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DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO N.

º 37/ CC /2021

N/Referência: PºR.P.99/2020 STJSR-CC Data de homologação: 28-07-2021

Recorrente: Ana M…, Notária.

Recorrido: Conservatória do Registo Predial de P....

Assunto: Contrato de permuta de um prédio por metade indivisa de uma fração autónoma, celebrado pela
meeira e pelo conjunto dos titulares da herança de determinada pessoa, de uma parte, e por um dos
referidos titulares, de outra parte.

Palavras-chave: Herança indivisa – Permuta - Sub-rogação – Património autónomo -

Relatório

1. Em causa no presente recurso estão as decisões de qualificação que incidiram sobre os seguintes
pedidos de registo: a) Ap. ….. de 2020/07/29: aquisição do prédio descrito sob o nº1206/19911028 da freguesia
de P…. (…..), concelho de P…., a favor de Lígia ……. e marido, Fernando …….., e b) Ap. ...4 de 2020/08/131 :
aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito da fração autónoma “A” do prédio descrito sob o
nº 109/19870923 da dita freguesia de A… (…), a favor de L…. Maria ……., viúva, referida Lígia e Luís Filipe
……..
1.1. Situação registal vigente à data dos pedidos: a) Prédio 1206: Aquisição a favor de João ....; b)
Fração “A” do prédio 109: Aquisição, na proporção de 1/2 para cada um, a favor da indicada Lígia e de João Alves
..., casado com P…. Amaral ……, na separação de bens.
1.2. Ambos os pedidos foram instruídos com: Certidão da habilitação de herdeiros constante de
Procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos ( Pº nº …3/2011, da Conservatória do Registo
Civil de P...) , da qual consta que o mencionado João .... faleceu no estado de casado com a dita L.... Maria ...
na comunhão geral, e que deixou como herdeiros sua referida esposa e seus filhos, os supra referidos Lígia e
Luís Filipe; e Certidão da escritura de permuta e compra e venda outorgada no Cartório Notarial da apresentante
– que, na identificação que de si fez nas requisições, mencionou a qualidade de “representante legal” dos
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1 Este pedido foi inicialmente apresentado na mesma data do primeiro, mas a circunstância de, em vez da fração autónoma, ter
sido indicado o prédio como objeto imediato do pedido, veio a ser novamente apresentado, desta vez com referência ao objeto imediato
constituído pela fração autónoma. Embora transpareça dos autos que a nova apresentação terá sido enquadrada no disposto no art. 73º/8
do Código de Registo Predial, não existem no processo elementos que permitam conhecer os termos exatos em que terá sido aplicado o
suprimento de deficiências, mas esse conhecimento não assume relevância para efeito da presente impugnação (daí que não tenhamos
providenciado pela instrução do processo com tais elementos).
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respetivos sujeitos ativos - e ora recorrente, na qual: a) os mencionados titulares da herança de João .... (sendo
que a dita L.... Maria ... é também meeira), de uma parte, e os mencionados Lígia e marido, de outra, celebraram
um contrato de permuta, cujo objeto foi constituído, respetivamente, pelo dito prédio 1206 e pela referida 1/2 da
fração autónoma “A”, e, ulteriormente, b) aqueles primeiros e o dito João Alves ... venderam aquela fração
autónoma “A” a Francisco M…..2.

2. Ambos os pedidos foram recusados, em despachos que aqui damos por integralmente reproduzidos
e dos quais extraímos a parte, igual em ambos, respeitante à fundamentação:
- «Não sendo caso de suprimento de deficiências é recusada a inscrição de aquisição (…) nos
termos do art. 69º do Código do Registo Predial e art. 280º nº 1 do Código Civil, por não ser possível
permutar entre herdeiros um prédio em concreto que faz parte da herança indivisa.
(…) uma das herdeiras do titular inscrito e seu marido trocam com a massa de herança indivisa o
direito que têm a metade indivisa de uma fração autónoma, recebendo em troca da massa da herança (a
qual é também encabeçada pela permutante) um prédio que dela faz parte.
(…) a titularidade numa universalidade de bens que compõem a herança e meação de dissolvido
casal não partilhada não tem por consequência que se possa alienar entre herdeiros, por qualquer ato
translativo, objetos concretos e determinados que dela façam parte a menos que tenha existido prévia
partilha e registo dela.
Antes da partilha o que é possível é a cessão do quinhão hereditário a outro herdeiro (pois que é
de uma herdeira que falamos) mas esta abrange todo o ativo e passivo e nunca um objeto concreto que faça
parte da herança, motivo porque o ato é nulo por o objeto ser impossível por indeterminado o direito que nele
assiste a cada um dos herdeiros por falta de prévio ato de partilha.»
2.1. Conforme anotações efetuadas, a recusa relativa ao prédio nº 1206 foi notificada em 2020/08/25
e a recusa relativa à fração “A” foi notificada em 2020/09/01.

3. As duas decisões foram objeto de impugnação por parte da referida Notária, num único requerimento,
cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, no qual, muito sinteticamente, alega:
- Que «não estamos perante uma alienação entre herdeiros, mas sim a alienação entre dois
patrimónios autónomos (…) o próprio da herança (…) e o próprio de uma das herdeiras, patrimónios
distintos que não se devem confundir»;
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2 O registo da correspondente aquisição foi pedido na mesma data (Ap. ….5 de 2020/08/13) e foi registado provisoriamente por
natureza, nos termos do art. 92º/2-d) do Código de Registo Predial. Inicialmente o pedido foi interpretado como tendo por objeto metade
indivisa, mas, já depois da interposição do presente recurso, procedeu-se à respetiva retificação: o objeto da aquisição é a (totalidade da)
fração autónoma; também é sujeito passivo o João Alves Carreiro; e a provisoriedade por natureza incide apenas sobre a metade indivisa
a que respeitou o anterior pedido da Ap. ...4. Constata-se que houve lapso, que cumpre retificar, na menção da alínea relativa à
provisoriedade por natureza, pois que ficou a constar a alínea b), em vez da alínea d), que constava da inscrição objeto de retificação.
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- «A herança (entenda-se todos os herdeiros a permutar um bem do património autónomo da
herança indivisa) permutou com uma das herdeiras um bem próprio desta, tendo cada um deles ingressado
no respetivo património. Nulo seria, se fossem alienados objetos concretos e determinados do património
da herança indivisa entre herdeiros (e apenas do património da herança sublinhe-se) sem prévia partilha
e registo, dada a sua natureza indivisível, o que não foi de todo o que aconteceu no negócio apresentado».
3.1. Foi cobrado emolumento correspondente a dois recursos, tendo sido efetuadas duas anotações no
livro Diário (Ap. s ..94 e ..95 de 14/09/2020), a que couberam as correspondentes anotações em cada uma das
fichas.

4. As alegações da recorrente não lograram demover a recorrida que, em despacho proferido em


cumprimento do disposto no art. 142º-A/1 do Código de Registo Predial e que aqui damos por integralmente
reproduzido, sustentou as decisões de qualificação.
Na base da discordância com a recorrente está a consideração de que nos encontramos perante
permuta celebrada entre herdeiros: (…) enquanto não existir determinação da parte alíquota que a cada um dos
herdeiros pertence e adjudicação de bens certos e determinados que a preencham, não podem ser objeto de
negócios jurídicos entre eles bens concretos que façam parte da herança (…) (sublinhado nosso).
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Saneamento: o processo é o próprio3, as partes legítimas4, o recurso tempestivo, e inexistem questões
prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito.

Pronúncia. A posição deste Conselho vai expressa na seguinte

Deliberação5

3 Como deixámos relatado, na situação em tabela temos: duas decisões de qualificação, com a mesma fundamentação,
proferidas sobre pedidos efetuados em requisições e datas diferentes, pelo mesmo apresentante e relativos a factos constantes do mesmo
título; um único recurso hierárquico, tendo por objeto ambas as decisões; em desadequação da unidade do recurso, foi cobrado à
recorrente o emolumento correspondente a dois recursos e efetuadas duas anotações no diário; e, desta vez em adequação àquela
unidade, um único despacho de sustentação.
Têm sido muitas as ocasiões em que este Conselho tem tido oportunidade de manifestar o entendimento de que os elementos
que in casu não comungam de unidade – duas decisões, cujos pedidos foram formulados em requisições e datas diferentes– não
constituem necessariamente fundamento para dar por prejudicada a unidade impugnatória, havendo que, caso a caso, apreciar se,
apesar daquela diversidade quanto a alguns elementos, existe conexão que “suporte” a interposição de um único ( ou, tendo sido
interposto mais do que um, deva constituir fundamento de apensação), nomeadamente assente na existência de identidade de
fundamentação e de título. Cfr., a titulo exemplificativo e remetendo para a respetiva fundamentação, , R.P. 285/2004 in BRN nº 1/2005
(Caderno II), R.P. 66/2007 DSJ-CT(nota 1) , acessível em https://bit.ly/3ljy35J, R.P. 67/2007 DSJ-CT( nota 1), acessível
https://bit.ly/3lhhzL6, , e R.P. 54/2018 STJSR-CC, acessível em https://bit.ly/3qPH1c3.
Perante a relatada identidade da fundamentação constante dos dois despachos, proferidos sobre pedidos instruídos com o
mesmo título, não há como não admitir a unidade utilizada pela recorrente, apresentante dos dois pedidos de registo.
A unidade utilizada pela recorrente deveria ter sido “respeitada”, quer no que respeita à cobrança emolumentar, quer quanto à
anotação no livro Diário. A prática utilizada pela recorrida, supra relatada, já por diversas ocasiões foi objeto de “reprovação” por parte
deste Conselho, como pode ver-se, a título exemplificativo, no já referido Pº R.P.66/2007 DSJ-CT, nos seguintes termos:
«(…) tendo sido interposto um único recurso hierárquico, cumpriria à Conservatória proceder a uma única apresentação
no livro Diário e à anotação da interposição do recurso hierárquico na ficha (…) sob o mesmo número de apresentação (…) assim
como lhe caberia exigir, a título de preparo a quantia correspondente a um único processo de recurso hierárquico (…) pois que,
ainda que ao processo se liguem diversas causas de pedir é à entidade ad quem que compete apurar da (in)admissibilidade da
cumulação objetiva nos autos(…). (Sublinhados nossos).

4 Dado que a recorrente foi a apresentante dos pedidos de registo, está indiscutivelmente assegurado o pressuposto processual
da legitimidade (art. 141º/4 do CRP), sem embargo da errada menção nas requisições de registo da qualidade de representante legal do
adquirente; quer-nos parecer que tal menção se reportará, ainda que inadequadamente, à qualidade de sujeito da obrigação legal de
registar e não à qualidade de representante que, a existir, só poderia situar-se, neste caso, no plano da representação voluntária.
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A dúvida faria sentido se o recurso tivesse sido interposto pelos mencionados adquirentes, pois que a respetiva legitimidade
estaria dependente da circunstância de a instância ter tido por base uma (alegada) representação voluntária, o que pressuporia que fosse
possível interpretar aquela menção no sentido de que se reportava a uma representação voluntária (art. 39º/2-B do CRP e art. 3º da
Portaria 621/2008, de 18 de julho). Cfr., sobre o ponto, o parecer emitido no Pº R.P. 98/2013 STJSR-CC, acessível em
https://bit.ly/2PXPdKB.

5 Pertencem ao Código Civil todas as disposições leais que daqui em diante mencionarmos sem indicação do respetivo diploma
legal.
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1. É incontestável que o regime regra de administração da herança, previsto no artigo 2091º/1 do Código
Civil - «Fora dos casos declarados nos artigos anteriores6 e sem prejuízo do disposto no artigo 20787, os direitos
relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros»8
9 - é aplicável à celebração de contrato de permuta de bem imóvel pertencente à herança ( v.g., como in casu
se passou, de um prédio urbano ), situação em que o bem sub-rogado no lugar desse imóvel( v.g. , como in casu
se passou, de metade indivisa de uma fração autónoma ) fica a integrar a mesma herança, em conformidade
com o disposto no artigo 2069º/a) do Código Civil.

2. A exigência daquela intervenção conjunta, concretamente na celebração de contrato de permuta, -


que se deu na situação aqui em tabela, sendo que quanto a uma das herdeiras a intervenção se deu também na
qualidade de meeira - funda-se na titularidade, por parte de cada um dos herdeiros, apenas de uma quota ideal(
meação e quinhão hereditário ou só quinhão hereditário)10 na universalidade da herança, e não na titularidade
de qualquer direito sobre o bem permutado11. É, pois, essa qualidade ou posição de contitulares que lhes confere
legitimidade para, conjuntamente, permutarem um bem integrante da herança.

6 De administração pelo cabeça de casal.


7 Exercício da ação de petição da herança por qualquer dos herdeiros.
8 Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.VI, pág. 152, enquadram a dita natureza de regra nos seguintes
termos:
«A grande regra subjacente a todos os artigos anteriores, e que não prejudica de modo nenhum a solução dada à
questão de legitimidade processual posta no artigo 2078º, é a de que os direitos relativos à herança – e não aos fenómenos
periféricos da sucessão – só podem ser exercidos (conjuntamente) por todos os herdeiros ou (do lado passivo) contra todos os
herdeiros.»
9 Conforme determina o nº 2 do mesmo artigo 2091º, a este regime “escapa” a situação em que, não havendo lugar a inventário
obrigatório, o cabeçalato seja exercido por testamenteiro que o testador tenha encarregue do cumprimento de legados e dos demais
encargos da herança e que, para esses efeitos, tenha sido autorizado pelo testador a vender quaisquer bens da herança, móveis ou imóveis,
ou os que forem designados no testamento (cfr. artigos 2327º e 2328º).
10
Fazendo uso da caracterização feita Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol.II,, pág 90,
temos:
«É que, por outro lado, sendo vários os herdeiros e antes de se efetuar a partilha, cada um deles, embora não tenha
um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles, detém, todavia, um
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direito de quinhão hereditário, ou seja, a respetiva quota parte ideal da herança global em si mesma.»

Sobre o ponto, cfr. Pº R.P. 168/2008 SJC-CT( nota 3), acessível em https://bit.ly/3s9pJIi.

11 Carvalho Fernandes, in Lições de Direito das Sucessões, 2ª ed., pág. 339, refere:
«(…) cada herdeiro não tem um direito que se refira, mesmo a título de quota, sobre os bens da herança considerados
individualmente. Eles são apenas contitulares do conjunto; por isso, só coletivamente podem dispor de bens determinados e só
coletivamente respondem pelos encargos da herança, antes da partilha.
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3. Nem existe disposição legal que determine a impossibilidade de celebração de contrato de permuta
entre a herança indivisa e um dos seus contitulares, nem tal impossibilidade pode ser atribuída à natureza da
herança indivisa e/ou aos direitos dos seus contitulares. Não existe, assim, qualquer impedimento legal à
intervenção de uma pessoa, num contrato de permuta, numa dupla qualidade/posição: de uma parte como
contitular da herança indivisa, e da outra como titular singular (como se de um estranho à herança se tratasse).
3.1. Carece, assim, de fundamento legal, considerar nulo um contrato de permuta enquadrado
subjetivamente na referida hipótese (tal como se passa com o dos autos) , com o argumento de que o mesmo
configura um contrato, entre herdeiros, tendo por objeto( quotas de) um bem concreto ( in casu o mencionado
prédio 1206), o que só é legalmente possível depois da partilha12.

Em consonância com o exposto, propomos a procedência da presente impugnação.

Deliberação aprovada, por maioria, em sessão do Conselho Consultivo de 29 de abril de 2021.


Luís Manuel Nunes Martins, relator.
Maria Madalena Rodrigues Teixeira (com declaração de voto, em anexo)
Esta deliberação foi homologado pela Senhora Presidente do Conselho Diretivo, em 28.07.2021.

(…) A partilha, não sendo propriamente, para o herdeiro, um facto aquisitivo, tem eficácia modificativa. Em lugar do que
lhe estava atribuído e que concorria, com os demais co-herdeiros, sobre a herança, enquanto universalidade, por efeito da partilha
ela passa a ter um direito, em titularidade singular, sobre bens determinados - ou sobre dinheiro, se houver tornas – que
representam o valor da sua quota.»
12 Confessamos a nossa dificuldade em perceber o argumento, já que parece abstrair-se da circunstância de que a intervenção
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dos contitulares da herança é feita, incluindo pela Lígia, enquanto titulares de quotas ideais da herança, e não de quotas do próprio prédio
1206. No plano da sub-rogação prevista no dito artigo 2069º/-a), a herança, que antes integrava o prédio 1206, passou ser integrada pela
metade indivisa da dita fração autónoma “A”. Desse “novo” âmbito da herança continuam a ser contitulares os mesmos sujeitos, incluindo
a Lígia. Só poderia falar-se de nulidade, se a lei impedisse a celebração de negócios jurídicos entre a herança e algum ou alguns dos seus
contitulares; não o impedindo, tudo se passa, para este efeito, como se a permuta tivesse celebrada com um estranho.

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P.º R.P. 99/2020 STJSR-CC

Declaração de Voto

Vencida.

Entendo, com a recorrida, que os registos devem ser recusados, por impossibilidade legal do negócio jurídico de
permuta de bem da herança entre herdeiros, pelo que voto pela improcedência do recurso hierárquico.

Fundamentação:

1. Seja qual for o entendimento seguido quanto à natureza jurídica da herança indivisa, sabemos que estará
sempre em causa um património, vale dizer, “um acervo composto por elementos suscetíveis de avaliação
pecuniária e agregados entre si por um denominador comum”, e que a herança poderá abranger bens que não
integravam o património do falecido, no momento da abertura da sucessão, mas que nele podem ingressar,
designadamente, através de um fenómeno de substituição ou de sub-rogação real direta, como acontece com os
bens recebidos por permuta de bens da herança, que passam, portanto, a ocupar o lugar dos bens trocados (art.
2069.º/a) do CC) 13;

2. Porém, também sabemos que os direitos relativos à herança são exercidos, em conjunto, por todos os herdeiros
(art. 2091.º do CC) e que a autonomia ou a separação patrimonial, que carateriza a herança e se manifesta nos
arts. 2070.º e 2074.º do CC, não se traduz em autonomia subjetiva da comunhão ou em autonomização do grupo
face às pessoas individuais que o compõem, posto que em nenhuma passagem da lei se reconhece personalidade
jurídica à comunhão ou à herança indivisa;

3. Não obstante cada uma das partes, no contrato em apreço, se encontrar preenchida por uma pluralidade de
sujeitos, a vontade negocial só poderá ser atribuída a cada um dos indivíduos, e não ao grupo como entidade
autónoma, pelo que, a meu ver, o que ocorre, relativamente à intervenção da herdeira que recebe um bem da
herança por permuta, é a figura do contrato consigo próprio, cuja possibilidade material e jurídica apenas aparece
admitida no mecanismo da representação (art. 261.º do CC).

4. Não havendo, na dita permuta, um sujeito jurídico a se ou um sujeito novo (herança indivisa), distinto dos
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participantes individuais (herdeiros), a outorgante Lígia é, a um tempo, parte e contraparte no negócio jurídico,
recebendo um bem da herança, que passa a integrar o seu património conjugal, e dando, em troca, um bem que

13 Seguimos de perto, Elsa Vaz de Sequeira, Da Contitularidade de Direitos no Direito Civil – Contributo para a sua Análise Morfológica,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, e Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris Sociedade Editora,
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integrava a sua comunhão conjugal e que, agora, lhe passará a pertencer, em comum e sem determinação de
parte ou direito, na qualidade de herdeira;

5. Ora, a mais da impossibilidade lógica que parece resultar da reunião na mesma pessoa de duas vontades
psicológicas animadas por interesses contrapostos, sobreleva o facto de que, no contrato, cada um dos
contraentes flete a balança para o prato em que põe os seus interesses, sendo desta divergência de forças que
resulta o equilíbrio económico da convenção14. Daí que o autocontrato seja, em regra, inválido e só seja admitido,
sob certas cautelas, no âmbito da representação.

6. Hipótese diversa da que ora se considera seria a de estar em causa o cumprimento de direitos ou de obrigações
de que a herdeira fosse titular em relação ao autor da sucessão; caso em que o regime a mobilizar não seria já o
que está contido no art. 2091.º do CC, mas o que se encontra previsto no art. 2074.º do CC, onde (n.º 3)
precisamente se declina a coincidência na mesma pessoa do exercício de duas posições contrárias ou interesses
contraditórios15.

Lisboa, 29 de abril de 2021.

O membro do conselho consultivo,


(Maria Madalena Rodrigues Teixeira)
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14 Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 433.
15 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p.129.
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