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Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 00644/12.8BEPRT
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 04/21/2016
Tribunal: TAF do Porto
Relator: Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores: PEDIDO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO;
PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DO ACTO PRATICADO; PEDIDO
CUMULATIVO; PEDIDO ALTERNATIVO; ARTIGO 66º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO
NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; NULIDADE DE SENTENÇA; OMISSÃO DE
PRONÚNCIA; DEFICIÊNCIA DA DECISÃO; QUESTÕES AUTÓNOMAS;
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL PRESCRITAS; SITUAÇÃO
REGULARIZADA PERANTE A SEGURANÇA SOCIAL; CONTAGEM DO TEMPO DE
SERVIÇO; RECÁLCULO DA PENSÃO; COMPENSAÇÃO; LIMITES CONSTITUCIONAIS;
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL; ARTIGO 220º E N.º2 DO ARTIGO 254.º, DO CÓDIGO DOS
REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL,
APROVADO PELA LEI 110/2009, DE 16 DE SETEMBRO; PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
HUMANA; PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO; ARTIGO 1º, ALÍNEA A) DO Nº 2 DO
ARTIGO 59º E NºS 1 E 3 DO ARTIGO 63º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
PORTUGUESA.
Sumário: 1. Face ao disposto no artigo 66º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo
sido deduzido pedido de condenação à prática do acto devido, não pode o Tribunal atender o pedido de
declaração de invalidade do acto praticado que, em vez de alternativo, foi formulado cumulativamente
com o primeiro pedido.

2. A unicidade de pedido não implica, contudo, unicidade de questões, pelo que tendo sido invocada a
nulidade de dois actos, a validade de cada um destes actos deve ser apreciada como questões
autónomas, pressupostas na decisão sobre o acto devido.

3. O tratamento unitário de questões autónomas não significa omissão de pronúncia, conducente à


nulidade da decisão por omissão de pronúncia, face ao disposto na alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do
Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de
1995), podendo constituir, apenas, simples deficiência da decisão.

4. Decorre do disposto no n.º2 do artigo 254.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema
Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro, “a contrario sensu”,
que caso o beneficiário de uma pensão de velhice com contribuições por pagar à segurança social e já
prescritas as não regularize, ou declare não querer proceder ao seu pagamento, com fundamento no
facto de as mesmas se encontrarem prescritas, que o período de tempo a que as mesmas se reporta não
poderá ser reconhecido para efeitos da sua carreira contributiva.

5. Pelo que não se pode considerar como regularizada, para efeitos do disposto no artigo 220º do
mesmo Código, uma dívida que prescreveu. Sendo certo que os fundos que permitem pagar as pensões
e demais prestações regulares de segurança social são sustentados, essencialmente, pelas contribuições
dos futuros beneficiários.

6. A circunstância de cautelarmente ter sido decidida a suspensão de eficácia do acto de compensação


de dívidas com a pensão por velhice atribuída ao autor, não interfere nem com a validade do acto de
compensação nem com o acto de recálculo da pensão pois se trata de uma decisão que apenas
perfunctoriamente e a título provisório se pronuncia sobre a validade dos actos – tema que aqui nos
ocupa -, não constituindo caso julgado definitivo sobre esse tema, salvo a situação excepcional de se
antecipar no processo cautelar a decisão do processos principal – artigo 121º do Código de Processos
nos Tribunais Administrativos.

7. A compensação entre as dívidas à segurança social e a pensão a pagar, consagrada no artigo 220º da
Lei 110/2009, de 15.09, só poderá ser admitida nos mesmos termos e com os limites
constitucionalmente estabelecidos para a penhora de rendimentos, salários e prestações periódicas,
onde se inclui obviamente a pensão de reforma, sob pena de violação do princípio da dignidade
humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo
1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos nºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição.

8. Do mesmo modo, o recálculo de uma pensão por virtude de prestações que não foram pagas à
Segurança Social deve obedecer aos mesmos limites.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente: MJBF
Recorrido 1: Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso
Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Emitiu parecer no sentido de não se verificarem as apontadas nulidades do
acórdão recorrido, mas proceder o recurso quanto ao mérito da acção.
1
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso


Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MJBF veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença


do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 15.04.2015, que julgou
(apenas) parcialmente procedente a acção administrativa especial de
pretensão conexa com actos administrativos, por si interposta contra o
Instituto de Segurança Social, I.P..

Invocou para tanto, em síntese que a decisão é nula por não se ter
pronunciado sobre questões que foram suscitadas pelo autor; de mérito,
violou o disposto no artigo 95º, n.º 1, do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, no artigo 615º, n.º 1, al. d), do Código de
Processo Civil, nos artigos 1º e 63º, ambos da Constituição da República
Portuguesa, no artigo 133º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento
Administrativo e no artigo 158º, n.º 2, do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido despacho de sustentação a negar a existência de nulidades do


acórdão.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não se verificarem as


apontadas nulidades do acórdão recorrido, mas proceder o recurso quanto
ao mérito da acção.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do


presente recurso jurisdicional:

1- O recorrente interpôs a presente acção administrativa especial de pretensão


conexa com actos administrativos, visando fazer declarar a nulidade de dois actos
administrativos praticados contra si pelo recorrido, são eles: o acto de compensação
de dívidas de contribuições para a segurança social com o valor integral da pensão
de reforma do recorrente e o acto de recálculo da mesma.

2- E, como preliminar da presente acção, o recorrente interpôs providência cautelar


de suspensão de eficácia de acto administrativo, pelo qual foi ordenada a
compensação de dívidas do recorrente, de contribuições à Segurança Social, com o
valor da pensão por velhice que lhe foi atribuída, providência essa que veio a ter um
desfecho favorável para o recorrente.

3- O recorrente para além do pedido principal, ou seja, de ver declarada a nulidade


de dois actos administrativos, pediu também a condenação do recorrido a entregar-
lhe os montantes respeitantes quer aos retroactivos não pagos desde Maio a
Outubro de 2011, no montante de € 2 742,30, quer as diferenças não pagas entre
Novembro de 2011, até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a ser
proferida nestes autos.

4 - Assim como alegou a prescrição das contribuições respeitantes ao período


compreendido entre Agosto de 2002 a Maio de 2006, e dos respectivos juros de
mora.

5 - Compulsado o acórdão em crise, constata-se que o mesmo só se pronunciou e


apenas de forma parcial e pouco clara, sobre o pedido principal deduzido pelo
autor, ora recorrido, tendo-se limitado a conhecer da legalidade de um dos actos do
réu, ora recorrido, sem no entanto concretizar, ou especificar, qual o acto em
concreto, se o da compensação integral, se o do recálculo da pensão.

6- Somos levados a questionar, afinal qual o acto em crise a que o Tribunal “a quo”
se refere?! Já que, para o recorrente, conforme configurou a sua acção, são dois, e
não um, os actos do recorrido que estão em crise.

7 - Deste modo, e ainda que fosse só por este motivo, o acórdão enfermaria de
nulidade, mas não só por este, mas também, não se ter pronunciado sobre mais
nenhum dos restantes pedidos deduzidos pelo recorrente.

8- E não se diga que pelo facto de conhecer parcialmente do primeiro pedido, os


restantes ficaram prejudicados, pois, se assim fosse, o Tribunal “a quo” teria que o
ter dito expressamente, o que não se verifica, nada referindo o acórdão, nesse
sentido.

9- Entende o recorrente, que o acórdão em crise, padece de nulidade por omissão de


pronúncia, prevista no artigo 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil,
aplicável ao caso em apreço por força dos artigos 1º e 140º, ambos do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos

10- A decisão do Tribunal “a quo” mostra-se contraditória com o próprio raciocínio


construído ao longo do Acórdão.

11- O Tribunal “ a quo” começa por apelar à necessidade de se atender aos


princípios norteadores do Direito Administrativo, dando especial relevo ao da
proporcionalidade, no entanto depois decide pela aplicação de uma decisão ao
autor, ora recorrente, que em termos práticos revela-se mais prejudicial do que
aquela que resulta da compensação temporária efectuada pelo réu, ora recorrido, no
âmbito do recálculo da pensão.

12- Reportando-nos aos factos dados como provados, consta do ponto 4 daqueles:
“A pensão por velhice tem início em 2011-05-21 e é de €457,05”, e do ponto 10 dos
factos provados: “o valor da pensão por velhice, em resultado do novo cálculo, é de
381,00 Euros”.

13- Tendo em conta que no acórdão o Tribunal “a quo”: “condenou o réu a praticar
novo acto, determinando que a compensação, a efectuar na pensão mensal a pagar
ao autor (457,05€), se opere através da redução em montante correspondente a um
máximo de 1/3 da mesma, até á regularização definitiva da divida contributiva.”
14- E sendo evidente que o recorrido irá efectuar o recálculo em conformidade com
o máximo de redução, ou seja, 1/3, contas feitas, constata-se que o valor
correspondente a 1/3 da pensão do recorrente ascende a €152,35.

15- Se reduzirmos este montante aos €457,05, o recorrente passará a auferir uma
pensão no montante de €304,70, sendo este um valor, inferior aos €381,00 que
recebe actualmente e que resulta do recalculo efectuado pelo próprio recorrido.

16- Resultando de forma inequívoca, que com a decisão proferida pelo Tribunal “ a
quo”, o recorrente ficará numa posição pior do que aquela em que passou a estar
com o segundo ato do recorrido, - o de recálculo da sua pensão, o que obviamente,
não se mostra admissível.

17- Além disso, o recorrente ficou também prejudicado porquanto como supra se
expôs, o Tribunal “a quo” não conheceu da prescrição das contribuições invocadas
pelo recorrente, respeitantes ao período de Agosto de 2002 a Maio de 2006, assim
como, não se pronunciou sobre os montantes peticionados a título de retroactivos.

18- Por outro lado, e reiterando, pese o Tribunal “ a quo” se tenha pronunciado
sobre os dois actos praticados pelo recorrido, cuja legalidade o recorrente pôs em
causa, acaba apenas por conhecer da legalidade de um deles, sem no entanto,
concretizar qual.

19- E fá-lo, no entender do recorrente também, salvo melhor opinião, de forma


deficitária tendo-se limitado a concluir pela ilegalidade do acto, por o mesmo
incorrer em vício de violação de lei, resultante da violação do princípio da
proporcionalidade.

20 - O recorrente interpôs acção administrativa especial, visando que o Tribunal


conhecesse da nulidade, não de um, mas de dois actos administrativos, começando
pela análise do primeiro, compensação integral da reforma do recorrente, entende o
mesmo que tal acto administrativo é nulo, por violar o conteúdo essencial do
princípio da dignidade humana, consagrado no âmbito dum Estado de Direito.

21- Que se encontra contido no art. 1º da CRP, de onde se extrai um direito


fundamental ao mínimo para a existência condigna de todo o ser humano, bem
como, o conteúdo essencial do direito á segurança social contido no art. 63º da
CRP.

22- E só, subsidiariamente poderá entender-se que viola também, o princípio da


proporcionalidade.

23- O direito à segurança social inclui-se nos chamados direitos económicos,


sociais e culturais e confere ao cidadão a faculdade de exigir do Estado uma
prestação económica ou social, sendo, por isso, conhecidos como um direito
prestacional ou direito positivo e impondo àquele uma obrigação de “facere”.
24 - O direito à compensação consagrado no artigo 220º da Lei 110/2009 de 15.09
só poderá ser admitido nos mesmos termos e com os limites constitucionalmente
estabelecidos para a penhora de rendimentos, salários e prestações periódicas, onde
se inclui obviamente a pensão de reforma.

25 - Na sequência da jurisprudência constitucional, designadamente a do acórdão


n.º 177/2002 do Tribunal Constitucional de 23.04.2002, impõem-se a isenção de
penhora sempre que em consequência da sua concretização resulte um rendimento
líquido disponível para o “executado”, inferior ao salário mínimo nacional, sendo o
montante deste, a referência para se aferir do “mínimo de subsistência”.

26 - Sendo a própria exigência constitucional de respeito pela dignidade humana


que impõe que se deva assegurar sempre ao “executado” que mantenha um
rendimento disponível total, igual, a pelo menos o valor do salário mínimo
nacional.

27- Raciocínio esse que o recorrente entende que se deve aplicar por analogia no
caso da penhora de reformas de valores inferiores ao salário mínimo nacional, como
é o caso da sua pensão de reforma e também no caso de prestações relativas ao
rendimento social de inserção.

28- Entendimento esse, que o recorrente considera, mais justo por se encontrar mais
de acordo com os princípios constitucionais, do que o proposto pelo Tribunal “a
quo”, e que terá necessariamente de se aplicar à compensação para regularização da
situação contributiva prevista no artigo 220º do Código Contributivo.

29 - Ou seja, a ser admitida tal compensação, terá sempre de ter lugar dentro de
determinados limites, considerando os princípios constitucionais de igualdade,
proporcionalidade e de justiça social, sob pena de estarmos perante uma norma
inconstitucional que subverte todo o sistema publico de segurança social,
permitindo ao Estado que dá, “tirar”, o que é inadmissível e ilegal, pois

30- É obrigação do Estado assegurar a todos, o mínimo de subsistência condigna


bem como, prevenir e erradicar situações de pobreza e de exclusão social, tanto
mais que o direito à reforma foi liquidado e atribuído ao recorrente, naquele preciso
montante de € 457,05.

31- Dado que no caso em apreço, o valor da pensão de reforma do recorrente é


inferior ao salário mínimo nacional (€ 457,05), que neste momento é de € 505,00,
entendendo o recorrente que não se mostra admissível que sobre o mesmo, seja
efectuada qualquer compensação.

32- Tanto mais que uma boa parte dessas contribuições e juros de mora não são
devidos por se encontrarem prescritas, pelo menos as respeitantes ao período de
Agosto de 2002 a Maio de 2006, prescrição essa de que o Tribunal “a quo” como se
disse não conheceu, como lhe cabia.

33- Para além de que, o Recorrente efectuou durante vários anos, descontos para a
segurança social, tendo cumprido com o pagamento das contribuições e
quotizações, tendo uma carreira contributiva de cerca de 51 anos, desde 1960 a
2011.

34- Entende o recorrente que o acto administrativo de compensação de dívidas de


contribuições à segurança social com o valor integral da pensão do recorrente é
ilegal, por violador do conteúdo essencial de direitos fundamentais, e como tal,
gerador do vício de nulidade, nos termos do artigo 133º, n.º 2, al. d), do Código de
Procedimento Administrativo.

35- Reportando-nos ao segundo acto administrativo do recorrido, recálculo de


reforma atribuída ao recorrente, tendo o recorrido passado a pagar-lhe € 381,00 em
vez de € 457,05, acto esse que, repare-se, foi concretizado já na pendência da
providência cautelar instaurada pelo recorrente, através do qual, o recorrido criando
a falsa aparência de que teria sido levantada a suspensão ordenada em virtude, do
deferimento da providência cautelar, quando o que fez na realidade foi, promover
uma “nova compensação”, desta feita parcial.

36 - Para o recorrente, este acto administrativo de recálculo da pensão de reforma é


ilegal, padecendo igualmente do vício da nulidade, nos termos do artigo 133º, n.º 2,
al d), do Código de Procedimento Administrativo, na medida em que viola o
conteúdo essencial de direitos fundamentais, designadamente: o princípio da
dignidade humana, contido no artigo 1º da Constituição da República Portuguesa e
o Direito à Segurança Social, consagrado no artigo 63º da Constituição da
República Portuguesa, dado vez que o valor da pensão atribuída é já, de per si,
inferior ao salário mínimo, não podendo, por isso, ser objecto de qualquer
compensação, e ou redução.

37 - Não significando com isso que o recorrido não possa e não deva tentar obter o
pagamento das contribuições em divida, só não o pode fazer é desta forma, pela
compensação e ou redução oficiosa da pensão de reforma do recorrente, tanto mais
que dispõe de mecanismos próprios, como sejam, a instauração da competente
execução por dívidas.

38 - Mas, pode-se dizer que o ato administrativo de recalculo é igualmente nulo,


nos termos do artigo 158º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, pois, por força da decisão proferida em sede de providência
cautelar, e pelo menos, até que fosse proferida decisão pelo Tribunal “a quo”, o
recorrido estava obrigado a efectuar o pagamento integral da reforma, ao recorrente,
pelos € 457,05, o que efectivamente não fez.

39- Em conclusão, dir-se-á que mal andou o Tribunal “a quo”, ao decidir como
decidiu, ao fazê-lo violou a lei, concretamente o artigo 95º, n.º 1, do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 615º, n.º 1, al. d), do Código de
Processo Civil, artigos 1º e 63º ambos da Constituição da República Portuguesa,
artigo 133º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo e artigo 158º,
n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
*

II – Matéria de facto:

1. O autor requereu junto do Instituto da Segurança Social,


I.P., a sua “pensão por velhice”, por requerimento de 12 de
Maio de 2011 – cfr. documento a folhas 8 do processo
cautelar apenso (físico), que aqui se dá por integralmente
reproduzido.

2. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 26 de Agosto de 2011,
identificando MJBF, do qual consta:

“É de deferir pensão com cálculo definitivo com início em


12/5/2011, por se verificar que o requerente reúne as
condições legais de atribuição (…) Tem dívida contrib. €
23.851,00 de 8/2002 a 5/2011 a liquidar nas pensões a
processar nos termos do art.º 220.º da Lei 110/2009 de 16/9
(…)” – conforme documento junto a folhas 47 do processo
cautelar apenso (físico), cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.

3. No documento a que se alude em 2., foi exarado


“despacho”, datado de 26 de Agosto de 2011, com o teor
“Deferido”, seguindo-se rubrica sobre carimbo com as
menções “MHM – Chefe de Equipa”.

4. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 30 de Agosto de 2011,
dirigido a MJBF, sob o assunto “Requerimento de pensão
por velhice”, com a menção “Legislação aplicada: DL
187/2007, de 10 de Maio; Lei 64 -A/2008, de 31 de
Dezembro”, do qual consta:

“Informo V.Exa que, (…) o requerimento de pensão


oportunamente apresentado foi DEFERIDO ao abrigo da
legislação acima indicada.

A pensão por VELHICE tem início em 2011-05-12, sendo o seu


valor actual 457,05 Euros. (…)” – conforme documento a
folhas 8 do processo cautelar apenso (físico), cujo teor se dá
aqui por integralmente reproduzido.

5. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 30 de Agosto de 2011,
dirigido a MJBF, sob o assunto “Contribuições-Dívida
MJBF”, no qual é referido:

“Informamos V.Exa. que de acordo com a comunicação do


CDSS de Porto, se encontram em dívida as contribuições no
valor de Eur. 23851,00 referentes aos meses de 08/2002 A
05/2011.

Deste modo a referida importância irá ser compensada no


pagamento da sua pensão no mês de OUTUBRO e, caso se
torne necessário, nas prestações seguintes até total
liquidação daquele montante, pelo que a pensão só será
efectivamente paga após integral liquidação do débito,
conforme o disposto no art. 22º da Lei 110/2009, de 16/09.
(…)” – conforme documento a folhas 9 do processo cautelar
apenso (físico), cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.

6. O requerente interpôs “recurso hierárquico” para o


Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança
Social, I.P., relativamente à compensação no pagamento da
pensão, a que alude em 5.

7. O Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança


Social, I.P. elaborou documento sob o assunto «Pessoa
Singular “MJBF” – NISS – 10181762930», do qual consta:

“Face ao teor do requerimento entrado nestes serviços em 30


de Setembro de 2011, informamos V. Ex.ª que não foi
proferido qualquer despacho a solicitar ao Centro Nacional de
Pensões a compensação da dívida de contribuições de MJBF.

E não existiu porque aquela compensação é (foi) efectuada por


força da aplicação directa, por parte do Centro Nacional de
Pensões, do artigo 220.º do Código dos Regimes Contributivos
do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela
Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro.

Os nossos serviços limitaram-se a comunicar ao Centro


Nacional de Pensões, em 18.08.2011, a situação contributiva
devedora do beneficiário com o NISS 10181762930 – MJBF, e
isto porque aquela não a regularizou após ter sido notificado
para tal em 27/07/2011” – conforme documento a folhas 31
do processo cautelar apenso (físico), cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.

8. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 14 de Novembro de 2011,
identificando MJBF, do qual consta:

“Conforme informação nº 873/11 da Unidade Jurídica de


17/11/2011, é de recalcular a pensão incluindo o período de
8/2002 a 2/2004 (dívida 3391,87) já deduzida na pensão até
11/2011 (…)” – conforme documentos a folhas 81 a 85 do
processo cautelar apenso (físico), cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.

9. No documento a que se alude em 11., foi exarado


“despacho”, datado de 15 de Novembro de 2011, com o teor
“Concordo”, seguindo-se rubrica sobre carimbo com as
menções “MHM – Chefe de Equipa”.

10. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 15 de Novembro de 2011,
dirigido a MJBF, sob o assunto “Requerimento de pensão
por velhice”, com a menção “Legislação aplicada: DL
187/2007, de 10 de Maio; Lei 64-A/2008, de 31 de
Dezembro”, do qual consta:

“Informo V.Exa que, (…) foi efectuado novo cálculo da pensão


atribuída ao abrigo da legislação acima citada, dado se dispor
de novos elementos relevantes.

O valor da pensão por VELHICE, em resultado do novo


cálculo, é de 381,00 Euros.
(…)” – conforme documentos a folhas 70 a 73 do processo
cautelar apenso (físico), cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.

11. Os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P.


elaboraram documento, datado de 22 de Novembro de 2011,
dirigido a MJBF, da qual consta:

“Na sequência da providência cautelar interposta (…) e em


cumprimento do disposto no artigo 128.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos informa-se pelo
presente que foi levantada a suspensão do pagamento da
pensão que lhe foi deferida em 26/08/2011, recalculada com
base nos períodos contributivos a que corresponde o
pagamento de contribuições, incluindo as regularizadas já
como pensionista, pelo que a mesma será posta a pagamento
de acordo com o valor mensal a que tem direito. A pensão
merecerá novo recalculo se e quando se mostrarem pagas as
contribuições em dívida. (…)” – conforme documento a folhas
69 do processo cautelar apenso (físico), cujo teor se dá aqui
por integralmente reproduzido.

III - Enquadramento jurídico.

1. Nulidade do acórdão.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil


de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de
1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando:

“O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou


conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do


artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º):

“O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à


sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela
solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina,


só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que
aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de
questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto
Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984
(reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo
de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de
28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou


omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à


declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do
n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

Refere a recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por não se


ter pronunciado sobre a validade dos dois actos impugnados mas apenas
sobre um e de forma deficiente sem se saber exactamente qual; e não se
pronunciou sobre a prescrição de parte das dívidas à segurança social.

Vejamos.

O autor pediu, discriminadamente, a declaração de nulidade de dois actos:


1º - o de compensação de dívidas de contribuições com o valor da sua
pensão de reforma por velhice; 2º - o que procedeu ao recálculo da sua
pensão e a fixou ame 381 euros mensais; terminou pedindo a condenação
do réu à prática do acto devido, o processamento do pagamento integral
do valor da pensão que lhe deve ser paga sem qualquer desconto.

O Tribunal recorrido abordando indistintamente o tema da compensação


com o do recálculo da pensão, entendeu na parte decisória pronunciar-se
(apenas) sobre a validade do acto de compensação (único identificado no
cabeçalho da sentença como acto impugnado) e condenar á prática do acto
entendido como devido.

Na verdade, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 66º do Código


de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 (aplicável no tempo
ao caso) tendo sido praticado acto de conteúdo positivo (como aqui
sucedeu), o pedido de condenação à prática do acto devido não é
formulado cumulativamente com o pedido de declaração de invalidade do
acto praticado mas em alternativa.

Dispõe este preceito (com sublinhado nosso):

“A possibilidade prevista no artigo seguinte da dedução de pedidos de


condenação à prática de acto devido contra actos de conteúdo positivo
não prejudica a faculdade do interessado de optar por proceder, em
alternativa, à impugnação dos actos em causa”.

Subjacente a esta solução está a ideia de que a apreciação do pedido de


condenação à prática do acto devido tem necessariamente subjacente a
apreciação da validade do acto impugnado, em sentido diverso ou oposto
ao acto pretendido. E só se justifica apreciar autonomamente o pedido de
declaração de invalidade do acto praticado quando este pedido é feito em
alternativa ao pedido de condenação à prática do acto devido que, neste
caso, não é deduzido.

Sendo os pedidos deduzidos cumulativamente, ao contrário do previsto na


lei, o que sucede é que apenas deverá haver pronúncia sobre o pedido de
condenação à prática do acto devido.

Justifica-se no entanto uma apreciação autónoma, como questões


independentes, no caso concreto, da validade dos dois primeiros actos,
pois não é indiferente que se declarem os actos nulos ou meramente
anuláveis assim como não é indiferente que se declarem ambos inválidos
ou apenas um deles.

Embora a resposta positiva a uma das questões possa conduzir à mesma


solução, de condenação à prática do acto devido.
Na verdade pese embora apenas um pedido seja relevante para efeitos de
decisão, a análise da validade de cada um dos actos que pressupõem a
definição no caso daquilo que será o “acto devido” tem autonomia como
questões a decidir. A unicidade do pedido não significa unicidade de
questões a decidir.

Sendo certo que a decisão final sobre o pedido de condenação à prática do


acto devido faz caso julgado não apenas na parte decisória em si mesma
mas também nos respectivos pressupostos imediatos (ver acórdão deste
Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.10.2015, no processo
00347/04.7 BEBRG e toda a doutrina e jurisprudência aí citadas).

Reportando-nos à decisão sob censura poderá considerar-se que houve


excesso e não omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo ao invés de se
pronunciar apenas quanto ao pedido de condenação do acto devido
pronunciou-se também sobre o pedido de declaração do acto de
compensação, anulando-o.

Mas como o Tribunal se pronunciou sobre a opção que fez na análise do


objecto do processo, não existe, em bom rigor, excesso ou omissão de
pronúncia, antes erro nessa opção.

E nos fundamentos acabou por misturar, de forma algo confusa, a


apreciação da validade dos dois actos cuja validade tinha sito posta em
causa de forma autónoma pelo autor. O que poderá traduzir deficiência ou
obscuridade da decisão e não uma nulidade.

Impondo-se agora, em sede de recurso, proceder à análise autónoma e


clara a validade dos actos em apreço.

Termos em que se concluiu não verificar a nulidade imputada à decisão


recorrida.

2. O mérito da decisão recorrida.

2.1. A prescrição das dívidas vencidas entre Agosto de 2002 e Maio de


2006. O recálculo da pensão.

O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança


do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem a sua
base no interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele
igualmente fundamento na negligência do credor.

No que diz respeito às dívidas da Segurança Social e respectivos juros de


mora, o prazo de prescrição é de cinco anos e computando-se o decurso do
prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser
cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer
diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável
pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida,
nomeadamente a instauração do processo de execução fiscal (cfr. artigo
63º nºs 2 e 3 da Lei nº 17/2000, de 08/08, artigo 49º nºs 1 e 2 da Lei nº
32/2002, de 20/12, artigo 60º da Lei nº 4/2007, de 16/01 e artigo 187º do
Código dos Regimes Contributivos do Sistema previdencial de Segurança
Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16.09 e que entrou em vigor no
dia 01.01.2011).

O réu não alegou que tivesse instaurado execução fiscal contra o autor,
mas invocou no artigo 18º da contestação que não poderá estar prescrita
uma dívida que o autor, conforme refere nos artigos 34º e 35º da petição
inicial, reconhece existir.

É verdade que o autor em 08.03.2012 reconhece que há contribuições em


dívida, mas tal reconhecimento não interrompe a prescrição das dívidas já
extintas pelo decurso do prazo de cinco anos sobre a data em que se foram
vencendo – vide art. 325º do Cód. Civil. Só se pode interromper o prazo
que ainda não decorreu e, na data do reconhecimento das dívidas, tal prazo
já tinha decorrido

Tais dívidas vencem-se no início do ano seguinte àquele em que tiver


ocorrido o facto tributário – artigos 48º e 49º da Lei Geral Tributária –
vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23.04.2013,
no processo nº 04416/10.

Assim, é certo que em 08.03.2012 já estavam prescritas as dívidas e juros


vencidos nos cinco anos anteriores a essa data.

Nessa data, as dívidas vencidas de Agosto de 2002 a Maio de 2006


estavam prescritas porque entre a sua data de vencimento e a data da
instauração da acção decorreram mais de cinco anos.

Tem razão o autor quando alega a prescrição de tais dívidas e juros de


mora sobre elas vencidos.

Mas a prescrição não tem, por si só, o efeito de impedir o recálculo da


pensão, como, de resto, o próprio admite.

Dispõe o artigo 220.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que


aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de
Segurança Social, sob a epígrafe “Regularização da situação contributiva
dos trabalhadores independentes e beneficiários do seguro social
voluntário por compensação”:

“Nas eventualidades de invalidez e de velhice, se a regularização da


situação contributiva não tiver sido realizada directamente pelo
beneficiário, é a mesma efectuada através da compensação com o valor
das prestações a que haja direito em função daquelas eventualidades,
caso se encontrem cumpridas as restantes condições de atribuição das
respectivas prestações”.

A prescrição não se encontra entre as causas de extinção das dívidas de


contribuições para a segurança social mas sim a compensação de créditos
– ver artigo 188º do Código acabado de referir.
Acresce que o mesmo legislador, no artigo 254.º do mesmo Código dos
Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, sob
a epígrafe “Pagamento de contribuições prescritas”, estipula que:

“ 1- Excepcionalmente, nas condições previstas na presente secção, pode


ser autorizado o pagamento de contribuições com efeitos retroactivos
quando a obrigação contributiva se encontre prescrita ou não existiu por,
à data da prestação de trabalho, a actividade não se encontrar
obrigatoriamente abrangida pelo sistema de segurança social.

2- Do pagamento referido no número anterior resulta o reconhecimento


do período de actividade profissional ao qual a obrigação contributiva
diga respeito”.

Como se sustentou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo


Norte, de 19.12.2014, no processo 00907/12.2 BEAVR):

“Decorre, assim, do disposto no n.º2 do artigo 254.º, “a contrario sensu”,


que caso o beneficiário de uma pensão de velhice com contribuições por
pagar à segurança social e já prescritas as não regularize, ou declare não
querer proceder ao seu pagamento, com fundamento no facto de as
mesmas se encontrarem prescritas, que o período de tempo a que as
mesmas se reporta não poderá ser reconhecido para efeitos da sua
carreira contributiva

Pelo que não se pode considerar como regularizada, para efeitos do


disposto no artigo 220º da Lei 110/2009, de 16 de Setembro, uma dívida
que prescreveu. Sendo certo que os fundos que permitem pagar as pensões
e demais prestações regulares de segurança social são sustentados,
essencialmente, pelas contribuições dos futuros beneficiários”.

Por outro lado, a circunstância de cautelarmente ter sido decidida a


suspensão de eficácia do acto de compensação de dívidas com a pensão
por velhice atribuída ao autor, não interfere nem com a validade do acto
de compensação nem com o acto de recálculo da pensão pois se trata de
uma decisão que apenas perfunctoriamente e a título provisório se
pronuncia sobre a validade dos actos – tema que aqui nos ocupa -, não
constituindo caso julgado definitivo sobre esse tema, salvo a situação
excepcional de se antecipar no processo cautelar a decisão do processos
principal – artigo 121º do Código de Processos nos Tribunais
Administrativos.

Mas conduzindo o recálculo da pensão a um valor inferior ao salário,


mínimo nacional, essa definição acolhe uma interpretação e aplicação da
lei contrária à Constituição da República Portuguesa, o disposto no seu
artigo 1º, e é porque afecta o conteúdo essencial de um direito
fundamental, o direito à subsistência, traduz a prática de um acto nulo.

Como veremos melhor de seguida, a propósito da compensação efectuada


no segundo acto em apreço e que expressamente foi invalidado pela
decisão ora recorrida.

2.2. Da inconstitucionalidade do artigo 220º da Lei nº 110/2009, de


15/09, quando interpretado no sentido de que é possível operar a
compensação aí prevista quando ela incida sobre uma pensão de
reforma do autor igual ou inferior a um salário mínimo nacional.

O Plenário do Tribunal Constitucional, no acórdão proferido no processo


nº 177/2002, de 23.04.2002, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na
alínea b) do nº 1 e no nº 2 do art. 824º do Código de Processo Civil, na
redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, na
parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao
executado que não é titular de outro bens penhoráveis suficientes para
satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo
valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do
princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito,
e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1º, da alínea a) do nº 2
do artigo 59º e dos nºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição.

Do artigo 1º da Constituição da República Portuguesa extrai-se um direito


fundamental ao mínimo para a existência condigna de todo o ser humano,
e do artigo 63º do mesmo diploma constitucional, o conteúdo essencial do
direito à segurança social.

O direito à segurança social inclui-se nos chamados direitos económicos,


sociais e culturais e confere ao cidadão a faculdade de exigir do Estado
uma prestação económica ou social, sendo, por isso, conhecidos como um
direito prestacional ou direito positivo e impondo àquele uma obrigação
de “facere”.

O direito à compensação consagrado no artigo 220º da Lei 110/2009 de


15.09 só poderá ser admitido nos mesmos termos e com os limites
constitucionalmente estabelecidos para a penhora de rendimentos, salários
e prestações periódicas, onde se inclui obviamente a pensão de reforma.

Na sequência da jurisprudência constitucional, designadamente a do


acórdão n.º 177/2002 do Tribunal Constitucional de 23.04.2002, impõe-
se a isenção de penhora sempre que em consequência da sua concretização
resulte um rendimento líquido disponível para o “executado”, igual ou
inferior ao salário mínimo nacional, sendo o montante deste, a referência
para se aferir do “mínimo de subsistência”.

Sendo a própria exigência constitucional de respeito pela dignidade


humana que impõe que se deva assegurar sempre ao “executado” que
mantenha um rendimento disponível total, igual ou inferior a um salário
mínimo nacional.

Isto mesmo veio a ser consagrado no artigo 824º nº 2 e nº 3 do Código de


Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de
08.03, em vigor a partir de 15.09.2003, por força do artigo 4º do mesmo
diploma.

Esse limite mínimo de impenhorabilidade estendeu-se também às


reformas, por força da nova redacção do artigo 824º, nº 1, do Código de
Processo Civil, que prescreve:

“1- São impenhoráveis:

Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza


semelhante, auferidos pelo executado;

Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de


outra regalia social… .

A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem …como limite


mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito
exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário
mínimo nacional.”

Assim, por violação do princípio da dignidade humana, contido no


princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas
do artigo 1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos nºs 1 e 3 do artigo 63º
da Constituição, não se aplica o artigo 220º da Lei nº 110/2009, de 16.09,
quando entendido no sentido de se poder efectuar a compensação das
pensões de reforma iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional com
dívidas à Segurança Social, por inconstitucionalidade de tal compensação,
como já foi reconhecido para as penhoras dessas pensões e plasmado em
lei no artigo 824º nºs 1 e 2 e 824-A do Código de Processo Civil de 1995,
em vigor à data em que foi instaurada a presente acção e que passou para
os artigos 738º nºs 1 a 3 e 739º do Código de Processo Civil de 2013.

Ou seja, a ser admitida tal compensação, terá sempre de ter lugar dentro
de determinados limites, considerando os princípios constitucionais de
dignidade, igualdade, proporcionalidade e de justiça social, sob pena de
estarmos perante uma norma inconstitucional que subverte todo o sistema
público de segurança social, permitindo ao Estado que dá, “tirar”, o que é
inadmissível e ilegal, pois é obrigação do Estado assegurar a todos, o
mínimo de subsistência condigna bem como, prevenir e erradicar
situações de pobreza e de exclusão social, tanto mais que o direito à
reforma foi liquidado e atribuído ao recorrente, naquele preciso montante
de € 457,05 euros.

Dado que à data em que foi determinada a compensação de dívidas do


autor (30.08.2011) com a pensão por velhice atribuída ao mesmo, no valor
de 457,05 euros, a partir do mês de Outubro de 2011 e, porque nessa data
o salário mínimo nacional era do 485,00 euros, por força do disposto no
artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 143/2010, de 31.12, superior, portanto,
ao montante da referida pensão, por violação das mesmas disposições
constitucionais referidas no supra mencionado acórdão do Tribunal
Constitucional, e por igualdade de razões, entende-se que não se mostra
admissível que sobre tal montante de pensão de velhice seja efectuada
qualquer compensação.

Assim, quer o primeiro acto administrativo de compensação de dívidas de


contribuições à segurança social com o valor integral da pensão do
recorrente, quer o segundo acto administrativo que recalcula a reforma do
recorrente e a reduz de 457,05 euros para 381,00 euros, são
inconstitucionais e ilegais, por violadores do conteúdo essencial de
direitos fundamentais, e como tal, geradores do vício de nulidade, nos
termos do artigo 133º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento
Administrativo.

3. Do direito aos montantes peticionados a título de retroactivos.

Todas as compensações operadas pelo réu nas reformas do autor são nulas
e têm de ser devolvidas ao autor nos termos dos artigos 133º, nºs 1 e 2, alª
d) e 134º nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo de 1991,
que correspondem aos artigos 161º nºs 1 e 2, alª d), e 162º nºs 1 e 2 do
Código de Procedimento Administrativo de 2015.

Assim, a acção deverá ser julgada totalmente procedente pelos


fundamentos expostos.

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central


Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao
presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam a acção totalmente procedente, condenando o réu nos termos


peticionados.

Custas em ambas as instâncias pelo demandado, ora recorrido.

*
Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha

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