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Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 557/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GRAÇA SANTOS SILVA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
REQUISITOS
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
SIMULAÇÃO

Data do Acordão: 04-11-2008


Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO


Legislação Nacional: ARTIGOS 416.º; 1410.º; 1465.º; 1380.º; 1381.º DO CÓDIGO CIVIL

Sumário: 1. São hoje requisitos do exercício do direito de


preferência que:
a) tenha sido vendido ou dado em cumprimento um
prédio com área inferior à unidade de cultura;
b) b) o preferente seja dono de prédio confinante com o
prédio alienado;
c) c) o adquirente do prédio não seja proprietário
confinante.
2. O requisito de que o preferente tenha um prédio com
área inferior à unidade de cultura, constante do rol do
artigo 1380º do C.C., desapareceu.
3. A intenção do adquirente de afectar a outro fim que
não a cultura é relevante para excluir o direito de
preferência do proprietário confinante. Todavia, não
bastará esta mera intenção, ainda que manifestada na
escritura de compra e venda, sendo também necessário a
prova da mesma, por qualquer meio, e ainda que o
destino a dar ao imóvel pelo adquirente seja permitido por
lei.
4. O titular do direito de preferência só cumpre o ónus de
depositar o preço devido se depositar a totalidade do
preço real, mesmo que uma parte dele (ou todo) não seja
ainda exigível.
5. A realização do depósito da totalidade do preço do
terreno a preferir, constitui um ónus que, a não ser
observado pelo preferente, determinará a extinção do seu
direito por caducidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório:
A….e mulher, B....., intentaram a presente acção declarativa, com
processo sumário, contra C.....e mulher, D....., e E.....e mulher, F.....,
pedindo que os RR. sejam condenados:
- a reconhecer que os AA. são os donos e legítimos possuidores do
prédio rústico identificado no art.3º, prédio este que confronta com o
prédio alienado descrito no art.1º;
- a reconhecer que o prédio identificado na antiga matriz sob o art.897
corresponde na sua área e limites aos art.280 e 9, atribuídos pela
recente Avaliação à Propriedade rústica no concelho;
- a reconhecer que os AA. têm o direito de preferência na venda do
referido imóvel e que, nessa conformidade, têm os AA. o direito de
haver para si o referido prédio rústico, substituindo-se aos RR.
adquirentes na citada escritura realizada em 17.07.2001;
- os RR. adquirentes sejam condenados a abrir mão, a favor dos AA.,
do prédio rústico que compraram, em consequência do negócio
jurídico.
Mais pediram que seja ordenado o cancelamento de quaisquer
inscrições das transmissões que eventualmente hajam sido feitas a
favor dos RR. adquirentes em relação ao imóvel.
Alegaram, em resumo, que:
1- os RR. Cr..... eram donos de um prédio rústico, composto de terra
de cultivo e quintal, com a área de 976 m2, sito em ….., freguesia do
Alcaide, inscrito na anterior matriz sob o art.897 e inscrito na matriz
actual sob os art.9 e 280, descrito na Conservatória do Registo Predial
deste concelho, sob o nº564, e inscrito a favor dos vendedores pela
inscrição G-1;
2 - a 17/07/2001, no Cartório Notarial do Fundão, os mencionados
RR., vendedores, alienaram o referido prédio aos RR. E.....;
3 – eles, AA., são donos de um prédio confinante com o prédio
referido no art.1º que se identifica do seguinte modo: “prédio rústico,
composto de terra de cultivo de quintal com oliveiras e árvores de fruto
e casa térrea para arrecadações agrícolas, sito em Chão da Fonte das
Lajes ou Santo António, sito na freguesia do Alcaide, concelho do
Fundão, inscrito na antiga matriz sob o art.898 e actualmente sob o
artigo matricial 281;
4 - O prédio dos AA. tem uma afectação exclusivamente agrícola,
encontrando-se plantado nos seus terrenos um pomar de cerejeiras;
5 - Ao prédio dos RR. foram agora atribuídos dois artigos matriciais,
mas desde tempos imemoriais que mantém as mesmas confrontações
e limites, tendo sido sempre reconhecido pelas pessoas do Alcaide
como um único prédio;
6 - Os prédios dos AA. e dos 1º RR. são confrontantes entre si;
7- Em princípios de Setembro de 2001, vieram os AA. a ter
conhecimento da celebração da escritura de compra e venda, no
Cartório Notarial do Fundão, tendo por objecto o prédio identificado no
art.1º, que confronta com o seu prédio, alienação que teve lugar sem
que lhes tenha sido dada a oportunidade de preferir;
8 - Na medida em que os 1º RR., vendedores do aludido prédio, não
lhes comunicaram, nem de qualquer forma lhe deram conhecimento
da projectada alienação e dos elementos essenciais da alienação,
atribuem-se a faculdade de, recorrendo à via judicial, obter tal
desiderato, pelo que, encontrando-se em tempo para exercer o seu
direito nos termos do artº 1410º do Código Civil, vêem fazê-lo.
Os RR., E.....e mulher, F…., contestaram a presente acção.
Defenderam-se por excepção, afirmando que os RR. alienantes
ofereceram directamente aos AA. a possibilidade de comprar o prédio,
tendo os mesmos respondido que não lhes interessava a venda por
preço superior a 400 contos. Afirmaram ainda que encarregaram o Sr.
…. de negociar a venda do prédio, tendo este feito saber aos AA. que
os proprietários do prédio aceitavam ofertas e se propunham negociar
com base em preço que rondasse os 2.000 contos, ao que os AA.
sempre manifestaram não lhes interessar a compra do prédio.
Inclusivamente já depois de ajustada a quantia de 1.900.000$00 para
a compra do prédio pelos adquirentes, foi dado conhecimento da
mesma aos AA. e estes chegaram a dizer a terceiras pessoas que por
esse preço os vendedores podiam entregar o prédio, que a eles, AA.,
não lhes interessava.
Deduziram ainda reconvenção, aí alegando que, desde Abril de 2001
até à data em que foram citados para esta acção, fizeram importantes
trabalhos de recuperação nos terrenos que adquiriram e que
destinavam à construção urbana, erigiram uma casa com alicerces e
blocos de cimento argamassados e rebocados, com telhado de
fibrocimento e a área de 35 m2, destinada a dar apoio à casa de
habitação a construir, vedaram o terreno, obtiveram licença para
abertura de um furo artesiano de captação de água para consumo
doméstico e de rega do jardim, e dotaram o terreno das infra-
estruturas eléctricas necessárias, o que tudo lhe acarretou despesas,
inclusive, na compra dos materiais.
Concluíram pedindo a sua absolvição do pedido, por inexistência do
direito de preferência, por falta de preenchimento do tipo legal, ou ao
menos, a inexistência do direito de preferência, por renúncia dos AA.
ou, ainda, por ilicitude do exercício do pretenso direito de preferência,
por manifesto abuso.
No caso de assim não ser decidido, deve ser julgada procedente e
provada a reconvenção e, por via dela, declarar-se que os
reconvindos apenas poderão exercer a preferência pagando aos
reconvintes E e F, para além das quantias referidas na petição inicial,
aquelas a que aludem os últimos artigos da contestação/reconvenção,
no total de 1.883.631$00.
Os RR. C e D apresentaram contestação, na qual aderiram à
contestação dos outros RR. e acrescentaram que na altura dos factos
os AA. foram a sua casa, onde lhes foi feita a oferta da compra e
venda do prédio em questão. Mais tarde, nas negociações com o ….,
os AA. ofereceram 600 contos, tendo acrescentado que era o preço
máximo pelo qual lhes interessava a compra.
Os AA. apresentaram a sua resposta mantendo a posição assumida.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi sentenciado
declarar serem os AA. os donos e legítimos possuidores do prédio
rústico identificado no art.3º da P. I., o qual confronta com o prédio
descrito no art.1º do mesmo articulado, identificado na antiga matriz
sob o art.897, ao qual foram atribuídos, de acordo com a avaliação
geral à propriedade rústica feita no concelho do Fundão, em 2000, os
art.280 e 9 e, em consequência, foram os RR. condenados a
reconhecer tal direito e tais inscrições matriciais, que correspondem
em área e limites ao artigo anterior. Foram julgados improcedentes os
demais pedidos formulados pelos AA. contra os RR. Quanto aos
pedidos reconvencionais, os AA. foram absolvidos.
***
Os AA recorreram da sentença proferida, apresentando as seguintes
conclusões das suas alegações de recurso:
“ 1- Os artigos 18,19,20,29, 31 e 32" da base instrutória devem ser
dados como "não provados".
2- Com efeito, nenhuma das testemunhas, em que a Mmª Juiz - a quo"
fundou a sua convicção, afirmou que o prédio vendido em causa se
destinava a construção e que nele era possível construir uma casa de
habitação.
3- Pelo contrário, a testemunha ….. disse que o apelado/comprador,
antes de comprar, lhe perguntou se podia nele construir tendo o
mesmo respondido que naquela altura tal não era possível, porque
não estava integrado no perímetro urbano definido pelo PDM.
4- Também o Sr. Perito. no seu relatório, é peremptório ao afirmar que
o prédio em causa não se encontra no aglomerado urbano, que o
normal destino dos seus terrenos não é a construção urbana, face ao
PDM e ao ordenamento vigente, que o mesmo se encontra. Antes, em
zona considerada -silvo-pastoril- que a unidade mínima de cultura
para se poder construir é de 5.000 m2 mas que a área total do prédio
em causa é de 976 m2;
5- Finalmente, quer o auto de inspecção ao local de fls. 257 quer os
documentos de 11, 58, 60, 62, 63, 64, 65 e 66 são inócuos para as
respostas dos artigos 18, 19, 20, 31 e 32 da base instrutória:
6- E mesmo que se entenda que os apelados/compradores tinham a
intenção de, um dia, quando o PDM fosse alterado, construir uma
casa de habitação, tal é irrelevante para a verificação da excepção
prevista na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, pois que o releva
é o projecto imediato e não o meramente possível ou potencial ou
virtual:
7- A finalidade diferente da cultura tem de existir no momento da
venda, o que no caso vertente não era sequer legalmente possível,
8- Em consequência, porque a douta sentença recorrida na parte não
impugnada deixou já assente que os apelantes são proprietários do
prédio rústico identificado no artigo V da petição inicial e que o mesmo
confronta com o prédio rústico vendido, descrito no artigo 1º também
deste petição inicial, e porque está provado que este último prédio foi
vendido aos apelados C.....e esposa, que não eram confinantes dele,
como resulta das alíneas A) e F) da matéria assente, mantém-se o
direito de preferência dos apelantes, enquanto confinantes do mesmo.
9- O preço convencionado de 1.900.000$00 não é o mesmo que
consta da escritura de fls. 9, que é de 1.000.000$00. sendo que essa
divergência entre a declaração e vontade real dos declarantes, aqui
apelados, por acordo entre eles. teve em vista enganar terceiros,
nomeadamente o Estado, pelo que houve simulação do preço;
10- Mas a simulação, por força dos artigos 240° e 243° do Código
Civil, é inoponível pelos próprios simuladores ao preferente de boa-fé,
tendo este o direito de se substituir ao adquirente pelo preço
estabelecido na escritura de venda;
11- E porque não está demonstrado que os apelantes no momento da
venda dos autos tivessem tido conhecimento da simulação ou que
tivessem sido partes do acordo simulatório. a simulação em causa não
é oponível aos apelantes, que apenas deverão pagar o preço
estabelecido na escritura de fls. 9;
12- Caso assim se não entenda, deve. ainda assim, essa preferência
ser reconhecida, devendo os apelantes pagar a diferença do preço;
13- Foram violados os artigos 1380º, 1381º, 240º e 243º, todos do
Código Civil.”
Os RR. contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão.
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***
II- Questões a decidir no recurso:
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas
conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o
objecto dos mesmos (cfr. artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC),
exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso
(cfr. nº 2 do artº 660º do CPC).
O tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam
submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou
prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem
sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” (referido
naquele normativo) não abrange os argumentos, motivos ou razões
jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões
deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de
pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas
controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de
02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de
02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
Compulsadas as conclusões da motivação do presente recurso e,
neste caso, ainda as contra-alegações (aqui à luz do disposto no artº
684-A, do CPC), verifica-se que as questões que importa aqui apreciar
serão as seguintes:
a) apreciar da conformidade da decisão de alguns pontos da base
instrutória com o relatório pericial e depoimentos das testemunhas
ouvidas sobre as matérias em causa;
b) analisar se, por força das normas do PDM é ou não possível
destinar o prédio adquirido para construção;
c) aferir da existência de abuso de direito;
d) apreciar se a simulação, quanto ao valor da transacção, tem ou não
repercussões na análise substantiva da questão, nomeadamente face
ao valor do depósito efectuado.
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III- Factos considerados assentes na sentença:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes
factos, complementados agora pelo conteúdo dos documentos para
que se remeteu, e com a introdução de pequenas alterações de
linguagem, no sentido da melhor compreensão da matéria fixada,
designadamente no que se reporta ao que foi fixado nos pontos 12, 19
e 35:
1. Aos dezassete dias do mês de Julho do corrente ano de 2001, no
Cartório Notarial do Fundão, os ora RR. C… e D… e o Réu E
outorgaram entre si a escritura pública de compra e venda pela qual
os primeiros declararam vender ao segundo, pelo preço de um milhão
de escudos, um prédio rústico, com a área de 976 m2, sito em Santo
António ou Fonte da Lage, freguesia de Alcaide, concelho do Fundão,
inscrito na matriz actual sob os artºs 9 e 280. O Réu E… declarou
aceitar a supra mencionada venda.
2. Os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio rústico,
composto de terra de cultivo de quintal com oliveiras e árvores de
fruto, e casa térrea para arrecadações agrícolas, sito em Chão da
Fonte das Lajes ou Santo António, freguesia do Alcaide, concelho do
Fundão, inscrito na antiga matriz sob o art.898, que veio à sua
titularidade através de escritura de compra e venda que celebraram no
Cartório Notarial do Fundão, aos dezassete dias do mês de Maio do
ano de mil novecentos e noventa e três, cuja certidão fotocopiada faz
fls.9 e ss.
3. O prédio rústico, composto de terra de cultivo de quintal com
oliveiras e árvores de fruto, e casa térrea para arrecadações agrícolas,
sito em Chão da Fonte das Lajes ou Santo António, freguesia do
Alcaide, concelho do Fundão, inscrito na antiga matriz sob o art.898,
teve e tem afectação exclusivamente agrícola, encontrando-se
presentemente plantado nos seus terrenos um pomar de cerejeiras.
4. Em virtude da avaliação geral à propriedade rústica, efectuada ao
concelho do Fundão, em vigor a partir do ano de 2000, ao prédio dos
AA. veio a ser atribuído um novo artigo, passando a estar inscrito sob
o artigo matricial nº281.
5. De igual modo, face à supra referida avaliação à propriedade
rústica, ao prédio dos RR. foram atribuídos dois artigos, os já aludidos
artigos 280 e 9.
6. O prédio inscrito na matriz sob o art.280 tem as confrontações que
constam da certidão matricial junta a fls.16.
7. Os RR. pagaram na Repartição de Finanças do Fundão em
10.07.01 o imposto municipal de sisa pelo conhecimento
nº650/7947/2001, na importância de 80.000$00 (oitenta mil escudos).
8. As despesas notariais da escritura referida em 1. foram no valor de
29.250$00 (vinte e nove mil, duzentos e cinquenta escudos).
9. O prédio transaccionado na escritura referida em 1. foi pelos ora
RR., C.....e mulher posto à venda nos princípios do ano de 2001.
10. O Réu C… encarregou, em Dezembro de 2000, o Sr. ….. de
anunciar e negociar a venda do referido prédio, procurando comprador
para ele.
11. O ….. anunciou largamente, no local do prédio, a venda do
mesmo.
12. Entretanto, o dito ….. recebeu dos segundos RR. a manifestação
de estarem interessados na compra do prédio e negociou com eles as
condições e termos da compra e venda, designadamente, tendo
chegado a acordo de fixação do preço em 1.900.000$00.
13. Em Maio de 2001, os RR. C….e D… fecharam o negócio com os
RR. E… e F….., pelo preço de 1.900 contos.
14. Nas negociações com o referido ….., os AA. ofereceram 600
contos, tendo acrescentado que era o preço máximo pelo qual lhes
interessava a compra.
15. Em 25 de Maio de 2001, o encarregado de negócios dos RR.
Cr....., o dito Sr....., levou os RR. E… e F… ao escritório de um ilustre
advogado do Fundão e ali lhes foi dado a subscrever e subscrito, o
documento epigrafado de “Recibo-Provisório” dessa mesma data.
16. Nesse mesmo dia, os RR. autorizaram que fosse levantado um
cheque por eles sacado sobre a CGD pelo aludido valor de
900.000$00, para cumprimento do sinal e principio do pagamento do
preço de 1.900.000$00 ajustado para compra e venda, e mencionado
no “Recibo-Provisório” dessa mesma data, do qual consta, entre o
mais, que Sr....., na qualidade de gestor de negócios do R. Cr.....,
declara ter recebido do R. E… a quantia de 900.000$00, “a título de
sinal e princípio de pagamento do preço da venda que o gestido vai
fazer ao pagador do prédio rústico sito no Alcaide, em Santo António,
ou Fonte da Lage, descrito sob o nº 00564/240399, de Alcaide”. Mais
consta desse documento que o preço da compra e venda será pelo
total de 1.900.000$00, e que os restantes 1.000.000$00 serão pagos
no acto da escritura.
17. Os RR. E..... compraram o prédio transaccionado na escritura
referida em 1. para nele construírem uma casa de habitação e seus
anexos jardim/quintal e pequenas construções acessórias.
18. O destino dos terrenos que compõem aquele prédio é a
construção urbana, uma vez que se situam dentro do limite definido
pela placa indicadora do início da povoação do Alcaide.
19. E não têm estado, nem estão, afectos a cultura agrícola, nem têm
sido pretendidos para tal cultura.
20. Desde ainda antes de outorgarem a escritura pública de Agosto de
2001, os RR. E..... levaram a efeito vários trabalhos de melhoramentos
daqueles terrenos.
21. Os RR. procederam logo nessa ocasião ao corte e remoção de
ervas daninhas e silvas dos terrenos do prédio transaccionado na
escritura referida em 1.
22. Praticaram tais actos à vista de toda a gente.
23. Desde Abril de 2001 até que foram citados para esta acção, os
RR. E..... procederam a importantes trabalhos de recuperação dos
terrenos que compõem o prédio aludido em 1.
24. Os RR. prepararam os terrenos que compõem o prédio
transaccionado, para nele implantarem a construção urbana a que o
mesmo se destina, para que o compraram e que no mesmo projectam
edificar, nomeadamente, regularizando o solo.
25. Os RR. E..... cortaram e removeram os matos, as silvas e as
pedras que cobriam por completo aqueles terrenos.
26. Erigiu, na periferia interior do terreno, uma casa com alicerces e
em blocos de cimento argamassados e rebocados, com cobertura em
telhado e a área de 40 m2, destinada a apoio da casa de habitação a
construir e do seu logradouro.
27. Tendo tal construção importado a incorporação de materiais e de
trabalho que não conseguiram por menos do equivalente a
esc.400.000$00 e que asseguraram aquela construção valor não
inferior a esse.
28. E contrataram com a EDP a ligação e a instalação de baixada
eléctrica para chegada da energia eléctrica ao terreno, pela qual
pagaram esc.92.781$00.
29. Dotaram os referidos terrenos de infra-estruturas eléctricas,
designadamente, instalação eléctrica da casa de apoio já edificada.
30. E adquiriram e pagaram rede para a vedação completa do terreno,
no que gastaram esc.37.810$00.
31. E mandaram fazer e aplicar um portão em chapa e ferro
trabalhado, para segurança da privacidade do terreno, pelo qual
pagaram esc.67.000$00.
32. E obtiveram licença para a abertura de um furo artesiano para
captação no subsolo do terreno, de água para consumo doméstico e
rega do jardim e logradouro, pela qual pagaram esc.24.790$00.
33. Todas as obras e trabalhos efectuados acrescentam aos terrenos
do prédio transaccionado pela escritura referida em 1., um valor não
inferior à soma dos custos e valores acima discriminados, que é de
622.381$00.
34. Sendo certo que o valor anterior foi acrescentado ao prédio pelos
RR. E..... na convicção de que o mesmo seria definitivamente seu e
podiam beneficiá-lo para o tornarem útil e economicamente rentável.
35. O prédio preferido situa-se dentro do limite definido pela placa
indicadora do início da povoação do Alcaide e é constituído por duas
partes distintas e autónomas, separadas entre si, pela via pública que
dá acesso ao centro da povoação do Alcaide.
36. Por esta razão, na matriz predial rústica do Alcaide este prédio tem
dois artigos de matriz, o nº 9 e nº 280.
37. A fracção inscrita sob o art.9 é toda murada com um muro em
alvenaria de pedra com mais de 1,20 m de altura.
38. Sendo o respectivo acesso, aliás directamente para o caminho
público, feito por um portão que está sempre fechado.
39. A respectiva fracção, a inscrita sob o art.280, a que confina com os
AA., está separada do prédio destes, o descrito no art.3º da p. i., por
muro e cômoros altos, tendo acesso à estrada nacional por outro
muro.
40. Os quais impedem, em absoluto, a comunicação entre ambos os
prédios.
41. A mesma fracção é plana e o prédio dos AA. fica em nível inferior,
sendo inclinado, acompanhando o sentido descendente do solo e da
estrada.
42. Na confrontação norte e poente, a separação dos prédios é feita
por cômoros e muros de pedra, que têm altura que varia entre 1,5 m
junto à estrada e 3,5 em toda a extensão do cardeal poente.
43. No lado sul do prédio dos RR., a sua delimitação do prédio com o
confinante dos Autores é feita por um muro, também de alvenaria do
prédio, com cerca de 3,5 m de altura em toda a sua extensão.
44. Os RR. Cr..... há muito que não cultivavam qualquer das fracções.
***
……………………………..
***
B) Análise da possibilidade de destinar o prédio adquirido para
construção, face à vigência do PDM:
Se bem que pondo ênfase na questão factual, o recurso tem uma
componente jurídica, que se prende, entre o mais, com a possibilidade
de o terreno objecto da preferência ser ou não passível de construção.
Tal releva para o eventual enquadramento da situação em apreço na
excepção ao exercício do direito de preferência, contida no artº 1381º,
a) do C.C.
Em causa, na estruturação do direito de preferência concedido aos
proprietários dos prédios confinantes, está, como se sabe, desde a Lei
nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, a necessidade de fazer diminuir o
minifúndio, de forma a tornar a exploração agrícola rentável.
O legislador, na preocupação de combater a excessiva divisão da
propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitiu a
unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área
mais apropriada a uma maior produtividade. Esta preocupação
legislativa não se esbateu com o decurso do tempo (até porque a
importância da agricultura de subsistência, sobretudo no centro e
norte do País, não se modificou grandemente), e continua a reflectir-
se em normas tendentes a conseguir que a superfície fundiária, para
cada região, ofereça as condições adequadas a uma melhor
produtividade e rentabilização. Actualmente esta preocupação
também se denota numa vertente ambiental, se bem que a
preocupação emergente da necessidade de rentabilização agrícola
seja cada vez mais premente, até por força da necessidade de
oferecer condições de concorrência aos nossos agricultores, face aos
demais, integrados na comunidade económica Europeia. (Vide Acs. do
STJ de 94.01.18 e 94.07.07 publicados, respectivamente, nas CJ -
STJ II, 1, 46 e II, 3, 52).
Este propósito foi de novo feito constar do preâmbulo do Decreto-Lei
n.º 384/88, de 25 de Outubro, que faz menção de que o progresso da
agricultura portuguesa tem sido retardado, ao longo dos tempos, “por
uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as
explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores
idosos com baixo grau de instrução”.
Este diploma gerou larga polémica sobre se, por força do seu artº 18º ,
nº 1, apenas um não minifúndio poderia absorver um minifúndio, ou se
todo e qualquer proprietário confinante, independentemente da
dimensão da propriedade do preferente e da alienada (ou com
proposta de alienação), poderia exercer o seu direito, ao ponto de se
passar a proteger a constituição de latifúndio. Acerca disso - que não
está em causa no recurso - mas que esclarece melhor o entendimento
dominante, vem sendo quase unanimemente defendido que, não
obstante a deficiente redacção do preceito, tomando em conta os fins
visados pelo diploma e constantes do seu preâmbulo, há que
considerar que a preferência legal abrange os titulares de não direitos
de propriedade, sobre minifúndios ou não minifúndios, apenas
relativamente às alienações de minifúndios - (vide M. Henrique
Mesquita, “Alienação de Prédios Minifundiários”, em C.J., II, pág. 37
ss.; Inocêncio Galvão Telles em “Direito de preferência na alienação
de prédios confinantes”, publicado na revista “O Direito” nº 124.º, I-II: 7
ss.; António Menezes Cordeiro em “Da preferência na alienação de
prédios limítrofes”, publicado na revista “O Direito” nº 128.º, I-II:235
ss.; Américo Joaquim Marcelino, “Da preferência”, Livraria Petrony
Lda, Lisboa, 1996, pág. 83 e ss.; Antunes Varela em Anotação ao
Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1993, na R.L.J., 127:294 ss.;
Agostinho Cardoso Guedes, “O Exercício do Direito de Preferência”,
publicações Universidade Católica, Porto, 2006:, pág. 112 ss).
Entende-se que pura e simplesmente se regressou à solução da
primitiva Lei 2116, de 14 de Agosto de 1962 (Base VI, n.º 1).
O latifúndio voltou de novo a poder absorver o minifúndio, funcionando
a norma apenas nesta direcção. O que a lei continua a impedir é que
por via do exercício do direito de preferência o latifúndio possa
absorver outro latifúndio.
Dispõe o artº 1380º do CC que “os proprietários de terrenos
confinantes, (…) gozam reciprocamente do direito de preferência nos
casos de venda (…) a quem não seja proprietário confinante”. Este
direito configura-se de forma intimamente ligada à fixada para a
unidade de cultura.
Temos então, neste momento, que os requisitos do exercício do direito
de preferência, tradicionalmente apontados, se alteraram neste ponto,
passando a ter de se considerar que o direito em causa apenas
emerge nas situações em que:
a) tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área
inferior à unidade de cultura;
b) o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;
c) o adquirente do prédio não seja proprietário confinante» .
O requisito de que o preferente tenha um prédio com área inferior à
unidade de cultura, constante do rol do artº 1380º do C.C.,
desapareceu.
Ora, no caso vertente, do que se trata é de uma propriedade rústica a
absorver um minifúndio.
Nos termos do artº 1381º C. Civil são duas as excepções à preferência
de terrenos confinantes:
a) quando algum dos terrenos constitua componente de um prédio
urbano, ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) sempre que a alienação abranja um conjunto de prédios que,
embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.
No entanto, como refere Agostinho Cardoso Guedes, na obra citada,
pág. 125 e 126, “quer a liberdade reconhecida ao proprietário do
terreno na afectação a outras finalidade que não a cultura, quer os
antecedentes do artº 1381º, a) do Código Civil, permitem concluir que
a intenção do adquirente de afectar a outro fim que não a cultura é
relevante para excluir o direito de preferência do proprietário
confinante. Todavia, não bastará esta mera intenção, ainda que
manifestada na escritura de compra e venda, sendo também
necessário a prova da mesma, por qualquer meio, e ainda que o
destino a dar ao imóvel pelo adquirente seja permitido por lei. Esta
ressalva prende-se com os diversos institutos jurídicos de
ordenamento do território que ultimamente começaram a ser
publicados, sendo que aqui a expressão “lei” tem que ser entendida
com a maior amplitude, incluindo qualquer normativo de aplicação
geral e abstracta que reja sobre a situação.
O artigo 25º do Decreto-lei 168/99 de 18/09 classifica os terrenos que
são aptos para a construção.
Por outro lado os Planos Directores Municipais – vulgarmente
designados por PDM – são regulamentos administrativos que
estabelecem as regras que classificam os solos e definem os índices
urbanísticos e a que devem obedecer a ocupação, uso e
transformação do território municipal, (vide Ac. do STJ de 20-04-2004,
com o número convencional JSTJ00).
Face ao PDM para o Município do Fundão, aprovado e publicado no
DR de 10/07/2000, Iª série, vigente à data da compra e venda, e
espantosamente ainda inalterado, não é possível efectuar qualquer
construção naquela parcela. Ela está situada dentro do aglomerado de
Alcaide, no sentido referido no documento de esclarecimento
apresentado pelo perito, mas fora do perímetro urbano, aí igualmente
definido, e que corresponde à demarcação das áreas onde é possível
construir. A zona de implantação do terreno estava, à data da
transmissão (e está) inserida numa zona abrangida pela área de
reserva agrícola Nacional, classificada de agro-silvo-pastoril, e essa
classificação não sofreu, até à data, qualquer alteração, pelo que,
como tal não era, como ainda não é, susceptível de construção.
Como se isso não bastasse, ainda que pela área de reserva agrícola
Nacional não estivesse abrangido, apenas seria permitida uma nova
edificação, caso as parcelas tivessem ou tenham área igual ou
superior a 5.000 m2, o que não é o caso, já que o terreno adquirido
não chega a ter mil metros quadrados (vide artºs 65º, 66º, 27º e 29º do
mencionado PDM, constante da Resolução do Conselho de Ministros
nº 82/2000, de 10/07/2000, em vigor desde 17/07 desse mesmo ano).
Há, no caso, um critério legal que leva a considerar o terreno como
não apto para a construção. Essa inaptidão não resulta do disposto no
artº 1381º do CC, mas de normas posteriores, que se enquadram
igualmente como matéria de excepção. O adquirente teria de provar
ainda que a efectivação da sua intenção de construção é legalmente
admissível Não o fez, nem poderia fazer face ao regulamento supra
mencionado, pelo que se tem de entender que se verifica
precisamente uma das circunstâncias que afastam o direito de
preferência.
É jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça que só se
verificaria a possibilidade de construção, invocada pelos RR.
adquirentes, se os mesmos tivessem provado que a construção da
pretendida casa no terreno adquirido para o efeito obedecia aos
procedimentos legais estabelecidos para a zona, por ser facto
impeditivo do funcionamento da excepção (Vide Acs. STJ em BMJ, nº
293º-358; nº 379º-576; nº 381º-592; e de 8-1-1998 em AJ. 15º; 16 -
20; de 18-1-1994 em C.J. - S.T.J. - 1994, I, 46; de 21-6-1994 em
B.M.J. 438º- 450; de 14-05-2002, no processo 02A1137, com o nº
convencional JSTJ000, em “dgsi.pt”, e mais recentemente os de
21.6.94, na C.J., tomo II, p. 154, e de 19.3.98, no Proc. nº 9/98, 2ª
Secção, publicado no supra mencionado sítio).
Os RR., no caso dos autos, para obterem ganho de causa, tinham de
provar que a construção era legalmente viável – e sem considerar a
exigência, que já foi feita, de prova de que a Câmara Municipal
competente tenha concedido a necessária licença de construção.
Ora, os RR provaram tão somente que compraram o prédio em causa
com a intenção de nele construírem uma casa e que, na
conformidade, começaram a preparar o terreno.
Não está pois verificada a excepção contida na alínea a) do artº 1381º
do C.C.
***
C) Da existência de abuso de direito;
Pretendem os recorridos que o reconhecimento do direito de
preferência implicaria abuso de direito, necessariamente por
entenderem que o A. marido, em conversa com a pessoa encarregada
de promover a venda, lhe disse que só dava 600.000$00 pelo prédio e
nada mais.
Essa factualidade, desde logo, não é susceptível de enquadrar uma
situação de abuso de direito, mas de renúncia ao exercício da
preferência.
Nos termos do artº 416º do C.C., aplicável aos direitos legais de
preferência – sem discussão doutrinal ou jurisprudencial – o obrigado
à preferência deve comunicar ao titular do direito – no caso marido e
mulher – o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato,
sendo que a manifestação de vontade de preferir tem que ser
declarada nos oito dias seguintes à recepção da comunicação.
No caso não se coloca a questão da forma da comunicação, porque
pura e simplesmente não se provou que ela tivesse sido feita. Antes
pelo contrário, a crer que o negócio foi tratado pela testemunha Sr.....,
ele próprio disse que se sentia dispensado de qualquer conversa com
o A. marido, uma vez que este tinha sido peremptório a afirmar que
nunca compraria o prédio por valor superior aos supra mencionados
600.000$00.
Houve manifesto incumprimento desta exigência legal (artº 416º do
C.C.) e nessa medida está prejudicada a possibilidade de renúncia ao
direito de preferir (neste sentido ac. STJ de 93.10.13 in C.J., STJ, I, 3,
pág. 64).
Não se pode falar em renúncia ao exercício do direito, porque este
nunca lhe foi oferecido. Quanto muito, houve uma manifestação de
vontade, declarada a determinada altura, incerta no tempo, sem que
alguma vez os titulares do direito em causa (marido e mulher) tenham
declarado, implícita ou explicitamente, que não pretendiam fazer uso
da preferência, em quaisquer circunstâncias, por valor superior ao que
o A. marido na altura ofereceu.
Refere A. Varela, em RLJ 122º pág.306, nota 1, que “nada repugna
aceitar que, perante determinada alienação que o obrigado à
preferência pretende realizar, sem ter ainda contrato ajustado com
terceiro, o preferente declare vinculativamente não pretender usar do
seu direito, sejam quais forem as condições da alienação” mas tal tese
não se aplica nos autos, pois que, para que de renúncia ao direito se
pudesse falar, seria preciso que os termos da transacção tivessem
sido previamente dados a conhecer aos preferentes, e perante eles
tivesse havido claro repúdio desse exercício.
O retratado nos autos mais não é que uma manifestação ocasional de
desinteresse por uma eventual venda, feita por um único dos
preferentes e como tal inoperante como renúncia ao direito (vide ac.
do STJ de 85.12.03 in B. 352/345 e, na doutrina, por todos, H.
Mesquita em R.L.J. 126º, pág. 62 e 82º, pág. 83). Basta esta
constatação para afastar a renúncia como causa extintiva do direito
dos AA., revelando-se inúteis outras considerações entre as quais
saber se o posterior exercício do direito pelo preferente constitui abuso
de direito. Não constitui, porque para haver abuso de direito o mesmo
teria de ter estado em condições de ser exercido, e nunca aos AA. tal
lhes foi concedido, nos termos a que os alienantes estavam
legalmente obrigados.
Demonstrado que está, nos autos, que os apelantes são proprietários
de um prédio rústico confinante com prédio rústico vendido, que tem
área de 976 m2, inferior à unidade de cultura, que este último não tem
aptidões para construção, que jamais foi dado conhecimento aos
preferentes do projecto de negócio, com as suas condições
essenciais, e que assim sendo nunca poderia ter havido renúncia do
direito de preferir (aliás da A. mulher nem se fala no julgamento, como
tendo alguma vez manifestado qualquer vontade, neste ou noutro
sentido), há que considerar verificados os pressupostos que permitem
aos AA. exercer em juízo o seu direito com ganho de causa.
***
D) Da simulação e depósito do preço:
O preço que consta da escritura é de 1.000.000$00, sendo que se
prova divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos
declarantes, já que a venda foi feita por 1.900.000$00 (vide pontos 12
e 16 da matéria de facto).
É facto confessado nas contestações, e notório, que a única vantagem
que todos os RR. visaram foi iludir o fisco, pagando menor imposto
sobre a transacção (sisa, na altura), e eventual evitando um aumento
da avaliação do prédio para efeitos de contribuição autárquica ou do
actual IMI.
A divergência entre o negócio real e o declarado resultou de acordo
entre vendedores e compradores e implica a caracterização do
negócio como relativamente simulado, (a simulação apenas abrange
este ponto), simulação essa que foi do conhecimento dos ora
recorrentes, pelo menos com a notificação da contestação – vide artsº
14º, e 16º a 20º da mesma.
É conhecida a justificação da necessidade de depositar o preço
(contrapartida a pagar pela aquisição do bem sujeito à preferência),
imposta pela parte final do nº 1 do artº 1410º do C.C. A preferência
assegura aos respectivos titulares uma prioridade de contratação,
relativamente a terceiros não confinantes ou em pior condições, em
termos de igualdade com as condições por estes oferecidas. Essa
igualdade de condições configura-se (pelo menos, porque há
divergências doutrinais) no “quantum” que o sujeito passivo recebe na
transacção que dá origem à preferência e no “quantum” que o sujeito
activo teve que despender para obter a propriedade - aqui não se
contabilizando, a nosso ver, outras despesas, necessárias ou não
necessárias à primitiva aquisição do prédio pelos compradores, já que
estas despesas são ónus seu, indo os preferentes suportar o
pagamento dos impostos devidos, por exemplo, para proceder à nova
aquisição (em sentido de que o depósito do preço não abrange senão
o preço pago pelo comprador ao vendedor para obter o prédio
transaccionado, veja-se Agostinho Cardoso Guedes, obra citada pág.
655 e ss; Américo Marcelino em “Da Preferência” pág. 6º e 61;
Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pág. 779, nota 1825; Menezes
Leitão em Direito das Obrigações, Vol. I- pág. 262; e, ainda, entre
outros, os seguintes Acs.: do STJ de 25/5/1982, em RLJ, ano 119º, 92
e ss.; da R.L., de 2/2/1990, em BMJ 384º-641; e da R.C. de 19/9/90
em BMJ 399º - 584; de 9/4/91 em BMJ 406º-729; de 23/3/1993 em
BMJ 425º- 629 e de 7/6/94 em BMJ 438º- 558). A venda última, aquela
que acaba por vigorar definitivamente na ordem jurídica, é a aquisição
pelo preferente, e não a aquisição pelo comprador inicial, que foi feita
em preterição do direito alheio.
A comprovação da adequação deste entendimento resulta desde logo
da diferença de imposto ou do regime do imposto, que pode ser
cobrado, como sucede no caso dos autos.
Os RR. pagaram SISA, os AA. irão pagar IMT.
Os critérios de cobrança subjacentes são substancialmente diferentes.
Nem se diga que isso prejudica os RR. compradores, porque caso
tenham fundamento legal, sempre poderão reclamar junto dos
vendedores o pagamento das despesas causadas pela efectivação da
venda (feita em situação de ilegalidade, porquanto em preterição dos
preferentes, sendo obrigação exclusiva dos RR Cr..... a concessão
aos AA. da possibilidade do exercício do direito ora em causa) e assim
ficarão ressarcidos. Quanto ao IMT resulta do artº 24º do Código
respectivo uma simplificação de procedimento, de tal forma que se o
imposto devido pelo preferente for igual ao pago pelo original
comprador, não haverá liquidação de novo imposto, ficando a cargo
do Tribunal reembolsar o mesmo adquirente com o montante entregue
pelo preferente; se este gozar de redução ou isenção haverá lugar à
anulação do IMT ou ao pagamento apenas da diferença apurada, a
estabelecer. Isto na pressuposição de que o Tribunal não adjudica ao
preferente o bem sujeito à prelação sem que sejam cumpridas as
respectivas obrigações fiscais. Qualquer que seja a situação, o
originário adquirente vai receber aquilo que indevidamente pagou.
O único preço que se mostra garantido pelo depósito, no caso dos
autos, é o supra referido. Está longe dos 1.900.000$00 pelos quais o
terreno foi efectivamente transaccionado.
A simulação do preço, cuja factualidade que foi levada à b.i., só se
provou em sede de resposta aos quesitos, tendo ficado assente
quando transitado o respectivo despacho.
No entanto, desde que notificados da contestação cabia aos AA.
optar: ou preferiam, igualmente, pelo preço declarado como
verdadeiro e procediam ao reforço do depósito, de modo a atingir a
verba total da compra e venda preferida, ou aguardavam que nada da
simulação se provasse e mantinham a preferência sobre o preço
declarado.
Optaram pela última solução, se bem que em sede de última sessão
de julgamento tenham requerido uma alegada ampliação de pedido,
declarando que, caso se provasse que o valor da venda tinha sido de
1.900.000$00, então também pretendiam preferir por tal valor. O
requerido, formulado a título meramente supletivo, não foi aceite como
ampliação de pedido, e os AA. deixaram caducar o direito de exercer a
preferência, pois que passaram mais do que 15 dias sobre a data em
foi fixada a matéria de facto, nos autos, e muito mais do que isso
sobre a data em que foi confessada a simulação, que era
precisamente aquela em que deveriam ter procedido ao reforço do
depósito garantistico.
Ainda que se entenda que o prazo em causa não deve ser o do artº
1410º, nº 1, do C.C., por não se tratar de uma situação de preço
declarado igual ao preço real, mas de aplicação analógica do regime
do nº 1, b) do artº 1465º do CPC, por o real valor do preço ter sido
conhecido na pendência da acção, também o prazo de 20 dias aí
consagrado foi mais do que ultrapassado.
Quanto à questão de saber se é permitido ao preferente depositar um
preço inferior ao contratado entre o vinculado à preferência e terceiro,
com fundamento numa eventual simulação de preço, encontramos em
Antunes Varela e em Cardoso Guedes argumentação ponderosa
nesse sentido (vide Pires de Lima e Antunes Varela em “C.C.
Anotado”, III volume, pág. 374, e Cardoso Guedes em “Tutela do
Direito de Preferência”, pág. 663 e ss).
“Considerando a finalidade do depósito prévio de constituir "uma
garantia para o alienante, pondo-o a coberto do risco de perder o
contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente”, e a
letra do art. 1410. °, n.º 1, do Código Civil, que impõe o depósito do
“preço devido” e não do “preço pago ou vencido”, parece-nos evidente
que o titular do direito só cumpre este ónus se "depositar a totalidade
do preço, mesmo que uma parte dele (ou todo) não seja ainda
exigível"- Cardoso Guedes em obra citada, pág. 664.
Nos casos em que o preferente suspeite de uma eventual simulação
de preço e, por maioria de razão, naqueles em que essa simulação é
confessada, terá de ponderar se está interessado em preferir mesmo
pelo preço simulado, ou se, só lhe interessa preferir por aquele que
inicialmente depositou. Nesta última hipótese arrisca-se a perder o seu
direito, pela insuficiência do depósito efectuado; querendo afastar esta
possibilidade, e estando interessado em preferir mesmo pelo preço
simulado, o preferente deverá depositar o preço declarado pelos
contraentes.
Esta solução corresponde àquilo que Doutrina e Jurisprudência de
uma forma geral vêm defendendo, sobre a consequência da não
realização do depósito do preço devido nos termos acima descritos,
dentro do prazo fixado no artº 1410.º, n.º 1, do Código Civil, ou quanto
muito daquele constante do nº 1, b) do artº 1465º do CPC.: essa
consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir.
A realização do depósito da totalidade do preço do terreno a preferir,
constitui um ónus que, a não ser observado pelo preferente,
determinará a extinção do seu direito por caducidade. (Neste sentido,
ainda, Antunes Varela Exercício do Direito de Preferência cit., pág.
226, VAZ SERRA, Anot. ao Acórdão do STJ de 3/5/79 na RLJ, 112º-
365; Batista Lopes em “Do Contrato de Compra e Venda no Direito
Civil, Comercial e Fiscal”, Coimbra, 1971, pág. 350, e ss; Oliveira
Ascensão em “O Depósito do Preço na acção de Preferência” 168 e
195 e ss, em R.T., 93º, pág. 3 e ss; Ac. do STJ em BMJ 299º - 331 e
ss.).
Face ao incumprimento, por parte dos recorrentes, do ónus do
depósito da totalidade do preço efectivamente pago pelo R. E..... aos
RR Cr....., e não obstante estarem todos os demais pressupostos
verificados nos autos, não resta senão julgar improcedente a
apelação, e confirmar, por outros motivos a sentença recorrida.
***
***
V- Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a presente
apelação, mantendo-se a sentença recorrida
Custas da acção nos termos fixados no tribunal a quo, do recurso
pelos recorrentes, solidariamente.
***
Face à alegada diferença entre o preço real do terreno em causa, e
aquele que foi declarado no contrato promessa, mais se ordena que,
transitada em julgado a decisão final deste processo, e chegados os
autos ao Tribunal a quo, sejam remetidas cópias dos articulados e
documentos juntos ao Director Regional de Finanças da Direcção
Regional que supervisiona na localidade em apreço.

Coimbra, 04-11-2008

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