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DESAPROPRIAÇÃO - RETROCESSÃO - DIREITO DE EXTENSÃO

- Efetivada a desapropriação, com a imissão liminar na posse


(Decreto-Iei n9 3.365/41, art. 15), a partir daí já podem ocorrer as
causas da retrocessão: a) desvio de finalidade, quando ao bem expro-
priado é dado destino de interesse privado e não público,· b) aban-
dono, quando ao bem expropriado a expropriante não dá qualquer
destinação,· c) afetação parcial, quando, implantadas as obras públi-
cas, sobram áreas remanescentes, a que não se deu a destinação
prevista.
- Não há, no direito positivo brasileiro, lei que fixe prazo den-
tro do qual o bem expropriado deve ser utilizado pela entidade-
expropriante.
- A ação de retrocessão, ação real não está sujeita à prescrição
qüinqüenal do Decreto n9 20.910, de 1932, mas ao da reivindicat6-
ria, observado o prazo do usucapião extraordinário (C6digo Civil,
art. 177, c/c o art. 550). A prescrição da ação de retrocessão, nas
hip6teses de abandono e de afetação parcial, começa a correr a partir
do momento em que o expropriante abandona, inequivocamente, o
prop6sito de dar ao im6vel a destinação de utilidade pública.
- Tratando-se de desapropriação do remanescente em decor-
rência do direito de extensão, não tem o expropriado direito de retro-
cessão, no caso de ficar o mesmo remanescente em disponibilidade
após a execução da obra. A retrocessão, nessa hip6tese, só tem lugar
se o imóvel, na sua integralidade, não for aproveitado.
- Area remanescente destinada à proteção e conservação de
represa. Em caso assim, só prova cabal no sentido de que teria o
poder público abandonado o prop6sito de dar a esse remanescente
a destinação de utilidade pública é que justificaria a retrocessão.

TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS

União Federal e Companhia de. Desenvolvimento do Vale do São Francisco versus


Antônio Pedro de Oliveira e outros
Apelação Cível nQ 66.724 - Relator: Sr. Ministro
CARLOS MAlUO VELLOSO

4c6RDÃo Decide a Quarta Turma do Tribunal Fe-


deral de Recursos, por unanimidade, dar
Vistos e relatados os autos, em que silo provimento ao apelo, nos termos do rela-
partes as acima indicadas. tório e notas taquigráficas anexas, que ficam

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fazendo parte integrante do presente julgado. sustentou que a ação expropriatória ainda
Custas, como de lei. não atingiu o seu término por culpa dos ex-
Brasília, 19 de março de 1984. Carlos Má· propriados e que à área foi dada destinação
rio Vel/oso, Presidente e Relator. específica, devendo, por isso, ser julgada im-
procedente a ação.
RELATÓRIO Contestou, também, a Companhia de De-
senvolvimento do Vale do São Francisco
o Sr. Ministro Carlos Mário Vel/oso: An· (Codevasf) (fls. 86-91), argüindo, preliminar·
tônio Pedro de Oliveira, Juvenila de Olivei· mente, a carência da ação, por prescrição,
ra, Jaci de Oliveira Couto, Vicente Ferreira e esclarecendo que a área foi expropriada
Filho e Filomena Ferreira de Oliveira ajui. com base no Decreto n 9 39.684/56, estando
zaram ação de retrocessão contra a União o respectivo processo em tramitação perante
Federal e a Companhia de Desenvolvimento a 3lJ. Vara da Justiça Federal, Seção de Mi·
do Vale do São Francisco (Codevasf), ale· nas Gerais, ficando as terras sob a guarda
gando, em síntese, que, juntamente com sua e administração da então Comissão do Vale
mãe, Filomena Maria de Jesus, foram desa· do São Francisco. Posteriormente, em virtu-
propriados, para a formação da represa de de de lei, a área foi incorporada ao patri-
Três Marias, em 1760, 5.490ha, no lugar mônio da Suvale e, a seguir, ao da Code-
denominado Fazenda S. João, Município de vasf, cujo capital é exclusivo do Tesouro,
Morada Nova-MG. Iniciada a ação expro- com aplicação das disposições do Decreto n9
priatória pela União Federal, em 1959, até 20.910/32. Diz mais que, tratando-se de ação
a presente data não teve ela seu desfecho real, o prazo para a reivindicação é aquele
~inal, com pagamento dos restantes 20% da do art. 177 do Código Civil, motivo por que
indenização, ficando os humildes proprietá- está prescrita a ação. No mérito, sustenta
rios em verdadeira penúria financeira. De- que nao houve desvirtuamento do objeto da
pois de inundadas as terras, verificou-se que desapropriação, tendo em vista que a área
a área expropriada era excessiva, com uma remanescente destina-se à proteção do reser-
sobra de mais de 12.000 ha. Da Fazenda São vatório, onde foram construídos o Posto de
João do Curralinho, pertencente aos auto- Indaiá de Baixo, aterros, estradas vicinais
res, houve uma sobra de aproximadamente e residências para os servidores que operam
80 alqueires, a que não foi dada, por des- as balsas, além da preservação da cobertura
necessária, a destinação específica da desa- florestal. Ademais, os terrenos remanescen·
propriação. Requereram os autores a devo- tes, que os autores estão a pleitear, foram
lução da área inaproveitada, mediante o pa- incluídos na desapropriação a pedido dos
gamento em proporção do remanescente pelo próprios autores. Sustenta, finalmente, que,
preço da avaliação realizada na época, já à vista do tempo decorrido, operou-se o
que. de acordo com a legislação em vigor, usucapião em favor da União Federal.
a doutrina e a jurisprudência, o imóvel de- Foi feita prova pericial (laudo de fls. 139-
sapropriado não pode ser utilizado em fina. 145).
lidade diferente da prevista no decreto de Sobreveio, ao cabo, a sentença (fls. 212·9),
utilidade pública e levando-se em conta, que julgou procedente a ação, conde-
também, que o restante do preço não foi pa· nadas as rés no pagamento das custas, emo-
go. após decorridos quase 20 anos. lumentos do perito e honorários advocatí-
Contestou a União Federal (fls. 18-19), cios de 20% sobre o valor da causa. Deter·
argüindo, em preliminar, carecerem os auto- minou a subida dos autos, para o reexame
res de ação, por estarem prescritas suas dí· obrigatório.
vidas passivas, nos termos do Decreto n 9 Argumentou:
20.910, de 6 de janeiro de 1932, art. 19. Diz, "Trata-se de uma ação de retrocessão mo-
ainda, que os autores não comprovaram sua vida por Antônio Pedro de Oliveira e outros
legitimidade para a causa, positivando que contra a União Federal e a Companhia de
foram eles os desapropriados. No mérito, Desenvolvimento do Vale do São Francisco

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(Codevasf) com objetivo de receberem de consoante se colhe do laudo pericial de que
volta a área remanescente do que lhes foi passo a ocupar.
desapropriado e não aproveitado especifica- Afirma o Sr. Perito que apenas uma parte
mente, mediante o pagamento em proporção insignificante da área descrita na inicial está
do preço da avaliação realizado na época. sendo aproveitada, com a construção de
Não se trata, conforme sustentam as RR., duas casas junto ao porto de embarque (que-
de reivindicar qualquer área, hipótese veda· sito I - fls. 141).
da pelo direito positivo, mas de reaver bem Esclarece ainda o laudo oficial que em
desapropriado com uma finalidade e não de- toda área, por todo este espaço de tempo, a
vidamente utilizado. Codevasf apenas fez construir na área duas
A preliminar de prescrição é inconsistente, casas e um aterro de 400 m de extensão. Na-
vez que o processo expropria tório pela União da mais (fls. 145).
por culpa do poder público e não dos ex- Ora, consoante o decreto de utilidade pú-
propriados ainda não teve fim. blica, a desapropriação visou a construção
Enquanto não pago o preço fixado judicial- da barragem de Três Marias e obras cone-
mente não há falar-se em propriedade do po- xas. Formada a bacia de acumulação, é evi-
der público, pois este somente se transfere dente a necessidade de obras complementa-
com o registro da Carta de Incorporação. res, inclusive no sentido da proteção da
Ora, se não pagos os 20% restantes, a represa.
Carta não foi expedida e logicamente nb Estas obras complementares, entretanto,
registrada e, portanto, não incorporada de- cingem-se à proteção da represa, sua segu-
finitivamente no patrimônio do poder pú-
rança, integridade etc. Fora disto, há evi·
blico.
dente desvio de finalidade, com jactura para
Em decorrência, estando ainda o proces-
o expropriado que se vê desapossado de um
so expropria tório em curso não se pode co-
bem não aproveitado consoante os dizeres
gitar de prescrição, eis que o termo inicial
legais.
desta somente se firmará a partir do tér-
mino do processo expropria tório, com o pa- Na verdade, na área em apreço não houve
gamento integral e registro da Carta de In- qualquer utilização, salvo as minguadas
corporação. obras feitas pela Codevasf. E a melhor pro-
Por outro lado, a certidão de fls. 9 joga va disto, conforme ressalta o memorial de
por terra a segunda preliminar argüida pela fls. e fls. é que o expropriado, decorridos
União, pois ali se comprova que os autores mais de 20 anos, continua de posse da área,
tiveram seus bens expropriados. vez que a Codevasf não lhe deu destinação.
Por fim, não se tratando de ação funda- Houve, como doutrinariamente se explica,
da em domínio (reivindicatória) mas de ação a 'tredestinação' do bem, caracterizado pelo
de retrocessão, onde se discute apenas o des- mau emprego (aliás, in casu, nem mau nem
vio ou ausência de finalidade, inaplicável se bom emprego houve; simplesmente não se
torna, como pleiteia a Codevasf a aplicação utilizou) do bem expropriado.
do disposto no art. 177 do Código Civil. Preleciona, com efeito, o preclaro Caio Tá-
Frise-se, ainda, por elementar princípio de cito ser a finalidade 'elemento permanente
eqüidade, que a prescrição aquisitiva não de vinculação dos atos administrativos', e
opera em favor do poder público, face a in- sua inobservância configura um vício pe-
suscetibilidade de usucapião de seus bens. culiar: o desvio de poder ou finalidade.
Ademais, o expropriado nunca foi desapos- Comprovado que o administrador extra-
sado. vasou do limite balizado pela Lei, e, ao in-
Além disto, restou provado que a imissão vés de servir do interesse público 'qualifica-
concedida no processo expropriat6rio foi do da norma do direito, serviu-se dela para,
apenas simbólica; que os autores, máxime sob a capa de legitimidade formal, realizar
Jacy de Oliveira, permaneceram na área, um objetivo não querido pelo legislador, o

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respeito à supremacia da Lei impõe o desfa- crição de cinco anos previsto no art. 19 , do
zimento do ato ... ' Decreto nQ 20.910, de 1932 (Meirel1es, Hely
Este desvio de finalidade, ou fim, funda- Lopes. Direito administrativo brasileiro, 8.
se na inexistência ou falsidade dos motivos, ed., Rev. dos Tribs., 1981, p. 590; Bandeira
ocorrente, in casu, a primeira hipótese, visto de Mello, Celso Antônio. Apontamentos so-
que a área, após mais de 20 anos, continua bre a desapropriação no direito brasileiro.
em poder do expropriado, sem que até hoje RDP, 23/29; Silva, Moacir Antônio Macha-
o poder público tenha encontrado um 'mo- do da. A retrocessão no direito brasileiro.
do' de utilizá-la. UnB, 1979. p. 126-7, Dissertação de mestra-
Por não haver-lhe dado o destino decla- do). O Supremo Tribunal Federal assim tam-
rado no ato expropriatório, impõe-se ao ex- bém já decidiu (RE n.OS 42.214-SP e 45.437-
propriante devolução do bem, mediante a re- SP, relatados pelo Ministro Ribeiro da Cos-
petição do valor indenizatório, pago parcial- ta. Aud. de publ. de 16.12.59 e 3.5.61).
mente" ( ... ) (fls. 215-9). Para aqueles que entendem, como Hely
Apelaram a União Federal e a Companhia Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira
de Desenvolvimento do Vale do São Fran- de Mello, que a ação de retrocessão é uma
cisco (Codevasf) (fls. 221-4), alinhando, ba- ação pessoal (Meirelles, Hely Lopes. Direito
sicamente, os mesmos argumentos das con- administrativo brasileiro, p. 590; Bandeira de
testações de fls. 18-9 e 86-91. Manifestaram Mello, Celso Antônio. Apontamentos sobre a
sua inconformidade com a afirmação conti-
desapropriação no direito brasileiro. RDA,
da na referida sentença de que o processo
23-29), é natural que advoguem a aplicação
de desapropriação não terminou por culpa
da União-expropriante e que não há falar-se da prescrição qüinqüenal do Decreto nQ
em propriedade do poder público, enquanto 20.910, de 1932, na ação de retrocessão.
não pago preço fixado judicialmente, eis que Para nós, todavia, que sustentamos oca·
o domínio só se transfere com o registro da ráter real da ação de retrocessão, não pode-
carta de incorporação. Argumentam que se- mos admitir a prescrição qüinqüenal. t que,
ria o caso de concluir-se que a ação de re- sabemos, não incide, nas ações reais, a pres-
trocessão só teria cabimento quando consu- crição qüinqüenal estabelecida em favor da
mada a desapropriação, com o registro refe- União, estados, municípios e suas autarquias
rido pela sentença. Pedem a reforma da r. (TFR AC nQ 29.394-RJ, reI. Min. Aldir Pas-
sentença. sarinho; TFR AC nOS 42.458-SP e 76.727-RJ,
Responderam os apelados (fls. 226-9). reI. Min. C. M. Velloso; STF-ERE n9 75.942-
Nesta egrégia Corte, oficiou a ilustrada PE, reI. Min. Aliomar Baleeiro, RTf, 74/421;
Subprocuradoria-Geral da República às fls. ERE nQ 63.833-RS, reI. Min. Eloy da Ro-
242-6, sustentando a ilegitimidade dos auto- cha, RTf, 61/384). O prazo prescricional da
res tanto para a propositura da ação, como ação de retrocessão seria, então, o da rei-
para os objetivos almejados e o descabimen- vindicatória, observado o prazo do usuca-
to da retrocessão, ante a realização de parte pião extraordinário (Código Civil, art. 177,
substancial da obra pública. Concluiu por c/c o art. 550).
opinar no sentido de que seja dado provi· Moacir Antônio Machado da Silva dá no-
mento ao apelo. tícia de que Marienhoff e Canasi (Marien-
t o relatório. hoff, Miguel S. De la retrocesión. Tratado
de derecho administrativo, 1973, v. 4, p. 397;
VOTO Canasi, José. La retrocesi6n en la expropria-
ci6n publica, 1964, p. 115), porque enten-
o Sr. Ministro Carlos Mário Velloso (Re- dem que o direito de reversão é um direito
lator): Examino, primeiro que tudo, a preli- real, propugnam pela aplicação do prazo de
minar de prescrição da ação de retrocessão. prescrição da reivindicatória. Com apoio em
Autores de nomeada sustentam que a ação Manuel Maria Diez (Derecho administrati-
de retrocessão está sujeita ao prazo de pres- vo, 1969, p. 306), Machado da Silva diver-

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ge desse entendimento, por isso que o bem da a preliminar argüida. l! que a exproprian-
já integra o domínio do Estado; então, não te foi imitida na posse dos bens no ano de
seria possível a aplicação, no caso, das dis- 1959, inaugurada a obra - a barragem e o
posições referentes ao usucapião. Daí por- lago das Três Marias - em 1960, ajuizada
que Machado da Silva, não obstante sus- foi a presente ação em dezembro de 1977.
tentar que o direito de retrocessão não é di- Mas há mais.
reito pessoal, mas direito potestativo, con-
cluir que a ação ordinária de retrocessão III
está sujeita ao prazo de prescrição de cinco
anos do Decreto nQ 20.910/32 (Silva, Moa- A sentença afastou a argüição de prescri-
cir Antônio Machado da. A retrocessão no ção ao seguinte argumento (fls. 216):
direito brasileiro. p. 126-7). O argumento, "A preliminar de prescrição é inconsisten-
data venia, prova demais. Se a ação de re- te, vez que o processo expropriatório pela
trocessão é ação real, a ela não se aplica a União, por culpa do poder público e não
prescrição qüinqüenal do Decreto nQ 20.910, dos expropriados, ainda não teve fim.
de 1932, é pacífico na doutrina e na juris- Enquanto não pago o preço fixado judi-
prudência. De outro lado, não é desarrazoa- cialmente não há falar-se em propriedade do
do afirmar que, no momento em que a en- poder público, pois este somente se transfere
tidade expropriante deu à coisa desapro- com o registro da Carta de Incorporação.
priada destino que não de interesse público, Ora, se não pagos os 20% restantes, a
tomou-se questionável o seu domínio, que, Carta não foi expedida e logicamente não re-
a partir daí, só se justificaria pela prescri- gistrada e, portanto, não incorporada defi-
ção aquisitiva, que correria, inclusive, em nitivamente no patrimônio do poder público.
favor do terceiro que teria recebido o bem. Em decorrência, estando ainda o processo
Acrescente-se, ao cabo, que não seria pos- expropriat6rio em curso não se pode cogitar
sível estender a prescrição qüinqüenal do de prescrição, eis que o termo inicial desta
Decreto nQ 20.910, de 1932, à ação de re- somente se firmará a partir do término do
trocessão, que é ação real, quando é pací- processo expropriatório, com o pagamento
fica a doutrina e a jurisprudência no sentido integral e registro da Carta de Incorporação"
de que a ação real não está sujeita a esse ( ... ) (fls. 216).
prazo prescricional. A interpretação exten- A sentença ficou contradit6ria, no ponto,
siva, no caso, não se justificaria, ainda mais data venia.
quando ela é altamente prejudicial ao desa- De feito.
propriado. De se invocar, por oportuno, no Diz a sentença que "estando ainda o pro-
ponto, a lição de Washington de Barros Mon- cesso expropriat6rio em curso não se podo
teiro, no sentido de que "é de se advertir cogitar de prescrição, eis que o termo inicial
que na matéria em exame (prescrição) as dis- desta somente se firmará a partir do térmi-
posições são sempre de aplicação estrita, não no do processo expropriat6rio ... to
comportando interpretação extensiva, nem Em verdade, comanda o instituto da pres-
analogia; a exegese será sempre restritiva. crição o princípio da actio nata. Vale dizer:
Na dúvida, deve julgar-se contra a prescri- enquanto não nasce o direito à ação, a pres-
ção, meio talvez antipático de extinguir-se a crição não corre (RE nQ 84.697-MT, rel. Min.
obrigação" (Curso de direito civil. Saraiva, Leitão de Abreu, RTJ, 91/520).
1962. p. 303). A sentença, vimos de ver, afmna que o
termo inicial da prescrição é o "término do
11 processo expropriatório". Ora, se a pr6pria
sentença esclarece, como premissa, que esse
Fixado em 20 anos o prazo prescricional processo ainda não terminou, força é convir,
da ação de retrocessão, na forma do dis- então, que não teria nascido para os autores
posto no art. 177, c/c o art. 550, ambos do \l direito à ação de retrocessão. Na l6gica
Código Civil, s6 por isto seria de ser afasta- da sentença, de conseguinte, os autores se-

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riam carece dores da ação, mesmo porque retrocessão o término da ação de desapro-
esta, a ação de retrocessão, tem como pres- priação, entendido esse término na forma do
suposto a desapropriação (Código Civil, art. acima exposto: pagamento ou consignação
1.150). do preço, com a expedição do mandado de
imissão na posse e transcrição da sentença
IV no registro de imóveis (Decreto-Iei n Q 3.365/
41, art. 29).
A questão, ao que penso, não pode, data Efetivada a desapropriação, com a imis-
venia, ser equacionada na forma como a co- são liminar na posse (Decreto-Iei n Q 3.365/
locou o eminente Dr. Juiz a quo. 41, art. 15), a partir daí já podem ocorrer
A sentença final na ação de desapropria- as causas da retrocessão: a) desvio de fina-
ção é mesmo a do art. 29 do Decreto-Iei n Q lidade, quando ao bem expropriado é dada
3.365/41 (Pontes de Miranda, Tratado do destinação que não corresponde a um fim
direito privado, v. 14, p. 249-51). Quer di- de necessidade ou utilidade pública ou de
zer, a ação de desapropriação chega ao seu interesse social; b) abandono, quando ao
final com o pagamento ou a consignação do bem expropriado a entidade expropriante
preço, quando é expedido em favor do ex- não dá qualquer destinação; c) afetação par-
propriante o mandado de imissão na posse, cial, quando, implantadas as obras públicas,
valendo a sentença como título hábil para sobram áreas desapropriadas, remanescentes
a transcrição no registro de imóveis. Até o a que não se deu a destinação prevista.
pagamento do preço, o expropriante pode. Imitida a expropriante na posse dos bens
inclusive, desistir da desapropriação, sujei- (Decreto-Iei n Q 3.365/41, art. 15), dando-se
tando-se a composição de perdas e danos (RE a ocorrência da causa de retrocessão posta
nQ 73.594, RTf, 63/510; RE n Q 81.095-SP, sob a, supra - desvio de finalidade, com
RTf, 77/569). o emprego do bem expropriado em fim não
Perfilho o entendimento de Pontes de Mi- qualificado em lei, ou com a transferência
randa, que é, aliás, o predominante na dou- da coisa expropriada para particular - já
trina e na jurisprudência. é possível o ajuizamento da ação ordinária
Então, no caso, a ação de desapropriação de retrocessão. Tendo-se, então, o actio na-
dos terrenos necessários à formação do re- ta, começa a correr a prescrição.
servatório das Três Marias não terminou,
ainda. VI
Isto, entretanto, não teria, no caso, a re-
levância que lhe emprestou a sentença re- A questão fica mais difícil, todavia, quan-
corrida. do se tem uma ação de retrocessão com ba-
se nas causas postas sob b e c, suso: aban-
V dono e afetação parcial.
l! que, nesses casos, torna-se necessário
Certo é que a União Federal foi imitida aguardar o transcurso de um certo prazo
na posse dos bens desde o ano de 1959. dentro do qual a expropriante daria ao bem
Também é certo que a monumental obra - expropriado destino de interesse público. No
a barragem e o lago das Três Marias - foi direito francês, esse prazo é de cinco anos
concluída no ano de 1960, 17 anos antes (Decreto nQ 58.997, de 1958, art. 54); no
do ajuizamento desta ação (fls. 2v.). direito italiano, 10 anos (Lei de 25.6.1865,
Sustento que a ação de retrocessão tem art. 63); no direito espanhol, sete anos, de-
como pressuposto, é verdade, a desapropria- vendo o interessado, vencidos cinco anos,
ção dos bens (Código Civil, art. 1.150). To- notificar a administração de que irá exercer
davia, isto não quer dizer, não obstante a o direito de retrocessão (Regulamento de
opinião contrária de Se abra Fagundes (Da 26.4.57, art. 64). No Brasil, não há lei que
desapropriação no direito brasileiro, 1942. fixe prazo dentro do qual a expropriante
p. 349, nQ 477), que seria pressuposto da utilizará o bem expropriado. Seabra Fagun-

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des é de opinião que se deva aplicar, por diferentes objetivos e os efeitos do prazo de
analogia, o prazo do art. 10 do Decreto-Iei caducidade do decreto expropria tório e do
n<? 3.365/41. Escreve o eminente tratadista: eventual prazo para efetivação do destino
"477. A falta de limite de tempo para utili- de utilidade pública" (Da retrocessão nas
zação da coisa expropriada parece-nos que desapropriações. Forense, 1959. p. 81).
se pode invocar, por analogia, o prazo de José Carlos de Moraes Salles, com apoio
cinco anos, que o art. 10 estipula para a na doutrina e na jurisprudência, ensina que,
caducidade da declaração de utilidade pú- no direito positivo brasileiro, não está fixado
blica. o prazo dentro do qual o bem deve ser uti-
Há uma certa identidade de efeitos entre lizado na finalidade para a qual foi expro-
a caducidade e a retrocessão, o que leva Ro- priado, posto reconhecer que, "de lege je-
berto Lucifredi a identificar os dois concei- renda, o legislador deve fixar prazo para a
tos (Le prestazioni di cose, p. 173 e 274)" utilização do bem na finalidade para a qual
(Da desapropriação no direito brasileiro, foi desapropriado", a fim de levar "o poder
1942. p. 349, n<? 477). público a só desapropriar quando tiver os
Sérgio Ferraz, em livro que escreveu em recursos necessários para a realização da
1970 (Desapropriação - indicações de dou- obra ou puder prever a obtenção desses re-
trina e de jurisprudência, Rio, 1970. p. 94-5), cursos dentro de determinado lapso de tem-
indica outros autores que comungam do en- po". E conclui: "entendemos que seria ra-
tendimento de Seabra Fagundes: Manoel Ri- zoável a fixação desse prazo em cinco anos,
beiro (Direito administrativo. v. 2, p. 245) e a exemplo do que ocorre com o prazo de ca-
Noé Azevedo (Parecer,RT, 193/34). O Tri- ducidade do ato declaratório de utilidade pú-
bunal Federal de Recursos, na AC n<? 82.602- blica, estabelecido pelo art. 10 do Decreto-
BA, relator o Ministro Pedro Acioli, deci- lei n<? 3.365/41" (A desapropriação à luz da
diu, através de sua Quinta Turma, que "o doutrina e da jurisprudência. Ed. Revista dos
direito de retrocessão (Código Civil, art. Tribunais, 1980, p. 716-8).
1.150) poderá ser exercido se o exproprian- Na dissertação de mestrado que ofereceu
te, imitido na posse do imóvel desapropria- à Universidade de Brasília, e com a qual ob-
do,' não iniciar a sua utilização dentro de teve o grau de mestre, o Procurador Moacir
igual prazo, previsto em lei, de caducidade Antônio Machado da Silva sustenta, apoia-
do decreto expropriatório". Deu-se provi- do em Whitaker (Whitaker, F. Desapropria-
mento, .então, ao recurso, "a fim de ser re- ção, 1924. p. 105-19), que "o problema da
vertido o imóvel ao ex-proprietário pelo caracterização do abandono depende, por-
preço por que o fora desapropriado, devi- tanto, do exame de cada caso concreto. Por
damente corrigido de acordo com a varia- isso mesmo, já escrevera Whitaker: "não
ção nominal da ORTN" (Jurisp. do TFR, basta a demora da utilização da coisa, sen-
Lex Editora;· 24/101). do necessária a certeza de não ser ela apro-
Pontes de Miranda diverge do entendi- veitada" (Silva, Moacir Antônio Machado da.
mento de Seabra Fagundes. Leciona que, A retrocessão no direito brasileiro. Universi-
"antes do qüinqüênio pode manifestar-se a dade de Brasília, 1979. p. 108 dissertação de
violação do destino e ap6s ele pode ainda mestrado).
não se ter produzido" (Tratado de direito O mesmo entendimento foi manifestado
privado, 1955, v. 14, p. 173). por esse eminente procurador, em parecer
Ebert Chamoun também não concorda com qeu ofereceu, pela Procuradoria-Geral da
a aplicação analógica do art. 10 do Decreto- República, no RE n<? 82.366-SP, relator o
lei n<?- 3.365/41. Após citar a lição de Sea- Ministro Moreira Alves (RTI, 77/334), pa-
bra Fagundes, a que nos referimos, suso, recer que foi acolhido pelo Supremo Tribu-
escreve: nal e em que acentuou que, "em matéria de
"A n6s parece, entretanto, que se trata de desapropriação, inexiste na lei prazo para a
uma analogia injustificável. Afiguram-se-nos utilização da coisa, cujo decurso fosse 5US-

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cetível de gerar presunção de violação de 1.153 do Código Civil" (A desapropriação d
destino ( ... )" e "de tudo se infere que o luz da doutrina e da jurisprudência, p.
problema da destinação depende do exame 733-4).
de cada caso concreto ( ... )" Decidiu, então, No caso, o fundamento da ação de retro-
a Corte Suprema: cessão é a afetação parcial: implantadas as
"Desapropriação. A não-utilização, pelo obras públicas - a barragem e o reservat6-
poder público, da coisa expropriada não au- rio - sustenta-se que, ao remanescente não
toriza, por si s6, a presunção de violação do se deu a destinação prevista.
destino que a ela deve ser dado. Necessida- Ora, quando teria a expropriante abando-
de do exame, em cada caso concreto, das nado, "inequivocamente, o propósito de dar"
circunstâncias de que resultou a inércia do ao remanescente a destinação de utilidade
poder público. RE não conhecido" (RTI, pública? Ou antes: teria a expropriante de-
77/334). monstrado, inequivocamente, esse propó-
A conclusão, pois, a que chegamos, é que sito?
não existe um limite de tempo para a utiliza· As próprias rés, ora apelantes, jamais ad-
ção da coisa, cujo decurso, s6 por só, auto- mitiram que o im6vel objeto da ação tives-
rizasse a presunção de violação do destino, se tido, em qualquer tempo, destino de in-
ou a do abandono do bem expropriado. teresse privado, ou que tivessem elas abano
Não existindo, então, limite de tempo pa- donado o propósito de dar à coisa a desti·
ra a utilização da coisa, cujo decurso, s6 nação pública pertinente.
por s6, autorizasse a presunção de violação Não acolho, pois, a preliminar de prescri.
do destino, ou de abandono do bem expro- ção, pelo que desprovejo o apelo, nesta
priado, mas devendo a questão ser exami- parte.
nada em cada caso, tendo em vista a situa- Examino as demais questões postas no
ção de fato, força é concluir que não se apelo.
pode decidir, aprioristicamente, pela ocor-
rência de prescrição da ação de retrocessão, VII
em casos tais, vale dizer, quando a ação tem
como fundamento o abandono ou a afetação Sustentou a Codevasf, apelante, na con·
parcial. testação (fls. 89):
Nos ERE nQ 45.437-SP, relator o Ministro "Ora, MM. Juiz, os terrenos remanescen·
Gonçalves de Oliveira, o Supremo Tribunal tes (planta, documento de fls.) que os auto-
decidiu que "a prescrição da ação de retro- res estão a pleitear por esta ação de retro-
cessão ( ... ) começa a correr desde o mo- cessão, ainda que o poder expropriante não
mento em que o expropriante abandona, ine- tivesse dado aos mesmos a destinação cor·
quivocamente, o propósito de dar, ao im6- reta, não caberia aos autores reivindicá-Ios
vel, a destinação expressa na declaração de em tempo algum, porquanto, eles mesmos so-
utilidade pública" (RDA, 69/200). licitaram fossem incluídos na desapropriação,
José Carlos de Moraes Salles adota a po- como se vê das observações do laudo do me·
sição exposta no ac6rdão do ERE n9 45.437- morial descritivo que instruiu os autos da
SP, ao lecionar que "não se perca de vista, ação expropriatória, cuja peça xerocopiada
entretanto, que a prescrição s6 começa a cor- fornecemos à douta Procuradoria da Repú-
rer a partir do momento em que, por atos blica para a sua defesa, por ser ré também
inequívocos, o expropriante deixe claro ao nesta ação, doc. de fls., destes autos" ( ... )
expropriado que não mais pretende utilizar (fls. 89).
o bem na finalidade para a qual foi o mes- O que sustenta a Codevasf é que a área
mo desapropriado". Lembra esse eminente que os apelados pleiteiam é aquela que a
autor que, todavia, "se o expropriante fizer expropriada Filomena Maria de Jesus solici-
o oferecimento previsto no art. 1.150 do Có- tou ao perito que medisse e incluísse na de-
digo Civil", "aplicar-se-á o disposto no art. sapropriação, 326. 2750ha, mais a área não-

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inundável, 77,2500 ha. A área não-inundável cadas adiante, em cada caso, na fixação dos
é a faixa de segurança, à margem da repre- valores da indenização respectiva" ( ... )
sa, que é de 2 metros de pé direito, insus- (fls. 53-4).
cetível, no caso, de retrocessão. Assim, escla- "143) Filomena Maria de Jesus e Filhos
rece a Codevasf, a área de 326,2750 ha, que Fazenda São João do Curralinho
é tida como remanescente, tendo sido incluí- Mun. Morada Nova - lnic. fls. 313 - fls.
da no total desapropriado por solicitação da 14.290 Contesto p/área 1.760,34,90 ha. Inc!.
antiga proprietária, não estava delimitada no Remas 404.12,50 ha.
decreto expropriatório, logo não foi decla-
(pl. fls. 2.239/11v.) 10.000.000,00
rada de utilidade pública e, conseqüente-
mente, não estava afetada pela finalidade es- p/benfeitorias e culturas (fls.
pecífica consignada no decreto autorizativo 17.632/67v.) 2.100.000,00
da desapropriação. Essa área, pois, foi acres-
cida à desapropriação em razão da vontade Total Cr$ 12.100.000,00
da proprietária, acolhida pela União Federal
e pela sentença da ação expropriatória. Por - Preço oferecido: Cr$ 2.300.974,20; ( ... )"
isso, seria inaplicável, no caso, o art. 1.150 (fls. 60-1).
do Código Civil.
De fato, no memorial descritivo posto, por O laudo pericial elaborado nesta ação, da
cópia, às fls. 28-36, consta, exatamente às lavra do Engenheiro Massara, deixa expres-
fls. 28: so que o total do remanescente de Filome-
na Maria de Jesus é da ordem de 404.7250ha
"Área inundada 1.356,6580 ha (laudo, fls. 143, resposta ao quesito 19 dos
autores). Esse quanto é exatamente aquele
Total 1.356,6580 ha
que consta do memorial descritivo de fls. 28.
Área não-inundada 77,2500 ha
A desapropriação, pois, foi estendida ao
Total 77,2500 ha
remanescente - 326,2750 ha - em decor-
1. Remanescente 326,2750 ha rência do direito de extensão, a requerimen-
2. Remanescente 0,6000 ha to do expropriado. Em caso assim, tratando-
se de desapropriação do remanescente em
Total geral 1.760,7830 ha decorrência do direito de extensão, teria o
expropriado direito de retrocessão, no caso
Nota: 1. remanescente medida a pedido da de ficar o remanescente em disponibilidade
proprietária ( ... )". após a execução da obra?
Pela negativa, responde Eurico Sodré, ao
A sentença da ação de desapropriação (fls. lecionar que "não é retrocedível a parte do
38-64) esclareceu (fls. 53-4 e 61): imóvel desapropriada em virtude do pedido
( ... ) de extensão". E acrescenta: "A aquisição do
"Os remanescentes de Alipio Gomes da expropriante, por via de extensão exigida pe-
Silva, de Braulino Vieira Maciel e de Clara lo expropriado, não visou a utilidade públi-
Vieira Sobrinho foram incluídos na desapro- ca. Ao contrário, exorbitou dela. O proprie-
priação e indenizados na totalidade ( ... ) tário que a impôs, não conserva o direito de
Outras muitas áreas remanescentes foram recuperar a parte do imóvel, de que foi ob-
incluídas na desapropriação, conforme pedi- jeto" (A desapropriação. 3. ed. 1955, p. 213).
do da própria expropriante, ou porque dimi- ~ esse o entendimento que perfilho, na
nutas, sem possibilidade de aproveitamento, linha do decidido pelo Supremo Tribunal
ou porque ilhadas, sem acesso, ou ainda, as Federal (Ag. nQ 24.225-SP, ReI. Min. Victor
de maiores dimensões, para reflorestamento Nunes). Porque, se o remanescente foi desa-
ou reservas florestais conforme o plano da propriado em decorrência do direito de ex-
Comissão do Vale do São Francisco. As tensão, não cumpre indagar se nele não te-
áreas remanescentes incluídas serão especifi- riam sido realizadas obras públicas, para fins

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de retrocessão. Esta, a retrocessão, ao que daI, além do terreno em questão. Apenas es-
penso, só teria lugar no caso de desvio de tas três obras foram construídas no terreno
finalidade, na hipótese, por exemplo, do reclamado. De execução, nada mais. O res-
bem ser transferido a terceiro, particular, ou tante está sob o domínio do Sr. Jacy de Oli-
no caso de o imóvel, na sua integralidade, veira desde antes da desapropriação.
não ser aproveitado pela entidade expro- Existe um projeto da Codevasf, já aprova-
priante. do e registrado no cartório de Morada Nova
Só por só, pois, a ação deveria ter sido (1977) para aproveitamento de todo o rema-
julgada improcedente. nescente em questão para fruticultura e ole-
ricultura, firmado entre a firma Comflor e
VIII Codevasf. Tal projeto tem o nome de
'CODGFLOR'" ( ... ) (fls. 142).
Um outro argumento, todavia, ainda mili- Em casos como este, deve ficar cabalmen-
ta em favor das apelantes. te provado que o poder público abandonou
~ que estas argumentaram que a área re- o propósito de dar ao remanescente a des-
manescente destina-se à proteção do reser- tinação de utilidade pública.
vatório, onde foram feitas certas obras - Neste sentido, aliás, acórdão proferido no
aterros, estradas vicinais, residências para os RE nQ 80.264-SP, relator Ministro Rodri-
servidores que operam as balsas e proteção gues Alckmin:
da cobertura vegetal. Sustentaram as rés, ora "Retrocessão. Imóvel expropriado desti-
apelantes, que um projeto de reflorestamen- nado, em parte, a finalidade outra que não
to - plantação de eucaliptos - foi aprova- a constante do ato expropria tório e em parte
do e chegou a ser iniciado, mas que foi im- ainda não utilizado. Legitimidade da utili-
pedido pelos autores através de medida cau- zação parcial do imóvel para outro fim de
telar, inserindo-se esse reflorestamento no utilidade pública. Irrelevância do retarda-
contexto de obras de proteção e conservação mento na utilização do restante do imóvel.
da represa. Ação improcedente. RE conhecido e não
De uma certa forma, as alegações das rés, provido" (RTf, 73/654).
ora apelantes, resultaram comprovadas no Essa prova seria de todo em todo neces-
laudo pericial de fls. 139-45, da lavra do En- ~ária, principalmente em se tratando, como
genheiro Danilo Massara.
aqui se trata, de um terreno que ladeia uma
De feito. represa, reservado à proteção e conservação
Ao dar resposta ao quesito primeiro, da desta.
União Federal, informa o perito que o rema- Leciona, a propósito, E. Chamoun:
nescente encontra-se servindo, em parte, a
"Importantes reparos devem, entretanto,
fins públicos. Acrescenta (fls. 141):
ser feitos, no que concerne à aplicação par-
"Na área em questão, apenas uma parte cial da coisa desapropriada a fim de utilida-
insignificante está sendo aproveitada: as de pública.
duas casas dos balseiros, construídas junto
Observe-se, de início, que não se pode con-
ao porto de embarque de veículos nas bal- siderar como não aproveitamento a utiliza-
sas que os transportam ao outro lado ( ... )" ção de parte do imóvel 'para embelezamento,
(fls. 61).
para desafogo ou para melhor perspectiva do
Depois, escreveu: edifício construído ou para melhor comodi-
"A propriedade ficou ilhada pelas águas dade dos serviços instalados'. O mesmo de-
do rio Indaiá e, para atingi-la, foi necessário verá dizer-se quanto a área aparentemente
construir um aterro sobre o reservatório restante se se destina a proporcionar segu-
( ... )" (fls. 142). rança às obras que foram realizadas ou à
"Este aterro, além de dar ligação a área execução do serviço; é, por exemplo, o caso
em tela, faz acesso ao povoado de Traça- dos terrenos que ladeiam aeroportos, insti-

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tuições militares ou elétricas, represas ou mesmo o fato da imissão na posse (que ocor·
açudes" (op. cito p. 85-6). reu em 1959), resulta que não decorreu o
Merece ser transcrita, aliás, a lição em que prazo de 20 anos, antes da propositura da
se apóia Chamoun, no texto acima transcri· demanda, fato que se verificou em 1977:
to, que é de Eurico Sodré, a dizer: foi de 18 anos o lapso transcorrido.
"13. Ocorrerá às vezes que a área desa- :e. razoável conceder ao expropriado tem-
propriada não seja em sua integridade po adequado para as circunstâncias de cada
ocupada pelas obras ou serviços públicos e, caso, dentro do qual possa alegar e susten-
construídas aquelas, ou instalados estes, se tar a utilização apenas parcial do imóvel ao
verifiquem sobras inaproveitadas pelo expro- fim contemplado no ato expropriatório.
priante. Penso, por isso, que, de fato, a prescrição
Sobre estas poderão os ex-proprietários deve ser repudiada, nas circunstâncias do
exercer seu direito de retrocessão. :e. necessá- caso.
rio, entretanto, que o inaproveitamento seja Verifico, ademais, que o Sr. Ministro Rela-
real e declarado pelo poder público, que au- tor repeliu a pretensão de retrocessão em re-
torizou a desapropriação. Porque, se essa lação ao acréscimo das áreas que, por ini-
área sobrante servir para embelezamento, ciativa dos expropriados, foi alcançado na
para desafogo, ou para melhor perspectiva expropriação. Neste ponto, também estou de
do edifício construído, ou para maior como- acordo com S. Exilo. Mas não compreendi bem
didade dos serviços instalados, ter-se-lhe-á o ponto em que S. Exilo se refere a um outro
dado com isto uma função útil" (A desapro- trecho do imóvel ...
priação, 2. ed. p. 288-9). O Sr. Ministro Carlos Mário Velloso (Re-
No caso, não ficou comprovado que as lator): :e. que, por dois motivos, eu daria
expropriantes, ora apelantes, abandonaram o provimento ao recurso: primeiro, porque,
propósito de dar ao remanescente a destina· realmente, essa área foi desapropriada em
ção de utilidade pública. O contrário, mes- razão do direito de extensão do expropriado.
mo, é o que resulta, de certa forma, do laudo O Sr. Ministro Bueno de Souza: Porque
pericial de fls. 139-45, dos autos. não se pode admitir uma reconsideração da
prescrição, quanto à extensão.
IX O Sr. Ministro Carlos Mário Velloso (Re-
lator): Não há mesmo utilidade pública no
De todo o exposto, dou provimento ao remanescente do expropriado, tratando-se de
apelo, para o fim de julgar improcedente a desapropriação em razão do direito de ex-
ação, invertidos os ônus da sucumbência, tensão.
exatamente como postos na sentença. O Sr. Ministro Bueno de Souza: V. Exilo se
referiu a uma outra área, ou é a mesma?
VOTO O Sr. Ministro Carlos Mário Velloso (Re-
-lator): :e. a mesma. Agora, o outro argumen-
o Sr. Ministro Bueno de Souza: Sr. Pre- to que utilizo é o seguinte: é que, quando se
sidente, quanto a mim, penso que está bem trata de afetação parcial, deve resultar ca-
demonstrado que, no caso, não há prescri- balmente provado que a entidade de direito
ção: não tanto pelas alegações das apelantes, público abandonou o propósito de dar à área
concernentes a seu propósito no tocante à remanescente destino de interesse público.
utilização do imóvel (porque, sendo meras Seabra Fagundes não admite a retrocessão
alegações de parte, insuscetíveis, nas cir- em razão de afetação parcial, conforme ficou
cunstâncias da espécie, de se objetivarem nos explorado no meu voto.
autos, perdem relevo, na apreciação da O Sr. Ministro Bueno de Souza: Se V. Exilo
questão). me permite, desde o momento em que a ale-
Tomando-se, contudo, em consideração as gada afetação parcial, como tal, na verdade,
características da espécie, considerando-se não se configura (porque o que houve, efe-
tivamente, foi ato jurídico negocial baseado fundamento é, a meu ver, suficiente para
no direito de extensão), parece que nos po- acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator,
demos contentar com as primeiras razões. pelas suas conclusões.
O Sr. Ministro Carlos Mário Velloso (Re-
lator): Eu fui adiante apenas porque essa EXTRATO DA ATA
questão não foi explorada. Então, achei que
era meu dever enfrentar os argumentos da AC nQ 66.724-MG (3206556) - ReI.: Min.
sentença e o fiz na última parte do voto. Carlos Mário Vel1oso. Remet.: Juízo Federal
O Sr. Ministro Bueno de Souza: V. Ex4 da 51} Vara. Aptes.: União Federal e Com·
conclui, então, julgando a demanda impro- panhia de Desenvolvimento do Vale do São
cedente; e, por isso, também dou provimen- Francisco. Apdos.: Antônio Pedro de Olivei-
to à apelação. ra e outros. Advs.: Drs. Eloy Souza e ou-
tros, Gilberto Alves da Silva Dolabela, ou-
VOTO tros e João Procópio de Carvalho.
Decisão: a Turma, por unanimidade, deu
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: provimento ao apelo. Sustentou oralmente o
Não há direito de retrocessão quanto à área Dr. Antônio Cruz Neto, pela Codevasf, ape-
remanescente, vez que incluída na expropria- lante (em 19.3.84, 41} Turma).
tória a pedido da própria expropriada. O Participaram do julgamento os Srs. Minis-
caso é, pois, de carência de ação. Por isso tros Bueno de Souza e Antônio de Pádua
mesmo não vejo necessidade de discutir Ribeiro. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr.
prescrição acerca de ação inexistente. Tal Ministro Carlos Mário Velloso.

DESAPROPRIAÇÃO - DESISTENCIA - JUROS COMPENSATORIOS

- Desistência de desapropriação quando a expropriante reteve


a posse mediante imissão provisória torna devidos, na própria ação
expropriatória, juros compensatórios já fixados em sentença e na con-
ta de liquidação.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


Maria Aracy Cunha da Silva e outros versus Cia.
Metropolitana de Habitação de São Paulo - Cohab/SP
Recurlio Extraordinário nQ 101.238 - Relator: Sr. Ministro
0scAJl CoRRh

ACÓRDÃO llELATÓllIO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, O Sr. Ministro Oscar Co"êa: A hipótese
acordam os ministros da Primeira Turma do vem resumida no despacho de fls. 6OQ.4 que
Supremo Tribunal Federal, na conformidade deferiu o recurso:
da ata do julgamento e das notas taquigrá- "Trata-se de expropriatória da qual desis-
ficas, por unanimidade de votos, em conhe- tiu a Cohab após seu trânsito em julgado,
cer do recurso e lhe dar provimento. quando imitida já se achava na posse do
Brasília, 13 de abril de 1984. Soares Mu- bem expropriado. Em primeiro grau, homo-
noz, Presidente. Oscar Co"êa, Relator. logada a desistência, entendeu-se que os ju-

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