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Processo: 1143/06.2TBCLD.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
AQUISIÇÃO POTESTATIVA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02-10-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Constituem elementos cumulativos integradores da acessão
industrial imobiliária:
a) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano),
sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do
interventor;
b) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade
de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação
pertençam ao interventor/autor da incorporação;
d) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a
constituição definitiva.
e) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a
constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de
um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
f) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação
acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio
possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou
plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da
incorporação;
RELATÓRIO
LUÍSA -----------, residente em ---------, e MANUELA -----, residente
em --------, intentaram contra LUÍS ------------ e LURDES --------,
residentes em -------------, acção declarativa sob a forma de processo
comum ordinário, através da qual pedem a condenação dos réus à
demolição da construção que efectuaram, em parte, no imóvel das
autoras, descrito sob o nº 02915/…, da freguesia de -----, concelho
de -----, que correspondia ao seu logradouro, e à sua reposição no
estado anterior a tal obra, ou se não se julgar assim, pedem a
condenação no pagamento de indemnização dos danos causados e
do ilícito enriquecimento com a usurpação, calculada por valor
global não inferior a € 247.356,66, pela depreciação da parte
restante, e ao lucro proporcionalmente obtido com a construção
efectuada, acrescido de juros moratórios à taxa legal em vigor,
desde a data da citação.
Fundamentaram as autoras, no essencial, esta sua pretensão da
seguinte forma:
1. As autoras são as únicas herdeiras de seus pais, A.Alves ---- e
Gertrudes --------.
2. A mãe das autoras faleceu no dia --/---/---, no estado de viúva.
3. A herança deixada pelos pais das autoras integra um prédio
urbano sito na Rua -----, freguesia de -----, concelho de ---, descrito
sob o nº 02915/-----, daquela freguesia e concelho.
4. O prédio é composto por uma casa de habitação e, no exterior
desta, em construção autónoma e separada, existe, há mais de 90
anos, uma «casa de forno», de cozer pão, e confinando com a parte
traseira da dita «casa de forno» existia, até 2004, um logradouro
com a área de 85 m2 de área, em forma retangular, que
confrontava, a norte e a poente, com a estrada, e onde atualmente
se encontra instalada parte de uma nova construção.
5. As autoras, seus pais e avós, sempre usaram e possuíram, desde
há mais de 90 anos, de modo exclusivo, de forma pública e sem
oposição de quem quer que fosse, o imóvel em causa, integrado
pelo referido logradouro, usado para arrumos diversos.
6. O logradouro em causa confrontava, a norte, com o caminho que
é a atual estrada, e a sul, com um outro terreno em forma de
declive, e que lhe ficava superior, terreno este que, pelo menos até
meados dos anos 50, era um baldio.
7. O dito terreno rústico, situado a sul do logradouro, encontra-se
inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00974/----, da
freguesia de ------, concelho de ------, ali constando como tendo a
área de 143 m2, e está registado em nome dos réus desde 7 de
fevereiro de 2001.
8. Tal imóvel teve como primeiro titular, António -----, tendo sido
por este arrematado, como terreno baldio que era então, por
escritura de 23 de dezembro de 1957, encontrando-se descrito no
referido título como tendo aquela a área e «sem qualquer utilidade
comum».
9. Nessa escritura, o referido prédio aparece identificado como
«confrontando a Norte com A.Alves ----, o pai dos ora AA.», ou
seja, com o prédio urbano sito na Rua -----, freguesia de ----,
concelho de ----, descrito sob o nº 02915/-----, daquela freguesia e
concelho.
10. Tal significa que já em 1957 o acima referido logradouro era
tido como parte integrante do imóvel que agora é das autoras.
11. Sucede que, no ano de 2004, os réus construíram no terreno de
que são donos, uma moradia, a qual, no entanto, ocupa 83,90 m2
do supra referido logradouro pertença das autoras, o que fizeram
deliberada e dolosamente, bem sabendo que o mesmo era pertença
das autoras.
Citados, os réus apresentaram contestação, na qual alegaram, em
síntese:
vii. Acresce ainda que, dos factos dados por provados, em especial
nos referidos pontos 6, 38, 42 e 43 da douta sentença recorrida,
resulta que o prédio dos Réus Apelantes, referido em 6, confronta
com a traseira da casa do forno do prédio das AA. Apeladas. Porém
na douta sentença recorrida a fls. 27 da mesma sentença, nas últimas
4 linhas, refere que o prédio dos Réus Apelantes identificado em 6,
não confronta com a traseira da casa do forno dos Réus, o que está
igualmente em contradição com os factos provados nos referidos
pontos 38, 42, 43 da douta sentença recorrida.
ix. Assim, nos termos de art.º 342.º n.º 1 do Cód. Civil, cabia aos RR.
terem provado que, naqueles actos de ocupação e de construção
agiram assim por desconhecerem que o terreno era alheio, ou então,
que estavam autorizados – conforme a caracterização da boa-fé em
causa, efectuada pelo n.º 4 do art.º 1.304.º do Cód. Civil.
x. Tal prova não foi efectuada e além disso, os factos provados nºs 25
e 54 (da sentença) mostram que os RR. deliberada e conscientemente,
ocuparam com a construção e logradouro cerca de 189,68 m2,
quando bem sabiam que o seu imóvel apenas tinha 143 m2 (factos 6,
10 e 54).
xi. A deliberada decisão de ocupar e construir, assim, cerca de pelo
menos 46,68 m2 (189,68-143), em terreno das AA., constitui actuação
grosseiramente ilícita – portanto, de evidente má-fé, tanto mais que
nem uma singela explicação veio provada como atenuante do
comportamento dos RR. .
xiv. O quesito 16 deve dar-se como provado, pois isso resulta lógica e
legalmente: a) da restante matéria de facto, designadamente, a
publicidade da posse dos antepossuidores e AA. sobre a parcela; b) da
falta de alegação e prova, pelos RR., de que esta publicidade da posse
não lhes fosse também estendida; c) do conhecimento, pelos RR, de
que, com a construção, ocupavam pelo menos cerca de 46,68 m2 de
terreno alheio, ao invocarem na Câmara e processo de licenciamento,
uma área de terreno de apenas 143 m2 – como acima alegado.
xv. Quanto ao quesito 23, deve dar-se como provado que, com a
ocupação e construção dos RR., na parcela em causa, o restante
imóvel das AA. perdeu capacidade edificativa e desvalorizou-se – pois
isso resulta da aplicação de juízos e regras da experiência, perante os
demais factos provados.
Propugnam, portanto, as autoras/recorridas, a improcedência da
apelação, confirmando-se a sentença recorrida e, se assim não se
entender, requerem a ampliação do recurso, corrigindo-se o
julgamento dos factos nºs 16 e 23 da base instrutória, nos termos
alegados.
Os réus/apelantes responderam à ampliação do objecto de recurso
e formularam as seguintes CONCLUSÕES:
iii. Consta ainda dos factos dados por provados nos quesitos 24 a 31,
que do prédio dos Réus Apelantes faz parte a faixa de terreno em
causa nos autos, como resulta ainda que o uso era feito pelos Réus
Apelantes, sua tia, primos e avós, à vista de toda a gente sem oposição
de ninguém e na convicção de que não lesavam o direito de
propriedade de terceiros, dado que o faziam como legítimos titulares
do direito de propriedade e enquanto proprietários desta.
iv. Pelo que, tendo em consideração todos os factos que foram
considerados provados nos autos, nomeadamente os supra referidos,
o quesito 16 nunca poderia ser dado por provado, carecendo de
fundamento o invocado pelas AA. Apeladas.
viii. Não constando ainda dos autos, qualquer prova que permita
concluir pela alteração do quesito 23.
ix. Em face do exposto, deverão manter-se como não provados os
quesitos 16 a 23 da Base Instrutória, tal como foi decidido.
x. Em tudo o mais, deverá ser revogada a douta decisão recorrida, tal
como peticionado nas alegações de recurso anteriormente
apresentadas.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidades da
sentença deduzida pelas apelantes/Rés, pugnando pela sua
inexistência.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
I. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que é pelas conclusões da alegação
dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do
recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa
ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal
adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes
para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a
alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i. DA NULIDADE DA SENTENÇA;
ii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA
SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM
CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica ponderar sobre:
Û A TITULARIDADE DO INVOCADO DIREITO DE
PROPRIEDADE;
Û DO INSTITUTO DA ACESSÃO IMOBILIÁRIA.
e, em caso de procedência do recurso, APRECIAR:
Û A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO,
SUBSIDIARIAMENTE FORMULADA PELAS
AUTORAS/APELADAS.
***
III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
7. (…) terreno este que, pelo menos até meados dos anos cinquenta,
era baldio – (G);
8. Tal imóvel teve como primeiro titular António ----– (H);
9. (…) tendo sido arrematado por este, como terreno baldio que era
então, por escritura de 23 de dezembro de 1957 – (I);
10. (…) encontrando-se descrito no referido título como tendo «a
área de cento e quarenta e três metros quadrados, sem qualquer
utilidade comum» – (J);
11. Já então, em dezembro de 1957, naquele mesmo documento do
ato de compra do imóvel dos ora réus se descreve o prédio como
«confrontando do Norte com A.Alves -----», o pai das autoras, isto
é, o prédio referido supra em 3. – (L);
12. Em 2004, no prédio referido em 6., os réus construíram uma
moradia, em propriedade horizontal, com duas frações
habitacionais – (M);
52. Pelo menos os dois bocados de solo que eram separados pela
ribanceira, escarpa ou declive mais próxima da Rua Principal ---
(que é aquela(e) referida(o) em 14.), entre si próprios apenas
podiam passar pessoas ou animais com esforço, por causa do
desnível existente entre os dois bocados – (56º);
53. O local da construção só passou a estar nivelado após a
terraplanagem que os réus efetuaram, referida em 42. e 43., para
nivelarem os diversos bocados do solo – (57º);