Você está na página 1de 8

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS


BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INSCRIÇÃO
INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.
DANO IN RE IPSA. DESNECESSIDADE DE PROVA.
QUANTUM INDENIZATÓRIO MAJORADO.
No caso concreto, a inscrição sem causa da parte autora em
cadastro de inadimplente assegura o direito à indenização
pelo dano extrapatrimonial sofrido. O dano moral decorre do
próprio fato ilícito da inscrição indevida em rol de
inadimplentes. A prova do dano, nesse caso, é prescindível,
pois o prejuízo extrapatrimonial decorre dos efeitos do ato
de inscrição indevida. É o chamado dano moral in re ipsa.
Precedentes deste E. Tribunal.
Quantum a título de danos morais majorado.
APELO PROVIDO EM PARTE.

APELAÇÃO CÍVEL VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583- COMARCA DE SÃO JERÔNIMO


41.2020.8.21.7000)

HENRIQUE DA SILVA GIMENES APELANTE

SICREDI CENTRO LESTE RS APELADO

ICATU HARTFORD SEGUROS S A APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores


DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA E DES.ª WALDA MARIA MELO PIERRO.

Porto Alegre, 27 de maio de 2020.

1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN,


Relator.

RELATÓRIO
DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (RELATOR)

Trata-se de apelo interposto por HENRIQUE DA SILVA GIMENES


contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação declaratória ajuizada em face de
SICREDI CENTRO LESTE RS e ICATU HARTFORD SEGUROS S A.
A r. sentença foi prolatada com o seguinte dispositivo:

“ISSO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE


o pedido deduzido por HENRIQUE DA SILVA GIMENES
em face de BANCO COOPERATIVO SICREDI S/A, nos
termos do art. 487, I, do CPC, para:
a) DECLARAR a nulidade e inexistência do débito
motivador da inscrição negativa (fl. 19);
b) DETERMINAR o cancelamento do registro nos órgãos de
proteção ao crédito, sob pena de multa, que fixo em R$
200,00 a diária, limitada a 20 dias-multa, o que concedo em
sede de antecipação de tutela, devendo o réu ser intimado
pessoalmente;
c) CONDENAR o demandado Sicredi a pagar à parte
autora, a título de indenização de danos morais, a quantia
de R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente corrigido a
partir da presente data e acrescida de juros legais de mora
a contar da data da inclusão nos cadastros restritivos de
crédito.
Em face da sucumbência recíproca do autor, condeno o
demandado Sicredi ao pagamento de 70% das custas e dos
honorários advocatícios ao procurador da parte autora e da
parte ré Icatu Seguros, que arbitro em R$ 700,00 (art. 85,
§8º, do NCPC), dada a natureza da ação, o trabalho
realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu
serviço.
Condeno o autor ao pagamento do restante das custas e
honorários advocatícios no valor de R$ 500,00.
Havendo apelação e considerando as disposições do Novo
Código de Processo Civil (art. 1.010), que determina a
remessa do recurso independentemente de juízo de
admissibilidade no primeiro grau, deverá o Cartório intimar
a parte recorrida para oferecer contrarrazões e dar vista ao
2
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

Ministério Público para parecer, se for o caso, e, na


sequência, remeter os autos à instância superior.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. “

Em suas razões recursais, a parte apelante postula, em síntese, a majoração


do valor arbitrado a título de indenização por danos morais e condenação da parte ré a arcar
com a integralidade dos ônus sucumbenciais. Requer o provimento do recurso.

Após as contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte.


Distribuídos, vieram-me conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos para


observância dos ditames do CPC foram simplificados, mas observados na sua integralidade.

É o relatório.

VOTOS

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (RELATOR)


Colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.


Merece ser parcialmente confirmada a sentença proferida pela Magistrada a
quo, cujos fundamentos vão aqui adotados como razões de decidir, com a licença de sua
ilustre Prolatora, a fim de se evitar tautologia, nos seguintes termos:

“Estão presentes os pressupostos de constituição válida e desenvolvimento


regular do processo.
Examino, inicialmente, a preliminar carência de interesse processual
suscitada pela seguradora ré, antecipando que não merece ser acolhida.
Na hipótese dos autos, em que pese que a responsável pela inclusão do
nome do autor nos órgãos de proteção de crédito seja do Banco Sicredi, a instituição
financeira e a corretora realizaram comercialização direta do seguro, participando
diretamente da transação, não há falar em alegação de carência de interesse processual.
Assim, REJEITO, com isso, a preliminar.

Do mérito
3
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

Sendo a matéria tratada eminentemente de direito, passo ao julgamento


antecipado do feito, com fundamento no art. 355, inciso I, do Novo Código de Processo
Civil.

Sustenta a parte autora ter sido avalista de Cláudio Semensatto Govoni, em


cédula de crédito bancário no valor de R$ 100.00,00 (cem mil reais), o qual junto teria sido
contratado dois seguros, os quais cobririam as despesas, em caso de sinistro. Mencionou
que após o falecimento do avaliado, foi informado que o seguro não cobriu o valor da
vítima, indevidamente.
O réu Sicredi alega que a quitação da dívida não ocorreu em razão que o
segurado possuía outras dívidas com a instituição, bem ainda que o seguro não possuía
vínculo com a cédula de crédito firmada.

Já o demandado Icatu Seguros, alega que o seguro prestamista foi


contratado para o empréstimo vinculado a cédula de crédito bancária de nº B10630675-6,
bem ainda que efetuou o pagamento do valor de R$ 64.625,76 (sessenta e quatro mil,
seiscentos e vinte e cinco reais e setenta e seis centavos), valor que teria sido informado pela
instituição financeira.
O pedido da parte autora merece procedência.

Em que pese o réu Sicredi tenha alegado que o segurado possuía outras
dívidas com a instituição financeira, esta não logrou êxito em comprovar e discriminar
quais seriam tais valores existentes, ônus que lhe incumbia, conforme art. 373 do Código de
Processo Civil.

Ademais, o autor apenas figurou como avalista da cédula de crédito


bancária, não havendo responsabilidade pelo pagamento de outras quantias.

Já a seguradora Icatu Seguros, informou que o seguro prestamista foi


contratado com vinculação a cédula de crédito bancária B10630675-6, bem ainda
comprovou o pagamento do sinistro no valor de R$ 64.625,76 (sessenta e quatro mil,
seiscentos e vinte e cinco reais e setenta e seis centavos) à instituição financeira, conforme
comprovante de transferência de fl. 80.
Portanto, merece ser procedente do pedido de declaração nulidade e
inexistência de débito em que gerou a cobrança e o registro negativo de crédito em nome do

4
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

autor, uma vez que a dívida avaliada encontra-se quitada, determinando o cancelamento da
inscrição, posto que indevida em face da inexigibilidade da dívida.
Com relação ao réu Icatu Seguros S/A, não possui responsabilidade pela
inscrição indevida, uma vez que apenas realizou contrato prestamista com o banco,
quitando a dívida após o falecimento do devedor principal.

Do pedido de danos morais


Evidenciada a falha na prestação do serviço, a responsabilidade civil da
parte ré decorre de ter dado causa à inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes.
Dessa forma, se o consumidor foi cobrado por quantia indevida, não poderá
ser inscrito em órgãos restritivos de crédito pela falta de pagamento. E, caso inscrito, esta
inscrição será indevida, o que por si só, é fato gerador de dano moral, segundo reiterada
jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado.
Ademais, a possibilidade de dano, ou ausência de prova de existência efetiva
daquele é sem sentido, porquanto a simples inscrição perante órgão de restrição de crédito
é a demonstração cabal do ilícito civil.

Na lição do Des. Sérgio Cavalieri Filho, na sua prestigiada obra


doutrinária Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101,
percebe-se da desnecessidade da prova do dano moral, eis que resulta do próprio ato ilícito
praticado pelo agente ofensor:

Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do


dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do
dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor,
a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela
como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios
tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral
em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano
moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é
grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem
pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva

5
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou
facti, que decorre das regras de experiência comum.

A orientação do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo sentido, conforme


ementa que transcrevo:

CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM


CADASTRO DE INADIMPLENTES. A jurisprudência desta
Corte está consolidada no sentido de que, na concepção
moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a
responsabilização do agente por força do simples fato da
violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do
prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao
dano material.
Recurso não conhecido.(RESP 556200/RS; Recurso
Especial 2003/0099922-5, 4a. Turma do STJ, Relator Min.
Cesar Asfor Rocha, em 21.10.2003, DJ de 19.12.2003.

É evidente o nexo de causalidade entre o agir do réu e a permanência da


inscrição dando azo ao dano moral em liça. Ademais, é tão óbvia a querela que dispensa
maiores discussões.
Nesse passo, levando em consideração a prudência e a equidade
recomendáveis à espécie, tem-se que o valor a ser pago pelo demandado Sicredi alcança o
montante de R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente corrigido pelo IGP-M desde a
presente decisão, nos termos da Súmula nº 362 do STJ, acrescido de juros moratórios de 1%
ao mês, a contar da data da inclusão (Súmula nº 54 do STJ).

Por fim, no tocante ao pedido de indenização pelos valores protestados


indevidamente, indefiro, uma vez que não comprovado nos autos o protesto do referido
título. ”

Cabe consignar que a ocorrência de danos morais em decorrência da


inscrição indevida em cadastros de inadimplentes é matéria consolidada na jurisprudência 1.

1
Nessa linha, faço menção aos precedentes de número 70026759043, 70025410044,
70024456634, 70026377267 e 70026049627, todos do âmbito deste colegiado e, por
derradeiro, registro que o C. STJ sistematicamente se posiciona no sentido da configuração de dano in
re ipsa em casos onde houve inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes. Dos diversos os
6
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

Por oportuno, vale assinalar que o dano moral prescinde de comprovação


acerca dos contratempos e transtornos suportados pelo lesado. 2

No que diz respeito ao quantum dos danos morais, importa destacar que o
montante é baseado no prudente arbítrio judicial. Não existe um critério matemático ou uma
tabela para a recompensa do dano sofrido, mas o montante deve representar para a vítima
uma satisfação, capaz de amenizar ou suavizar o mal sofrido.
Deste modo, o valor não pode ser excessivo a ponto de ensejar o
enriquecimento sem causa, mas também inexpressivo a ponto de ser insignificante.
Diante desses critérios, tenho que o valor de R$ 3.000,00 fixado pelo Juízo
de origem deve ser majorado para a importância de R$ 10.000,00, conforme parâmetro
adotado por esta Câmara.

Contudo, não procede o pedido de redistribuição dos ônus de sucumbência


no sentido de que a parte apelada arque com sua integralidade. O autor decaiu em relação ao
pedido de repetição em dobro do valor cobrado indevidamente, pelo que se mostra adequada
sua condenação ao pagamento de 30% das custas processuais e de honorários sucumbenciais
em favor da parte ré. Suspensa a exigibilidade por litigar o autor sob o amparo da assistência
judiciária gratuita.

Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo somente para majorar o valor
devido a título de danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

julgados nessa linha, destacam-se os REsps de número 457734/MT, 218529/SP e 1731254/RS.


2
Nesse sentido, destaca-se a lição do Des. Sérgio Cavalieri Filho, doutrinador carioca com
reconhecida expertisse na área da responsabilidade civil, que assim leciona:
“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode
ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma
demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação
através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o
repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o
retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na
própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só
justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano
moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a
ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção
hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.” (Programa de Responsabilidade
Civil. 5ª ed., Malheiros, 2004, pp. 100/101)
7
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

GJWH
Nº 70083972240 (Nº CNJ: 0035583-41.2020.8.21.7000)
2020/CÍVEL

Por fim, em atendimento ao disposto no art. 85, §11º, do Código de Processo


Civil, majoro os honorários devidos ao patrono da parte apelante para R$1.500,00.
É o voto.

DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª WALDA MARIA MELO PIERRO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI - Presidente - Apelação Cível nº 70083972240,


Comarca de São Jerônimo: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.
UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: PAULA FERNANDES BENEDET

Você também pode gostar