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N.

º 12/ CC /2015

N/Referência: PROC.: R. P. 78/2014 STJ-CC Data de homologação: 29-01-2015

Recorrente: M….. – Investimentos Imobiliários, Lda.

Recorrido: Conservatória do Registo Predial de …..

Assunto: Procedimento cautelar não especificado que visa a proibição de alienação de quinhões hereditários para
salvaguarda do direito de preferência legal – Afetação da livre disposição em termos gerais versus
afetação da livre disposição com determinada pessoa – Efeitos do seu registo sobre os registos
subsequentes – Permuta ou Compra e Venda – Contrato misto.

Palavras-chave: Procedimento cautelar não especificado – Proibição de alienação – Preferência legal – Permuta – Contrato
misto.

PARECER

Relatório

1. O presente recurso hierárquico vem interposto da qualificação como provisório por natureza nos termos
previstos no artigo 92.º, n.º 2, al. b), do Código do Registo Predial (CRP) do registo de transmissão de posição,
efetuado com base em escritura de nomen «Permuta», através da qual se alienam quinhões hereditários,
posterior a um registo de procedimento cautelar não especificado realizado como provisório por natureza [artigo
92.º, n.º 1, al. a)] e dúvidas.

1.1. De facto, quando em 25 de setembro de 2014 foi apresentada requisição com 4 distintos pedidos de registo
na Conservatória do Registo Predial de ….. e dentre os quais o registo de aquisição1 a favor de M….. –
Investimentos Imobiliários, Lda., sobre as frações A, B, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P do prédio n.º
../19910805, da freguesia de C….., concelho de L….., ao qual veio a caber a Ap. …. desse dia, incidiam em
comum sobre as ditas fichas os registos seguintes2:

– AP. .. de 1991/05/23 – Aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito – CAUSA : Sucessão
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 01 • Data: 22-01-2014

– AVERB. - AP. …. de 1997/01/13 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –


CAUSA : Sucessão

1 A opção escolhida da requisição de registo foi efetivamente a de “a) Registo de Aquisição □ A favor de”. Por certo, devido à preliminar
apreciação dos documentos juntos deu-se entrada no Diário como “Transmissão de Posição”.

2 Sobre as frações A, B, D, E, e F incidiam ainda dois registos de penhora que entretanto foram objeto de cancelamento.

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– AVERB. - AP. .. de 1998/08/20 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –
CAUSA : Sucessão

– AVERB. - AP. . de 2003/07/21 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –


CAUSA : Permuta – SUJEITO ATIVO: P... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES CIVIS, S.A.

– AVERB. - AP. .. de 2005/01/25 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –


CAUSA : Sucessão Hereditária

– AVERB. - AP. 7… de 2014/08/21 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –


CAUSA : Dissolução da Comunhão Conjugal e Sucessão Hereditária

– AP. .... de 2014/09/01 - Procedimento Cautelar Não Especificado – PROVISÓRIO POR NATUREZA E
DÚVIDAS – Artigo 92.º, n.º1, al. a) – SUJEITO ATIVO: P…. - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES CIVIS, S.A. –
PEDIDO: a) Serem todos os requeridos (ora sujeitos passivos) condenados a não realizar a escritura de compra
e venda dos quinhões hereditários que possuem na fração com a requerida "M…. - Investimentos Imobiliários,
Lda.", com sede na Rua V….., no 13G, 1.º esquerdo, L…., Pessoa Coletiva 510 … …; b) Serem todos os
requeridos (ora sujeitos passivos) condenados a, caso pretendam ainda realizar o negócio de venda dos
quinhões hereditários, notificar a requerente (ora sujeito ativa) dos seus precisos termos, com indicação do valor
atribuído a cada quinhão, bem como expurgada das condições ilegais e que não se traduzem em condições
essenciais e efetivas do negócio.3

3 Duas notas:

I) O pedido efetuado no Procedimento Cautelar foi adaptado para cada ficha aquando do registo, sendo que o que consta da peça
processual que serviu de base a registo é mais precisamente: «a) Serem todos os requeridos, sem audição prévia e com inversão do
contencioso condenados a não realizar a escritura de compra e venda dos quinhões hereditários que incluem as frações autónomas
A, B, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P do prédio inscrito sob o artigo urbano n.º …. da freguesia de S… maior e descrito na
Conservatória do Registo Predial de …. […] com o n.º ../19910805 da freguesia da C…. [extinta] com a 13.ª requerida; b) Serem os
mesmos 1.º a 12.º requeridos condenados a, caso pretendam ainda realizar o negócio de venda dos quinhões hereditários, notificar a
Requerente dos seus precisos termos, com indicação do valor atribuído a cada quinhão, bem como expurgada das condições ilegais e
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que não se traduzem em condições essenciais e efetivas do negócio;» [Destaque nosso]. Constam ainda dois outros pedidos [alínea c):
«Ser notificado o IRN, para que difunda a condenação expressa em a) a todos os notários em território nacional, para que se abstenham
de realizar tal escritura.» e d): «Serem os requeridos condenados em sanção pecuniária compulsória, para assegurar a efetividade da
providência (…)»].

II) Não está em causa no presente processo a qualificação do procedimento cautelar, pelo que a referência que fizermos sobre o
procedimento cautelar não especificado e nomeadamente sobre a sua sujeição ou não a registo será na medida da consequência que
possa advir para o registo posterior de transmissão de posição.

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1.1.1. Foi este o registo que se efetuou e de cuja qualificação se recorre:

– AVERB. – AP. … de 2014/09/25 - Transmissão de Posição DA APRESENT. .. de 1991/05/23 – Aquisição –


PROVISÓRIO POR NATUREZA - Artigo 92.º, n.º 2, al b) – CAUSA : Permuta – SUJEITO ATIVO: M….. -
INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, com identificação dos respetivos sujeitos passivos;

1.2. E a que serviu como documento principal a escritura pública supra referenciada [ponto 1.] através da qual
certos titulares inscritos deram, na parte a que cada um respeita, o quinhão hereditário da herança aberta por
óbito da referida Adelaide Augusta Sousa Leão, à sociedade M…. – Investimentos Imobiliários, Lda., no valor
atribuído de €779.380,00 e, em troca, a dita sociedade deu aos mesmos uma fração J, do prédio n.º 25/, da
freguesia de M…, concelho de L…., anteriormente identificada e com o valor atribuído de €150.000,00, e a
importância de €629.380,00.

1.3. Ora, recaindo sobre as frações aquele registo de Procedimento Cautelar Não Especificado, foi, como se
antecipou e pode ver, o registo de transmissão da posição efetuado como provisório por natureza [artigo 92.º, n.º
2, al. b)]4 e notificada a concernente qualificação.

2. Por não se concordar com a decisão de qualificação, interpôs-se o presente recurso hierárquico, defendendo-
se em síntese que:

– A P.... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES CIVIS, S.A., adquiriu por permuta dois quinhões hereditários que
integram as frações autónomas em causa e através do registo do procedimento cautelar não especificado
pretenderá fazer valer o direito de preferência que resulta do disposto no artigo 2130.º, n.º 1, do Código Civil
(CC);

– O disposto no artigo 2130.º, n.º 1, do CC apenas se aplica a casos de alienações de quinhões hereditários por
venda ou dação em pagamento e a M…… - Investimentos Imobiliários, Lda. permutou com alguns herdeiros os
quinhões hereditários de que eram titulares – não foi realizada qualquer compra e venda!
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 01 • Data: 22-01-2014

4 Mas não se esclareceu se devido a uma relação de dependência ou incompatibilidade entre os dois registos. Clarificação que é
importante para garantir a exata publicidade da situação jurídica dos prédios e consequente posterior e correta aplicação dos nºs 7 ou 8
do artigo 92.º do CRP. Como recentemente se sublinhou no Proc.º n.º R. P. 63/2013 STJ-CC (nota 17), disponível em
http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2014/ct-publicacoes-de/, «nos casos em que se mostre pertinente
qualificar um registo como provisório por natureza ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP, importa sempre
esclarecer devidamente se essa relação é de dependência ou de incompatibilidade.»

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– A permuta é negócio diferente da compra e venda e, no caso da primeira, não há qualquer direito de
preferência decorrente do disposto no artigo 2130.º, n.º 1, do CC, conforme é jurisprudência pacífica [que citou a
título de exemplo].

– Dado o pedido de condenação constante da providência cautelar [ (…) a não realizar a escritura de compra e
venda dos quinhões hereditários (…) negócio de venda dos quinhões hereditários (…) ] é evidente que o registo
de transmissão por permuta dos quinhões hereditários não depende ou é incompatível com o registo do mesmo
pedido.

– Pelo que, «Não cabendo sequer qualquer direito de preferência à referida P... - SOCIEDADE DE
CONSTRUÇÕES CIVIS, S.A. na transmissão por permuta dos quinhões hereditários o registo deveria ter sido
realizado como definitivo e não como provisório por natureza».

3. No despacho de sustentação expressamente previsto no artigo 142.º-A, n.º 1, do CRP, a Sr.ª Adjunta do
Conservador sustentou que «O registo de aquisição por permuta foi qualificado como provisório por natureza nos
termos do artigo 92.º, n.º 2, alínea b) fundamentando-se no facto de se tratar de inscrição dependente de outro
registo provisório – procedimento cautelar não especificado»5 e que embora no caso em apreço não tenha sido
realizado um contrato de compra e venda, mas sim de permuta, e por tal não lhe aplicar o regime do direito de
preferência, artigo 1409.º do Código Civil, o facto é que houve um efeito principal igual ao da compra e venda – a
transmissão da propriedade.

5 Apesar do que se dirá mais à frente, isto é, acerca de entendermos que não havia qualquer relação de dependência direta ou
incompatibilidade entre os registos, julgamos que, a existir dependência seria de sinal contrário ou incompatível. De facto, como
salientamos na nota anterior, essa distinção é importante devido aos efeitos que têm sobre o registo assim lavrado [como provisório,
artigo 92.º, n.º 2, b)] a conversão do registo provisório e anterior em definitivo, a sua caducidade ou cancelamento, salvo se outra for a
consequência da requalificação do registo dependente ou incompatível, nos termos dos já citados nºs 7 e 8 do artigo 92.º do CRP. A título
elucidativo e exemplificativo existe dependência (em sentido direto) quando a inscrição não subsiste para além daquela de que depende
por se apoiar na outra, como é o caso paradigmático do registo de hipoteca voluntária antes de lavrado o título constitutivo solicitado em
seguida a um registo de aquisição antes de titulado o contrato; há dependência de sinal contrário ou incompatibilidade quando as
inscrições atentam contra outras existentes, excluindo-se reciprocamente (Cfr. J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, Noções de Direito Registral
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Predial e Comercial, 2.ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 217). Por isso dizemos que o ónus de inalienabilidade deverá ser
registado, por dependência do ato aquisitivo provisório, como provisório por natureza, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 2, alínea
b) – Proc. 61/96 R.P. 4, BRN 9/1996, p. 21, in http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/ (aqui BRN 8/1996);
diversamente, na pendência de registo provisório de aquisição efetuado antes de titulado o contrato, a inscrição de aquisição a favor de
terceiro, fundada em contrato de compra e venda que celebrou com o titular da inscrição de aquisição definitiva, deve ser lavrada
provisoriamente por natureza nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP, mas por dependência indireta ou se sinal contrário,
isto é, por ser incompatível com aquele registo provisório - Proc. R.P.52/99 DSJ-CT, BRN 10/99, também ali disponível.

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4. Expostas as divergentes posições, iremos conhecer do mérito já que o processo é o próprio, as partes têm
legitimidade6 e o recurso é tempestivo.

APRECIAÇÃO

1. É pacífica a afirmação de que estão sujeitos a registo os procedimentos que tenham por fim o decretamento
de providências que afetem a livre disposição dos bens.

1.1. Com efeito, resulta claramente do artigo 3.º, n.º 1, d) do CRP7 que estão sujeitos a registo os procedimentos
que tenham por fim o decretamento do arresto e do arrolamento, bem como de quaisquer outras providências
que afetem a livre disposição dos bens. O artigo 8.º-A, n.º 1, b), in fine, exceciona-os da obrigatoriedade de
registo, mas já é obrigatório o registo da respetiva providência, a não ser que já se encontre pedido o registo da
ação principal [artigo 8.º-A, n.º 1, b) e n.º 2] e o artigo 53.º esclarece qual o documento que deve servir de base
ao seu registo. O artigo 92.º, n.º 1, a), por seu lado, determina que se efetue como provisório por natureza, não
estando sujeito a qualquer prazo de caducidade [artigo 92.º, n.º 11] e o artigo 95.º, n.º 1, g), que o extrato da
inscrição deve conter como menção especial o pedido. Finalmente, a providência decretada no procedimento
cautelar registado será registada por averbamento à respetiva inscrição [artigo 101.º, n.º 2, a)].

1.2. Procedimentos que, em geral, são os previstos no Título IV do Código de Processo Civil (CPC), mais
precisamente nos artigos 362.º e seguintes, regulando o Capítulo I o chamado Procedimento cautelar comum e
o Capítulo II os Procedimentos cautelares especificados, designadamente o arresto [artigos 391 e ss. CPC] e o
arrolamento [artigos 403.º e ss. CPC], aos quais se aplica subsidiariamente as disposições do Capítulo I pelo
mecanismo da aplicação subsidiária [artigo 376.º do CPC], e que devem a sua existência ao facto de há muito se
ter constatado que o reconhecimento de um direito pode demorar tanto tempo que a decisão, quando proferida,
acaba por perder o efeito prático, tornando-se, como salienta PAIS DE AMARAL, meramente platónica8. Nesse
sentido, o artigo 2.º, n.º 2, do CPC, prevê, como garantia de acesso ao direito, para além das ações, «os
procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação».

1.3. O procedimento cautelar comum aplica-se em todos os casos em que não haja lugar a procedimento
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cautelar especificado. Isto é, o requerente só poderá socorrer-se de procedimento cautelar comum se não

6 O apresentante requereu o registo nos termos do artigo 39.º, n.º 2, a) do CRP.

7 Sempre que a norma não tenha referência ao diploma legal, respeita ao CRP.

8 Cfr. JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 11.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2014, p. 32.

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houver procedimento cautelar especificado (nominado, tipificado) que seja adequado à situação concreta [artigo
362.º, n.º 3 do CPC]9.

1.4. Do artigo 362.º, n.º 1, do CPC resulta que, quanto à sua finalidade as providências a decretar poderão ser
conservatórias, como o arresto e o arrolamento, quando visam conservar a situação de facto anterior e prevenir
uma alteração que pode prejudicar o requerente, ou antecipatórias, que se destinam a obstar à verificação de
prejuízos resultantes da demora da decisão definitiva. Mas, como os procedimentos cautelares especificados
não contemplam todas as situações possíveis, para se acautelar um risco de lesão não especialmente previsto,
pode ser requerida uma providência cautelar comum que seja adequada à situação concreta desde que se
verifiquem determinados pressupostos: probabilidade séria da existência do direito; fundado receio da sua lesão;
falta de providência cautelar especificada que previna o caso concreto; e que o prejuízo resultante da
providência não exceda o valor do dano que com ela se pretende evitar10.

1.5. Porém, até à aprovação do novo CPC, com a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, os procedimentos cautelares
eram sempre dependência de uma causa e por isso, sempre provisórios, isto é, para durar apenas enquanto não
fosse proferida decisão definitiva na ação principal já proposta ou a propor posteriormente. Contudo, pode
atualmente ser considerada uma solução definitiva, tornando desnecessária a instauração da ação principal, nos
casos em que, solicitada, seja decretada a inversão do contencioso (artigos 364.º, n.º 1, 369.º e 376.º, n.º 4,
CPC). Neste caso, a providência cautelar decretada pode consolidar-se como composição definitiva do litígio,
ficando o requerente dispensado de propor a ação respetiva.

1.6. Foi o requerido no procedimento cautelar registado: «a) Serem todos os requeridos, sem audição prévia e
com inversão do contencioso condenados a não realizar a escritura de compra e venda dos quinhões
hereditários […] com a 13.ª requerida; b) […] condenados a, caso pretendam ainda realizar o negócio de venda
dos quinhões hereditários, notificar a Requerente dos seus precisos termos […]; c) Ser notificado o IRN, para
que difunda a condenação expressa em a) a todos os notários em território nacional, para que se abstenham de
realizar tal escritura […]11.

9 Cfr. JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, op. cit., p. 35 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, Código de Processo
Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 5. Afirmam estes últimos Autores que «não basta, para afastar a tutela cautelar
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comum, que haja um procedimento cautelar especificado formalmente suscetível de integrar a situação concreta carecida de tutela; é
preciso também que o risco de lesão que o procedimento especificado visa afastar coincida com o risco de lesão que concretamente se
verifique.»

10 Cfr. JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, op. cit., p. 34.

11 Sendo certo que, como se disse, só se levaram a registo os dois primeiros pedidos, sem qualquer referência à solicitada inversão do
contencioso.

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1.6.1. Ora, se é competência exclusiva do juiz do processo decidir pela procedência ou improcedência do
procedimento bem como formar a convicção segura acerca da existência do direito e apreciar se a natureza da
providência decretada é ou não adequada a realizar a composição definitiva do litígio, nomeadamente quando
em causa está uma providência conservatória12, cabe-nos apreciar se um procedimento cautelar comum ou
inominado em que se requer a proibição de alienação de determinados bens é um procedimento sujeito a registo
ou não e, mais complexo e concretamente quanto ao registado pela AP. .... de 2014/09/01, averiguar os efeitos
do seu registo sobre os registos subsequentes.

1.7. Quanto à sujeição a registo de um procedimento inominado daquele tipo, tendo por base o princípio contido
na disposição referida [artigo 3.º, n.º 1, d) do CRP13], respondeu-se afirmativamente no Proc. n.º 48/88 R.P. 314,
isto é, que estando sujeitos a registo quaisquer atos ou providências que afetem a livre disposição dos bens, se
compreende naquela disposição «a providência cautelar em que se decide a proibição de alienar os bens», na
medida em que essa «limitação é uma realidade que se impõe a todos e só se lhes pode opor depois do
registo».

1.7.1. O mesmo entendimento se seguiu nos Processos R.P. 89/2006 DSJ-CT e R.P. 203/2006 DSJ-CT15,
considerando-se sujeita a registo a providência cautelar que consistia na proibição para os réus, titulares
inscritos do prédio, de alienar ou onerar quaisquer dos futuros lotes constantes de uma projetada operação de
loteamento.

1.7.2. Mas, o que importa evidenciar é que o ponto comum naqueles processos foi simplesmente o facto de
ambas as providências afetarem, em termos gerais, o poder de disposição do titular inscrito. Dito de outro modo,

12 Sobre a Inversão do contencioso vide, entre outros, RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, 1.ª Edição, Coimbra: Coimbra
Editora, 2014, p. 227-232, em anotação ao artigo 369.º, no sentido de que apenas as providências cautelares antecipatórias permitem
que se requeira a dispensa do ónus da instauração da ação principal e já não quando é pedida uma providência cautelar de segurança,
dando exemplo de não poder ser concedida aquela dispensa quando se pretende uma inibição/proibição de venda futura de um bem a
terceiro para salvaguardar o efeito do direito à execução específica do contrato promessa, ou quando é pedido o arrolamento, etc.; JORGE
AUGUSTO PAIS DE AMARAL, op. cit., p. 39-42; ABÍLIO NETO, Novo Código de Processo Civil, Lisboa: Ediforum, 2013, p. 141 (artigo 369.º);
LUCINDA DIAS DA SILVA, As alterações no regime dos procedimentos cautelares, em especial a inversão do contencioso, in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.pdf, p. 128-141; Acórdão da Relação do
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Porto de 19-05-2014 (MANUEL DOMINGOS FERNANDES).

13 Embora antes da alteração operada pelo Decreto-Lei 116/2008, de 4 de julho, ao CRP, constante da alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º do
CRP e apenas permitindo o registo da providência nele decretada.

14 In Pareceres do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, Vol. II, 1993, p. 163 e ss.

15 Acessíveis em: http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2006/p-r-p-89-e-203-2006-dsj.

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tratava-se de procedimentos que visavam uma indisponibilidade geral, a não alienação com quem quer que
fosse16.

1.7.3. Daí que, mais recentemente, no Proc. R.P. 63/2013 STJ-CC17, se tenha decidido que não deveria ter
acolhimento nas tábuas, por não afetar o poder de disposição em termos gerais, o pedido, feito em procedimento
cautelar, «de proibição dos requeridos [vendedores e compradores de um contrato projetado] celebrarem
escritura de compra e venda daquele determinado prédio e de promoverem a conversão em definitivo do registo
provisório por natureza de aquisição desse mesmo prédio» por não se subsumir na previsão dos artigos 2.º e 3.º.

1.7.4. Logo, de acordo com o que vem expresso, no nosso entendimento, o procedimento cautelar que tem em
vista: i) a proibição de realização de uma determinada escritura de compra e venda de quinhões hereditários
entre os titulares inscritos e uma certa pessoa coletiva; ii) a notificação da requerente nos termos legais para
preferir; e iii) a ser notificado o IRN para difundir a condenação expressa a todos os notários em território
nacional, para que se abstenham de realizar essa mesma escritura com essa pessoa coletiva, por não ter por
objeto uma indisponibilidade geral, afetando a livre disposição dos quinhões hereditários com qualquer pessoa,
não caberia no âmbito do artigo 3.º, n.º 1, d), in fine.

2. Mas, admitamos que era de registar. Concedamos até que se pedia a não realização de escritura pública com
qualquer pessoa. Quais os efeitos do registo desse determinado procedimento cautelar sobre os registos
subsequentes18?

16 O conteúdo do direito de propriedade abrange as faculdades de uso, fruição e disposição do direito, de modo pleno e exclusivo (artigo
1305.º do CC). A faculdade de disposição compreende o poder para alienar, o poder para onerar e o poder para renunciar. Mais,
compreende, assim, quer o poder de praticar atos jurídicos de alienação da coisa, quer o de realizar atos materiais de transformação
(v.g., construção de edifício). Mas, o conteúdo do direito de propriedade não é ilimitado, pois o artigo citado obriga o proprietário a
respeitar os limites da lei e as restrições por ela impostas. Ora, se o poder para alienar (ou onerar), ficar limitado no seu todo, afeta-se a
livre disposição do bem. Afirma CATARINO NUNES (Código do Registo Predial anotado, Coimbra: Biblioteca Jurídica Atlântida, 1968, p. 134):
«Os atos ou providências que afetem a livre disposição de bens estão todos e sempre submetidos a registo.»; e J. A. MOUTEIRA
GUERREIRO dá mesmo como exemplo de «providência cautelar não especificada» a que determina que o requerido não pode alienar ou
onerar o prédio (op. cit., p. 53).
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Sobre o conteúdo do direito de propriedade vide LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, 3.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2013,
p. 279-280, JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 669-670 e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA,

Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed. rev. e act., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 92-95, em anotação ao artigo 1305.º.

17 Disponível em http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2013/r-p-63-2013-stj-cc.

18 Com o nosso entendimento de que não estava sujeito a registo aquele procedimento cautelar registado pela AP. …. de 2014/09/01 já
se vê que admitimos que o recurso merece provimento.

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2.1. CATARINO NUNES (op. cit., p. 135) afirmou que «Os efeitos destes atos e providências consistem em tornar
ineficazes e inoponíveis os atos que lhe sejam contrários e constem do registo.»19 Se for este o caso o registo
subsequente deverá inscrever-se definitivamente. Voltemos então a soluções já dadas:

2.2. No Processo R.P. 91/2008 SJC-CT20, a propósito do reflexo do registo de arrolamento sobre os registos
posteriores, escreveu-se o seguinte: «Por nós, à semelhança do que vale para o arresto e a penhora,
entendemos que a salvaguarda dos interesses por detrás do arrolamento em princípio se asseguram com a
mera ineficácia (ou inoponibilidade) dos atos dele “transgressores” […]. Ou seja: registado o arrolamento, o
registo da transmissão que o requerido, contra a indisponibilidade jurídica de que ficou atingido, acaso resolva
empreender, não deverá por essa razão ver-se negado nem diminuído, e lavrar-se-á definitivamente […]. Em
princípio, repetimos, é assim que deve ser. Na verdade, numa providência com a elasticidade instrumental do
arrolamento, que se presta à satisfação provisória dos mais díspares interesses, não reputamos prudente que se

19 No seguimento, que «O conservador deve ter todo o cuidado em lhes não alterar o conteúdo, mesmo com a boa intenção de
esquematizar e extratar.» E que « […] melhor é fazer a descrição literal».

Procuremos, com LUÍS A. CARVALHO FERNANDES (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5.ª Ed. (Rev. e Act.), Lisboa: Universidade Católica
Editora, 2010, p. 466 e ss., 492 e ss. e 542 e ss.), distinguir entre validade e eficácia – O negócio jurídico é válido quando se revela apto a
subsistir na ordem jurídica por na sua génese terem sido observados todos os requisitos de ordem geral, como de ordem particular, que
integram o modelo legal; se, para além disso, o negócio pode produzir os seus efeitos próprios, segundo o seu conteúdo, diz-se eficaz. É
perfeito o negócio válido e eficaz. Em termos gerais, a afetação da validade do negócio acarreta, a impossibilidade de se produzirem os
efeitos adequados ao seu tipo. Porém, há negócios inválidos que podem ainda, embora interinamente, produzir alguns efeitos. No CC
identificam-se dois modelos tipo de invalidade: a nulidade, como invalidade absoluta, insanável e de eficácia automática, e a
anulabilidade, como invalidade relativa, sanável e de eficácia não-automática. Importante é ainda o princípio geral segundo o qual a
declaração de nulidade e a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (artigo 289.º,
n.º 1, do CC). Já o negócio meramente ineficaz é, em si mesmo, válido, e, em princípio apto a produzir efeitos jurídicos que estão
impedidos por qualquer circunstância. A ineficácia pode ser total e parcial ou absoluta (se a ineficácia do negócio vale indistintamente
entre as partes e mesmo em relação a terceiros) e relativa (se a ineficácia só respeita a certas pessoas, sendo o negócio eficaz
quanto a outras). No plano da ineficácia, a ideia de inoponibilidade corresponde à modalidade de ineficácia relativa, ou seja, a casos em
que os efeitos de certo negócio não podem ser opostos a determinadas pessoas ou invocados contra elas. Verifica-se uma situação de
inoponibilidade quando o negócio dotado de eficácia interna (que respeita às partes e seus herdeiros) não pode ser invocado perante
terceiros, de que são exemplo os negócios sujeitos a registo predial enquanto este não for feito (artigos 4.º e 5.º).
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Sobre o tema vide ainda CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 605 e
ss., que esclarece que «A ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou
de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa.» Dá,
nomeadamente, como exemplos de ineficácia relativa os atos de disposição ou oneração de bens penhorados – artigo 819.º do CC – e a
alienação de coisa que foi objeto de promessa de venda com eficácia real.

20 Acessível em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2008/.

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deva ir muito além da afirmação dum princípio geral. Os concretos efeitos jurídicos de cada particular
arrolamento, cremos bem, dependem do concreto condicionalismo em que o mesmo seja decretado, e muito
acentuadamente do fim ou interesse específico que com ele se vise prevenir. Pelo que de todo não afastamos a
possibilidade de que excecionalmente sejamos conduzidos à prolação de decisão registral restritiva, que recuse
a feitura do ato oponente tal como venha pedido. Sendo porém certo que para isso sempre será indispensável
que no facto sejamos capazes de surpreender a presença de um valor negativo devidamente caracterizado,
como acima se vincou.»

2.3. Foi também o que se entendeu no citado Proc. R.P. 63/2013 STJ-CC, no que concerne a procedimento
cautelar de arresto ou mesmo do próprio arresto, isto é, que a sua existência «não inviabiliza a transmissão e o
correspondente registo definitivo do prédio sobre o qual venha a recair a providência, apenas a torna ineficaz e
inoponível em relação ao requerente, como decorre do disposto nos artigos 619.º e 622.º do Código Civil.»

2.4. E quanto ao procedimento cautelar não especificado que visa estabelecer que o requerido não pode alienar
o prédio. Há alguma disposição legal cominando um valor negativo de invalidade (anulabilidade ou nulidade) no
caso de não ser respeitada a proibição? Julgamos de não21. O ato de disposição (alienação, concretamente),
quando muito, comportará ineficácia relativa.

2.4.1. Mas voltemos ao procedimento registado. O que pretendia o requerente era evitar a alienação dos
quinhões hereditários de determinados titulares inscritos, considerando que enquanto co-herdeiro gozava do
direito de preferência previsto no artigo 2130.º, n.º 1, do CC, e que a referida alienação prejudicaria este seu
direito.

2.4.2. Ora, deste ponto de vista, facilmente se compreenderá que a alienação dos quinhões hereditários pelos
obrigados à preferência, sem que o preferente tenha podido exercer a prelação devido ao cumprimento
defeituoso da obrigação de notificar, apenas dará ao preferente um direito à indemnização dos danos
decorrentes do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da obrigação a que os obrigados à preferência
estavam adstritos22 e o poder de, por via judicial [através de uma ação de preferência], haver para si a coisa
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21 Sumariou-se até, em consulta publicada na Revista de Legislação e Jurisprudência do Ano 80, n.º 2866, p. 295 e ss., o seguinte «Se no
processo de providências cautelares for imposta ao requerido a proibição de alienar e onerar os seus bens e ele não respeitar a proibição,
o requerente não pode, com esse fundamento, pedir a anulação dos atos de alienação e de constituição de ónus; o que pode é requerer
procedimento criminal por desobediência contra o infrator e exigir indemnização de perdas e danos.» De facto, o artigo 375.º do CPC
consagra ainda hoje uma garantia penal da providência e o artigo 483.º do CC um princípio geral de indemnização.

22 Cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8.ª Ed., Coimbra: Almedina, 1994, p. 380.

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alienada, mediante o pagamento do preço da alienação23 (artigos 2130.º, n.º 1 e 1410.º, n.º 1, do CC),
substituindo-se ao terceiro adquirente na posição que este ocupou no contrato celebrado com os obrigados à
preferência.

2.4.3. Por aqui se vê que o registo subsequente de transmissão de posição deveria ter sido qualificado
definitivamente24.

3. Sucede porém que é posto em causa aquele direito de preferência legal por nos termos do n.º 1 do artigo
1410.º, citado, não ter sido celebrada uma venda ou dação em pagamento mas antes uma permuta 25. Será que
foi?

3.1. Consideramos importante transcrever prontamente um exemplo ilustrativo oferecido no Processo C.P.
24/2010 SJC-CT26:

«Suponhamos a existência de um direito de preferência, legal ou convencional. A celebração, pelo obrigado à


prelação, de contrato de troca, em vez de venda, faz em princípio precludir o direito de preferência, ou torna pelo
menos o seu exercício muito problemático. Ora, se “A” cede a “B” o prédio “X”, em relação a cuja venda está
obrigado a dar preferência a “C”, e, como contrapartida, de “B” recebe o prédio “Y” e dinheiro, a qualificação
daquele negócio, no registo a que dê causa, como permuta […] oculta de “C” a completa natureza das

23 Cfr. MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra: Almedina, 1997, p. 187 e ss. e 215 e ss.

24 MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª Ed. (Rev. e Act.), Coimbra: Almedina, 2011, p. 459, reconhece a diferença
que existe relativamente ao contrato-promessa dotado de eficácia real e a preferência «erga omnes». No primeiro caso, se o promitente
não cumpre a promessa de alienação e transmite a coisa a terceiro, o beneficiário da promessa aproveita da ineficácia deste ato para
conseguir a transmissão da coisa nos termos prometidos. No pacto de preferência «erga omnes» [e na preferência legal] se o obrigado à
preferência aliena a coisa a um terceiro sem observar o disposto na lei, o preferente pode substituir-se ou sub-rogar-se ao adquirente, isto
é, exercendo o seu direito potestativo de ficar com a coisa em igualdade de condições.

Relativamente ao contrato-promessa foi decidido em Acórdão de 11-11-1997 (SILVA PAIXÃO) que «Como providência cautelar não
especificada, o promitente-comprador, com direito de execução específica, pode pedir que o promitente-vendedor seja proibido de vender
a coisa a terceiro.»
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25 Também MANUEL HENRIQUE MESQUITA, op. cit., p. 202 (nota 123), afirma que «As preferências legais que visam a aquisição de um
direito real só podem ser exercidas no caso de venda ou dação em cumprimento da coisa em relação à qual são conferidas. Ao
preferente, portanto, não é permitido fazer valer o se direito se a coisa for alienada através de um negócio diferente daqueles – v.g.,
através de uma troca ou de uma doação.» No mesmo sentido PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Ed. rev. e
act., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 400, em anotação ao artigo 423.º.

26 Disponível em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2010/p-c-p-24-2010.

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prestações envolvidas, o qual, contentando-se com a informação jurídica assim obtida, levá-lo-á, eventualmente,
a abster-se de intentar demonstrar, pelos meios próprios, que “A” não permutou mas sim vendeu, e que portanto
tem ou tinha direito a preferir.»

3.1.1. O mencionado processo teve como objeto a identificação da causa da aquisição [artigo 95.º, n.º 1, a)] em
contrato pelo qual uma das partes transmita à outra bem diferente de dinheiro, com determinado valor, e dela
receba, como contrapartida de valor global equivalente, bem diferente de dinheiro e dinheiro.

3.1.2. E, com vista à clareza na informação jurídica, aí se concluiu que não correspondendo esse contrato ao
legalmente típico modelo da compra e venda “pura” nem ao socialmente típico modelo de permuta “pura”, como
causa da aquisição deveria utilizar-se uma referenciação “complexiva”, com suficiente nível de concretização27.

3.2. Na verdade, como se realçou no citado Processo, para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, o elemento
característico do contrato de permuta consiste na ausência de qualquer objeto monetário que no contrato
desempenhe a função de meio de pagamento. Portanto, se a contrapartida for mista (dinheiro e bens diferentes
de dinheiro) o contrato é misto28.

3.3. Acompanhando a mesma doutrina, MENEZES LEITÃO, depois de realçar a controvérsia acerca da
«qualificação do contrato pelo qual as partes apesar de continuarem a efetuar a troca de bens, dado que eles
têm valores diferentes, uma delas inclui ainda uma prestação em dinheiro», explica que para certa doutrina o
contrato deve qualificar-se como troca, se o dinheiro é de pequeno valor e como venda, quando o valor do
dinheiro seja superior ao valor do bem que o acompanha. Para outra, deve antes acolher-se a qualificação de
troca ou venda se as partes, em termos subjetivos, consideraram mais relevante o bem trocado ou o dinheiro,
independentemente do valor. Para o Autor, a posição preferível é então a que a classifica como um contrato
misto de venda e permuta, determinando de acordo com a teoria da combinação a aplicação a cada atribuição
económica do regime que a regula 29.

3.4. Também PEDRO ROMANO MARTINEZ, em análise à compra e venda, mais precisamente a um dos seus
efeitos essenciais que é o do pagamento do preço, refere que se a parte se obriga a efetuar prestações não
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27 Foi até sugerido o uso de fórmulas (p. 10) como “contrato oneroso de transmissão” ou “transmissão contratual a título oneroso” e
proposta a especificação em “texto livre” do conteúdo das recíprocas prestações.

28 In Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 116.

29 Cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, 9.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2014, p.
159-160.

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pecuniárias, estar-se-á perante uma troca, mas que tal pode consubstanciar um contrato misto de compra e
venda e troca30.

3.5. Porém, na qualificação que faça do título não deve o conservador adotar uma doutrina ou outra, mas
consignar uma causa que reflita, com veracidade, o contrato realizado entre as partes.

*******

Em conformidade, propomos o deferimento do recurso e formulamos a seguinte,

CONCLUSÃO

A existência de registo de procedimento cautelar não especificado que vise estabelecer uma proibição
de alienação de quinhões hereditários a sujeito determinado para salvaguarda do direito de preferência
legal não deve conduzir à qualificação como provisório por natureza, nos termos do artigo 92.º, n.º 2,
alínea b) do CRP, do registo aquisitivo que viole essa proibição.

Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 29 de janeiro de 2015.


Blandina Maria da Silva Soares, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins,
Isabel Ferreira Quelhas Geraldes.
Este parecer foi homologado em 29.01.2015 pelo Senhor Vice-Presidente do Conselho Diretivo, em
substituição.

30 Cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contratos em Especial, 2.ª Ed., Lisboa: Universidade Católica Editora, 1996, p. 46.

Vide ainda o Parecer n.º 4/2002 do Concelho Consultivo da PGR, publicado no D.R., n.º 223, II série, de 26-09-2002, acessível em
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 01 • Data: 22-01-2014

https://dre.pt/application/file/3149315, nos termos do qual existirá permuta quando há equivalência entre o valor dos bens imóveis a trocar
e também quando, para acerto de diferenças de valor, haja necessidade de compensação monetária, salvo se a soma em dinheiro
constituir a prestação principal ou o elemento proeminente do contrato.

Sobre contratos mistos, vide, entre outros, VAZ SERRA, União de Contratos. Contratos mistos, “Boletim do Ministério da Justiça”, n.º 91,
dezembro/1959, p. 11 e ss.; JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Contratos mistos, “Boletim da Faculdade de Direito”, Vol. XLIV,
Universidade de Coimbra: 1968, p. 143 e ss. e , Das Obrigações em geral, cit., p. 281 e ss.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das
Obrigações, cit., p. 372 e ss.; e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atípicos, Coimbra: Almedina, 1995, p. 215 e ss.

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