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25/11/2021
Número: 5061388-74.2018.8.13.0024
Classe: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte
Última distribuição : 10/05/2018
Valor da causa: R$ 94.057,19
Assuntos: Compra e Venda, Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral,
Indenização por Dano Material
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Advogados
HUMBERTO DE SOUZA LEANDRO (AUTOR)
ISABELA RIBEIRO DA COSTA (ADVOGADO)
ALCANTARA PARTICIPACOES LTDA - ME (RÉU/RÉ)
WALSIR EDSON RODRIGUES JUNIOR (ADVOGADO)
MARCELO DE FARIA CAMARA (ADVOGADO)
SILVIA MARCIA SANTOS DE JESUS (ADVOGADO)
Documentos
Id. Data da Assinatura Documento Tipo
6909763086 12/11/2021 13:59 Sentença Sentença
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ASSUNTO: [Compra e Venda, Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral,
Indenização por Dano Material]
SENTENÇA
RELATÓRIO
HUMBERTO DE SOUZA LEANDRO propôs a presente AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA contra ALCÂNTARA
PARTICIPAÇÕES LTDA., ambos qualificados na peça inicial, alegando que, no dia 03 (três) de agosto de 2014, celebrou com a
requerida contrato de promessa de compra e venda de imóvel situado no lote nº 1 (um) da quadra nº 13 (treze), no Bairro Vitória
Residence - Vista da Lagoa, no Município de Sarzedo - MG, pelo valor de R$ 238.342,88 (duzentos e trinta e oito mil trezentos e
quarenta e dois reais e oitenta e oito centavos), a ser pago da seguinte maneira: uma sinal de R$ 10.000,00 (dez mil reais), uma
parcela única no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e 100 (cem) parcelas mensais no importe de R$ 2.433,42 (dois mil
quatrocentos e trinta e três reais e quarenta e dois centavos). Conta que, no dia 09 (nove) de novembro de 2016, foi orientado pela
ré a rescindir a referida promessa de compra e venda do imóvel a fim de celebrar uma nova promessa, tendo como objeto o mesmo
imóvel descrito. Afirma que o novo contrato está eivado de abusividades, uma vez que a correção do saldo devedor foi feita de
maneira irregular, prescrevendo como valor do imóvel o montante de R$ 401.151,05 (quatrocentos e um mil cento e cinquenta e
um reais e cinco centavos). Aduz que, conforme laudo pericial contábil anexado, a empresa ré lesou o autor de diversas formas,
Em sede de especificação de provas, o autor requereu a definição do ônus da prova, a produção de prova testemunhal, o
Despacho pronunciando sobre o ônus da prova, distribuído na forma do art. 373 do CPC/2015, em IDs 99109759 e 125038312.
Embargos de Declaração alegando omissão na apreciação do pedido de provas em ID 906799919. Rejeitados em ID 1283999808.
Petição informando que o empreendimento da empresa ré foi alvo de inquérito civil pelo Ministério Público em ID 3545366536.
Julgamento convertido em diligência para que a requerida se pronuncie sobre o referido inquérito em ID 4077373013.
É o relatório. DECIDO
FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação na qual o requerente pretende a revisão de dois contratos de promessa de compra e venda de imóvel, bem como a
repetição em dobro do indébito e a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais.
Preliminarmente, a ré sustenta a falta de interesse processual do autor em relação ao pedido de entrega das obras de infraestrutura
e lazer do condomínio e no tocante ao pedido de redução da multa moratória ao patamar legal de 2%.
Entretanto, em contestação a ré confessa que o acabamento da área de lazer não está finalizado, o que é corroborado pelas fotos
juntadas em ID 82190934, de modo que é patente o interesse de agir do requerente, consistente na necessidade de recorrer à tutela
jurisdicional para garantir o término das obras na referida área.
Do mesmo modo, verifico que há interesse processual no pedido de adequação da multa moratória ao patamar legal. Isso porque,
embora já tenha quitado todas as parcelas do contrato, o autor requer a repetição dos valores pagos a maior, dentro dos quais pode
eventualmente se encontrar quantias pagas a título de cláusula penal que extrapole o percentual de 2%.
De pronto, insta salientar que estamos diante de uma relação de consumo, uma vez que o requerente e a requerida enquadram-se
nos conceitos de consumidor e fornecedor, respectivamente, conforme os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor
(CDC). Desse modo, são aplicáveis os artigos 14 e 22 do estatuto consumerista, os quais determinam que o fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos seus consumidores.
Nesse contexto, nos termos dos artigos 6º, V, e 51, IV, do CDC, admitem os contratos sua modificação e/ou revisão sempre
que suas cláusulas se oponham ou destoem das prescrições do estatuto consumerista, principalmente se estabelecerem obrigações
abusivas, por meio das quais o consumidor fica em desvantagens exageradas ou incompatíveis com a boa-fé e a equidade.
De acordo com o art. 319, III e IV, do CPC, a petição inicial deve indicar os fatos, os pedidos e os fundamentos jurídicos
destes. Desse modo, apenas podem ser apreciadas as supostas abusividades contratuais expressamente fundamentadas na causa de
pedir e a respeito das quais foi formulado pedido expresso.
Pois bem.
Analisando o disposto no art. 46 da Lei 10.931/04, regulação vigente sobre as incorporações imobiliárias, verifica-se que,
em contratos com prazo mínimo de 36 (trinta e seis) meses, é lícita a estipulação de cláusula de reajuste com periodicidade mensal
pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança:
Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de
arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com
prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade
mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de
poupança.
Entretanto, não se admite a cumulação do referido índice com a cobrança de juros remuneratórios, tal como avençado no contrato,
uma vez que configura bis in idem. Não difere disso o entendimento jurisprudencial:
Desse modo, impõe-se a declaração de nulidade parcial da cláusula 3.1 do referido contrato, limitando-se a correção monetária ao
índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.
Ato contínuo, o requerente aduz a abusividade da cláusula contratual que estipula capitalização mensal de juros, qual seja, a
segunda parte da cláusula 3.1 do primeiro contrato:
“Para efeito de apuração do valor de cada prestação a pagar, o fator de multiplicação obtida através da
fórmula acima estabelecida incidirá sempre sobre o valor da última parcela já corrigida e
paga…(sic)”
O § 2º do art. 5º da Lei 9514/97 autoriza a pactuação da capitalização de juros em operações de comercialização de imóveis com
pagamento parcelado, ainda que a construtora não seja integrante do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), como é o caso da
empresa ré. Vejamos:
[...]
- A inovação recursal é vedada pelo ordenamento jurídico, porque nela há inserção no recurso de questão
não discutida na instância originária com afronta aos limites da lide (CPC, arts. 329 e 336) ou à regra do
art. 1.014 do CPC.
- A cumulação de juros remuneratórios de 1% a.m. com índice mensal de correção monetária IPCA, em
contrato de compra e venda de imóvel, não é ilegal (Lei 10.931/04, art. 46).
- É autorizada a capitalização de juros nas operações que se referem à comercialização de imóvel, com
pagamento parcelado, nos termos do art. 5º da Lei 9.514/97. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.21.015164-3/001, Relator(a): Des.(a) Ramom Tácio , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
08/09/2021, publicação da súmula em 09/09/2021) [grifo nosso]
O autor pugna também pela nulidade do § 4º da cláusula 3.2 do primeiro contrato, uma vez que esta estabelece multa moratória no
importe de 10% sobre o valor do débito em caso de atraso no pagamento de quaisquer das parcelas.
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de
financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e
adequadamente sobre:
§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser
superiores a dois por cento do valor da prestação [grifo nosso]
Por isso, declaro a nulidade parcial do § 4º da cláusula 3.2 do referido contrato, limitando a multa moratória ao valor de 2% do
débito.
Ainda, o demandante requer a condenação da suplicada ao pagamento da correção monetária sobre o valor de R$ 121.535,39
(cento e vinte e um mil quinhentos e trinta e cinco reais e trinta e nove centavos), referente às parcelas devolvidas pela ré quando
da rescisão contratual.
Tendo em vista que o primeiro contrato de compra e venda de imóvel estipula a correção monetária dos valores, entendo esta ser
devida, contudo, deverá ocorrer apenas segundo o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança, sem a cumulação com
juros remuneratórios.
O autor pede também a condenação da ré ao pagamento de multa no montante de 20% (vinte por cento) sobre o valor total da
negociação, tendo em vista o atraso na entrega das obras.
O primeiro contrato de promessa de compra e venda de imóvel, em sua cláusula 11, assim prevê:
Desse modo, o contratante inadimplente fica obrigado a pagar ao lesado pelo inadimplemento multa no importe de 20% da
negociação.
No caso, ficou sobejamente provado o atraso na entrega das obras por parte da empresa requerida.
Está presente nos autos, em ID 43280972, termo de compromisso assinado pela ré garantindo que as obras de infraestrutura e lazer
seriam entregues no prazo de 18 meses a contar da assinatura do documento, ou seja, em julho de 2016, o que evidentemente não
ocorreu, tendo em vista que, em contestação, a própria ré confessa que não estava finalizado o acabamento da área de lazer quando
da redação da defesa.
Provado o inadimplemento da requerida, impõe-se sua condenação ao pagamento da multa moratória no valor de 20% da
negociação, como previsto contratualmente.
Ademais, o demandante pleiteia a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$
10.000,00 (dez mil reais)
Para condenar alguém ao pagamento de indenização por dano moral, faz-se necessária a configuração dos pressupostos ou
requisitos da responsabilidade civil, quais sejam: dano, culpa do agente e nexo de causalidade entre a atuação deste e o prejuízo
suportado pela autora, nos termos do art. 186 do CC/02. Sobre danos morais, ensina o autor Carlos Roberto Gonçalves:
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que
integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc.,
como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor,
sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.” (GONÇALVES, 2009, p.359)
“Como o dano moral, é, em verdade, um não dano, não haveria como provar, quantificando o alcance
desse dano, como ressuma óbvio. Sob esse aspecto, porque o gravame no plano moral não se indeniza,
mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que, a rigor, não existe no plano
material.” (Tratado de Responsabilidade Civil. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.
1381)
Tendo em vista que o atraso na entrega das obras foi significativo, frustrando as expectativas do autor, que pretendia mudar-se
para o condomínio e tão logo usufruir de suas acomodações, entendo ser devida a indenização pelo dano moral sofrido.
- Em contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel, incorre em mora a construtora que não
comprovou a entrega e o cumprimento do cronograma do empreendimento a tempo e a modo.
- O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.614.721, apreciado sob a sistemática dos
recursos repetitivos, pacificou o entendimento segundo o qual "no contrato de adesão firmado entre o
comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o
inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo
inadimplemento do vendedor".
- A Lei nº 13.786/18 não se aplica aos atos e contratos celebrados antes da sua vigência, sob pena de
violação do princípio da irretroatividade das leis.
- Não há que se falar em alteração da indenização nas hipóteses em que, observada a capacidade
econômica das partes e sopesadas as particularidades do caso concreto, o valor arbitrado na sentença é
suficiente para cumprir a dupla função, reparatória e pedagógica, da indenização por dano moral.
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.039216-7/002, Relator(a): Des.(a) Adriano de Mesquita Carneiro , 11ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/11/2021, publicação da súmula em 03/11/2021) [grifo nosso]
Isto posto, considerando a transitoriedade do dano e em observância aos parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade, sem
transformá-lo em ganho fácil, fixo a indenização em R$10.000,00 (dez mil reais), tal como pretendido pelo autor.
Por fim, em relação ao pedido de repetição do indébito, entendo que os valores pagos a maior pelo autor devem ser a ele
restituídos. Contudo, ausente prova de má-fé da instituição financeira, não há que se falar em repetição em dobro do indébito, mas
sim na forma simples. É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
DISPOSITIVO
Declarar a nulidade parcial da cláusula 3.1 do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, presente em ID
43279669, limitando o critério de correção monetária ao índice de remuneração básica dos depósitos de poupança, bem
como da cláusula 3.2, § 4º do mesmo contrato, reduzindo a multa moratória para o patamar legal de 2% do débito; Os
valores deverão ser expurgados do contrato e, havendo saldo positivo, restituídos ao demandante, na forma simples,
corrigido monetariamente pelos índices da CGJ-MG, desde a data do desembolso, e juros de 1% ao mês, contados da
citação, a serem apurados em liquidação de sentença;
Condenar a empresa ré ao pagamento de multa contratual, constante da cláusula 11 do contrato de compra e venda de
imóvel em ID 43279669, no importe de 20% do montante da negociação, corrigido monetariamente pelo índice de
remuneração básica dos depósitos de poupança, desde a data de celebração do contrato, e acrescido de juros de mora de
1% ao mês, desde a citação, a ser apurado por cálculos aritméticos;
Condenar ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), corrigido pelos índices
divulgados pela CGJ-MG, desde a data do arbitramento, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, a ser
apurado por cálculos aritméticos.
Recíproca a sucumbência, arcará a parte autora com 20% das custas e despesas processuais, restando os outros 80% à requerida.
Fixo a verba honorária advocatícia em R$3.000,00, dividida na mesma proporção supra.
P.R.I.
Juiz(íza) de Direito