisório que se encontre
em funções à data da declaração de insolvência58.
55 cf. artigo 40º, nº 2.
56 cf. artigo 42º, n 1.
57 cf. artigo 40º nº 3 e artigo 42º, nº 3.
58 cf. artigo 52º, nº 2.
Posteriormente, ao descrevermos a fase executiva do processo de insolvência, iremos
dar conta das várias funções e competências deste órgão. No entanto, para já importa
salientar que o administrador de insolvência tem essencialmente a responsabilidade de
“assumir o controlo da massa insolvente, proceder à sua administração e liquidação e
repartir pelos credores o respetivo produto final” (Leitão, 2012a: 115), sob a
fiscalização do juiz e da comissão de credores, se existir59.
A cessação de funções do administrador pode ocorrer por três vias (Leitão, 2012a:
122):

 o encerramento do processo, nos termos do artigo 233º, nº 1, b);

 a renúncia, nos termos do artigo 60º, nº 3;


274
Alcídio Leão

 a destituição, conforme o artigo 56º.

A partir do artigo 72º do CIRE podemos encontrar as disposições relativas à assembleia


de credores. A reunião de todos os credores numa assembleia acontece por forma a
facilitar a coordenação dos diversos credores e para que todos tenham o direito a votar,
com base no montante dos seus créditos60 (Leitão,2012a: 129).
À semelhança do que se disse em relação ao administrador de insolvência,
também as competências da assembleia de credores irão ser referidas aquando a
descrição da fase executiva.
A assembleia é convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido do administrador
de insolvência, da comissão de credores ou de um credor ou grupo de credores cujos
créditos representem pelo menos um quinto do total de créditos não subordinados61-
62. É também da responsabilidade do juiz presidir essa mesma assembleia, como
estabelece o artigo 74º.
59 cf. artigo 58º e artigo 55º, nº 1.
60 cf. artigo 73º.
61 cf. artigo 75º, nº 1.
Finalmente, a comissão de credores é outro órgão do processo de insolvência que
representa as diversas classes de credores da insolvência. Não é de constituição
obrigatória, uma vez que o juiz pode decidir não constitui-la (tendo em conta a pequena
dimensão da massa insolvente, a simplicidade do processo de liquidação do ativo ou o
reduzido número de credores63) e a assembleia de credores pode abdicar dela64.
Tanto o juiz como a assembleia de credores podem constituir a comissão de credores.
Se for o juiz a nomear a comissão, esta deve ser composta por três ou cinco membros e
dois suplentes, e a presidência delegada ao maior credor da empresa. Os restantes
membros devem representar as várias classes de credores, com exceção dos credores
subordinados65. O nº 3 do artigo 66º obriga a que um dos membros da comissão
represente os trabalhadores que detenham créditos sobre a empresa.

275
Alcídio Leão

As regras enunciadas no parágrafo anterior não se aplicam se a comissão de credores for


nomeada pela assembleia de credores, a qual está apenas obrigada a incluir um
representante dos trabalhadores66.
A comissão de credores tem essencialmente funções de fiscalização e colaboração em
relação ao administrador de insolvência, tal como estabelece o artigo 68º.3.4.4 - A fase
executiva do Processo de Insolvência Posteriormente à sentença declaratória de
insolvência, dá-se início à chamada “fase executiva” do processo de insolvência.
Ocorrem assim, em simultâneo, dois momentos processuais importantes: a verificação
dos créditos e a liquidação do ativo, que terminarão com o pagamento aos credores
(Epifânio,2012: 209).
62 O conceito de crédito subordinado surge adiante.
63 cf. artigo 66º, nº 2.
64 cf. 67º, nº 1.
65 cf. artigo 66º, nº 1.
66 cf. artigo 67º, nº 2.
A verificação do passivo é um processo apenso (isto é, anexo) ao processo de
insolvência, que tem como finalidade a verificação e graduação dos créditos sobre a
insolvência (Epifânio, 2012: 210). Este procedimento desenrola- se nas seguintes fases:
a reclamação, o saneamento, a instrução e o julgamento (Leitão, 2012b: 156) e está
previsto nos artigos 128º a 140º do CIRE.
Antes de prosseguirmos para a descrição das fases enunciadas, importa primeiramente
esclarecer que os créditos encontram-se divididos em duas grandes categorias: os
créditos sobre a massa insolvente e os créditos sobre a insolvência (Epifânio, 2012:
221). Por massa insolvente entende-se “o conjunto de bens atuais e futuros do devedor,
os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado,
adstrito à satisfação dos interesses dos credores” (Epifânio, 2012: 235).
Os créditos sobre a massa são pagos antes dos créditos sobre a insolvência67 e surgem
da própria situação de insolvência. Estes incluem, entre outros68:

 as custas do processo de insolvência,


276
Alcídio Leão

 as remunerações e despesas do administrador de insolvência e as despesas da


comissão de credores,

 as dívidas resultantes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa


insolvente,

 as dívidas emergentes da atuação do administrador judicial provisório e do


administrador da insolvência, no exercício das suas funções.

51.11. Os créditos sobre a insolvência correspondem aos créditos que se


constituíram antes da data da declaração de insolvência69. Estes também se
encontram divididos nas seguintes classes:
67 cf. artigos 46º, nº 1 e 172º.
68 cf. artigo 51º, nº 1.
69 Nos termos do artigo 47º, nº 1.

 créditos garantidos – são aqueles que beneficiam de garantias reais, incluindo


privilégios creditórios especiais70;

 créditos privilegiados – são os que beneficiam de privilégios creditórios


gerais71;

 créditos subordinados - são, entre outros acordados pelas partes, os relativos a


relações especiais com o devedor72, os juros de créditos constituídos após a
declaração de insolvência, os créditos que tenham por objeto prestações do
devedor a título gratuito, os créditos por suprimentos73;

 créditos comuns – os restantes créditos, que não cabem em nenhuma classe


anterior74.
Retomando a apresentação da fase executiva do processo de insolvência, e por força do
artigo 128º, os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público e o requerente da
mesma, devem apresentar ao administrador da insolvência o requerimento a solicitar a
verificação dos seus créditos. Este processo denomina-se reclamação e tem por objeto
todos os créditos sobre a insolvência, independentemente da sua natureza e fundamento.
277
Alcídio Leão

A reclamação não é, todavia, requisito fundamental para o reconhecimento do


crédito, pois o administrador da insolvência deve também reconhecer os créditos que
constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que conheça por outra forma
(Leitão, 2012b: 156).
70 cf. artigo 47º, nº 4, a).
71 cf. artigo 47º, nº 4, a).
72 De acordo com o artigo 49º, as pessoas que têm relações especiais com o devedor
pessoa singular são: o seu cônjuge ou pessoa de quem se tenha divorciado nos dois anos
anteriores ao início do processo de insolvência; os seus ascendentes, descendentes e
irmãos e respetivos cônjuges; as pessoas que tenham vivido em economia comum com
o devedor nos dois anos anteriores ao início do processo. Os entes especialmente
relacionados com o devedor pessoa coletiva são: os sócios, associados ou membros que
respondam legalmente pelas suas dívidas; as pessoas que tenham estado em relação de
domínio ou grupo com a sociedade insolvente; os administradores do devedor.
73 cf. artigo 48º.
74 cf. artigo 47º, nº 4, c).
Na sequência do final do prazo das reclamações, o administrador da insolvência deve
preparar e apresentar uma lista de todos os credores reconhecidos e uma lista dos não
reconhecidos, nos termos do nº 1 do artigo
129º. Da lista dos credores não reconhecidos devem constar os motivos que justificam o
seu não reconhecimento75.
Ambas as listas referidas no parágrafo anterior podem ser impugnadas, apesar de o
artigo 130º apenas referir a lista de credores reconhecidos, pois o motivo da impugnação
pode ser a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou a incorreção do montante ou da
qualificação dos créditos reconhecidos. O nº 3 do artigo 130º estabelece que a
inexistência de impugnações acarreta a imediata sentença de verificação e graduação
dos créditos em que o juiz aprova as listas elaboradas pelo administrador da
insolvência e gradua – de acordo com as classes explicadas anteriormente - os
créditos constantes na lista de créditos reconhecidos.

278
Alcídio Leão

À impugnação referida no parágrafo anterior, podem dar resposta o administrador de


insolvência ou qualquer outro interessado, incluindo o devedor76. No entanto o disposto
anterior não se aplica quando a impugnação se refere:

 à inclusão de determinado crédito na lista de credores reconhecidos,

 à omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito,

 ou ao fato de ter sido atribuído um montante elevado, ou uma qualificação de


grau superior à correta.
Neste caso, apenas o titular do crédito a que a impugnação se refere pode responder,
de acordo com o nº 2 do artigo 131º. Leitão (2012b: 159) tece críticas ao nº 3 do artigo
referido, pois não concorda que, pelo fato do titular do crédito referido anteriormente
não apresentar resposta à impugnação, a reclamação do seu crédito venha a ser
desconsiderada.
75 cf. artigo 129º, nº 3.
76 cf. artigo 131º, nº 1.
Terminado o prazo para as impugnações e respetivas respostas, é da responsabilidade da
comissão de credores emitir parecer sobre as mesmas, por força do artigo 135º.
Decorrida a fase de reclamação de créditos, dá início a fase de saneamento do processo,
com a marcação pelo juiz de uma tentativa de conciliação. A esta reunião devem
comparecer todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de
credores e o administrador de insolvência77, e tem como finalidade permitir o
reconhecimento de créditos impugnados (Leitão, 2012a: 237).
Concluindo-se a tentativa de conciliação, ou caso o juiz decida não ser necessário a
realização da mesma, deve proferir o despacho saneador, tal como estabelece os nºs 3 e
8 do artigo 136º. Neste despacho devem ser reconhecidos os créditos incluídos na
respetiva lista e não impugnados, os créditos que embora impugnados tenham sido
aprovados na tentativa de conciliação e os demais créditos que possam ser
reconhecidos face a outros elementos78.

279
Alcídio Leão

No entanto, existindo créditos cuja verificação dependa da produção de prova, a


graduação de todos os créditos só acontece na sentença final79, que é proferida após
audiência de discussão e julgamento estabelecida no artigo 139º.
Ocorrem então três momentos em que a sentença de verificação e graduação dos
créditos pode ser proferida:

 quando não houver impugnação da lista de credores reconhecidos, elaborada


pelo administrador de insolvência,

 na sequência da tentativa de conciliação, o despacho saneador toma a forma de


sentença, de acordo com o artigo 136º, nº 6,

 após a audiência de discussão e julgamento80.


77 cf. artigo 136º, nº 1.
78 cf. nºs 3, 4 e 5 do artigo 136º.
79 cf. artigo 136º, nº 7.
Outro procedimento que também decorre por apenso ao processo principal de
insolvência é a liquidação da massa insolvente81, regulada nos artigos 156º a 171º. Esta
é da competência do administrador da insolvência e destina-se à satisfação dos credores
do devedor, através da conversão da massa insolvente numa quantia pecuniária82.

 O começo da venda dos bens do devedor dá-se após a verificação de dois


requisitos83: a sentença declaratória de insolvência transita em julgado, isto é,
não existe reclamação, oposição ou recurso contra a sentença, ou havendo estes
sejam considerados infundados (Epifânio, 2012: 245);

 a realização da assembleia de apreciação do relatório, prevista no artigo 156º e


marcada na sentença declaratória de insolvência. Este é um momento importante
do processo que decorre e destina-se a apreciar o relatório do administrador da
insolvência84. Nesta assembleia, os credores deliberam sobre o encerramento ou
manutenção em atividade do(s) estabelecimento(s) do devedor, bem como a
elaboração ou não de um plano de insolvência.

280
Alcídio Leão

No entanto, a lei prevê algumas situações em que a liquidação é dispensada,


interrompida ou suspensa. Havendo dispensa da liquidação, a mesma nem se inicia,
e a satisfação dos credores ocorre de outro modo. Por outro lado, a suspensão implica
que a liquidação comece, mas seja provisoriamente parada. Finalmente, a liquidação
dos bens pode, por algum motivo, ser interrompida, mesmo sem estar concluída
(Leitão, 2012a: 251).
80 cf. artigo 140º.
81 cf. artigo 170º.
82 cf. artigo 55º, nº 1, a).
83 cf. artigo 158º, nº 1.
84 Nos termos do artigo 155º, o administrador da insolvência está vinculado a elaborar
um relatório contendo, entre outros elementos, a análise ao estado da contabilidade do
devedor, a indicação das perspetivas de manutenção da empresa do devedor e da
conveniência de aprovar um plano de insolvência. Devem ser anexados a este relatório o
inventário e a lista provisória de credores, regulados nos artigos 153º e 154º
respetivamente.

O artigo 171º estabelece que o juiz pode dispensar, total ou parcialmente, a liquidação
dos bens do devedor, a pedido do administrador da insolvência. Os pressupostos que se
devem então verificar são: o devedor é uma pessoa singular, a massa insolvente não
integre uma empresa e o devedor entregue ao administrador da insolvência uma quantia
em dinheiro não inferior à que resultaria da liquidação.
A suspensão da liquidação e partilha da massa pode ser determinada pela assembleia de
apreciação do relatório, caso delegue ao administrador a tarefa de elaborar um plano de
insolvência85; a pedido do proponente de plano de insolvência, se tal for indispensável
para não pôr em causa a execução desse mesmo plano86; e, por último, no caso de a
administração da massa insolvente ser atribuída ao devedor87.
O artigo 232º, nº 4 ilustra a situação em que a liquidação da massa insolvente é
interrompida. Este estabelece que, se a massa for insuficiente para a satisfação das

281
Alcídio Leão

custas do processo e as restantes dívidas da massa, o administrador da insolvência pode


parar a liquidação.
O processo de liquidação deve seguir uma série de normas, referidas no CIRE. Em
primeiro lugar, o produto da liquidação deve ser depositado à ordem da administração
da massa, à medida que o processo for decorrendo, sendo que esta regra não se aplica
aos montantes estritamente necessários às despesas correntes. Existindo comissão de
credores, a movimentação das quantias depositadas só pode ser feita com as assinaturas
do administrador da insolvência e de, pelo menos, um elemento da comissão88.
85 cf. artigo 156º, nº 3.
86 cf. artigo 206º.
87 cf. artigo 225º.
88 cf. artigo 167º.
Em segundo lugar, o administrador da insolvência não tem autorização para adquirir
bens ou direitos compreendidos na massa insolvente, sob pena de ser destituído por
justa causa89.
De seguida, o processo de insolvência deverá estar finalizado no prazo de um ano a
contar da data da assembleia de apreciação do relatório, ou no final de cada período de
seis meses subsequente. Caso não sejam cumpridos os prazos referidos, qualquer
interessado poderá requerer a destituição com justa causa do administrador da
insolvência90.
Ainda no âmbito da liquidação da massa insolvente do devedor, estabelece o
artigo 161º que há certas ações que dependem da autorização da comissão de credores,
ou da assembleia de credores na falta da anterior – atos de especial relevo. Consideram-
se atos de especial relevo a venda da empresa, de estabelecimentos ou da totalidade das
existências, a alienação de bens necessários à continuação da exploração da empresa, a
aquisição de imóveis, entre outros elencados no nº 3 do artigo referido.
Posteriormente à liquidação dos bens, dá-se o pagamento aos credores, regulado nos
artigos 172º a 184º. O administrador da insolvência deve, no entanto, descontar da
massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas da massa,

282
Alcídio Leão

atuais ou que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. O


pagamento destas dívidas acontece nas datas do respetivo vencimento91.
A satisfação das dívidas dos credores da insolvência deve respeitar a regra do artigo
173º: apenas os créditos verificados por sentença92 transitada em julgado podem ser
pagos. Para além disso, o pagamento dos créditos sobre a insolvência deve ser pela
seguinte ordem: créditos garantidos (artigo 174º), créditos privilegiados (artigo
175º), créditos comuns (artigo 176º) e créditos 89 Nos termos do artigo 168º.
90 cf. artigo 169º.
91 cf. artigo 172º, nºs 1 e 3.
92 Sentença de verificação e graduação dos créditos.
subordinados (artigo 177º). Finalmente, a liquidação dos créditos reconhecidos não
necessita de requerimento93.
Por força do nº 2 do artigo 183º, o credor que não solicite, no prazo de um ano a contar
da data em que foi avisado, o cheque que saldará o direito que detém, vê o seu crédito
prescrever e o montante reverte para o Cofre Geral dos Tribunais. Em relação ao que
sobrar, se for o caso, após o pagamento de todos os créditos sobre insolvência,
estabelece o artigo 184º que deverá ser entregue ao devedor pelo administrador da
insolvência.
Finalmente, o CIRE regula especificamente o encerramento do processo de insolvência,
após a sentença declarativa de insolvência, nos artigos 230º a 234º. Este momento
surge quando o juiz assim o declara, nas seguintes circunstâncias94:

 após a realização do rateio final, previsto no artigo 182º,

 após a decisão de homologação do plano de insolvência, regulado nos artigos


192º a 208º95,

 a pedido do devedor, quando este deixe de estar em situação de insolvência ou


com consentimento de todos os credores,

 verificando-se a insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do


processo e restantes dívidas da massa.

283
Alcídio Leão

O encerramento do processo de insolvência permite ao devedor recuperar o direito sobre


os seus bens e a livre gestão dos seus negócios, extingue as funções da comissão de
credores e do administrador da insolvência96 e também
93 cf. nº 1 do artigo 183º.
94 cf. artigo 230º, nº 1.
95 Abordado adiante.
96 Exceto as referentes à prestação de contas e as atribuídas pelo plano de insolvência,
se for o caso. permite aos credores da insolvência que exerçam os seus direitos contra o
devedor97.
Em relação às sociedades comerciais, o encerramento do processo tem algumas
particularidades apresentadas no artigo 234º. Assim, se o encerramento do processo se
dever à aprovação de um plano de insolvência que preveja a continuidade da sociedade
ou a pedido do devedor, nos termos do artigo 230º, nº1, alínea c), a sociedade retoma a
sua atividade normal. Finalmente, encerrado o processo após o rateio final, a sociedade
extingue-se98.

52. Medidas a adotar para a recuperação de empresas

Depois de apresentadas as regras gerais do processo de insolvência, expomos agora


algumas medidas particulares que se podem adotar, com o intuito da recuperação de
empresas.

52.7. Plano de insolvência

Voltando ao artigo 1º do CIRE, percebemos que o legislador dá enfase à utilização de


um plano de insolvência, que se baseie na recuperação da empresa compreendida na
massa insolvente. Esta figura está regulada nos artigos 192º a 222º e tem como função
disciplinar, em detrimento das normas do CIRE, o pagamento dos créditos sobre a
insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua distribuição pelos credores e pelo
devedor99. Quer isto dizer que os credores têm grande liberdade para a criação de um

284
Alcídio Leão

plano, adotando algumas medidas previstas no CIRE ou outras, mesmo em derrogação


dos seus preceitos (Leitão,2012a: 285).
Da redação do disposto anterior percebemos então que a utilização do plano de
insolvência pode resultar, na mesma, no encerramento da atividade do devedor. Assim,
“a Lei 16/2012, de 20 de Abril, determinou a autonomização no âmbito do plano de
insolvência do plano de recuperação do devedor, o qual
97 cf. artigo 233º, nº 1.
98 cf. artigo 234º, nº 3.
99 cf. nº 1 do artigo 192º.
Passou a constituir uma modalidade especial desse plano, a qual deve ser sempre
referida” (Leitão, 2012b: 194).
Quanto aos sujeitos passivos do plano de insolvência, são os mesmos referidos para o
processo de insolvência, excetuando as pessoas singulares não empresárias100 e o
titulares de pequenas empresas101, tal como dispõe o artigo 250º.
Por outro lado, quem tem legitimidade para propor um plano de insolvência é o
administrador da insolvência, o próprio devedor, qualquer pessoa que responda
legalmente pelas dívidas da insolvência e qualquer credor ou grupo de credores cujos
créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não
subordinados102.
O momento em que o plano pode ser proposto não se encontra especificamente
regulado, pois existem vários momentos, referidos dispersamente no Código, em que
tal pode acontecer. Assim, de acordo com o nº3 do artigo 24º, quando o devedor se
apresente à insolvência, pode apresentar proposta de plano de insolvência, sem prejuízo
de apresentação posterior.
Caso a assembleia de credores encarregue o administrador da insolvência de
elaborar um plano, este deverá anunciá-lo dentro de um prazo razoável, tal como
estipula o nº 2 do artigo 193º. Finalmente, nas palavras de Epifânio (2012: 277), a
iniciativa do administrador da insolvência, da assembleia de credores, dos credores (fora
do contexto da assembleia) e dos responsáveis legais em apresentar um plano de
insolvência pode dar-se em qualquer momento processual.
285
Alcídio Leão

O artigo 195º determina o conteúdo que o plano de insolvência deve ter. Este deve
indicar o seu propósito, as medidas necessárias à sua execução, a descrição da situação
patrimonial e financeira do devedor, as demonstrações 100 Quem não tiver sido titular
da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de
insolvência (artigo 249º, nº 1, a)).
101 Empresa que à data do início do processo não tiver dívidas laborais, mais do que 20
credores e o seu passivo global não exceder 300.000 € (artigo 249º, nº 1, b)).
102 cf. artigo 193º, nº 1.
financeiras previsionais no caso de se prever a manutenção em atividade da empresa,
entre outros elementos relevantes para efeitos da sua aprovação.
O plano de insolvência pode também conter medidas em relação ao passivo do devedor,
com exceção dos créditos tributários (Leitão, 2012a: 288). Por exemplo, o valor dos
créditos pode ser perdoado ou reduzido, o reembolso de todos os créditos, ou de parte
deles, pode ficar condicionado às disponibilidades do devedor e os prazos de
vencimento ou das taxas de juro dos créditos podem ser modificados103.
A autora Epifânio (2012: 277) refere que “o plano de insolvência é objeto de dois
controlos jurisdicionais fundamentais: o despacho liminar de admissibilidade (artigo
207º) e a sentença de homologação do plano já aprovado em assembleia de credores
(artigos 214º a 216º)”.
Nos termos do artigo 207º, o juiz pode não aceitar a proposta de plano de insolvência,
nos seguintes casos:

 se a pessoa que apresente a proposta não tiver legitimidade, nos termos do


artigo 193º, ou se os preceitos sobre o conteúdo do plano não forem
cumpridos;

 quando o plano se mostrar de difícil execução;

 quando o administrador da insolvência se opuser à admissão de plano


apresentado pelo devedor, com o acordo da comissão de credores. Neste caso, é
necessário que o devedor já tenha apresentado outra proposta, que tenha sido
aprovada pelo tribunal.

286
Alcídio Leão

Sendo a proposta de plano de insolvência aprovada liminarmente pelo juiz, este convoca
de seguida a assembleia de credores para discutir e votar a
103 cf. artigo 196º, nº 1.
proposta104. Posteriormente à aprovação da proposta pela assembleia de credores,
o juiz deve decidir sobre a homologação do plano de insolvência105.
A lei prevê que, o plano que implique o encerramento do processo de insolvência (nos
termos do artigo 230º, nº 1, alínea b)), pode ser sujeito a fiscalização por parte do
administrador da insolvência e que a prática de determinados atos pelo devedor careçam
de autorização do administrador106.

Neste caso, a fiscalização não se pode prolongar por mais de três anos e termina
aquando a satisfação dos créditos sobre a insolvência, nas percentagens previstas no
plano, ou quando seja declarada a situação de insolvência do devedor, em novo
processo107.

53. Direito Bancário I

O direito bancário é um ramo do direito comercial, inserido no tronco do direito


privado, pelas características das partes que regula, mas, que por outro lado, tem forte
conotação publico, devido a sua repercussão no interesse colectivo, do exercício da
actividade bancaria, que actualmente se encontra sob controlo estatal.
O Direito Bancário esta submetido as normas de direito privado e, também, as normas
do direito publico, representado pelo direito económico, conjunto de regras que diz
respeito as operações de banco e a quem as pratica de modo reiterado ou eventual,
dentro de um plano de prestação de serviço. Assim, o direito bancário é ramo do direito
comercial que regula as operações de bancos e a actividade daqueles que a praticam em
caracter profissional.
O Direito Bancário compreende também as normas de direito publico que visam a
regulação e supervisão da actividade bancaria. Outras aspectos mais gerais, como as
normas relativas à prevenção da lavagem de dinheiro (ou branqueamento de capitais),
tem também um impacto directo na área bancaria.
287
Alcídio Leão

O Direito Bancário é, pois, um conjunto de normas e de princípios jurídicos que


suscitam o predicativo “bancário”. Alem disso, a expressão designa a disciplina jurídica
que estuda esses mesmas normas e princípios.
Os bancos desempenham papel primordial de intermediários nos pagamentos, agem
como sujeitos das operações e contratos que realizam, procuram obter capital disponível
para aplicação, em seu próprio nome, com o objectivo final, de geração de lucro.
Banco é a empresa que, com fundos próprios ou de terceiros, faz da negociação de
créditos suas actividade principal, do que se dessume competir-lhes dentro de suas
prerrogativas profissionais, também o exercício das acessórias que, não se contendo
dentro das creditícias, atendem a finalidade de atrair o cliente para elas.

52.1. Tipos de Direitos Bancários

As instituições de credito e as sociedades financeiras submetem-se a regras de


densidade crescente. Fala-se, a tal propósito, num sistema financeiro. O direito bancário
regula e estuda duas grandes áreas, (a) a da organização do sistema financeiro que se
debruce sobre os bancos e de mais instituições, as condições de acesso a sua actividade,
a suspensão e a fiscalização e as diversas regras conexas e de (b) a da actividade das
instituições de credito e sociedade financeiras que tem a ver com as relações
interbancárias e com as relações que se estabeleçam entre a banca e os particulares. Ao
direito da organização do sistema financeiro,chama-se-à direito institucional

52.2. Direito bancário institucional


Corresponde à disciplina do sistema financeiro ou, substancialmente: das instituições
especializadas no tratamento do dinheiro. Pode-se reportar o Direito Bancário
institucional ao regime do Banco de Portugal e ao das instituições de crédito e as das
sociedades financeiras, tal como resulta do Regime Geral das Instituições de crédito.
O Direito Bancario institucional tem uma autonomia clara dada pela especificidade do
seu objecto - as operações relativas ao dinheiro – e pela afirmação das suas fontes.

288
Alcídio Leão

52.3. Sistema Financeiro Nacional

Sistema financeiro é um conjunto ordenado de instituições submetidas a um regime


jurídico basicamente comum que visam globalmente realizar a função social de
intermediação entre os aforradores e os que carecem da poupança para a prossecução
dos seus fins, nos quadros de politica definida.
Este conjunto de instituições e instrumentos financeiros possibilita a transferência de
recursos dos ofertantes para os tomadores proporcionando, desta forma, liquedez no
mercado.

52.4. Características do Direito Bancário

Sistematizando as características deste Direito, podemos, pois, dizer que ele é:


 Instável o caracter instável que nos atribuímos ao Direito Fiscal101 é apreciável
no Direito;
 Imperativo em boa verdade, com o Direito Bancário o legislador impõe-se as
partes, não visa colmatar as lacunas destas e faz prevalecer o interesse publico;
 Imperativo e indeterminado suportando-se em conceitos jurídicos reflectores de
substrato económico ou assentes em realidades pre-juridicas, o Direito Bancario
é aberto e indefinido102.
Ele recorre à tecnicidade jurídica, económica e informática que o perpassem.
 Transfronteiriço a enorme capacidade, universalidade e abrangência faz com que
uma prática bancaria eficiente seja universalizada, sem que para tal tenha havido
algum esforço de harmonização, em sede do direito internacional.

101
WATY, Teodoro Andrade e, apresentação ao Codigo do IVA, W&W Editora, Limitada, 2000.
102
Nunes, Fernando Conceicao, ob. Cit. P.46.

289
Alcídio Leão

 Descentralizado, que é normativa, suscita problemas de ordem jurídica que


impõem uma reflexão dogmática e que conduzem à desgovernamentalização.

52.5. Princípios bancários


O Direito Bancário, cujo crescimento deve à incapacidade do Direito privado
tradicional, civil e comercial, responder as exigências do desenvolvimento da actividade
económica subjacente, isto é, a actividade bancaria, tem princípios que servem para
caracteriza-lo, como sejam:

54. Direito do Comercio Internacional


 Principio da simplicidade, nos seus processuais e dinâmicos, pode-se considerar
o Direito Bancario privado como dinâmico por um principio da simplicidade.
Fica claro que a simplicidade, de alguma forma parentada com o
consensualismo, não admitira que os negócios bancários se resumam as palavras
de circunstancias ou simples circunlóquios, sendo sempre indispensável um
reformalizacao do negocio jurídico-bancario.
O principio da simplicidade manifesta-se pelos seguintes sub-principios ou
regras mais explícitos:
 A desformalizacao os actos bancários podem resumir-se a uma simples
assinatura, à digitação de um PIN.
A desformalizacao pode, como diz Prof. Menezes Cordeiro, conduzir a
reformalização, pois, por necessidade de rapidez e segurança, acaba-se por
recorrer a clausulas contratuais gerais ou a gravação de chamadas telefónicas,
para produzir a prova dos actos celebrados surgem sem especiais formalidades.
 A unilateralidade. Pela unilateralidade, dispensam-se os tradicionais actos
preparatórios da contratação ou os actos pre-contratuais, a unilateralidade pode
ser real ou aparente.

290
Alcídio Leão

 A rapidez, o giro bancário não se compadece com negociações complexas ou


com longos tempos de espera, por isso, para a rapidez pretendida na actividade
bancaria, as instituições de crédito socorrem-se das cláusulas contratuais gerais.
 A desmaterialização, hoje, não se suporta na telex, no telefone, mas fortemente
apoiado na informática, porque o direito bancário lida, cada vez mais, com
valores e representações desmaterializadas.
 Contratação informática, para a simplicacao e rapidez, como já se teve
oportunidade de dizer, a informática é instrumental estando sempre presente na
contratação e pratica de diversos actos bancários e execução de numerosos
deveres de informação e comunicação.
 Principio da ponderação bancaria, este principio decorre do curso que o Direito
Bancário toma, encaminhando-se como diz o Professor Menezes Cordeiro, para
um modo próprio de gerir realidades sociais, e que fica algures entre a
materialidade subjacente e a tutela da aparência.
Este princípio entende-se, ensina ainda o Professor Menezes Cordeiro, pelos
vectores de (1) prevalência das realidades, (2) abrangência, (3) flexibilidade e
(4) primeiro entendimento que si seguem:
 Prevalência das realidades, por este vector os banqueiros nos praticam não se
enclaustram na sua regularidade formal, mas atendem à substancia económica da
situação.
No dever de informação como na preparação de certos negócios mais
complexos, o banqueiro não vai atender à regularidade formal dos actos, ele
descera à substancia económica da situação.
 Abrangência, o vector da abrangência é entendido no sentido de que o Direito
Bancário não se circunscreve a actos isolados, mas tende a gerar negócios ou
actos em cadeia.
 Flexibilidade, este vector refere-se à predisposição deste Direito a recriar
figuras, a criar figuras novas, para mais confortavelmente enfrentar os desafios
da modernidade; fala-se por isso, de o Direito Bancário ser fortemente
repressivo e de um direito bancário fortemente responsivo, nesse sentido de
enfrentar problemas novos, com soluções diferentes.

291
Alcídio Leão

 Primeiro entendimento, o vector do primeiro entendimento constitui uma


verdadeira tutela da aparência, em moldes particulares, em actos jurídicos, que
da atenção ao primeiro entendimento.
 Princípio da eficácia, este princípio prevê que o Direito Bancário antecipa-se as
vicissitudes, removendo-se ou, em casos de inadimplemento, recorrer a soluções
laterais menos penalizantes da imagem das partes.
As garantias reais, mais solidas, e as pessoas, mas fluidas, mas menos lentas, são
substituídas por garantias bancarias.
 Principio da eficácia sancionatória pelo principio da eficácia sancionatória o
Direito Bancário aparta-se do Direito das Obrigações e desiste da coercibilidade
das normas.

Direito internacional por vezes chama-se direito internacional público, para se distinguir
do internacional privado. A semelhança é só de palavras: não há na realidade
verdadeiramente uma categoria (cientificamente determinada) que abranja, num só
género, direito internacional público e direito internacional privado.

55. Direito de Energia e dos Petróleos

Noção
Direito do Petróleo é o ramo do Direito geral que trata dos aspectos jurídicos da
regulação, da produção e da circulação de bens, produtos e serviços oriundos da
indústria do petróleo e gás natural. Sua estrutura complexa abarca, ao mesmo tempo,
elementos do direito publica e de direito privado, bem como temas de direito
internacional e de direito do comércio internacional.
Direito de Energia é o ramo do direito público que tem por objecto o estudo das
questões relacionadas com a energia. Este ramo de Direito analisa as relações entre as
actividades do sector electrico e outras de direito com vista a fornecer instrumentos de
control de conflitos entre o desenvolvimento socio-economico intenção ambiental e
sustentabilidade com reflexo em outros acitividades produtoras.

292
Alcídio Leão

55.7. Direito de petróleo

O direito de petróleo quanto ao objecto apresenta uma vertente internacionalista,


sintetizada pela expressão Lex Petrolea.
Pois, este ramo do Direito exige uma ampla base de conhecimento, de modo que os
diferentes aspectos envolvidos possam ser adequadamente abordados.

55.8. Direito de energia

O direito de energia e o ramo jurídico especialmente exposto ao efeito da


internacionalização do direito internacional publico em particular do direito
administrativo.

55.9. Princípios

Principio do desenvolvimento sustentável – o desenvolvimento sustentável seria o


equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconómico e a preservação do meio ambiente.

 Princípio da integração

 Princípio da prevenção

 Princípio do utilizador pagador.

Direito de Energia
Principio
Princípio da Conservação de Energia – este principio estabelece que a energia não
pode ser criada nem destruída apenas transformada.

Degradação Princeple Energy

293
Alcídio Leão

56. Direito do Consumidor

O conhecimento dos direitos do cidadão faz parte da construção da cidadania. Ser


cidadão é conhecer e exigir seus próprios direitos, cumprindo com suas respectivas
obrigações. O conceito de cidadania esta vinculado á oportunidade que cada individuo
tem de exercer livremente suas opções e escolhas, com a garantia de receber tratamento
igualitário e respeitoso perante a sociedade e o poder publico.
A lei da defesa do Consumidor apresenta-se como uma necessidade social, ante os
imperativos que se originaram da implementação da sociedade de consumo no limiar do
seculo em Moçambique.
Houve necessidade de se instituir um sistema Moçambique de defesa do consumidor
com o fito de assegurar os direitos e interesse do consumidor que ate 2009 havia lacuna
jurídica.
Fazendo uma breve resenha histórico-temporal, situa-se como marco inicial da
génese da Sociedade de Massas, a Revolução Industrial.
Onde as remotas práticas artesanais, com a Revolução Industrial no século XVIII deram
lugar a modelos de industrialização que possibilitaram o incremento da produção de
bens de consumo.
Como corolário, ocorreu que com a massificação dos produtos e serviços oferecidos no
mercado de consumo, a partir da segunda metade do século XX, foi gerada a
necessidade de intervenção estatal perante o flagrante desequilíbrio que passou a
imperar sobre os consumidores, emanado do poderio dos fornecedores.
Contrapondo-se ao Modo de Produção Capitalista, os países da Economia Centralmente
Planificada emanaram políticas estatais de protecção do consumidor, a partir do
surgimento de um complexo de direitos chamados de terceira dimensão.
Pois que a manutenção das contratações baseadas numa ideia liberal – Liberalismo
Economico – já há tempos, mostrava-se intolerável.
A produção em serie com a consequente distribuição e comercialização em massa de
produtos e serviços, mediante contractos pré-estabelecidos – clausula impostas em
bloco – pelo próprio fornecedor e/ou fabricante ou comerciante geraram desequilíbrio,
desigualdade e injustiças irremediáveis pela legislação anterior.

294
Alcídio Leão

A imposição de regras por parte dos mais fortes, de maneira unilateral e irreprimível
pelo Estado, obrigava os consumidores a aderir e aceitar determinadas situações que,
muitas vezes, eram responsáveis pela motivação de danos irreparáveis e, como sabeis,
portanto, a legislação material, que antes regulava as relações de consumo como um
todo, apresenta um panorama de responsabilização civil baseado na ideia da culpa.
Foi com base nisso que no mundo, como resposta normativa do Direito á sociedade de
Consumo, considerada aqui na realidade moçambicana, em 2009 o Estado passou a
disciplinar, de forma e através da lei material própria, os factos afectos ao universo
consumerista, buscando, à partir dum princípio constitucional, a concretização da regra
da justiça material, fundada na constatação da cada vez mais vulnerabilidade do
consumidor.
Portanto, toda a Lei da defesa do consumidor apresenta-se como lei principio-lógica
mas, com aplicabilidade em toda a relação jurídica que se constitua na relação de
consumo.

55.1. A historicidade do direito do consumidor


A experiencia norte-americano
O signo CONSUMERISMO vem do inglês consumerism, significando, o movimento
social surgido nos EUA na década de 1960 contra a produção, e a comercialização e a
comunicação em massa contra os abusos nas técnicas de marketing, propaganda, contra
a periculosidade de produtos e serviços, visando a qualidade e confiabilidade dos
mesmos.
O movimento fortaleceu com a já citada mensagem do Presidente Kennedy e dai
ganhou o mundo.
Estabelecia-se assim um marco: um novo modelo de Direito do Consumidor que
reconhece neste, um sujeito de direitos específicos e lhe atribui direitos fundamentais.

295
Alcídio Leão

55.2. Campo de aplicação da lei do consumidor


A aplicação da lei do consumidor é uma tarefa que exige um certo cuidado para
identificar, principalmente, quem é consumidor e quais as actividades tratadas pela
referida Lei. A lei do consumidor não tem aplicabilidade a todas as relações
económicas, mas restringe-se á identificação de actividades económicas nas quais
estejam o consumidor e o fornecedor, e entre eles uma transacção envolvendo produto
e/ou serviço.

Vulnerabilidade
Parte do pressuposto de que o consumidor é um sujeito vulnerável ao adquirir produtos
e serviços ou simplesmente se expor a práticas do mercado. A vulnerabilidade é o ponto
fundamental na lei do consumidor, e na pratica, traduz-se na insuficiência, na
fragilidade de o consumidor se manter imune a praticas lesivas sem a intervenção
auxiliadora de órgãos ou instrumentos para sua protecção. Por se tratar de conceito tao
relevante, a vulnerabilidade permeia, directa ou indirectamente, todos os aspectos da
protecção do consumidor.

Quem é Consumidor
O consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo. A lei da defesa do
consumidor define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art2.. assim fazendo, a Lei de
consumo não deixa duvidas de que o cidadão individualmente considerado (pessoa
física ou natural) é consumidor nos termos da Lei.
Crianças e adolescentes também são consumidores, bastando que o atendimento de suas
demandas e pleitos ocorra com o acompanhamento de um responsável.
Porem, cumpre observar que, no tocante ás empresas (e pessoas físicas que exercem
actividade profissionais) existe alguma duvida, tanto da doutrina da jurisprudência,
quando o assunto é definir qual o sentido e alcance da expressão destinatário final.

296
Alcídio Leão

Quem é fornecedor
Já o conceito de fornecedor não guarda dificuldades. A defesa do consumidor
estabelece no artigo 3ᵒ. De modo bastante genérico e propositadamante amplo, que
fornecedor é “toda pessoa física ou jurídica, publica ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como entes despersonalizados, que desempenham actividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição, ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Se um comerciante exercer uma
actividade que não encontra conectivo directo com qualquer das hipóteses do artigo 3ᵒ,
acima destacado, mas se resume em disponibilizar produto ou serviço aos
consumidores, duvida não há de que é ele fornecedor.

Produtos e serviços
a lei de defesa do consumidor trata os bens da vida como produtos (qualquer bem,
móvel ou imóvel, material ou imaterial) ou serviços (qualquer actividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração) – de acordo com o atigo 1 e 2 defesa do
consumidor. A partir destes conceitos é possível compreender o quao ampla sera a
abrangência desta lei que pode alcançar desde a contratação de planos de saúde ate a
compra de um simples calçado. Em ambos os casos o consumidor está em situação
desfavorável.
Os produtos são bens que se transferem do património do fornecedor para o do
consumidor, sejam eles materiais (ex: aparelho telefónico) ou ate imateriais (ex: um
programa de computador). Sujeitos á entrega (ex: um veiculo, uma televisão, alimento),
enquanto são imoveis os bens incorporados natural ou artificialmente ao solo (ex: lote
de terra urbana ou rural, residencial ou comercial; um apartamento).
Já os serviços são actividades humanas executadas pelos fornecedores, de interesses dos
consumidores que delas necessitam (ex: o serviço de transporte de passageiros).

O que fica de fora do campo de aplicação da Lei da Defesa do Consumidor


A própria LDC estabelece que as relações de carater trabalhista não esta abrangidas em
seu campo de incidência, conforme artigo 3 numero 2, parte final. Assim, se um
trabalhador procura um Procon para ver garantidos seus direitos de receber salários ou

297
Alcídio Leão

verbas indemnizatórias atrasadas ou não pagas por seu patrão, falta atribuição legal para
este órgão tomar qualquer providência.

Direitos básicos do consumidor


Quando se fala em direitos básicos tem-se a exacta noção de quem cuidam de valores e
preceitos fundamentais que não podem ser deixados de lado, pois integram uma lista
básica ou mínima de condições para que o consumidor conviva no mercado com
dignidade.
Os direitos básicos do consumidor estão contidos no arigo 6 da Lei de Defesa do
Consumidor.

Direito à proteção contratual

Especificamente em relação ao contrato, o CDC garante ao consumidor, além da


possibilidade de invalidar as cláusulas abusivas, mesmo tendo assinado o documento
(Capítulo 8), o direito de modificar disposições que imponham ganho exagerado ao
fornecedor em detrimento de prejuízo considerável do consumidor e de rever o contrato
caso ocorra um fato posterior ao acordo das partes que torne inviável ao consumidor o
cumprimento de sua prestação (art. 6º, V, CDC).
Pois, Contrato é um acordo por escrito que duas ou mais pessoas fazem. Quando se faz
um contrato, são relacionados os direitos e os deveres do fornecedor e do consumidor.
As regras estabelecidas nos contratos são chamadas cláusulas.
Todo contrato deve ter:
Letras em tamanho de fácil leitura;
Linguagem simples;
As cláusulas que limitem os direitos do consumidor bem destacado.
Contrato de adesão (Art. 54, CDC) é aquele que o fornecedor entrega já pronto ao
consumidor. O consumidor não tem possibilidade de discutir as cláusulas ou regras do
contrato, que foram redigidas pelo fornecedor. Tal contrato passa a existir a partir do

298
Alcídio Leão

momento em que o consumidor assina o formulário padronizado que lhe é apresentado


pelo fornecedor.
GARANTIA
No Código de Defesa do Consumidor existem dois tipos de garantia: a legal e a
contratual.
A garantia legal não depende do contrato que foi feito, pois já está prevista na lei (Arts.
26 e 27, CDC).
A garantia contratual completa a legal e é dada pelo próprio fornecedor. Chama-se
termo de garantia (Art. 50, CDC).
O termo de garantia deve explicar:
 O que está garantido;
 Qual é o seu prazo;
 Qual o lugar em que ele deve ser exigido.
O termo de garantia deve ser acompanhado de um manual de instrução ilustrado, em
português, e fácil de entender.
Não entregar termo de garantia, devidamente preenchido, é crime (Art. 74, CDC).
CONCESSÃO DE CRÉDITO AO CONSUMIDOR
Art. 52, CDC
Quando você for comprar à prestação, utilizando ou não os serviços de uma financeira,
o fornecedor tem a obrigação de informar:
o preço do produto ou serviço em moeda nacional, os valores dos juros de mora e a taxa
de juros do financiamento;
os acréscimos previstos por lei;
a quantidade e a data de vencimento das prestações;
o total a ser pago à vista ou financiado.
A multa por falta de pagamento não pode ser maior do que 2% do valor da prestação.

299
Alcídio Leão

Você pode adiantar o pagamento da dívida toda ou de parte dela, com direito a redução
proporcional dos juros e outros acréscimos.
COBRANÇA DE DÍVIDAS
Art. 42, CDC
7
O Código não permite que o fornecedor, na cobrança de dívida, ameace ou faça o
consumidor passar vergonha em público. Não permite, também, que o fornecedor, sem
motivo justo, cobre o consumidor no seu local de trabalho.
É crime ameaçar, expor ao ridículo ou, injustificadatemente, interferir no trabalho ou
lazer do consumidor para cobrar uma dívida (art. 71, CDC).
Se o fornecedor cobrar quantia indevida (o que já foi pago, mais do que o devido, etc.),
o consumidor terá direito de receber o que pagou, em dobro, com juros e correção
monetária.
HABITAÇÃO
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS
VISTORIA
Antes de alugar um imóvel, faça uma vistoria completa para comprovar em que
condições estava antes da locação.
Descreva, detalhadamente, como se encontram o piso, as paredes, teto, maçanetas,
lustres, interruptores, tomadas, janelas, encanamentos, parte elétrica, pintura, etc.
A vistoria tem que ser assinada pelo inquilino e pelo proprietário e anexada ao contrato,
com uma cópia para você.
TAXAS
Não podem ser cobradas taxas do inquilino para ser realizado um contrato de aluguel.
O inquilino só deve pagar o aluguel e os encargos permitidos por lei.
Não podem ser cobradas taxas de reservas de imóvel, nem é permitida a cobrança
adiantada do aluguel, a não ser em contratos que não apresentam garantia ou aluguéis de
temporada.
300
Alcídio Leão

GARANTIA
O proprietário ou imobiliária tem o direito de exigir uma garantia de pagamento.
Existem três casos previstos na lei:
Caução
É um depósito que deve ser colocado em dinheiro, em conta conjunta proprietário/
inquilino.
Ao devolver as chaves, o inquilino terá o direito de receber o valor total do resgate da
caução.
Se o proprietário se recusar a devolver, o inquilino tem o direito de processá-lo para
receber de volta a caução.
Fiança
Quando você faz um contrato de aluguel, é preciso que uma terceira pessoa se
responsabilize por você. Esta pessoa é o fiador.
Fiança é a garantia dada pelo fiador no caso de você não cumprir suas obrigações.
Existem fiadores que cobram por seu serviço. São fiadores profissionais. Evite negociar
com eles.
Seguro de fiança locatícia
É um seguro feito por companhias seguradoras. Este seguro cobre as dívidas do aluguel
e de contas que não forem pagas, como por exemplo, co5ntas de luz, condomínio,
estragos no imóvel, etc.
PAGAMENTO DE ALUGUEL
O proprietário ou a imobiliária têm obrigação de dar recibo de tudo que foi pago
(aluguel, taxas, etc.) e se o inquilino atrasar o pagamento do aluguel, o proprietário pode
entrar com ação de despejo, a partir do primeiro dia de atraso.
Pode também exigir multas permitidas por lei. O reajuste é anual e deve ser feito com
base no valor escrito no contrato.
Esse reajuste é tanto para aluguéis novos como para aluguéis de contratos renovados.

301
Alcídio Leão

DESPESAS
• Do inquilino. São de responsabilidade do inquilino: o pagamento pontual do aluguel,
das contas de luz, água e saneamento.
Se for condomínio, são também de responsabilidade do inquilino as despesas ordinárias:
material de limpeza, salários de funcionários, conservação e manutenção do elevador e
das partes elétrica e hidráulica, além do seguro contra incêndio.
• Do proprietário. As chamadas despesas extraordinárias, ou seja, pintura interna ou
externa, lavagem externa do prédio, instalação de grades ou porteiro eletrônico, grandes
reparos em geral e tudo mais que signifique benfeitoria ou material permanente.
O IPTU, em princípio, é de responsabilidade do proprietário, mas a lei permite que seja
repassado ao inquilino, desde que esteja no contrato. Se não estiver no contrato, você
não deve pagar.
VENCIMENTO DO CONTRATO
Não existe a necessidade de um novo contrato quando vence o prazo do aluguel.
O primeiro contrato renova-se automaticamente pelo mesmo prazo.
Se o proprietário e o inquilino quiserem alterar uma ou mais cláusulas do contrato,
deverão fazer um adendo contratual.
Um adendo contratual é um documento que modifica o contrato e torna-se parte do
mesmo.
As despesas com o adendo contratual serão pagas pelo proprietário.
RESCISÃO DO CONTRATO
O contrato poderá ser rescindido pelo inquilino a qualquer momento, desde que pague a
multa estipulada.
Se o contrato for renovado por tempo indeterminado, poderá ser cancelado com uma
simples notificação por escrito ao proprietário ou à imobiliária, de preferência através
do Cartório de Títulos e Documentos.
O prazo para cancelamento é de um mês antes da data em que for entregue chaves.

302
Alcídio Leão

Caso o proprietário queira retomar o imóvel por motivos legais, deve entrar com uma
ação de despejo, depois de cumprir o prazo determinado em lei.
Os motivos para retomar o imóvel são:
infração da lei ou do contrato pelo locatário;
necessidade do imóvel para uso próprio do locador ou familiares, etc.
A melhor forma é um acordo amigável entre as partes.

57. Direitos dos Valores Mobiliários

Valores mobiliários são documentos emitidos por empresas ou outras entidades em


quantidades, que representam direitos e deveres, podendo ser comprados e vendidas.
Representam para as empresas emitentes uma forma de financiamento alternativa,
designadamente, ao crédito bancário bem como a outros modos de financiamento menos
conhecidos.
Característico valor mobiliário
Valores mobiliários representam capital social ou com uma parcela de um empréstimo
(como acções, títulos, debentures, títulos, hipotecários e outros títulos de credito
similar), emitido pelo governo ou por empresas privadas e destina-se a trafico geral.

58. Direito da Propriedades Industrial e dos Autores

A propriedade intelectual resulta das criações da mente humana. As criações artísticas,


literárias, tecnológicas e científicas.
O intelecto humano traduz – se no direito de poder controlar essas criações em benefício
próprio através de um monopólio periódico sobre as mesmas.
303
Alcídio Leão

Objecto
Esta cadeira trata das criações da mente humana que pode resultar dos direitos dos autor
e da propriedade industrial que são:
Autor – obra literária, Romance, Musica, Corografia, Fotografia, Filmes, Pintura, Obra
artísticas e Direitos Conexos: traduções, Adaptações e arranjos.
Propriedade Industrial – Marcas, Logotipos, Insígnias de Estabelecimentos, Nome
comercial, Nome do Estabelecimento, Indicação Geográfica, Denominação de Origem,
Recompensa e Criações de Aplicação Industrial: Patentes, Desenho Industrial, Modelo
de Utilidade.

Princípios

 Princípio da exaustão/esgotamento/first selling dos direitos da propriedade


intelectual;

 Princípio da protecção automática (no âmbito dos direitos de autor);

 Princípio da prevalência de primeiro registo/first file (no âmbito dos direitos da


propriedade intelectual);

 Princípio do direito de prioridade (no âmbito dos direitos da propriedades


industrial);

 Princípio de territoriedade (no âmbito dos direitos da propriedade industria);

 Estabelece que a proteção dos direitos da propriedade industrial é feita no


território nacional onde foram registados;

 Principio da especificidade (no âmbito dos direitos da propriedade industrial);

 Principio do tratamento nacional;

 Principio das nação mais favorável;

304
Alcídio Leão

59. Direito Fiscal e Aduaneiro

Direito Fiscal
No domínio das cobranças das receitas, avultam aquelas que consistem em pagamentos
feitos pelas pessoas ao Estado (dito também neste caso Fisco), destinados, não a pagar
bens ou serviços específicos deste recebidos, mas a contribuir para as respectivas
despesas. Tais pagamentos – ditos impostos – são objecto mediato da relação jurídica
fiscal ou tributaria, e o direito que regula as relações desta categoria é o direito fiscal.
Direito Tributário, segundo a doutrina italiana e as legislações brasileira, outras sul-
americanas e espanhola, incluem-se todas as normas respeitantes a disciplina da recolha
dos meios económicos necessários aos Estados e outras entes públicos. É assim que o
Direito Tributário fariam parte os impostos, as taxas, a contribuição especial, as multas,
as licenças, as requisições administrativas e a expropriação, para alem de outras
prestações patrimoniais de Direito Publico em que se inclui taxa militar (a pagar pelo
serviço militar quando remível).
A mesma doutrina italiana vem a admitir como único fenómeno tributário o imposto,
excluído então do Direito Tributário as outras categorias jurídicas atras postas a desfilar.
O Direito fiscal, ficou claramente defendido, é um ramo do Direito Financeiro que é
deste, alias, logicamente supletório, no sentido de que ele cuida de preencher a
insuficiência do património (dominial, artificial e financial) para suportar as crescentes
despesas exigidas pela satisfação das necessidades da comunidade politica.
Não é, porem, tao pacifica esta delimitação do Direito Fiscal. Na verdade, também se
entende que o Direito fiscal pode abranger mais do que impostos e tributos103.

60.2. Princípios do Direito Fiscal


O Direito fiscal abrange diversas princípios e normas:

 Princípios jurídicos fundamentais que informam a Constituição material de


Estado de Direito, de natureza supra-positivo;

103

305
Alcídio Leão

 Princípios gerais do Direito Fiscal;

 Normas do Direito Fiscal Constitucional (quer as do Constituição formal, que as


materiais, como as programáticas);

 Normas do Direito da Organização administrativa da fiscalidade.

 As normas do Direito Tributário material positivo negativo que regulam os


impostos e os desagravamentos estruturais e excepcionais (benefícios fiscais);

 As normas do Direito processual administrativo tributário que definem as


situações jurídico-tributários positivas e negativas e o exercício das garantias
administrativas (reclamações e recursos);

 As normas do Direito processual fiscal que regulam os processos judiciais


tributários;

 As normas do Direito sancionatório fiscal, penal fiscal e fiscal penal, que


regulam as sanções preventivas, compensatórias, compulsórias, reconstititivas e
punitivas;

 As normas do Direito Fiscal Internacional, do Direito Internacional Fiscal que


regulam os conflitos de leis fiscais, sejam de natureza interna quer internacional,
de caracter positivo ou negativo.

60.3. Características do Direito Fiscal

O direito Fiscal é uma ciência jurídica de normatividade que encerra o fenómeno fiscal
como realidade deontológica e não social fáctica.
As regras do Direito Fiscal tem as características gerais das normas jurídicas, de
generalidade, de abstracção, de hipoteticidade, de heteronomia e de imperatividade.
Direito fiscal e Direito Aduaneiro

306
Alcídio Leão

Com o Direito Aduaneiro ou Alfandegário, que disciplina os impostos aduaneiros ou


alfandegários e que é tradicionalmente um ramo especial do Direito Fiscal, a ligação é
forte.
Apesar de a integração económica regional, a internacionalização e a globalização das
economias poderem reduzir estes impostas a uma natureza extrafiscal, no nosso pais,
ainda são os meios mais importantes da política comercial externa.
O seu pendor essencialmente conjuntural exige uma disciplina jurídica que não se
compadece com a fixidez de regras das normas típicas do Direito Fiscal.
No nosso país, como acontecera com outros ujas economia estejam pouco
desenvolvidas ou basicamente fechadas, o Direito Alfandegário apesar de ter um grau
acentuado de especialidade de regime, face ao Direito Fiscal, é mais vincado facto de,
no aspecto orgânico, existir uma Direcção Geral dos Impostos e outra, com uma forte
autonomia, a Direcção Geral das Alfandegas.

60.4. Princípios Tributários


 Princípios gerais do Direito Fiscal material. Apesar de o Direito ser uno,
enquando conhecimento cientifico, é dividido didacticamente em áreas ou
matérias, o que facilita a especificação de certos princípios, pois cada área é
concretização de determinados princípios que formam a base de cada matéria
jurídica e determinam o seu alcance e suas directrizes.
 Principio do direito de propriedade, é assegurado ao cidadão o direito de
propriedade, cingido à sua função social, o caso de desapropriação por
necessidade ou utilidade publica ou por interesse social, mediante previa e justa
indemnização.
 Principio da liberdade de trabalho. Este principio, que é um limite que deve sem
ter previsão constitucional explicita, confranger as iniciativas legislativas em
matéria tributaria, deve ser entendido no nᵒ2 do art. 84 da Constituição da
Republica de Moçambique.
 Principio da pessoalidade. A imposição tributário deve levar em consideração as
características pessoas do contribuinte.

307
Alcídio Leão

Esta providencia nem sempre se afigura possível, principalmente no que se


refere aos impostos que tributam o consumo, para os quais se deve recorrer a
selectividade.
 Princípio da capacidade contributiva. O princípio da capacidade contributiva
pressupõe que os impostos terão o caracter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade económica do contribuinte, facultando à administração tributaria
conferir efectividade aos objectivos, identificar, observados os direitos
individuais e na forma da lei, o património, os rendimentos e as actividades
económicas do contribuinte.
É o principio da capacidade contributiva que permite que o ónus tributário seja
distribuído na medida da capacidade económica dos contribuintes.
Ele implica uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade para
suportar o encargo e alíquotas que igualem verdadeiramente esses ónus o que
não deve deixar de comportar dificuldades quando haja que determinar a
correcta da capacidade tributaria individual.
 Principio da anualidade ou da Anterioridade tributaria. O principio da anualidade
decorre al. 1) do nᵒ.2 do artigo 170104 que estabelece: é da exclusiva
competência da Assembleia da Republica:
1) Deliberar sobre as grandes opções do Plano Economico e Social do
Orcamento do Estado e os respectivos relatórios de execução”.
Este principio é de prescrição constitucional implícita. O orçamento é um
documento contendo a previsão de receitas e a fixação de despesas; é claro que
entre as receitas figurando o imposto, quiçá, a receita mais importante, significa
isto que ao deliberar sobre o orçamento, a Assembleia da Republica também
delibera sobre imposto ou, mais incisivamente, não pode deliberar sobre o
orçamento que não delibere sobre os impostos.
Porque o orçamento é todos os anos aprovado, este principio é também
designado de principio da autorização anual de cobrança.
O principio da anualidade ou da anterioridade tributaria tem por objecto garantir
ao contribuinte o tempo necessário a sua planificação, dando a garantia de que
104

308
Alcídio Leão

nenhum tributo instituído ou aumentado seja cobrado imediatamente ou no


mesmo exercício em que haja sido publicada a lei correspondente e, em
principio, ate no mínimo, quinze dias entre as datas da publicação e da aplicação
da respectiva lei.
Ainda remanesce o hábito de mencionar-se o principio da anualidade, no lugar
da anterioridade, o que, a bem do rigor, pode consubstanciar algum erro.
O principio da anualidade pressupõe que o que importa é que a lei instituidora
ou de aumento de qualquer tributo seja aprovada no ano anterior do exercício
em que seja aplicado, pouco importando se essa lei é promulgada ou entra vigor
no mesmo exercício, isto ano seguinte ao da aprovação.
Não é suficiente que o diploma legislativo seja publicado no tempo que antecede
ao inicio do exercício financeiro em que se pretende efectuar a cobrança da
exacção criada ou aumentada.
Pelo principio da anterioridade, a vigência da lei que institui ou aumenta um
tributo deve ficar protraída para o ano seguinte ao de sua publicação, momento
em que o acto se insere no contexto comunicacional do Direito.
É verdade que é essencial saber que o exercício financeiro é idêntico ao civil ou
ao do ano-calendario, isto é, do 1ᵒ de janeiro a 31 de Dezembro, mas deve ser
entendido que se amplia o alcance deste principio para que, alem de ter de ser
publicada no ano do exercício financeiro anterior, a lei que institua ou aumente o
tributos somente produz os seus efeitos, como qualquer lei, 15 dias apos a sua
publicação.
 Principio da imunidade reciprocas das esferas publicas. O estado e as autarquias
não podem instituir impostos sobre património, renda ou serviço, uns dos outros.
 Principio da não-retroactividade ou da irretroactividade das leis tributarias. De
acordo com o principio da não retroactividade ou da irretroactividade (da lei)
tributaria é vedado cobrar tributos em relação a factos geradores ocorridos antes
do inicio da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, combinado
com o principio da anterioridade.
 principio da quinzentena. O principio da quinzentena deve ser entendido como
um subprincípio do principio da anterioridade quinzegesimal ou principio da
anterioridade reforçada.
309
Alcídio Leão

Este ultimo nome deve se explicar pela razão de que este principio decorre da
lei e foi acrescentado pela Lei n. 6\2003, 18 de Abril, de forma a reforçar o
principio da anterioridade do exercício financeiro105.
Ocorre que apenas o principio da anterioridade do exercício financeiro não deve
ser considerado o bastante para assegurar a não-surpresa do contribuinte na
publicação de leis que viessem a instituir ou aumentar os tributos sem que fosse
desobedecido o principio da anterioridade comum, pois o Estado podia estar a
cobrar o tributo horas depois, contudo, em outro exercício financeiro.
Deve defender-se que se coíba que um tributo seja criado ou alterado no dia 31
de Dezembro e seja cobrado horas depois, no dia 1ᵒ de Janeiro.
O princípio da quinzentena tem de ser entendido como para reforçar o principio
da anterioridade do exercício financeiro, exigindo a observância do prazo de 15
(quinze dias) da data em que haja sido publicada a lei que instituiu ou aumentou
o tributo.
 Principio da imunidade de trafego pu da trafego ou da não-limitacao ao trafego
de pessoas ou bens. Pelo Princípio da imunidade de trefego ou da não-limitação
ao trafego de pessoas ou bens ou, ainda, principio da liberdade de trafego de
pessoas ou bens, não pode a lei tributaria limitar o tráfego interno nacional ou
intermunicipal de pessoas ou bens, salvo o pelágio de via conservada.
 Principio da vedação de isenção heterónimas. Não se pode instituir isenções de
tributos autárquicos da competência do Estado por a isenção estar insitamente
ligada ao poder de tributar, de tal forma que aquele que detém a competência
tributaria para instituir determinado tributo, também o tem para isentar.
 O principio da eficiência funcional do sistema fiscal. Este principio não é
entendido na perspectiva clássica de eficiência qualitativa e neutral da
tributação.
A eficiência fiscal residira na repartição da riqueza (através do imposto) baseado
em critérios de justiça social (artigo 100 da constituição da Republica de
Moçambique) em que tal não comporte um sistema sancionatório ou
confiscatório.

105

310
Alcídio Leão

O principio da eficiência funcional do sistema fiscal tutela o bem comum que


postura a implementação de medidas de tutela de interesses públicos extra-
fiscais constitucionalmente relevantes.
 Princípio da vinculabilidade da tributação. O principio da territorialidade da
tributação não se manifesta ostensivamente na fraseaologia constitucional, como
decorrência imediata de importante directrizes do sistema.
O poder vinculante de uma lei ensejara os efeitos jurídicos de estilo ate as limtes
geográficos da pessoa politica que a editou.
 Principio da indelegabilidade da competência tributaria. O principio da
indelegabilidade da competência tributaria deve ser lido da faculdade legislativa
de instituir tributos e sobre ele dispor, inaugurando a ordem jurídica; não pode
ser delegada, devendo permanecer no corpo das prerrogativas constitucionais a
proibição que deve entender-se como não atingido a transferência da titularidade
para ser sujeito activo de obrigações tributarias.
A pessoas credenciada, maximeI o Estado, pode indicar uma outra para ser
titular da capacidade activa adoptando o cânone da indelegabilidade, sem perder
a magnitude de principio constitucional tributário e o faz integrando o
subconjunto dos impostos.
 Principio da não cumulatividade. O principio da não cumlulativdade é do tipo
limte objecto, impõe uma técnica segundo a qual o valor de tributo devido em
cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas
preordena-se á capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga
tributaria sobre as etapas de circulação.

60. Práticas jurídicas

Das partes e seus procuradores


O processo desenvolve a relação jurídica surgida entre os litigantes e o Estado-juiz.
Gera o processo uma relação jurídica trilateral que vincula os sujeitos da lide e o juiz,
todos com um fim em comum, a busca da solução definitiva solucionando o
conflito de interesse estabelecido em torno da pretensão resistida. 42 Sem a presença
311
Alcídio Leão

do órgão judicial, é impossível o estabelecimento da relação processual. Mas, sem


a provocação da parte, não pode o juiz instruir o processo.
Ademais, com relação aos procuradores não se pode confundir a capacidade
processual, que é aptidão para ser parte, com a capacidade de postulação, que vem a ser
a aptidão para realizar os atos dos processossos de maneira eficaz.
Em nossos ordenamento é imprecindível a representação por um advogado
legalmente inscrito na Ordem dos Advogados (art. 36). Trata-se de pressuposto
processual, cuja inobservância conduz à nulidade processual.
Há casos porém em que se admite a postulação pelas partes, quando:
a) Tiver habilitação legal, ou seja, quando a própria parte for advogado;
b) Mesmo não sendo advogado, quando não houver causídico no lugar, ou
quando os
existentes se recusarem ao patrocínio da causa ou estiverem impedidos;
c) Nos juizados especiais ou de pequenas causa, A Lei 9.099/95, admite a
postulação
direta pelas partes, desde que o valor da causa não ultrapasse 20 salários mínimos.

60.7. Conceito de parte


A parte, além de sujeito da lide ou do negócio jurídico material deduzido em juízo, é
também sujeito do processo, para Carnelluti é “no sentido de que é uma das
pessoas que fazem o processo, seja no sentido ativo ou passivo.”
Há dois conceitos departe: como sujeito da lide, tem-se a parte em sentido
material, e como sujeito do processo, a parte em sentido processual. 43 Como nem
sempre o sujeito da lidense identifica com o que promove o processo, como nos
casos de substituição processual, pode-se definir a parte para o direito processual como
a pessoa que pede ou perante a qual se pede , em nome próprio a tutela jurisdicional.
A pessoa que invoca a tutela jurídica do Estado e toma a posição ativa de
instaurar a relação processual recebe a denominação de autor. A que fica na
posição passiva se sujeita à relação processual instaurada pelo autor, chama-se réu.

312
Alcídio Leão

60.8. Direitos e deveres das partes e procuradores

O art. 14 do CPC estabelece os deveres das partes e de todos que participam do


processo. Além do art. 14, o CPC prevê outros deveres éticos da parte como, por
exemplo, no seu art. 445, II, 599, 416, §1º e 446, III. Com relação à linguagem utilizada
no processo, o CPC proíbe às partes e seus advogados o emprego de expressões
injuriosas nos escritos, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido,
mandar riscá-las. Sendo tais expressões proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o
advogado de que não as use sob pena de lhe ser cassada a palavra.
O advogado tem imunidade penal quanto à alegação de fatos de que necessita para a
discussão da causa, chamada jus conviciandi (art. 142 do Código Penal).
Todavia, a calúnia ou a ofensa gratuita estão proibidas ainda que no acalorado debate
da demanda.

60.9. Os direitos e deveres dos advogados se acham elencados no Estatuto da


OAB
(Lei n° 8.906/94) e no CPC art. 39 e 40. 44

60.10. Responsabilidade das partes por dano processual

O CPC atual adota o princípio da sucumbência, segundo o qual as partes


respondem pelas despesas processuais, inclusive honorários de advogado, desde que
percam a demanda. No entanto, aquele que pleitear com dolo (intenção de causar
prejuízo), responde por perdas e danos em favor do prejudicado.
O art. 17 descreve as hipóteses de litigância de má fé. O litigante de má fé será
responsabilizado por perdas e danos, de ofício ou a requerimento, indenizando a
parte contrária dos prejuízos que esta sofrer, além dos honorários advocatícios e todas as
despesas que efetuou. Não há necessidade de uma nova ação de indenização; na própria
sentença o juiz decidirá a respeito, fixando a quantia (que não poderá ser superior
a 20% sobre o valor da causa).

313
Alcídio Leão

Despesas, multas e honorários de advogado


Todas as despesas processuais, ao final, serão pagas pelo vencido, segundo o princípio
da sucumbência. O CPC dispõe o adiantamento das despesas até a decisão da causa.
O CPC libera do pagamento das custas os casos de justiça gratuita (art. 5º, LXXIV, da
CRFB/88).
Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as
despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o
pagamento. Dispõe o art. 20 que a sentença condenará o vencido a pagar ao
vencedor as despesas que antecipou e os honorários de advogado.

Os honorários de advogado serão fixados entre um mínimo de 10% e um


máximo de 20% sobre o valor da condenação. Os honorários de advogado têm
natureza 45 indenizatória. Seu valor, fixado pelo juiz, é absolutamente independente do
eventual contrato de honorários que o advogado tenha com o seu cliente.

60.11. Substituição processual e substituição de parte


O titular da ação é o titular do direito material violado (legitimação ordinária). Sá
quando a lei permitir é admissível que terceiro venha a juízo tutelar direito alheio, em
nome próprio (legitimação extraordinária). A substituição processual é, portanto,
sinônimo de legitimação extraordinária, agindo o substituto na defesa do interesse que
não lhe pertence.
Este instituto não pode ser confundido com a substituição de parte, a qual
significa a alteração da pessoa que figura em um dos pólos do processo. Depois de
estabilizada a demanda, nosso ordenamento só permite a substituição das partes
originárias em caso de falecimento, mediante a suspensão do feito até que se proceda
à habilitação dos sucessores ou do espólio e contanto que o direito de ação não
seja intransmissível, pois nesse caso deverá ser o processo extinto (CPC, art. 267).
A alienação do objeto litigioso não implica a alteração das partes. A transferência
do direito material, após a citação válida, é irrelevante para o processo, vez que ele
prosseguirá até o final com as partes originárias, a não ser que haja concordância quanto

314
Alcídio Leão

a substituição em um dos pólos. Senão, ao adquirente do objeto ou direito


litigioso, pode intervir na causa como assistente simples do alienante.

60.12. Capacidade de estar em juízo e capacidade processual


Qualquer pessoa que possua capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações na vida
civil tem capacidade de estar em juízo. Determinadas ficções jurídicas têm capacidade
46 de estar em juízo, muito embora não possuem personalidade civil, tais como o
nascituro e as pessoas meramente formais (massa falida, espólio e condomínio), as
quais podem atuar como partes nos processos, desde que legalmente representadas
(genitora, inventariante e síndico).
Já quanto a capacidade processual (legitimatio ad processum), a princípio segue as
regras da capacidade de exercício no Direito Civil. Como a relação jurídica processual
implica atos de manifestação de vontade, exige a lei processual os mesmos
requisitos integrativos da vontade daqueles que, seja por força da idade, seja por
força de alguma debilidade mental, não tenham vontade plena.
Não pode a capacidade processual ser confundida coma legitimatio ad
causam, condição da ação. A primeira é pressuposto processual cuja ausência gera a
nulidade do processo, por ausência de existência e validade da relação jurídica,
enquanto a ausência da segunda gera a extinção do processo sem julgamento do mérito,
por carência de ação.
A irregularidade da representação das partes é matéria de ordem pública e
comporta reconhecimento de ofício pelo juiz, o qual deverá determinar sua
regularização em prazo por ele estabelecido. Se o autor não sanar no prazo estabelecido
o processo deverá ser extinto e se for dever do réu deverá o processo seguido à revelia.

60.13. Do advogado

O advogado integra a categoria daquelas pessoas denominadas de jurista, porque


versadas em ciências jurídicas, como o professor de direito, o jurisconsulto, o
juiz, o membro do Ministério Público. 47 Sua função específica, ao lado dessas

315
Alcídio Leão

demais pessoas, a de participar do trabalho de promover a observância da ordem


jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica justa.
Pela primeira vez, a estrutura institucional da advocacia ganhou, na CF de
1988, status constitucional, integrando "as funções essenciais à justiça", ao lado do
Ministério
Público e da Advocacia Geral da União, prescrevendo o art. 133: "O advogado é
indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei".
A denominação advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advogados do
Brasil, surgindo, assim, uma definição do que seja o advogado: "é o profissional
legalmente habilitado a orientar, aconselhar e representar seus clientes, bem como
a defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele.
Sustenta a doutrina que o advogado, na defesa judicial dos interesses do cliente,
age com legítima parcialidade institucional e que em confronto de parcialidades
opostas constitui fator de equilíbrio e instrumento da imparcialidade do juiz.

60.14. Defensoria Pública


Atendendo antiga postulação e promessa social de assistência judiciária aos
necessitados, a CF fala agora em assistência jurídica integral gratuita (art. 5º, LXXIV),
que inclui também o patrocínio e orientação extrajudicial (advocacia preventiva). E,
para o cumprimento dessa obrigação constitucional a Defensoria Pública foi
institucionalizada (CF, art. 134:
A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV).48

60.15. Advocacia-Geral da União

316
Alcídio Leão

É outro organismo criado pela Constituição de 1988 com a missão de defender


os interesses jurídicos judicial e extrajudicial da União. Somente a cobrança judicial
executiva da dívida ativa tributária é que fica a cargo de outra instituição federal, a
Procuradoria da Fazenda Nacional.
O Advogado-Geral da União, chefe da AGU, é de livre nomeação pelo
Presidente da República, sem as garantias de que dispõe o Procurador-Geral da
República.

60.16. Natureza jurídica da advocacia


TradicionaImente, diz-se que a advocacia é uma atividade privada, que os advogados
exercem como profissionais liberais que são, ligando-se aos clientes pelo vínculo
contratual do mandato, combinado com locação de serviço.
Modernamente, formou-se corrente doutrinária, para qual, em vista da
indispensabilidade da função do advogado no processo, a advocacia tem caráter público
e as relações entre patrono e cliente são regulada por contrato de direito público.
Contudo, diante das regras multifárias das relações do advogado com o cliente e com o
Estado jurisdicional, o mais correto parece conciliar as duas correntes doutrinárias,
mormente em face do que prescreve o art. 2º do atual EOAB (lei 8.906/94: "No
processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu
constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público",
considerando-se a advocacia, ao mesmo tempo, como ministério privado de função
pública e social. Assim é que o mandato judicial 49 constitui representação
voluntária no tocante à sua outorga e escolha do advogado, mas representação
legal no que diz respeito à sua necessidade e ao modo de exercê-la.

60.17. Mandato por procuração

317
Alcídio Leão

Procuração ad judicia é o instrumento de mandato que habilita o advogado a praticar


todos os atos judiciais, em qualquer justiça, foro, juízo ou instância, salvo os de
receber citação, confessar, transigir, desistir, e dar quitação e firmar compromisso; e a
procuração com a cláusula ad judicia et extra habilita o constituído à prática
também de todos os atos extrajudiciais de representação e defesa, incluindo
sustentações orais. Ao renunciar ao mandato o advogado continuará a representar o
outorgante pelos dez dias seguintes à intimação da renúncia, salvo se for substituído
antes desse prazo. O processo não se suspende em virtude da renúncia.

60.18. Do Ministério Público

Nos feitos cíveis, o Parquet ora atua como parte (CPC. Art. 81) agindo em
nome próprio, mas na defesa de interesse que não lhe pertença (substituto
processual), cabendo-lhe os mesmos direitos e ônus que às partes.
Ora atua como órgão interveniente (CPC. Art. 82), dês que existentes e presentes
as situações preconizadas pela lei. Com efeito, o Código de Processo Civil, em
seu artigo 82, bem como a legislação extravagante, estabelecem as hipóteses em
que cabe ao órgão ministerial atuar no feito, na qualidade de órgão interveniente
obrigatório. 50 Da leitura de tal dispositivo, denota-se, a prima facie, que o Ministério
Público tem o dever de intervir quando houver interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou pela qualidade da parte.
No que tange à atuação do Parquet tendo em vista a natureza da lide, eis que caberá, a
esse órgão, analisar e apreciar o caso concreto posto, com total e absoluta
independência, não se vinculando aos interesses de qualquer das partes,
submetendo-se, exclusivamente, aos imperativos legais e a sua própria consciência.

Tal ocorre, porquanto sendo sua intervenção fundada, tão-só, pela natureza da lide, o
Ministério Público terá a atribuição de velar pela correta aplicação da lei ao
caso concreto, vale dizer, funcionando puramente como custos legis. Por fim, a
ausência de intervenção do MP em feito no qual sua presença é obrigatória gera
a nulidade absoluta do processo, abrindo azo até mesmo para a ação rescisória
(CPC, art. 487, III, a).
318
Alcídio Leão

60.19. Princípios institucionais e constitucionais do ministério público


a) unidade: é o conceito de que os promotores de um Estado integram um só órgão sob a
direção de um só chefe.
b) indivisibilidade: significa que os membros do Ministério Público podem ser
substituídos uns pelos outros, "não arbitrariamente, porém, sob pena de grande
desordem, mas segundo a forma estabelecida na lei" TJSP, Rcrim 128.587-SP;
RT 494/269). 51
c) independência funcional: significa que cada um de seus membros age segundo
sua própria consciência jurídica, com submissão exclusivamente ao direito, sem
ingerência do Poder Executivo, nem dos juízes e nem mesmo dos órgãos
superiores do próprio Ministério Público. Por outro lado, essa independência da
Instituição como um todo identifica-se na sua competência para "propor ao Poder
Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os
por concursos público de provas e títulos" (art. 127, § 2º), e para elaborar "sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias" (art.
127, § 3º).

59.15. O Ministério Público e o Poder Judiciário


O MP, conforme sua definição constitucional é "instituição permanente e essencial
à função jurisdicional do Estado" e, por isso é ele tratado como órgão autônomo,
que não integra o Poder Judiciário, embora desenvolva as suas funções essenciais,
primordialmente, no processo e perante os juízos e tribunais. Assim, a CF. apresenta o
MP da União integrado pelo MPF (oficiando perante o STF, STJ e Justiça Federal,
MP do Trabalho (Justiça do Trabalho), MP Militar (Justiça Militar da União) e
MP do Distrito Federal e Territórios (Justiça do Distrito Federal e Territórios.

60.20. Funções institucionais

a) promoção privativa da ação penal pública;

319
Alcídio Leão

b) zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e dos serviços de


relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias à sua garantia; 52
c) promover o inquérito civil e a ação civil para proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses previstos nesta Constituição e
outras elencadas nos vários incisos do art. 129 da CF.

59.16. Garantias
Como garantias da Instituição como um todo destacam-se:
a) a sua estruturação em carreira;
b) a sua autonomia administrativa e orçamentária;
c) limitação à liberdade do chefe do Executivo para a nomeação e destituição do
Procurador-Geral;
d) a exclusividade da ação penal pública e veto à nomeação de promotores ad hoc.

59.17. Aos membros individualmente são as seguintes as garantias:

a) o tríplice predicado da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de


vencimentos
b) ingresso aos cargos mediante concurso de provas e títulos, observada, nas
nomeações, a ordem de classificação;
c) promoção voluntária, por antigüidade e merecimento, alternadamente, de uma
para outra entrância ou categoria e da entrância mais elevada para o cargo de
Procurador de Justiça;
d) sujeição à competência originária do Tribunal de Justiça, "nos crimes comuns e nos
de responsabilidade, ressalvadas exceções de ordem constitucionais. 53

320
Alcídio Leão

59.18. Impedimentos

a) a representação judicial e consultoria de entidades públicas e o exercício da


advocacia;
b) o recebimento de honorários, percentuais ou custas;
c) a participação em sociedade comercial;
d) o exercício de outra função pública, salvo uma de magistério;
e) atividades político-partidárias.

59.19. Órgãos do MP da União

Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União) - nomeado


pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Federal - mandato
bienal - destituição antes do prazo depende de autorização pela maioria absoluta
do Senado Federal.
10.7 Órgãos do MP Estadual
a) Administração Superior (PGJ, Colégio dos Procuradores; CSMP e CGMP);
b) Administração do MP (Procuradorias de Justiça e Promotorias de Justiça;
c) Órgãos de Execução (PGJ, Colégio, CSMP, Procuradores e Promotores);
d) Órgãos auxiliares ( Centros de Apoio operacional, Comissão de Concurso,
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Profissional, órgãos de apoio técnico e
administrativo e estagiários). 54

321
Alcídio Leão

59.20. Do Juiz
Há, no sistema judiciário, órgãos judicantes singulares e coletivos. Mas, em
todos eles, as pessoas que, em nome do Estado, exercem o poder jurisdicional
são, genericamente, denominados juízes.
Nos termos do art. 125 do CPC, o juiz dirigirá o processo conforme as
disposições daquele estatuto legal, competindo-lhe:
I- Assegurar às partes igualdade de tratamento;
II- Velar pela rápida solução do litígio;
III- Prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da Justiça;
IV- Tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.

61. Requisitos
Para que atividade jurisdicional que toca todos os juízes, para ser válida e
eficaz reclama a concorrência dos seguintes requisitos:
a) Jurisdicionalidade, isto é, devem estar os juízes investidos no poder de
jurisdição;
b) Competência, ou seja, devem estar dentro da faixa de atribuições que, por lei, se
lhes assegura;
c) Imparcialidade, ou seja, devem ficar na posição de terceiro em relação às
partes interessadas;
d) Independência, isto é, sem subordinação jurídica aos tribunais superiores,
ao Legislativo ou ao Executivo, vinculando-se exclusivamente ao ordenamento jurídico;
e) Processualidade, isto é devem obedecer à ordem processual instituída por lei, a
fim de evitar a arbitrariedade, o tumulto, a inconseqüência e a contradição desordenada.
55

322
Alcídio Leão

60.1. Garantias
Para assegurar a independência dos juízes a Constituição Fedral outorga-lhes três
garantias especiais:
a) Vitaliciedade: não perdem o cargo senão por sentença transitada em julgado;
b) Inamovibilidade: não podem ser removidos compulsoriamente, senão quando
ocorrer motivo de interesse público, reconhecido pelo voto de dois terços do
tribunal competente;
c) Irredutibilidade de vencimentos.

60.2. Restrições

Com a preocupação de assegurar a lisura do exercício da função judicante, o art.


95, parágrafo único da CF/88, dispõe que aos juízes é vedado:

 Exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma


de magistério;

 Receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; e

 Dedicar-se à atividade político-partidária.

60.3. Dos atos processuais


É de bom alvitre que a celebração dos atos processuais se dê conforme os
cânones da lei, para que então possam surtir seus efeitos no mundo jurídico.
Conseqüência lógica da inobservância dos parâmetros estabelecidos, é a inaptidão a
produzir os efeitos que ordinariamente deveriam ter, tratado esse aspecto pelo
campo das nulidades dos atos processuais. 56

323
Alcídio Leão

60.4. Conceito

O processo é resultante de dois componentes que se combinam e se


complementam, e que são a relação processual e o procedimento. A relação processual
sendo complexa, compõe-se de inúmeras posições jurídicas ativas e passivas, onde
a passagem de uma para a outra é ocasionada sempre por eventos que têm, perante o
direito, a eficácia de constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas
processuais. Esses eventos recebem o nome de fatos processuais.
Os fatos processuais podem ser ou não ser efeito da vontade de uma pessoa, logo, ato
processual é toda conduta dos sujeitos do processo que tenha por efeito a criação,
modificações ou extinção de situações jurídicas processuais.
Fato processual é todo fato humano, ou não, que tenha repercussão no processo,
como por exemplo, a morte da parte, o fechamento imprevisível do foro. Também o são
todos os atos ou negócios jurídicos, que, a despeito de poderem ter conseqüência
no processo não tem por finalidade a produção de efeitos processuais. Ato processual
classifica-se, portanto, como a manifestação de vontade de um dos sujeitos do processo,
dentro de uma das categorias previstas pela lei processual, que tem por fim influir
diretamente na relação processual. Há a necessidade, pois, de que haja:
1) a manifestação de vontade de um dos sujeitos do processo (juiz, partes ou
auxiliares);
2) a previsão de um modelo na lei processual;
3) a constituição, modificação ou extinção da relação processual, quer no seu aspecto
intrínseco, que é própria existência do vínculo que une autor, juiz e réu, quer no seu
aspecto extrínseco, que é o procedimento, conjunto lógico e sucessivo de atos previstos
na lei. 57

60.5. Classificação
Pelo CPC os atos processuais podem ser divididos em:
-atos das partes (arts. 158-161);
324
Alcídio Leão

-atos do juiz (arts. 162-165);


-atos dos auxiliares (arts. 166-171).

61.7. Atos processuais das partes


O processo se instaura por iniciativa da parte, é indispensável sua atividade para
a existência do processo e seu desenvolvimento.
a) atos postulatórios: são aqueles pelas quais as partes pleiteiam um provimento
jurisdicional. Pode ser feito através da denúncia, petição inicial, contestação, recurso.

b) atos dispositivos: são aqueles pelos quais se abre mão, em prejuízo próprio, de
determinada posição jurídica processual ativa, ou ainda, da própria tutela jurisdicional.
c) atos instrutórios: são aqueles destinados a convencer o juiz.
d) atos reais: são as condutas materiais das partes no processo, ou seja,
comparecimentos as audiências, pagamento de custas e outras. 58

61.8. Dos atos processuais do juiz


O código no art. 162 definiu os atos do juiz como:
a. Sentença
b. Decisão interlocutória
c. Despacho
As sentenças são decisões que põem fim ao processo, com ou sem julgamento
de mérito. No plano conceitual será terminativa a sentença que extingue o
processo com o julgamento de mérito, e meramente terminativa a que extingue o
processo sem julgar o mérito. o recurso cabível na sentença é a apelação (art 513).
As decisões interlocutórias são determinações, pronunciamento do juiz, durante o
processo, sem lhe pôr fim. Nessas decisões é cabível agravo.

325
Alcídio Leão

Despachos não têm qualquer caráter de resolução ou determinação. São atos


instrutórios ou de documentação. Nos despachos de mero expediente não cabe recurso
algum (art504). No entanto, se o despacho prejudicar uma das partes, se tornará
decisão interlocutória, cabendo, então, agravo.

61.9. Dos atos dos auxiliares da justiça.


São atos de cooperação no processo que se classificam em : movimentação,
documentação e execução.
Movimentação são atos exercidos através do escrivão e seus funcionários
(escreventes). São exemplos de atos de movimentação: a conclusão dos autos ao juiz, a
vista às partes, a expedição de mandatos e ofícios. 59 Documentação são atos de
lavratura dos termos referentes a movimentação (conclusão, vista, etc..), a leitura do
termo de audiência, o lançamento de certidões etc...
Execução é função do oficial de justiça. São atos realizados fora dos auditórios e
cartórios em cumprimento de mandado judicial ( citação, intimação, penhora etc...).

61.10. Princípios

Na prática dos atos processuais devem ser respeitados os seguintes princípios:


a) Princípio da Publicidade (art. 155): representa uma das grandes garantias do
processo e da distribuição da justiça. Atribui a todos a faculdade de assistir aos
atos que se redizem em audiência, ainda que não sejam partes, com exceção dos
processos que correm em segredo de justiça devido seu interesse público e pela
natureza da lide.
b) Princípio da Instrumentalidade das Formas (art. 154 e 244): preceitua que
os atos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei
expressamente o exigir. Consideram-se válidos os que, realizados de outro modo,
lhe preencham a finalidade essencial e, ainda que, a lei prescreva determinada forma,
sem cominação de nulidade, o juiz poderá considerá-lo válido se, mesmo que tenha sido
326
Alcídio Leão

realizado de outro modo, tenha alcançado sua finalidade. Percebe-se, portanto, que as
formas não são solenes, considerando-se mais, o fim a que se destinam. 60

60.5. Prazos processuais


Em contraposição à inércia da jurisdição existe o princípio do impulso oficial,
segundo o qual o processo deve seguir sua marcha até o proferimento da sentença, da
maneira mais célere possível. Portanto, é imposto aos sujeitos do processo o
estabelecimento de prazos para o cumprimento dos atos processuais, cuja
inobservância acarretará à parte a perda da faculdade processual (preclusão) e ao
juiz, ás vezes a possibilidade de receber sanções administrativas.
Em caso de omissão da lei quanto ao prazo fixado para o cumprimento do ato,
compete ao juiz fixá-lo (CPC, art. 177). No silêncio do juiz, aplica-se a regra do art.
185,
valendo o prazo de cinco dias. Os prazos no Direito Processual Civil serão contados
excluindo-se o dia do começo e incluindo o do vencimento, contagem esta sempre
feita a partir da intimação. Serão, também, contínuos, não se interrompendo, com isso,
em domingos ou feriados.
Começa a correr o prazo:
I - da data de juntada aos autos o aviso de recebimento, quando a citação ou intimação
for pelo correio; 61
II - da data de juntada aos autos o mandado cumprido, quando a citação ou
intimação for por oficial de justiça;

III - da data de juntada aos autos o último aviso de recebimento ou mandado


citatório cumprido, quando houver vários réus;
IV - da data de juntada aos autos devidamente cumprida, quando o ato se realizar
em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória;
V- finda a dilação assinada pelo juiz, quando a citação for por edital.

327
Alcídio Leão

O prazo para a interposição de recurso conta-se da data em que os advogados


são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão.
Reputam-se intimados na audiência, quando nesta é publicada a decisão ou a
sentença. Havendo antecipação da audiência, o juiz, por meio de ofício ou de acordo
com o requerimento da parte, mandará intimar pessoalmente os advogados para ciência
da nova designação.
A superveniência de férias suspenderá o curso do prazo; sendo que o prazo restante
recomeçará a correr a partir do primeiro dia útil seguinte ao termo das férias. Considera-
se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o
vencimento cair em feriado ou em dia em que:

I - for determinado o fechamento do fórum;


II - o expediente forense for encerrado antes da hora normal. 62
Todavia, esta regra sofre modificações quando a parte for o Ministério Público, a
União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, bem como suas autarquias e
fundações, pois estas pessoas terão o prazo contado em dobro para recorrer ou em
quádruplo para contestar.
Em se tratando de litisconsortes com procuradores diferentes, os prazos serão
contados em dobro tanto para contestar quanto para recorrer ou para falar nos
autos. Quando a lei não marcar outro prazo, as intimações somente obrigarão a
comparecimento depois de decorridas 24 horas.

61.11. Prazo próprio e impróprio


Prazo próprio é aquele imposto às partes, pois acarreta a preclusão pelo
vencimento do seu termo final (dies ad quem), impossibilitada a sua prática
posterior e prosseguindo o procedimento para seu estágio subseqüente.
Já os prazos impróprios são aqueles estabelecidos para o juiz e seus auxiliares, posto
que não geram qualquer conseqüência processual se não observados, possibilitando a
aplicações administrativas.

328
Alcídio Leão

61.12. Prazo dilatório e peremptório


Prazo dilatório é aquele que comporta ampliação ou redução pelas partes. Ao juiz só é
facultada a ampliação do prazo dilatório (CPC, art. 181). 63
Os prazos peremptórios são aqueles inalteráveis pelo juiz ou pelas partes, com exceção
do que ocorre nas comarcas de difícil acesso (até 60 dias) ou em caso de
calamidade pública (até sua cessação).

61.13. Preclusão
É o fenômeno da perda pela parte da faculdade processual de praticar um ato.
Classificam-se as preclusões em:
a) Temporal: é a perda da faculdade de praticar um ato processual em
virtude da não observância de um prazo estabelecido em lei ou pelo juiz.
b) Lógica: é a perda da faculdade pela prática de um ato anterior incompatível com
o ato posterior que se pretende realizar.
c) Consumativa: é a perda da faculdade de praticar o ato de maneira
diversa, se já praticado anteriormente por uma das formas facultadas em lei.

329
Alcídio Leão

61. Processo Administrativo contencioso

Direito ao contencioso administrativo


Caracterização
Podemos traduzir o direito fundamental e constitucional de tutela jurisdicional dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados pela expressão de “direito
ao contencioso administrativo”.
Caracterizando o direito ao contencioso administrativo, verificamos que é actuado por
uma ordem106 específica e própria de tribunais, através de meios processuais também
específicos e próprios.

61.2. INÍCIO DO PROCESSO DISCIPLINAR:

O processo disciplinar inicia-se por ordem do dirigente e em resultado de participação


ou de conhecimento directo da Infracção – nº1 do artigo 100 do EGFAE. As
participações ou queixas verbais são reduzidas a auto escrito pelo funcionário que as
receber – nº 2 do artigo 100 do EGFAE. Queixa - Feita por alguém, a manifestar a
vontade de se proceder disciplinarmente contra determinado funcionário ou agente de
Estado que se tenha comportado indevidamente.
Participação – Acto pelo qual alguém comunica ao seu superior hierárquico de que um
determinado funcionário ou agente do Estado praticou uma infracção disciplinar.
Auto de notícia – Acto praticado por um funcionário ou agente do Estado, quando
presencia ou acompanha um facto anormal ou um comportamento incorrecto do colega.
Ou seja, trata-se dum documento escrito, que incorpora a notícia da infracção, onde são
mencionados os factos que a constituem, o dia, o local, e as circunstâncias em que
aquela foi cometida e tudo o que puder ser averiguado acerca da identificação dos
agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as
testemunhas que puderem depor sobre os factos.

106

330
Alcídio Leão

Quem pode ser Instrutor do Processo Disciplinar? artigo 100 nº3 do EGFAE
Funcionário de igual ou maior graduação do que a do arguido, o qual passa a ser
instrutor do processo, podendo nomear escrivão. Ex: Se o acusado é Docente de N2, o
instrutor tem que ser também Docente de N2 ou Docente de N1, nunca Docente de N3.

61.3. Se no local não existir um funcionário

com igual ou maior graduação que do presumível infractor, o que se faz?


Nesse caso, pode-se indicar um instrutor duma outra instituição, desde que seja
funcionário do Estado – nº 1 do artigo 160 do REGFAE.

61.4. Não podem ser indicados como instrutores


do processo disciplinar: Artigo 163 do REGFAE.
Não pode participar como instrutor e ou escrivão na instauração do Processo
Disciplinar:
 o cônjuge( Marido ou Esposa);
 o parente do acusado( filho, mãe, irmão, pai, tio);
 o afim( cunhado, sogro)
 Outras situações que possam por em risco a independência, imparcialidade e
credibilidade do instrutor do processo disciplinar e seu escrivão, como
por exemplo, padrinhos, amigos, inimigos...

61.5. A partir da data de conhecimento da prática de infracção, até quando pode


instaurar um processo disciplinar?

Artigo 80 do EGFAE Só pode se instaurar um processo disciplinar, dentro de 3 anos, a


partir da data em que a infracção tiver sido cometida pelo Funcionário ou Agente do
Estado.

331
Alcídio Leão

61.6. Registo e início do processo disciplinar


 O instrutor regista o processo disciplinar, atribuindo um número ao mesmo e faz
na capa do processo disciplinar - artigo 101 do EGFAE, onde consta:
» No canto direito, o ano em que o processo foi instaurado;
» No canto esquerdo:
» O nome completo do arguido;
» A categoria do arguido;
» Natureza da infracção;
» Um espaço para a decisão final
» O nome do Instrutor do processo disciplinar
» O nome do Escrivão do processo disciplinar
 O instrutor exara (escreve) um despacho a dizer que tomou conhecimento do
despacho que o nomeou o instrutor do processo disciplinar.
 Exemplo do despacho:” “Tomei conhecimento sobre a instrução do processo
disciplinar”.
Maputo, aos 12 de Junho de 2013.
O instrutor,
 O instrutor faz a entrega do auto de notícias, dos documentos que tiver recebido
juntamente com o despacho que lhe indica como instrutor do processo
disciplinar ao escrivão para autuar;
 O escrivão vai autuar o auto de notícias e a participação(ele fará um documento
cujo título é” Autuação”).
Exemplo:” Autuação”
Aos doze dias do mês de Junho de dois mil e treze, nesta Cidade de Maputo, e na
Direcção Nacional dos RH do Ministério de Educação, lavrei o auto da participação que
precede o qual fui entregue pelo instrutor do processo disciplinar, o
senhor________ e eu____________, o escrivão, o digitei.
332
Alcídio Leão

Maputo, aos 13 de Junho de 2013.


O Escrivão,
_______________
As folhas do processo disciplinar devem ser enumeradas pelo escrivão e rubricadas
pelos dois (instrutor e escrivão).

61.7. Qual é o prazo da instrução do processo disciplinar?

 A instrução do processo disciplinar deve ser finalizada no prazo de 15 dias –


artigo 105 nº 1 do EGFAE;
 Excepcionalmente este prazo pode ser prorrogado por mais cinco dias -nº2 do
artigo 105 do EGFAE.

V. NOTIFICAÇÃO PARA A RECOLHA DE PROVAS PARA FUNDAMENTAR


A DECISÃO FINAL
(artigo 109 nº1 alíneas a) e b) do EGFAE)O instrutor do processo disciplinar, ordena o
escrivão para fazer uma notificação para o participante, com os seguintes dizeres:
“Nesta data, notifiquei o participante fulano de tal, Técnico dos Recursos Humanos,
afecto no Departamento dos RH do Ministério da Educação, para comparecer no
gabinete do instrutor, no dia-----de Junho de 2013, pelas 9 horas, a fim de prestar
declarações em conexão com o processo disciplinar nº 5/ 2013. De como ficou ciente,
vai assinar”.
Maputo, aos----de Julho de 2013
O Instrutor, O escrivão,
____________ ____________
O Participante,
______________________________________

333
Alcídio Leão

V.1. De seguida, o instrutor vai ouvir o participante ou queixoso em declarações,


devendo o escrivão escrever tudo que o participante ou queixoso falar, como ele falou,
sem mudar nada.
 Durante a audição do participante, o instrutor deve perguntar factos constantes
na queixa ou participação, sem deixar o declarante divagar para assuntos
irrelevantes a instrução do processo.
 Terminada a audição, o escrivão entrega o auto de declarações ao participante,
ele lê e se concordar assina e se não concordar, vai se corrigir até que ele esteja
de acordo com as declarações e assinar.
Exemplo dum auto de declarações:
Disse chamar-se….
A matéria da participação disse:
No fim, escreve-se:
E mais não disse, depois de lidas as suas declarações, achou-as conforme, ratifica e vai
assinar comigo escrivão que dactilografei e com o instrutor do presente processo
disciplinar.
Maputo, aos 15 de Junho de 2013.

V.2. Se o participante tiver indicado testemunhas, o escrivão vai notificar um por um,
para serem ouvidos em declarações – alínea a) do nº 2 do artigo 109 do EGFAE.
Exemplo de notificação de testemunhas:
“Nesta data, notifiquei o funcionário fulano de tal, Técnico da Direcção Nacional da
Administração e Finanças do Ministério da Educação, para comparecer no gabinete do
instrutor, no dia-----de Junho de 2013, pelas 9 horas, a fim de prestar declarações em
conexão com o processo disciplinar nº 5/ 2013. De como ficou ciente, vai assinar”.
Maputo, aos----de Junho de 2013
O Instrutor, O escrivão, o notificado,
----------------- _____________ __________
334
Alcídio Leão

V.3. Tratando-se de testemunha, ela deve jurar dizer a verdade e só a verdade e só


depois o instrutor faz as perguntas.
 Jura dizer a verdade e só a verdade?
 É amigo ou inimigo do participante ou do arguido;
 De seguida introduz o assunto e pergunta o que sabe, o que presenciou sobre o
mesmo assunto, começando desta forma:
“Aos vinte dias do mês de Junho de 2013, nesta cidade de Maputo, no gabinete do
instrutor deste processo disciplinar, compareceu a testemunha a seguir identificada,
devidamente notificada para o efeito, a fim de depor sobre a matéria destes autos, tendo
prestado o seguinte depoimento:
Disse chamar-se…….jurou por sua honra, dizer a verdade e só a verdade e disse não ser
amigo nem inimigo do participante ou do arguido, parente ou familiar dos mesmos.
A matéria dos autos disse….”
 O escrivão deve escrever tudo que a testemunha contar, tal e qual como ele disse
e no fim, vem:
“E mais não disse, depois de lidas as suas declarações, achou-as conforme, ratifica e vai
assinar comigo escrivão que dactilografei e com o instrutor do presente processo
disciplinar.
Maputo, aos 20 de Junho de 2013.
A Testemunha O Instrutor
____________________ _________________
O Escrivão
______________

V.4. Notificação do Presumível Infractor

335
Alcídio Leão

“Nesta data, notifiquei o sr. ….., para comparecer no gabinete do instrutor , no dia…..,
pelas…., a fim de prestar declarações em conexão com o processo disciplinar nº…,
cuja instrução iniciou no dia…, e em que é presumível infractor.
De como ficou ciente, vai assinar.
Maputo, aos ------de Junho de 2013

O presumível Infractor
O Instrutor __________________ O Escrivão
_______________ ______________

VI.5. Audição do Presumível Infractor


Exemplo:
“Aos ….do mês de Junho de 2013, nesta Cidade de Maputo, e no gabinete do Instrutor
deste processo, compareceu o presumível infractor, a seguir identificado, devidamente
notificado para o efeito, a fim de depor sobre a matéria destes autos, tendo prestado o
seu depoimento da forma seguinte:
Disse chamar-se….
Á matéria da participação disse:
 O escrivão deve escrever tudo que o presumível arguido disser e tal e qual como
ele disse e no fim, vem:
 “E mais não disse, depois de lidas as suas declarações, achou-as conforme,
ratifica e vai assinar comigo escrivão que dactilografei e com o instrutor do
presente processo disciplinar.
Maputo, aos ---- de Junho de 2013.
O presumível Infractor
O Instrutor __________________ O Escrivão
_______________ ______________
336
Alcídio Leão

VI.QUANDO É QUE SE ELABORA A NOTA

DE CULPA (artigo 109 n.º 1 alínea c) do EGFAE)


Depois de ouvir o participante, as testemunhas (se houver) e ouvir o presumível
Infractor, o instrutor do processo disciplinar tiver a convicção de que o presumível
infractor, cometeu a infracção de que vem indiciado.

VI.1. E QUANDO É QUE NÃO SE ELABORA


A NOTA DE CULPA?
Depois das audições, o instrutor do processo tiver a convicção de que não há provas de
o presumível infractor ter cometido a infracção de que vem indiciado, o instrutor se
abstém de acusar( deixa de acusar) e propõe o arquivamento, porque na produção de
provas não encontrou matéria.

O QUE DEVE CONTER UMA NOTA DE CULPA?


» A data em que foi cometida a infracção;
» O local em que a infracção foi cometida;
» A infracção ou infracções de que o arguido vem acusado;
» Os preceitos legais infringidos;
» As circunstâncias Atenuantes e Agravantes, se as houver
» A pena a que corresponder a infracção ou infracções cometidas

VII.3. Onde notificar o arguido?


» No local de serviço do arguido;
» Na sua residência, se tiver sido suspenso do serviço;
» No estabelecimento prisional, se estiver preso;
337
Alcídio Leão

» Por edital, se estiver no lugar incerto.

Exemplo da nota de acusação:


Contra o arguido, -----Técnico, deduzo os seguintes artigos de acusação:
1º Ter no dia, 10 de Junho de 2013, na sala de trabalho dos técnicos da Direcção
Nacional dos Recursos Humanos do Ministério da Educação, chamado o
colega_____________
de “burro”.
2º Ter dado uma chapada ao colega________ quando o aconselhou a ficar calmo….
Milita a favor do arguido a confissão espontânea da infracção, prevista no artigo 90 nº1
alínea a) do EGFAE, aprovado pela Lei nº 14/2009 de 17 de Março.
Os factos violam os deveres previstos nos nºs 18 e 19 do artigo 39 do EGFAE, sendo
puníveis com pena de Expulsão, nos termos da alínea c) do artigo 88 do EGFAE.
Tem o prazo de 5 dias, para apresentar a sua defesa, querendo.
O Instrutor O Escrivão
_________________ ____________________
O Arguido
__________________________________
VII. ASSEGURAR A DEFESA DO ARGUIDO; artigo 109 nº 1 alínea d) e e) do
EGFAE
VII. 1. A defesa do arguido, é assegurada com a entrega da nota de culpa e com a
indicação expressa do prazo para a resposta a nota de culpa.

O instrutor deve saber que se não der possibilidade para o arguido se defender, esse
processo disciplinar é nulo, isto é, não tem nenhum efeito, é como se não tivesse sido
instruído (feito), como se nunca tivesse existido nº 1 do artigo 108 do EGFAE.

338
Alcídio Leão

VII.2. Defesa do Arguido.

O arguido produz a sua defesa e no caso de indicar testemunhas, o instrutor tem o dever
de os ouvir. A forma de notificar e o auto é igual aquele que referimos no ponto V. 2.
VII.3. Junção do Registo Biográfico
O Escrivão do processo disciplinar, deve requisitar o registo biográfico, nos Recursos
Humanos da Instituição.
Exemplo: Aos ____do mês de Junho do ano de 2013, requisitei nesta Direcção Nacional
de Recursos Humanos, o registo biográfico do arguido_______.
Maputo, aos --------de Junho de 2013.
O Escrivão,
_______________

VII.4. Que informações devem conter o registo biográfico?


» Quando é que o arguido foi admitido;
» Se alguma vez já teve um processo disciplinar;
» Se alguma vez já teve um diploma de honra ou um louvor;
» Se teve alguma promoção ou progressão;
» Se já exerceu cargo de Direcção e chefia e se for o caso, os motivos da cessação.

VIII. ELABORAR O RELATÓRIO FINAL (artigo 109 nº 1 alínea f) conjugado com


111 nº1, ambos do EGFAE)
O relatório final, é o documento onde o instrutor do processo narra tudo que constatou
no processo disciplinar e ele propõe a pena a aplicar ao arguido.

339
Alcídio Leão

VIII.1. O QUE DEVE CONTER O RELATÓRIO FINAL?


» A indicação do Despacho que nomeou o instrutor do processo disciplinar;
» Indicar o nome do escrivão;
» Dizer quando é que foi comunicado do Despacho que o nomeiou instrutor do processo
disciplinar;
» Indicar os factos constatados na instrução do processo disciplinar(durante
o processo disciplinar);
» A defesa do arguido( colocar de forma resumida os factos mais importantes que
constam da defesa do arguido);
» Analisar os argumentos da defesa( o instrutor, aqui, fala do que acha sobre o que vem
referido na auto defesa, concordando ou discordando com os argumentos apresentados
na defesa do arguido);
» Conclusão: onde o instrutor dá a sua opinião sobre todo o processo, indica os artigos
do EGFAE que acha que foram violados e
» Propõe uma pena a aplicar ao arguido ou propõe a absorção;
» Coloca a data e assina.

IX. REMESSA DO PROCESSO Á DECISÃO FINAL


O Instrutor faz um termo de remessa, da seguinte:
Aos 26 dias do mês de Junho de 2013, nesta Cidade de Maputo, no Gabinete do
Secretário Permanente do Ministério da Educação, faço remessa dos presentes autos ao
Excelentíssimo Senhor Secretário Permanente do Ministério da Educação.

Os presentes autos vão escritos em 50 folhas, enumeradas e rubricadas.


E eu, ---------Instrutor, digitei.
Maputo, aos 26 de Junho de 2013.

340
Alcídio Leão

O INSTRUTOR
_________________________________________________

X- Como proceder depois da tomada de decisão?


A decisão final é, por norma, notificada ao arguido nos próprios autos, devendo aquele
declarar por escrito que tomou conhecimento, dando e assinando, após o que, decorrido
o prazo legal de 10 dias, sem que o arguido tenha interposto um recurso hierárquico, a
decisão é executada – artigo 112 nº 1 conjugado com o nº1 do artigo 176 do REGFAE e
128 do EGFAE.
Se o arguido estiver em parte incerta, a decisão é notificada por Editais e anexar ao
processo.
NB: O arguido é notificado nos Recursos Humanos.

XI- Quem tem competência para decidir num processo disciplinar? E quando é que o
Processo disciplinar é enviado para Anotação do Tribunal Administrativo Advertência;
Todos os dirigentes aos funcionários que lhes estão subordinados
b) Repreensão pública;
Todos os dirigentes aos funcionários que lhes estão subordinados
c) Multa; Chefes de Departamento Central, Secretários Permanentes
Provinciais, Directores Provinciais, Administradores Distritais, Presidentes de Conselho
Municipal, Secretários Permanentes Distritais e Chefes de Posto Administrativo
d) Despromoção, Directores Nacionais, Governadores Provinciais e Administradores
Distritais.
e) Demissão e Expulsão
Só os dirigentes com competência para nomear São competentes para decidir num
processo disciplinar:- artigo 113 do EGFAE
O dirigente que mandou instaurar o processo decide no prazo de 15 dias, ou em caso de
falta de competência, o remete via hierárquica ao dirigente competente; Se a decisão
341
Alcídio Leão

tomada for Multa, Despromoção, Demissão ou Expulsão, o processo disciplinar deve


ser remetido ao Tribunal Administrativo para Anotação.
A tarefa do instrutor termina com a remessa do processo á decisão final.

62. Direito Processual Penal

Direito de Punir
A vida em sociedade é regida por normas de conduta sem as quais ela seria
praticamente impossível. Este conjunto de normas é o que chamamos de
Direito Penal Objetivo
Mas quem pode fazer valer o 107Direito Penal Objetivo?
Somente o Estado, em sua função de promover o bem-comum, tem o direito de
estabelecer e aplicar essas sanções.
O Estado é único titular do DIREITO DE PUNIR (Jus Puniendi), que é exatamente o
que chamamos de Direito Penal Subjetivo. Esse direito, porém, é limitado pelo próprio
estado, pelo princípio da legalidade.
Como bem ensina José Frederico Marques (2003, p. 5) O “jus puniendi é a
manifestação do poder de império do Estado, pois este punindo exerce sua soberania.” E
ainda ensina o mesmo autor (MARQUES apud MIRABETE 1995,p. 24) o 108jus
puniendi pode ser definido como o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada
no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou a
omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica”.
O Estado não tem apenas o Direito de punir, mas, sim, tem o DEVER de punir, pois seu
dever, dentre outros, é resguardar a sociedade. O jus puniendi é uma manifestação da
soberania estatal.

107
Direito penal Objetivo é o conjunto de normas que regulam a acção estatal, definindo crimes e
cominandoas respectivas sanções.
108
Chamamos de Jus Puniendi o Direito de Punir do Estado!

342
Alcídio Leão

Pretensão Punitiva
Com a prática de um Ilícito penal, surge um conflito de interesses entre o Direito
Subjetivo de Punir do Estado e o direito à liberdade do autor da prática ilícita.
Mirabete (2003, p.25), já ensina que “da exigência de subordinação do interesse do
autor da Infração ao interesse do Estado, resulta a pretensão punitiva” que é, na
realidade a possibilidade, a pretensão que tem o Estado de punir, fazendo vigorar o seu
interesse, em prejuízo do interesse do autor do ilícito.

Lide penal
Lide, como já vimos em Teoria Geral do Processo, é a oposição de uma pretensão à
outra, ou seja, há lide quando, no conflito de interesses, uma parte se opõe ao que é
pretendido pela outra. Na esfera penal, quando se opõe o titular do direito à liberdade a
pretensão punitiva do Estado, têm-se a lide penal.
O Estado não pode simplesmente aplicar uma sanção, uma vez que é também seu dever
proteger o direito à liberdade do autor do ilícito. Sendo assim, somente poderá o Estado
aplicar a pena prevista ao crime cometido se utilizar como instrumento o Direito de
ação.
Mas o que é DIREITO DE AÇÃO?
Direito de ação, segundo Magalhães Noronha (1999, p. 4) “trata-se de um direito
subjetivo, que confere ao Estado o poder de promover a perseguição ao autor do delito”,
e ainda, segundo Mirabete (1995, p. 26) “consiste em obter o Estado do juiz a sentença
sobre a lide deduzida no processo a fim de que seja aplicada a sanção penal sem a
violação do direito à liberdade do autor da infração penal”. Ou seja, é o direito que tem
o Estado de recorrer ao juiz para que ele, com base nos dados colhidos no processo,
tendo em vista a lide penal, decida sobre a mesma, prolatando sentença e determinando
a aplicação da sanção.
Pois assim, mesmo restringindo o Estado a liberdade do autor do ilícito, não ferirá seu
direito à liberdade.
Processo Penal

343
Alcídio Leão

A forma que o Estado impõe para compor os litígios, por meio dos órgãos próprios da
administração da Justiça, tem o nome de PROCESSO. Já nos ensima Mirabete (2003, p.
26): “Como na Infração penal há sempre uma lesão ao Estado, este como Estado-
Administração, toma a iniciativa de garantir a observância da lei, recorrendo ao Estado-
juiz para, no processo penal, fazer valer sua pretensão punitiva”.
Processo Penal é, então, o conjunto de atos cronologicamente encadeados, submetido a
princípios e regras jurídicas e destinados a compor as lides de caráter penal.
Sua finalidade é a aplicação do DIREITO PENAL OBJETIVO, mas para atingir tal
objetivo são indispensáveis atividades investigatórias (atos administrativos da polícia
judiciária – Inquérito Policial).
Então, tem-se o Direito Processual Penal como: “o conjunto de princípios e normas que
regulam a aplicação jurisdicional do direito penal, bem como as atividades persecutórias
da Polícia Judiciária, e a estruturação dos
órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares” (MARQUES, apud
MIRABETE, 2004, p. 29) . Tem, o Direito Processual Penal, caráter instrumental, pois
serve como instrumento para a aplicação do direito penal objetivo.
Mirabete (2004, p. 30) ainda acrescenta que “é uma disciplina normativa, pois parte da
Norma Jurídica, investiga os princípios, organiza os institutos e constrói, então, o
sistema”.
O Direito Processual Penal é um ramo do Direito Público e possui método técnico-
jurídico, permitindo ao jurista extrair do direito objetivo os preceitos aplicáveis a uma
situação concreta, descobrindo seu significado e lhe desenvolvendo as conseqüências.

62.1. Princípios

Estado de Inocência
O princípio do Estado de Inocência, ou da Presunção da Inocência, ou mesmo Princípio
da Inocência está contemplado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso
LVII. Surge pela primeira vez em 1789, na Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, foi novamente utilizado no art 26 da Declaração Americana de

344
Alcídio Leão

Direitos e Deveres de 1948, no art 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da


ONU.
Muitos doutrinadores como Mirabete (1999, P. 42) e Ney Moura Telles (2005, p. 90)
utilizam a nomenclatura Presunção de Inocência tendo em vista que a mesma não é
absoluta. Somente se presume que a pessoa não seja culpada até o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória, mas não se dá total certeza a isso, pois, se assim fosse,
não seria possível a prisão em flagrante, ou mesmo a prisão preventiva e a instauração
do processo, uma vez que seria incoerente prender alguém considerado inocente no
todo, ou até mesmo processar alguém que já se sabe inocente109.
Existem inclusive autores como Carlos Rubianes (apud MIRABETE, 2003, p.42), que
consideram que existe uma presunção de culpabilidade quando se instaura a ação penal,
pois ela é um ataque à inocência do acusado, e, se não a destrói, a põe em incerteza até a
sentença definitiva.
Após muitas discussões acerca do assunto, chegou-se à conclusão que o principio do
Estado de Inocência não revoga os dispositivos relativos à prisão preventiva, pois estão
os mesmos dispostos na própria Constituição Federal110.

Podemos chegar às seguintes conclusões a partir do Princípio do Estado de Inocência:


1) Somente pode haver restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva a
título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência.
2) O réu não tem dever de provar sua inocência, pois a mesma é presumida, cabe sim,
ao acusador, provar a “culpa” do acusado.
3) Para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é o réu o autor do delito,
bastando a mínima dúvida para que seja imperativa a absolvição. ( in dúbio pro reo).

109
Sentença Definitiva é aquela contra a qual não cabem mais recursos.
110
Art. 5 ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Sentença Definitiva é aquela contra a qual não cabem mais recursos. Sentença recorrível é aquela que
ainda não se tornou definitiva, da qual cabe recurso. Sentença de Pronúncia é a primeira sentença de
um processo nom Tribunal do Júri, pela qual o Juiz diz que aquele caso deve ser apreciado pelo Tribunal
referido.

345
Alcídio Leão

Como bem ensina Mirabete (2003, p. 42). “Diante deste princípio fica clara a revogação
(derrogação) do art 393 II e 408 § 1º do CPP, que diziam sobre a inscrição do nome do
réu no rol dos culpados com a sentença condenatória recorrível ou sentença de
pronúncia”

Princípio do Contraditório

Este princípio é um dos mais importantes princípios não só do Direito Processual Penal
, mas de todo o direito em si. Está inscrito na CF/88 art 5º inc LV, e garante a ampla
defesa do acusado.
Segundo este princípio, tem o acusado direito de defesa, sem restrições, ou melhor, tem
o acusado, na sua defesa, os mesmos direitos que o acusador. As partes são vistas da
mesma forma no processo, tendo as mesmas oportunidades e limitações. Tal princípio é
importantíssimo para garantir a imparcialidade do julgamento do magistrado.
Ensina Rui Portanova (2001, p.160-164) que pelo princípio do contraditório, todos os
atos processuais “devem primar pela ciência bilateral das partes, e pela possibilidade de
tais atos serem contrariados com alegaçõese provas” . É em decorrência deste princípio
que existe a obrigatoriedade de comunicação ao réu de cada ato do processo e, ainda, de
cada documento juntado e, também, a oportunização de que o mesmo se manifeste
sobre os documentos.
Uma exceção a essa decorrência do princípio do contraditório é a revelia penal, pois
afasta esse instituto a necessidade de comunicação ao réu dos demais atos do processo,
podendo ele comparecer voluntariamente. A garantia do contraditório abrange toda a
instrução criminal, incluindo se aqui todos os atos do processo que possam interferir na
decisão do magistrado, incluindo coleta de provas, arrazoados e alegações das partes,
mas não inclui o Inquérito Policial.
O princípio do contraditório impede ainda que, mesmo sendo o réu revel, seja este
julgado sem defesa. Diferente do que acontece em juízo cível, em que um dos efeitos da
revelia é a confissão tácita,, na esfera penal, a revelia só tem como efeito a cessação das
intimações do réu quanto aos atos do processo, sendo nomeado defensor para o mesmo,
garantindo assim o cumprimento do contraditório.

346
Alcídio Leão

Princípio da Ampla Defesa

Por este princípio, que se encontra na Constituição Federal de 1988 em seu art 5°, inciso
LV, pode o réu utilizar em sua defesa todos os meios que não forem proibidos por lei. E
ainda, atrelado ao Princípio do contraditório, é por ele que o réu tem o direito de
manifestar-se sobre qualquer prova, sobre qualquer documento acostado ao processo. O
contraditório dá o direito ao réu de conhecer o que contra si foi apurado, e a ampla
defesa permite a ele defender-se de cada acusação formulada contra sua pessoa.
Segundo bem ensina Tourinho Filho (2004, p. 44): Em todo processo de tipo acusatório,
como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em
relação a quem se propõe a acção penal, goza do direito ‘primário e absoluto’ da defesa.
A ampla defesa, assim como o contraditório, não é aplicada durante a fase do Inquérito
Policial, mas sim durante toda a instrução penal.

Princípio da Verdade Real


Pelo princípio da verdade real, tem-se que se deve buscar, no processo penal, sempre a
verdade dos fatos, não se limitando às verdades abstratas que admite, por exemplo, o
processo civil. Neste sentido normativo, o art. 156 do CPP dispõe que: “A prova da
alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de
proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante”.
Como preleciona Mirabete (2003, p.44): Com o princípio da verdade real se procura
estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a
infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra
limites na forma ou na iniciativa das
partes.
Prisão Preventiva é a que se dá antes da sentença definitiva, fundada em causar o
acusado perigo ao trâmite do processo, ou haver perigo de fuga do acusado, entre outras
justificativas.

347
Alcídio Leão

Por este princípio deve o juiz procurar, mesmo não havendo interesse das partes,
levantar a verdade dos fatos, dar impulso ao processo, buscar as provas necessárias à
formação de seu convencimento e, ainda, pode, mesmo após o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, com novas provas, absolver o réu anteriormente
condenado. Não pode o Juiz penal se contentar com a verdade formal dos fatos, mas sim
com a verdade real dos mesmos.

Princípio da Oralidade
Pelo princípio da oralidade segundo Mirabete (2003, p. 44), deve-se observar que as
“declarações feitas perante os juízes e tribunais só possuem eficácia quando formuladas
através da palavra oral, ao contrário do procedimento e escrito”.
Conseqüências desse princípio:
1) A necessidade de concentração: que consiste em realizar todo o julgamento em uma
ou em poucas audiências que tenham intervalos pequenos entre si. Ex: Júri
(MIRABETE, 1999, p. 45)
2) Imediatidade: o juiz deve ficar em contato direto com as partes e as provas,
recebendo, assim, diretamente os elementos que basearão a formação de sua convicção
para o julgamento. (MARQUES, apud MIRABETE, 2003, p.44)
3) Identidade Fisica do Juiz: fica o magistrado ligado, vinculado aos processos cuja
instrução iniciou; mas, na realidade, sendo a magistratura um órgão uno, pode haver, em
caso de extrema necessidade, a alteração da pessoa do julgador, mas havendo a
preservação da identidade de órgão.
(TOURINHO FILHO, 2004, p. 56 – 57) É importante salientar que, em nosso sistema
penal, ainda vigem regras do procedimento escrito (defesa prévia, alegações finais,
sentença, etc), sendo que na realidade há um misto de procedimento escrito e oral.
Um grande avanço em direção à aplicação do procedimento oral foi o procedimento dos
Juizados Especiais Criminais, em que há um primor pela oralidade e imediatilidade.
Princípio da Publicidade

348
Alcídio Leão

A publicidade é garantida em todo o procedimento, seja ele judicial ou até mesmo


administrativo, por ser a mesma tanto uma garantia para o indivíduo quanto para a
sociedade.
No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, como regra. As audiências,
as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueados ao público em
geral. Qualquer pessoa pode ir ao Fórum, sede do juízo, assistir à audição de
testemunhas, ao interrogatório do réu111, do Júri, são impostas algumas limitações
(TOURINHO FILHO, 2004, p. 43) Pode haver restrição a publicidade dos atos
processuais nos casos descritos no art 5º LX da CF/88 que reza “A lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem”. Serve a regra da Publicidade para tentar impedir a fraude e
a corrupção, fazendo com que os atos processuais fiquem os mais visíveis possíveis a
fim de que possa a sociedade e as próprias partes servir de fiscais do cumprimento da
lei.
A publicidade não é total, pois até mesmo a Constituição Federal (art 5° LX) prevê
algumas ressalvas a ela. Utilizamos as ressalvas constitucionais quando se restringe o
número de pessoas em determinado ato (ex. votação dos jurados em um júri, que deve
ser na sala secreta e com número reduzido de pessoas), ou, ainda, utilizamos tais
ressalvas para retirar o réu da sala de audiências para que não influa em testemunho.
No Inquérito Policial, deve-se preservar o sigilo necessário à elucidação do fato,
podendo, então, ser bem restrita a publicidade de atos.

Princípio da Obrigatoriedade
O princípio da Obrigatoriedade está contido nos arts 5º, 6º e 24 do CPP e diz que:
“sendo necessário para a manutenção da ordem social que os delitos sejam punidos,
deve, obrigatoriamente, o estado promover o jus puniendi”.
O princípio da obrigatoriedade faz com que a autoridade policial instaure o Inquérito
Policial, e que o Ministério Público promova a ação penal pública (só a pública porque
a privada é de iniciativa do ofendido).

111

349
Alcídio Leão

Segundo Mirabete (2003, p. 46): (...) no momento em que ocorre a infração penal é
necessário que o Estado promova o Jus Puniendi, sem que se conceda aos órgãos
encarregados da persecução penal poderes discricionários para apreciar a conveniência
ou oportunidade de apresentar sua pretensão ao estado-Juiz.
É exceção do Princípio da Obrigatoriedade, o princípio da oportunidade ou bagatela
(não deve o Estado promover a ação penal quando dela resultar mais inconvenientes
que vantagens à sociedade). No Brasil, este princípio
acaba ficando restrito aos crimes de ação privada e nos delitos que dependem
de representação do Ministro da Justiça.
A Lei 9.099/95 em seu art. 72 acaba diminuindo a aplicação deste princípio, já que tem
o instituto da transação penal, que tranca o processo antes do oferecimento da denúncia,
por meio de um acordo celebrado entre o réu e o Ministério Público.

Princípio da Oficialidade
Este princípio está previsto nos artigos 5º LIX, 144, 129 I; 128 I e II da Constituição
Federal, e ainda nos artigos 4º e seguintes e artigo 29 Código de
Processo Penal.
Diz este princípio que já que a repressão do crime é função exclusiva do Estado, e dele
devem derivar os atos de persecução penal, ou seja, a repressão ao crime deve ser
originada e sucedida pelos órgãos oficiais do Estado.
Como ensina Mirabete (2003, p.47): Como a repressão ao criminoso é função essencial
do Estado, deve ele instituir órgãos que assumam a persecução pena. É o princípio da
oficialidade, de que os órgãos encarregados de deduzir a pretensão punitiva sejam
órgãos oficiais.
O Ministério Público e a Polícia, órgãos oficiais responsáveis pela repressão penal, têm
autoridade, podendo requisitar documentos, determinar diligências e quaisquer atos
necessários à instrução criminal seja durante a fase inquisitiva (Inquérito Policial), seja
durante a Ação Penal, cada um, é claro, em cumprimento a suas atribuições
(MIRABETE, 1999, p. 48). Devemos perceber que esse princípio não é absoluto,

350
Alcídio Leão

porque na acção penal privada a iniciativa da ação é tida pelo ofendido, e não pelos
órgãos oficiais, o mesmo ocorrendo na ação penal privada subsidiária da pública.
Princípio da Indisponibilidade do Processo
Está previsto nos artigos 10, 17, 25, 28, 42, 576, 385 do Código de Processo Penal e
vale desde a fase do Inquérito Policial, mesmo não sendo o inquérito considerado como
processo penal propriamente dito. Segundo Mirabete (1999, p. 48), o da
indisponibilidade decorre do princípio da obrigatoriedade, sendo que este vigora
inclusive na fase do Inquérito Policial. Por este princípio, após ser instaurado o
Inquérito Policial, não pode o mesmo ser paralisado indefinidamente, ou arquivado.
O arquivamento do Inquérito Policial, em decorrência do princípio da indisponibilidade
somente pode se dar, mesmo com requerimento do Ministério Público, após ser
submetido ao Juiz. Este, caso concorde, decide pelo arquivamento112, mas se achar que
é equivocado o pedido do arquivamento, submeterá os autos ao Procurador Geral do
Ministério Público.

Caso o Procurador Geral do Ministério Público concorde com o juiz,c poderá designar
novo representante do Ministério Público para atuar no processo, ou oferecer a denúncia
ele mesmo (Procurador), na hipótese do art. 28 do CPP.
Discordando do posicionamento do Magistrado e, acatando o posicionamento do
Promotor de Justiça, considerando acertada a decisão pelo arquivamento do Inquérito
Policial, o Procurador Geral do Ministério Público remeterá tal decisão ao juiz que
estará então obrigado a atender.
Além disso, é esse princípio que proíbe o Ministério Público de desistir da ação penal
que já esteja em andamento e de eventual recurso interposto, de acordo com o disposto
nos arts 42 e 576 CPP respectivamente , e, ainda, permite que o juiz condene o réu
mesmo com pedido de absolvição por parte do Ministério Público.
Na ação penal privada, não cabe este princípio, já que o ofendido dispõe do processo,
podendo extingui-lo por meio de desistência, perdão, renúncia etc., e ainda, nas ações
penais públicas dependentes de representação, pode o ofendido, antes do oferecimento

112
Desistência ocorre quando a parte ofendida deixa, expressamente de ter interesse no
prosseguimento da ação. Renúncia é quando o ofendido deixa de iniciar a ação penal.

351
Alcídio Leão

da denúncia, retratarse, impedindo assim a interposição da ação penal. Princípio do Juiz


Natural ou Juiz Constitucional Encontra-se previsto no artigo 5º LIII, XXXVII da
Constituição Federal e ainda nos artigos 92 a 126 do Código de Processo Penal.
Como diz Mirabete (2003, p.48) “o autor do ilícito só pode ser processado e julgado
perante o órgão que a Constituição Federal, implícita ou explicitamente, atribui a
competência para o julgamento”.
Não pode a lei determinar magistrados definidos para o julgamento de determinadas
pessoas ou fatos. Antigamente se dizia que este princípio informava ser obrigatório que
um juiz que começasse um processo ficasse ao mesmo ligado até o final. No Brasil não
se utilizou tal descrição até mesmo pela distribuição da carreira da magistratura. Assim,
desde a CF/88 estabeleceu-se o juiz natural, não seria um juiz em pessoa, mas sim o juiz
competente (órgão do Estado) (ZAFFARONI; PIERANGELI, 1997, p. 212 -228).

Princípio da Iniciativa das Partes


Este princípio é previsto no Código de Processo Penal, nos artigos 24, 29 e 30.
No processo penal, são as partes (e aqui se considera o ministério Público como parte na
ação penal pública) que devem produzir as provas113. O juiz deve ficar restrito aos
pedidos do autor e o que foi provado pelo réu, nunca indo além disso.
Sendo o direito de ação penal o de invocar a tutela jurisdicional-penal do Estado é
evidente que deve caber à parte ofendida a iniciativa de propô-la, não se devendo
conceder ao juiz a possibilidade de deduzir a pretensão punitiva perante si próprio
(MIRABETE, 2003, p.48) Não pode, por exemplo, o juiz começar um processo de
ofício, somente pode iniciar um processo por petição de parte. Pode, porém, terminar o
processo sem ter se chegado a verdade real, ou seja, por nulidade, ou por prescrição,
falta de intimação da sentença de pronúncia, etc, ou então, com sentença de mérito,
absolvendo ou condenando o réu.
113
CF/88 art 5° LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Denúncia é o nome que damos à peça inicial da ação penal pública.

Art. 5° LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.

O Dominus Litis, ou seja, o dono da ação, nas Ações Penais Públicas, é o Ministério Público, e nas Ações
Penais Privadas é o ofendido ou seus representantes.

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Alcídio Leão

Princípio do Impulso Oficial

Está previsto nos artigos 251, 156, 168, 176, 196 do Código de Processo Penal. Ensina
Mirabete (2003, p. 49) que “(...) embora a iniciativa na produção das provas pertença às
partes, incumbe ao juiz, segundo o CPP, prover a regularidade do processo e manter a
ordem no curso dos respectivos atos”.
Neste sentido, dispõe ainda o autor que cabe ao magistrado, em busca da verdade real
manter a regularidade do processo, mesmo que as partes não o façam. Serve este
princípio para evitar que o processo fique paralizado por falta de iniciativa das partes.
Principio do Duplo Grau de Jurisdição
Este princípio não está expresso na CF, mas decorre do próprio sistema Constitucional e
diz que os Tribunais poderão rever as decisões em grau de recurso, ou seja, um tribunal,
que é superior ao juiz singular, tem opoder de rever a decisão do juiz de primeiro grau.

Conclusão
O Direito Processual Penal evoluiu com as socieddaes e existe para que seja possível a
aplicação do Direito Penal Objetivo, que segue princípios que buscam assegurar os
direitos dos cidadãos na sua defesa, bem como a imparcialidade do julgamento.

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Alcídio Leão

63. Bibliografia

 MIRANDA, Jorge, Ciência Politica. Formas de Governo, Lisboa, 1996.


 Manual de Direito Constitucional. Tomo I, Preliminares. O Estado e os sistemas
constitucionais, 5ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1996; Tomo III, Estrutura
Constitucional do Estado, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1994.
 SOUSA, Marcelo Rebelo de, Ciência politica. Conteúdos e métodos. Coimbra.
Coimbra Editora,1989.
 SOUSA, Marcelo Rebelo de e GALVAO, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª
ed., Lisboa Publicações Europa-América, 1998.
 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 1ª. Edição (6ª
Reimpressao), Revista e Actualizada, Coimbra, Livraria Almedina, 1997.
 CISTAC, Gilles, Curso do Direito Administrativo, Lições aos estudantes da
Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, 1997-1998.

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