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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 1143/06.2TBCLD.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
AQUISIÇÃO POTESTATIVA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02-10-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Constituem elementos cumulativos integradores da acessão
industrial imobiliária:
a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano),
sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do
interventor;
b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade
de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação
pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a
constituição definitiva.
e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a
constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de
um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação
acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio
possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou
plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da
incorporação;

g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa


fé (psicológica);
2. Apesar de alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência,
sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no artigo
1340º do Código Civil, apontando a doutrina clássica para a
consagração da tese da aquisição automática com a efectiva
incorporação, é hoje preponderante a posição que a acessão
industrial imobiliária, em qualquer uma das espécies de acessão,
representa uma forma potestativa de aquisição do direito de
propriedade, de reconhecimento, necessariamente judicial, em que o
pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como
condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito
retroactivo ao momento da incorporação.
3. Aos réus/reconvintes, enquanto autores da incorporação, que
formularam pedido reconvencional fundado no instituto da acessão
industrial imobiliária, impende o ónus da prova de todos os requisitos
do invocado instituto, nomeadamente dos factos integradores da boa-
fé, com o alargamento ínsito no nº 1 do artigo 1260º do Código Civil,
demonstrando que ignoravam, ao implantarem a construção da sua
moradia, prolongando-a, ainda que parcialmente, pela faixa de
terreno sobre a qual as autoras provaram a sua aquisição originária,
que lesavam o direito destas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
LISBOA

   RELATÓRIO
LUÍSA -----------, residente em ---------, e MANUELA -----, residente
em  --------, intentaram contra LUÍS ------------ e LURDES --------,
residentes em -------------, acção declarativa sob a forma de processo
comum ordi­nário, através da qual pedem a condenação dos réus à
demolição da construção que efectuaram, em parte, no imóvel das
autoras, descrito sob o nº 02915/…, da freguesia de -----, concelho
de -----, que correspondia ao seu logradouro, e à sua reposição no
estado anterior a tal obra, ou se não se julgar assim, pedem a
condenação no pagamento de indemnização dos danos causados e
do ilícito enriquecimento com a usurpação, calculada por valor
global não inferior a € 247.356,66, pela depreciação da parte
restante, e ao lucro proporcionalmente obtido com a construção
efectuada, acrescido de juros moratórios à taxa legal em vigor,
desde a data da citação.
Fundamentaram as autoras, no essencial, esta sua pretensão da
seguinte forma:
1. As autoras são as únicas herdeiras de seus pais, A.Alves ---- e
Gertrudes --------.
2. A mãe das autoras faleceu no dia --/---/---, no estado de viúva.
3. A herança deixada pelos pais das autoras integra um prédio
urbano sito na Rua -----, freguesia de -----, concelho de ---, descrito
sob o nº 02915/-----, daquela freguesia e concelho.
4. O prédio é composto por uma casa de habitação e, no exterior
desta, em construção autónoma e separada, existe, há mais de 90
anos, uma «casa de forno», de cozer pão, e confinando com a parte
traseira da dita «casa de forno» existia, até 2004, um logradouro
com a área de 85 m2 de área, em forma retangular, que
confrontava, a norte e a poente, com a estrada, e onde atualmente
se encontra instalada parte de uma nova construção.
5. As autoras, seus pais e avós, sempre usaram e possuíram, desde
há mais de 90 anos, de modo exclusivo, de forma pública e sem
oposição de quem quer que fosse, o imóvel em causa, integrado
pelo referido logradouro, usado para arrumos diversos.
6. O logradouro em causa confrontava, a norte, com o caminho que
é a atual estrada, e a sul, com um outro terreno em forma de
declive, e que lhe ficava superior, terreno este que, pelo menos até
meados dos anos 50, era um baldio.
7. O dito terreno rústico, situado a sul do logradouro, encontra-se
inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00974/----, da
freguesia de ------, concelho de ------, ali constando como tendo a
área de 143 m2, e está registado em nome dos réus desde 7 de
fevereiro de 2001.
8. Tal imóvel teve como primeiro titular, António -----, tendo sido
por este arrematado, como terreno baldio que era então, por
escritura de 23 de dezembro de 1957, encontrando-se descrito no
referido título como tendo aquela a área e «sem qualquer utilidade
comum».
9. Nessa escritura, o referido prédio aparece identificado como
«confrontando a Norte com A.Alves ----, o pai dos ora AA.», ou
seja, com o prédio urbano sito na Rua -----, freguesia de ----,
concelho de ----, descrito sob o nº 02915/-----, daquela freguesia e
concelho.
10. Tal significa que já em 1957 o acima referido logradouro era
tido como parte integrante do imóvel que agora é das autoras.
11. Sucede que, no ano de 2004, os réus construíram no terreno de
que são donos, uma moradia, a qual, no entanto, ocupa 83,90 m2
do supra referido logradouro pertença das autoras, o que fizeram
deliberada e dolosamente, bem sabendo que o mesmo era pertença
das autoras.
Citados, os réus apresentaram contestação, na qual alegaram, em
síntese:

1. É completamente falso que na traseira da “casa do forno” tenha


existido, até 2004, um logradouro ou qualquer outro espaço
pertencente ao prédio das autoras.
2. O prédio das autoras, cujo limite era a traseira do muro da “casa
do forno”, em linha reta e no seguimento de tal muro até à Rua do
Talefe, sempre confrontou, e confronta, a sul, com o prédio dos
réus.
3. Nunca, a sul da traseira do muro da “casa do forno”, existiu
qualquer logradouro ou espaço pertencente ao prédio das autoras.
4. Todo o terreno que aí existia antes da construção efetuada pelos
réus, sempre pertenceu aos seus antepassados, e pertence-lhes
presentemente a eles.
5. A construção erigida pelos réus no seu prédio valorizou o prédio
das autoras.
Deduziram ainda os réus, reconvenção, na qual pediram a
condenação das autoras/reconvindas a reconhecer os reconvintes
como donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 21
da contestação e que tal prédio confina com a traseira da “casa do
forno” das reconvindas e linha recta no seguimento deste até à Rua
do Talefe, por o terem adquirido por usucapião e ainda que a
construção da moradia dos reconvintes foi efectuada totalmente no
prédio atrás referido.
Mais pediram os réus que, se assim se não entender, deveria ser
julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido
pelos reconvintes contra as reconvindas e José ------ e ordenada a
transferência para os reconvintes da faixa de terreno que vier a
verificar-se ter sido ocupada pelos reconvintes com a construção
efectuada, por acessão industrial imobiliária, declarando os
reconvintes como únicos donos e legítimos possuidores da área de
terreno que eventualmente venha a ser declarada ocupada pelos
reconvintes com tal construção, devendo em consequência de tal, os
reconvintes ser condenados a pagar às reconvindas e José -------- o
valor que vier a ser fixado por este Tribunal, a título de
indemnização às reconvindas, e ao chamado.
Além disso, consideraram os réus que as autoras litigam de má fé,
pelo que pediram a sua condenação em multa e indemnização a
liquidar em execução de sentença.
Na contestação, os réus deduziram ainda o incidente de intervenção
principal provocada de José -------, casado com a 2ª autora no
regime da comunhão geral de bens, «a fim de acautelar o efeito útil
da presente ação», sendo «necessária a sua intervenção para o caso
de procedência do pedido reconvencional dado o pedido afetar o
direito do ora chamado».
Em réplica, as autoras deduziram oposição ao chamamento de José
--------- e pugnaram pela improcedência da reconvenção, com a sua
consequente absolvição dos pedidos reconvencionais bom como da
sua condenação em multa e indemnização por litigância de má-fé.
Também na réplica as autoras procedem à ampliação do pedido, o
que fazeram nos seguintes termos: «Deve admitir-se a ampliação
dos pedidos das AA., no sentido de lhes ser reconhecido o direito de
propriedade, adquirido por sucessão em posse e usucapião de seus
pais e avós, sobre o terreno correspondente a pelo menos cerca de
83,90 m2, o qual constituía, a parte por debaixo do imóvel 00974 da
freguesia de -----, confrontando a sul com esta e a norte e poente com
a estrada principal, e esteve, há mais de 90 anos, consecutiva e
ininterruptamente, até 2004, como logradouro do imóvel nº 02915,
das ora AA.».
Ainda no mesmo articulado, as autoras pediram a condenação dos
réus, como litigantes de má, «em multa, e na indemnização desde já
liquidada de € 5.000,00 e no demais que até final se liquidar».
Os réus apresentaram articulado de tréplica, no qual defenderam o
indeferimento da ampliação do pedido formulada pelas autoras e
pela sua absolvição do pedido de condenação em multa e
indemnização por litigância de má fé.
Pediram ainda os réus a rectificação do primeiro pedido
subsidiário de forma a que «a seguir à Rua da ----, onde consta, por
o terem adquirido por usucapião, passe a constar: “Por o terem
adquirido por escritura de compra e venda e ainda por usucapião por
si e seus antepassados”.
 Foi admitido o incidente de intervenção principal provocada de
José --------, o qual, citado, não deduziu contestação. Foi igualmente
admitida a rectificação ao primeiro pedido subsidiário, pretendida
pelos réus.
Proferido o despacho saneador, elaborada a condensação com a
fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi
levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que  o
Tribunal a quo proferiu decisão, constando o Dispositivo da
Sentença, o seguinte:
Por todo o exposto, nesta ação intentada por Luísa ------ e Manuela
------, contra Luís ------ e Lurdes -------, e em que é interveniente
principal, José -----, casado com a 2ª autora no regime da
comunhão geral de bens, na qual os réus deduziram reconvenção
contra as autoras e contra o chamado:
5.1 – Quanto à ação:
5.1.1 – declaro adquirido, por usucapião, o direito de propriedade
das autoras sobre a faixa de terreno identificada em 14. e 22. da
fundamentação de facto;
5.1.2 – condeno os réus:
5.1.2.1 – a demolirem a parte da moradia referida em 12., 13., 15. e
24. Da fundamentação de facto, que incorporaram na faixa de
terreno identificada em 5.1.1;
5.1.2.2 – a reporem a faixa de terreno identificada em 5.1.1, no
estado em que a mesma se encontrava antes de nela terem iniciado
as obras de incorporação de parte da moradia referida em 5.1.2.;
5.2 – Quanto à reconvenção:
5.2.1 – reconheço os réus como proprietários do prédio identificado
em 6. Da fundamentação de facto, ou seja, o terreno rústico
descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 00974/------,
da freguesia de ------, Concelho de -----, com a área de 143 m2 que
se encontra registado em nome dos réus, desde 7 de fevereiro de
2001, por o terem adquirido por usucapião, prédio esse que confina
a norte com a faixa de terreno das autoras identificada em 14. e 22.
da fundamentação de facto e com «o espaço existente mencionado
em 22. A), que fica em linha reta no seguimento do muro da
traseira da “casa do forno” até à rua do Talefe»;
5.2.2 – absolvo as autoras e o interveniente principal de tudo o mais
que contra eles é pedido pelos réus em sede reconvencional.
5.3 – Quanto à litigância de má fé:
Considero não haver lugar à condenação de qualquer das partes
por litigância de má fé.
Inconformados com o assim decidido, os réus/ reconvintes
interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença
prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:

i. A douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos


dados por provados, existindo contradição entre os factos dados por
provados, a fundamentação e a da douta decisão, o que constitui
nulidade da sentença nos termos do artigo 615 do C.P.C.
ii. Ao descrever na pag. 14 a 16 sob o nº I a XIX da douta sentença
recorrida, os factos dados por provados, não foram os mesmos
transcritos tal como foram dados por provados e, ao alterar alguns
deles, é dado um sentido completamente diferente e distorcido do que
consta dos factos provados, levando a uma decisão contrária a tais
factos.
iii. Nos pontos 34 a 39 da douta sentença recorrida, foi dado como
provado que os réus, seus pais, tia, primos e seus avós, desde pelo
menos 1957 vêm usando à vista de toda a gente, sem oposição e
ninguém, na convicção de que não lesavam direitos de terceiros e
como legítimos titulares do direito de propriedade e enquanto
proprietários, o prédio referido em 6, o qual confina a Norte com a
casa do forno da casa das Apeladas referido em 4 e com o espaço
existente e mencionado em 22 a) (caneiro) que fica em linha recta no
seguimento do muro da traseira da casa do forno até à Rua do Talefe,
fazendo parte do espaço correspondente ao prédio dos Apelantes
referido em 6, o espaço referido em 14, o qual, conforme consta do
ponto 39, foi usado pelos Réus, seus pais, tia, primos e avós, na
convicção de que não lesavam direito de terceiros e de que o faziam
como legítimos titulares do respectivo direito de propriedade e
enquanto proprietários deste, uso que foi feito nos termos constantes
da alínea a) e b) da referida e ponto 39 da douta sentença recorrida.
iv. Resulta assim dos factos provados de que a faixa de terreno
referida no ponto 14 da douta sentença recorrida, faz parte integrante
do prédio das Apeladas referido em 6 e, que o prédio dos Apelantes
confronta a Norte com a casa do forno do prédio das Apeladas
referido em 4 e com o caneiro referido em 22 a).

v. Mais resulta provado que, o uso pelos Réus Apelantes do prédio


referido em 6, de que faz parte a faixa de terreno referida em 14, foi à
vista de toda a gente (34) sem oposição de ninguém (35) na convicção
de que não lesavam direito de terceiros (37) e de que o faziam como
legítimos titulares do direito de propriedade e enquanto proprietários
deste (39), do que resulta claramente a boa fé dos Réus Apelantes.
vi. Não obstante a prova de tais factos, o Tribunal recorrido, ao
arrepio do que antes havia dado por provado, refere a fls. 15 alíneas
nº XIV e XV, que tal não se verificara em relação à faixa de terreno
referida no ponto 14, o que não corresponde ao que foi dado por
provado e está em contradição com os factos provados nos pontos 34
a 39, tendo ainda concluído a fls. 34. da douta sentença recorrida,
que foi de má fé a construção dos Réus, o que está em total
contradição com os factos provados supra descritos (34 a 39 e 42 e
43), o que nos termos do artigo 615 do C.P.C. implica a nulidade da
sentença.

 vii. Acresce ainda que, dos factos dados por provados, em especial
nos referidos pontos 6, 38, 42 e 43 da douta sentença recorrida,
resulta que o prédio dos Réus Apelantes, referido em 6, confronta
com a traseira da casa do forno do prédio das AA. Apeladas. Porém
na douta sentença recorrida a fls. 27 da mesma sentença, nas últimas
4 linhas, refere que o prédio dos Réus Apelantes identificado em 6,
não confronta com a traseira da casa do forno dos Réus, o que está
igualmente em contradição com os factos provados nos referidos
pontos 38, 42, 43 da douta sentença recorrida.

viii. Da prova produzida e constante dos factos provados, não resulta


em lado algum  que  as  AA.  Apeladas  tenham  agido  como titulares
do direito de propriedade sob a parcela de terreno descrita nos pontos
14 a 22.

ix. Conforme consta da decisão quanto à matéria de facto, refere-se


aí que a generalidade das testemunhas não souberam indicar o
motivo pelo qual os antepassados das AA. Apeladas ocupavam o
espaço mencionado na resposta ao quesito 1 e que corresponde ao
espaço mencionado em 14 a 22.
x. Pelo que, as AA. Apeladas apenas podem ser consideradas meras
detentoras ou possuidoras precárias da parcela de terreno referida
em 14 e 22, por se terem aproveitado da tolerância dos titulares do
direito.
xi. Aliás, durante todo o tempo em que os Réus Apelantes procederam
à terraplanagem, bem como à construção da moradia a até à
propositura da acção, o que ocorreu entre o início do ano de 2004 e
até à propositura da acção, nunca as AA. Apeladas ou seus familiares
apresentaram qualquer oposição a tal construção, conforme consta
do ponto 45 da douta sentença recorrida.

 xii. Pelo que, nunca o tribunal recorrido deveria ter reconhecido às


AA. Apeladas a aquisição do direito de propriedade sobre a referida
faixa de terreno.

xiii. Ao fazê-lo, violou o preceituado no artigo 1305 do C. Civil além


de outros.
xiv. O reconhecimento do direito de propriedade sob a faixa de
terreno referido em 14 e 22, deveria ter sido reconhecido a favor dos
Réus Apelantes, face aos factos dados por provados, nomeadamente
os supra referidos nos pontos 34 a 39 da douta decisão.
xv. Devendo ainda concluir-se que, os Réus Apelantes agiram de boa
fé ao proceder à construção da vivenda referida em 12, face ao que
resultou provado na douta sentença recorrida, nomeadamente ao que
consta dos pontos 34 a 39. Sendo que interpretação diversa viola o
preceituado no artigo 1260 do C. Civil.
xvi. Finalmente acresce que, o valor da construção efectuada pelos
Réus Apelantes, é manifestamente superior ao valor da faixa de
terreno.

xvii. Pelo que em caso de improcedência do recurso quanto aos


demais, sempre deverá ser reconhecido aos Apelantes o direito de
aquisição da faixa de terreno referido em 14 a 22, por esta ter um
valor máximo de € 7.650,00, ao passo que o valor da moradia dos
Réus Apelantes é de € 141.110,00 ou 114.849,00 consoante se leve em
consideração o valor da construção ou de mercado.

xviii. Em face do supra exposto, deverá ser declarada nula a douta


sentença recorrida, face às oposições, contradições e obscuridades
supra referidas ou, caso assim se não entenda, deverá ser revogada a
douta sentença e substituída por outra que absolva os Réus Apelantes
e reconheça a estes o direito de propriedade sob o terreno descrito em
6 dos factos provados, do qual faz parte integrante a faixa de terreno
referida em 14 a 22 e, por via disso, considerar os Réus Apelantes
donos e legítimos proprietários igualmente desta faixa de terreno.

xix.       Caso se entenda reconhecer às Apeladas o direito de


propriedade sob a referida faixa, por o terem adquirido por
usucapião, deverá ser reconhecido aos Réus Apelantes o direito de
adquirir tal faixa de terreno por acessão industrial imobiliária, por
terem procedido à construção da vivenda de boa fé, na convicção de
que não lesavam direito de terceiros e o faziam em terreno de que se
consideram legítimos titulares e enquanto proprietários deste,
conforme consta dos pontos 37 a 39 da douta sentença recorrida.

As autoras/recorridas apresentaram contra-alegações, formulando


as seguintes CONCLUSÕES:
i. Não ocorre a nulidade, por contradição entre os fundamentos,
factos provados e a decisão respectiva, pois verifica-se total coerência
quer entre os próprios factos provados, quer entre a análise jurídico-
legal e a decisão ora recorrida.
ii. O raciocínio dos recorrentes, nesta parte, deturpa a decisão,
esquece e pretende ocultar que os actos de posse, dos seus
antecessores e seus (até aos de construção) sobre a parcela em
discussão, nunca incidiram sobre esta – factos 39 al. a), 40 e 41 –, ao
passo que os das AA. e seus antecessores vêm provados quanto a ela,
conforme factos 16 ao 21 e 31.
iii. No demais, os recorrentes confundem a sua discordância material
com o juízo de valor – da má-fé que lhes é imputada (p. 34 da
sentença), quanto à realização da construção na dita parcela – com o
vício de nulidade por contradição.
iv. A motivação do quesito 16, da base instrutória, adiantada na
resposta e julgamento dos factos, não pode ser utilizada para daí se
concluir que as AA. , seus pais e avós foram meros detentores da
parcela – pois, o quesito 16 e aquela fundamentação respeita ao facto
de as testemunhas não saberem explicar se, como se perguntava ali,
os RR. sabiam ou não que a parcela pertencera sempre aos pais e
avós das AA. .
v. De resto, estando provados, inequivocamente, factos que
constituem o corpus da posse pública, exclusiva, anterior a pelo
menos 1957, ininterrupta, nos avós, pais e AA., o disposto no art.º
1.252.º n.º 2 do Cód. Civil – constituindo presunção legal a favor das
AA. – determina concluir-se pelo animus em termos do direito de
propriedade.
vi. O efeito daquela norma, aplicado por força do art.º 350.º n.º 1 do
Cód. Civil – "Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de
provar o facto a que ela conduz" – determina que coubesse aos RR.
alegar e provar que a posse em causa se revestia e significava,
apenas, a tal mera detenção (conforme art.º 344.º n.º 1 do Cód. Civil,
que corrobora o 350.º n.º 1).
 vii. Assim, estando inequivocamente provados todos os requisitos, a
sentença tinha de concluir, como fez, declarando o direito de
propriedade da parcela em causa, como adquirido por usucapião,
pelas AA. .
viii. Quanto ao pedido pelos RR., da aquisição coactiva/potestativa,
do art.º 1.340.º n.º 1, do Cód. Civil, o respectivo direito tem como seu
facto constitutivo a boa-fé, do ocupante construtor, definida no nº 4
daquele artigo.

ix. Assim, nos termos de art.º 342.º n.º 1 do Cód. Civil, cabia aos RR.
terem provado que, naqueles actos de ocupação e de construção
agiram assim por desconhecerem que o terreno era alheio, ou então,
que estavam autorizados – conforme a caracterização da boa-fé em
causa, efectuada pelo n.º 4 do art.º 1.304.º do Cód. Civil.

x. Tal prova não foi efectuada e além disso, os factos provados nºs 25
e 54 (da sentença) mostram que os RR. deliberada e conscientemente,
ocuparam com a construção e logradouro cerca de 189,68 m2,
quando bem sabiam que o seu imóvel apenas tinha 143 m2 (factos 6,
10 e 54).
xi. A deliberada decisão de ocupar e construir, assim, cerca de pelo
menos 46,68 m2 (189,68-143), em terreno das AA., constitui actuação
grosseiramente ilícita – portanto, de evidente má-fé, tanto mais que
nem uma singela explicação veio provada como atenuante do
comportamento dos RR. .

 xii. Portanto, a sentença não se mostra minimamente censurável,


devendo manter-se integralmente.
xiii. Caso assim não se julgue, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º
636.º do CPC, devem corrigir-se as respostas dadas ao julgamento
dos factos – dando-se aos quesitos 16 e 23, da base instrutória, ao
abrigo do art.º 662.º n.º 1 do CPC, diferente resposta.

xiv. O quesito 16 deve dar-se como provado, pois isso resulta lógica e
legalmente: a) da restante matéria de facto, designadamente, a
publicidade da posse dos antepossuidores e AA. sobre a parcela; b) da
falta de alegação e prova, pelos RR., de que esta publicidade da posse
não lhes fosse também estendida; c) do conhecimento, pelos RR, de
que, com a construção, ocupavam pelo menos cerca de 46,68 m2 de
terreno alheio, ao invocarem na Câmara e processo de licenciamento,
uma área de terreno de apenas 143 m2 – como acima alegado.

xv. Quanto ao quesito 23, deve dar-se como provado que, com a
ocupação e construção dos RR., na parcela em causa, o restante
imóvel das AA. perdeu capacidade edificativa e desvalorizou-se – pois
isso resulta da aplicação de juízos e regras da experiência, perante os
demais factos provados.
Propugnam, portanto, as autoras/recorridas, a improcedência da
apelação, confirmando-se a sentença recorrida e, se assim não se
entender, requerem a ampliação do recurso, corrigindo-se o
julgamento dos factos nºs 16 e 23 da base instrutória, nos termos
alegados.
Os réus/apelantes responderam à ampliação do objecto de recurso
e formularam as seguintes CONCLUSÕES:

i. Nenhuma prova foi produzida nos autos, de que os Réus sabiam


que o logradouro/ faixa de terreno pertenceu como efectiva
propriedade e posse exclusiva aos pais das AA. Apeladas.
ii. Muito pelo contrário, a prova que consta dos autos, é no sentido de
que, do terreno adquirido pelo Sr. António -----, avô do Réu Apelante
ao Município de -----, fazia parte a faixa de terreno em causa nos
autos.

iii. Consta ainda dos factos dados por provados nos quesitos 24 a 31,
que do prédio dos Réus Apelantes faz parte a faixa de terreno em
causa nos autos, como resulta ainda que o uso era feito pelos Réus
Apelantes, sua tia, primos e avós, à vista de toda a gente sem oposição
de ninguém e na convicção de que não lesavam o direito de
propriedade de terceiros, dado que o faziam como legítimos titulares
do direito de propriedade e enquanto proprietários desta.
iv. Pelo que, tendo em consideração todos os factos que foram
considerados provados nos autos, nomeadamente os supra referidos,
o quesito 16 nunca poderia ser dado por provado, carecendo de
fundamento o invocado pelas AA. Apeladas.

v. Devendo em consequência, manter-se a resposta a tal facto (quesito


16) como não provado, bem tendo andado a douta decisão nesta
parte.
vi. Igualmente nenhuma prova foi feita nos autos que permita a
alteração da resposta ao quesito 23.

 vii. Conforme consta dos autos, da fundamentação da decisão da


matéria de facto e dos relatórios periciais, resulta que a construção
da vivenda efectuada pelos Réus Apelantes não tem impacto nos
prédios envolventes, nomeadamente no prédio das AA. Apeladas.

viii. Não constando ainda dos autos, qualquer prova que permita
concluir pela alteração do quesito 23.
ix. Em face do exposto, deverão manter-se como não provados os
quesitos 16 a 23 da Base Instrutória, tal como foi decidido.
x. Em tudo o mais, deverá ser revogada a douta decisão recorrida, tal
como peticionado nas alegações de recurso anteriormente
apresentadas.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidades da
sentença deduzida pelas apelantes/Rés, pugnando pela sua
inexistência.
 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
I. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que é pelas conclusões da alegação
dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do
recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa
ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal
adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes
para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a
alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i.        DA NULIDADE DA SENTENÇA;
ii.        DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA
SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM
CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica ponderar sobre:
Û A TITULARIDADE DO INVOCADO DIREITO DE
PROPRIEDADE;
Û DO INSTITUTO DA ACESSÃO IMOBILIÁRIA.
e, em caso de procedência do recurso, APRECIAR:
Û A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO,
SUBSIDIARIAMENTE FORMULADA PELAS
AUTORAS/APELADAS.
***
III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes


factos:

1. As autoras são as únicas herdeiras de A.Alves ----- e de


Gertrudes -----, seus pais – (A);
2. Tendo a sua mãe falecido, no estado de viúva, em 1 de maio de
2004 – (B);
3. Integra a herança um prédio urbano, situado na Rua do T---, nº
7,  freguesia de Santa ---, concelho de ----, descrito sob o nº
02915/25032004, da freguesia de Santa ----, concelho de ----, com a
área coberta de 122,20 m2, e área descoberta de 99,50 m2 – (C);

4. O prédio é composto por uma casa de habitação, e no exterior


desta, em construção autónoma, e separada da habitação, existe, há
mais de 90 anos, uma “casa do forno”, de cozer pão – (D);
5. A face lateral da “casa do forno” do prédio das autoras
confronta para a rua – (E);
6. Existe um terreno rústico descrito na Conservatória do Registo
Predial, sob o nº 00974/020791, da freguesia de Santa ---, Concelho
de ----, com a área de 143 m2 que se encontra registado em nome
dos réus, desde 7 de fevereiro de 2001 – (F);

7. (…) terreno este que, pelo menos até meados dos anos cinquenta,
era baldio – (G);
8. Tal imóvel teve como primeiro titular António ----– (H);
9. (…) tendo sido arrematado por este, como terreno baldio que era
então, por escritura de 23 de dezembro de 1957 – (I);
10. (…) encontrando-se descrito no referido título como tendo «a
área de cento e quarenta e três metros quadrados, sem qualquer
utilidade comum» – (J);
11. Já então, em dezembro de 1957, naquele mesmo documento do
ato de compra do imóvel dos ora réus se descreve o prédio como
«confrontando do Norte com A.Alves -----», o pai das autoras, isto
é, o prédio referido supra em 3. – (L);
12. Em 2004, no prédio referido em 6., os réus construíram uma
moradia, em propriedade horizontal, com duas frações
habitacionais – (M);

13. A área de implantação da construção dos réus, referida em 12.,


corresponde a cerca de 128,80 m2 – (N);
14. Confinando com a parte traseira da construção/forno referida
em 4. existia, até 2004, um espaço, correspondente a uma faixa com
uma forma aproximadamente retangular, confrontando a Poente,
ao nível e ao longo da Rua Principal -----, espaço esse que está
assinalado na parte que confrontava com a referida rua com uma
linha azul entre os números 42.56 e 42.72 do documento de fls. 88,
aqui dado por reproduzido, espaço esse que se prolongava, no
sentido Poente/Nascente, até à base de um primeiro declive
desenhado nesse documento com a cor verde – (1º);
15. (…) e onde atualmente se encontra instalada parte de uma nova
construção, com o esclarecimento que essa construção é a referida
em 12. – (2º);

16. As autoras, seus pais e avós, sempre usaram o imóvel referido


em 3. e 4., usando igualmente os pais e avós das autoras o espaço
referido em 14. – (3º);
17. (…) usando as autoras, seus pais e avós, de modo exclusivo, o
imóvel referido em 3. e 4., e usando os pais e avós das autoras o
espaço referido em 14. de modo exclusivo, com exceção de uma vez,
em data não exatamente apurada, em que José António -----, pai do
réu, descarregou uma carrada de lenha no espaço referido em 14. –
(4º);
18. (…) de forma pública – (5º);

19. (…) e sem oposição de alguém – (6º);


20. (…) há mais de 90 anos o prédio referido em 3. e 4., e pelo
menos desde antes da data referida em 9., o espaço referido em 14.
– (7º);
21. (…) sendo o espaço referido em 14. usado pelos pais e avós das
autoras para arrumos diversos, tais como, depósito de alfaias
agrícolas, local de acumulação e curtição de estrume, e depósito da
lenha usada em casa e no forno referido, e estendal de roupa – (8º);
22. O espaço referido em 14. confrontava:

a) A Norte com a “casa do forno” referida em 4. e com um espaço


que existe entre os muros/paredes presentemente existentes dos
prédios mencionados em 16. e 17. e 6. e 12., espaço esse que no seu
total tem uma largura média de 1,90m e comprimento de cerca de
9,90 m, que é desnivelado, sendo mais alto do lado da Rua do T--- e
mais baixo do lado da Rua Principal, e onde em parte dele está
implantado um caneiro que vem da Rua do T---- e desagua na Rua
Principal e que passa por baixo da “casa do forno”;
b) A Sul com herdeiros de Francisco -------;
c) A Poente com caminho que é a atual Rua Principal ------
d) A Nascente com o declive referido em 14., sendo que após esse
declive e em planos superiores existiam mais dois bocados de
terreno, separados por outros dois declives também representados
a verde no documento de fls. 88 – (10º);
23. A construção referida em 12. tem uma área de construção
licenciada de 255 m2, que correspondem a 127,71 m2 por piso,
tendo ainda um logradouro com uma área de 60,88 m2 – (12º e
13º);
24. Com a construção referida em 12. os réus ocuparam o espaço
referido em 14. – (14º);
25. Esta ocupação foi deliberada, voluntária e conscientemente
efetuada pelos réus – (15º);
26. O imóvel referido em 3. e 4. que tem uma área de 225,50 m2,
valia, em janeiro de 2011, € 50.000 – (17º);
27. Se os réus não tivessem ocupado o espaço referido em 14. não
teriam conseguido construir, com a área que construíram, a
moradia referida em 12., constituída em regime de propriedade
horizontal por duas frações habitacionais – (18º);
28. Cada uma das referidas frações habitacionais tinha, em 2005 e
em janeiro de 2011, um valor de mercado, o rés do chão de €
66.310,00, e o 1.º andar de € 74.800,00 – (19º);

29. Cada uma das referidas frações habitacionais teve, tendo em


conta o ano de 2004, um custo de construção de € 57.424,50,
correspondente a um custo de construção de € 450,00/m2 – (20º);
30. O preço ao m2 do terreno para construção é, naquela zona, de €
90,00 – (21º);
31. Antes da ocupação pelos réus do espaço referido em 14., a filha
da autora Luísa------, Margarida ------, tinha a ideia de construir no
prédio referido em 3. e 4. e no espaço referido em 14., sendo que,
em execução dessa ideia, foi, com a data de 30/08/2004, elaborado o
projeto de construção constante de fls. 336 a 342, visando a
construção nos referidos prédio e espaço – (22º);
32. O prédio referido em 3. e 4. confronta do Norte com passagem
pedonal, do Sul com os réus, do Nascente com Rua do T---- e do
Poente com a Rua Principal – (24º);

33. (…) sendo delimitado a Sul pelo muro da traseira da “casa do


forno” das autoras e linha reta no seguimento deste até à Rua do T-
----– (25º);
34. Os réus, seus pais, tia, primos e seus avós, desde pelo menos
1957, vêm usando à vista de toda a gente – (26º);
35. (…) sem oposição de ninguém – (27º);
36. (…) de forma continuada, mas apenas quanto à parte restante
referida em 39. b) – (28º);
37. (…) na convicção de que não lesavam direitos de terceiros –
(29º);
38. (…) o prédio referido em 6., o qual confina a Norte com a “casa
do forno” referida em 4. e com o espaço existente mencionado em
22. a), que fica em linha reta no seguimento do muro da traseira da
“casa do forno” até à Rua do T----, fazendo assim parte do espaço
correspondente ao prédio referido em 6. o espaço referido em 14. –
(30º);
39. (…) usando o referido prédio na convicção de que o faziam
como legítimos titulares do respetivo direito de propriedade e
enquanto proprietários deste, uso esse que foi feito da seguinte
forma:
a) Na parte correspondente ao espaço referido em 14., apenas
através da carrada de lenha referida em 17.;
b) Na parte restante, na sua plenitude – (31º);

40. No referido prédio, após a sua aquisição em 1957 e até à


transmissão desse prédio ao pai e tia do réu marido, António ----
cultivou aí batatas, alfaces, tomates, feijão, cuidou de uma oliveira
aí existente, usando ainda o mesmo prédio para guardar lenha e
outros objetos dado que residia junto àquele prédio, com o
esclarecimento que estes atos apenas foram praticados na parte
restante do prédio referida em 39. b) – (32º);
41. Após a transmissão do prédio referido em 6. para o pai do réu
marido e sua tia Alice e posteriormente para os filhos desta, estes
continuaram a dar o mesmo uso ao referido prédio até à data da
sua venda aos réus, o que ocorreu em 31/01/2001, com o
esclarecimento que estes atos apenas foram praticados na parte
restante do prédio referida em 39. b) – (33º);
42. Após a aquisição do supra referido prédio pelos réus, em inícios
do ano de 2004 e visando a realização da construção mencionada
12., os réus mandaram efetuar uma limpeza geral no prédio
mencionado em 6., tendo ainda sido terraplanada a terra de forma
a ficar nivelada, o que foi feito em toda a sua extensão – (34º);
43. (…) o que foi feito até à traseira da “casa do forno” e ao limite
da extrema que era a linha reta no seguimento do muro da traseira
da “casa do forno” até à Rua do T----  (35º);
44. Os réus mandaram proceder à elaboração de um projeto de
arquitetura, que foi submetido à aprovação da Câmara Municipal
de -----, que o deferiu, tendo os réus iniciado a construção no local
da moradia referida em 12., composta de rés do chão e primeiro
andar, construção essa que foi iniciada após terem procedido ao
nivelamento do terreno nos termos mencionados em 42. e 43. –
(37º);

45. (…) moradia essa que ficou concluída em novembro de 2004 e


levou cerca de 6-7 meses a construir, não tendo havido, para além
da instauração da presente ação, qualquer outra oposição a tal
construção por parte das autoras, nem de qualquer outro familiar
seu – (38º);
46. Tal moradia, após ter sido concluída, foi arrendada pelos réus,
aos inquilinos que aí se encontram, os quais lhes pagam as rendas
devidas pelo uso da mesma – (39º);
47. O prédio mencionado em 3. e 4. tem uma abertura com cerca de
45 cm de largura e 60 cm de altura, na parede traseira da “casa do
forno” mencionada em 4. – (41º);

48. O prédio mencionado em 3. e 4. tem no seu interior um


logradouro que está vedado por muros/paredes (42º);
49. A construção habitacional referida em 12. tem ainda um pátio
(logradouro, que é aquele referido em 23.), com a área de 60,88 m2
a Nascente, do lado da Rua do T-----– (46º);
50. O prédio das autoras referido em 3. tem a área de 225,5 m2 –
(47º);
51. Antes da construção dos réus referida em 12., o solo do prédio
referido em 6. Era fisicamente separado por três ribanceiras,
escarpas ou declives, desenhados a verde no documento de fls. 88,
com os desníveis referidos em tal documento – (55º);

52. Pelo menos os dois bocados de solo que eram separados pela
ribanceira, escarpa ou declive mais próxima da Rua Principal ---
(que é aquela(e) referida(o) em 14.), entre si próprios apenas
podiam passar pessoas ou animais com esforço, por causa do
desnível existente entre os dois bocados – (56º);
53. O local da construção só passou a estar nivelado após a
terraplanagem que os réus efetuaram, referida em 42. e 43., para
nivelarem os diversos bocados do solo – (57º);

54. No processo de licenciamento camarário os réus não alegaram


ocupação sobre a área superior a 143 m2 do imóvel 00974 – (58º).
***
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i)     DA NULIDADE DA SENTENÇA
A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as
regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o
conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então,
torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código
de Processo Civil.
A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC (artigo
615º, nº 1 do NCPC), sob a epígrafe de “Causas de nulidade da
sentença”, que:
    “1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que
justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (ou
ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão
ininteligível  (al.c) do artigo 615º NCPC);;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse
apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar
conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do
pedido.....”
É apodíctico que os recorrentes visam imputar à sentença, tanto
quanto parece, a nulidade decorrente da alínea c) do citado
normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na
enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III,
 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão
judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios
lógicos que os ligam.
No que concerne ao aludido vício, doutrina e jurisprudência têm
entendido que essa nulidade ocorre quando os fundamentos
invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução
oposta da que foi adoptada naquela.
Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se
verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito,
invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado
oposto ao que é expresso na sentença.
A contradição entre os fundamentos e a decisão a que se refere o
citado normativo é uma contradição de ordem formal, que se refere
aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença, e não aos
que resultam do processo.
E, tal nulidade traduzida na desconformidade entre a decisão e o
direito aplicável - substantivo ou adjectivo – não se confunde com o
erro de julgamento, ou seja, na subsunção dos factos à norma
jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.
É que, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta
determinada consequência jurídica e este seu entendimento é
expresso na fundamentação, ou dela decorre, poderemos, sim, estar
perante um erro de julgamento. Nesse caso, o juiz fundamenta a
decisão, mas decide mal. Resolve as questões colocadas num certo
sentido porque interpretou e/ou aplicou mal o direito - LEBRE DE
FREITAS, CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670.
Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os
factos alegados e que resultaram provados, aplicou o direito que
julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação.
Ora, e independentemente das considerações aduzidas na sentença
recorrida pelo Exmo. Juiz do Tribunal a quo, a verdade é que não
se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos de facto e
de direito e a respectiva decisão.
Situação diversa é a de saber se houve erro de julgamento, pois
como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1),
acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada
mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou
fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.
O alegado vício de conteúdo a que se refere o artigo 668º, n.º 1,
alínea c) do Código do Processo Civil (artigo 615º, nº 1 alínea c) do
NCPC), não se verifica na sentença recorrida, pelo que improcede o
que a tal respeito consta das conclusões dos apelantes.
 Importa, então, apurar se há erro de julgamento, o que implica a
análise da subsunção jurídica efectuada pelo Tribunal a quo e que
se reconduz, ao cabo e ao resto, ao fundamento de mérito do recurso.
**
ii . DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA FACE À MATÉRIA APURADA E
À
      PRETENSÃO FORMULADA PELO AUTOR
a) DA PROVA DA TITULARIDADE DO INVOCADO DIREITO DE
PROPRIEDADE
A presente acção tem por objectivo ou fim imediato o
reconhecimento do direito de propriedade das autoras sobre uma
faixa de terreno que identificaram e que invocaram ter adquirido
por usucapião e na qual os réus terão construído parte de uma
moradia.
Por seu turno os réus, em reconvenção, pedem também o
reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que
identificaram, o qual, segundo estes, engloba a dita faixa de
terreno, pelo que defendem que a moradia foi construída
inteiramente no prédio que lhes pertence.
A sentença recorrida deu razão às autoras, decisão com a qual os
réus se não conformam. Vejamos se lhes assiste razão.
Está em causa uma acção real, cuja causa de pedir reside no facto
jurídico de que deriva o direito real, ou seja, nos factos jurídicos
concretos constitutivos do alegado direito que, quer as autoras,
quer os réus/reconvintes invocam.
Para JOSÉ DIAS FERREIRA, Código de Processo Civil Anotado,
Tomo I, 1897, 5 (anotação ao artigo 2º) são reais “todas as acções
que derivam quer da propriedade perfeita quer dos diferentes
elementos que a constituem e que tem por objecto o direito à coisa
sem obrigação pessoal por parte do réu”.
E, como refere ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil
Declaratório, Vol. I, Almedina, 1981, 208,  “nas acções reais o facto
jurídico (de que deriva o direito real) não é simplesmente o acto
translativo da propriedade para o autor da acção. Por definição, a
acção real, de que é paradigma a reivindicação, supõe que nenhum
vínculo pessoal liga o autor ao réu, por força do qual, e
independentemente de a propriedade da coisa pertencer ou não autor,
lhe incumba a obrigação de restituir ou entregar. Sendo assim, o acto
translativo em si mesmo não é título que se imponha ao réu mas
somente na medida em que com os actos translativos anteriores, e em
última análise por posse conducente à prescrição, portanto posse
durante o prazo necessário, invistam o autor no direito de
propriedade ou domínio invocados”.
Para o êxito de uma acção real, da qual a acção de reivindicação é o
paradigma desta espécie, deverá, desde logo, o autor alegar os
factos correspondentes que permitam levar à prova do invocado
direito de propriedade sobre a coisa, i.e., terá que alegar factos que
permitam demonstrar a aquisição desse direito real de
propriedade.
Acresce que a demonstração da titularidade do direito de
propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo
do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária
desse direito, ou então a prova de factos que a lei reconheça como
suficientes para presumir a existência dessa titularidade: – a posse
(artigo 1268º, nº 1, do Código Civil ) e o registo (artigoº 7º do
C.R.Predial) .
Como regra, é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição
derivada por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas
somente translativa desse direito, a menos que se comprove que o
direito já existia no transmitente.
A prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar
a própria aquisição, sendo portanto necessário provar o dominium
auctoris ou usucapião, como forma de aquisição originária.
A usucapião é uma das formas de aquisição originária,
nomeadamente do direito de propriedade, cuja verificação depende
de dois elementos: a posse (corpus e animus) e o decurso de certo
período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel
da coisa, e as características da posse.
Com efeito, o artigo 1287º do Código Civil estatui que a posse do
direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida
por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em
contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua
actuação.
 A usucapião deriva, pois, de dois elementos nucleares, a posse,
pública e pacífica e o decurso do tempo, correspondendo a um
modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação
em jurídica de uma situação possessória duradoura, no direito real
correspondente.
Posse, segundo o disposto no artigo 1251º do Código Civil, consiste
no poder que se manifesta quando alguém actua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro
direito real.
É caracterizada por via de dois elementos: o “corpus” e o
“animus”. O primeiro elemento traduz-se na materialidade de
facto: exercício efectivo de poderes materiais sobre a coisa,
actuação de facto correspondente ao exercício do direito. O
segundo elemento consiste na convicção do detentor de que está a
exercer o direito de propriedade, ou seja, a intenção de exercer um
direito real sobre a coisa como seu titular.
E, o facto de a lei exigir o “corpus” e o “animus” para efeito de
haver posse implica, consequentemente, que o possuidor terá de
provar a existência desses dois elementos.
Estabelece-se, no entanto, no nº 2 do artigo 1252º do Código Civil
uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que
tem a detenção da coisa. Daí que, e em caso de dúvida, se presume
a posse naquele que exerce o poder de facto. 
No caso vertente, importando tão somente apurar a quem pertence
uma identificada faixa de terreno com uma forma
aproximadamente rectangular, há que analisar o que o Tribunal a
quo deu como provado, já que os réus não impugnaram a decisão
de facto.
Está, portanto, demonstrado que integra a herança por óbito de
A.Alves ---- e de Gertrudes -----, de quem as autoras são filhas e
únicas herdeiras, um prédio urbano, situado na Rua do T---, nº 7,
freguesia de Santa ----, concelho de -----, descrito sob o nº
02915/25032004, o qual é composto por uma casa de habitação, e
no exterior desta, em construção autónoma, e separada da
habitação, existe, há mais de 90 anos, uma “casa do forno”, de
cozer pão e que, confinando com a parte traseira da
construção/forno existia, até 2004, um espaço, correspondente a
uma faixa com uma forma aproximadamente rectangular – v. Nºs 1
a 5 e 14 da Fundamentação de Facto.
Mais se provou que as autoras, seus pais e avós, sempre usaram de
modo exclusivo, há mais de 90 anos, de forma pública e sem
oposição de alguém, o aludido prédio urbano e que os pais e avós
das autoras também usaram o referido espaço, correspondente à
dita faixa com uma forma aproximadamente rectangular, para
arrumos diversos, tais como, depósito de alfaias agrícolas, local de
acumulação e curtição de estrume, e depósito da lenha usada em
casa e no forno referido, e estendal de roupa. E, fizeram-no, de
modo exclusivo, também de forma pública e sem oposição de
alguém, pelo menos desde antes de 23.12.1957, com excepção de
uma vez, em data não exactamente apurada, em que José António -
----, pai do réu, descarregou uma carrada de lenha no dito espaço –
v. Nºs 16 a 21 da Fundamentação de Facto.
Por outro lado, igualmente se provou que o terreno rústico descrito
na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 00974/020791, da
freguesia de Santa ----, Concelho de ----, que confronta com o
prédio das autoras, encontra-se registado em nome dos réus, desde
07.02.2001, o qual até pelo menos meados dos anos cinquenta, era
baldio e que foi arrematado, como tal, por António ----, por
escritura de 23.12.1957, ali tendo este cultivado batatas, alfaces,
tomates, feijão, cuidou de uma oliveira aí existente, usando ainda o
mesmo prédio para guardar lenha e outros objectos, o que sucedeu
até à transmissão do prédio ao pai e tia do réu  – v. Nºs 6 a 9 e 40 da
Fundamentação de Facto.
Tal terreno, desde pelo menos 1957, vem sendo usado pelos réus,
seus pais, tia, primos e seus avós, à vista de toda a gente, sem
oposição de ninguém, na convicção de que não lesavam direitos de
terceiros, que o faziam como legítimos titulares do respectivo
direito de propriedade e enquanto proprietários deste, de forma
continuada, tendo o pai do réu usado também o aludido espaço
correspondente à dita faixa com uma forma aproximadamente
rectangular, mas apenas uma vez, em data não exactamente
apurada, ali tendo descarregado uma carrada de lenha – v. Nºs 34 a
39 da Fundamentação de Facto.

                        Sucede que, em 2004, os réus construíram no prédio


descrito sob o nº 00974/020791 uma moradia, em propriedade
horizontal, com duas fracções habitacionais, tendo ocupado com
essa construção, de forma deliberada, voluntária e
conscientemente, a aludida faixa com uma forma
aproximadamente rectangular – v. Nºs 12, 24 e 25 da
Fundamentação de Facto.
Face a esta prova há que concluir que resulta, portanto,
demonstrado o exercício efectivo, das autoras, por si, e seus
antecessores, de poderes materiais sobre o prédio descrito sob o nº
02915/25032004, bem como sobre a referida faixa com uma forma
aproximadamente rectangular, actuação de facto correspondente
ao exercício do direito, na convicção de estarem a exercer o direito
de propriedade.

Ademais, nenhuma dúvida subsiste – verifica-se animus possidendi


por parte das autoras e seus antecessores - pelo que nem sequer
haveria que recorrer à previsão do nº 2 do artigo 1252º do Código
Civil.
E, perante o decurso do tempo em que tal posse, pública e pacífica
foi exercida - desde pelo menos 1957 - igualmente se terá de
concluir terem as autoras demonstrado a aquisição da dita faixa de
terreno, por usucapião que, como acima ficou dito, deriva de dois
elementos nucleares, a posse e o decurso do tempo, correspondendo
a um modo de aquisição originária de direitos reais.
Foi, efectivamente, feita prova, por parte das autoras, da aquisição
originária da referida faixa de terreno, transformando em jurídica
a situação possessória duradoura incidente sobre a dita faixa de
terreno, no direito de propriedade correspondente.
E, face à aquisição originária, pela posse pública e pacífica sobre a
dita faixa de terreno, que se prolongou por 47 anos (1957 a 2004),
forçoso é concluir que os réus ao efectuarem, em 2004, a
construção no seu terreno de uma moradia, ocupando também a
dita faixa de terreno, violaram o direito de propriedade das autoras
sobre a mesma, adquirida por usucapião.
Assim, e independentemente do preciosismo das considerações
aduzidas na sentença recorrida acerca da exacta localização
geográfica da faixa de terreno aqui em causa, perante a matéria
que, a esse propósito, resultou provada, sempre teria de se julgar
procedente a pretensão das autoras, consistente no reconhecimento
do direito de propriedade sobre a faixa de terreno em causa na
acção, porque adquirido por usucapião, como efectivamente se
decidiu – e bem – na 1ª instância.
                        Soçobra, portanto, nesta parte, a apelação.
**
b) DO INSTITUTO DA ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
A acessão constitui uma causa de aquisição originária retroactiva
do direito de propriedade sobre determinada coisa,
compreendendo na sua noção legal o conceito de incorporação de
uma coisa da titularidade de uma pessoa, numa outra coisa da
titularidade de outra, nos termos das disposições conjugadas dos
artigos 1316º, 1317º, d) e 1325º, todos do Código Civil.
De harmonia com o disposto no artigo 1340º, nºs 1, 2 e 3, do Código
Civil, se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio e o
valor que a mesma tiver trazido à totalidade do prédio for maior
do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação
adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha
antes da obra, mas se o valor acrescentado for menor, a obra
pertencerá ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o seu
autor do valor que tinha ao tempo da incorporação, enquanto que
se o valor acrescentado pela obra for igual ao do terreno, haverá
licitação entre ambos.
Constituem, portanto, elementos cumulativos integradores da
acessão industrial imobiliária:
a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou
urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário
do interventor;
b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja
propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em
terreno alheio;
c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação
pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a
constituição definitiva.
e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a
constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de
um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação
acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio
possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou
plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da
incorporação;
g) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa
fé (psicológica);
Por sua vez, dispõe o artigo 1343º que “Quando na construção de
um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa-fé, uma parcela de
terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno
ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da
ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e
reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da
depreciação eventual do terreno restante”. É o que se chama de
acessão invertida pelo facto de a acessão operar não a favor do
dono do solo, mas do dono do edifício – cfr. a este propósito
ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado,
III Vol., 170 e, A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 4ª edição,
Coimbra Editora, 278-279, que refere que “é o construtor, e não o
proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada”, sendo
“titular de um direito potestativo: pode ou não adquiri-la”; e ainda
Ac. STJ de 29-10-2013 (Pº 364/03.4TBVRM.G1.S1), acessível em
www.dgsi.pt.
  Neste caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos (o
próprio e o do vizinho). A este respeito defendem alguns autores
que, apesar de a lei falar em ocupação de “uma parcela de terreno
alheio”,  não  fica  excluído  que  essa  ocupação  abranja  a
 totalidade  do prédio vizinho (A. VARELA E P. LIMA, ob. cit.,
171). Outros, limitam a previsão do artigo 1343º do C.C. à situação
em que a maior parte do prédio foi construído em terreno próprio.
  Segundo esta última posição doutrinária, a previsão do artigo
1343º do C.C. não abrange as situações em que a maior parte da
construção seja incorporada no terreno alheio e vizinho do autor
dela.
O elemento literal do preceito aponta nesse sentido, já que ali se
alude a “uma parcela de terreno alheio”, o que exclui, à partida, o
caso de o autor da incorporação ocupar totalmente o prédio alheio
com a construção, ainda que ocupe, também, terreno próprio. Por
outro lado, a referida expressão “parcela de terreno” inculca a ideia
de que apenas uma pequena parte da construção ocupe o terreno
vizinho – v. neste sentido Ac. STJ de 07.04.2011 (Pº
108/1999.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
  Se o ocupar na maior parte, ou por maioria de razão, na
totalidade, deve aplicar-se o regime geral da acessão previsto no
artigo 1340º do Código Civil.
Apesar de alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência,
sobretudo no que concerne à espécie de acessão consagrada no
artigo 1340º do C.C., apontando a doutrina clássica para a
consagração da tese da aquisição automática com a efectiva
incorporação (v. A. VARELA E P. LIMA, CC anotado, Vol. III, 165-
166) - já que com relação à acessão aludida no artigo 1343º do C.C. a
questão não oferecia dúvidas - é hoje preponderante a posição que a
acessão industrial imobiliária, em qualquer uma das espécies de
acessão, representa uma forma potestativa de aquisição do direito
de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em
que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona
como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com
efeito retroactivo ao momento da incorporação – cfr. QUIRINO
SOARES, Acessão e Benfeitorias, CJ (STJ), Ano IV (1996), T1, 20 e
21; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, Estudos sobre a superfície e a
Acessão, “Colecção Scientia Iuridica”, 1973, 50-64 e DIREITOS
REAIS, 438-441, LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de
Direitos Reais, 331, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, 503-
504 e ainda Ac. R.C. de 22.11.2005 (Pº 3204/05); Acs. STJ de Ac.
STJ de 07.04.2011 (Pº 108/1999.P1.S1), de 20.09.2011 (Pº
358/08.8TBGDM.P1.S1) e de 09.02.2012 (Pº 45/1999.L1.S1), todos
acessíveis em www.dgsi.pt.
E tal entendimento resulta, de resto, da própria interpretação
literal não só do artigo 1343º, com também do artigo 1340º, ambos
do C.C., visto que deste último também decorre que o autor da
incorporação só adquire a propriedade do solo “pagando o valor
que o prédio tinha antes das obras”, o que não pode deixar de
significar que se não pagar a indemnização, não adquirirá a
propriedade do solo.
Não há, portanto, uma aquisição automática, não se impondo
coercivamente ao respectivo beneficiário o exercício de um direito -
a obrigação de pagar - o que não deixaria às partes a possibilidade
de resolverem consensualmente o conflito.
No caso vertente, ficou apurado que os réus construíram, em 2004,
uma moradia no seu prédio e, com tal construção, ocuparam a
faixa de terreno em causa nos autos – v. Nºs 12 e 24 da
Fundamentação de Facto.
Considerando que a moradia foi construída quase exclusivamente
no prédio dos réus, há que aplicar o disposto no artigo 1343º, e não
o artigo 1340º do C.C., pois a construção realizada pelos réus
ocupou tão somente uma faixa de terreno que, como vimos,
pertencia às autoras, posto que, muito antes da referida
construção, a haviam adquirido por usucapião.
A questão de maior relevo a assinalar para que possa operar o
mecanismo do direito potestativo dos réus de adquirirem a aludida
faixa de terreno, mediante indemnização, prende-se com a
verificação do requisito atinente à boa-fé.
  A boa-fé do autor da incorporação, a que aludem os artigos 1340º
e 1343º do C.C., diz respeito ao conceito de boa-fé psicológico, à
semelhança do que sucede no artigo 1260º do C.C., no âmbito
possessório.
Como, de resto, já alertava QUIRINO SOARES, ob. cit. loc. cit.  a
respeito do conceito de boa-fé definido no n.º 4 do artigo 1340º
 “não quis o legislador neste capítulo dedicado à aquisição da
propriedade, desviar-se da ideia de boa-fé que adoptou em matéria
possessória (n.º 1 do Art.º 1260º). Dizer-se que age da boa-fé, para
efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a
intervenção era alheio, ou que interveio debaixo de autorização do
dono do terreno, é, pois o mesmo que dizer que assim age (de boa-fé)
aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o
direito de terceiro”.
v. neste mesmo sentido MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, II,
719, nota 1118, Acs. STJ de 08.11.2007 (Pº 07B3545), acessível em
www.dgsi.pt.
Ora, no caso concreto, ficou provado que a construção da moradia
com a ocupação da dita faixa de terreno, pertencente às autoras, foi
deliberada, voluntária e consciente, por parte dos réus – v. Nº 24 e
25 da Fundamentação de Facto.
Por outro lado, não ficou provado que os réus desconhecessem,
quando do início da ocupação da faixa de terreno, que se tratava de
um terreno alheio – cfr. resposta negativa dada ao artigo 16º da Base
Instrutória.
Considerando que foram os réus, enquanto autores da
incorporação, que invocaram, na contestação, o instituto da
acessão industrial imobiliária, formulando inclusivamente o
inerente pedido reconvencional, ainda que subsidiário, era sobre
eles que impendia o ónus da prova de todos os requisitos do
invocado instituto, nos termos do artigo 342º, nº 1 do C.C.,
nomeadamente, os factos integradores da boa-fé - v. Ac. R. P. de
09.02.2009 (Pº 0827531), Ac. STJ de 18.03.2010 (Pº 387/1993.S1),
acessíveis em www.dgsi.pt.
Não provaram, porém, os réus, que desconheciam que o terreno
era alheio, como também não provaram, mesmo que se considere o
alargamento da noção de boa-fé ínsita no artigo 1260.º, nº 1 do C.C.
que, ao implantarem a construção da moradia, prolongando-a
ainda que parcialmente, pela faixa de terreno aqui em causa,
pertencente às autoras, ignoravam que lesavam o direito destas.
A ausência de prova desse imprescindível elemento, acarreta a
improcedência do pedido subsidiário formulado pelos réus na
contestação.
Improcede, pois, o recurso de apelação dos réus, confirmando-se a
bem fundamentada decisão recorrida.
Fica, portanto, prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito
do recurso, subsidiariamente formulada pelas apeladas, ao abrigo
do disposto no nº 2 do artigo 636º do nCPC.
*
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelas custas respectivas -
artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (artigo 527º, nºs 1
e 2 do NCPC).
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal
da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso,
confirmando-se a decisão recorrida e em condenar os apelantes no
pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 2 de Outubro de 2014
Ondina Carmo Alves - Relatora
Eduardo José Oliveira Azevedo
Olindo dos Santos Geraldes

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