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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000188604

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1012385-50.2016.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que é apelante
PREFEITURA MUNICIPAL DE JUNDIAÍ, são apelados DIPAR 1 -
EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO LTDA e ROMEU BRUNO DAL
MORA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito


Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO


AUGUSTO PEDRASSI (Presidente sem voto), RENATO DELBIANCO E
LUCIANA BRESCIANI.

São Paulo, 15 de março de 2021.

MAURÍCIO FIORITO
Relator
Assinatura Eletrônica

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1012385-50.2016.8.26.0309


Apelante: Prefeitura Municipal de Jundiaí
Apelados: Dipar 1 - Empreendimento Imobiliário Ltda e Romeu Bruno
Dal Mora
Comarca: Jundiaí
Voto nº 17.511

APELAÇÃO DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA


Indenização Área particular ocupada pelo Município Fato
incontroverso Indenização segundo o laudo do perito judicial
Avaliação segundo método tecnicamente consagrado, a partir do
exame de documentos, vistoria, pesquisa dos valores do mercado
imobiliário da região Pretensão de desvalorização pela
existência de APP Inadmissibilidade Imóvel localizado em
área urbana consolidada - Precedentes - Pretensão de aplicação da
Lei 11.960/09 quanto aos juros - Impossibilidade - Juros nas
ações de desapropriação que possui regramento próprio Juros
Moratórios de 6% a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte ao
que o pagamento deveria ocorrer - Honorários advocatícios em
desapropriação indireta que devem ser fixados com base no valor
da indenização pois não se aplica a disposição do §1º do art. 27 do
Decreto-Lei nº 3.365/41 - Sentença mantida Recurso
improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto em face da r. sentença


de fls. 315/319, aclarados pela decisão de fls. 334/335, cujo relatório ora se
adota, nos autos de ação de desapropriação indireta1 movida por Dipar 1
Empreendimento Imobiliário Ltda e outros em face do Município de
Jundiaí.

O eminente magistrado de 1º grau julgou procedente o pedido


com base no laudo do perito (fls. 180/217) e condenou a expropriante a pagar
aos expropriados a importância de R$ 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos
mil reais) pelo terreno expropriado e descrito na exordial, corrigidos da data
do laudo, acrescidos de juros compensatórios de 6% ao ano desde o
apossamento (junho 2006) e moratórios nos termos do art. 15-B do Decreto-
1
Valor da causa R$ 13.031.000,00 em 15/07/2016.
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lei nº 3.365/41, com a redação dada pela Medida Provisória nº


2.183-56/2001, deverão incidir a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte
aquele em que o pagamento deveria à razão de 6% ao ano, além de custas
processuais e honorários advocatícios, fixados em 1% sobre o valor da
indenização.

Recurso recebido, processado com apresentação de contrarrazões


(fls. 418/447).

Em virtude da promoção do Des. Alves Braga Junior, o presente


recurso foi redistribuído a este magistrado, de acordo com o despacho
proferido pela Presidência de Direito Público deste TJSP, publicado em
24/02/2021.

É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.

Trata-se de ação de desapropriação indireta de área de 6.558,36


m2, destacada uma parte de área total de 24.164 m², objeto da matrícula nº
38.951, perante o 1º Cartório de Registro de Imóveis de Jundiaí,
localizada na gleba F do Loteamento Jardim Jundiaí, Bairro Retiro,
situado à Rodovia João Cereser, km 62, declarada de utilidade pública
pelo Decreto nº 20.073, de 02 de agosto de 2005, necessária à interligação
viária do complexo do trevo de Itu, cuja propriedade é
comprovadamente dos autores (fls. 36/45).

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O Município de Jundiaí, entretanto, utilizou-se de área dos


autores necessárias a interligação viária do Complexo Trevo de Itú sem o
devido processo expropriatório e, portanto, sem indenizar o demandante
pela área ocupada.

A Municipalidade não nega ter realizado o apossamento.

Houve tentativa de composição entre as partes,

O Município ofereceu o valor indenizatório de R$ 3.976.551,01


(três milhões, novecentos e setenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e um
reais e um centavo), enquanto os autores pleitearam o montante de R$
13.031.000,00 (treze milhões e trinta e um mil reais), aferido pelo seu
assistente técnico, como justo valor de indenização pela desapropriação.

O feito foi saneado, determinando-se a realização de perícia (fls.


147/148).

O perito judicial apresentou o seu laudo de avaliação (fls.


180/217), avaliando em R$ 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos mil reais)
o valor da indenização para fins de desapropriação.

Sucederam-se manifestações da ré (fls. 243/248) e dos autores


(fls. 288/294), seguidas de esclarecimentos do perito sobre o laudo (fls.
222/227).

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Sobreveio a r. sentença (fls. 315/319).

Pois bem.

Irresigna-se a Municipalidade contra r. sentença sustentando, em


preliminar, a nulidade do laudo pericial por não ter sido considerada a
desvalorização de área de preservação permanente (APP), existente no
imóvel, em sua avaliação, requerendo a conversão do julgamento em
diligência para que a Perita Judicial apure o valor indenizatório, considerando
a área de APP e a ocorrência de prescrição pois a ocupação do Município se
deu em junho de 2006 e a ação foi distribuída apenas em julho de 2016,
decorrido, assim, o prazo de 10 anos para o ajuizamento destas ações.

No mérito, insurge-se contra o valor fixado para a indenização,


fazendo críticas ao laudo do perito adotado pelo nobre julgador o laudo pelas
seguintes razões: i.) grau de fundamentação incorreto; ii.) conjunto da
pesquisa imobiliária com informações incompletas; iii.) aparente incoerência
nas variáveis de localização; iv.) ausência do fator de fonte; v.) não foi
considerada desvalorização resultante de restrição ambiental.

Requer ainda seja afastada a incidência de juros compensatórios


por não haver prova de prejuízos causados aos autores com o decreto
expropriatório, bem como, que a condenação seja corrigida pelos índices da
poupança como determina o artigo 1º-F da lei 9.494/97, alterada pela lei nº
11.960/09.

Entendendo ter ocorrido sucumbência recíproca, pleiteia a

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divisão das custas, das despesas processuais e que a base de cálculo para a
fixação dos honorários advocatícios seja calculada sobre a diferença entre o
valor fixado ao final e o valor inicialmente oferecido, nos termos do art. 27, §
1º, do Decreto Lei n º 3.365/41, no patamar de 0,5%.

O recurso não merece provimento.

Inicialmente deixo de analisar a preliminar de nulidade do laudo


pericial por se confundir com o mérito, e com este será analisada.

Quanto à preliminar de prescrição, esta não deve ser provida.

Primeiramente, é importante destacar que a 1ª Seção do Superior


Tribunal de Justiça, por maioria, definiu entendimento sobre o prazo de
prescrição que deve ser aplicado ao pedido de indenização nos casos de
desapropriação indireta, no julgamento dos Recursos Especiais n.º
1.757.352/SC e n.º 1.757.385/SC, representativos da controvérsia repetitiva,
descrita no Tema 1.019, no sistema de recursos repetitivos, cuja ementa é a
seguinte:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE


DECLARAÇÃO. RECURSO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 E
RESOLUÇÃO STJ 8/2008. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA. REALIZAÇÃO DE OBRAS
E SERVIÇOS DE CARÁTER PRODUTIVO. PRESCRIÇÃO.
APLICAÇÃO DO PRAZO DE 10 ANOS PREVISTO NO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 1.238 DO CC/2002. REDUÇÃO DO PRAZO. REGRA
DE TRANSIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 2.028 DO CC/2002. OFENSA
AO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. INTUITO DE
REDISCUTIR O MÉRITO DO JULGADO. INVIABILIDADE. (STJ 1ª
Seção - EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.352 - SC
(2018/0198602-8), RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN,
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JULGADO EM 24/06/2020).
Segundo o colegiado, é de 10 (dez) anos o prazo prescricional
aplicável à pretensão indenizatória por desapropriação indireta fundada no
apossamento administrativo de imóvel.

A tese fixada foi a seguinte: "O prazo prescricional aplicável à


desapropriação indireta, na hipótese em que o poder público tenha realizado
obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social
ao imóvel, é de dez anos, conforme parágrafo único do artigo 1.238 do
Código Civil".

No caso ora analisado, o apossamento se deu em junho de 2006,


enquanto a presente ação foi ajuizada em julho de 2016.

Entretanto, desde o apossamento reconhecido pela expropriante


(fls. 306/307) em junho de 2006 as partes mantiveram tratativas no sentido de
efetivar um acordo acerca do valor indenizatório, tendo inclusive no início de
2016, o Município Apelante ter se pronunciado sobre a não aceitação pelos
expropriados do valor oferecido de R$ 3.976.551,01 e da contraoferta
oferecida (fls. 52, 104 e 106).

É caso, portanto de interrupção da prescrição como se extrai do


disposto no art. 202, VI, do Código Civil:

“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma


vez, dar-se-á:
(...)
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato

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que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.”

Portanto, não há que se falar em ocorrência de prescrição no


presente caso.

Assim, afastada a preliminar, passo a analisar o mérito.

Cinge-se a discussão ao valor da indenização e a incidência dos


consectários legais sobre a condenação fixada.

É necessário destacar que a desapropriação indireta é o fato


administrativo pelo qual o Estado se apropria do bem particular, sem
observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia.

São dois os requisitos para a propositura da ação de


desapropriação indireta: a ocorrência do apossamento administrativo do
imóvel e a comprovação de que o autor seja o titular do domínio da área
apossada.

No presente caso, a Municipalidade não nega a ocorrência do


apossamento. Por sua vez, a propriedade do imóvel objeto da
expropriação é comprovadamente dos autores (fls. 36/45).

O fundamento legal para a desapropriação indireta decorre da


leitura do art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41:

Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda


Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada
em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada
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procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

O professor Celso Antonio Bandeira de Mello2 conceitua a


desapropriação indireta, da seguinte forma:

O apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder


Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela
lei. Esta desapropriação pode ser impedida por meio de ação
possessória, sob a alegação de esbulho. Entretanto, a partir do
momento em que a Administração Pública der destinação ao
imóvel, este passa a integrar o patrimônio público, tornando-se
insuscetível de reintegração ou reivindicação.

O emérito doutrinador Edimur Ferreira de Faria3 também


prescreve que:
A desapropriação indireta se verifica, em regra, em virtude de
esbulho praticado pelo Poder Público em propriedade particular. O
esbulho caracteriza-se pela ocupação de bem alheio, principalmente
imóvel, sem o prévio decreto expropriatório e as demais
formalidades previstas nas leis pertinentes, sobretudo no Decreto-
lei n. 3.365/41. Ocorrendo essa ocupação ilegal, o proprietário do
bem esbulhado pode, imediatamente, defender o seu bem através da
ação possessória própria. Todavia, se o bem já estiver destinado a
um fim público (se nele já foi construído via pública, logradouro
público ou edificado) não será mais possível a desocupação. Nesse
caso, ao lesado cabe promover contra o Poder Público esbulhador
ação indireta de desapropriação ou ordinária de indenização.

Destarte, tendo sido o bem incorporado ao patrimônio público,


ao seu proprietário apenas caberá intentar ação de indenização pelas perdas e
danos havidos.

Nesse sentido dispõe a Constituição Federal, verbis:

2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. rev., ampl. E atual. São Paulo:
Melhoramentos, 1999, p. 239/240.
3
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo, Belo Horizonte, Editora Del Rey,
1999 2ª Ed, págs. 514/515.
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Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade,
à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

(...)

XXIV - A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por


necessidade de utilidade pública, ou por interesse social, mediante
justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos
previstos nesta Constituição;

(...)

LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o


devido processo legal;

Art. 37 - A administração Pública direta, indireta ou fundacional,


de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e também ao seguinte;

(...)

§ 6o - As pessoas jurídicas de Direito Público e as de direito


privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado
o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.

Ora, se o ente estatal deseja expropriar imóvel de particular deve


seguir o rito próprio, se não o faz, despreza o devido processo legal,
praticando, assim, ato ilícito suscetível de correção. Dessa forma, tem o
dever de indenizar o justo preço pelo apossamento do bem, por ser evidente a
ofensa ao direito de propriedade do particular, protegido pela Constituição
Federal em seu art. 5o, inciso XXII.

Como é cediço, a indenização pelo ato expropriatório deve ser a


mais justa possível, em consonância com o princípio fundamental insculpido

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na regra do artigo 5.º, inciso XXIV, da Constituição Federal.

Nesse diapasão, o magistério de José Carlos de Moraes Salles:

Destarte, para que haja justeza e justiça na indenização, é preciso


que se recomponha o patrimônio do expropriado com quantia
que corresponda, exatamente, ao desfalque por ele sofrido
em decorrência da expropriação. Não se deve atribuir ao
desapropriado nem mais nem menos do que se lhe subtraiu,
porque a expropriação não deve ser instrumento de enriquecimento
nem de empobrecimento do expropriante ou do expropriado. A
indenização deve, portanto, ser exata, no sentido de que ao
expropriado há de se dar precisamente o equivalente ao que lhe
foi tomado pelo expropriante. (in A Desapropriação à Luz da
Doutrina e da Jurisprudência, 5.ª edição. São Paulo: Editora RT,
2006, p. 511)

Ainda que a desapropriação indireta tenha como precedente um


ato de esbulho efetuado pelo Poder Público, a indenização deve se manter no
patamar de valor justo almejado pela Constituição Federal.

Assim, passa-se a analisar o valor indenizatório sob este


aspecto.

O laudo pericial foi realizado dentro dos parâmetros habituais


utilizados nos processos expropriatórios.

Compulsando os autos, verifica-se que o perito realizou a vistoria


do imóvel, consultou a matrícula do mesmo e atestou sua localização e
dimensões. Adotou o método comparativo (Estatística Inferencial), seguindo
os preceitos estabelecidos na Norma Brasileira NBR 14653-2, "Avaliação de
Bens - Parte 2 - Imóveis Urbanos”, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).
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Realizou seleção de elementos comparativos coletados na mesma


região geoeconômica do imóvel avaliando e efetuou os devidos tratamentos
dos elementos, conforme preconizam as Normas Técnicas do IBAPE -
Instituto Brasileiro de Avaliação e Perícias de Engenharia e da ABNT -
Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Importante ressaltar que esses critérios e métodos vêm sendo


utilizados e aceitos em casos semelhantes, como adequados para que se
chegue a um valor justo de indenização ao particular expropriado, pela
doutrina e pela jurisprudência, conforme aresto que segue:

Na fixação da indenização, em desapropriação, a avaliação


expressa no laudo do perito é significativo elemento de convicção
e, ante seu fundamento e equilíbrio, pautado em dados objetivos, há
de prevalecer
em relação à crítica dos assistentes, despidas de objetividade
suficiente ao ataque.
(Apelação Cível n.º 0036806-88.2010.8.26.0000, São Paulo, 1.ª
Câmara de Direito Público, Rel. Vicente de Abreu Amadei, j. em
04/10/11)

Desta forma, calculou o valor unitário do metro quadrado em R$


R$ 1.326,47/m², que multiplicado pela área do imóvel 6.558,36 m² totalizou
R$ R$ 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos reais), para o mês de agosto de
2017.

Sobreveio laudo divergente do assistente técnico da autora


discordando do laudo do perito nos seguintes aspectos: i.) grau de
fundamentação incorreto; ii.) conjunto da pesquisa imobiliária com
informações incompletas; iii.) aparente incoerência nas variáveis de

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localização; iv.) ausência do fator de fonte; v.) não foi considerada


desvalorização resultante de área de preservação permanente (APP).

Inicialmente, quanto ao grau de fundamentação, o perito


apresentou a tabela 5 (fl. 192) de grau de fundamentação no caso de
utilização de modelos de regressão linear. Conforme o exposto na tabela
acima e atendendo à tabela 2 da NBR 14653 - Parte 2, enquadrou o presente
trabalho no Grau III de Fundamentação.

Não há o que se criticar quanto ao procedimento que se mostrou


completamente adequado e coerente com os dados levantados e juntados ao
processo.

Quanto à seleção dos elementos também não prospera a


alegação, pois os mesmos foram selecionados dentro dos mesmos padrões
comparativos, na mesma zona geo-econômica e com semelhantes dimensões
do imóvel avaliando, que foram adequadamente homogeneizadas pela
aplicação dos fatores de tratamento e com as fontes devidamente
consideradas.

Ainda, em relação à alegação de necessidade de desvalorização


resultante de área de preservação permanente (APP), esta não deve prosperar.

O perito em resposta direta ao quesito nº 02 da Municipalidade,


assim se pronunciou:

Resposta 02) O levantamento apresentado pela Prefeitura de Jundiaí, que


segue anexo ao laudo pericial, considera que existiria a incidência de ordem

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ambiental, ou seja, Área de Preservação Permanente (APP), em parte da área


desapropriada de aproximadamente 2.582,81 m². Entretanto, salvo melhor
juízo, entendemos que a possível área de preservação permanente
encontrava-se descaracterizada naquele local. Tanto assim que foi permitida
pelos órgãos ambientais a implantação das pistas da Avenida naquele local.
A respeito do tema, vemos a Resolução CONAMA nº 303/2002, que dispõe
sobre parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente,
estabelecendo a possibilidade da sua descaracterização, quando presente
“área urbana consolidada” definida no artigo 2º, inciso XIII, alínea “b”.

Com efeito, verifica-se que a área ocupada pelo imóvel já se


encontra em área urbana consolidada o que afasta a incidência da real
existência de APP para fins de cálculo de indenização.

Tal entendimento se dá em razão de que em zonas urbanas nas


quais o proprietário busca edificar em áreas situadas em APP justifica-se a
sua conduta no direito à propriedade, cuja localização em área urbana
consolidada implica na descaracterização da área de preservação permanente.

Trata-se, pois, de um conflito entre o direito fundamental à


propriedade, como pilar da sustentação da vida em sociedade, e o direito
fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, como garantia das
presentes e futuras gerações, fazendo-se necessário a obrigação de
compatibilização de princípios, avaliados sob a ótica da razoabilidade e
proporcionalidade.

Neste sentido, já se pronunciou este E. Tribunal de Justiça:

MEIO AMBIENTE APELAÇÃO AÇÃO CIVIL PÚBLICA SÃO


SEBASTIÃO BARRA DO UNA - INTERVENÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DO RIO UNA ÁREA
URBANA CONSOLIDADA - POSSIBILIDADE DE
REGULARIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO INTELIGÊNCIA DA LEI

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13.465/17 Cumprimento das obrigações de fazer mantidas, com a ressalva


de que deverá ser assegurado ao réu a possibilidade de obter a regularização
de interesse específico (Reurb-E) da ocupação em APP, e consequente
licenciamento perante o órgão ambiental competente - RECURSO
PROVIDO EM PARTE.
(Apelação nº 1000079-59.2014.8.26.0587, 2ª Câmara Reservada ao Meio
Ambiente, Rel. Des. Luis Fernando Nishi, j. em 22/08/2019).

Apelação Desapropriação Valor da indenização Diminuição em razão


dos fatores "favelização" e APP Afastamento da diminuição relativa à
APP Área urbana consolidada Loteamento regular - Juros
compensatórios e moratórios indevidos Depósito inicial em valor superior
ao fixado - Honorários advocatícios diminuídos Recursos oficial e
voluntários parcialmente providos.
(Apelação nº 1047672-37.2014.8.26.0053, 4ª Câmara de Direito Público,
Rel. Des. Ana Liarte, j. em 04/11/2019).

APELAÇÃO Ação de desapropriação Insurgência do expropriante


contra o valor da indenização Inadmissibilidade Laudo pericial
devidamente fundamentado e embasado em elementos técnicos Objeções
expressamente refutadas nos esclarecimentos periciais Trabalho, ademais,
que se mostra imparcial em relação ao dos assistentes técnicos
Depreciação do imóvel em razão da existência de APP
Impossibilidade Área urbana consolidada Precedentes Recurso não
provido.
(Apelação nº 1026018-18.2019.8.26.0053, 6ª Câmara de Direito Público,
Rel. Des. Maria Olivia Alves, j. em 10/11/2020).

Não se verifica, portanto, qualquer incorreção nos métodos e


cálculos contidos no laudo oficial, os quais se coadunam com as normas
pertinentes e vêm sendo utilizados e aceitos em casos semelhantes, uma vez
que apresentam valores adequados a uma indenização justa.

Portanto, a indenização foi fixada com base em laudo pericial


bem elaborado e fundamentado, com vistoria do local e da região. Os critérios
utilizados para a avaliação foram devidamente relacionados e o seu cálculo
tecnicamente demonstrado.

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Passamos à análise dos consectários legais.

Não deve prosperar nenhuma das alegações suscitadas pela


expropriante.

Requer seja afastada a incidência de juros compensatórios por


não haver prova de prejuízos causados aos autores com o decreto
expropriatório.

Os juros compensatórios na desapropriação são aqueles fixados


com o objetivo de compensar o proprietário em razão da ocorrência de
imissão provisória na posse.

O fundamento da incidência dos juros compensatórios é o


desapossamento do imóvel e não a sua produtividade, o que, aliás, se verifica
pela leitura das Súmulas n.ºs 12, 69, 113, 114, do STJ e 164 e 345, do STF.

Quanto à correção pelos índices da poupança como determina o


artigo 1º-F da lei 9.494/97, alterada pela lei nº 11.960/09, esta também não se
sustenta.

Em se tratando de desapropriação, que é regida pelo Decreto-Lei


nº 3.365/41, existe regramento próprio para a incidência de juros
compensatórios e moratórios, o que afasta a aplicação da Lei 11.960/09.

A propósito, dispõe o Decreto-Lei n.º 3.365/41:

Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação

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por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive


para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço
ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos
em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por
cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a
contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

§ 1º - Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a


compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo
proprietário. (Incluído pela Medida Provisória nº
2.183-56, de 2001) (Vide ADIN nº 2.332-2)
(...)

Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros


moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do
atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão
final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por
cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele
em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da
Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº
2.183-56, de 2001).

Além disso, existe entendimento do STJ de que a lei 11.960/09


não incide em desapropriações que tem regramento especial quanto aos juros
moratórios e compensatórios.

Referido entendimento restou confirmado no


Resp.1.492.221/PR, que teve o julgamento definitivo de mérito em
30/09/2019, relativo ao tema 905, do S.T.J., teve o seguinte entendimento em
relação às desapropriações:

“Item 3.1.2. condenações judiciais referentes a desapropriações


diretas e indiretas. No âmbito das condenações judiciais referentes
a desapropriações diretas e indiretas, existem regras específicas, no
que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela
qual não se justifica a incidência do art. 1º F, da Lei 9494/97, (com
a redação dada pela Lei 11.960/09), nem para compensação da
mora, nem para remuneração do capital.”

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Observe-se que o índice dos juros compensatórios também ficou


definido em 6% ao ano, conforme decisão do C. Superior Tribunal de Justiça
no julgamento do Recurso Especial nº 1.328.993/CE, em 03/11/2020, a partir
da data de imissão na posse.

Da mesma forma, os juros moratórios devem ser calculados à


base de 6% ao ano e devidos a partir de 1º de Janeiro do ano seguinte àquele
em que deveria ter sido feito o pagamento e nos termos do art. 15-B do
Decreto-Lei nª 3.365/41, com redação dada pela MP 2.183-56 de 2001.

Quanto ao entendimento de ter ocorrido sucumbência recíproca,


esta não merece guarida.

Em se tratando de desapropriação indireta em que não houve o


devido processo legal expropriatório a sucumbência cabe tão e somente à
expropriante que retirou do proprietário a possibilidade de usufruir livremente
de seu imóvel.

Quanto à fixação dos honorários advocatícios estes não podem


ser calculados sobre a diferença entre o valor fixado ao final e o valor
inicialmente oferecido, nos termos do art. 27, § 1º, do Decreto Lei n º
3.365/41, em razão de não ter ocorrido o procedimento expropriatório, não se
considerando tampouco que tenha havido oferta inicial.

Isto posto, de rigor, negar-se provimento ao recurso, mantendo-

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

se a sentença tal como lançada.

DECIDO.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso,


mantendo-se a sentença tal como lançada.

MAURICIO FIORITO
Relator

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