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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083724609 (Nº CNJ: 0010819-88.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS


BANCÁRIOS. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL.
CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. VALOR DA
CAUSA. ALÇADA. POSSIBILIDADE.
UTILIZAÇÃO DO CDI COMO ENCARGO
CONTRATUAL. VEDAÇÃO. Consoante orientação
emanada do superior tribunal de justiça, por meio da súmula
176, é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa
de juros divulgada pela ANBID/CETIP. Assim,
considerando a abusividade na pactuação dos encargos
moratórios, deve ser confirmada a sentença que afastou a
cobrança de remuneração parametrizada no CDI, apurado e
divulgado pela CETIP S.A., permitindo-se em seu lugar a
aplicação do IGP-M. Prejudicado o pedido pois já concedido
em sentença.
ELISÃO DA MORA. Nas hipóteses em que há cobrança de
parcelas ilegais por parte do credor, a mora fica
descaracterizada para todos os fins. Prejudicado o pedido
pois já concedido em sentença.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA PARTE
RÉ E JULGARAM PREJUDICADO O APELO DA
PARTE AUTORA.

APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70083724609 (Nº CNJ: 0010819- COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL


88.2020.8.21.7000)

BANCO COOPERATIVO SICREDI S/A APELANTE/APELADO

ELPIDIO JAIR DE MORAES APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo da parte ré e
julgar prejudicado o apelo da parte autora.

Custas na forma da lei.

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GJWH
Nº 70083724609 (Nº CNJ: 0010819-88.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores


DES.ª WALDA MARIA MELO PIERRO E DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA.
Porto Alegre, 10 de março de 2020.

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN,


Relator.

RELATÓRIO

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (RELATOR)


Trata-se de apelações cíveis interposta por BANCO COOPERATIVO
SICREDI S/A e ELPIDIO JAIR DE MORAES contra a sentença que julgou procedente a
ação revisional, tendo a decisão o seguinte dispositivo:

“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação


revisional de contrato que ELPÍDIO JAIR DE MORAES
move contra COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE
ADMISSÃO DE ASSOCIADOS DO VALE DO RIO PARDO
– SICREDI para DECLARAR a nulidade da cláusula que
prevê a utilização da remuneração acumulada, no período,
dos Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI), como
fator de atualização monetária, DETERMINANDO a
incidência do IGP-M como índice de correção monetária da
cédula executada, seja para o período da normalidade, seja
para o período da inadimplência.

Condeno a instituição financeira requerida ao pagamento


de eventual valor apurado em favor da parte autora,
conforme fundamentação supra.

Condeno o réu ao pagamento das custas e dos honorários


advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado
da causa, atualizado pelo IGP-M a partir desta data, bem
como acrescido de juros moratórios de 1% ao mês,
incidentes a partir do trânsito em julgado desta sentença.

Publique-se.
Registre-se.
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Intimem-se. ”

Em suas razões recursais, a parte ré sustenta que se faz necessária a


modificação do valor da causa, porquanto o valor de alçada não se mostra aceitável no caso
concreto em razão de se mostrar muito superior ao valor incontroverso indicado, resultando
em honorários sucumbenciais incompatíveis com as especificidades do feito. Requer o
provimento do apelo com a redução do valor da causa e consequentemente dos honorários
sucumbenciais devidos à parte adversa.
Por sua vez, a parte autora da ação revisional sustenta preliminarmente ser
hipótese de descaracterização da mora do devedor. No mérito, postula, em síntese a revisão
do contrato com relação aos encargos contratuais aplicados, pugnando pelo reconhecimento
da inaplicabilidade do CDI. Requer o provimento do apelo.
Subiram os autos, com contrarrazões, vindo conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos para


observância dos ditames do CPC foram simplificados, mas observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTOS
DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (RELATOR)
Eminentes Colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço dos apelos.


De plano, observo que o recurso da parte autora se mostra prejudicado,
considerando que os pedidos veiculados em apelação já foram julgados procedentes em
sentença.

Da aplicação do CDI

Analisando-se a relação contratual em apreço, percebe-se que restou


estabelecida a utilização do CDI como base para os encargos contratuais.

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A abusividade de tal imposição reside no fato de que, consoante orientação


emanada do Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 176 1, é nula a cláusula
contratual que sujeite o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP.

Dessa forma, em razão da ilegalidade dos referidos encargos, deve ser


afastada a cobrança de remuneração acumulada dos Certificados de Depósito
Interfinanceiro – CDI, permitindo-se, em sua substituição, o índice de correção monetária
IGP-M, conforme determinado pelo juízo de primeiro grau.

Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS
BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REVISÃO
CONTRATUAL. 1. Capitalização dos juros: a capitalização
dos juros, em periodicidade mensal, é admitida, em caso de
expressa estipulação em contrato ou quando a taxa de juros
anual for superior ao duodécuplo da mensal, e desde que o
pacto tenha sido firmado após 31/03/2000, nos termos da
Medida Provisória n. 1.963, reeditada sob o n. 2.170-
36/2001. 2. Sistema Price: consoante entendimento desta
Câmara, desde que contratada, não há abusividade na
pactuação da tabela Price . 3. Encargos moratórios:
consoante entendimento vertido na Súmula 176 do STJ, é
nula a cláusula que autoriza a aplicação de juros
divulgados pela ANBID/CETIP, devendo-se, portanto,
afastar a utilização do CDI e aplicar, em seu lugar, a
correção monetária pelo IGP-M. A partir do vencimento,
incidem, portanto, juros remuneratórios referentes à taxa de
normalidade, juros moratórios em 1% ao mês, multa
contratual de 2% e correção monetária pelo IGP-M. 4.
Mora contratual: mantidos os encargos da normalidade
contratual, a mora contratual não resta descaracterizada.
Recursos de apelação parcialmente providos. (Apelação
Cível Nº 70078713252, Décima Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari
Sudbrack, Julgado em 13/12/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE


REVISÃO CONTRATUAL. 1. Os negócios jurídicos
bancários estão sujeitos às normas inscritas no CDC
(Súmula n. 297 do STJ), com consequente relativização do
ato jurídico perfeito e do princípio pacta sunt servanda. 2.
Esta Câmara, seguindo a orientação firmada no âmbito do
1
STJ. Súmula 176 - É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela
ANBID/CETIP. (Súmula 176, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/10/1996, DJ 06/11/1996)
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STJ (REsp n. 1.061.530), consolidou sua jurisprudência no


sentido de que os juros remuneratórios devem observar a
média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil.
3. Mostra-se irregular a cláusula contratual que prevê a
aplicação da CDI como encargo moratório. Determinada a
incidência, em caso de inadimplemento, de juros
moratórios de 1% ao mês, multa de 2% e correção
monetária segundo a variação do IGPM. 4. Tendo sido
flagrada a cobrança de encargos abusivos no período de
normalidade contratual, deve ser acolhido o pedido de
descaracterização da mora debendi. 5. Vedada a inscrição
do nome da consumidora nos cadastros de restrição ao
crédito em caso de inadimplemento e deferido o pedido de
sua manutenção na posse do veículo financiado, medidas
condicionadas ao depósito em juízo dos valores devidos,
conforme os parâmetros definidos no presente julgamento.
6. Cabível a compensação dos valores pagos a maior com o
débito remanescente após a revisão do pacto, bem como a
repetição simples do saldo apurado em favor do
consumidor, na forma do artigo 884 do Código Civil. 7.
Ônus sucumbenciais redistribuídos e redimensionados.
APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70079623039,
Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 22/11/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS


BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE
CRÉDITO BANCÁRIA. APLICAÇÃO DO CDC.
CORREÇÃO MONETÁRIA. Correção monetária devida,
cuja atualização deve dar-se pelo IGP-M, em substituição à
variação da CDI, haja vista ser o índice que melhor reflete
a inflação e a variação do poder de compra, o que não
configura julgamento extra petita. APELAÇÃO CÍVEL
DESPROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº
70077393437, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em
16/05/2018)

Destarte, impossibilitada a incidência do CDI, eis que a utilização deste


índice se mostra irregular. Não obstante, conforme referido, a sentença já determinou a
substituição CDI pelo IGP-M.

Da descaracterização da mora.

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Nas hipóteses em que há cobrança de parcelas ilegais por parte do credor no


período anterior à inadimplência, a mora fica descaracterizada para todos os fins. Nesses
casos, na realidade, é o ato do credor que causa a inadimplência do devedor, a qual é
justificada pela exigência de valores ilegais e indevidos.
Assim, no caso vertente, reconhecida a existência de encargos ilegais e
abusivos nos contratos entabulados entre as partes, persistirá a inocorrência da mora e a
consequente inexigibilidade dos encargos dela decorrente, até que, revisados os contratos e
transitada em julgado a decisão, alguma circunstância fática venha a permitir a incidência
dos encargos moratórios.

Ressalto que igualmente a sentença já reconheceu a descaracterização da


mora, pelo que o recurso de apelação da parte autora está prejudicado.

Valor da causa

Quanto à irresignação da parte ré, a respeito da incorreção do valor dado à


causa, tenho que se afigura inconsistente. Esta Corte tem se manifestado no sentido se que,
em se tratando de ação revisional, é possível a atribuição do valor de alçada como o valor
indicado à causa, considerando que somente ao final será possível verificar qual o montante
correto.
Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO


REVISIONAL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. VALOR DA
CAUSA. ALÇADA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA
DESCONSTITUÍDA. Pretensão da alteração das cláusulas
contratuais. Impossibilidade de se apurar o real proveito
econômico obtido com a eventual procedência dos pedidos.
Possibilidade de atribuir o valor de alçada nas demandas
revisionais. Sentença desconstituída. APELO PROVIDO.
(Apelação Cível, Nº 70082781279, Décima Terceira
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela
Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em: 31-10-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO


REVISIONAL DE CONTRATO. ATENDIMENTO AO
DISPOSTO NO ART. 330 DO CPC/2015. A parte autora
discriminou o(s) encargo(s) contratual(is) controvertido(s) e
apontou o valor incontroverso, restando atendidos os
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requisitos do art. 330, §§2º e 3º, do CPC/2015. Ademais, em


se tratando de ação cujo objeto é a revisão de contrato, há
possibilidade de atribuição, na inicial, de valor diverso
daquele do contrato, podendo tratar-se do valor de alçada,
visto que apenas no final da cognição, quando do
julgamento definitivo, é que se chegará a valor certo e
determinado. Precedentes. Desconstituição da sentença
para que o processo tenha regular tramitação. APELAÇÃO
PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTÍTUIDA.(Apelação
Cível, Nº 70082022963, Décima Quarta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A. Fernandes,
Julgado em: 26-09-2019)

Ademais, atento ao fato de que a irresignação da parte ré tem como objetivo


a minoração dos honorários sucumbenciais devidos ao patrono da parte autora. Na hipótese
dos autos, entretanto, não se mostra excessivo o valor arbitrado em 10% sobre o valor de
alçada, tendo em vista o resultado da lide e o bom trabalho prestado pelo procurador da parte
autora.
Ressalto que o valor arbitrado se mostra adequado e que a sua redução
resultaria em remuneração ínfima e incompatível com a atividade profissional exercida.
Pelo exposto, nego provimento ao apelo da parte ré e julgo prejudicado o
apelo da parte autora.
Por fim, observado o disposto no art. 85, §11, do CPC, majoro os honorários
sucumbenciais devidos ao patrono da parte autora para 12% sobre o valor atualizado da
causa.

É o voto.

DES.ª WALDA MARIA MELO PIERRO - De acordo com o(a) Relator(a).


DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

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DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI - Presidente - Apelação Cível nº 70083724609,


Comarca de Santa Cruz do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ
E JULGARAM PREJUDICADO O APELO DA PARTE AUTORA. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: JOSIANE CALEFFI ESTIVALET

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